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Lênon Kramer
RA 346390
São Carlos
2010
Introdução 4
I – Divisores 6
Conclusão 13
Referências Bibliográficas 14
“Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia”. É
assim que começa Malinowski seu estudo sobre magia1, o qual se baseará em parte em
seu estudo de campo entre os habitantes do arquipélago de Trobriand e em parte nos
estudos antropológicos de Tylor e Frazer, os quais haviam estudado magia e religião
entre os povos “primitivos”. Marcel Mauss2 vai elaborar seu Esboço de uma Teoria
Geral da Magia baseado em etnografias e pesquisas bibliográficas de diversos povos
também concebidos como “primitivos”: Arunta, Murring, Tanna, Iroqueses, Cherokee,
Ojibwa, antigo México (pré-colombiano), Malaios, Hindus, Assírios, Hebreus3 da
antiguidade, Gregos e Latinos clássicos e o folclore europeu medieval. Por sua vez,
Evans-Pritchard4 não está preocupado com uma teoria geral sobre a magia, mas
simplesmente com a etnografia da magia em uma sociedade específica, os Azande do
Sudão Anglo-Egípcio.
Malinowski e Mauss desconsideram em suas teorizações as fontes
contemporâneas a respeito de magia. O primeiro cita ter conhecimento sobre, porém o
único comentário que aparece em todo o artigo a respeito da magia contemporânea é
bastante vago, impreciso e até hostil: “Mesmo para os que não comungam daquela ânsia
do oculto, dos pequenos golpes na ‘verdade esotérica’, esse interesse mórbido, hoje em
dia tão livremente auxiliado pelo renascer de antigos credos e cultos semi-
compreendidos, cozinhados sob as designações de ‘teosofia’, ‘espiritismo’ ou
‘espiritualismo’, e várias pseudo-‘ciências’, -ologias e –ismos – mesmo para o claro
espírito científico, o tema da magia constitui atrativo especial” (p. 73). Já Mauss se
propõe a “estudar, paralelamente, magias de sociedades muito primitivas e magias de
sociedades muito diferenciadas. É nas primeiras que encontraremos, na sua forma
perfeita, os fatos elementares, os fatos principais, dos quais os outros derivam; as
1
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. In: MALINOWSKI, B. Magia, Ciência e
Religião. Trad. Maria Georgina Segurado; Lisboa: Edições 70, 1984. p. 18-94.
2
MAUSS, Marcel. Esboço de uma Teoria Geral da Magia. In: MAUSS, M. Sociologia e Antropologia.
Trad. Lamberto Puccinelli. São Paulo, EPU, 1974, vol.1 p.37-176.
3
É de espantar que o autor reclame da ausência de fontes para estudar a magia judaica, que é talvez uma
das mais bem documentadas dentre as citadas: existem centenas de livros facilmente disponíveis sobre
cabala, inclusive alguns de data imprecisa, como o Sepher há Zohar e o Sepher Yetzirah (que alguns
situam ao redor do primeiro século antes de cristo e outros datam do século XII ou XIII da era cristã,
quando ocorreu o auge do movimento cabalístico na Espanha). Para uma breve introdução ao pensamento
mágico judaico, cf. SENDER, Tova. Iniciação à Cabala. Rio de Janeiro: Nova Era, 1991.
4
EVANS-PRITCHARD, Edward E.. Bruxaria, Oráculos e Magia Entre Os Azande. Edição resumida e
introdução, Eva Gilles; trad. Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
I – Divisores
Em seu estudo dos grandes divisores, Márcio Goldman6 utiliza o termo criado por
Jack Goody para a separação antropológica entre “nós” (ocidentais, modernos,
complexos, etc) e “eles” (não-ocidentais, primitivos, simples, etc) e procura demonstrar
como a antropologia os constrói. Uma das linhas favoritas é a separação entre magia e
ciência, e sobre ela o autor afirma que “em geral, a grande divisão exige uma
identificação primeira a fim de estabelecer uma base de comparação, ou melhor, uma
garantia de comensurabilidade. Os adivinhos africanos e os cientistas ocidentais
apresentariam, por exemplo, uma semelhança fundamental, a de aplicarem uma teoria
para explicar e resolver praticamente situações inquietantes. (...) Sempre impressionista
6
GOLDMAN, Marcio; STOLZE, Tânia. Como Se Faz Um Grande Divisor?. In: GOLDMAN, M.
Alguma Antropologia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1999. p. 70-78;
8
Soa engraçado comparar esta crítica à antropologia com a crítica do antropólogo Marcel Mauss sobre as
representações mágicas, cf Mauss, op. cit. Seção sobre Representações impessoais abstratas, pp. 93 e
seguintes.
