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transtorno
Mental disorder: the challenges and the day by day of the people who live with the
disorder
RESUMO
CANDIDO, Valéria Aparecida Pereira: Transtorno mental: os desafios e o dia a dia das
pessoas que vivem com o transtorno. Curso de Serviço Social. Universidade Estácio de Sá,
2019.
1 Graduação em Serviço Social, pela Universidade Estácio de Sá, Bacharelado. E-mail do autor:
valeriakandido@gmail.com.
1 INTRODUÇÃO
Os desafios de uma pessoa portadora de saúde mental não difere daqueles que não os
têm. Educação, trabalho, saúde, valores, crenças, orientação sexual e comportamento agregados
à realidade social e cultural do indivíduo na sociedade.
Este processo de socialização é caracterizado por experiências vividas com diferentes
pessoas, gerações, modificações culturais que moldam e formam o indivíduo, sujeito social, na
sua compreensão de mundo e no seu comportamento.
Os determinantes e ou motivos para o desenvolvimento de algum tipo de transtorno
mental são por diferentes causas: traumas, genética, fatores sociais, culturais, econômicos,
políticos e ambientais, padrões de vida, química cerebral, nutrição, relacionamentos, luto,
estresse e tantos outros.
O termo “doença mental” ou transtorno mental é uma alteração do comportamento e da
mente do indivíduo. Sem saber quem ou quando, o transtorno mental afeta mais de 400 milhões
de pessoas em todo o mundo e no Brasil, a estimativa é de 23 milhões, segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS).
A pessoa com sofrimento psíquico vive um cotidiano de segregação, estigma e
preconceito, prejuízos causados pela doença, os quais afetam em sua qualidade de vida e em
seu comprometimento funcional, contribuindo para o seu isolamento social. Segundo Gaspari
(2002), “o homem não é um ser isolado, é um membro ativo e reativo de grupos sociais. A
família é um grupo social natural, um sistema que faz parte de outros sistemas, que afetam a
sua organização. A trama de relações sociais inclui, além da família, amigos e colegas”;
relações que se estabelecem baseadas em diferentes atividades do cotidiano, nas atividades
sociais, culturais, esportivas, religiosas e de cuidados com a saúde.
A exclusão social dos usuários com transtorno, a inviabilização dos direitos sociais,
privação de seu convívio social e do sistema sócio-ocupacional no mercado de trabalho e a não
inserção dos mesmos nas redes intersetoriais, determinantes das expressões da questão social
na saúde mental, são vivenciadas na exclusão social dos usuários com transtorno mental.
O artigo 6º da Constituição Federal estabelece que são direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, no entanto,
portadores de transtorno metal não têm garantidos seus direitos sendo prejudicados e
discriminados em todas as áreas de suas vidas.
“As estruturas da vida cotidiana expressam e estabelecem os espaços
de vida possíveis para estas pessoas. O cotidiano está relacionado não
somente à evolução da doença, mas desempenha um papel ativo de
construção psíquica e sócio-cultural do indivíduo doente”
(GOLDBERG, 1998).
Com os avanços das Reformas Sanitária e Psiquiátrica no Brasil e estudos sob a saúde
mental, surgiram novas propostas de tratamento que não coloca a doença como eixo principal,
e sim os serviços substitutivos e a comunidade.
“O processo de saúde e doença é compreendido em complexa
integração com aspectos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais,
estando em evidência a conexão entre o corpo individual e o social”
(MINAYO, 2004).
Dessa forma, a inclusão social da pessoa com transtorno mental deve ocorrer com o
usuário vivendo em sua comunidade. “As pessoas com transtorno mental precisam articular o
tratamento com a vivência na sociedade” (SARACENO, 2001).
No campo de saúde mental muitas mudanças vêm ocorrendo no eixo da saúde, mas a
principal e mais importante é o processo de desinstitucionalização da pessoa com sofrimento
psíquico com a implementação de serviços de saúde em meio aberto, como os CAPS (Centro
de Atenção Psicossocial), os Hospitais-dia e as Residências Terapêuticas.
A reabilitação psicossocial é um processo que atua com a finalidade de propiciar a
inserção social através do acolhimento, da assistência, de cuidados especializados e
humanização para reabilitação do indivíduo com doença mental.
No entanto, nem a sociedade, nem a família estão preparadas e amparadas para o
acolhimento do portador de sofrimento psíquico, somente através da informação e
entendimento global da doença e no cuidado integralizado ao portador é possível avançar na
eliminação do estigma e preconceito sem julgamento e discriminação para as pessoas que estão
mentalmente doentes.
