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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DISCIPLINA DE PROJETO DE PESQUISA SOCIAL
PROF. MARCOS LANNA
TRABALHO FINAL

Atualizações do Conceito Antropológico de


Magia

Lênon Kramer
RA 346390

São Carlos
2010

“Vontade, percepção e consciência – nós estamos imersos


neles assim como o peixe está imerso n’água”.
Lincoln Order Of Neuromancers

“Qualquer ciência suficientemente avançada é indistinguível


de magia”.
Arthur C. Clarke

“Neste livro, fala-se de Sephiroth e de Caminhos, de Espíritos e


de Encantamentos, de Deuses, Esferas, Planos e muitas outras
coisas que podem ou não existir.
Não importa se existem ou não. Fazendo certas coisas, certos
resultados acontecem; estudantes são seriamente avisados a não
atribuir realidade objetiva ou validade filosófica a qualquer um
deles”.
Aleister Crowley

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 2


Índice

Introdução 4

I – Divisores 6

II – Magia em Teoria e Prática 9

Conclusão 13

Referências Bibliográficas 14

Apêndice I – Algumas Definições Nativas de Magia 16

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 3


Introdução

“Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia”. É
assim que começa Malinowski seu estudo sobre magia1, o qual se baseará em parte em
seu estudo de campo entre os habitantes do arquipélago de Trobriand e em parte nos
estudos antropológicos de Tylor e Frazer, os quais haviam estudado magia e religião
entre os povos “primitivos”. Marcel Mauss2 vai elaborar seu Esboço de uma Teoria
Geral da Magia baseado em etnografias e pesquisas bibliográficas de diversos povos
também concebidos como “primitivos”: Arunta, Murring, Tanna, Iroqueses, Cherokee,
Ojibwa, antigo México (pré-colombiano), Malaios, Hindus, Assírios, Hebreus3 da
antiguidade, Gregos e Latinos clássicos e o folclore europeu medieval. Por sua vez,
Evans-Pritchard4 não está preocupado com uma teoria geral sobre a magia, mas
simplesmente com a etnografia da magia em uma sociedade específica, os Azande do
Sudão Anglo-Egípcio.
Malinowski e Mauss desconsideram em suas teorizações as fontes
contemporâneas a respeito de magia. O primeiro cita ter conhecimento sobre, porém o
único comentário que aparece em todo o artigo a respeito da magia contemporânea é
bastante vago, impreciso e até hostil: “Mesmo para os que não comungam daquela ânsia
do oculto, dos pequenos golpes na ‘verdade esotérica’, esse interesse mórbido, hoje em
dia tão livremente auxiliado pelo renascer de antigos credos e cultos semi-
compreendidos, cozinhados sob as designações de ‘teosofia’, ‘espiritismo’ ou
‘espiritualismo’, e várias pseudo-‘ciências’, -ologias e –ismos – mesmo para o claro
espírito científico, o tema da magia constitui atrativo especial” (p. 73). Já Mauss se
propõe a “estudar, paralelamente, magias de sociedades muito primitivas e magias de
sociedades muito diferenciadas. É nas primeiras que encontraremos, na sua forma
perfeita, os fatos elementares, os fatos principais, dos quais os outros derivam; as
1
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. In: MALINOWSKI, B. Magia, Ciência e
Religião. Trad. Maria Georgina Segurado; Lisboa: Edições 70, 1984. p. 18-94.
2
MAUSS, Marcel. Esboço de uma Teoria Geral da Magia. In: MAUSS, M. Sociologia e Antropologia.
Trad. Lamberto Puccinelli. São Paulo, EPU, 1974, vol.1 p.37-176.
3
É de espantar que o autor reclame da ausência de fontes para estudar a magia judaica, que é talvez uma
das mais bem documentadas dentre as citadas: existem centenas de livros facilmente disponíveis sobre
cabala, inclusive alguns de data imprecisa, como o Sepher há Zohar e o Sepher Yetzirah (que alguns
situam ao redor do primeiro século antes de cristo e outros datam do século XII ou XIII da era cristã,
quando ocorreu o auge do movimento cabalístico na Espanha). Para uma breve introdução ao pensamento
mágico judaico, cf. SENDER, Tova. Iniciação à Cabala. Rio de Janeiro: Nova Era, 1991.
4
EVANS-PRITCHARD, Edward E.. Bruxaria, Oráculos e Magia Entre Os Azande. Edição resumida e
introdução, Eva Gilles; trad. Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 4


