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LORENZON, E. A.
JORGE, L. G. A.
Recebimento: 08/11/2011 - Aceite: 20/12/2011
tes, e que seus escritos e posicionamentos à morte pela assembleia ateniense com a
foram elaborados tendo por base a sociedade alegação de que seus ensinamentos corrom-
de seu tempo. Muito embora seus dizeres pos- piam a juventude: estes dois fatos marcaram
sam ser relacionados à nossa época, devem profundamente as concepções de educação e
ser vislumbrados na especificidade de seu de política de Platão .
contexto, salvo contrário corre-se o risco de Para Platão, a democracia ateniense era
um anacronismo histórico e filosófico permeada pelo excesso de liberdade e impru-
No período em que Platão viveu não dência dos governantes, motivos de origem
existia Grécia tal qual a conhecemos hoje. O da tirania. Isso fez com que ele perdesse a
território grego, moldado culturalmente por confiança no sistema político de seu tempo,
muitos povos durante séculos, configurou-se e concebesse uma ideia de educação vincu-
politicamente não em um estado, mas sim em lada à política, com fins de produzir cidadãos
cidades. Estas cidades, denominadas Pólis ou comprometidos com a coletividade.
cidades - estado, possuíam governos próprios Até então a educação ateniense era feita
e independência política e econômica entre pelos sofistas, e destinava-se a formar os
si; cada qual detinha diferentes modos de futuros governantes da cidade através do
organização interna e, a depender do período desenvolvimento do dom da oratória, que
histórico, revezavam-se em influência no que deveria ser convincente, enaltecendo a in-
hoje é o estado moderno grego. dividualidade, com fins de obtenção de uma
No período anterior à Platão, a hegemonia posição de destaque na vida política e social
da região recaía sobre a cidade-estado de de Atenas. Não se visava a educação do povo,
Atenas, cujo modelo político centrava-se na haja vista que os sofistas eram remunerados,
democracia ( governo da maioria). O contex- bem como não havia a preocupação com o
to era marcado pela efervescência cultural da preparo ético dos governantes e dos cidadãos,
cidade: construíam-se obras públicas, as artes no sentido de pertencimento a um estado, a
floresciam, havia muito progresso no campo uma coletividade.
do conhecimento, bem como circulação de Diante desta realidade é que Platão con-
pessoas e mercadorias. A democracia, sus- cebe sua obra e nela fica clara a vinculação
tentada pelo modo de produção escravista, da educação à política, visando à formação
era a forma de organização política de Atenas, de um governante completo, possuidor de
admirada por muitos até hoje, um dos moti- virtudes: sapiência, fortaleza, temperança e
vos da crítica de Platão à sociedade a que justiça. Estas se desenvolveriam a partir de
pertenceu é um ponto chave na formulação um processo educacional lento, que se daria
de seu pensamento educacional. no âmbito físico, moral e intelectual e, sendo
A época em que Platão viveu foi marcada a educação um bem do estado, quem fosse
por muitas disputas e guerras entre as cidades por ela beneficiado, deveria voltar-se à reali-
– estado gregas, tendo como pano de fundo zação do bem comum. A função de governar
o imperialismo ateniense . Em 404 a.C., uma cidade deveria ser realizada por quem
após anos de disputas, Atenas acaba por ser detivesse o preparo, obtido através do estudo.
derrotada por Esparta e sua coligação, aba- Este pensador concebe um estado ideal,
lando a democracia como sistema político e governado por homens dotados de sabedo-
colocando no poder a oligarquia dos Trinta ria, em que o bem comum é posto acima de
Tiranos, inaugurando um período complica- qualquer interesse individual. Os governantes
do para cidade - estado. Além do mais, em deste estado deveriam ser preparados para
399 a.C. Sócrates, seu mestre, é condenado conduzir os assuntos públicos através da
educação. Esta deveria durar aproximada- gens que vêem são sombras projetadas por
mente cinquenta anos a fim de selecionar, uma fogueira situada às costas do grupo; é
por meio do desenvolvimento das virtudes, este o mundo que conhecem, tendo-o como
os integrantes que comporiam as três classes a realidade. Este grupo Platão considera a
do estado ideal, para que cada uma cumprisse sociedade de seu tempo, detentora de uma
seu papel dentro da sociedade. visão de mundo restrita, crente que a realida-
A educação deveria ser fornecida pelo de é somente o que se lhes evidencia diante
Estado, que tem a responsabilidade de formar dos olhos.
