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Ponto Urbe

Revista do núcleo de antropologia urbana da USP


21 | 2017
Ponto Urbe 21

Espacialidade, comércio e degradação


Um olhar etnográfico sobre a antiga rodoviária de Campo Grande-MS

Vladimir Eiji Kureda e Guilherme R. Passamani

Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/3524
ISSN: 1981-3341

Editora
Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo

Refêrencia eletrónica
Vladimir Eiji Kureda e Guilherme R. Passamani, « Espacialidade, comércio e degradação », Ponto Urbe
[Online], 21 | 2017, posto online no dia 22 Dezembro 2017, consultado o 30 Dezembro 2017. URL :
http://journals.openedition.org/pontourbe/3524

Este documento foi criado de forma automática no dia 30 Dezembro 2017.

© NAU
Espacialidade, comércio e degradação 1

Espacialidade, comércio e
degradação
Um olhar etnográfico sobre a antiga rodoviária de Campo Grande-MS

Vladimir Eiji Kureda e Guilherme R. Passamani

Introdução
1 A antropologia protagonizou no século XX uma intensa reflexão sobre si mesma. Esse
momento de autoanálise não foi uma particularidade sua, mas uma tendência que
acometeu as Ciências Humanas em geral. “No caso específico da antropologia, esse
momento já foi caracterizado como ‘reflexivo’, ‘hermenêutico’, ‘interpretativo’,
‘desconstrutivo’, ou ainda no campo de uma ‘sensibilidade romântica’” (Gonçalves, 2011:
7).
2 Uma das dimensões mais interessantes da guinada que a antropologia deu ao longo do
século XX foi descobrir as inúmeras possibilidades de problematizações e campos de
análise at home. Esse processo, claro, não se fez sem custos. Houve a necessidade de
reformulações basilares na compreensão da própria disciplina. Uma delas, por exemplo,
na ressignificação da noção de alteridade. Repensar a alteridade passou, necessariamente,
por repensar a ideia de etnografia, do fazer antropológico e, também, por repensar os
sujeitos envolvidos nesta interação, isto é, o antropólogo e seus “nativos”. As fronteiras
entre os mundos, ou mesmo uma ideia de mundo sem fronteiras, para a prática
antropológica exigiu da disciplina e de seus atores um olhar atento e cuidadoso para o
método.
3 O novo passo inaugurado com as pesquisas nos próprios grupos culturais de origem do
pesquisador, não obstante a manutenção das pesquisas além-fronteiras, parece que
trouxe o desafio de pensar o método para além da “zona de conforto” conferida pelas
diferenças marcadas entre pesquisador e sujeitos pesquisados. Essas fronteiras, tão bem
estabelecidas pelos diferentes aspectos da cultura e da geografia, somem, ou se
ressignificam, quando nos deparamos com a nossa própria realidade. Além disso, como no
caso do Brasil, esta desestabilização promovida pela disciplina está marcada pelas

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pesquisas a partir de demandas políticas de movimentos e de sujeitos à margem do


