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DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PROCEDIMENTO

ADMINISTRATIVO

DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 22/1998 | p. 118 - 128 | Jan -
Mar / 1998
Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo | vol. 1 | p. 1105 - 1119 | Nov / 2012
DTR\1998\37

Dinorá Adelaide Musetti Grotti

Área do Direito: Constitucional; Administrativo


Sumário:

1. Origem histórica. Sentido processual e material do devido processo legal - 2. O


contraditório e a ampla defesa no procedimento administrativo - 3. Princípio do
contraditório - 4. Desdobramentos do contraditório - 5. O princípio da ampla defesa - 6.
Observações finais

1. Origem histórica. Sentido processual e material do devido processo legal

O tema é provavelmente dos mais importantes no Direito brasileiro contemporâneo


como instrumento de garantia dos administrados em face das prerrogativas públicas.

Em breve síntese evolutiva pode-se dizer que a cláusula do devido processo legal (o
conceito, não a expressão) teve suas raízes fincadas na Magna Carta (LGL\1988\3)
inglesa de 1215 de João Sem Terra, sob a fórmula da law of the land (art. 39), que
significava que os direitos dos homens livres - barões e proprietários de terra - relativos
à vida, à liberdade e à propriedade só poderiam ser suprimidos segundo as regras
constantes da lei da terra ou do Direito costumeiramente aceito. Naquele momento
histórico em que o Estado era a lei, ou melhor, a lei que o soberano fazia, cumpria,
apareceu o devido processo legal para que o baronato tivesse a proteção da law of the
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land, a lei da terra, contra os abusos da Coroa inglesa. Os senhores feudais deveriam
conhecer qual era a lei a seguir, a se submeter.

A locução hoje consagrada, due process of law, foi utilizada somente em lei inglesa de
1354, sob o reinado de Eduardo III, com o Estatuto das Liberdades de Londres, depois
acolhida pelo constitucionalismo norte-americano, incorporada à Constituição dos
Estados Unidos pelas Emendas V (1791), ao dizer que "nenhuma pessoa pode ser
privada da vida, liberdade e propriedade sem o devido processo legal", e XIV (1868),
que vinculou os Estados da Federação à cláusula e daí irradiada para o sistema
constitucional de inúmeros países.

Em sua longa trajetória, o instituto atravessou os séculos e impôs sua presença no


Direito contemporâneo com renovado vigor, evoluindo da garantia simplesmente
processual, formal ou adjetiva ( procedural due process), para um postulado de caráter
material ou substantivo (substantive due process). Ou seja, em sua concepção originária
a expressão foi aplicada como garantia processual significando a exigência de processo
regular e ordenado a ser observado nas várias instâncias judiciais, pois não visava a um
questionamento da substância ou do conteúdo dos atos do Poder Público.

Foi com essa índole que a garantia vigorou na velha Inglaterra, por imposição da Magna
Carta (LGL\1988\3), e daí ingressou nas Cartas coloniais da América do Norte e, depois,
na 5.ª e 14.ª Emendas da Constituição dos Estados Unidos.

Mais tarde, antes mesmo do fim do século XIX, o conceito se ampliou. A Suprema Corte
dos Estados Unidos, por meio de construção jurisprudencial bastante rica e criativa e
baseando-se em critérios de razoabilidade e racionalidade passou a promover a proteção
substantiva dos direitos fundamentais nas leis e atos estatais em geral contra a ação
irrazoável e arbitrária do Poder Público, primeiramente na área das economic matters,
expandindo-se, ulteriormente, para outros campos, sempre invalidando
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constrangimentos públicos ao exercício dos direitos fundamentais. Dessa forma, do


procedural due process evoluiu-se parar o substantive due process, na análise do
conteúdo, motivos, finalidade e efeitos dos atos governamentais. Deixou, assim, de ser
mera garantia processual, para transformar-se, ao lado do princípio da igualdade, no
mais importante instrumento jurídico protetor das liberdades públicas, transmudando-se
num princípio garantidor das realizações da Justiça, capaz de condicionar, no mérito, a
validade das leis e da generalidade das ações do Poder Público.

