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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
SUMÁRIO 1. Introdução; 2. Concepções de Constituição; 2.1. Introdução; 2.2. Constituição
•
sob o prisma sociológico; 2.3. Constituição sob o aspecto político; 2.4. Constituição em sen
tido jurídico; 2.5. Concepção culturalista da Constituição (a busca por alguma conexão entre
os sentidos anteriormente apresentados); 3. Classificação das Constituições; 3.1. Quanto à
origem; 3.2. Quanto à estabilidade (mutabilidade ou processo de modificação); 3.3. Quanto
à forma; 3.4. Quanto ao modo de elaboração; 3.5. Quanto à extensão; 3.6. Quanto ao con
teúdo; 3.7. Quanto à finalidade; 3.8. Quanto à interpretação; 3.9. Quanto à correspondência
com a realidade = critério ontológico; 3.10. Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática); 3.11.
Quanto à unidade documental (quanto à sistemática); 3.12. Quanto ao sistema; 3.13. Quanto
ao local da decretação; 3.14. Quanto ao papel da Constituição (ou função desempenhada pela
Constituição); 3.15. Quanto ao conteúdo ideológico (ou quanto ao objeto); 3.16. Outras clas
sificações; 4. Aplicabilidade das normas constitucionais; 4.1. Introdução; 4.2. A classificação
de José Afonso da Silva; 4.3. A classificação de Maria Helena Diniz; 4.4. A classificação de Uadi
Lammêgo Bulos; 4.5. Críticas; 5. Princípios instrumentais de interpretação da Constituição
e das leis; 5.1. Princípio da supremacia da Constituição; 5.2. Princípio da interpretação con
forme à Constituição; 5.3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis; 5.4. Prin
cípio da unidade da Constituição; 5.5. Princípio da força normativa; 5.6. Princípio do efeito
integrador; 5. 7. Princípio da concordância prática ou harmonização; 5.8. Princípio da máxima
efetividade ou da eficiência (intervenção efetiva); 5.9. Princípio da conformidade funcional
ou justeza; 6. Elementos da Constituição; 7. Quadro sinótico; 8. Questões; 8.1. Questões ob
jetivas; 8.2. Questões discursivas; Gabarito questões objetivas; Gabarito questões discursivas
1. INTRODUÇÁO
O vocábulo "Constituição" tem no verbo latino constituere sua origem etimológica e
sua conformação semântica, vez que o mesmo exterioriza o ideal de constituir, criar, deli
mitar abalizar, demarcar. O termo exprime, pois, o intuito de organizar e de conformar
seres, entidades, organismos.
1. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.
2. BURDEAU, Georges. Droit constitutionnel et institutions politiques. 71 ed. Paris: Générale de Droit et de Jurispru
dence, 1965.
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NATHAUA MASSON
3. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 281 ed. Malheiros, 2006, p. 38.
4. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.
5. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27.
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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
2. CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO
2.1. lntroduçáo
Partindo da premissa de que a definição precisa do vocábulo "Constituição" é tarefa árdua,
eis que o termo presta-se a mais de um sentido, reconhece-se uma gama variada de concepções
que tencionaram desvendá-lo, cada qual construída a partir de uma distinta forma de entender
e explicar o Direito. Em que pese serem rodas muito diversas e possuírem bases teóricas muitas
vezes opostas, são de grande valia doutrinária, pois foram possivelmente adequadas em algum
momento histórico (ou segundo um específico prisma de análise) e fornecem os elementos para
a síntese dialética que o constitucionalismo contemporâneo oferta hoje.
Far-se-á referência, nos irens seguintes, aos sentidos e as concepções de maior reper
cussão que disputam a conceituação adequada do termo.
6. FERDINAND, Lassalle. A Essência da Canstituiçãa. 91 ed. Brasília: Lumen Juris, 2009, p. 21.
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NATHALIA MASSON
A leicura que o autor faz dessa diversidade de normas na Constituição cria uma dico
tomia que as divide em "constitucionais" (aquelas normas vinculadas à decisão política
fundamental) e em "leis constitucionais" (aquelas que muito embora integrem o texto
da Consticuição, sejam absolutamente dispensáveis por não comporem a decisão política
fundamental daquele Estado).
Desta forma, constitucionais são somente aquelas normas que fazem referência
à decisão política fundamental, consticuindo o que hoje denominamos de "normas ma
terialmente consticucionais". Todos os demais dispositivos inseridos na Consticuição, mas
estranhos a esses temas, são meramente leis consticucionais, isto é, nos dizeres atuais: so
mente formalmente consticucionais.
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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
Esta concepção foi construída a panir das reses do mestre austríaco Hans Kelsen,
que se tornou mundialmente conhecido como o autor da Teoria Pura do Direito. Obser
ve-se, porém, que a teoria pura não é somente o título de uma obra e sim de um empreen
dimento que tencionava livrar o Direito de elementos estranhos à uma leitura jurídica de
seu objeto - isco é, visava desconsiderar a influência de outros campos do conhecimento
como o político, o social, o econômico, o ético e o psicológico, uma vez que estes em nada
contribuíam para a descrição das normas jurídicas - possibilitando que o Direito se elevas
se à posição de verdadeira ciência jurídica.
Para exemplificar sua teoria, Kelsen sugere que pareamos de um fenômeno jurídico
individual, como uma sentença. Acaso se pergunte por que a mesma é obedecida, o autor
soluciona a questão remerendo o questionador ao código que autoriza ao juiz decidir o
caso através da prolação da decisão - já que o código funciona como norma superior fun
dante que confere validade jurídica à sentença.
Mas a esca pode seguir-se outra pergunta, relativa à razão de o código ser válido. Por
mais uma vez Kelsen nos remete a norma superior que dá validade ao código: o legislador
está devidamente autorizado pela Constituição a editar as leis; desce modo, ao fazê-lo, está
obedecendo a Constituição.
Esta última, todavia, também compõe o sistema normativo e, como rodas as outras
normas, depende que algo lhe confira validade: se uma norma somente adquire cal status
a partir de uma outra norma, será preciso admitir que existe uma norma fundamentando
a Conscicuição'.
Pode ser que a acuai Constituição vigente em determinado Estado renha sido criada
mediante uma lei autorizada pela Constituição anterior, recirando sua validade desce do
cumento. Mas este último também pode cer sua validade questionada e assim sucessiva
mente, até se chegar à primeira Conscicuição daquele Estado, provavelmente criada através
da emancipação de um Estado freme a outro - revolução ou declaração de independência.
7. SGARBI, Adrian. Hans Ke/sen. Ensaias Introdutórias. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 13.
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Ainda assim, frente a essa primeira Constituição (que não esteja em disputa e seja,
portanto, eficaz8), a questão da validade permaneceria imperiosa, principalmente porque
se não for devidamente resolvida, toda a cadeia de fundamencação deixa de fazer sentido:
afinal, acaso se perca o fundamenco da Constituição, esta não estará apta a validar mais
nada, os códigos perderiam seu suporte e, por conseguince, os atos que nele se fundamen
tam também. O sistema desmoronaria.
Essa cadeia de validade ou hierarquia do Direito deve, portamo, encontrar um ponco
final sob pena de se chegar ao infinito, já que toda norma dependerá de uma superior e
assim indefinidamente.
A busca por esse último alicerce da ordem normativa levou Kelsen a construir a teoria
da norma fundamental, que irá justificar a validade objetiva de determinada ordem ju
rídica positiva. Chega-se a esta norma básica quando não se admite um único passo para
trás na cadeia de validade jurídica, pois ela será a norma superior por excelência, única a
não depender de outra que lhe dê suporte.
E esta independência é característica que decorre do próprio sentido que ela possui:
não é um documento factual, mas sim algo pressuposto. Kelsen explica melhor:
A norma que representa o fundamenro de validade de uma ourra norma é, em face
de�ra. uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma nor
ma não pode, cal como a investigação da causa de um determinado efeiro, perder-se
no inrerminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e
a mais elevada. Como norma mais elevada, ela cem de ser pressuposta, visco que nfo
pode ser posta por uma auroridade, cuja competência reria de se fundar numa norma
ainda mais elevada. [ . ) Uma cal norma, pressuposra como a mais elevada, será aqui
. .
designada como norma íundamenral. [ . ..) Todas as normas cuja validade pode ser
reconduzida a uma e mesma norma fundamenral formam um sisrema de normas,
uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonre comum da validade de rodas
as normas penencenres a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de va
lidade comum''.
Ao se valer, pois, dessa pressuposição - de que há uma norma básica, através da qual
todas as outras podem ser idencificadas numa sequência de atribuição de validade -, Kel
sen demonstrou se submeter à inAuência de Kanc no que diz respeito a aceitação de que em
todo ramo do conhecimento haverá de se reconhecer alguma pressuposição10•
Para finalizar a análise da concepção jurídica, deve-se dizer ainda que foram desenvol
vidos dois sentidos para o vocábulo "Constituição":
8. Para nosso autor a Constituição deixa de ser considerada em disputa e torna-se globalmente eficaz quando as
normas estão sendo obedecidas, isto é, servindo de parâmetro para as condutas, ou quando as normas não são
devidamente observadas, mas os funcionários estão efetivamente punindo, através da aplicação de sanções,
aqueles transgressores
9. KELSEN, Hans . Teoflo Puro do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 217.
10. "Segundo Kant, o trabalho de se encontrar os elementos universais do conhecimento não se dá sem alguma
pressuposição, através da qual todo o resto obtém sentido" (SGARBI, Adrian. Teoflo do Direito. 11 ed. Brasília:
Lumen Juris, 2007, p. 48).