seus cidadãos, estendida a todos os habitan- É o mundo sensível que Platão nos apre-
tes da pólis e utilizada como um veículo de senta, em que a superficialidade da realidade
seleção e avaliação das aptidões de cada um. não é contestada, considerando-se as pessoas
Desta forma quem se destacasse na virtude meras expectadoras dos fatos; os grilhões
da temperança, destinar-se-ia ao artesanato são a ignorância e é esta a responsável pela
e comércio; se a coragem prevalecesse no ‘mesmice’. Para Platão existia a necessidade
indivíduo, seria incluído na classe dos guer- de mudanças na percepção acerca do que era
reiros, mas se na pessoa houvesse aptidão a verdadeira realidade, por parte da sociedade
para os estudos filosóficos, estes deveriam e dos governantes gregos. A educação seria
ser aprimorados, com fins de formação dos a base para transcender o artificialismo do
futuros governantes, através de um processo mundo visível, através da formação de in-
lento, que se finaliza em torno dos 50 anos. divíduos responsáveis pelo bem comum. É
É clara a vinculação das ideias educacionais neste sentido que se dá a crítica à instrução
de Platão à política pois, em seu tempo, esta sofística, por esta focar-se em posições
possuía grande importância para os homens, individuais.
configurando o modo de vida e a organização A significância das ideias de Platão reside
social dos gregos. no fato de propor um estado e um meio de
A síntese de concepção de estado ideal e construí-lo, que é a educação e, “ a educação
da importância da educação no pensamento seria, por conseguinte, a arte desse desejo”
Platônico podem ser observados em sua obra (PLATÃO, 2008, p. 214). Este ponto abre-
“A República”, escrita entre 380 a 370 a.C., nos um leque reflexivo acerca da sociedade
mais especificamente no Livro VII, diálogo de nosso tempo, imbuída na falta de reflexi-
conhecido como a alegoria da caverna. Neste vidade e interesse no bem comum, fechada
texto, Platão interage com Glauco, tecendo no individualismo; faz-nos pensar também
um discurso complexo em termos de signi- na formação que recebemos e em nossa res-
ficado, compondo um programa educacional ponsabilidade como formadores das futuras
para formar um cidadão completo, através gerações: qual é a proposta de educação para
do desenvolvimento do corpo e da alma, formarmos cidadãos que surge em nosso
esta última por meio da dialética: “...as ou- tempo? Qual é a utilidade prática do que
tras qualidades chamadas da alma podem ensinamos para a vida e para a coletividade?
muito bem aproximar-se das do corpo; com Na alegoria da caverna, um dos homens
efeito, se não existiram previamente, podem presos é forçado a abandoná-la e inserido no
criar-se e depois pelo hábito e pela prática” mundo do conhecimento. Após um período
(PLATÃO, 2008, p. 214). de adaptação, onde habitua-se à nova situ-
Na caverna imaginada por Platão está ação, compreende o estado de ignorância
um grupo de homens, preso a correntes, a em que se encontrava, e os limites que os
observar o fundo da mesma. As parcas ima- ‘grilhões’ impunham à sua liberdade. Para
restritos a adultos. A preocupação com a que vai até os 12 anos, é considerada a fase
temporalidade da aprendizagem era, pratica- em que a criança depende, sobretudo nos
mente inexistente, tendo em conta, também, a primeiros anos, dos adultos para sobreviver.