segundas, com suas instituições diferenciadas, fornecerão fatos para nós mais
inteligíveis que nos permitirão compreender os primeiros” (pp. 42, 43). Porém esta
proposta deixa uma pergunta: se é de interesse do autor fazer uma comparação entre
magias de sociedades “diferenciadas” e de sociedades “primitivas”5, por que não utilizar
fontes contemporâneas? Por que as fontes mais “próximas” são as da Europa medieval?
De duas uma: ou o autor simplesmente não teve acesso a tais fontes ou mesmo
conhecimento delas (o que eu considero pouco provável), ou há algum motivo
subjacente para descartá-las, mas tal não é expresso em nenhum momento. Em uma
passagem fugaz do texto, o autor afirma que “o mencionado esforço de levar magia à
ciência é naturalmente mais perceptível nas suas formas superiores, que supõem
conhecimentos adquiridos, uma prática refinada e são exercidas em meios onde a idéia
de ciência positiva já se encontra presente” (p. 93). Mas a frase é apenas uma
formulação en passant, que quase passa despercebida no parágrafo. Ela indica que o
autor tem conhecimento de magias “em formas superiores”, onde “a idéia de ciência
positiva já se encontra presente”, então qual o motivo de não utilizá-las? Se elas são
formas já distorcidas e que não mais correspondem plenamente (por sua imiscuidade
com a ciência) à magia pura, porque não explicitar isso ao tratar da escolha de fontes?
Pois a magia não é, e este constitui nosso argumento, privilégio ou especificidade
de um conjunto de sociedades que nossa cosmologia antropológica constitui como
“eles”, os “simples” e “primitivos”. “Nós” também temos sistemas mágicos extensos e
complexos, assim como magia “popular” ocasional e “folclórica”. Nas grandes
metrópoles, especialmente, mas também nas cidades pequenas, nos deparamos com
magia por todos os lados. Nas avenidas, nos pontos de ônibus... Por todo lado se vêem
cartazes “leio tarô, runas, búzios e trago seu amor de volta em sete dias”. Não se joga
uma copa do mundo ou se celebra o ano novo sem aparecer na TV alguma celebridade
que irá fazer alguma divinação sobre o futuro evento. Nas livrarias a seção de
esoterismo/ocultismo é muitas vezes maior que a de ciências humanas. Em qualquer
banca de revistas se compra material sobre tarô ou astrologia. Qualquer jornal que se
preze tem uma seção de horóscopo. Isso sem contar as dezenas de ordens mágicas
secretas e os efervescentes fóruns de discussão na Internet. Mesmo que não se
“acredite” em signos astrológicos, são raras as pessoas que não sabem pelo menos qual
é o seu signo.
5
Entendo eu que com isso ele quis dizer o que comumente se diz por sociedades “simples” e
“complexas”. Roma e Grécia clássicas seriam mais “complexas” que os trobriandeses e cherokee – afinal,
“possuem” escrita, “história”, etc.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 5


E mesmo assim se estabelece um divisor: de um lado temos as sociedades
“tradicionais”, imbuídas de crença, de religião, de magia. Do outro lado, temos a
sociedade “moderna”, racional, científica. Entre as duas se constrói um abismo tal que
não permite sequer ver a magia que existe do lado de cá, assim como tende a tratar os
sistemas de conhecimento do “lado de lá” como “pseudo-ciências” ou a afirmar que
“sem dúvida que mesmo as comunidades selvagens mais inferiores detêm os princípios
da ciência, conquanto rudimentares” (Malinowski, p. 36), e é “claro que a ciência não
existe em qualquer comunidade bárbara como força motriz crítica, renovadora e
construtora” (idem, p. 37). A primeira seção (I – Divisores) do artigo explorará este
tema.
A segunda seção (II – Magia em Teoria e Prática) vai proceder à busca de uma
definição de magia. Trabalhando comparativamente as definições dos autores
mencionados (Malinowski, Mauss e Evans-Pritchard), em conjunto com algumas
definições nativas de magia (dadas pelos praticantes contemporâneos desta em algumas
de suas obras teóricas publicadas), efetuaremos uma atualização crítica do conceito e
suas características. Finalmente iremos da magia à percepção, ou seja, daremos algumas
indicações sobre como o estudo antropológico da magia pode trazer contribuições para
o estudo da percepção, das técnicas corporais, da construção do conhecimento e da
experiência

I – Divisores

Em seu estudo dos grandes divisores, Márcio Goldman6 utiliza o termo criado por
Jack Goody para a separação antropológica entre “nós” (ocidentais, modernos,
complexos, etc) e “eles” (não-ocidentais, primitivos, simples, etc) e procura demonstrar
como a antropologia os constrói. Uma das linhas favoritas é a separação entre magia e
ciência, e sobre ela o autor afirma que “em geral, a grande divisão exige uma
identificação primeira a fim de estabelecer uma base de comparação, ou melhor, uma
garantia de comensurabilidade. Os adivinhos africanos e os cientistas ocidentais
apresentariam, por exemplo, uma semelhança fundamental, a de aplicarem uma teoria
para explicar e resolver praticamente situações inquietantes. (...) Sempre impressionista

6
GOLDMAN, Marcio; STOLZE, Tânia. Como Se Faz Um Grande Divisor?. In: GOLDMAN, M.
Alguma Antropologia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1999. p. 70-78;