"O cuidado oferecido deve respeitar e acolher a diferença do psicótico,
ele deve ser percebido como um sujeito humano e não como um sintoma
a ser debelado; além disso, o exercício da ousadia, da criatividade e
da alegria deve estar sempre associado à atividade
terapêutica" (TEIXEIRA, 1999).
Mas, o que fazer? como fazer? É necessário divulgar e conhecer a doença mental, o que
é, qual é sua evolução, quais os tipos de tratamento, quais as políticas públicas, formas de
assistência e reabilitação.
Sabemos o quando. É agora!
A reabilitação somente será possível quando sujeitos – família – governo – comunidade
estiverem integrados na construção de políticas públicas eficazes para a saúde mental, prestação
de atendimento integrado entre a saúde e a assistência social, pesquisas, informações de
promoção e prevenção, ações que ressignificam a doença contribuindo para a eliminação do
estigma e preconceito social.
Percebendo a importância do debate sobre a pessoa que vive com o transtorno mental,
esse trabalho surgiu do interesse em adentrar em um universo cercado de estereótipos e tabus
sociais e de aproximação em questões em torno da saúde mental, desenvolvidas ao longo da
minha graduação, no qual fiz participação em três semestres letivos na AAPSI – Associação de
Apoio ao Psicótico – RP, que por sua vez, através de experiências, vivências e na convivência
com pessoas com transtorno mental, foi possível um melhor aprofundamento e conhecimento
na questão da saúde mental.
No campo de estágio, na atuação do assistente social, foi possível conhecer os desafios
vivenciados diariamente da pessoa com transtorno mental. Por meio do acolhimento, da
convivência e depoimentos de familiares e usuários, foi possível conhecer a realidade que
vivem, os desafios e buscar meios de assistência.
Diante disso, a pesquisa que emerge esse trabalho, no primeiro Capítulo será abordado
o contexto histórico do qual circunscreve a saúde mental, a segregação e marginalização dos
doentes, a Reforma Psiquiátrica e o processo de desinstitucionalização e a legislação, bem como
o processo que se configura as desigualdades e o estigma vivenciados pelo portador de
transtorno mental. Para isso, buscamos analisar a definição de transtorno mental, seu processo
histórico bem como a exclusão social, do qual destaco contribuições literárias de alguns autores
como: Michel Foucault, Paulo Amarante, Thomas Szasz e Maurílio Costa Matos.
No segundo Capítulo, busco mostrar como a profissão do Serviço Social é inserida no
contexto da Saúde Mental no Brasil, o processo de humanização e a luta diária para se viver
uma vida comum. Esse capítulo vai abordar também os transtornos metais e tipologia, a família
e sociedade como espaço de vivências e socialização, finalizando ao mostrar como é possível
romper com o preconceito e estigma.
Como pergunta de investigação: Afinal, o que define o “normal”?
Dessa forma, na busca da resposta da pergunta acima, espera-se, com esta pesquisa,
contribuir para reflexão sobre os processos estabelecidos na sociedade diante das pessoas que
vivem com transtorno mental. Identificando as condições e práticas favoráveis ou desfavoráveis
à qualidade de vida, reconhecendo sua participação social e cidadania, conhecendo os direitos
legais das pessoas que vivem com problemas de saúde mental e na compreensão da doença.
Pela grande dificuldade e desafios vivenciados pelas pessoas com transtorno mental, é
comum um desarranjo familiar, existe a segregação e marginalização das pessoas por
preconceito e desinformação, os espaços sociais são reduzidos por falta de reabilitação e
tratamento, mau acompanhamento clínico e psiquiátrico, políticas públicas deficitárias e pela
complexidade que envolve interação e participação social das pessoas com transtorno mental
na sociedade, e na necessidade de informar, conscientizar e transformar, esta pesquisa apresenta
uma proposta de conhecimento e reconhecimento do doente mental enquanto ser, ser social.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, através da identificação dos principais
problemas vivenciados pelos doentes mentais dos quais se destacam o estigma e preconceito, a
exclusão social e a falta de informação, que impedem o pleno exercício da cidadania em uma
sociedade que padroniza comportamentos.
Buscamos descrever a complexidade que envolve o transtorno mental e as interações
sociais bem como as motivações subjetivas de experiências, vivências e percepções do
cotidiano que impactam na relação sujeito e sociedade na necessidade de gerar informação e
conhecimento úteis de interesse social no propósito da reinserção, integração e inclusão.