No que concerne ao seu campo de aplicação, a cláusula vinculou-se originariamente ao


processo penal, sobretudo para possibilitar o direito de defesa. Estendeu-se depois ao
processo civil, entendendo-se com essa fórmula, no momento atual, "o conjunto de
garantias constitucionais que, de um lado asseguram às partes o exercício de suas
faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da
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jurisdição".

Mais recentemente a cláusula estendeu-se aos procedimentos administrativos


instaurados no âmbito da Administração Pública, impondo a essa estrita observância dos
princípios da legalidade e da moralidade administrativas, ambos de especial importância
na área do poder de polícia. Estas são, em síntese, as razões da formulação e
desenvolvimento da teoria do due process of law.

A essa evolução o Brasil não ficou alheio. Mesmo antes da Constituição de 1988 a
doutrina e a jurisprudência já entendiam consagrado o princípio do devido processo
legal.

Ele emergia de algumas normas de garantia do processo e do direito de segurança,


inscritas entre os direitos e garantias individuais. Seu reconhecimento dependia de
pesquisa no Texto Constitucional e de construção doutrinária. Agora, ele está expresso.

A Constituição de 1988 consagra pela primeira vez o princípio de forma clara, límpida e
escorreita, no art. 5.º, inc. LIV, garantindo que "ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens, sem o devido processo legal".

Pela inscrição do devido processo legal com espaço próprio e autônomo no elenco dos
direitos individuais e coletivos, pelos princípios que a Lei Maior consagra como
fundamentos da República, pelos objetivos que elege e pelo realce atribuído ao controle
da constitucionalidade pelo Poder Judiciário, pode-se assegurar sua acolhida nos dois
aspectos, isto é, em termos processuais e substantivos, como ocorre no Direito
norte-americano.

O princípio se caracteriza pela sua excessiva abrangência. As inferências que dele se


podem tirar são, no fundo, ilimitadas. Algumas delas vêm desdobradas na própria
Constituição como direitos autônomos nos parágrafos subseqüentes. São exemplos que
aparecem no mesmo artigo 5.º: o direito de petição aos Poderes Públicos (art. 5.º,
XXXIV, da CF/1988 (LGL\1988\3)), a não exclusão da apreciação do Poder Judiciário de
lesão ou ameaça de lesão (art. 5.º, XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3)), o Juiz natural
(art. 5.º, XXXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Assim também o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, vêm assegurados em todos os
processos, inclusive administrativos, desde que neles haja acusados ou litigantes (art.
5.º, LV, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

É certo que o "devido processo legal", pela sua importância e até para a caracterização
da garantia, enseja a formulação de muitas questões, dentre as quais, é de todo
conveniente abordar-se os princípios do contraditório e da ampla defesa no âmbito do
procedimento administrativo.

2. O contraditório e a ampla defesa no procedimento administrativo

A Constituição utilizou-se dos termos "acusados" e "litigantes" no inc. LV do art. 5.º


acima mencionado.
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Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 não se limitou a assegurar o contraditório e a


ampla defesa - com os corolários deles decorrentes - para os processos em geral,
inclusive o administrativo em que haja acusados, pois essas garantias eram extraídas
pela doutrina e pela jurisprudência dos Textos Constitucionais anteriores, tendo a
explicitação da Lei Maior em vigor natureza didática, afeiçoada à boa técnica, sem
apresentar conteúdo inovador.

"Há de se dar larga amplitude ao termo - 'acusados em geral' para abrigar todas as
situações em que haja imputação a alguém de falta ou conduta ilícita e, não apenas no
sentido mais restrito, da possibilidade de já haver acusação formal (ou denúncia no
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processo penal) a deflagrar o inquérito administrativo ou a ação penal. "

Mas agora a Constituição estendeu as garantias aos processos administrativos em que


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haja litigantes. É esta a grande inovação da Constituição de 1988, e, como observa Ada
Pellegrini Grinover, "esta é a única interpretação da norma constitucional que, em
obediência ao princípio de que a lei não pode conter disposições inúteis, faz com que não
se considere superposta a tutela constitucional para os acusados em geral' e para os
'litigantes em processo administrativo'. E esta é, sem dúvida, a vontade da Constituição
pátria de 1988, coerente com as linhas evolutivas do fenômeno da processualidade
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administrativa".