inclusão precoce destas crianças no mercado É latente, neste aspecto, a preocupação de
de trabalho. Rousseau com o desenvolvimento sensorial e
Um ponto que merece destaque, situado experimental da criança, necessários à cons-
neste recorte temporal, é o surgimento da trução de sua autonomia, que deve acontecer
escola moderna, agregada aos ideários da por meio do conceito de liberdade bem regra-
Revolução Francesa. Foi um elemento essen- da. Isso significa ausência de impedimento,
cial para o Estado Nacional por centrar-se na no sentido de permitir que a natureza cumpra
reprodução de saberes e disciplina do corpo seu papel de educadora, mas não a ausência
e da mente, a fim de consolidar uma identi- de autoridade por parte do responsável.
dade nacional, além de capacitar operários à Nesta primeira fase, a educação proposta
nascente indústria. É desta escola que somos por Rousseau deveria ser a mais natural pos-
herdeiros e muita de sua lógica de funciona- sível, focando a liberdade da criança, mas
mento permanece e, descontextualizada a tendo a agudeza de discernir entre os desejos
prática, torna-se anacrônica em finalidades. necessários e úteis daqueles regrados pelo
Jean-Jacques Rousseau, diante da socie- vício, os quais comprometem a construção
dade setecentista, era um defensor da liber- da moralidade. Segundo Dalbosco (2009), o
dade e da formação de um estado igualitário. adulto, para Rousseau, tem a responsabilida-
Neste estado, as interações seriam permeadas de de conduzir a criança, através da educação
por meio de um contrato, tendo em conta o pelas coisas, pelo caminho natural, signifi-
caráter sociável do homem, visando a harmo- cando este o desenvolvimento das aptidões
nia do corpo coletivo. Como caminho para naturais mediante a inserção progressiva da
se chegar à sociedade contratual, Rousseau criança no universo da sociabilidade huma-
faz uso da Educação e, ao fazê-lo, concebe na. O fio condutor deste objetivo repousa no
as raízes da pedagogia moderna, através do cuidado e atenção do adulto, no sentido de
projeto de Educação Natural explicitado no atendimento apenas das necessidades natu-
Emílio. rais da criança, em contraposição à vícios e
Emílio é o nome dado por Rousseau a fantasias, os quais desvirtuariam o caráter do
seu aluno fictício, que, juntamente com seu futuro homem.
preceptor, percorrem um trajeto educacional A segunda fase envolve o período dos
de aproximadamente 25 anos, objetivando a 12 aos 15 anos e é designada como a época
formação de um ser humano autônomo, soci- da força, correspondendo à adolescência. É
ável e moral. Rousseau estabelece um método nesta fase que a força física do ser ultrapassa
educacional que valoriza o desenvolvimento os limites de suas necessidades naturais e a
da criança, tendo em conta a temporalidade criança adquire a capacidade de se adaptar
e necessidades de aprendizagem da mesma, às circunstâncias. É necessário sensibilidade
considerando o desenvolvimento sensorial, para canalizar o excedente da força em ativi-
mental e moral do ser humano. dades que corroborem para a formação das
No Emílio explicitam-se três fases neces- ideias e emissão de juízos.
sárias à formação do homem, cada qual com O adolescente precisa ser orientado a ter
aprendizagens específicas, condizentes com uma profissão, não desmerecendo o senso de
a idade, capacidade e necessidade da criança, utilidade que deve ser empregado na pers-
adolescente ou jovem. A infância, período pectiva do amor à ciência e aos métodos do
aprender. É aqui que se inicia a educação ra- dades e limites inerentes à temporalidade da
cional e social, através da inserção do método criança, adolescente ou jovem.