Estado, por exemplo.
4 Dessa forma, compreendemos que os estudos urbanos foram um marco para repensar as
ciências sociais de maneira geral e a antropologia em particular. A relevância das
pesquisas da Escola de Chicago, por exemplo, reconfigura os limites da investigação e
apresenta o cenário urbano como um grande laboratório para o cientista social.
Influenciada pelos trabalhos de Georg Simmel, Chicago representou um novo passo para
pensar, por exemplo, a problemática da alteridade no cenário urbano contemporâneo.
5 Uma pesquisa que influencia o nosso olhar para o campo é a clássica obra de William
Foote Whyte, Sociedade de Esquina (2005). Foote Whyte descortinou um emaranhado de
possibilidades para a pesquisa antropológica na grande cidade e mostrou como o nosso
entorno pode ser o nosso lugar de pesquisa. Ao investigar a dinâmica da organização
social de um bairro pobre de uma grande metrópole, ele mostrou como o campo da
investigação antropológica pode ser ampliado e como a utilização do método etnográfico,
especialmente a partir da observação participante, tem condições de um olhar mais
apurado, mais detido e criterioso para descobrir questões que talvez passassem
desapercebidas a uma primeira vista ou que fossem desconsideradas desde uma lógica
naturalizante, tão em voga ainda hoje.
6 Sociedade de Esquina é um texto inspirador, não apenas por trabalhar com as gangues que
ficavam pelas ruas de North End nos anos de 1930. Sua leitura é inspiradora para o
trabalho etnográfico em si. Trata-se de uma obra estimulante porque remete à
problemática do método a todo instante. O contato com Doc, a construção de um campo
de investigação, a inserção nas gangues, a percepção da complexidade das relações que
envolvem as diferentes gangues entre si e as relações que permeiam o universo mais
amplo dos gângsteres, tudo isso está envolto em uma discussão metodológica e em uma
testagem da etnografia como mecanismo capaz de pensar sociedades e culturas urbanas
na contemporaneidade.
7 Do ponto de vista desta discussão no Brasil, é necessário uma referência aos estudos
iniciados por Eunice Durham (1986) e Ruth Cardoso (1986) que, já nos anos de 1960,
tentavam compreender os dilemas das cidades a partir da tradição antropológica. Talvez
os principais desdobramentos destas primeiras investidas de Durham e Cardoso estejam
retratados na trajetória intelectual de Gilberto Velho (1999) e José Guilherme Cantor
Magnani (1993, 1996, 2003). Velho foca sua análise nas idiossincrasias do fenômeno
urbano entre as camadas médias das grandes metrópoles do país, especialmente no seu
caso, a cidade do Rio de Janeiro. Magnani, por outro lado, tenta perceber as diferentes
formas de contato e relação que são estabelecidas entre sujeitos de diferentes origens
sociais, como ocorre a partilha de signos, quais os universos de práticas e experiências
estão em diálogo, isto é, como, em última análise, os sujeitos se constituem por meio dos
grupos desde suas variadas formas de sociabilidade e como operam as (re)definições dos
espaços urbanos a partir destas questões.
8 Esta trajetória de investigação da antropologia, que volta o seu olhar para o contexto
urbano, é que influencia nossa pesquisa na cidade de Campo Grande-MS. A "Rodô" ou
Antiga Rodoviária, foco de nossa análise aqui, é o nome popular dado ao prédio comercial
chamado Condomínio Terminal do Oeste, localizado no quarteirão entre as ruas Dom Aquino,
Joaquim Nabuco, Barão do Rio Branco e Vasconcelos Fernandes no bairro Amambai, no
município de Campo Grande-MS, bem como a espacialidade que compreende o entorno do
prédio.

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9 Situado nas cercanias do centro da cidade, o prédio da Antiga Rodoviária, que já foi
responsável por comportar o principal terminal rodoviário e abrigou uma das maiores
movimentações comerciais da região, apresenta-se atualmente com pequeno fluxo
consumidor em seus estabelecimentos comerciais, uma vez que a maior parte das lojas do
centro comercial encontra-se fechada. Um fator a se destacar é que há em seu entorno a
presença do que é considerado por alguns interlocutores de pesquisa como um "problema
social"1: os sujeitos vistos e tidos como "degradados"2.
10 Nese sentido, o artigo procura, em um primeiro momento, captar as dinâmicas de
sociabilidade entre os sujeitos nos espaços em que se desenvolvem as principais
atividades comerciais da "Rodô". Foram realizadas observações diretas no Centro
Comercial durante o dia, nos trailers de lanche à noite, bem como observação participante
em uma lanchonete e em uma ação caritativa de uma Igreja Evangélica. Durante o
processo de pesquisa, foi possível identificar a constituição de fronteiras, o
estabelecimento de códigos e a constituição de interações entre os diferentes sujeitos da
“Rodô”.
11 Além disso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e conversas informais com
comerciantes, ativistas, uma garota de programa, integrantes da Igreja Evangélica que
realiza atividade caritativa no local e trabalhadores. Destacamos que a presença ostensiva
da polícia militar em concomitância com as dificuldades de agenda de alguns contatos que
estabelecemos no campo para o auxílio na aproximação com a população de rua,
impossibilitou o acesso a narrativas de moradores de rua e usuários de drogas do lugar
sobre suas experiências, bem como suas perspectivas. Sendo assim, este artigo explora
uma primeira parte da pesquisa, em que os dados são resultantes de entrevistas,
conversas e observações com as pessoas acima referidas. Para tentar compreender um
pouco mais o universo da “Rodô”, pesquisamos documentos sobre a história da Antiga
Rodoviária, principalmente, em jornais eletrônicos, artigos e monografias. Em um último
momento, buscamos refletir acerca dos principais sentidos dos atores sociais em ocupar o
espaço e os diferentes interesses na transformação do mesmo, a fim de compreender
essas tramas de relações e as possíveis razões para a constituição atual da "Rodô".
12 Estudar a Antiga Rodoviária, para além do olhar do chamado senso comum, é de
fundamental importância, já que a cidade e suas construções, constituem-se, antes de
tudo, a partir de um caráter social. A “Rodô” e sua complexidade de relações e sujeitos
pode embaralhar um pouco a compreensão de Robert Park (1973) que, no começo do
século XX, compreendia a necessidade de que a constituição das cidades fosse pensada e
organizada de forma consciente, possuindo um limite para modificações arbitrárias
possíveis de serem estabelecidas. Sendo assim, a “Rodô”, em alguma medida, pode ser
pensada como um espaço de trânsito e de conexão com a estrutura de transporte, mas
também pode ser lugar de moradia, de consumo, de práticas ilícitas e, quem sabe até, de
desagregação de relações. Diante disso, a "Rodô" emerge como uma parte da cidade que
apresenta um cenário que acaba abrigando uma população que manifesta diferenças
sociais marcantes.

