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A partir de uma ata de casamento pode-se iniciar uma pesquisa sobre história e
demografia, abordando o início de uma família em particular. Da ata de casamento
seguimos para outros registros das etapas do ciclo vital: nascimentos, casamentos,
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batizados e óbitos. A sucessão de filhos oriundos desse casamento, cujos batismos
estejam assentados nos livros constantes nos arquivos paroquiais, permite acompanhar
os desdobramentos da família em estudo. Em seguida vêm os casamentos dos filhos
desse primeiro casal, ciclos matrimoniais também registrados nas atas das paróquias ou
nos Censos populacionais realizados no Brasil nos séculos XVIII e XIX.
A pesquisa é sempre dependente das fontes, se elas existem ou não. Assim como
o recorte temporal é fator de maior ou menor dificuldade no acesso aos documentos,
particularmente em se tratando de demografia. É preciso fazer um levantamento sobre
os tipos de documentos existentes na cidade, desde os paroquiais, os censitários oficiais
e os documentos privados, processos-crimes, inventários, etc.
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Fernando Braudel ao referir-se ao “jogo demográfico” nos séculos XIII ao XVIII, afirma que “é a
potência biológica por excelência que impele o homem, como todos os seres vivos, a reproduzir-se;o
‘tropismo da primavera’, dizia Georges Lefebvre. Mas existem outros tropismos, outros determinismos.
Essa matéria humana em perpétuo movimento comanda, sem que os indivíduos tomem consciência disso,
uma boa parte dos destinos de conjunto de seres vivos. Alternadamente, estes, em tais ou tais condições
gerais, ou são numerosos demais ou não são suficientemente numerosos, o jogo demográfico tendo para o
equilíbrio, mas este raras vezes se atinge. BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do capitalismo. Rio de
Janeiro: Editora Rocco, p. 10.
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Esses dados que podem parecer abstratos servem para movimentar os estudos de práticas cotidianas “do
habitual, “do rotineiro”. “Na realidade, o habitual invade o conjunto da vida dos homens, difunde-se nela
como a sombra da tarde enche uma paisagem”. P. 13
foram registrados, junto à família ou se migram. Se em determinado período houve
aumento significativo de “velhos”, pode-se aduzir que a cidade neste período específico,
não oferecia condições de trabalho e estudo para os jovens. Se a faixa etária permanece
equilibrada, se ela acentua envelhecimento da população, o pesquisador deve procurar
no contexto deste período os problemas que incentivaram a saída dos mais jovens.
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Para distribuir indivíduos, famílias e domicílios na estrutura econômica podem
utilizar os inventários do século XIX e os Censos quando estes estejam ao alcance do
pesquisador do tema. Lembrar sempre de precisar com exatidão o que é riqueza ou
pobreza, por exemplo, conceitos sempre dependentes do período em estudo, variam
muito no tempo. Tomar cuidado para não incorrer no maior crime que um historiador
pode cometer, o anacronismo. Bens materiais inventariados, desde uma panela de
barro/ferro deixada para um ente próximo ou distante - parente ou não - até bens mais
substanciais, como apólices, devem ser dimensionados historicamente para avaliar
corretamente as suas significações.
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1967-1970, trimestralmente. A partir de 1970 as amostragens passaram a ser coletadas
anualmente. Censos Demográficos foram realizados no Brasil nos anos de 1970, 1980,
1991, 2010. Entre os anos de 1974/75 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) realizou um Estudo Nacional de Despesas Familiar (ENDEF) que investigou
os níveis e a diversidade de consumo alimentar e orçamentos familiares. 3
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A história demográfica capta em grandes linhas “importantes fluxos de história”, afirma Braudel. Para o
grande historiador do século XX, saber o que os homens comem, “Como se vestem? Como se alojam?