Assim, a Constituição não mais limita o contraditório e a ampla defesa aos


procedimentos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as
garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos, ainda que
neles não haja acusados, mas simplesmente "litigantes", quer dizer, sempre que houver
controvérsia, conflitos de interesse, contenda. Não é preciso que o conflito seja
qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o processo
jurisdicional. Basta que os partícipes do processo administrativo se anteponham face a
face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia, a contenda, e não a lide.
Pode haver litigantes - e os há - sem acusação alguma, em qualquer lide. Assim, por
exemplo, no processo administrativo de menores, mesmo não-punitivo, podem surgir
conflitos de interesses entre o menor e seu responsável legal. Haverá, nessa hipótese,
litigantes e a imediata instauração do contraditório e da ampla defesa. E assim também
nos processos administrativos punitivos (externos e disciplinares), mesmo antes da
acusação, surgindo o conflito de interesses, as garantias do contraditório e da ampla
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defesa serão imediatamente aplicáveis".

Por sua vez na espécie de procedimentos de primeiro grau (nomenclatura de Giannini),


como salienta a Profa. Lúcia Valle Figueiredo, é necessária, apenas e tão-somente -
quando não houver, pois, litigância, interesses contrapostos ou sanções - a aplicação dos
princípios inseridos no bojo do art. 37, da CF/1988 (LGL\1988\3), acrescentando-se o da
"motivação", o da "lealdade", da "razoabilidade" e da "boa-fé", encartados ao longo de
toda a Constituição. Entretanto, diante de processos, que têm contrariedade, ou por
outro lado, diante de processos em que existam "acusados", ainda que entre aspas, em
face de processos sancionatórios -, os princípios do contraditório e da ampla defesa se
hão de colocar; assim também quando estivermos em face de processos ablativos de
direitos, ainda que a Administração se coloque diante da revisão de atos administrativos
emanados ilegalmente.

Deveras, não pode a Administração suprimir direitos, desconstituir situações, sem que
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ouça o administrado "preliminarmente".

Cumpre notar que aspecto relevante da imposição do pressuposto do devido processo


legal é a individualização das situações; a necessidade de que cada caso seja objeto de
deliberação própria e específica, em face de suas particularidades, de suas
circunstâncias.

Em outras palavras, somente no caso concreto é que se verá se foi cumprido o due
process of law, que dependerá das circunstâncias, como dizia Holmes.
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3. Princípio do contraditório

Os princípios do contraditório e da ampla defesa mantêm íntima relação e interação. O


entrelaçamento de ambos é tão grande que não se pode imaginar a existência de um
sem o outro.

Pode-se dizer, com Ada Pellegrini Grinover, que é do contraditório que brota a própria
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defesa. Mas também se pode dizer que a defesa é que garante o contraditório. A
questão tem grandes semelhanças com a história de quem nasceu primeiro: se o ovo ou
a galinha.

Em essência, o contraditório significa a bilateralidade do processo, ou seja, a faculdade


de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios ante fatos, documentos
ou pontos de vista apresentados por outrem. O contraditório possibilita "tecnicamente
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contradizer a posição contrária". Fundamentalmente, o contraditório desdobra-se em
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dois momentos: a "informação necessária" e a "reação possível".

O contraditório não é exclusivo do processo judicial. "Sua admissibilidade na esfera


administrativa representa mudança de algumas concepções relativas à supremacia do
Estado, à existência de um só juízo sobre o interesse público, à posição do administrado
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como súdito, servil e submisso, à predominância absoluta da autotutela".

Para exemplificar, vale a pena mencionar a decisão proferida (13.11.1996) pela Juíza de
Direito Maria Fernanda de Toledo Rodovalho Podval, da 9.ª Vara da Fazenda Pública de
São Paulo (Autos n. 1217-95), na "ação declaratória" ajuizada por Paul Israel Singer em
face da Prefeitura Municipal de São Paulo e do Tribunal de Contas do Município de São
Paulo, visando a nulidade da decisão do Tribunal de Contas que, ao rejeitar as contas
municipais do exercício de 1991, relativas à gestão da prefeita Luíza Erundina,
determinou a responsabilidade do ordenador da despesa resultante da contratação de
serviços de pareceres.