discursivo, o que caracteriza um deslocamen- Paralelo à dimensão sensorial, Rousseau
to da centralidade da educação pelas coisas, atribui grande valor ao senso de utilidade do
para uma pedagogia baseada no contrato e na aprendizado, e sua conexão imediata à neces-
negociação, premissas estas que permeiam a sidade que se apresenta. Progressivamente
sociabilidade humana e são essenciais para a ao desenvolvimento do saber empírico,
formação do homem em Rousseau. insere-se a instrução epistemológica, voltada
O desenvolvimento da socialização, à formação social do homem e permeada por
iniciado na segunda fase, é a pedra de toque princípios contratuais e de negociação. Ou
que norteia a ‘idade das razões e das paixões” seja, nos pontos essenciais para o convívio
entre os 15 e os 20 anos. Em contraposição social. Assim educado, o homem aprende a
ao nascimento biológico, Rousseau dá a este ser autônomo diante de seus iguais, não se
período a conotação do nascimento do ho- corrompe com os artificialismos sociais e se
mem para a sociedade, pois é onde se inicia prepara, sob o ponto de vista político, para
a relação com outros homens e com o mundo. ocupar seu papel na coletividade do Estado
É nesta fase que o jovem é preparado para Contratual.
ingressar na sociedade, por meio da aquisição
Rousseau foi o primeiro pensador mo-
e desenvolvimento do ponto de vista moral,
derno a vislumbrar a dimensão temporal
jurídico e político. É nesta fase da vida que
do desenvolvimento cognitivo da criança,
Emílio, gozando de maturidade, é apresen-
tado à sociedade. chamando atenção para a responsabilidade
da família na educação, por esta iniciar-se
Rousseau acompanha seu aluno por mais com o nascimento. É pertinente vislumbrar,
alguns anos, dos 20 aos 25, no processo final também, a importância dada à questão da sen-
de sua educação. Nesta fase, Emílio, imbuído sibilidade e da necessidade, essenciais para
da sabedoria para exercer-se socialmente,
a percepção e compreensão do mundo físico
busca a companheira ideal para o casamento
e, por intermédio dele, o desenvolvimento
e a encontra na pessoa de Sofia, que, assim
da curiosidade empírica. Esta, estimulada,
como Emílio, também foi preparada para
converte-se na vontade de saber, aprofundan-
ocupar seu lugar na sociedade. É no Livro V
do naturalmente o conhecimento.
que o pensador trata da educação feminina e
suas diferenças, em termos de método e for- A naturalidade pelo qual Emílio aprende
mação, em relação ao homem. A preocupação é fruto de um conceito de liberdade bem
central, em ambos os casos, é a preparação de regrada, presente desde o nascimento. Essa li-
um homem e de uma mulher aptos a conviver berdade objetiva tornar a criança, adolescente
e participar da sociedade. e jovem forte em todos os sentidos ( físico,
O cerne da pedagogia de Rousseau re- moral, político), visando a formação de um
pousa na ideia de educação natural, por acre- homem livre. Hodiernamente percebe-se,
ditar ser a sociedade promotora de valores nos métodos educacionais, a carência de um
artificiais, não colaborando para a formação ensino voltado à sensibilidade, ao estímulo
moral e autônoma do homem. Por isso é que e desenvolvimento de ideias e experiências
apregoa para a criança, inicialmente, uma com vistas a autonomia.
educação solitária, baseada na lei da neces- Cabe reflexão séria também sobre a falta
sidade e do cuidado, seguindo o princípio da de liberdade e os níveis de constrangimento a
educação pelas coisas, a saber das potenciali- que são submetidos nossos alunos, ocupando
espaços educativos delimitados por paredes seus cidadãos. Já para Rousseau, o sentido
e muros, cuja ‘funcionalidade’ implícita é a da artificialidade se expressa nas relações
padronização do pensamento, para posterior interpessoais da sociedade de seu tempo,
inserção pacífica na sociedade de consumo. corruptora da moralidade natural do homem.
