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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Piter Carlos Grogião Cabral

FENOMENOLOGIA E ANALÍTICA DA EXISTÊNCIA: A CRÍTICA DE HUSSERL A


HEIDEGGER

Artigo apresentado ao Programa de Pós-graduação


em Filosofia, da Universidade Federal de Juiz de
Fora, como requisito parcial para conclusão da
disciplina: Fenomenologia.

Juiz de Fora
2017
Fenomenologia e analítica da existência: a crítica de Husserl a Heidegger

Piter Carlos Grogião Cabral1

1. Introdução.

A fenomenologia, ou seja, o estudo a respeito daquilo que se apresenta em forma


fenomênica (relativo aos fenômenos mesmo), segundo nos apresenta Abbagnano, fora cunhada
por uma escola que considerava ainda o fenômeno como algo ilusório em sua aparência, um
verdadeiro causador de ilusão (ABBAGNANO, 2007, p. 437-38). O autor ainda nos deixa a
precisa indicação de que foi Kant quem começou a tratar a fenomenologia enquanto algo que
possibilite que o estudo dos fenômenos de maneira válida.

Especificamente sobre Kant e o papel da Crítica da razão pura para o que viria ser a
fenomenologia, é no prefácio à segunda edição, em 1787, que o autor trata da questão de sua
chamada revolução copernicana. Ele nos diz que “Até hoje admitia-se que o nosso
conhecimento se devia regular pelos objetos;” (KANT, 2001, p. 19) e isso contrapõe uma outra
perspectiva, seguindo o próprio Copérnico e sua tese que negava ser a terra o centro do universo
e todo o movimento celeste se dava ao seu entorno enquanto esta permanecia imóvel,
presenteando-nos com a ideia de que é a partir da intuição do sujeito que as formas de
conhecimento objetivo são deduzidas. Quer dizer que existe tanto uma razão para a existência
de conhecimentos que são formulados a partir da experiência sensível, ao modo dos empiristas,
como também é seguro os pensamentos a priori, como quer alguns racionalistas. Como?
Transformando a experiencia sensível um tipo de conhecimento que está pregado ao
entendimento por meio da intuição que dela se extraí; enquanto que o a priori possui existência
no pensamento sobre o fenômeno na qual não nos atemos à experiência sensível que
possivelmente possa existir sobre o mesmo, formando a seguinte ideia: de “que só conhecemos
a priori das coisas o que nós mesmos nelas pomos2.” (KANT, 2001, p.21).

O que fora exposto acima está diretamente ligado com a representação feita por Kant do
espaço e do tempo e sua relação com os conteúdos presentes no entendimento, por isso ainda

1
Graduado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF -. Atualmente cursa
licenciatura em filosofia e é membro do Programa de Pós-graduação em Filosofia – PPG-FIL – ambos pela mesma
universidade. Contato: seusso@hotmail.com
2
A explicação que aparece em nota de rodapé no texto ao qual essa citação foi extraída é bem explicativo quanto
a essa questão. Nele o filósofo define que os pensamentos a priori são os próprios pensamentos da razão pura, que
dispendem sim da experiência e podem ser objetos de si mesmo mas, que em sua formulação a priori sobre
fenômenos ocorrentes no mundo sensível, eles estão sujeitos a serem confirmados ou refutados a partir da
experimentação que dele for feita (Id. Ibid.)
nos é imprescindível permanecer nesse assunto até que isso seja exposto. Sendo assim, vejamos.
O espaço e o tempo são instituídos como formas da intuição sensível: isto quer dizer que os
fenômenos que podemos ver e apreender se dão a nós no tempo e no espaço, de alguma forma.
Eis o fato de impossibilita o conhecimento das coisas em-si, dirá Kant, mas somente como
fenômenos. Mesmo diante disso, permanece em Kant certo dualismo: “Todavia, deverá
ressalvar-se e ficar bem entendido que devemos, pelo menos, poder pensar esses objetos como
coisas em si embora os não possamos conhecer. Caso contrário, seriamos levados à proposição
absurda de que haveria fenômeno (aparência) sem haver algo que aparecesse.” (KANT, 2001,
p.25). O que depois seria rejeitado pela fenomenologia constituída a partir de Husserl.