A sentença julgou nula a decisão do Tribunal de Contas que responsabilizou o autor


pelas despesas com contratação de pareceristas, considerando o parecer do Tribunal de
Contas formalmente irregular, por configurar-se violação ao princípio do contraditório,
pois o autor não havia sido cientificado da acusação; não a descrição do ato passível de
ensejar a aplicação da penalidade. Se não havia essa acusação formal, é óbvio que a
responsabilização foi uma surpresa para o autor. É justamente essa surpresa que o
direito ao contraditório tem por escopo evitar.

4. Desdobramentos do contraditório

Representam desdobramentos mais diretos do contraditório, principalmente, a


acessibilidade aos elementos do processo, a audiência dos interessados e a motivação.

A) O princípio da acessibilidade aos elementos do processo significa o direito, atribuído


aos sujeitos e à própria Administração, de obter conhecimento adequado dos fatos que
estão na base da formação do processo, e de todos os demais fatos, dados, documentos
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e provas que vierem à luz no curso do processo.

A parte tem o direito de saber o que consta do processo, ou seja, à parte deve ser
facultado o exame de toda a documentação constante dos autos.

A Administração raciocina no sentido de que tudo o que se passa do guichê para trás é
segredo.

Deve haver absoluto direito de conhecimento dos pareceres, das razões técnicas, sob
pena, inclusive, de ofensa aos princípios da lealdade e boa-fé.

O princípio da publicidade, expressamente previsto no caput do art. 37, CF/1988


(LGL\1988\3) aplica-se ao processo administrativo.
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Por ser pública a atividade da Administração, os processos que ela desenvolve devem
estar abertos ao acesso dos interessados.

O direito de acesso aos elementos do expediente só pode ser restringido por razões de
segurança da sociedade e do Estado, hipótese em que o sigilo deve ser resguardado
(art. 5.º, XXXIII, da CF/1988 (LGL\1988\3)); ainda é possível restringir-se a publicidade
dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem
(art. 5.º, LX, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

B) A audiência do interessado consiste na possibilidade de manifestar o próprio ponto de


vista sobre os fatos, interpretações e argumentos, apresentados pela Administração e
por outros sujeitos. No Direito brasileiro há muito se consagrou o princípio da oitiva nos
processos disciplinares, agora reforçado pelo art. 5.º, LV, da CF/1988 (LGL\1988\3).

O interessado tem o direito de ser ouvido. Tal direito não se resume a uma única
manifestação. Donde, significa mais do que ser ouvido apenas inicialmente, podendo
implicar, in concreto, que se deva dar ao administrado oportunidade de volver a
manifestar-se, tendo em vista o próprio desenrolar do procedimento com seus
incidentes.

Um problema, hoje amplamente discutido, é se a anulação e a revogação (autotutela)


podem ser feitas sem a observância do princípio do contraditório.

Para anular e revogar, a Administração deve, em regra, assegurar o princípio do


contraditório. Excepcionalmente, ela poderá deixar de atendê-lo, se se tratar de uma
situação absolutamente urgente, que se não for imediatamente atendida poderá
ocasionar um dano maior para o interesse público; mas, fora disso, impõe-se a regra da
observância do princípio do contraditório.

Nessa linha já vem se posicionando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A


propósito, convém citar o acórdão proferido no RE n. 158.543 - RS, Segunda Turma, que
teve como relator o Sr. Min. Marco Aurélio. Recorrentes: Ubirajara de Sá Gomes e
outros. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul, com a seguinte ementa:

"Ato administrativo - Repercussões - Presunção de legitimidade - Situação constituída -


Interesses contrapostos - Anulação - Contraditório. Tratando-se da anulação de ato
administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a
anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de
processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já
alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser
afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular".

Convém também ressaltar que a jurisprudência tem entendido que não pode a
Administração anular concurso e desfazer as nomeações de funcionário já no pleno
exercício dos cargos, independente do processo administrativo, com a garantia de ampla
defesa aos interessados. Assim, decidiu o STJ em Recurso em MS 1201. Recorrente: Ana
Clara Coelho Rodrigues e outros. Recorrido: Estado do Maranhão. Rel.: Sr. Min. José de
Jesus Filho.

"A anulação de concurso público, seguida da exoneração de funcionário nele aprovado e


nomeado, só é possível mediante o devido processo legal administrativo. Súmulas 20 e
21, do STF".