Perguntas incongruentes, que exigem quase uma viagem de descoberta, porque, como sabem, o
homem não come nem bebe nos livros de história tradicional. Foi bem dito, há muito, muito tempo:
Der Mensch ist was er isst [O homem é o que come], mas talvez seja, sobretudo pelo prazer do jogo de
palavras que a língua alemã permite. Entretanto, não creio que se deva relegar para o anedótico o
surgimento de tantos produtos alimentares, desde o açúcar, o café e o chá até ao álcool”. Para Braudel o
estudo da produção e consumo alimentares são “temas tão apaixonantes, (...) quanto o destino do Império
de Carlos V ou os esplendores fugazes e discutíveis do que se chama hegemonia francesa na época de
Luís XIV. É sem dúvida temas repletos de conseqüências: a história dos antigos intoxicantes, o álcool, o
fumo, a maneira fulgurante como o fumo, em particular conquistou o mundo, deu-lhe uma volta
completa, não será uma advertência para as ainda mais perigosas drogas de hoje? BRAUDEL, Fernand. A
Dinâmica do Capitalismo, p. 12
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O estudo das técnicas e sua difusão pelo mundo não é uma característica do século XX, embora tenha
havido uma aceleração sem precedentes nos século XIX e XX. Ainda para Braudel, está história
maravilhosa “acompanha de perto o trabalho dos homens e seus progressos muito lentos na luta cotidiana
contra meio exterior e contra eles próprios. Tudo é técnica desde sempre, o esforço violento, mas também
o esforço paciente e monótono dos homens, modelando uma pedra, um pedaço de madeira ou ferro, para
fazer disso uma ferramenta ou uma arma. Não é uma atividade rente ao chão, conservadora por essência,
de transformação lenta, é que a ciência (que é a superestrutura tardia) recobre devagar” (sic) os
aprimoramentos técnicos. “As grandes concentrações econômicas pedem as concentrações de meios
técnicos e o desenvolvimento da tecnologia: assim ocorreu com o Arsenal de Veneza no século XV, com
a Holanda no século XVII, com a Inglaterra no século XVIII. BRAUDEL, Fernand, p. 13.
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SEVCENKO, Nicolau. A Capital Irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In.: A História da Vida
Privada no Brasil (República: da Belle Époque à Era do Rádio). São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 522
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vertiginosas”, exigiram que os indivíduos adequassem-se a elas fisicamente: o corpo
tendo que também acelerar seus movimentos, adequando-os aos movimentos das
máquinas, por exemplo, do bond que atravessa a cidade e o caminho dos transeuntes
citadinos, ainda não disciplinados, física e psiquicamente, para competir com os ritmos
acelerados das máquinas.
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O autor justifica a escolha de Machado de Assis (1839-1908) porque o homem e o literato “cuja
sensibilidade se formou no cenário das instituições imperiais, assinala o ímpeto e a velocidade das
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outros autores, fontes, outras vozes “na medida mesma em que o afluxo (afluir
afluência, concorrência) das experiências identificadas com a modernidade vão se
adensando e intensificando”.
mudanças, a surpresa dos seus contemporâneos e as resistências erguidas como meios de defesa contra o
fluxo que a tudo parecia levar de roldão.” Diferentemente de João do Rio (1881-1922) – “cujas
possibilidades de carreira se abriram com o advento da República, assinala a ampla difusão, os efeitos de
mitificação e os modos de celebração (festejar, comemorar) entusiasmados dessas mudanças
vertiginosas.”
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NORA, Pierre. O retorno do fato. In.: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre. História: novos problemas.
Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995, p 182. Esse “poderoso motor da história”, ainda é presente no
Brasil. Basta lembrar que se Franklin Delano Roosevelt falava aos americanos através do rádio
(conversas ao pé do fogo, no sentido de conversas informais- fireside), aqui no Brasil o ex-presidente José
Sarney (1985-1990) falava ao povo nas “conversas ao pé do rádio” e o presidente Luis Inácio Lula da
Silva também se aproxima do povo quando fala no programa “Café com o presidente”.
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Idem, p. 182
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tecnologias mapearem a utilização desses produtos pelos habitantes do estado/país? E
quais significados e sentidos o historiador poderia tirar de tais dados?
Saber, mesmo que seja por amostragem, quantas pessoas possuem rádio, TV,
computadores, utilizam Internet, ajuda o historiador a melhor avaliar a sociedade
contemporânea ou o grupo social no qual está inserido ou que pretende conhecer, e
avaliar as mudanças sociais, dos hábitos e costumes. Enfim, a vida cotidiana e material
podem ser estudada e conhecida por meio dessas informações. Todo estudo
historiográfico é dependente da problemática formulada pelo historiador, que ele se
formula e dos documentos de que dispõe. Mesmo quando a documentação é pobre, há
sempre problemas que ainda não fora formulados.