Tendo feito essa breve explanação a respeito da origem da forma como estamos tratando
da corrente de pensamento fenomenológico que surge no início do século XX, de inspiração
fortemente kantiana, segundo o que fora exposto acima. Elaborada por Edmund Husserl e
desdobrada diversos discípulos: entre eles Heidegger, o mais importante para nossa análise e
objeto de análise do presente artigo, onde iremos abordar a crítica do primeiro ao empenho
promovido pelo segundo. Nota-se que o corpo textual apresentou uma breve parte introdutória
e agora pretende desenvolver o texto seguindo três objetos específicos: a) análise do conceito
de fenomenologia formulada por Husserl nas Investigações lógicas (1900-1901) e sua suposta
fase realista; b) a virada idealista promovida pelas duas Ideen (Ideias para uma fenomenologia
e Ideias para uma fenomenologia pura e uma Filosofia Fenomenológica, 1907 e 1913
respectivamente), e c) como Heidegger recepciona essas ideias e partindo delas desenvolve sua
analítica existencial. Isso porque ambos objetivos se relacionam com a questão central deste
trabalho que se dará caminhando para a conclusão: apreendermos o sentido da crítica que
Husserl direciona a Heidegger.

2. Desenvolvimento em três partes:

2.1 Husserl das investigações lógicas:

O livro em questão fora o responsável pela constituição de um vasto campo do saber


para a filosofia contemporânea que formularia e expandiria suas influências desde o início do
século XX, sendo muito forte em boa parte do período de tempo compreendido do século
passado até os dias atuais. Entre os pensadores influenciados por ele, encontramos figuras como
Heidegger, J-P. Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Gadamer, entre tantos outros.

Na tentativa de constituir o estudo dos fenômenos tomando as coisas “por elas mesmas”,
Husserl nos proporcionou um verdadeiro debate com a tradição da psicologia (e os diversos
psicologismos), na tentativa de diferenciar a fenomenologia dessa matéria, como também com
o próprio kantismo, ao qual promove alguma revisão da conceituação originária estabelecida
por Kant.

A despeito dessas e das demais teorias do conhecimento, da psicologia primeiro se


distingue na forma como compreende seus termos. Falar em termos de “consciência”,
“intencionalidade” e “vivência” não seria uma expressão direta de uma análise
“psicologizante”? No caso de Husserl, isso não se dá porque ele não toma esses conceitos no
sentido que a psicologia tradicional os trata, ou seja, como espécie de conceitos extraídos de
dados seguros e que dizem respeito sempre a um ego, que é individual. Pelo contrário, são
formas lógicas puras que representam a experiência universal onde a consciência e a realidade,
o sujeito e o objeto, diluem-se em um campo onde estabelecem igual relação, suprimindo assim
alguns dualismos3. Com isso queremos dizer que Husserl foge dos meandros do fenomenismo
ao elaborar conceitos como o de consciência intencional, onde há uma consciência que se
encontra já no mundo e que percebe que sua consciência de mundo e o mundo de sua são
existentes sempre em correlatos, estabelece um método cuja originalidade consiste em fazer-
nos ver as coisas tais como se apresentam a nós, de forma que garanta a seguridade do
conhecimento: uma vez que este precisa questionar a si próprio e fundamentar-se novamente
partindo da experiência vivida, principalmente no âmbito da consciência intencional,
fundamentando assim uma filosofia propriamente fenomenológica. Ainda que a descrição tenha
ficado um pouco confusa, não tenhamos pressa em seguir com o argumento, vejamos melhor
como se dá.