C) A oportunidade de reagir seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a


autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos
sujeitos. A este fim responde a regra da motivação dos atos administrativos. Pela
motivação se percebe como e quanto determinado fato, documento ou alegação influiu
sobre a decisão final.

Princípio da motivação é o "da obrigatoriedade de que sejam explicitados tanto o


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fundamento normativo quanto o fundamento fático da decisão, enunciando-se, sempre


que necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que servem de calço ao ato
conclusivo, de molde a poder-se avaliar sua procedência jurídica e racional perante o
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caso concreto".

A motivação também propicia o reforço da transparência administrativa, do princípio da


legalidade e uma exigência do Estado Democrático de Direito, afastando desde logo o
sintoma do arbítrio e o despotismo das autoridades que a ordem constitucional repudia e
o regime democrático deplora.

Pouco importa o fato de não estar a motivação expressa no art. 37, CF/1988
(LGL\1988\3), no cap. VII, referente à Administração Pública. O art. 93, X, da CF/1988
(LGL\1988\3) obriga a motivação das decisões administrativas dos tribunais, portanto,
no exercício de suas funções atípicas.

Por conseguinte, não seria de se supor que os administradores, a quem cabe


expressamente a função administrativa, portanto, de maneira típica, não devessem
motivar suas decisões administrativas.

De outra parte, o princípio, de qualquer forma, está consagrado no Texto Constitucional


na medida em que o art. 5.º, XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3), dá possibilidade de
acesso amplo à jurisdição quando houver lesão ou, até mesmo, apenas ameaça a direito,
pois sabida é a impossibilidade de acesso ao Judiciário se as decisões não forem
motivadas. Como discutirá a parte seu direito, se não souber sequer o fundamento das
decisões?

Outro fundamento da necessidade expressa de motivação sedia-se no próprio inc. LV do


art. 5.º. Não seria viável, de forma alguma, o contraditório e a possibilidade de ampla
defesa se motivação não houvesse.

A motivação é a explicitação das razões que levam o administrador a decidir de uma


maneira ou de outra, diante de determinada situação, diante de determinados
pressupostos, diante de determinados fatos e não se resume à fundamentação legal.

A Constituição do Estado de São Paulo veio a consagrar a motivação no art. 111.

Todavia, quando se lê o Diário Oficial depara-se com despachos como "indefiro por falta
de amparo legal". Ou, então: indefiro com base na manifestação de fls... e a
manifestação de fls. diz: deve ser indeferido por falta de amparo legal. Onde está a
motivação?

5. O princípio da ampla defesa

No ordenamento pátrio e em ordenamentos estrangeiros a ampla defesa teve incidência,


de início, no processo penal, porém aos poucos firmou-se, na doutrina e na
jurisprudência, entendimento favorável à extensão da ampla defesa ao âmbito do
processo civil e nos processos administrativos disciplinares, pois neles se apreendia de
modo claro a situação de alguém acusado de uma determinada conduta e passível de
sofrer uma sanção. Depois, a garantia foi invocada em outros âmbitos de atuação
administrativa, tais como, sanções a particulares, fiscalização do exercício profissional,
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punição de alunos.

Se no processo jurisdicional, os desdobramentos da ampla defesa encontram plena


ressonância, na esfera administrativa podem suscitar questionamentos sobretudo ante
os seguintes aspectos:

A incidência da ampla defesa no processo administrativo "defronta com a clássicas


considerações a respeito da auto-executoriedade das decisões administrativas, da
urgência no atendimento do interesse público, do exercício do poder discricionário, da
ordem na Administração, subjacendo uma idéia de não total compatibilidade.
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"a) É o que ocorre ao se cogitar do caráter 'prévio' da defesa, quer dizer, de sua
anterioridade em relação ao ato decisório.

"No concernente ao exercício do poder disciplinar, a garantia constitucional da ampla


defesa proíbe a imposição sumária de penas, sem a intermediação de processo (que
pode ser simples).

"Com isso, não há de se admitir a punição pelo critério da 'verdade sabida', em virtude
do qual se conferia à autoridade o poder de aplicar de imediato penas leves (ex.:
repreensão e suspensão curta), quando tivesse conhecimento direto da falta cometida.