A domesticação dos corpos perpassa o limite A educação é por ele percebida em suas
físico para tornar-se mental e intelectual. dimensões pública (educar para conviver na
sociedade contratual) e doméstica ( evitar
Rousseau propôs uma pedagogia capaz
corromper-se com vícios: dimensão do cui-
de formar um homem emancipado, cujos
dado). Ambos criticam a educação de seu
valores superassem a superficialidade das
tempo, e a ineficácia desta para a formação de
relações sociais de seu tempo. Neste ponto cidadãos comprometidos com o bem comum
é que nos questionamos acerca das possibi-
Outra semelhança é o fato de estabelece-
lidades emancipatórias que oferecemos aos
rem um período longo para a educação, 50
alunos que educamos. A sociedade contem-
anos para Platão e 20/25 em Rousseau, perí-
porânea é desigual e permeada por relações
odo em que as potencialidades dos homens
de superficialidade e individualismo que,
deveriam ser desenvolvidas, com vistas à
embora esboçam-se concepções que valori-
formação de um ser autônomo e responsável
zem um estilo de vida holístico, acentuam-se quanto ao seu papel na sociedade. Em ambas
cotidianamente. propostas vislumbra-se a preocupação com o
desenvolvimento do corpo em consonância
com a mente, merecendo destaque a preocu-
Platão e Rousseau: Confrontando pação com as temporalidades de aprendiza-
Ideias gem inerentes à cada fase da vida, paralelas
ao desenvolvimento moral
Após breve exposição das principais Existem diferenças quanto aos objetivos,
ideias destes pensadores acerca da educação, já que em Platão, a educação torna-se um
vislumbra-se, na proposta de ambos, alguns veículo seletivo de aptidões, cuja prevalência
pontos em comum que podem servir como define a configuração dos papéis sociais. So-
base para reflexões hodiernas sobre o tema. mente aos que tivessem ‘vocação’ para os es-
Um fato que deve ser levado em conta é o tudos filosóficos é que seria dada a possibili-
contexto de produção do discurso, pois tanto dade na assunção aos cargos da administração
Rousseau como Platão redigiram tendo em pública. Daí o caráter político da pedagogia
conta a ‘sua’ contemporaneidade, e a neces- idealista platônica. Já para Rousseau não
sidade de críticas e propostas educacionais há aptidão a ser selecionada, mas liberdade,
que a leitura social a eles impôs. por parte do ser em formação, em definir o
Um aspecto enfatizado pelos dois pen- que lhe agrada, embora a instrução objetive
sadores se relaciona à superficialidade e a construção de um homem preparado para
artificialismo da realidade, que não permite assumir seu papel na sociedade.
ao homem o desenvolvimento de suas ap- Ambos os pensadores apresentam propos-
tidões morais e do sentido de bem comum. ta de um estado ‘ideal’ e estabelecem uma
Para Platão, a superficialidade se refere ao pedagogia para formar cidadãos imbuídos do
estado de ignorância a que o homem está sentido de coletividade. A educação associa-
submetido, incapaz de perceber a própria va o desenvolvimento do corpo e da mente
letargia e contestar imposições, vislumbrando ao senso de utilidade, tendo o conhecimento
a responsabilidade do estado na formação de a finalidade de intervir no cotidiano. Isto fica
claro quando Platão propõe o estudo da ma- de educar os cidadãos dentro de uma perspec-
temática aos guerreiros, por esta ciência ter tiva de integralidade. Percebe-se, diante das
aplicação direta no cotidiano dos soldados, propostas destes pensadores, uma perspectiva
pois em seu tempo, as atividades bélicas eram de educação integral, tema este em pauta nos
frequentes. Veja o que fala Platão a Glauco: discursos educacionais hodiernos.
- Logo, que outra ciência havemos de
considerar necessária a um guerreiro,
como a de poder calcular e contar? Considerações Finais: Dilemas da
Educação Contemporânea
- Essa mais do que todas, se quiser
compreender alguma coisa de tática, e A época que sucedeu a Rousseau consoli-
mais ainda, se quiser ser um homem ( dou o modelo de civilização que se esboçava
PLATÃO, 2008, p. 219).