Partindo da análise e do problema do preenchimento das formas categoriais, Husserl


tentará achar a solução para o preenchimento de enunciados inteiros no âmbito da consciência.
Ora, para utilizarmos um exemplo já bastante usual, podemos pegar a expressão “o papel é
branco” e decompô-la em partes que são preenchidas pela intuição sensível, como a visão que
eu tenho de papel e a visão que eu tenho de branco, mas, que a categorização não pode jamais
ser extraída desse processo sensível se fosse tomado de forma isolada. Isso porque a cópula (o

3
Abbagnano nos atenta que Husserl, com a supressão de certos dualismos, não tenta reduzir o existente ao aparente
ou eliminar a diferença que existe entre o aparente e o existente. Isso porque a questão não é essa, mas de tratar o
assunto partindo de sua ideia de transfenomenalidade, como diz Sartre: “O fenômeno de ser exige a
transfenomenalidade do ser. Isto não quer dizer que o ser está escondido atrás dos fenômenos (vimos que o
fenômeno não pode mascarar o ser), nem que o fenômeno é uma aparência que remete a um ser distinto (só
enquanto aparência o fenômeno é, ou seja, ele indica sobre o fundamento do ser)” e prossegue definindo então o
ser do fenômeno: “Segue-se que o ser do fenômeno, conquanto co-extensivo ao fenômeno, deve escapar à condição
fenomênica – de só existir na medida em que se nos revela – e, por conseguinte, excede e fundamenta o
conhecimento que se tem dele.” (SARTRE, 1943 apud ABBAGNANO, 2007, p. 439).
“é”) não se dá pela forma sensível, apenas pela categorial. O preenchimento que possibilita o
entendimento do enunciado por inteiro, e não apenas objetos nominais como papel e branco, é
empreendido pela consciência (conforme veremos mais detalhadamente a seguir, juntamente
com a análise da redução fenomenológica, da atitude transcendental e do “a priori da
correlação”.

2.2 A virada husserliana promovida pelas Ideen I e II.

Aqui vamos tratar propriamente em termos mais comuns para a fenomenologia


husserliana, dado sua centralidade. A teoria da intencionalidade da consciência acima exposta
e a inauguração do método fenomenológico promovido pela investigação, se soma agora com
o conceito de redução fenomenológica (o método que consiste na parentetização do mundo
circundante, uma verdadeira epoché fenomenológica, como é chamado), juntamente com a
atitude transcendental supracitada e, o mais importante: a busca pelo que seria o “a priori da
correlação”.

Nas Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica (2006),
Husserl retoma o que fora apresentado nas investigações, agora sob nome de tese da orientação
natural, logo no primeiro capítulo da segunda seção. Tal tese descreve a nossa existência como
algo que se dá ao centro de um mundo que nos circunda e que é infinito em tempo e espaço
(HUSSERL, 2006, p. 73). Quer dizer que as coisas que ocorrem no mundo enquanto nele nos
fazemos presentes, são percebidas por nós através dos diversos sentidos à medida em que eu
me direciono intencionalmente a elas com maior ou menor intensidade. Outras pessoas também
participam desse processo universal, de forma com que Husserl assegure assim a existência do
que ele chama de outros “eus-sujeitos” e da intersubjetividade.

Porém há uma modificação “radical” na forma como que se enxerga a tese da orientação
natural. Isso porque toda modificação que se restrinja aos conteúdos empíricos provenientes do
mundo natural não passa de mera mudança na forma como conheço o mundo, e permaneço,
portanto, ainda no âmbito da atitude natural. A mudança de Husserl é radical porque propõe
uma nova forma de conhecer que não aquelas que questionam a base empírica do mundo por si
só, sem que com isso negue o mundo. Mas, reconhece que estando aí nele, podemos questioná-
lo mesmo no sentido da dúvida universal cartesiana (lembrando que aquela de Descartes
possuía outra finalidade), no sentido que podemos duvidar de tudo de forma intencional 4.