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 6


e analógica, a identificação apela à nossa complacência: para provar a identidade
profunda de dois conjuntos bastaria designá-los com o mesmo nome”. E mais adiante:
“o grande divisor opera com escalas heterogêneas, nunca assumidas como tais. Essa
heterogeneidade pode ser de ordem temporal: resultados obtidos em uma investigação
da história da ciência são contrapostos a resultados da observação etnográfica dos
sistemas de divinação. Ora, essa diferença entre a perspectiva sincrônica da etnografia e
a perspectiva diacrônica da história da ciência condena de imediato a comparação. Ou
seja, é evidente que é o método etnográfico que determina o caráter ‘fechado’ de
sistemas como a divinação; mas tudo se passa como se esse ‘fechamento’ fosse uma
propriedade inerente a esses sistemas, em oposição ao caráter ‘aberto’ da ciência – que
só aparece como tal porque investigada de uma perspectiva diacrônica. O resultado
desta comparação entre realidades tão desproporcionais parece deduzir-se logicamente,
não obstante sua coincidência com os nossos mais profundos preconceitos: a ciência se
aproxima progressivamente da verdade, enquanto o sistema divinatório se situa a uma
intransponível distância dela” (pp 71 a 74).
Nos permitimos expor uma citação tão extensa por entendermos a importância
desta exposição para podermos analisar a problemática colocada explícita ou
implicitamente nos autores clássicos que estudaram magia: a comparação entre magia e
ciência. Para Malinowski a pergunta principal é saber se o “selvagem” possui
racionalidade ou se é completamente místico, e daí deriva-se perguntar em que a magia
se assemelha e em que se distingue da ciência. Mauss está mais preocupado com a
forma como magia, ciência e religião organizam a vida social dos povos, assim tenta
comparar os três sob esta perspectiva.
Enquanto os termos da comparação estão em eqüidade, não há problemas em
efetuá-la. Estes aparecem quando se busca fazer uma comparação assimétrica, por
exemplo, comparando a divinação zande com a ciência moderna, como propõe
Giumbelli7, entre outros. Eles não ocupam a mesma posição estrutural, por mais que
ambos sejam “onipresentes e nevrálgicos” em suas respectivas sociedades. Não é uma
simples questão de mudar os termos da comparação (ao invés de comparar os dois sob a
perspectiva de serem uma explicação teórica do mundo – intercambiáveis enquanto tais
–, eleger um outro aspecto, como a ação à distância), mas uma questão de metodologia:
eleger um termo de comparação em detrimento de todos os outros aspectos de cada
7
GIUMBELLI, Emerson. Os Azande e Nós. In: Horizontes Antropológicos, ano 12, n. 26, jul/dez, p.
261-297, 2006;

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 7


objeto implica em uma singularização, essencialização e diminuição dos objetos
etnográficos; isolar o aspecto “explicação de fenômenos” de todos os demais pode
aproximar magia e ciência, mas faz perder toda a perspectiva de o que seja a magia e o
que seja a ciência. Para um zande comum, magia (e bruxaria e oráculos) possui um
significado, e tentar reduzi-lo a qualquer conceito ocidental que permita compará-lo
com “nossa ciência” é apenas isso: um reducionismo gratuito que diz mais sobre o
antropólogo do que sobre o zande ou a magia. A magia zande não representa o todo da
organização de conhecimento e pensamento de seu povo, há uma série de técnicas que
ficam de fora dela, a julgar pela etnografia de Evans-Pritchard, e ela tampouco se arvora
como única fonte de conhecimento possível ou verdadeira. Por outro lado, a ciência
“moderna” não apenas se arvora como único saber-verdade, como procura ativamente
deslegitimar os demais. Se o antropólogo levar a sério a bazófia de nossa ciência, seu
trabalho fica seriamente comprometido, ele passa a ver um modo de percepção de uma
sociedade como o modo de engajamento desta, o que produz comparações e
generalizações não apenas vazias, como falhas.
Uma possibilidade de comparação mais simétrica seria, por exemplo, dentro de
uma mesma sociedade, comparar magia e ciência nas sociedades contemporâneas. Por
que se recusa a pensar na nossa sociedade como também portadora de um conhecimento
mágico que estrutura a vida social (se não na mesma intensidade que em outras, mas em
alguma intensidade)? Se compara a etnografia da “magia nas sociedades primitivas”
com a ideologia da “racionalidade científica moderna”, que produtividade isso pode ter?
E por essa mesma ideologia se postula a priori que não existe magia em nossa
sociedade. Porém, como eu já coloquei na introdução, ela está presente por todos os
cantos, é uma despercebida realidade. Os modernos possuem a estranha superstição de
que a racionalidade os torna imunes à magia.
Porém essa comparação só pode ser possível se colocarmos ao lado do estudo
diacrônico da História das Ciências um estudo igualmente diacrônico da História da
Magia. Se fizermos uma etnografia sincrônica da magia e compararmos com a história
diacrônica da ciência, isso nos levará novamente ao vazio, a postulados
metodologicamente falhos. Um estudo sincrônico só é comparável a outro, etnografia
com etnografia.
Quero concluir esta seção fazendo um eco a Márcio Goldman: “Em primeiro
lugar, a distinção entre etnografia (ou ‘descrição’) e antropologia (ou ‘teoria’). Seria
preciso abandonar definitivamente preconceitos que supõem que quanto maior a

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 8


amplitude da realidade coberta por um conceito, mais ‘científico’ ele é, ou que a
produção de conceitos passe necessariamente pela perda etnográfica. Seria preciso
admitir que a etnografia não é um simples meio para a antropologia, uma vez que isso
só lhe dá ares de ciência ao preço de uma perda etnográfica, ao preço de generalizações
mais ou menos fáceis e vazias.
Em segundo lugar, comparação e generalização produzem fenômenos
empobrecidos que passam, facilmente, por ‘constantes’, gerando o impressionismo de
segunda categoria que é uma das condições e um dos resultados dos grandes divisores.
É daí que resultam, simultaneamente, os universais e as partilhas: sempre haverá algo
em ‘nós’ que não pode ser dissolvido na natureza humana; nunca haverá nada entre
‘eles’ que pareça suficientemente específico para não se apagar na identidade de todos
eles. É no mesmo lance em que nós mesmos incorporamos essa identidade
empobrecedora e empobrecida (feita de coisas unidimensionalizadas como
‘reciprocidade’, ‘hierarquia’ ou ‘oralidade’), que nos distinguimos deles (os que
ignoram a mercadoria, o indivíduo, a escrita ou a ciência)”8 (Goldman, 1999, p. 77).