1 - Breve história da Antiga Rodoviária


13 O centro comercial Condomínio Terminal do Oeste foi construído pela família Laburu,
detentora do terreno, em parceria com a prefeitura de Campo Grande e o governo do

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então Estado de Mato Grosso. O prédio foi inaugurado definitivamente em 1976 e sua
estrutura é de 30 mil metros quadrados com dois pisos. O prédio já contou com mais de
236 lojas, algumas eram conhecidas lojas de departamento, agências bancárias, além de
oferecer serviços públicos através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(Correios) e da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran).
14 Até janeiro de 2010, o local funcionava como o terminal rodoviário de Campo Grande - de
caráter interestadual e intermunicipal- em que circulavam ônibus de diversos estados e
regiões do país, além dos ônibus municipais, chegando a contabilizar no mês de dezembro
do ano de 20063, um fluxo mensal de 90.355 passageiros. Além disso, a "Rodô" tinha um
comércio movimentado, responsável por atender o fluxo de passageiros das empresas
interestaduais e dos ônibus intermunicipais. Logo, a Antiga Rodoviária foi um lugar em
que circulou muito dinheiro, como nos conta Fred – ativista de direitos humanos e que
desenvolveu trabalhos de redução de danos com usuários de drogas do entorno da Antiga
Rodoviária – o que possibilitou ascensão financeira4 aos comerciantes do local.
15 Entretanto, a "Rodô", antes mesmo de ser rodoviária, se apresentava como um lugar não
só de caráter comercial, de compra e venda de passagens ou de consumo de mercadorias,
mas também de presença histórica de algumas atividades ilícitas (como o uso e o consumo
de drogas) e outras ilegais (como a venda de produtos de contrabando, ou a realização de
jogos de azar). Segundo Fred, o local:
[...] antes mesmo de ser rodoviária era um espaço de transgressão, em que antes de
se construir o prédio rodoviário, já se jogavam animais e lixo, e também era um
ponto de encontro sexual [...] um não-lugar5, que se permite a compra e uso de
drogas no anonimato, e quando a rodoviária funcionava ali, flutuava-se muito
dinheiro, que tornava possível também conseguir dinheiro de forma anônima [...].
16 Com a desativação do terminal rodoviário em janeiro de 2010, o lugar passou a ser
chamado de Antiga Rodoviária, apesar de permanecer oferecendo, em menor escala,
serviços de transporte de passageiros para o interior do Estado e para algumas localidades
da região Centro Oeste. Entretanto, atualmente, a principal característica do centro
comercial é, justamente, a ausência de circulação de consumidores do comércio formal e
legal, já que mais de 70% das salas estão fechadas e/ou abandonadas pelos proprietários.
Atualmente há em torno de 55 a 60 estabelecimentos comerciais abertos e em
funcionamento no Condomínio6; são lojas de sapatos e roupas, artigos usados,
conveniências, bares, salões de beleza, fábricas de lanches, escritórios de contabilidade e
advocacia etc. Além disso, no entorno, há uma rede hoteleira, lanchonetes, casa lotérica,
brechós, bares, restaurantes e algumas igrejas evangélicas, que movimentam a vida social
da região.