4
A respeito da dúvida, uma breve consideração. Fomos expostos ao longo dos estudos a três graus de consideração,
a respeito do conhecimento. O primeiro, relativo propriamente a dúvida, estabelece essa mesma seguridade do
Duvidar do ser é especular a respeito de sua própria existência e defini-la, por vezes, o que
fazemos ora ou outra, sempre de forma intencional (HUSSERL, 2006, p.78). A esse
questionamento sobre o ser, considerado e chamado pelo próprio Husserl como parentetização
(pôr entre parênteses), ou propriamente a redução fenomenológica (epoché). Isso afirma o que
fora dito anteriormente e rompe de vez com o dualismo sujeito x objetivo, estabelecendo que
ambos estão envoltos no mundo e é nesse mundo que estabelecem um tipo de relação que o
transcende e que pode ser percebida pelo cogito. Essa redução é ao mesmo tempo eidética, pois
auxilia na regulação ou na ciência da essência dos objetos, mas que, todavia, parte de seu
interior, constituindo-se como ontologia fenomenológica. Ela é transcendental porque de fato
transcende os limites empíricos do “eu” presente no mundo e faz da consciência objeto de
reflexão de si mesma, onde o mais importante é localizar o exato local onde reside o hiato entre
o preenchimento dos componentes sensíveis e categoriais da consciência intencional, em suma,
o que seria o: a priori da correlação.

2.3 Heidegger e a recepção da fenomenologia.

Agora analisaremos o pensamento de Heidegger, este importante filósofo e pensador do


século XX, cuja figura influenciou uma série de pensadores existencialistas que viriam em
sequência. Partindo de duas de suas obras. A primeira delas: Meu caminho para a
fenomenologia (1978) bem como de alguns capítulos de Ser e Tempo. Pretendemos
compreender qual fora a recepção e o encaminhamento que Heidegger dera às teses
desenvolvidas por Husserl e expostas acima.

Segundo o próprio em Meu caminho para a fenomenologia, seus estudos acadêmicos,


que começaram no inverno de 1909/10, na faculdade de Teologia da Universidade de Freiburg,
não se restringiam aos estudos teológicos, mas buscava ainda conhecimento filosófico
possibilitado pelo programa de estudo da instituição. Nesse âmbito relata que sempre esteve em
contato com as contemporâneas obras de E. Husserl à época. Uma indicação importante está
contida no seguinte trecho: “os dois volumes das Investigações Lógicas de Husserl estiveram
na minha mesa de estudos no teologado.” (HEIDEGGER, 1978, p. 495). Isso porque confirma
que o contato inicial que Heidegger teve com as ideias fenomenológicas de Husserl se deu
através do primeiro de seus livros aqui exposto por nós: as Investigações Lógicas.

conhecimento à medida em que o próprio se coloca em questão. A segunda e a terceira dizem respeito a como se
dá a relação entre conhecimento e mundo e o que efetivamente é dado nessa relação.
Das Investigações Heidegger extrai algumas considerações semelhantes as que foram
apontadas. A primeira delas é o empenho de Husserl em combater todo tipo de psicologismo e
demonstrar a impossibilidade da teoria do conhecimento em se fundamentar através da
psicologia. Mas que, contudo, segundo o próprio Heidegger, mesmo o fenomenólogo vai cair
em erro psicologista na segunda seção das Investigações pois, segundo ele nos diz: “Husserl
recai, com sua descrição fenomenológica dos fenômenos conscientes, na posição do
psicologismo que precisamente procurara antes refutar.” (HEIDEGGER, 1978, p. 496). Isso
seria propriamente em relação a descrição fenomenológica que Husserl faz sobre os atos
conscientes e também aos contornos de filosofia “transcendental” que ganharia a
fenomenologia com o posterior desenvolvimento das Ideen I e II, segundo extraímos de
Heidegger.