II – Magia em Teoria e Prática

A primeira dificuldade com a qual nos deparamos ao falar de magia é conseguir


distinguir exatamente sobre o que estamos falando. Isto se torna bastante palpável ao
olharmos o trabalho dos antropólogos que se debruçaram sobre o tema: cada um traz
uma definição diferente, para cada um as características distintivas dela são diferentes.
Salta mais ainda aos olhos o fato de em nenhum momento (com a exceção de Evans-
Pritchard) se buscar ou sequer mencionar um conceito nativo de magia. Mauss,
Malinowski, Frazer, os doutos antropólogos catalogando fontes dos quatro cantos e
organizando segundo o que lhes parece serem as características do que eles procuram,
sem em momento algum perguntar o que os nativos definem que estão fazendo quando
fazem o que fazem. Mesmo Mauss, que tem uma preocupação em enumerar as
formulações nativas das leis da magia e sobre como esta funciona, ignora qualquer
reflexão que venha de suas fontes no momento de definir o que é aquilo que ele
pretende estudar.

8
Soa engraçado comparar esta crítica à antropologia com a crítica do antropólogo Marcel Mauss sobre as
representações mágicas, cf Mauss, op. cit. Seção sobre Representações impessoais abstratas, pp. 93 e
seguintes.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 9


Nossa proposta é que deve-se buscar, para melhor entendimento do fenômeno, as
definições sobre o que é magia dadas pelos praticantes da mesma. Somente com um
entendimento do que eles dizem de si mesmos e do que fazem é que nós poderemos
afirmar qualquer coisa a seu respeito. E mais: há de se perguntar se aquilo que os
trobriandeses fazem, ou os ojibwa, ou quem quer que seja, tem para eles o significado
que “magia” tem para nós, se esse termo é realmente de eficaz explicação ou se é
apenas uma projeção de nossa cosmologia sobre a deles.
Para contornar este último problema, apresentamos como proposta a elaboração
de um estudo da magia contemporânea, a magia existente em nosso território espaço-
temporal: as ordens mágicas, com suas correntes, publicações e autores; os movimentos
esotéricos; as benzedeiras; as bruxarias de banca de revista; as amarrações de cartaz de
ponto de ônibus. Mesmo algumas fontes literárias são passíveis de estudos, literaturas
escritas por magistas notórios cujo tema é a própria magia (por exemplo, obras de
quadrinistas como Alan Moore – Promethea –, Grant Morrisson – The Invisibles – e
Neil Gaiman – Cadernos de Magia).
Como um pequeno exercício, vamos comparar alguns conceitos antropológicos de
magia com alguns conceitos nativos de magia. Malinowski define magia (a exemplo de
Frazer) como uma pseudo-ciência, mas de um tipo específico: ela serve para dominar
aquilo que a técnica profana não dá conta: o acaso, o destino. Na agricultura, enquanto
os conhecimentos empíricos e práticos podem definir quais as melhores sementes para
se plantar, sobre qual solo e em qual época do ano, eles não têm poder sobre a
possibilidade de seca ou de chuva fora de época, e todas as vicissitudes da sorte e do
azar que podem destruir uma colheita apesar de todo o cuidado aplicado, ou então fazê-
la gerar uma quantidade enorme e uma excelência “sobrenatural” à mesma 9. É esse

9
É interessante notar uma contradição implícita na teoria malinowskiana: o autor postula a priori, assim
como toda a antropologia de sua época, que o nativo vive em uma constante escassez e luta contra a falta
de alimentos. “Nunca para o homem primitivo, nem sequer nas melhores condições, longe da ameaça de
fome, a abundância de alimentos é uma condição primária da vida normal” (p. 45). E disso ele extrai um
corolário: o selvagem possui um interesse seletivo sobre a natureza, isto é, que ele só se interessa por
aquilo que o alimenta. “Os alimentos são o elo primário entre o primitivo e a providência. (...) O caminho
do mato até a barriga do selvagem e, conseqüentemente, até o seu cérebro é muito curto e para ele o
mundo é um ambiente indiscriminado no qual se destacam as espécies úteis, principalmente as
comestíveis, de animais ou plantas” (p. 47). Destas bases lógicas o autor constrói sua explicação sobre o
totemismo e os ritos religiosos e mágicos. Porém tais postulados são contraditos por ele mesmo:
Malinowski constata que, apesar de uma tecnologia pouco desenvolvida, os trobriandeses possuíam uma
agricultura que, além de sustentar com abundância uma “densa população”, ainda pode armazenar
reservas (p. 29), e usa isso para justificar a “racionalidade dos selvagens” e sua “superioridade sobre o
meio”. Que ele não note que isso dissolve o postulado básico de toda sua construção teórica é
impressionante. Não se percebe mais quem, afinal, está criando explicações “irrefletidas” a partir da
“repetição automática da tradição”, se o nativo ou o antropólogo.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 10