"Outra situação ensejadora de dúvidas quanto à anterioridade da defesa referentes às


multas de trânsito. Diante da inviabilidade de defesa prévia nessas ocasiões, a solução
advém com a concessão de prazo adequado para que o administrado possa recorrer da
multa e para que o órgão possa decidir antes do vencimento.

"Em casos excepcionais, envolvendo risco de vida e segurança da população, pode-se


admitir a defesa 'posterior', como o embargo de obra com risco de desabamento e a
interdição de atividades perigosas. Em tais casos e mesmo tendo havido oportunidade de
defesa prévia, deve ser assegurado o direito de recorrer, como desdobramento da ampla
defesa.

"b) O princípio da revisibilidade consiste no direito do administrado recorrer de decisão


que lhe seja desfavorável. Tal direito só não existirá se o procedimento for iniciado por
autoridade do mais alto escalão administrativo ou se for proposto perante ela. Neste
caso, caberá apenas ao interessado pedido de reconsideração; se não atendido, restará
buscar as vias judiciais. O direito de interpor recurso administrativo independente de
previsão expressa em lei ou demais normas, visto ter respaldo no direito de petição,
consignado pelo art. 5.º, XXXIV, da CF/1988 (LGL\1988\3), integrante do rol dos direitos
e garantias fundamentais. Além disso, nos processos administrativos o direito está
baseado na garantia de ampla defesa, como uma de suas conseqüências. Em alguns
ordenamentos exige-se que, no texto da notificação ou publicação do ato administrativo,
sejam indicados os recursos cabíveis, as autoridades perante as quais devem ser
interpostos e os respectivos prazos.

"c) Outro elemento da ampla defesa que, aplicado na esfera administrativa, suscita
controvérsia, situa-se na 'defesa técnica'.

"Por sua vez, a defesa técnica é a defesa realizada pelo representante legal do
interessado, o advogado. Várias justificativas surgem, de regra, quanto à defesa técnica:
equilíbrio entre os sujeitos ou paridade de armas, vinculado à plenitude do contraditório;
o conhecimento especializado do advogado auxilia a tomada de decisão parametrada
pela legalidade e justiça; a presença do advogado evita que o sujeito se deixe nortear
por emoções de momento, por vezes exacerbadas.

"Considerando-se a defesa técnica como desdobramento da ampla defesa assegurada


pela Constituição, deve ser encarada, no processo administrativo, como possibilidade ou
como exigência?

"Nos processos disciplinares de servidores, que possam resultar em penas graves, já se


firmou tendência no sentido da necessidade de defesa técnica, cabendo ao poder público
a indicação de defensor dativo, quando o servidor estiver desassistido, ou verificar
revelia.

Quanto aos demais processos administrativos e aos processos disciplinares por infrações
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leves, deve-se exigir defesa técnica?"

A professora Odete Medauar entende que "a exigência de defesa técnica em todos os
processos administrativos implicaria a obrigatoriedade de defensoria dativa
proporcionada pelo Poder Público a todos os sujeitos sem advogado próprio, o que
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parece inviável. Por isso, deve ser exigida em processos cujos resultados repercutam
com gravidade sobre direitos e atividades dos sujeitos, como p. ex., demissão, cassação
de aposentadoria, interdição de atividades, fechamento de estabelecimentos, cessação
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do exercício profissional. Deve figurar como possibilidade nos demais processos".

Ana Lúcia Berbert Fontes manifeta-se a favor da presença do defensor técnico em todo e
qualquer processo administrativo disciplinar, como conseqüência da própria configuração
de um processo e da democratização na vida social. Mas admite atenuações à exigência
para não se levar às últimas conseqüências e não prejudicar o desenvolvimento das
apurações, propondo o rito sumário especial para penas brandas, para o qual se
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dispensaria, embora não se proibisse, a presença do profissional habilitado. Na lei
federal de processo administrativo norte-americana, o right to counsel se coloca como
possibilidade, não como exigência (atual § 555, alínea b).

A professora Lúcia Valle Figueiredo sustenta que, se é verdade que, no processo


administrativo, pode a parte dirigir-se à Administração sem advogado, todavia, crê que
nos processos sancionatórios e nos disciplinares deve haver defesa técnica.