Ao longo de seu texto Heidegger deixa claro o fascínio pelas Investigações e ao mesmo
tempo a recusa pelas obras seguintes de Husserl. Expõe também que fora aluno dele e membro
de um grupo de estudo encabeçado pelo mesmo) que se propunha, na época, a desenvolver o
“ver” fenomenológico e dar cabo ao projeto empreendido nas Ideen). Com inspiração
aristotélica, vai relacionar os atos da consciência presente no método de Husserl com algo
próprio dos gregos antigos: a Alétheia. Ou seja, como mostrar-se do fenômeno; ambas são
atitudes onde aquilo que se apresenta encontra-se, em algum sentido, em desvelo. O que vimos
de outra influência do pensamento de Heidegger talvez seja um indicativo dos rumos que o
pensamento do autor tomaria. Pois, mesmo que inserido na tradição fenomenológica, não abre
mão de alguns preceitos de filosofia já passados, como Aristóteles. Com isso, para que
possamos concluir essa parte, vejamos a concepção de fenomenologia expressa na obra de Ser
e Tempo.

O livro publicado por Heidegger no ano de 1927 como exigência do ministério da


cultura berlinense para que este pudesse suceder Nicolai Hartmann na cátedra de Filosofia se
inicia já pela analítica da existência, onde coloca a questão do ser em primeiro lugar ou duas
questões, se quisermos: a questão do sentido do ser dos entes e a do ser entendido em de modo
geral. Nos responde dizendo que cada ente é ente de um ser. Diante disso que Heidegger vai
afirmar ser o homem um privilegiado com relação aos demais entes por ser o único dentre eles
que consegue levantar as questões5 concernentes ao ser acima expostas. Ele não só consegue
fazer uma analítica dos campos ôntico, ontológico, e ôntico-ontológico, como só ele é capaz de

5
“Questionar é procurar cientemente o ente naquilo que ele é e como ele é (HEIDEGGER, 1988, p. 30). Assim o
autor define o “questionar” realizado pelo dasein.
tanto. Isso quer dizer que os conhecimentos que produzimos são conhecimentos restritos ao
nosso modo de ser-no-mundo. Nossa ciência sobre as formigas, por exemplo, jamais pode ser
confundida com a ciência que as formigas possuem delas mesmas. Isso pode ser revelado pela
fenomenologia, que concilia as concepções de “fenômeno” e “logos” gregas, por se mostrarem
relacionais ao longo da história da filosofia, em um método de investigação que possibilita a
apreensão do como de um fenômeno menos que de seu quid.

3. Conclusão: crítica de Husserl a Heidegger.

Husserl trata de construir uma crítica sobre os rumos que a fenomenologia havia tomado
em um artigo intitulado Phénoménologie et anthropologie (1993), onde diz-nos: “La tendance
subjectiviste propre à cette époque s'exerce en effet dès le commencement dans deux directions
opposées: l'une est anthropologiste (ou psychologiste), l'autre transcendantale.” (HUSSERL,
1993, P. 57), onde apresenta duas perspectivas de estudos fenomenológicos que estão presentes
no debate da filosofia moderna e contemporânea e de alguma forma se desprenderam a partir
de suas Investigações: a transcendental e a antropológica. A primeira pode ser tomada no
sentido em que se dá o desenvolvimento do projeto de Husserl e o leva as suas Ideens, enquanto
que a segunda diz à toda fenomenologia que se volta para a análise do que ele chama de “dasein
mondano-croncret” em referência direta a Heidegger, mas que também envolve por extensão
pensadores como Sartre, Merleau-Ponty e até mesmo Dilthey, que é citado diretamente por
Husserl. Como isso se dá em detalhes?

Originariamente entre os gregos antigos, filosofia e ciência era uma e mesma coisa em
ambas se fazia presente a questão sobre o sentido do ser. Após o período de Descartes, todo
conhecimento que se constituiu como “seguro” passou a ser chamado de científico, enquanto
que a filosofia permaneceu no âmbito do sentido do ser mesmo. Descartes dá o ponta pé inicial
de nossa época, segundo Husserl, por colocar a questão do subjetivismo de uma forma
propriamente nova. Questão essa que será desdobrada nas feições acimas mencionadas: em
caráter antropológico e transcendental.