aspecto imprevisível que a magia se propõe a controlar. Mas há também um outro
aspecto da magia, que a aproxima (e a diferencia) da religião, é a sua função cultural.
Acompanhemos as palavras do autor: “vimos que todos os instintos e emoções, todas as
atividades práticas, colocam o homem perante impasses em que as lacunas do seu
conhecimento e as limitações do seu poder de observação e raciocínio iniciais o traem
num momento crucial. O organismo humano reage por acessos espontâneos, em que se
geram as rudimentares formas de comportamento e também rudimentares crenças na
sua eficácia. A magia instala-se nestas crenças e ritos rudimentares e estandardiza-os em
formas tradicionais constantes. Assim, a magia proporciona ao homem primitivo uma
série de atos e crenças rituais prontos a utilizar, com técnica mental e prática definida
[...]. a função da magia é ritualizar o otimismo do homem”10.
Para Evans-Pritchard, a magia entre os azande é dividida em quatro aspectos:
bruxaria, oráculos, magia e feitiçaria. Bruxaria é definida pelo autor como a ferramenta
para a explicação social dos infortúnios. Oráculo é a ferramenta para distinguir de onde
veio o golpe da bruxaria, ou se há alguma bruxaria à espreita por perto. Magia é a arma
para se defender da bruxaria e contra-atacá-la, através de seus apitos, suas drogas e
técnicas que permitem ver a substância-bruxaria e esconjurá-la em ritos públicos (como
as apresentações de adivinhos) ou em situações privadas, como quando o zande sopra
um apito para sorte na caçada, por exemplo. Já a feitiçaria é uma modalidade da magia
de drogas que utiliza as mesmas técnicas, mas com objetivo de produzir malefícios, o
que torna a feitiçaria um aliado da bruxaria.
Mauss, depois de analisar alguns conceitos já clássicos de magia, constrói uma
definição provisória: “todo rito que não faz parte de um culto organizado, rito privado,
secreto, misterioso e que toca as raias do rito proibido” (p. 53). Porém isso gera uma
complicação, percebida pelo próprio autor, uma vez que mais adiante ele estabelece que
“os diversos elementos da magia são criados e qualificados pela coletividade, e este é
um segundo resultado real que é necessário registrar” (p. 117). Daí ele tira a conclusão
de que a magia se aproxima da religião – por ser um sistema de crenças e representações
de grupo –, enquanto fenômeno social, porém são “praticados por indivíduos isolados
do grupo social, que agem no seu próprio interesse ou no de outros indivíduos e em
nome deles” (p. 175) e daí decorre que “de fato, a magia não é, como o sacrifício, um
daqueles hábitos coletivos que se podem nomear, descrever, analisar, sem jamais temer
a perda do sentimento de que têm uma realidade, uma forma e uma função distintas. Ela
10
Op cit. (p. 92, 93, grifos do autor)

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 11


é, apenas, em grau mínimo, uma instituição; é uma espécie de totalidade de ações e de
crenças, mal definida, mal organizada, mesmo para quem a pratica e nela acredita” (pp
175, 176). “Os atos e as representações, nela, são de tal maneira inseparáveis, que se
pode muito bem chamá-la de uma idéia prática” (p. 121, grifo do autor).
Assim nós vemos a magia ora se aproximando de uma pseudo-ciência do inefável
e da causalidade mística; ora de uma crença/explicação lógica e não-empírica de
infortúnios e seu antídoto; e finalmente de uma entidade social que transita entre técnica
e religião, uma idéia prática. A explicação de Evans-Pritchard é uma etnografia
específica e não-generalizável (nem mesmo ele tenta fazer tal generalização), pois afinal
não é muito provável, a partir de algumas etnografias feitas, por exemplo, entre os
ojibwa11, que aquilo que acontece entre eles, e que Mauss chama de magia, possa ter a
mesma explicação. As de Mauss e Malinowski concorrem como explicações gerais do
tema, que poderiam ser generalizáveis e aplicáveis a qualquer situação. Vou agora fazer
um resumo geral de um conceito nativo de magia12.
Magia é descrita como uma Tecnologia de Crença Orgânica. Isto é, um conjunto
de saberes e técnicas que visa embutir um estado de percepção do universo a partir de
uma série de estados corporais. Por isso a “crença” é “orgânica”: ela é induzida via
posturas e treinamentos físicos, os quais podem ser de dois tipos: estáticos (asanas,
postura de morte, imobilidade, respiração, isolamento, escuridão, drogas ao estilo
opiáceo) e extáticos (ritmos musicais repetitivos, danças histéricas, gargalhadas, tocar
tambor, sexo, drogas ao estilo ecstasy)13. É uma forma de compreensão, um modo de
11
HALLOWELL, Irwin. Ojibwa ontology, behavior and world view. In: DIAMOND, S. (Ed.). Culture in
history: essays in honor of Paul Radin. New York: Columbia University Press, pp. 19-52.
12
Para uma descrição mais aprofundada, vide Apêndice I – Algumas Definições Nativas de Magia.
13
Todos os antropólogos citados se referem à importância desses estados não-convencionais de
consciência na prática da magia: Malinowski se refere a eles afirmando que “o cenário emocional, os
gestos e expressões do feiticeiro durante o ato (...) são da maior importância” (op cit. p. 74); Mauss se
apercebe de passagem esse aspecto, citando-o em meio parágrafo de sua obra: “poder-se-ia, do ponto de
vista em que nos colocamos, considerar como ritos preparatórios umas tantas cerimônias que
freqüentemente assumem importância desproporcional com relação ao rito central (...). tais são as danças
mágicas, a música contínua, os tan-tans; tais são ainda as defumações, as intoxicações. Todas essas
práticas levam os oficiantes e seus clientes a um estado especial, diferente, não só do ponto de vista moral
e psicológico, como também fisiológico (...), estado que se atinge perfeitamente nos transes xamânicos,
nos sonhos voluntários ou obrigatórios, que também são ritos” (op cit. p. 79), porém para ele esses são
aspectos secundários dos ritos e servem apenas para “limitar [o rito mágico] e de distinguir dos outros
meios”. Finalmente, Evans-Pritchard cita o estado alcançado pelos adivinhos nos rituais públicos: “por
vezes, nessas reuniões, os participantes dançam até atingirem um estado de fúria, lacerando alíngua e o
peito com facas. (...) Vi homens num estado de excitação selvagem, embriagados com a intoxicante
música orquestral dos gongos e dos tambores, sinos e chocalhos, jogando suas cabeças para trás e
golpeando o peito com facas” (Evans-Pritchard, op cit. p. 99, 100), e faz uma longa digressão buscando
entender o porquê disso, até chegar a duas conclusões. Em uma, a explicação é que o adivinho “cria uma
atmosfera” para “excitar a fé do público” (pp. 104 e seguintes). Em outra, o adivinho “não adivinha
apenas com a boca, mas com o corpo inteiro. Ele dança as questões que lhe são colocadas” (p. 108, grifo
do autor) até que a resposta da pergunta surja automaticamente na sua consciência.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 12