2 SAÚDE MENTAL
Saúde Mental é um estado de bem estar relacionado ao nível de qualidade de vida
cognitiva ou emocional; refere-se à capacidade do indivíduo de manter o equilíbrio de suas
ações por meio de atitudes positivas à si próprio e às exigências do ambiente, harmonizando
desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções com o intuito de promover crescimento,
desenvolvimento e auto realização.
psiquiátrica italiano conhecido como Psiquiatria Democrática. Nasceu no ano de 1924 em Veneza,
Itália, e faleceu em 1980.
transformação do imaginário social sobre a loucura, não como lugar de morte, de ausência e de
falta, mas como também de desejo e de vida. (PAULO AMARANTE3, 1830-1920.1982).
Em 1990, o Brasil torna-se signatário da Declaração de Caracas4 na qual propõe a
reestruturação da assistência psiquiátrica, e, em 2011, é aprovada a Lei Federal 10.216 que
dispões sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
A lei 10.216 de 2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica estabelece a
necessidade de respeito à dignidade humana das pessoas com transtorno mental. As legislações
anteriores relacionadas à Saúde Mental no Brasil se preocupavam mais em excluir as pessoas
com transtornos mentais – então denominados “alienados” e “psicopatas” – do convívio em
sociedade para evitar a “perturbação da ordem”, do que em oferecer tratamento adequado para
a melhora do paciente. Os decretos traziam dezenas de artigos, cuja maioria apenas
regulamentava o ambiente terapêutico que se dava dentro do hospital psiquiátrico (BRITO,
VENTURA, 2012).
Com o decreto da nova legislação o enfoque foi ressignificado para a proteção,
atendimento médico e modelo assistencial às pessoas com transtorno mental. A lei reconhece a
pessoa com transtorno mental como cidadão e suas relações com profissionais da saúde,
sociedade e Estado.
Com o intuito de desinstitucionalizar a pessoa com transtorno mental, a reforma criou
projetos de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, como os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), as residências terapêuticas e leitos psiquiátricos em hospitais gerais,
regulamentados conforme a portaria do nº. 336, de 19 de fevereiro de 2002.
Constituem-se em serviços estratégicos, substitutivos ao modelo manicomial. São
caracterizados por porte e clientela, recebendo as denominações de: CAPS I, CAPS II, CAPS
III, CAPS i e CAPS ad. Estes devem estar capacitados para realizar prioritariamente o
atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territorial,
em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo. Além disso, deverão
funcionar independentemente de qualquer estrutura hospitalar5.
diretrizes para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde;
2002.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são unidades especializadas em saúde
mental para tratamento clínico e terapêutico com ações de reinserção social e inclusão do
indivíduo na sociedade.
2.1.4 Legislação
Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que
trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo,
orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos
e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no
parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou
não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a
assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida
participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde
mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos
portadores de transtornos mentais.
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente
em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de
assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados
no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art.
2o.
Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação
de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte
social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida,
sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida
pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido
de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve
assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do
paciente ou por determinação do médico assistente.
Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize
o estabelecimento.
§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser
comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no
qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou
responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente,
pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento,
quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão
comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao
representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo
de vinte e quatro horas da data da ocorrência.
Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser
realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a
devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de
Saúde.
Dessa lei origina-se a Política de Saúde Mental6 que busca consolidar um modelo de
atenção à saúde mental aberta e de base comunitária, na qual, basicamente, visa garantir o
cuidado ao paciente com transtorno mental em serviços substitutivos aos hospitais
psiquiátricos, superando assim a lógica das internações de longa permanência que tratam o
paciente isolando-o do convívio com a família e com a sociedade como um todo, através de
uma rede de atendimento através de diferentes mecanismos de assistência os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de
Convivência e Cultura e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III) e o
Programa de Volta para Casa.
6 A Política Nacional de Saúde Mental é uma ação do Governo Federal, coordenada pelo
Ministério da Saúde, que compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país para organizar
a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em saúde mental.
nestas condições aquele que se parece “anormal” ou “fora do padrão” é colocado à margem da
sociedade e passa a ser rotulado de louco.
A legislação que protege, os mecanismos que atendem, não efetiva a cidadania do
portador de transtorno mental. O estigma, o preconceito e a falta de oportunidades e garantias
de acesso, oportunidades e serviços condicionam a segregação e marginalização do doente.
Tradicionalmente, o doente mental era o sujeito que possuía uma patologia natural,
manifestada por meio de sintomas, em analogia às doenças orgânicas. Na contemporaneidade,
duas perspectivas diferentes da tradicional se destacam: uma formulada por Carl Wernicke,
postula que “as doenças mentais são doenças cerebrais”. Outra vertente; fundada por E.