Vimos como Kant, através de sua intuição sobre o conceito de uma razão que é pura, ou
seja, que assegure também o conhecimento a priori, influenciou grandemente a fenomenologia
husserliana. Afinal, as Investigações lógicas assumem como ponto de partida uma lógica
também purificada e trabalhada no campo meramente categorial, onde a essência dos
fenômenos se apresenta em sua transfenomenalidade, por isso, igualmente puras. Diante disso,
Husserl nos dá o sentido de sua crítica a fenomenologia que se funda através da analítica
existencial na seguinte passagem: “dans quelle mesure une philosophie, partant une philosophie
phénoménologique, peut-elle être méthodiquement fondée dans une anthropologie
‘philosophique’” (Husserl, 1993, p. 58). Husserl na tese sobre a orientação natural faz uma
descrição em total consonância com uma possível analítica da existência, quando percebe que
somos seres conscientes presentes em um mundo que nos circunda e que dele obtemos
conhecimento através de nossas percepções, entendimento e da forma categorial que dele
abstraímos. Com isso queremos dizer que a questão não é tanto a analítica da existência em si,
mas sim uma questão de princípio. Devemos colocar tal orientação entre parêntesis a medida
em que a experimentámo-la cotidianamente, para que cada um possa extrair de sua experiência
individual as conclusões que ela possibilitar.

Husserl possuía um pensamento moderno, em alguns sentidos. Apesar de romper


parcialmente com a noção de verdade quando apresenta alguns desdobramentos da
intencionalidade da consciência, como por exemplo, que um objeto possuí várias visadas
possíveis, para ele, isso é um princípio fundamental que uma vez instituído como tal qualquer
um pode ter acesso. É o tipo de categoria chamada de transcendental, pois é compartilhada pela
universalidade dos indivíduos existentes, seja quantos forem em qualquer lugar e tempo do
espaço. Com isso “La philosophie, science authentique, vise des vérités absolutes, définitives,
dépassant toute relativité.” (HUSSERL, 1993, p.59) passa a ser uma definição absoluta que
deve sempre estar relacionada com o projeto husserliano, segundo o próprio.

Sem nenhuma adição estranha ao que fora colocado e à forma como fora colocado, nossa
conclusão respeitara os limites que encontrou esse presente trabalho. Pois, se existe algo em
filosofia que ainda está vivo, este algo é o método fenomenológico, conquanto for tratado como
sendo o estudo das coisas sendo tomadas por elas mesmas, como vimos. E a crítica que Husserl
faz não só a Heidegger, mas a todos que desejam se enveredar pela análise subjetivista da
condição humana de ente entre entes no mundo ao qual possui o privilégio de questionar sobre
o significado de seu ser é a seguinte: de que a fenomenologia possibilita o conhecimento no
limite daquilo que vimos, como sendo o estudo de essências, mas entendida em sentido estrito,
suprimindo os dualismos que apresentamos e estabelecendo que existe o ente e por detrás dele
nada se esconde além daquilo que deixo de intencionar. Pois, assim procedendo, extrai-se da
fenomenologia aquilo que lhe é central: o como, ou seja, o caminho seguro pelo qual possamos
conduzir nossas experiências.
Referências bibliográficas:
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: parte I / Martin Heidegger; [tradução de Márcia de Sá
Cavalcanti]. – 2. ed. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1998.
__________________ Meu caminho para a fenomenologia: coleção os pensadores. / Martin
Heidegger; 4. ed. Lisboa: presença, 1978 (p. 495-500).
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia
fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura / Edmund Husserl; [tradução Marcio
Suzuki]. – Aparecida, SP, ideias & letras, 2006.
__________________ Investigações lógicas: sexta investigação (elementos de uma elucidação
fenomenológica do conhecimento) / Edmund Husserl; São Paulo, ed. Abril Cultural, 1998
(coleção os pensadores).
__________________ Notes sur Heidegger. / Edmund Husserl; Paris, Les Éditions de Minuit,
1993.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura / Immanuel Kant; [tradução de Manuela Pinto dos
Santos]. – 5. edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

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