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TEORJA DA CONSTITUIÇÃO
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NATHALIA MASSON
É nesse sentido que alguns aurores têm demonstrado inequívoca predileção pelo cul
turalismo como forma de entender e explicar o conceito de Constituição. De acordo com
Dirley: "Devemos, porém, confessar que a concepção de Constituição como faro cultural
é a melhor que desponta na teoria da Constituição, pois tem a virtude de explorar o texto
constitucional em rodas as suas potencialidades e aspectos relevantes, reunindo em si ro
das as concepções - a sociológica, a política e a jurídica - em face das quais se faz possível
compreender o fenômeno constitucional ".11
3. 1 . Quanto à origem
(A) Democrática
Igualmente denominada promulgada, popular ou votada, esta Constituição tem seu
texto construído por intermédio da participação do povo, de modo direto ou indireto (por
meio de representantes eleitos). Homenageia o Princípio Democrático na medida em que
confirma a soberania popular, demonstrando que Governo legítimo é aquele que se cons
trói afirmando a vontade e os interesses de seus governados.
Nos dizeres de José Afonso da Silva, são promulgadas "as Constituições que se origi
nam de um órgão constituinte composto de representantes do povo, eleitos para o fim de
as elaborar e estabelecer"13. Como exemplo desta tipologia, podemos citar as Constituições
brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.
(B) Outorgada
Considera-se outorgada (ou imposta, ditatorial, autocrática e carta constitucional)
a Constituição que é construída e estabelecida sem qualquer resquício de participação
popular, sendo i mposta aos nacionais como resultado de um aro unilateral do governante.
O povo não participa do seu processo de formação, sequer indiretamente. Nos dizeres de
Kildare "outorgada é a Constituição em que não há colaboração do povo na sua elabora
ção: o Governo a concede graciosamente"14.
11. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucionol. 6! ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 95.
12. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti
tucional. S! ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61.
13. SILVA, José Afonso da. Cursa de Direita Constitucional positivo. 28íl ed. Malheiros, 2006, p. 41.
14. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direita Constitucional: teoria da estada e da Constituição. Direito constitucionol
positivo. 14! ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Dei Rey, 2008, p. 273.
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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(C) Cesarista
Similarmente à outorgada, a Constituição intitulada cesarista cem seu texto elaborado
sem a participação do povo. No encanto, e diferentemente daquela, para entrar em vigor
dependerá de aprovação popular que a ratifique depois de pronta.
No mesmo sentido desces ensinamentos, José Afonso da Silva16 também a fasea o cará
ter popular dessas Constituições, vez que a participação dos indivíduos, nesses casos, não
é realmente democrática - afinal ocorre no intuito de conferir aparência de legítima (de
roupagem democrática) à tirânica e autoritária vontade do detentor do poder. Nas palavras
do autor, na classificação quanto à origem, pode-se agregar às ordinárias tipologias de
"promulgada" e "outorgada" um
ourro ripo de Constituição, que não é propriamente ourorgada, mas tampouco é democrá
tica, ainda que criada com a parricipação popular. Podemos chamá-la Consriruição cesarista,
porque formada por plebiscito popular sobre um projeto por um imperador (plebisciro na
poleônico) ou um ditador (plebiscito de Pinocher, no Chile). A parricipação popular, nesses
casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a vontade do detentor do podcr1".
15. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15' ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 89.
16. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 251 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 42.
17. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 281 ed. Malheiros, 2006, p. 41-42.
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Essa é também a posição de José Afonso da Silva, para quem a estabilidade das Cons
tituições é importante para assegurar certa permanência e durabilidade das instituições,
mas não deve ser absoluta, significando imutabilidade. Na percepção do auror:
Não há Consricuição imucável diance da realidade social cambianre, pois não é ela ape
nas um inscrumenro de ordem, mas deverá-sê-lo, também, de progresso social. Deve-se
assegurar cerca estabilidade conscirucional, ( . . .) mas 5em prejuízo da consranre, canro
quanro possível, perfeita adaptação das consriruiçóes às exigências do progresso, da evo
lução e do bem-esrar social" ' 1 •
18. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. lSi ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 89.
19. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 261 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 11.
20. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direita
Constitucional. 5! ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 62.
21. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 28! ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.
41-42.
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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(C) Fixa
Igualmente inciculada silenciosa - já que não há em seu texto o procedimenco de
modi ficação de seus dispositivos -, reconhece a possibilidade de seu texto sofrer refor
ma, porém apenas pelo órgão que a criou (poder constituinte originário). Hoje tidas
por relíquias históricas, podem ser exemplificadas pelo Escacuco do Reino da Sardenha
de 1 848 (que depois vem a ser a Constituição da Itália) e a Constituição Espanhola
de 187624•
(D) Rígida
A alteração desta Constituição é possível, mas exige um processo legislativo mais com
plexo e solene do que aquele previsco para a elaboração das demais espécies normativas, in
fraconsticucionais. Tais regras diferenciadas e rigorosas são estabelecidas pela própria Cons
tituição e comam a alteração do texco constitucional mais complicada do que a feitura das
leis comuns.
22. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 51 ed. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 111.
23. Art. 174, Constituição Imperial de 1824: "Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se
conhecer, que algum dos seus artigos merece roforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem
na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles".
24. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43.
25. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teona do estado e do Constituição. Direito constitucional
positivo. 141 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Dei Rey, 2008, p. 274.
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- conforme dispõe o are. 60, CF/88, há que haver a aprovação em cada Casa do Congresso
Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal, em dois turnos, em cada qual sendo
necessária a obtenção da maioria de 3/5 dos componentes da Casa respectiva.
Há, todavia, uma leve divergência doutrinária a respeito desta classificação. Alexan
dre de Moraes emende ser a Constituição de 1988 superrígida, pois, além de suscetível a
processo legislativo diferenciado, possui, segundo o autor, normas imutáveis (as cláusulas
pécreas, constantes do are. 60, § 4°, CF/88). Nos dizeres do aucor "a Constituição Federal
de 1988 pode ser considerada como superrígida, uma vez que em regra poderá ser altera
da por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pomos é
imutável (CF, are. 60, § 4° - cláusulas pétreas)"26•
Percebe-se, pois, que o autor identifica diferences graus de rigidez, concebendo, pois,
uma rigidez que extrapola o comum. Assim, na sua percepção, já que a Constituição brasi
leira de 1988 possui, no are. 60, § 4°, cláusulas imodificáveis, intituladas cláusulas pétreas,
teria um cerne fixo que a caracterizaria enquanto superrígida.
Por fim, outro exemplo de Constituição notadamence rígida é a dos Estados Unidos
da América, que somente pode ser modificada se a proposta de alteração for aprovada por
2/3 dos componentes das duas Casas do Congresso (Câmara de Representantes e Senado)
e se, depois disso, for ratificada por crês quartos dos Estados da Federação nas Assembleias
Legislativas ou em Convenções estaduais27•
(E) Flexível
Contrapõe-se à rígida, uma vez que pode ser modificada por intermédio de um proce
dimento legislativo comum, ordinário, não requerendo qualquer processo específico para
sua alteração.
26. MORAES, Alexandre. Direito Constitucionol. 15! ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 41.
27. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teoria do estado e do Constituição. Direito constitucionol
positivo. 14! ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Dei Rey, 2008, p. 275.
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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
ordinária contrastante com o teor do cexco conscicucional, o alcera28• Por outro lado no
ra-se, entre o cexco conscicucional e o restante do corpo normativo, supremacia material,
de conteúdo - sendo constitucionais as normas que regulamentam a estrutura política
do Estado.
(F) Transitoriamenteflexível
Possuidora de Aexibilidade temporária, autoriza durante cerco período a alteração de
seu cexco através de um procedimento mais simples, baseado no rico comum; vencido este
primeiro estágio, passa a somente permitir a modificação de suas normas por intermédio
de um mecanismo diferenciado, quando, então, passa a ser considerada rígida.
Porque cal Constituição não é ao mesmo tempo flexível e rígida (é primeiro flexível,
e depois passa a condição de documento rígido) não pode ser intitulada semirrígida ou
semiflexível (tipologia apresentada no icem seguinte). Conscicui uma forma autônoma,
cunhada doucrinariamence para dar conta de Constituições como a de Baden, de 1947 ou
a da I rlanda de 1937-�1•
(G) Semirrigida
Estamos diante de uma Constituição semirrígida - também conhecida como semi
flexível - quando o mesmo documento conscicucional pode ser modificado segundo ricos
distintos, a depender de que ripo de norma esteja para ser alterada. Neste ripo de Consci
cuição, alguns artigos do cexco (os que abrigam os preceitos mais importantes) compõem a
parte rígida, de forma que só possam ser reformados por meio de um procedimento dife
renciado e rigoroso, enquanto os demais (que compõe a parte flexível) se alteram seguindo
processo menos complexo, menos dificulcoso.
28. SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucionol positivo. 281 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.
41-42.
29. "Embora se faça referência à Constituição inglesa, trata-se da Constituição do Reino Unido, que vige na Inglater
ra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. Com efeito, através dos atos da União (acts of Union), de 1706 a
1800, respectivamente, foram abolidos os parlamentos escocês e irlandês, surgindo o Reino Unido, sendo que
o Parlamento em Westminster é composto de membros que representam os eleitorados de todos esses países,
com competência para elaborar as leis para toda e qualquer parte do Reino Unido". (CARVALHO, Kildare Gonçal
ves. Direito Constitucional: teoria da estado e da Constituição. Direito constitucional positivo. 141 ed. Rev. Atual.
e ampl. Belo Horizonte: Dei Rey, 2008, p. 274).
30. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43.
31. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43.
32. Art. 178, Constituição Imperial de 1824: "É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respec
tivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Políticos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional,
póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias".
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NATHALIA MASSON
Atenção para um equívoco corriqueiro, que deve ser evitado: a Constituição não es
crita não possui somente normas não escritas. Ao contrário, é formada pela junção destas
com os textos escritos! Como exemplo, além das Constituições de Israel e a da Nova Ze
lândia, podemos mencionar a Constituição inglesa37•
No mais, sobre a (reduzida) importância da classificação apresentada neste item, pre
ceitua Gilmar Mendes que quanto à forma,
33. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional
positivo. 14! ed. rev. atual e ampl. Belo Horizonte: Dei Rey, 2008, p. 276.