2- Espaço comercial: relações sociais e fronteiras


socioculturais
17 Atualmente, a Antiga Rodoviária concentra uma variada gama de atividades que estão de
acordo com os diferentes turnos do dia. Para cada turno, uma atividade específica.
Durante o dia, a principal atividade econômica no interior do centro comercial é o serviço
de transporte para o interior do estado. Tal atividade, ainda que permita um fluxo
pequeno de pessoas, é uma atividade diária. Por outro lado, foi recorrente, durante nossas
observações no local, a quase ausência de consumidores no centro comercial. Clientes e
vendedores ambulantes, de tão escassos, passam quase desapercebidos.

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18 Durante a noite, com o fechamento do prédio, os traillers de lanches são os responsáveis


pela maior movimentação em termos econômicos na região. Essa atividade econômica
reconfigura o cenário e utiliza a cobertura da estrutura do prédio situado na rua
Vasconcelos Fernandes, entre a calçada do prédio e a rua propriamente dita. O público é,
igualmente, escasso. Na maior parte de nossas observações, contamos de 20 a 30
consumidores.
19 De uma forma geral, as relações predominantes entre transeuntes, consumidores e
trabalhadores do comércio na "Rodô" são marcadas pelo distanciamento e formalidade,
em que os contatos face to face costumeiramente se dão de forma transitória, superficial,
com reserva e indiferença (Wirth, 1973). Tal constatação pode ser exemplificada na
escassa relação de diálogo entre estes sujeitos, desde a compra de uma mercadoria ao
pagamento. A comunicação é majoritariamente técnica e formal, no intuito de viabilizar a
compra, venda e consumo. No entanto, na fase seguinte da pesquisa, pretendemos
analisar as relações que se estabelecem para além do comércio legal e formal, como por
exemplo, entre os viajantes que passam pelo local e conhecem as personagens da “Rodô”,
bem como amigos, parentes e conhecidos que circulam pela região.
20 É preciso, porém, não perder de vista o imaginário social sobre a "Rodô", ainda de perigo,
violência, medo e insegurança. Estas percepções são reforçadas através da veiculação dos
episódios de violência que sucedem no entorno, tais como roubos, brigas e ocasionais
assassinatos, que, quando ocorrem, logo são propagados pelas mídias da cidade. A
cobertura midiática dá uma grande dimensão a esses fatos, reforçando a ideia de
“degradação” do lugar no imaginário social. No mais, seguindo a compreensão de Taniele
Rui (2014), percebe-se que o elemento fundamental que encarna tais representações
degradadas sobre o local, é a presença de moradores de rua, traficantes e usuários de
drogas, especialmente desses últimos, que são reconhecidos, logo "de cara", pela sua
corporalidade abjeta7, pois "assim como os corpos desses usuários, tais espaços também se
tornam abjetos" (Rui, 2014: 138).
21 A concentração desses sujeitos tidos como "degradados” na região se dá de maneira
relativamente diferente de acordo com os períodos do dia. Durante o dia, especialmente
os usuários de drogas e moradores de rua costumam permanecer numa área específica da
cobertura do prédio, em um espaço pequeno, em que muito raramente transitam
consumidores do centro comercial. Além disso, nesse espaço, há o fluxo de pessoas mais
velhas, cuja principal atividade é o jogo de bilhar, bem como consumidores de bebidas
alcoólicas e outra categoria de sujeitos: os "viciados em jogos”8. Numa outra calçada do
condomínio, costumam transitar mais consumidores e passageiros das vans para o
interior do estado e percebe-se a presença “discreta” das garotas de programa. Nesse
espaço, raramente, transitam usuários de droga ou moradores de rua.
22 Durante a noite, quando predomina o comércio de lanches, os sujeitos vistos como
"degradados" costumam se concentrar principalmente nas calçadas situadas na rua
lateral dos trailers. Neste contexto, os “lancheiros” e consumidores ficam, muitas vezes, a
menos de 300 metros deles, variando de acordo com o trailer escolhido pelos clientes, que
podem acabar ficando a menos de 30 metros, como ocorre, por exemplo, com aqueles
clientes que fazem a escolha por consumir os produtos do último trailer, que está
instalado quase na divisa com “a Barão”.
23 Os consumidores desse trailer podem observar, claramente, a presença de garotas de
programa em locais específicos, usuários de drogas fazendo o uso de seus bagulhos,