Kraepelin, considerado o pai da moderna medicina mental, considera a loucura como resultado
de um distúrbio originado no interior do indivíduo. “A doença mental” pode também refletir
uma desorganização da chamada “personalidade individual” (MINAS GERAIS, 2006).
Independentemente da classificação da doença mental o que caracteriza o estigma e a
desigualdade estão condicionadas à norma que é imposta a sociedade e estes indivíduos violam.
O indivíduo é considerado louco em relação a um outro, tido como normal, ou seja, a definição
de loucura está relacionada a de “normalidade”, “racionalidade” ou “saúde” (MINAS GERAIS,
2006).
Erasmo de Roterdam, em Elogio da Loucura (1509), chega a afirmar ser a loucura o
estado natural do homem. Diz que não há sábio, filósofo ou cientista que não tenha tido seu
momento de loucura. Henri Ey dizia que a doença mental é a patologia da liberdade, a perda da
liberdade interior. Infelizmente, constatamos com grande frequência que a doença mental
também é acompanhada da perda da liberdade exterior, do direito de ir e vir, de ter opinião, de
ser ouvido, de ser tratado com respeito e dignidade. É necessário que se encontre o justo
equilíbrio entre o dever de tratar os cidadãos com transtornos mentais e o direito destes à
liberdade (EY, 1994).
A razão determina o consenso, os padrões e as regras sociais da coletividade na
sociedade, e aquele que não se adequa tendo consciência ou não da infração deve ser punido,
ou seja, aprisionado.
A cidadania está diretamente ligada a qualidade de ser cidadão, sujeito de direitos e
deveres, na participação ativa do governo e do povo, e quem dela não a tem está excluído ou
marginalizado da vida social e da tomada de decisões, figurando posição inferior a outrem.
O tratamento involuntário, a falta de conhecimento na forma pela qual se lida com a
loucura, a concepção da doença à periculosidade e incurabilidade, comportamentos
condicionados impostos socialmente, vontade, autonomia e liberdade cerceados, uso de
contenção física e química indiscriminadamente, hospitalização de longa permanência e
compulsória imprime modos que dificultam a convivência social; retirando-o da família, do
mercado de trabalho, dos vínculos sociais; excluindo-o da vida em sociedade.
“A justificativa para a exclusão social do doente mental é, quase
sempre, a necessidade de ensinar a eles regras e condições de convívio
social ou de proteger os “normais” de ações insanas”
(BIRMAN,1991).
Historicamente, a doença mental tem sido considerada, por sua própria natureza, como
uma condição que incapacita o indivíduo para tomar decisões válidas, autônomas. É preciso
voltar nossas vistas para a relação entre saúde mental e liberdade, saúde mental e cidadania,
doença mental e direitos humanos; Se faz necessária a desconstrução da loucura que permeia
nossa sociedade, o manicômio mental, silencioso, que destrói novas formas de pensar; não
adianta novas estratégias de cuidar em liberdade se na mente e nas atitudes do meio social ainda
estão impregnadas ideias que remetem ao preconceito e ao estigma da loucura.
2.2 O QUE É TRANSTORNO MENTAL?
7 O Movimento da Luta Antimanicomial se caracteriza pela luta pelos direitos das pessoas com
sofrimento mental.
que o trabalho do assistente social, que queira se nortear pelo projeto ético profissional, deve
estar articulado com os projetos de Reformas Sanitárias (MATOS, 2003; BRAVOS e MATOS,
2004).
O assistente social enquanto defensor dos direitos humanos, conforme prevê o Código
de Ética Profissional do Assistente Social, tem como princípios a busca pela concretização
desses direitos; sua ação profissional é fundamental no processo de construção de uma rede de
cuidados, na efetivação de tratamento digno e, na defesa da socialização e participação política.
“Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito,
incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças”. (Artigo VI –
Código de Ética do/a Assistente Social – Princípios Fundamentais. Lei
Federal nº 8.662/1993).
3 CONCLUSÃO
Afinal o que define o normal?
Em suas observações sobre a doença mental, Lévi – Strauss, percebe que as doenças
mentais podem ser também consideradas como incidência sociológica na conduta do indivíduo
cuja história e constituições pessoais se dissociaram parcialmente do sistema simbólico do
grupo dele ser alienado. E mais: que a saúde individual do espírito implica participação da vida
social, como a recusa em prestar-se a essa participação (sempre em obediência às modalidades
impostas) corresponde ao surgimento das perturbações mentais.