34. José Afonso da Silva reconhece a existência de conexão entre o conceito de Constituição dogmática e o de Cons
tituição escrita, bem como entre o de Constituição histórica com o de Constituição não escrita. Na percepção
dele a Constituição dogmática é sempre escrita, e a histórica necessariamente não escrita. (SILVA, José Afonso
da. Curso de Direito Constitucional positivo. 28! ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 41.)
35. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 28! ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 41.
36. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucionol. 6! ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 62.
37. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucionol positivo. 28! ed. Malheiros, 2006, p. 41 .
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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
38. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito
Constitucional. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 62.
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NAIHALIA \IASSON
(B) Concisa
Sintética (concisa, sumária ou reduzida) é a Constiruição elaborada de forma breve,
com preocupação t'.1nica de enunciar os princípios básicos para a estruturação estatal, man
tendo-se restrita aos elementos subsrancialmence constitucionais.
Por ser um documento sucinto, elaborado de modo bastante resumido, seu texto se
encerra após estabelecer os princípios fundamentais de organização do Estado e da socie
dade. Tem-se como exemplo desse tipo de Constituição a dos Estados Unidos da América,
de 1787, possuidora de apenas sete artigos originais (redigidos em 4.400 palavras, tão
somente!).
Parcela da doutrina vê virtudes nestas Constituições em razão da sua maior duração
ao longo do tempo, "por serem mais facilmente adaptáveis às mudanças da realidade, dado
o seu caráter principiológico, sem que haja necessidade de constante alteração formal do
seu rexto"·11•
Outros juristas42, no entanto, destacam ser corriqueira a exaltação das vantagens das
Constituições sintéticas (como é a dos Estados Unidos) e as críticas às Constiruições ana
líticas, como a nossa de 1988 e tantas outras, cujo textos, considerados volumosos, e dera
lhistas, dificultariam as interpretações atualizadoras e obrigariam o constiruince derivado
a sucessivos esforços de revisão. No entanto, conforme adverte Gilmar Mendes "convém
39. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito
Constitucionol. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 63.
40. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucionol. 61 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 73.
41. CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito Constitucionol. 111 ed. Belo Horizonte: Dei Rey, 2005, p. 203.
42. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti
tucional. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 63.
42
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
não perdermos de vista que as Constituições - assim como o direico, em geral, e as demais
coisas do espírico - refletem as crenças e as tradições de cada povo, valores que não podem
ser trocados por modelos alienígenas"H.
Nesse sentido, segundo Gisela Maria Bescer a evidente prolixidade e inequívoca ex-
tensão do nosso texto são um reflexo perfeito das
virrudcs e os defeitos do povo brasileiro. E se ela é exccnsa, é porque não somos sutis a pon
to de termos regras claras e objetivas com paralela economia de palavras. Não, não somos
dados à sutilezas; nós somos explíciros, minudentes e repetitivos, e bem por isso precisamos
inserir e repetir no texto constitucional regras que pareceriam óbvias em outras culruras. Se
a Consriruiçáo é "exagerada", é porque nós brasileiros, somos exatamente assim: exagerados,
expansivos, largos nos sorrisos e nas maneiras. Somos abundantes nas cores, nos decores,
das mesas postas, na volupruosidade da exibição dos corpos masculinos e femininos. Somos
furcos na exposição de nossas vaidades, mas cambém na administração do que vem de fora.
Falamos alro, furamos filas, mas também somos exuberante solidários, acolhedores, hospi
taleiros, sensíveis, emotivos. Um sem-número de outros defeitos e qualidades poderiam ser
descritos, mas os listados já nos bastam para provarmos uma tese irrefutável: a tese de que
a Constiruiçáo é o nosso retrato. A Consciruição modelo, dos Estados Unidos, enxuta na
forma, breve, objetiva, calvez não nos çirva porque somos de uma exuberante extroversão, daí
que para nós só poderia ser mesmo uma Constituição do tipo generosa.••
43. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti
tucionol. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 63.
44. BE5TER, Gisela Maria. Direito Constitucional -fundamentos teóricos, p. 115-116, opud CARVALHO, Kildare Gon
çalves de. Direito Constitucional. 111 ed. Belo Horizonte: Dei Rey, 2005, p. 295.
43
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45. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 221 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12-13.
44
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(B) Balanço
Igualmente intitulada "Constituição-registro", é própria dos regimes socialistas - as
Constituições de 1924, 1936 e 1977 da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
são exemplos. Esta tipologia constitucional, cujo "olhar" se volta para o presente, procura
explicitar o desenvolvimento acuai da sociedade e ser um espelho fiel capaz de traduzir os
patamares em que se encontram a economia e as inscicuições políticas.
Nos dizeres de Manoel Gonçalves Ferreira Filho
é a Consriruiçáo que descreve e regisrra a organização polírica esrabelecida. Na verdade,
segundo essa dourrina, a Consriru içáo regisrraria um esrágio das relações de poder. Po r
isso é que a URSS, quando alcançado novo esrágio na marcha para o socialismo, adora
ria nova Consriruiçáo, como o fez em 1 924, a 936 e 1 977. Cada uma de rais Consrirui
çóes faria o balanço do novo esrágio.16
(C) Dirigente
Contrapondo-se à Constituição-garantia, consagra um documento engendrado a par
tir de expectativas lançadas ao fucuro, arquitetando um plano de fins e objetivos que serão
perseguidos pelos poderes públicos e pela sociedade .t. marcada, pois, pela presença de
.
46. FERREIRA FILHO, Manoel Gonça lves Curso de Direito Constitucional. 221 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13.
.
47. CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito Constitucional. 111 ed. Belo Horizonte: Dei Rey, 2005, p. 204-205.
45
NAIHALIA MASSON
constitucional: basta aplicar na literalidade a norma jurídica cabível na hipótese que solu
cionada está a controvérsia.
(B) Semântica
Em sentido inverso à nominalista, Constituição semântica é aquela cujo texto exige
a aplicação de uma diversidade de métodos interpretativos para ser realmente entendido.
Nesta tipologia, onde se enquadram os documentos constitucionais atuais, a interpretação
literal (ou gramatical) não é suficiente para a compreensão e deve ser aliada a diversos
outros processos hermenêuticos no intuito de viabilizar uma ampla assimilação do docu
mento constitucional.
Finalmente, cumpre informar que algumas precauções devem ser romadas no estudo
do tema "classificações", pois diferentes aurores se valem de idênticos vocábulos para obter
conclusões muito particulares. É o que se passa com os termos "nominalista" e "semânti
ca": utilizados neste irem para dar coma das espécies de Constituições segundo a aplicação
(ou não) de diferentes processos hermenêuticos para o entendimento de seu texro, serão
apresentados no próximo item com outra, e absolutamente, diversa significância - como
termos que, juntamente com o vocábulo "normativa", compõem a classificação das Cons
tituições segundo a correspondência com a realidade, de Karl Loewenstein. Além dis
so, a doutrina noticia48 que o professor português J. ]. Gomes Canorilho também utiliza
os termos "semântica" e "normativa" de maneira inusitada e inovadora: "semânticas", na
percepção do autor, são aquelas Constituições "de fachada", não possuidoras de justiça e
bondade em seus conteúdos, meramente formais, e "normativas" são as Constituições que
preveem direitos e garantias fundamentais e limitam o poder do Estado, fazendo-o com
efetiva bondade - um altruísmo e benevolência que materialmente orientam a produção
de rodo o texto.
48. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 51 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 117.
46
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(A) Normativa
Nesta Constituição há perfeita sintonia entre o texto constitucional e a conjuntu
ra política e social do Estado, de forma que a limitação ao poder dos governantes e a
previsão de direitos à população sejam estritamente observadas e cumpridas. O texto
constitucional é de tal forma eficaz e seguido à risca que, na prática, vê-se claramente
a harmonia entre o que se estabeleceu no plano normativo e o que se efetiva no mundo
fárico49. O resultado é o reconhecimento de que há verdadeira correspondência entre
o que está escrita na Constituição e a realidade, afinal, os processos políticos de poder
se submetem às normas constitucionais, sendo por elas guiados. Um bom exemplo é a
Constituição Americana de 1 787.
(B) Nominativa
Esta já não é capaz de reproduzir com exara congruência a realidade política e social
do Estado, mas anseia chegar a este estágio. Seus dispositivos não são, ainda, dotados de
força normativa capaz de reger os processos de poder na plenitude, mas almeja-se um dia
alcançar a perfeita sintonia entre o texto (Constituição) e o contexto (realidade). Daí :id
vém a virtude principal desce ripo de Constituição: na sua função prospectiva, de almejar
num futuro próximo a adequação ideal entre normas e realidade fática, é bastante edu
cativa. Outro ponto de destaque é que, assim como a Constituição normativa, é dotada,
inequivocamente, de valor jurídico.
Nossa Constituição de 1988 (aliás, como roda Constituição nominal) nasceu com
o ideal de ser normativa - isso porque saíamos de uma época ditatorial (Constituição se
mântica), que somente legitimava o poder autoritário, com o intuito de construir um texto
absolutamente comparível com a nova realidade democrática que se instaurava - mas,
obviamente, não conquistou essa finalidade, pois ainda hoje existem casos de absoluta
ausência de concordância enrre o rexro constitucional e a realidade. É, pois, um exemplo
de Constituição nominal (ou nominalista). Outros exemplos: as Constituições brasileiras
de 1934 e 1946.
49. Uma boa metáfora, apresentada pelo próprio Loewenstein (e citada por Dirley Curso de Direito Constitucio
-
nol. 6t ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 128) refere-se à vestimenta, pois, nos dizeres do autor, a Constituição
normativa é aquela que tal qual uma roupa que "cai muito bem" e se assenta perfeitamente ao corpo, adorna
precisamente a realidade.