Sempre que houver prejuízo à parte, a defesa técnica faz-se imprescindível; apenas no
caso de, efetivamente, não haver prejuízo poder-se-á dela prescindir. Porque considera
que, sem defesa técnica, na verdade, no mais das vezes, sobretudo nos processos
disciplinares, não se tem ampla defesa, defesa realmente eficiente, defesa em que haja
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efetiva possibilidade de amplo contraditório e exaustão das provas.

Neste ponto, vale mencionar a manifestação do Tribunal de Ética da OAB, publicada no


Boletim AASP, n. 2024, no sentido de que a indicação de defensor dativo de funcionário
do mesmo município pode configurar cerceamento de defesa e ofensa ao princípio do
contraditório. In verbis: "OAB - Tribunal de Ética. Procurador municipal - nomeação para
defensor dativo de funcionário do município. O Tribunal de Ética não conhece de
consulta, por se referir a terceiros e não ao próprio consulente. Hipótese, todavia,
relevante espécie de tergiversação que pode configurar cerceamento de defesa e ofensa
ao princípio do contraditório. Falta de liberdade, isenção e autonomia plena do
procurador na ampla defesa do indiciado, ambos subordinados ao ente público. Ofensa a
princípios de ordem processual e constitucional, além de contrariar regras do Código de
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Ética e Disciplina da OAB (art. 23).

"d) Vinculados ao aspecto da informação geral decorrente do contraditório e


tangenciando, assim, desdobramentos desse princípio, apresentam-se outros elementos
de ampla defesa. Assim, o direito a ser notificado do início do processo, devendo constar
do texto a indicação dos fatos e bases legais; o direito de ser cientificado, com
antecedência, das medidas ou atos referentes à produção das provas; o direito de ser
cientificado da juntada de documentos; o direito de acesso aos elementos do expediente
(vista, cópia ou certidão).
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Nesse sentido, doutrina Ada Pellegrini Grinover: "Apesar da atipicidade do ilícito
administrativo, reconhece-se, por isso, a exigência de ser este capitulado, de forma a
possibilitar ao acusado o exercício efetivo de sua defesa. A menção ao fato deve vir,
portanto, em todos os pormenores e vários acórdãos existem, anulando processos
administrativos, quando essa circunstância não se deu".

Raro não é se encontrar a instauração imprecisa de processo quanto à qualificação do


fato, e sua ocorrência no tempo e no espaço, "ferindo, pois, frontalmente, os princípios
do contraditório e da ampla defesa, ao deixar de individualizar a parcela de participação
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de cada um dos acusados".

Nesse sentido já decidiu o STJ em acórdão de 01.12.91, em que por unanimidade foi
dado provimento ao recurso em: MS n. 1.074, Recorrente: Hermes Ferreira da Silva -
Recorrido: Estado do Espírito Santo - Rel.: Sr. Min. Peçanha Martins.

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"A portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem


explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado. Ninguém pode defender-se eficazmente
sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas. Apesar de informal, o
processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal".

e) Integra também a ampla defesa o princípio da ampla instrução probatória, o qual


significa não apenas o direito de oferecer e produzir provas, mas também o de, muitas
vezes, fiscalizar a produção das provas da Administração.

Assim, nomeado perito pelo administrador - da mesma maneira como é feito no


processo judicial -, caberá à parte designar seu perito, seu assistente técnico, para que
acompanhe a perícia. Também cabe-lhe pedir a prova pericial. Nesse sentido já decidiu o
Tribunal de Justiça: Ementa oficial: A realização de perícia, no decorrer do procedimento
administrativo fiscal, sem a participação do contribuinte nos trabalhos, importa em
nulificação do título executivo fiscal, por ferimento aos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa.

Ap. 35.725-1 - 3.ª T. - J. 10.11.93 - Rel. Des. João Carlos Brandes Garcia.

Todavia, poderá o administrador, da mesma maneira que o Juiz, indeferir provas


impertinentes, provas procrastinatórias, ou cuja finalidade seja tumultuar o processo.

Enfim, aplica-se ao processo administrativo a regra do art. 5.º, LVI, da CF/1988


22
(LGL\1988\3), que veda as provas obtidas por meios ilícitos e o direito ao silêncio.