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O exemplo mais bem acabado de diálogo entre as diversas ciências encontramos
no livro Apologia da História ou o ofício do historiador. Nesta obra, publicada
postumamente - Marc Bloch foi fuzilado em 1944 por fazer parte da resistência nazista -
esse grande historiador do século XX cita o caso do Golfo o Zwin. Embora a citação
seja longa transcrevo-a íntegra por ser um exemplo clássico e os textos clássicos
permitem pensar e aplicar seus ensinamentos em outros lugares e circunstâncias. Assim
escrevia Marc Bloch:
(...)
afirma que ‘A ambição do historiador, enquanto tal, continua sendo a narração da aventura vivida pelos
homens. Mas essa narração exige todas as fontes das Ciências Sociais, (...) Como narrar o devir de um
setor parcial, diplomacia ou ideologia, ou de uma entidade global, nação ou império, sem uma teoria do
setor ou entidade? O fato de ser diferente de um economista ou sociólogo, não implica que o historiador
seja menos capaz de discutir com eles em pé de igualdade. “Eu me pergunto mesmo se, ‘Ao invés da
vocação empírica que lhe é normalmente atribuída, ele [o historiador] não deve flertar com a Filosofia:
quem não busca sentido à existência, não o encontrará na diversidade das sociedades e das crenças”. P. 3
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será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador
se parece com o ogro da lenda. “Onde fareja carne humana, sabe que
ali está a sua caça”. 12
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BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editor, 2001, pp. 53-54
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conquista européia, uma derrocada biológica colossal, talvez não de 10 para 1, mas
seguramente enorme e sem comparação possível com a peste negra e com as catástrofes
que a acompanharam na Europa do sinistro século XIV.13 Nos séculos seguintes serão às
vezes das populações do Pacífico (XVII) e sobretudo nos séculos XVIII e XIX, com a
presença dos brancos: “as doenças – isto é, os vírus, bactérias e parasitas importados da
Europa ou da África – propagaram-se mais rapidamente do que os animais, as plantas e
os homens que chegaram do outro lado do Atlântico. (...)”14
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O autor argumenta que “as agruras de uma guerra impiedosa tiveram as suas responsabilidades [na
derrocada biológica] e as de um trabalho colonial de uma severidade ímpar também”. P. 24
14
BRAUDEL, Fernand, p. 39
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Idem, p. 40
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“O imediato torna de fato a decifração de um acontecimento ao
mesmo tempo mais fácil e mais difícil. Mais fácil porque choca de
imediato, mais difícil porque se manifesta totalmente de imediato. (...)
Pois por mais independente que [o fato] possa parecer, o
desdobramento de um acontecimento não tem nada de arbitrário. Se
não é seu aparecimento, pelo menos seu surgimento, seu volume, seu
ritmo, seus encadeamentos, seu lugar relativo, suas seqüelas e seus
saltos obedecem a regularidades que dão aos fenômenos
aparentemente mais longínquos um certo parentesco e uma morna
identidade.” 16
Pode acontecer que, a ameaça de uma bactéria letal vinda agora da Índia, tenha
se evaporado e nenhuma conseqüência desse fato poderá ser auferida. Mas assim
mesmo, caso seja o fato efêmero, ele não deixará produzir ressonâncias afetivas e
implicações emocionais às massas que, temerosas diante de tantos acontecimentos
catastróficos, este também pudesse sair do campo das inúmeras virtualidades possíveis e
realmente causar uma mortandade em massa. Pois os mass media contríbuiem para
disseminar insegurança e temor divulgando fatos cotidianos, tenham estes ocorridos em
lugares próximos ou distantes. Ao fim e ao cabo, o medo e a insegurança é uma
característica da sociedade contemporânea.
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NORA, Pierre. O retorno do fato, p. 189-190. Esta afirmação de Nora está ligada às suas análises sobre
o papel dos meios de comunicação e o retorno do fato cotidiano como espetáculo e como forma de
participação “passiva” das massas nos destinos nacionais.
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