47
NATHALIA MASSON
(C) Semântica
É a Constituição que nunca pretendeu conquistar uma coerência apurada entre o tex
to e a realidade, mas apenas garantir a situação de dominação estável por parte do poder
autoritário. Típica de estados ditatoriais, sua função única é legitimar o poder usurpado
do povo, estabilizando a intervenção dos ilegítimos dominadores de fato do poder políti
co. Por essa razão é tida corno um simulacro de Constituição, afinal trai o significado do
vocábulo "Constituição" que é, necessariamente, um documento limitador do poder, com
finalidade garancisca, e não um corpo de normas legitimadoras do arbÍtrio.
Esquematicamente:
. "'
Pretende
avaliar o grou de
comunicabilidade
entre o texto
• constitucional e o
Quanto à correspondAncla com a realidade realidade o ser
(critério ontológico Karl Loewenstein)
• normatizada
48
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(B) Ortodoxa
Esta Constituição é construída tendo por base um pensamento único, que afasta
o pluralismo na medida em que descarta qualquer possibilidade de convivência entre
diferences grupos políticos e distintas teorias. Só há espaço para uma exclusiva ideologia
- não há espaço para conciliação de doutrinas opostas. São exemplos a Constituição da
China, de 1982, e a da extinta União Soviética, de 1977.
(A) Orgânica
Constituição orgânica é aquela disposta em uma estrutura documental única, na
qual todos os dispositivos estão articulados de modo coerence e lógico. Não há espaço
para identificação de normas constitucionais fora da Constituição - esta última exaure
os dispositivos constitucionais, não sendo possível a existência de normas com valor
constitucional que estejam fora de seu texto.
(B) Inorgânica
Em contraposição à unitextual, temos a pluritextual (ou inorgânica) que é formada
por diversas estruturas documentais, ou seja, suas normas estão dispersas em variados
documencos, pois diferences textos irão compor o que denominaremos "Constituição".
50. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 5t ed. São Paulo: Método, 2011, p. 118.
49
NATHALIA MASSON
preâmbulo, sendo que ele remete para a Declaração dos Direitos de 1789 e ao preâmbulo
da Constituição de 1946.
Como a doutrina nunca é uníssona na utilização dos termos, lembremos que Bo
navides51 intitula a Constituição orgânica de codificada, distinguindo-a da legal, aqui
nominada inorgânica. Nos dizeres do autor
Também Pinto Ferreira54 se vale de termos distintos aos aqui usados: para o autor, as
Constituições orgânicas se equivalem às reduzidas e as i norgânicas às variadas.
3. 1 2. Quanto ao sistema
Esta classi ficação, concebida por Diogo de Figueiredo Moreira Neco55, divide os
textos constitucionais em principiológicos e preceituais, a depender da preponderância
de regras ou princípios, vale dizer, do grau de abstração das normas que predominam.
(A) Principiológica
Nesta os princípios ganham relevo, são as normas que preponderam. E como prin
cípios possuem grau de abstração significativo, para serem concretizados necessitarão de
mediação legislativa ou judicial. A doucrina56 considera nossa acuai Constituição como
representante desta modalidade.
51. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18! ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 87.
52. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18! ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 87.
53. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucionol. 18! ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 88.
54. Conforme Pinto Ferreira, apud CARVALHO, Klldare Gonçalves de. Direito Constitucional. 11 ed. Belo Horizonte:
ª
50
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(B) Preceituai
Constituído conferindo primazia às regras, o texto da Constituição preceituai pos
sui normas com alto grau de precisão e especificidade, o que permite uma imposição
direta e coercitiva de seus dispositivos. Em virtude da predominância de normas com
grau superior de deccrminabilidade, as Constituições preceituais rendem a ser excessiva
mente decalhiscas. A Constituição mexicana de 1917 é eirada pela doutrina pátria como
exemplo.
(B) Autoconstituição
Também intitulada autônoma, é a Constituição elaborada dentro do próprio Estado
que irá estruturar normativamente e reger. Em regra, as Constituições são desce ripo -
inclusive a nossa acuai, de 1988.
57. SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionolização do direito: os direitos fundomentols nos relações entre particulares.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 111-115.
51
NATHALIA MASSON
(Li) Constituição-lei
Inviável em documentos rígidos e consagradores do princípio da supremacia formal
da Constituição - como é o caso do nosso texto de 1988 -, nesta acepção tem-se Cons
tituições equiparadas às demais leis do ordenamento, desprovidas de status hierárquico
diferenciado. Nesse sentido, como as normas constitucionais estão em idêntico patamar
da legislação ordinária, não possuindo superioridade em relação a estas, não são capazes
de moldar a atuação do legislador e funcionam, unicamente, como diretrizes não vin
culantes.
(B) Constituição-moldura
Numa interessante metáfora, nesta concepção a Constituição é só a moldura de
u m quadro vazio, funcionando como limite à atuação do legislador ordinário, que não
poderá atuar fora dos limites previamente estabelecidos. Assim como num quadro a
pintura está restrita aos limites da moldura que o guarnece, também no ordenamento a
atuação legislativa estaria circunscrita ao perímetro estabelecido pela Constituição. Des
sa forma, a preocupação da jurisdição constitucional seria, tão somente, a de verificar se
o legislador agiu dentro dos contornos da moldura constitucional, isto é, se o "desenho"
legislativo está dentro do quadro ou se extrapolou as bordas definidas. Seguindo com a
representação simbólica, é como se não i mportasse o que o legislador ilustrou no quadro,
ao contrário, o que interessa é saber se ele se manteve dentro dos limites do quadro!
Virgílio aponta58 que esta acepção não é novidade, apesar de recentemente ter sido
fortemente resgatada pela doutrina alemã, especialmente no intuito de fornecer outra
opção à teoria dos princípios de Robert Alexy. É também, e nocadamente, uma modali
dade i ntermediária entre a apontada no item anterior (Constituição-lei) e a que a seguir
será estudada (Constituição-fundamento).
(C) Constituição-fundamento
Vista enquanto lei fundamental, esta Constituição diferencia as normas constitu
cionais das demais, na medida em que as situa num plano de superioridade valorativo
que as torna cogentes para legisladores e indivíduos. Nas precisas palavras de Virgílio "a
Constituição é entendida como lei fundamental, não somente de toda a atividade estatal
58. SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do direito: os direitosfundamentais nas relações entre particulares.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 115.
52
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
e das atividades relacionadas ao Estado, mas também a lei fundamental de roda a vida
social "59.
(A) Liberal
Tendo como exemplos clássicos a Constituição dos EUA, de 1787 e a francesa, de
179 1 , Constituições liberais são aquelas que correspondem às já mencionadas Constitui
ção-garantia. Visam, pois, delimitar o exercício do poder estatal, assegurar liberdades
individuais, oponíveis ao Estado, e as garantias que assegurem a realização dos direitos
por pane dos indivíduos. São Constituições que veem o Estado circunscrito às funções
de repressão e proteção, despossuído de políricas de desenvolvimento social e econômi
co62.
(B) Social
Típicas de um constitucionalismo pós liberal, as Constituições soc1a1s passam a
consagrar em seus textos não só direitos relacionados à liberdade, mas também prerro
gativas de cunho social, cultural e econômico. A atuação do Estado deixa de ser mera
mente negativa, como era nas Constituições liberais, para se tornar positiva, na medida
em que fica claro que as políticas estatais são eficientes vetores para o alcance de uma
igualdade material. Como muitas vezes as normas que celebram o agir estatal, na conse
cução de fins previamente traçados e delineados, são normas programáticas, definidoras
de planos para o futuro, é natural a associação entre a Constituição liberal e a dirigente.
59. SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 112.
60. SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 113.
61. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6! ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 74.
62. MORAES, Guilherme Pena de. Cursa de Direito Constitucional. 3! ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 66.
53
NATHAUA MASS01'\
(Li) Suave
Pensada pelo jurista italiano Gustavo Zagrebelsky6·1, "Costituzione mire" (ou leve,
soft, dúctil) é aquela que, numa sociedade extremamente diversificada e fragmentada
por interesses plurais, não prevê um único modo de vida e o estabelece como parâmetro
exclusivo a ser seguido por seus cidadãos.
(B) Plástica
Aqui falta acordo doutrinário: enquanto Pinto Ferreira65 preceitua ser a Constitui
ção plástica um sinônimo de Constituição Aexível, os demais66 veem o termo "plástica"
como caractere que confere ao texco constitucional certa maleabilidade, que o permite
acompanhar as oscilações típicas da realidade fática.
Seria, portanto, uma Constituição que permitiria constantes releituras, cujo texto
seria permanentemente reinterpretado para melhor acompanhar as mutações da socie
dade.
63. ZAGREBELSKY, Gustavo. li diritto mite: legge, diritti, giustizia. Torino: Einaudi, 1992, p. 10 et seq.
64. Conforme muito bem assinalado por NOVELINO, Marcelo. Direita Constitucional. St ed. São Paulo: Editora Mé
todo, 2011, p. 111.
65. FERREIRA, Pinto. Cursa de Direito Constitucional. 91 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 12.
66. HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Dei Rey, 1995, p. 240; BULOS, Uadi
Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 43.
54
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(C) Expansiva
Com a pretensão de dar conta de textos constitucionais que, comparativamente aos
anteriores que regiam a vida daquele mesmo Estado, têm seu conteúdo ampliado, essa
classificação, indicada por Raul Machado Horca6�, indica Constituições que conferem
juridicidade a novas situações e estendem o tratamento jurídico de diversos outros temas
já presentes nos documentos constitucionais anteriores.
Como exemplo, pode-se citar nossa Constituição da República de 1988: esta, além
do acréscimo feito no tratamenco de alguns assuntos, como os direitos e garamias funda
mentais - cujo rol foi significativamente incrementado - igualmente trouxe inovações,
tal qual a consagração expressa do princípio da dignidade da pessoa humana enquanto
fundamento do Estado Democrático de Direito, reconhecendo o legislador constituinte
de 1988 que não é a pessoa humana que existe em fu nção do Estado, e sim o conrdrio.