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moradores de rua, eventuais atividades relacionadas ao tráfico de drogas e também


passagens e intervenções por parte da polícia para com os populares de rua. A presença
marcante desses sujeitos, mesmo que separada por uma quadra, muitas vezes, gera uma
mudança no comportamento social daqueles que vão lanchar à noite na "Rodô". Uma
situação decorrente desse contexto de apropriação do espaço urbano por pessoas
“indesejadas” é o fato, recorrentemente, observado em nossas atividades de campo: uma
parcela considerável das pessoas que vão consumir os lanches não desce dos seus carros.
24 Não por acaso, os trabalhadores dos trailers ficam acenando com os cardápios para os
carros que passam na rua. Quando os carros param, rapidamente, algum lancheiro chega
até a janela do carro para oferecer o cardápio e prosseguir com a negociação, sem que
haja a necessidade de quem está no interior do veículo descer ao local.
25 Por conseguinte, ao mesmo tempo em que se está num espaço social voltado à
alimentação, também não se deixa de estar na área vista como “degradada” da Antiga
Rodoviária, já que sentimentos como o medo, de certa forma, condicionam o
comportamento de parcela dos consumidores, pois estes identificam, visualmente, "de
longe", aqueles que, potencialmente, lhes causam temor.
26 Nestes espaços comerciais, predomina aquilo que Cristina, a gerente do centro comercial,
denominou “regras”9. As regras consistem, principalmente, entre outras coisas, tanto no
impedimento à circulação de usuários de drogas e moradores de rua no interior do centro
comercial durante o dia, quanto no perímetro em que estão os consumidores de lanches, à
noite. Entretanto, essas “regras” não se legitimam de forma homogênea e nem dizem
respeito a todos os sujeitos vistos como "degradados". Conforme o relato da proprietária
Clarice10, as garotas de programa:
[...] são de boa, eu não tenho nada a reclamar delas, elas respeitam a gente e nós
respeitamos elas também [...] quanto aos usuários de droga e o pessoal ali de rua,
que vivem no entorno, é uma tormenta. Eu mesma, trabalho aqui sozinha [...] do
ano passado para cá, aumentou muito o fluxo de morador de rua e de usuários, e eu
trabalho com medo e insegura [..] porque, agora eles entram aqui às vezes de
passagem, mas entra; e isso traz um pouco de insegurança e medo para mim, como
comerciante [...], mas quanto às meninas de programa, eu não tenho nada contra
elas [...] atendemos normal, elas são cidadãs e se portam como tal.
27 Portanto, mesmo que a prostituição fosse um elemento que "poluísse" a imagem do local,
a sua presença não geraria ou não era percebida como sinônimo de violência e
insegurança por parte dos comerciantes, que inclusive comercializam suas mercadorias
com as garotas de programa. No entanto, no que diz respeito aos moradores de rua e
usuários de drogas, não existe a mesma percepção. Esses sujeitos remetem à insegurança,
doença, medo e crime, ou seja, são vistos como sujeitos que “degradam” o lugar.
28 É possível perceber que as "regras" não se caracterizam como leis do ponto de vista
jurídico. Elas assumem uma forma muito mais implícita e informal, imposta de um grupo
social a outro (Becker, 2008). Tais “regras” são estabelecidas a partir de critérios
relacionados à corporalidade, que constrói as fronteiras socioculturais do espaço. Assim,
há lugares em que o sujeito tido como “degradado” não deve adentrar. O centro
comercial, então, não seria o espaço apropriado para usuários de drogas e os moradores
de rua frequentar, pois eles seriam sujeitos, potencialmente, poluidores do local, já que
carregariam a dimensão abjeta inscrita em seus corpoe em suas performances (Douglas,
1991).

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29 Neste sentido, as fronteiras estabelecidas no centro comercial se dão em níveis