6. Observações finais

Cumpre ressaltar ainda que o devido processo legal é o gênero do qual todos os demais
princípios constitucionais do processo são espécies. Pode-se afirmar que, em face do
agigantamento do Estado e do fortalecimento do Executivo, "o instituto do due process
of law encontrou nas searas do Direito administrativo um campo extremamente fértil
23
para a sua mais recente afirmação". Indubitavelmente é na adscrição ao devido
processo legal, no modus procedendi, que residem as garantias dos indivíduos e grupos
sociais.

Por derradeiro, o princípio do devido processo legal deve ser completado na prática com
a progressiva acolhida da razoabilidade e da proporcionalidade das leis, na
jurisprudência de nossos tribunais superiores, o que, por sinal, já vem ocorrendo, para
que possa assegurar, efetivamente, o respeito aos direitos e liberdades individuais,
atuando contra o arbítrio e o despotismo.

(1) Embora a Magna Carta (LGL\1988\3) fosse instrumento de acentuado e deliberado


reacionarismo, criada como uma espécie de garantia dos nobres contra os abusos da
Coroa inglesa, possuía exemplos de institutos originais e eficazes do ponto de vista
jurídico, que continuam a provocar a admiração dos estudiosos do Direito (cf. NERY
JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal (LGL\1988\3). 4.
ed., Ed. RT, p. 28).

(2) ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO,
Cândido R. Teoria geral do processo. M. 13. ed., 1997, p. 82.

(3) FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito administrativo. Malheiros, 2. ed., p. 286.

(4) Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Do direito de defesa em inquérito administrativo, RDA.
183: 9-18, p. 10.

(5) Do direito de defesa em inquérito administrativo, RDA 183 - 9-18, 1991, p. 13.
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DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO

Registra ainda a jurista: "isso não é casual nem aleatório, mas obedece à profunda
transformação que a Constituição operou no tocante à função da Administração Pública,
no pressuposto de que o caráter democrático do Estado deve influir na configuração da
Administração... Nessa linha, dá-se grande ênfase, no Direito administrativo
contemporâneo, à nova concepção da processualidade no âmbito da função
administrativa, seja para transpor para a atuação administrativa os princípios do 'devido
processo legal', seja para fixar imposições mínimas quanto ao modo de atuar da
administração" ( op. cit., p. 10-11).

(6) GRINOVER, Ada ... Op. cit., p. 12-13

(7) FIGUEIREDO, Lúcia Valle . Estado de Direito e devido processo legal, no prelo. Em
seu Curso de direito administrativo, 2. ed., Malheiros, p. 286, salienta a jurista que, nas
situações contempladas no art. 5.º, LV e LXXII, da CF/1988 (LGL\1988\3) - possibilidade
de retificação de dados em processo administrativo - haverá absoluta necessidade de
contraditório; ou, ainda, na aplicação do § 1.º do art. 41, em que também há referência
expressa a ampla defesa.

(8) Novas tendências do Direito processual. Forense Universitária, 1990, p. 4-6.

(9) GRINOVER, Ada Pellegrini . Garantias do contraditório e ampla defesa. Jornal do


Advogado, nov. 90, p. 9.

(10) DINAMARCO, Cândido. Fundamentos do processo civil. 2. ed., 1987, p. 93.

(11) MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito administrativo. Ed. RT, 1993, p. 97

(12) MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 103.

(13) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio . Curso de Direito administrativo. 9. ed., p.


322-323.

(14) MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 111-113.

(15) MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 115-119.

(16) Idem. p. 119

(17) Garantia do devido processo legal - princípio constitucional da Administração


Pública in Revista da Procuradoria-Geral do Estado da Bahia. jul./dez./1990, p. 103-104.

(18) FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit.

(19) OAB. Trib. de Ética. Proc. E-1562, rel.: Dr. Carlos Aurélio Mota de Souza. Art. 23 do
Código de Ética: "É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo,
simultaneamente, como patrono e preoposto do empregador ou cliente.

(20) GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em sua unidade. 2, p. 65.

(21) Cf. CASTRO FONTES, Ana Lúcia Berbert de. Garantia do devido processo legal -
princípio constitucional da Administração Pública. Salvador : RPGE 14:93-106,
jul./dez./1990, p. 101.

(22) MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 119-120.

(23) SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. O devido processo legal e a razoabilidade
das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro : Forense, 1989, p. 319.

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