(D) Em Branco
Nesta Constituição, as alterações no texto são viáveis. No entanto os aspectos pro
cedimentais que oriencarão as mudanças não estão previstos na Constituição. A reforma,
se for feita, subordinar-se-á ao regramenco imposto pelo órgão revisor, que estipulará ele
mesmo as regras formais e os obstáculos de conteúdo que deverão ser observados quando
da reestruturação do documento. Traçando um paralelo, a Constituição em branco não
possui um artigo cal qual o are. 60 da acuai Constituição brasileira, que direciona o po
der reformador quando da feitura das emendas constitucionais, explicitando lim itações
que rigorosamente deverão ser acatadas. A doutrina cita as Constituições francesas de
1799 e de 1814 como exemplares de Constituições em branco.
67. HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 41 ed. p. 207-210, apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Es
quematizada. 131 ed. São Paulo: Método, 2009, p. 47.
55
NATHALIA MASSON
••• Outorgada
Rígida (CF/88)
Quanto à
estabilidade
•• Semi-Rígida
Imutável
Transitoriamente I mutável
Fixa
Quanto à forma
•{ •
•
Flexível
Transitoriamente Flexível
Escrita (CF/88)
Não Escrita
{
•
Quanto à ••
{
• Histórica
Analítica (CF/88)
•{ ••
extensão Concisa
Quanto ao
conteúdo
{ Formal (CF/88)
Material
Quanto a
f.ma l"d
1 ade
,
•• Dirigente (CF/88)
.
Garantia
{ ••
Ba 1anço
Quanto à
correspondência
{ ••• Nominalista
Nominativa (CF/88)
Normativa
{ ••
com realidade Semântica
{•
ideologia Ortodoxa
{•
•
. • Principiológica (CF/88)
Quanto ao sistema
Preceituai
{
clas ificações ••
Outras
•
•
Heteroconstituição
Plástica (CF/88)
Suave(CF/88)
Expansiva (CF/88)
Em branco
56
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
57
NATHALIA \fASSON
Aplicabilidade
direta e imediata
Aplicabilidade
direta e imediata
(sujeita à restrições)
Quanto a princípios
institutivos
Aplicabilidade
reduzida
Declaratória
de princípios
programáticos
As normas de eficácia plena são aquelas capazes de produzir rodos os seus efeitos
essenciais simplesmente com a enrrada em vigor da Constituição, independentemente de
qualquer regulamentação por lei. São, por isso, <locadas de aplicabilidade:
imediata , eis que estão apcas a produzir efeitos imediatamente, com a simples
promulgação da Conscicuição;
direta , pois não dependem de nenhuma norma regulamencadora para a produ
ção de efeicos; e
integral , porque já produzem seus integrais efeitos, sem sofrer quaisquer limi
tações ou restrições.
Por seu turno, as normas de eficácia contida69 são aquelas que também estão aptas
para a produção de seus plenos efeitos desde a promulgação da Constituição (aplicabili
dade imediata), mas que podem vir a ser restringidas. O direito nelas previsto é imediata
mente exercicável, com a simples promulgação da Constituição. Entretamo, cal exercício
poderá ser rescringido no futuro. São, por isso, dotadas de aplicabilidade:
imediata, por estarem aptas a produzir efeitos imediatamente, com a simples
promulgação da Constituição;
direta , pois não dependem de nenhuma norma regulamentadora para a produ
ção de efeitos;
68. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6• ed. São Paulo, Malheiros, 2003, p. 88-102.
69. Michel Temer as define como normas constitucionais de aplicabilidade plena e eficácia redutível ou restringível.
(TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 71 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 27.)
58
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(/:!) por lei (ex.: are. 5°, XIII, da CF/88, que prevê as remições ao exercício de traba
lho, ofício ou profissão, que poderão ser impostas pela lei que estabelecer as qualificações
profissionais, bem como o disposto no are. 5°, LXXVIII, da CF/88);
{B) por outras normas constitucionais (ex. : are. 1 39 da CF/88, que impõe restrições
ao exercício de certos direitos fundamentais durante o período de estado de sítio);
As normas de eficácia limitada são aquelas que só produzem seus plenos efeitos de
pois da exigida regulamentação. Elas asseguram determinado direito, mas este não poderá
ser exercido enquanto não for regulamentado pelo legislador ordinário. Enquanto não
expedida a regulamentação, o exercício do direito permanece impedido. São, por isso,
dotadas de aplicabilidade:
59
NATHALJA MASSON
Devemos ter atenção especial para uma questão: de faro, como regra, a Constituição
Federal estabelece que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm
aplicabilidade imediata (are. 5°, § 1°, CF/88). Porém, afirmar que uma norma constitu
cional é dotada de aplicabilidade imediata não significa dizer que ela dispensa a atuação
positiva por parte dos poderes públicos. Significa dizer, apenas, que o direito nela previsto
poderá ser exigido pelo seu destinatário de imediato, sem necessidade de regulamencação
por lei.
Vejamos um exemplo: o inciso LXXIV do are. 5°, CF/88, estabelece que o Estado
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de re
cursos. Trata-se, conforme já decidiu o STF, de norma de aplicabilidade imediata (eficácia
plena), isco é, o indivíduo pode, com a simples promulgação da CF/88, pleitear essa assis
tência gratuita, sem necessidade de aguardar qualquer regulamencação por lei. Por outro
lado, é norma que exige uma prestação positiva por parte do poder público, que deverá,
por meio das defensorias públicas (are. 134, CF/88), concretizar essa determinação cons
titucional.
(A) Normas com eficácia absoluta (ou supereficazes). São consideradas imutáveis, não
podendo ser emendadas; São, enfim, os princípios constitucionais sensíveis72 e as chama
das cláusulas pécreas'3, a saber:
forma federativa de Estado; li - o voto direto, secreto, universal e periódico; Ili - a separação dos Poderes; IV-os
direitos e garantias individuais".
60
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(1) a forma federativa de Estado (arts. 1°, 1 8, 34, Vll , "c", 46, § 1 °, CF/88);
(2) o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14, CF/88);
(3) a separação dos Poderes (arr. 2°, CF/88); e
(4) os direitos e garantias individuais (art. 5°, I a LXXVIII, CF/88);
(B) Normas com eficácia plena, que equivalem às normas de eficácia plena do Prof
José Afonso da Silva;
(C) Normas com eficácia relariva restringível; que equivalem às normas de eficácia
contida do Prof José Afonso da Silva;
(D) Normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação
legislativa; que equivalem às normas de eficácia limitada do Prof José Afonso da Silva,
sendo dividas em:
(1) Normas de princípio institutivo;
(2) Normas programáticas.
4.S. Críticas
Críticas robustas têm sido feitas à teoria da aplicabilidade das normas constitucionais.
A principal delas, apontada pelo professor Gilmar Ferreira Mendes�\ refere-se à inexis
tência de critérios seguros e balizas objetivas para identificar o grau de aplicabilidade das
normas, o que torna cal teoria insegura e inconsistente. A segunda crítica digna de nota é a
que afirma que a teoria da aplicabilidade das normas constitucionais cria uma subversão na
estrutura hierárquica do ordenamento jurídico ao dar mais importância à regulamentação
infraconsricucional do que à própria norma constitucional.
S.
PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTI
TUIÇÃO E DAS LEIS
A partir do reconhecimento de que a proteção simultânea no ordenamento jurídico de
diversificados direitos e bens propicia um ambiente favorável às possíveis tensões entre os distin
tos interesses, foram consagrados diversos princípios e métodos voltados à interpretação do
texto constitucional e da legislação infraconstitucional que a ele se subordina .
74. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federo/ onotodo. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 335.
75. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 4i ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 93-96.
61
NATHALIA MASSON
76. PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 145.
77. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 230.
62
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(i) primeiro, se o texto do dispositivo é unívoco, isto é, não tolera interpretações múl
tiplas, não há que se falar em interpretação conforme. Conforme esclareceu o STF, a in
terpretação conforme só é "utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias
interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o
sentido da norma é unívoco".�8
(ii) segundo, não são aceitáveis violações à literalidade do texto, afinal o intérprete encon
tra seu limite de atuação no perímetro que envolve as possibilidades hermenêuticas do texto,
não podendo, jamais, atuar como legislador positivo, criando norma nova a partir da tarefa
interpretativa. Tampouco está o inrérprete autorizado a ferir a finalidade inequivocamenre pre
tendida e desejada pelo legislador, haja vista os objetivos da lei terem de ser considerados. Em
outras palavras: a vontade do juiz-inrérprete não pode simplesmenre substituir a do legislador,
de forma que a inrerpretação funcione como um princípio de autolimitação judiciária79•
Nesse sentido é a síntese do STF: "se a única interpretação possível para compatibilizar a
norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder legislativo pretendeu
dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme a Constituição, que implica
ria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo".80
Ressalte-se que essa presunção é apenas relativa, isto é, admite prova em contrário, o
que autoriza que as normas (infraconstitucionais ou constitucionais derivadas) submetam
-se ao controle de constitucionalidade, que tem como objetivo precípuo manter a higidez
do ordenamento jurídico e assegurar a supremacia da Carta constitucional.
78. ADI 1.344-ES, STF, Rei. Min. Moreira Alves, noticiada no Informativo n2 17, STF.
79. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 232.
80. Rep. 1.417-DF, Rei. Min. Moreira Alves: "A aplicação desse princípio sofre, porem, restrições, uma vez que, ao
declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF - em sua função de Corte constitucional - atua como
legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da
instituída pelo Poder Legislativo. por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a
Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o
princípio da interpretação conforme a Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que
e privativo do legislador positivo".
63
NATHALIA MASSON
Nesse contexto, Canocilho leciona que "deve dar-se primazia às soluções hermenêu
ticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a
actualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência82".