em seu tempo. A crença na ciência e na téc-
O senso de utilidade é igualmente nica acentuou-se e levou os homens a desen-
relevante em Rousseau, sendo por ele consi- volver uma visão mecanicista e fragmentária
derado fundamental no desenvolvimento da da natureza e da sociedade. Segundo Behrens
capacidade de emissão de juízos, premissa (BEHRENS, 2005), houve a separação entre
básica para a distinção do bem e do mal. Para mente e matéria, com uma consequente de-
Rousseau: partamentalização do conhecimento, visando
assim que ele consegue distinguir o
a maior eficácia. Isso fez com que o homem
que é útil do que não é, importa usar de adquirisse “uma visão fragmentada não so-
muita cautela e de arte para conduzi-lo mente da verdade, mas de si mesmo, dos seus
aos estudos especulativos. (...) Até agora valores e dos seus sentimentos” ( BEHRENS,
não conhecemos outra lei, que não a da 2005, p. 17), gerando perda de unidade , a
necessidade; agora nos deparamos com padronização do pensamento, acentuando-
o que é útil; logo chegaremos ao que é se valores individualistas e , com eles, uma
conveniente e bom ( ROUSSEAU, 2004, sociedade desigual.
p.214) .
Para a educação, a sociedade da ciência
Dentre todos os pontos abordados é inte- consolidou uma linha de pensamento redu-
ressante a importância atribuída, por Platão cionista, caracterizada pela cisão entre corpo
e Rousseau, a temporalidade necessária para e mente, gerando a perda de referência do
a educação e sua conexão com a sociedade. todo, sobretudo dos sentimentos e da ética.
A formação do homem por eles proposta Nas escolas, o conhecimento, meramente
não se reduz a uma instrução bancária, mas reproduzido por via de tarefas repetitivas,
prevê o desenvolvimento corporal conexo ao deixou de ter sentido e significado útil a
intelecto. Nos diz Rousseau: “à atividade do quem os realiza, inibindo o desenvolvimento
corpo, que procura desenvolver-se, segue-se da criatividade, da possibilidade da cons-
a atividade do espírito, que procura instruir- trução da autonomia e com ela, dos valores
se” (ROUSSEAU, 2004, p. 214). Ou seja humanos. Tendo em mentes as ideias educa-
todo o tempo, todo o espaço e toda a atividade cionais de Platão e Rousseau, é que se pode
praticada, física ou intelectual, possuíam vislumbrar a preocupação dos mesmos com a
dimensão educativa. integração de corpo e da mente, como essen-
Neste ínterim, a natureza, a família, socie- ciais para a formação do homem, e como a
dade e o estado detinham a responsabilidade escola moderna desvirtuou-se desta premissa.
Uma das grandes questões que se impõe os alunos, pautada na flexibilização curricular
na contemporaneidade é a superação do e no desenvolvimento de uma postura ativa
modelo educacional reducionista. Este pode e autônoma deste, frente ao conhecimento.
ser vislumbrado na estrutura física da esco- Diante da sociedade que se integra mundial-
la, edificada para disciplinar e controlar, na mente, as práticas educativas adquirem uma
disposição da mobília das salas, na divisão conotação ampla, vinculada ao cotidiano e ao
curricular por disciplinas e conteúdos e, até prazer em aprender em diferentes espaços.
mesmo no fato de a escola tornar-se a única É neste ponto que a educação integral
responsável pelo ensino. Isso revela a au- emerge como resposta a este impasse.
sência de responsabilização da família pela Propondo ampliação dos tempos e espaços
educação, com consequências marcantes no educativos, vislumbra uma escola pulsante
campo ético e moral, bem como a restrição e conectada com a sociedade, buscando
de espaços cotidianos e sociais da dimensão a associação entre o desenvolvimento do
educativa. corpo e da mente, semelhante ao que Platão
As últimas décadas, diante deste contexto, e Rousseau propunham, cada qual em seu
vem trazendo mudanças que requerem refle- tempo. Assim como os pensadores analisa-
xão acerca da estrutura de nossas instituições dos, a Educação Integral, ainda incipiente,
de ensino. Estas mudanças relacionam-se surge como proposta capaz de romper com a
à velocidade das inovações científicas e à fragmentação (no sentido ético, econômico,
massificação da informação, que relativiza social, curricular) que impera nas escolas,
a posição dos conhecimentos consolidados. constituindo-se em alternativa na consolida-
Isso exige uma nova relação entre a escola e ção de uma sociedade democrática e plural.
AUTORES
REFERÊNCIAS