Normal, ou seja, aquele que age conforme a regra, que se comporta de acordo com a
norma, que não foge aos padrões. O meio exerce uma pressão para que toda a sociedade se
promova entre os iguais. E, o que é desigual, o que não é normal não pode e não deve pertencer,
dessa forma o indivíduo que não se enquadra nesse ambiente pode se sentir excluído e a partir
deste fato, desenvolver a doença mental.
Ligada a fatores biológicos e predominantemente por fatores sociais, a doença mental
ainda é cercada por ignorância, preconceito e discriminação, pilares fundantes do estigma.
Além de todas as dificuldades enfrentadas pela doença, as pessoas com transtorno
mental ainda sofrem pela barreira social causada pelo estigma e preconceito.
No mundo contemporâneo onde a pressão sobre as tarefas diárias são cada vez maiores,
as relações interpessoais são mais valorizadas, a autopromoção evidenciada, o índice de
doenças mentais também tornaram-se mais frequentes. É preciso dialogar sobre a doença
mental.
O debate, o esclarecimento e a conscientização são necessárias para a reflexão sobre os
processos estabelecidos socialmente consigo e com os demais, na complexidade e
multiplicidade de fatores que possam promover a qualidade de vida, conhecimento,
participação, mudanças e transformação.
Segundo Aristóteles, a práxis – definida por ele como a ação voluntária de um agente
racional em vista de um fim considerado bom – é, por excelência é a política. Para ele o homem
é, por natureza, um ser político que não consegue viver sozinho, por isso realiza a sua felicidade
plena na polis. É na cidade que se concretiza a felicidade, já que não teria sentido algum para o
homem ser virtuoso se não fosse com o objetivo de compartilhar com os demais cidadãos.
A pessoa com transtorno mental se sente sozinha no mundo e em suas relações social,
consequente retrato fiel do cotidiano desses indivíduos.
“O homem é o lobo do homem” (Thomas Hobbes).
A cidadania é a tomada de consciência do indivíduo de seus direitos, de participação e
contribuição social. É por meio da sociedade que os seres buscam qualidade de vida individual
e coletiva e liberdade. Cada pessoa é única, em história, necessidades e angústias.
A difusão das doenças mentais estão caracterizadas pelo perfil da sociedade, exigente e
perfeccionista, da dependência dos meios tecnológicos e de comunicação que nos isolam
socialmente e na facilidade de acesso às drogas, utilizadas com meio de fuga da realidade e
recreação.
As doenças mentais resultam na perda considerável da capacidade humana, com
prejuízos à toda comunidade, a resistência da abordagem em saúde mental é histórica e nunca
foi tão amplamente discutida como nos dias atuais, mas apesar do avanço, ainda prevalece o
estigma e preconceito.
A eliminação de qualquer tipo de preconceito deve estar atrelada a uma abordagem
baseada nos direitos humanos, na equidade e na justiça social, na garantia e no respeito ao
acesso a saúde, emprego e educação.
As dificuldades que são caracterizadas após o diagnóstico transformam a vida da pessoa
com transtorno mental e dos demais que os cercam, seu círculo familiar e social, suas condições
físicas, biológicas e psíquicas são alteradas, que não só dificultam, mas aumentam a resistência
e o enfrentamento.
Compreender a doença, quais ações e contribuições e como é possível contribuir para a
diminuição do sofrimento das pessoas é responsabilidade de toda a sociedade, de envolvimento
conjunto com o paciente, a família e o Estado.
Novas abordagens são necessárias, novas práticas acionadas, o planejamento e
desenvolvimento de políticas públicas eficazes, qualidade no tratamento e atendimento,
acolhimento e acima de tudo o respeito ao cidadão.
É necessário o cuidado àqueles que sofrem, atrelado aos princípios fundamentais e
deveres do Serviço Social, é preciso que haja um esforço intenso e direcionado no combate
contra as desigualdades, eliminar preconceitos em busca da formação e participação plena do
cidadão na sociedade, na construção do bem estar social.
Expor o problema e buscar soluções, conscientizar, educar, falar abertamente sobre, ser
informado e informar, compreender e entender a doença; é tarefa que cabe a cada um de nós,
na responsabilidade por mudanças e transformação, no olhar e ver a pessoa com transtorno
mental.
Todos somos iguais, aceitar e respeitar a diferença, isso sim é normal.
“O que cura é o contato afetivo de uma pessoa com a outra. O que cura é a alegria, o
que cura é a falta de preconceito” (Nilse da Silveira).
REFERÊNCIAS
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