81. PAULO, Vicente. Direito constitucionol descomplicado. São Paulo: Método. 2011. p. 75.
82. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6! ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 229.
64
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
Forçoso será, pois, reconhecer que ambos são valores demasiado caros ao ordena
mento e que ostentam idêntica importância e scarus normativo, de modo que a solução é
salvaguardar ambos, a partir de condicionamentos recíprocos. Sendo possível, o ideal é a
concordância prática, a redução proporcional de cada um deles que não ocasione o sacrifí
cio de um em detrimento de outro.
Nos dizeres de Canocilho:
"Subjacence a esce princípio escá a ideia do igual valor dos bens conscicucionais (e não
uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação
aos oucros, e impõe o escabelecimenco de limices e condicionamenros recíprocos de for
ma a conseguir uma harmonização ou concordância prácica enrre esces bens".M
83. CANOTILHO, José Joaqu im Gomes. Direito Constitucional. 6f ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 227.
84. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocênci o Mártires. Curso de Direito Canst1-
tucional. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 174.
85. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6! ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 228.
65
NATHALIA MASSON
6. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
A inclinação contemporânea pela construção de documentos constitucionais amplos
e prolixos resulta em um texto que reúne normas que tratam das mais diversificadas maté
rias e são possuidoras das mais distintas finalidades.
Como a Constituição deve ser compreendida na sua inteireza, enquanto um agrupa
mento unitário, ordenado e sistematizado de normas, a dourrina86, levando em conta a es
trutura normativa e o conteúdo das normas constitucionais, estruturou cinco grupos, que
traduzem as principais categorias das normas. Isso facilita, sobremaneira, a visualização da
Constituição enquanto um conjunto harmônico.
86. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28t ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.
44-45.
66
TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
(1) elementos orgânicos: contemplam as normas que regulam a estrutura do Estado e dos
Poderes; se concentram, predominantemente, nos Títulos III (Da Organização do Estado), IV
(Da Organização dos Poderes e do Sistema de Governo), Capítulos II e III do Título V (Das
Forças Armadas e da Segurança Pública) e Título VI (Da Tributação e do Orçamento);
(2) elementos limitativos: estão presentes nas normas institutivas do rol de direi
tos e garantias fundamentais, constantes do Título I I (Dos Direitos e Garantias Fun
damentais, excetuando-se os Direitos Sociais, que fazem parte da próxima categoria);
ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
ELEMENTOS DE ELEMENTOS
ELEMENTOS ELEMENTOS ELEMENTOS
ESTABILIZAÇÃO FORMAIS DE
ORGÂNICOS LIMITATIVOS SÓCIO-IDEOLÓGICOS
CONSTITUCIONAL APLICABILIDADE
Buscam a solução
São as normas que dos conflitos cons- Preveem regras de
Tratam da estrutura
instituem o rol de Visam o bem estar titucionais, a defesa aplicação para as
do Estado e dos
direitos e garantias social da Constituição, do normas constitu-
Poderes
fundamentais Estado e das institui- cio na is
ções democráticas
87. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucionol Positivo. 28! ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 44-45.
67
26 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
' O Prof. José Afonso da Silva ensina que a EC 26/1 985 não é tecnicamente uma emenda,
mas sim um ato polltico, uma vez que não tem a finalidade de manter a Constituição
emendada, e sim de destru i-la, possibilitando sua substituição por uma nova.
7
Talvez não se possa falar, no primeiro momento, em uma efetiva redemocratização, porque
a eleição do primeiro Presidente da República civil deu-se por sufrágio indireto, a despei
to da enorme pressão popular consubstanciada no movimento conhecido como "diretas
já". Nas eleições indiretas de 1 985, que marcam o fim do perlodo de ditadura militar, foi
vencedor Tancredo Neves, que, no entanto, veio a morrer antes da posse. razão pela
qual foi empossado o seu vice, José Sarney, em cujo governo realmente se consolidou a
redemocratização. As primeiras eleições diretas para Presidente da República, depois do
golpe militar de 1 964, somente ocorreram em 1 989, tendo como vencedor Fernando Collor
de Mello, que sucedeu José Sarney na Presidência da República.
32 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
5. �
CLASSIFICA ÃO E ESTRUTURA D� CONSTITUIÇÃO ,FEDERAL
DE 1988 · .
. . .
'
• Com essa prorrogação da DRU, 20% (vinte por cento) da arrecadação d e impostos, contri
buições sociais e de intervenção no domínio econômico da União estarão desvinculados de
qualquer órgão, fundo ou despesa até 3 1 d e dezembro de 201 5, podendo ser livremente
alocados pelo governo federal.
38 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo 6 Marcelo Alexandrino
•
RE 242.740/GO. rei. Min. Moreira Alves, 20.03.200 1 .
40 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
6 . 3. 7. Desconstitucionalização
" É enfaticamente ilustrativo da posição adotada pelo STF o excerto de ementa abaixo trans
crito (ADI 2/DF. rei. Min. Paulo Brossard. DJ 2 1 . 1 1 . 1 997):
"O vício d a inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face d a Cons
tituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional
em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição
futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela coníli
tantes: revoga-as. Pelo rato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir eleitos
revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental. por ser suprema. não revogasse. ao ser
promulgada. leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. Reafirmação de
antiga jurisprudência do STF. mais que cinquentenária. Ação direta que não se conhece
por impossibilidade juridica do pedido."
Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 45
contrúrio à respect i va matéria; essa lei não seria revogada pela Constitu ição
ru t ur a . mas sim se tornaria inconstitucional frente a e l a .
Deve-se ressaltar, corno antes mencionado, q u e , para o STF, há mera
revng;1çàn da lei em uma situação como essa. Segu ndo a j urisprudência da
Corte Suprema, uma lei só pode ser considerada i nconstitucional em confron
t o c o m a Constituição de sua época, em vigor no momento da p u b l icação
ci<1 l e i . Nenhuma lei pode ser declarada i nconstitucional em confronto com
Const ituição futura . I sso porque não poderia o legislador ord i nário, ao editar
u 111a lei cm 1 980, desrespeitar a Consti t u ição Federal de 1 988, porque esta,
cm 1 980, a i nda não existia. Em 1 980, o legislador só poderia desrespeitar a
Constituição de sua época (Constitu ição de 1 967/ 1 969). Da mesma forma,
não pode o legislador, hoje, ao editar determinada lei, desrespei tar uma
Constitu ição futura, pela razão óbvia de que ela a i nda não existe. Em poucas
p a l a v ras, segundo o entendi mento do STF, o j u ízo de constitucional idade
pressupõe conten1porane idacle entre a lei e a Const itu ição, isto é, pressupõe
q u e a l e i seja confrontada com a Const itu ição sob cuja égide foi editada
( princ ípio ela contemporane i dade).
E 111 s í ntese, ternos o seguinte: (a) uma lei só pode ser considerada in
constitucional (ou constituciona l ), em confronto com a Consti tu ição de sua
época ( princíp i o da contemporanei dade); (b) o confronto entre uma lei e
Const i t u i ção futura não se resolve pelo j u ízo ele constituciona l i dade, mas
sim pela rl'\'Oga,·iio ( se a lei pretérita for material mente i ncompatível com
a nova Const i t u ição) ou pela rl'c l' p ç à o (se a lei pretérita for material mente
" A clausula "reserva de plenario" sera objeto de exame ulterior, quando estudarmos o controle
d e constitucionalidade das leis.
46 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
Pelo primeiro deles é exigido que a nonna esteja em v igor na data ela
promul gação da nova Constituição para que possa ser recepcionada. Yale
d i zer, a recepção n ão alcança normas não v i gentes. Se a norma n :l o estiver
em v i gor no momento da promulgação da nova Constituição, a sua s i tuação
jurídica deverá ser exami nada à luz do inst ituto rep r i sti n a ç ã o (na forma
expli c itada no tópico seguinte), e não pela aplicação d a teoria da recepção.
Com efeito, a juri sprudênc ia do Supremo Tribunal Federal é firme no
sentido ele que a recepção de lei pe la Constituição posterior a ela só ocorre
com relação aos seus d i spos i t i vos L' l l l ,·igor quando da promul gação desta,
não havendo que pretender-se a ocorrência de e feito repristi natório, porque
o nosso sistema j urídico, salvo di sposição expressa em contrário, não adm ite
repristinação (artigo 2 .0, § 3 .", da Lei de I n trodução ao Código Civi l ). 1•1
Consoante o segundo requis ito, a nonna a ser recepcionada deve ter con
teúdo não confl i tante com o conteúdo da nova Constituição . Como é sabido,
a nova Constituição i naugura uma nova ordem j ur ídica, rompendo com toda
a ordem anterior. Logo, é evidente que a nova Constitu i ção não permitirá
que leis antigas, que contenham d isposições contrárias aos seus comandos,
i ngressem no regime const i tucional que ::;e i n icia. A compat i b i l i dade com a
nova Constitu ição é, portanto, aspecto essencial para o fim de recepção do
d i re i to pré-constitucional.
Finalmente, para que a norma pré-constitucional seja recepc ionada é in
dispensável que ela tenha sido produ zida de modo válido, isto é, de acordo
com as regras estabelecidas pela Consti tui ção de sua época. Se a norma fói
produzida em d esacordo com a Constitu ição de sua época, n ã o poderá ser
aproveitada ( recepci onada) por Constitu ição futura. Ainda que essa norma,
ed itada em desacordo com a Const ituição de sua época, estej a em vigor no
momento da promulgação da nova Constituição, e seja p lenamente compatível
com esta, não será j uridicamen te possível a sua recepção. Se a lei nasceu
com o vício da i nconstituciona l idade (vício congê n ito , nascido com a lei),
não se adm ite que Carta Po l í ti ca futura a consti tucional ize, vale d i zer, no
nosso ordenamento , n ã o é j uridicamente possível a ocorrênc i a da co 1 1 s t i t 11-
c io 11 a l i d a c l c s u perve n i e n t e .