engajamento, um discurso, um modo de produção de saberes sobre si – sobre seu corpo,
sua mente, sua realidade, sua percepção e, especialmente, sobre como cada uma dessas
coisas se engaja com todas as outras na vida cotidiana.
Efetivamente, toda iniciação mágica inclui algum treinamento de percepção e de
atenção (os asanas, mantras e sutras hindus; toda a ritualística iniciática thelêmica que
inclui uma série de posturas, respirações e auto-sugestões; a iniciação da I.O.T. –
principal ordem da magia do caos – que começa com treinamento de imobilidade e
segue por respiração e visualização; e etc.) e, além disso, pelo menos alguns dos
sistemas mágicos possuem todo um sistema simbólico codificado, uma cosmologia
própria, complexa e singular (a cabala dos herméticos, as runas dos nórdicos constituem
exemplos de tais mapas existenciais ou psicocosmos). Tentar compreender os rituais
mágicos ou suas explicações sem compreender todo o sistema simbólico que lhe serve
de base pode facilmente se tornar um exercício vago e vão. Dessa forma, o estudo da
magia é um estudo de técnicas do corpo, de técnicas de engajamento (engagement,
INGOLD, 2000), e de seus saberes e seus discursos; é uma ontografia, no pleno sentido
dado por Viveiros de Castro (2008) ao termo cunhado por Martin Holbraad (2003):
“descrição das condições de auto-determinação ontológica dos coletivos estudados”.

Referências Bibliográficas

CARROLL, Peter J.. Liber Null and Psychonaut. Pub. Weiser, 1987;
___________ Principia Caotica. Disponível online em www.iot.org.br em
07/11/2010

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 13


CROWLEY, Aleister. Magick Without Tears. Editado e introduzido por Israel
Regardie. Tempe, AZ, Estados Unidos: New Falcon Publications, 1998
___________ O Livro de Thoth. São Paulo: Madras Editora;
EVANS-PRITCHARD, Edward E.. Bruxaria, Oráculos e Magia Entre Os Azande.
Edição resumida e introdução, Eva Gilles; trad. Eduardo Viveiros de Castro.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005;
GELL, Alfred. The Technology of Enchantment and The Enchantment of
Technology. In: COOTE, J.; SHELTON, A. (Ed.). Antrhropology, art and
aesthetics. Oxford: Clarendon Press, 1992. p. 40-63;
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Apêndice I – Algumas Definições Nativas de Magia

Aleister Crowley é um dos maiores teóricos da magia contemporânea. Bruxo


inglês da virada do século XIX para o XX, definiu-a com uma simples frase: “Magia é a

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 15


Arte e a Ciência de causar a ocorrência de Mudanças em conformidade com a
Vontade”14 (CROWLEY, 1998, p. 27), do que se deriva o teorema de que “todo ato
intencional é um ato mágico”. Porém, se isso é magia, qual o seu objetivo? Pois
justamente, o objetivo da magia, dentro da corrente Hermética que vem desde a
alquimia, e da qual a Thelema (corrente fundada por Crowley) é uma vertente, é
construir a Grande Obra. A Pedra Filosofal, a conversão do chumbo da vida humana no
ouro da iluminação divina, a ascensão do homem a um estágio divino. Quando Crowley
assina juramento para iniciação na ordem hermética Astrum Argentum15 ele afirma:
“Eu, Aleister Crowley (...), de agora em diante resolvo, na presença de (...), perseguir a
Grande Obra, que é obter um conhecimento científico da natureza e dos poderes de meu
próprio ser”. Segue um trecho de seu capítulo “O Que É Magia?” no livro “Magick
Without Tears”:
“I. Definição
Magia é a Arte e a Ciência de causar a ocorrência de Mudanças em
conformidade com a Vontade.
(Ilustração: É a minha vontade informar ao mundo certos fatos de meu
conhecimento. Eu, portanto, tomo as "armas mágicas", caneta, tinta e papel;
escrevo "encantamentos" - estas sentenças - em linguagem mágica i.e., a
qual é entendida por pessoas que desejo instruir. Eu invoco "espíritos" tais
como tipógrafos, editores, livreiros, e assim por diante, e os instruo a
transmitir a minha mensagem àquelas pessoas. A composição e distribuição
são, desta maneira, um ato de - Magia - pelo qual eu causo Mudança em
conformidade com a Minha Vontade.)
II. Postulado
(Princípio ou fato demonstrável ou não demonstrado, cuja admissão é
necessária para estabelecer uma demonstração).
Qualquer mudança requerida deve ser efetuada através da aplicação
do tipo e grau de Força apropriados, da maneira apropriada, através o meio
apropriado do objeto apropriado. (Ilustração: Desejo preparar uma "onça"
de Clorido de Ouro. Eu preciso utilizar o tipo certo de ácido,
nitrohidroclorídrico e nenhum outro, na quantidade suficiente e com a