microespaciais. A noção de abjeção está presente, mas ela se faz perceptível de forma
contraditória para com os diferentes sujeitos tidos como “degradados”, pois a
permissividade dos comerciantes e de outros sujeitos para com o “problema social”, é
pautada a partir de estigmas (Goffman, 1988). A fim de que seja assegurado um mínimo de
“segurança” para a realização do comércio, se faz necessário criar mecanismos de
controle daqueles que representariam o "problema social" da Antiga Rodoviária.
30 Para tanto, a manutenção da ordem no comércio, durante o dia, é conseguida a partir da
ação de um aparato privado de segurança. Em menor medida, há a presença de um efetivo
da Guarda Municipal, bem como de agentes da Polícia Militar que, entre outras funções,
garantem que as “regras" sejam cumpridas. Durante a noite, a patrulha e segurança do
espaço ocupado pelos lancheiros, ficam a cargo da Polícia Militar e da Guarda Municipal.
Ainda que não permaneçam no local, como ocorre com os seguranças privados durante o
dia, elas costumam fazer rondas recorrentes em suas viaturas pelas ruas do entorno.
31 É durante a noite que a percepção do borramento de fronteiras entre os grupos sociais
que se situam no entorno da Antiga Rodoviária fica mais nítido. São inúmeros os
exemplos nesse sentido. Muitas vezes, o espaço ocupado pelos consumidores dos trailers
de lanches é ressignificado como “pista” para as garotas de programa. Ainda que ali não
seja, exatamente, o seu espaço privilegiado para o trottoir, elas utilizam esse lugar como
rota de passagem, ou mesmo o compartilhando, momentaneamente, como consumidoras
desse tipo de comércio. Além disso, também há alguns usuários de drogas e outros
sujeitos que compartilham códigos entre si, que ultrapassam essas fronteiras,
principalmente, através dos inúmeros pontos de conexão ali presentes11.
32 As fronteiras que edificam a Antiga Rodoviária são espaciais, mas também são simbólicas.
Algumas vezes, elas se manifestam como elementos socioculturais, em que o corpo exerce
função central no processo. Ele, o corpo, acaba por definir quem pode ou não
compartilhar os mesmos espaços que comerciantes, por exemplo. O âmbito do comércio
faz com que, em alguma medida, as garotas de programa possam circular, ainda que de
forma “discreta”, no interior do centro comercial do condomínio durante o dia,
justamente porque elas podem ocupar outros lugares para além de garotas de programa:
elas podem ser potenciais consumidoras no comércio local.

3 - Sentidos e interesses na ocupação da “Rodô”


33 A "Rodô" transforma-se oficialmente em um espaço comercial no ano de 1976. Nas
décadas seguintes passou por uma série de transformações. Atualmente, ela apresenta um
cenário com pouca movimentação comercial em seu interior e no seu entorno houve o
aumento considerável de usuários de drogas e moradores de rua. O centro comercial
pertence majoritariamente a particulares, algo em torno de 87% do condomínio, sendo
apenas 13% de posse do poder público12.
34 Durante nosso trabalho de campo, percebemos que a maior parte dos imóveis internos do
centro comercial, estão fechados. São apenas 55 lojas funcionando em um espaço que
comportaria mais de 240 estabelecimentos. Além desse problema, há proprietários com
dívidas de condomínio e IPTU que chegam a altas montas financeiras13.
35 Como já declaramos algumas vezes, nos arredores do prédio estão os sujeitos tidos como
“degradados”. Eles conformam majoritariamente uma população flutuante na região,