15 Para Celso Ribeiro Bastos, com a substituição do texto constitucional pretérito pela nova
Constituição, desaparece a relação de antinomia, pois "a única exigência para que o direito
ordinário anterior sobreviva debaixo da nova Constituição é que não mantenha com ela
nenhuma contrariedade, não importando que a mantivesse com a anterior, quer do ponto
de vista material, quer formal".
Cap. 1 • D I R E ITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 49
signi fica que será a norma recepcionada, se o seu conteúdo for compatível
com a nova Const i t u ição, ou será revogada, caso o seu conteúdo seja in
compatível com a nova Constituição. Em todos os casos, são i nteiramente
i rrelevantes qua isquer aspectos formais da norma antiga. Em resumo, no caso
de compatibil idade material, teremos recepção; no caso de incompatibil idade
material, leremos revogação.
l� i mportante at<.:ntar para o fato de que a recepção ou revogação do or
denamento i n fraconst itucional passado n ã o p recisa ser e x p ress a . Promulgada
a nova Constituição. mesmo que não haja nenhum dispositivo em seu texto
q ue ass i m disponha. ocorrerão, tacitamente, naquele momento, a revogação
das normas pré-const itucionais com ela materi almente incompatíveis e a
recepção daquelas com ela materialmente compatíveis.
Frise-se. uma vez mais. a i rrel evância, para e feito de anál ise ele eventual
recepção da norma i n fraconstitucional pretérita, ela chamada com p a t i h i l i
d a d c fo r m a l , concernente ú forma de elaboração da norma e seu status
no ordenamento constitucional pretéri to. Eventual i ncompatibil idade formal
não prejud icará, cm nada, a recepção, desde que a norma antiga tenha sido
val idamente produzida, esteja em vigor e haja compatibi l i dade material entre
e l a e a nova Const ituição.
Assim, não interessa. por exemplo, saber se há ou não correspondência
en tre o processo legislativo da época cm que foi e laborada a norma antiga e
o processo legislativo de e laboração da mesma espécie hoje, na vigência da
nova Constituição. U ma norma pré-consti tucional que tenha sido elaborada
na v igência da Consti tuição I m peri al de 1 824 poderá ser recepcionada pela
Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 51
'9 Observe-se que não cabe cogitar a ocorrência de federalização de normas estaduais ou
municipais. tampouco a estadualização de normas municipais. como resultado de alteração
na regra constitucional de competência. Assim. se na Constituição pretérita a matéria era da
competência dos estados ou dos municípios, e a nova Constituição atribui tal competência
à União, não há federalização do direito estadual ou municipal, mas sim revogação desse
d i reito. por força de alteração na regra constitucional de competência . Se a situação fosse
inversa - competência da União n a Constituição pretérita e competência dos estados ou
dos municipios na nova Constituição -, a legislação federal pretérita seria recepcionada
pelo novo ordenamento constitucional, estadualizada ou municipalizada, conforme o caso.
Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 53
outro . Nessa si tuação h i potética, um dos art igos seria recepc ionado com força
de lei complementar, e o ou tro com status de lei ord i nária.
Conforme afirmamos ac ima, na data da promulgação da nova Const itui
ção, as normas pré-const itucionais com ela material mente i ncompatíveis são
tac itamente revogadas. afastadas do ordenamento j urídico, enquanto as que,
va 1 idamente produzidas, forem material mente compatíveis são recepcionadas.
Poré m , u l teriormente, di ante de um caso concreto, poderá surg i r dúvida em
re l ação à val idade de determ inada lei pré-constitucional, ou seja, sobre e l a
t e r s i d o (ou n ã o ) recepc ionada p e l a nova Constituição.
Em situações como essa, havendo controvérsi a a respeito ela revogação (ou
ela recepção) ele alguma norma pré-constitucional, caberá ao Poder Judiciário
dec i d i r se a norma foi recepc ionada ou revogada pela nova Constitu ição. De
acordo com a interpretação dada ao texto e aos princ ípios ela nova Consti
tuição, fi xará o Poder J udiciário o entendimento a respei to da recepção (ou
ela revogação) da norma antiga.
Entretanto, enfatize-se que a recepção ou revogação do d i rei to pré-consti
tucional ocorre. sempre, na data da promulgação do novo tex to consti tucional.
54 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
Con forme visto antes, a recepção é fenômeno tácito, que ocorre i nde
pendentemente de dispos ição expressa no texto da nova Consti tu ição. Porém,
só é juridicamente poss ível haver recepção do d i reito pré-constitucional cuja
vigência não tenha cessado a ntes do momento da promulgação da nova Cons
tituição. Se a norma não mais estiver no ordenamento j urídico no momento
ela promulgação da nova Constituição, não há que se fa lar em recepção.
Seria o caso, por exemplo, de uma lei que, editada cm 1 980, sob a v igên
cia da Constituição Federal de 1 969, tenha sido declarada inconstitucional em
controle abstrato - portanto, retirada do ordenamento j urídico -- dois dias antes
da promulgação da Constituição Federal de 1 988. por ofensa à Constituição
Federal de 1 969. Seria, também, ainda exemplificando, a si tuação de uma lei
editada na vigência da Consti tu ição de 1 967 que, em razão de i ncompatibilidade
material, não tivesse sido recepcionada pela Constituição de 1 969.
Em ambos os exemplos, seria i rrelevante a eventual constatação de que
essas leis tivessem conteúdo plenamente compatível com a Consti tuição
Federal de 1 98 8 . A nova Constituição n <io restaura, automati camente, taci
tamente, a vigência das leis que n<lo mais estejam em vigor no momento
de sua promulgação.
Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITU IÇÃO 55
-·--·-·-··-·-·---· ·-·· ····· ·······--·· · ·····-·-·--·-·---·-·-----··------
Se o legislador constitui nte assim desej ar, a vigência das leis poderá ser
restaurada pela n ova Constitu i ção, mas por meio de d i sposição e x p ressa no
seu texto. Tem-se, nesse caso, a denominada re p r i s t i n a ção, que, como d i to,
forçosamente deve ser ex pressa.
Em síntese, para as leis que não estej a m em vigor no momento de
promu lgação de uma nova Constituição, por terem sido, antes, retiradas do
ordenamento j urídico, tem-se o segu i nte: (a) se a nova Constituição nada
d isser a respeito, não haverá a restauração da vigênc ia ela lei ( não haveró
repris t i n a ç l1 o t ú c i t a ) ; (b) a nova Consti tuição poderá restaurar a v igênci a da
l e i , desde que o faça expressamente (poderá ocorrer re p ri s t i n a ç ã o e x p re s s a ) .
O quadro abaixo si ntetiza as d i ferenças en tre recepção e repristinação
do d irei to pré-constitucional.
Neste item será estudada a forn1a como o Poder J udiciário aprec ia, hoje,
a validade do d i re ito pré-constitucional (anterior a 05 . 1 0. 1 98 8 ) .
As situações q u e ensejam análise são: (a) o controle d e constituciona
l i dade do d i reito pré-constitucional em face da Constituição antiga (a que
estava em vigor na época em que a norma objeto de controle fo i editada ) ;
e (b) a a ferição de val idade do direito pré-constitucional em confron to com
a Consti tuição futura ( promu lgada em momento posterior ao de edição da
norma controlada e v igente na data de real ização do controle).
A primeira questão concerne à possi b i l idade de se requerer ao Poder
Judiciário, hoje, sob a v i gência da Constituição Federal de 1 98 8 , a decl aração
da inval idade de uma lei antiga em face da Constitu ição antiga, da época em
que tal lei foi editada (por exemplo, discutir a constitucional idade de uma
lei de 1 970, em confronto com a Consti tu ição de sua época, a Constituição
de 1 969).
Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 57
Essa poss i b i lidade existe. M esmo quando promulgada uma nova Cons
tituição, continua sendo cabível a d i scussão da validade das leis antigas em
con fronto com as Constituições antigas, da época ela edição ele tais leis.
Assim, no exemplo acima - discussão acerca ela constitucional idade ele
uma lei de 1 970, em con fronto com a Consti tuição de 1 969 a provocação
-,
ela man i festação do Poder Judiciário é admitida porque o i ndivíduo pode ter
sido a fetado por essa lei no período ele v igênc ia da Constitu ição de 1 969
( até 04 . 1 0. 1 988, véspera da entrada em vigor da Const i tuição atua l). Logo,
ele poderá ter i nteresse em a fastar a apl icação dessa lei naquele período
(de 1 970 até 04 . l 0. 1 988), e, para isso, deverá obter do Poder Judic iário a
declaração da inval idade ela lei referentemente àquele período.
É relevante frisar que, em h ipóteses que tais, conquanto se trate de im
pugnação ele direito pré-constitucional, a dec isão judicial será uma declaração
ele inconstitucional idade ou de constituc ional idade, e não de revogação ou
recepção. Isso porque a aferição da validade do d i reito questionado é feita
e m face da Constituição da sua época (e não ante a Constituição Federal
ele 1 988).
N o contro le do d i reito pré-constitucional em face da Consti t u ição de sua
época, o Poder J udiciário exami nará a norma objeto da ação em con fronto
com a Carta pretérita quanto à compatibil idade material (de conteúdo) e
também quanto à compa t i b i l idade formal (val idade do procedi mento de ela
boração e veri ficação se o i nstrumento normativo i m pugnado, por exemplo,
lei ordinária ou lei complementar, é aquele formalmente exigido pela Cons
titu ição pretérita para tratar da matéria de que ele tratou). E ass i m é porque
uma lei deve ser formal e materia lmente compatível com a Constitu ição
de sua época. M esmo hoje, se for constatada incompati b i l idade material ou
incompatibil idade formal entre a lei pré-constitucional e a Constituição de
sua época, a lei será declarada inconstituciona l .