14
CROWLEY, Aleister. Magick Without Tears. Editado e introduzido por Israel Regardie. Tempe, AZ,
Estados Unidos: New Falcon Publications, 1998.
15
O juramento está reproduzido em TORRIGO, Marcos. Rituais de Aleister Crowley. São Paulo: Madras
Editora, 2001, p. 41.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 16


potência adequada; colocá-lo num recipiente que não venha a se quebrar,
vazar ou corroer, de forma a não ocorrerem resultados indesejáveis; devo
utilizar a quantidade suficiente de ouro, e assim por diante. Toda Mudança
tem suas próprias condições. No presente estado de nosso conhecimento e
poder, algumas mudanças não são possíveis na prática; não podemos causar
eclipses, por exemplo, ou transformar chumbo em lata, ou gerar homens a
partir de cogumelos. Mas teoricamente é possível causar a qualquer objeto
qualquer mudança da qual este objeto seja capaz por natureza; e as
condições são descritas no postulado acima.)
III. Teoremas
(Enunciado de uma verdade que se quer demonstrar por um raciocínio
lógico, partindo de fatos dados ou de hipóteses justificáveis, contidos neste
enunciado)
1. Todo ato intencional é um ato Mágico.
2. Todo ato bem sucedido obedeceu ao postulado.
3. Todo fracasso prova que um ou mais dos requisitos do postulado
não foram preenchidos.
4. O primeiro requisito para se causar qual quer mudança é
preenchido através do entendimento qualitativo e quantitativo das
condições.
5. O segundo requisito para se causar qualquer mudança é a
habilidade prática de direcionar corretamente as forças necessárias.
6. "Todo homem e toda mulher é uma estrela". Quer dizer, todo ser
humano é intrinsecamente um indivíduo independente com seu papel e
direção próprios.
7. Todo homem e toda mulher tem um curso, dependendo parcialmente
de si próprios e parcialmente do ambiente, curso esse que é natural e
necessário para cada um. Qualquer pessoa que seja forçada para fora de
seu próprio curso, quer através do não entendimento de si própria ou por
meio de oposição externa, entra em conflito com a ordem do Universo e,
assim, sofre.
(...)
10. A Natureza é um fenômeno contínuo, apesar de nós não sabermos,
em todos os casos, como as coisas são conectadas.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 17


11. A ciência nos capacita a tomar vantagem da continuidade da
Natureza, pela aplicação empírica de certos princípios, cuja interação
envolve diferentes ordens de idéias, conectadas entre si de uma maneira
além de nossa atual compreensão.
12. O homem é ignorante da natureza de seu próprio ser e poderes.
Mesmo a idéia que ele próprio tem sobre suas limitações é baseada na
experiência passada, e, em seu progresso, todo passo estende seu império.
Não há, portanto, razão alguma para que se assinalem limites teóricos para
o que ele possa ser, ou para o que ele possa fazer.
(...)
23. Magick é a Ciência de entender-se a si próprio e suas condições. É
a Arte de aplicar este entendimento à ação.”

Para Sóror Nema, uma discípula de Crowley que depois da morte deste fundou
sua própria vertente, a Corrente de Maat, o propósito da magia é levar o indivíduo à
expansão da percepção da realidade através de uma série de iniciações16:
“Ao contrário do conceito popular, o propósito da Magick não é
violar ou suspender as leis da natureza para produzir milagres no plano
físico, senão para transformar ao Mago através do processo de Iniciação. A
Iniciação é uma série de estados de realização que expande tua visão da
realidade além dos planos físico, mental e emocional, incluindo o espiritual,
o divino e sua transcendência.
A Magick transcende a habilidade das religiões organizadas para unir
a alma com Deus, já que é um esforço individual de experiência direta, não
mediada por um sacerdócio oficial, e independente de dogma, doutrina e
prisão à fé. As iniciações mágickas te provém de experiência, não de
discursos; de conhecimento em lugar de fé”.

Segundo Austin Osman Spare, outro discípulo de Crowley que se distanciou deste
e fundou seu próprio secto, o Zos Kia Cultus, a magia é uma Tecnologia de Crenças

16
NEMA, Sóror. Maat, La Corriente Del Nuevo Aeon. Disponível online em
www.alexandriavirtual.com.br em 23/02/2007

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 18


Orgânicas, e defendeu que ela acaba seguindo mais ou menos esta estrutura17 (uma
espécie de simplificação extrema de conceitos):
1) Seleção de Resultado – você decide o que quer alcançar com a magia que
está fazendo. Seja ela uma mudança na realidade ao seu redor, ou em si mesmo. Uma
seleção cuidadosa do que se quer é imprescindível.
2) Gnose – um Estado Alterado de Consciência, uma espécie de
“superconsciência” na qual toda feitiçaria é feita. É um transe de extrema concentração
e êxtase. É o momento em que a mente do mago fica limpa de qualquer outra coisa que
não o seu propósito. Esse estado é alcançado através de exaustivas práticas de
meditação, dança, música (tocar tambor é um exemplo clássico), yoga, sexo ritual ou
sacramentos psicodélicos, entre outros. Isto varia de sistema para sistema.
3) Embutindo uma nova crença orgânica – o mago tem que entrar num
paradigma em que a realidade mudou e o efeito desejado será alcançado. É neste ponto
em que ele “escolhe o universo em que quer viver”, entre todos os possíveis. O novo
padrão de realidade não pode estar em desacordo com os pressupostos inconscientes do
mago, ou a magia simplesmente não funcionará.
O efeito da crença orgânica na realidade consensual – aqui é o resultado do
feitiço, dependendo da potência da gnose e da congruência do resultado desejado com a
crença orgânica do mago.