9
É interessante notar uma contradição implícita na teoria malinowskiana: o autor postula a priori, assim
como toda a antropologia de sua época, que o nativo vive em uma constante escassez e luta contra a falta
de alimentos. “Nunca para o homem primitivo, nem sequer nas melhores condições, longe da ameaça de
fome, a abundância de alimentos é uma condição primária da vida normal” (p. 45). E disso ele extrai um
corolário: o selvagem possui um interesse seletivo sobre a natureza, isto é, que ele só se interessa por
aquilo que o alimenta. “Os alimentos são o elo primário entre o primitivo e a providência. (...) O caminho
do mato até a barriga do selvagem e, conseqüentemente, até o seu cérebro é muito curto e para ele o
mundo é um ambiente indiscriminado no qual se destacam as espécies úteis, principalmente as
comestíveis, de animais ou plantas” (p. 47). Destas bases lógicas o autor constrói sua explicação sobre o
totemismo e os ritos religiosos e mágicos. Porém tais postulados são contraditos por ele mesmo:
Malinowski constata que, apesar de uma tecnologia pouco desenvolvida, os trobriandeses possuíam uma
agricultura que, além de sustentar com abundância uma “densa população”, ainda pode armazenar
reservas (p. 29), e usa isso para justificar a “racionalidade dos selvagens” e sua “superioridade sobre o
meio”. Que ele não note que isso dissolve o postulado básico de toda sua construção teórica é
impressionante. Não se percebe mais quem, afinal, está criando explicações “irrefletidas” a partir da
“repetição automática da tradição”, se o nativo ou o antropólogo.
Referências Bibliográficas
CARROLL, Peter J.. Liber Null and Psychonaut. Pub. Weiser, 1987;
___________ Principia Caotica. Disponível online em www.iot.org.br em
07/11/2010
14
CROWLEY, Aleister. Magick Without Tears. Editado e introduzido por Israel Regardie. Tempe, AZ,
Estados Unidos: New Falcon Publications, 1998.
15
O juramento está reproduzido em TORRIGO, Marcos. Rituais de Aleister Crowley. São Paulo: Madras
Editora, 2001, p. 41.
Para Sóror Nema, uma discípula de Crowley que depois da morte deste fundou
sua própria vertente, a Corrente de Maat, o propósito da magia é levar o indivíduo à
expansão da percepção da realidade através de uma série de iniciações16:
“Ao contrário do conceito popular, o propósito da Magick não é
violar ou suspender as leis da natureza para produzir milagres no plano
físico, senão para transformar ao Mago através do processo de Iniciação. A
Iniciação é uma série de estados de realização que expande tua visão da
realidade além dos planos físico, mental e emocional, incluindo o espiritual,
o divino e sua transcendência.
A Magick transcende a habilidade das religiões organizadas para unir
a alma com Deus, já que é um esforço individual de experiência direta, não
mediada por um sacerdócio oficial, e independente de dogma, doutrina e
prisão à fé. As iniciações mágickas te provém de experiência, não de
discursos; de conhecimento em lugar de fé”.
Segundo Austin Osman Spare, outro discípulo de Crowley que se distanciou deste
e fundou seu próprio secto, o Zos Kia Cultus, a magia é uma Tecnologia de Crenças
16
NEMA, Sóror. Maat, La Corriente Del Nuevo Aeon. Disponível online em
www.alexandriavirtual.com.br em 23/02/2007
17
Estrutura apresentada por Dave Lee em seu livro Caostopia, publicado pela editora Kaotic Revolution,
baseado nas idéias de Austin Oman Spare.
A Magia apela aos que têm muito orgulho e uma imaginação fértil,
somadas a uma forte suspeita de que ambas, a realidade e a condição
humana, possuem as características de um tipo de jogo. O jogo possui final
aberto, e joga a si mesmo por diversão. Os jogadores podem criar suas
próprias regras até certo ponto(...) [magia] consiste em uma série de
técnicas que atuam como extensões extremas das estratégias normais que
são possíveis dentro do jogo.
Um mago é alguém que vendeu sua alma pela chance de participar
mais inteiramente da realidade. Apenas quando nada é verdadeiro e a idéia
de um Eu verdadeiro é abandonada, tudo se torna permitido. (...)
Precisa-se apenas da aceitação de uma simples crença para que
alguém se torne um mago. Esta é a meta-crença de que a crença é uma
ferramenta para obter efeitos. (...) O mago não é aquele que busca por uma
identidade particular e limitada, mas aquele que deseja a meta-identidade
que o torna capaz de ser qualquer coisa”18
18
CARROLL, Peter. Principia Caotica. Disponível online em www.iot.org.br em 07/11/2010.
19
HINE, Phil. Condensed Chaos. Tempe, AZ, Estados Unidos: New Falcon Publications, 1995.
20
LEE, Dave – “Caostopia: Magick e Êxtase no Pandaemonaeon”; 1ª Edição Brasileira. Rio de Janeiro:
Ed. Kaotic Revolution, 2004.