A fisca l i zação d a v a i idade do direito pré-constitucional em face d a Cons
tit uição antiga não pode ser realizada mediante controle abstrato perante o
STF, i sto é, não poderá ser objeto de ação d i reta de i nconst i tuciona l idade
( A D I ) , ação declaratória de consti tucional idade ( A DC) ou arguição de des
cumpri mento de preceito fu ndamental (ADPF).
A razão é que, segundo o STF, o controle abstrato visa a proteger, so
mente, a Constitu ição vigente no momento em que ele é exercido, i sto é, só
pode ser instaurado, hoje, em face da Const ituição Federal de 1 988, jamais
para fazer valer os termos de Constituições pretéritas.
O i ndiv íduo só poderá d iscutir a val idade do direito pré-constitucional
em face da Const i tuição de sua época no controle difuso, dian te ele um caso
concreto, podendo levar a questão ao conhecimento do STF, por meio do
recurso e xtraord i nário (RE).
SB DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
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formal. material.
O Const i t ucional ismo moderno refu ta a ideia ela existência ele normas
const i t ucionais desprov idas d e eficácia j u ríd i ca . Reconhece-se que todas as
normas constitucionais possuem e fi cáci a.�º mas se admite que elas se d i fe
renc i a m quanto ao grau dessa eficácia e quanto a sua a p l icabi l i dade.
b) normas "não autoexecu t<í veis" (110/ selt:exernting: 1101 self-enforcing pro
visions ou no/ selfacling), i n d i cadoras de principios, que necessi l a m ele
atuação legislativa posteri or, q u e l hes dê plena apl i cação.
'º Conforme antes visto. na Constituição de 1 988 há duas categorias de disposições que,
embora integrantes de seu texto, são desprovidas de ericácia normativa: (a) o preâmbulo
constitucional: e (b) as normas integrantes do ADCT, depois de ocorrida a situação nelas
prevista. ou seja. depois de exaurido o seu objeto.
60 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
-------------·---·-----------·--------------·----------�-··-·-
atuação do legislador ord i nário não será para tomar exerci tável o direito nelas
previsto (este já é exercitável desde a promulgação do texto constitucional),
tampouco para ampliar o âmbito de sua eficácia (que já é plena, desde sua
entrada em vigor), mas sim para res t r i ngir, para impor l i mi tações ao exer
c ício desse direito.
Um bom exemplo de norma constitucional de eficácia contida é o art.
5 .", XIII:
As normas constituc ionais de eficác ia lim itada são aquelas que não pro
duzem, com a simp les entrada em v igor, os seus efeitos essenc iais, porque o
legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria,
uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador
ordinário ou a outro órgão do Estado.
São de aplicabil idade i n d i re t a , m c d i a ta e red u z i d a , porque somente
i ncidem totalmente a part i r de uma normação i n fraconstitucional ulterior
que lhes desenvo lva a eficác ia. Enquanto não editada essa legis lação in
fraconstitucional integrat í va, não têm o condão de produzir todos os seus
e fe i tos.
O Professor José A fonso da Silva ainda c lassifica as normas de eficácia
l i m i tada em dois grupos disti ntos :
1---·
J ·-··
Eficácia Plena
·
Eficácia e
Aplicabilidade j . -·· Eficácia Contida
l
...___,,______ _____
-
das Normas
Constitucionais (José
Afonso da Silva)
----·--·--·-·-
-------J-
·-
ou Organizativo • Facultativas
· -t
�
- .
ficá ia
�
_
�: � [ � } --·--- ---
·
--]
- De Principio
Programático
72
. . Classificação de Maria Helena D i n i z
A Professora M aria Helena Diniz propõe urna classifi cação que combina
os critérios da intangibil idade e da produção de e feitos concretos das normas
constitucionais, segundo a qual temos as seguintes categorias de normas na
·
Constituição :
. Eficácia Relativa li
______ ______ ·--······ ·· · · ...
· ··
1 Dependente de
----- Complementação
1 Legislaliva J
· ·
··- - --··---··-····· --- ---·-· J
68 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino
21 O velho brocardo in claris cessa/ interpreta/ia pressupõe a existência de leis cuja redaçào.
se bem cuidada, impediria dúvidas, obscuridades ou contradições, tornando dispensável a
atividade interpretativa.
Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 69
Nos dias atuais, a interpretação das normas consti tuc ionais rea l i za-se
pela apl icação ele um conj u nto ele m é t odos desen volvidos pela doutrina e
pela j ur i sprudênc ia com base em critérios ou prem issas d i ferentes, mas, em
geral. rec iprocamente complementares. o que con f i rm a a natureza u n itária
da a t i v i dade interpretat iva.
O constitucional i s ta português J . J . Gomes Canoti l ho, não obstante reco
nheça o caráter hol íst ico da ativ idade ele i n tcrprctaç<io consti tuciona l . descreve
seis d i ferentes métodos pelos quais ela pode se desenvolver, quais sej a m :
o método j ur íd ico, o método tópico-problemático, o método hermcnêuti co
-concretizador. o m étodo científico-espi ritual. a metód ica j u rídica normativo-
-estruturante e a interpretação comparativa.
Apresentamos. a seguir, uma s íntese d a l i ção do renomado constitucio
nal i sta l uso acerca das características dos c1 i l"cn:n tes métodos.
Este método dá relevância ao fato de não haver identi dade entre norma
j u rídica e texto normativo. A norma consti tucional abrange um "pedaço da
rea l idade social"; ela é conformada não só pela atividade legislativa, mas
também pela j urisdicional e pela adm inistrativa.
Consequentemente, o intérprete eleve identificar o conteúdo da norma
constitucional mediante a anál ise de sua concretização normativa em todos
os níveis. A tarefa de investigação compreende a interpretação do texto ela
norma (elemento l iteral da doutrina clássica), e também a verificação dos
modos de sua concretização na real i dade soc i a l .
Pretende-se que o conteúdo d a norma, assim determinado, exatamente
por levar em conta a concretização da Constituição na real idade soc i a l , sej a
apl icável à tomada de decisões n a resolução ele problemas práticos.
Ao lado cios métodos acima descritos - e como d i retrizes de sua apl i cação
- a doutrina identifica a existência de determinados princípios especí ficos
Cap. 1 • D I R E I TO CONS T I T UCIONAL E CONSTITUIÇÃO 73
Segundo este princípio, o texto de urna Constitu ição deve ser interpretado
de forma a evi tar contradições ( a n t i nomias) entre suas normas e, sobretudo,
entre os princíp ios consti tucionalmente estabe l ec idos. O princípio d a u nidade
obriga o intérprete a considerar a Const itu ição na sua global idade e a procurar
harmonizar os espaços ele tensão c x i stentcs entre as normas const itucionais
a concreti zar.
En fi m, o i n térprete, os j u í zes e as dema is a utoridades encarregadas de
a p l icar os comandos const i t u c iona i s devem considerar a Const i t u ição na
sua globa l idade, procura ndo harm o n izar suas aparen tes contrad ições. De
verão sempre tra t a r as normas const i t u c i o n a i s não como normas isoladas
e d ispersas, mas como prece i tos i n tegrados num s i s tema i nterno u n i tário
ele normas e pri n c ípios, cornpreencle nclo-os, na medida do poss í v e l , como
se fossem obra de u m só autor. ex pressão ele u m a u n idade harm ô n i c a e
sem con trad ições.
Como decorrência cio pri n c í p i o ela un idade da Constitu ição, temos que:
a) todas as normas con t idas numa Const i t u i ção formal têm igual d i g n i dade
·- não há h i erarq u ia, re lação de subordinação e n tre os d i spos i t i vos da Lei
M a íor;
c) não existem a n t i nomias norm a t i vas verdadeiras e n tre os d i spos i t i vos cons
t ituc ionais - o texto const i tucional clevcrú ser l i do e i n terpretado de modo
harmôn i co e com ponderação de seus pri ncíp ios. c l i m i nnndo-sc com isso
eventua is a n t i nomias apare n tes.
PODER CONSTITUINTE
1. CONCEITO · . .
Nos Estados que adotam Constituição do tipo rígida, há uma n ítida dis
tinção entre o processo legislativo de elaboração de normas constitucionais
e o processo legislativo de elaboração das demais normas do ordenamento.
Nesses Estados, identificam-se duas categorias de legisladores, a saber:
o legislador constituinte, com competência para elaborar normas constitu
cionais, e o legislador ordinário, com competência para elaborar as normas
i n fraconstitucionais do ordenamento.
O poder constituinte é aquele exercido pelo primeiro dos legisladores
mencionados, ou seja, é o poder de elaborar e modificar normas constitu
cionais. É, assim, o poder de estabelecer a Constituição de um Estado, ou
de modificar a Constituição já existente.
A teoria do poder constituinte foi inicialmente esboçada pelo abade
francês Emmanuel Sieyês, alguns meses antes da Revolução Francesa, em
sua obra "Qu 'est-ce que le Tiers- État?" ("O que é o Terceiro Estado?").
I nspirou-se nas ideias iluministas em voga no século XVI I I , e foi aperfeiço
ada pelos constitucionalistas franceses posteriores, com destaque para Carré
de Malberg (que incorporou a ela a ideia de soberania popular, preconizada
por Rousseau).
O ponto fundamental dessa teoria - que explica a afirmação de que ela
somente se aplica a Estados que adotam Constituição escrita e rígida, e faz
com que ela al icerce o princípio da supremacia constitucional - é a distin
ção entre poder constituinte e poderes constituídos. O poder constituinte é o
80 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marca/o Alexandrino
2.
·
TITULARIDADE
3. FORMAS DE EXERCÍCIO .
. ·
.
·
4. . ESPÉCIES
Originário
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Material
Formal
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Caracteristicas:
· Político
· Inicial
• Incondicionado
• Permanente
• Ilimitado ou Autônomo
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Reformador
Poder Decorrente
1-
Constituinte {ADCT. Art. 1 1 )
Derivado
Caracterlsticas:
• Jurldico
· Derivado
• Limitado ou Subordinado
• Condicionado
·-1 Difuso
·· Supranacional