Peter Carrol, um dos fundadores da corrente da Magia do Caos, postula o


seguinte:
“Nossa criatividade subconsciente e nossos poderes parapsicológicos
são mais que adequados para criar ou destruir qualquer deus ou Eu ou
demônio ou qualquer outra entidade espiritual na qual possamos acreditar
ou desacreditar. (...) Os resultados freqüentemente aterradores alcançados
pela criação de deuses através do ato de comportar-se ritualisticamente
como se eles existissem não deverá conduzir o mago no abismo de atribuir
realidade definitiva a qualquer coisa. Este é o engano transcendentalista,
que leva a um estreitamento do espectro do Eu. O verdadeiro terror reside
no leque de coisas que podemos descobrir que somos capazes de fazer,
mesmo se tivermos que temporariamente acreditar que os efeitos se devem a

17
Estrutura apresentada por Dave Lee em seu livro Caostopia, publicado pela editora Kaotic Revolution,
baseado nas idéias de Austin Oman Spare.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 19


algo externo para que possamos criá-los. Os deuses estão mortos. Longa
vida aos deuses.

A Magia apela aos que têm muito orgulho e uma imaginação fértil,
somadas a uma forte suspeita de que ambas, a realidade e a condição
humana, possuem as características de um tipo de jogo. O jogo possui final
aberto, e joga a si mesmo por diversão. Os jogadores podem criar suas
próprias regras até certo ponto(...) [magia] consiste em uma série de
técnicas que atuam como extensões extremas das estratégias normais que
são possíveis dentro do jogo.
Um mago é alguém que vendeu sua alma pela chance de participar
mais inteiramente da realidade. Apenas quando nada é verdadeiro e a idéia
de um Eu verdadeiro é abandonada, tudo se torna permitido. (...)
Precisa-se apenas da aceitação de uma simples crença para que
alguém se torne um mago. Esta é a meta-crença de que a crença é uma
ferramenta para obter efeitos. (...) O mago não é aquele que busca por uma
identidade particular e limitada, mas aquele que deseja a meta-identidade
que o torna capaz de ser qualquer coisa”18

Phil Hine, outro importante autor da corrente da Magia do Caos, expressou-se


nos seguintes termos:
“We live in a world subject to extensive and seemingly, allembracing
systems of social & personal control that continually feed us the lie that we
are each alone, helpless, and powerless to effect change. Magick is about
change. Changing your circumstances so that you strive to live according
to a developing sense of personal responsibility; that you can effect change
around you if you choose; that we are not helpless cogs in some clockwork
universe. All acts of personal/collective liberation are magical acts.
Magick leads us into exhiliration and ecstacy; into insight and
understanding; into changing ourselves and the world in which we
participate. Through magick we may come to explore the possibilities of
freedom.”19

18
CARROLL, Peter. Principia Caotica. Disponível online em www.iot.org.br em 07/11/2010.
19
HINE, Phil. Condensed Chaos. Tempe, AZ, Estados Unidos: New Falcon Publications, 1995.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 20


Já para Dave Lee, magia não é definível por um aspecto apenas, mas sim um
conjunto de aspectos. Para ele, magia é o conjunto de quatro atributos: Religião (no
sentido original de Re-ligare – Ligar com o sagrado; conjunto de crenças e meta-
crenças que dizem coisas definidas sobre a vida, o universo e tudo mais), Misticismo
(conjunto de filosofias e técnicas projetadas para se integrar à consciência extática
suprema), Feitiçaria (Poder; Fazer Coisas Acontecerem no Universo de Acordo com A
Vontade) e Auto-Transformação (Poder; Fazer Coisas Acontecerem Dentro de Si
Mesmo de Acordo com A Vontade)20. Dessa forma, não seria possível fazer uma
separação conceitual entre religião e magia, ou entre misticismo e magia; portanto,
fenômenos como a incorporação de espíritos na umbanda, ou os rituais de descarrego
da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) são vistos pelo autor – e outros da
corrente da magia do caos – como magia, independentemente de estarem ou não
inseridos dentro de um contexto religioso. “Então, a Magia pode ser vista como busca
de poder, através da tensão dinâmica entre o êxtase e o controle. Existem vários outros
modos de se definir a Magia, mas, como declaramos acima, todos eles implicam em
controle. Assim, quais são os limites da magia? Muitos magistas do Caos tendem a
aceitar a visão de que Magia = Feitiçaria; i.e. se não se tem algum tipo de resultado na
realidade de consenso, não é magia, mas misticismo ou religião. Para darmos um bom
exemplo, os partidários da Thelema, como esta é praticada pela O.T.O., estão
praticando religião, misticismo e, ocasionalmente, feitiçaria, e resumindo tudo com o
termo Magia”. (p. 17)

20
LEE, Dave – “Caostopia: Magick e Êxtase no Pandaemonaeon”; 1ª Edição Brasileira. Rio de Janeiro:
Ed. Kaotic Revolution, 2004.

Atualizações do Conceito Antropológico de Magia 21

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