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especialmente os usuários de drogas e moradores de rua, pois nem todos são fixos na
vizinhança14. Além disso, esta população se relaciona para além dos “seus”. Eles mantêm
relações com alguns comerciantes, especialmente os que trabalham em certos bares e em
uma lanchonete da parte externa do condomínio. Nestes espaços, é comum que a venda
de produtos para os usuários de drogas e moradores de rua se dê a partir de negociações
que envolvem “pechinchas” e compra “em fiado”.
36 Apuramos que o cenário não é dos mais favoráveis para os comerciantes do local. Eles
necessitam pagar aluguéis mensais e veem sua clientela se reduzindo drasticamente
desde a saída do terminal rodoviário do prédio. Atrelado ao aumento do “problema
social" no local, segundo o comerciante Y15, as vendas diminuíram cerca de 80% desde a
saída do terminal interestadual.
37 O comerciante Y conta que nos tempos de auge da "Rodô" conseguiu juntar dinheiro e até
comprar um imóvel. No entanto, com a queda do comércio em vista das mudanças pelas
quais passou o centro comercial, ele ficou em dificuldades econômicas bastante sérias. O
lucro que consegue em seu comércio é suficiente apenas para garantir o pagamento do
aluguel. Neste sentido, a esperança desse e de outros comerciantes, é que haja um
processo de revitalização da Antiga Rodoviária a fim de que isso alavanque as atividades
comerciais. Para ele: (...) o local é muito frequentado por desocupados (...) que, em última
medida, criariam uma imagem negativa para a Antiga Rodoviária no imaginário social da
cidade. Isso faria com que as pessoas tivessem uma má impressão e não a frequentassem.
38 Não obstante, a empresária e gerente do prédio16 revela que além dos problemas de
inadimplência dos proprietários endividados e um quase abandono por parte do poder
público, a presença do “problema social” é um entrave para o comércio, pois:
[...] com a mudança da rodoviária, em que não tem mais aquele fluxo grande [...]
porque aqui o comércio era específico, o público-alvo dele era o público da
rodoviária, então se tirou a rodoviária sem planejamento nenhum... estava mais que
claro que iria acontecer isso... aonde está desocupado, o problema social ocupa,
então nós temos muitos moradores de rua no bairro, muitos usuários, mas não no
prédio, mas no entorno. E isso causa um problema muito sério para o prédio,
porque as pessoas que vêm aqui com o intuito de investir, elas se assustam com esse
problema social né [...].
39 As falas da gerente e do comerciante Y constroem os sujeitos tidos como “degradados” ou
o “problema social”, especialmente usuários de drogas e moradores de rua, como os
antagonistas aos interesses comerciais, pois eles afastariam os consumidores desejados da
região. Apesar dos usuários de drogas e moradores de rua também consumirem
eventualmente em espaços específicos, não é este o público que muitos comerciantes
querem em seus empreendimentos.
40 Por outro lado, foi possível identificar durante a pesquisa de campo interações de caráter
mais interpessoal entre comerciante e moradores de rua, que em vários momentos
desempenham o papel de consumidores na lanchonete do próprio comerciante Y e, não
raro, participamos de conversas iniciadas por ambos acerca de questões triviais sobre o
cotidiano local.
41 Dois personagens que fazem parte do cenário da “Rodô” são Ramiro e a Guilhermina –
ambos são usuários de drogas, moradores de rua e formam um casal. Os dois são bem
conhecidos na região e sempre é possível vê-los nas calçadas do entorno, bem como na
lanchonete do comerciante Y com a finalidade de comprar cigarros, pegar garrafas de
água e doses de sal.

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42 Ramiro, numa oportunidade em que foi possível presenciar, chegou na lanchonete para
pegar água e comprar doses de sal. Naquele dia, nos contou que apareceu uma mulher
com mais dois cachorros para ele cuidar e que “os bichos não comem qualquer coisa”.
Neste mesmo dia, percorrendo as ruas do entorno, foi possível ver Ramiro na calçada da
avenida Barão do Rio Branco em frente à agência dos Correios assando carne numa
assadeira e ao seu lado estava uma cadela que recebia os pedaços de carne lançados por
seu dono. Na mesma calçada, Ramiro dormia com sua companheira Guilhermina com
cobertas e lençóis forrados no chão e havia também uma casinha de cachorro.
Posteriormente, a cadela teve cria e Ramiro conseguiu vender alguns filhotes no valor de
R$ 50,00 cada um.
43 Esta cena nos ajuda a perceber como as fronteiras entre os grupos que compõem o local
não são rigidamente demarcadas. Há zonas de borramento. A lanchonete do comerciante
Y, quem sabe, pode ser um destes espaços. Ela recebeu e recebe outros sujeitos tidos como
“degradados”, tais como: um homem negro também morador de rua, que comprou uma
dose de cachaça dizendo para os presentes na lanchonete de que estava tomando para ir
trabalhar; outro com olhos arregalados e avermelhados que pediu copos e garrafas
deágua ; outro rapaz negro que estava ganhando dinheiro cuidando dos carros.
Interessante notar que ao mesmo tempo que o comerciante Y atribui uma série de
estigmas a estes sujeitos, inclusive os classificando como alguns daqueles que
contribuiriam para o afastamento da clientela, ele não os considera como um “perigo” à
segurança dele e dos clientes, pois, segundo o comerciante Y, os moradores de rua não
mexem com “os outros”17 e que as situações de violência são resolvidas entre eles
mesmos.
44 Coexistem em um mesmo espaço comercial relações de formalidade na compra e venda de
mercadorias, bem como a presença de arranjos informais variados. Essa relação permite
que a lanchonete do Comerciante Y seja continuamente utilizada por diferentes sujeitos
da “Rodô” como ponto de consumo, desde usuários de drogas e moradores até
trabalhadores dos empreendimentos do entorno.
45 Além disso, há no interior do centro comercial alguns estabelecimentos que têm as
garotas de programa como um público que se mantém consumidor mesmo com as
recorrentes baixas nas vendas. No que diz respeito às garotas de programa, destacamos
um bar que serve como uma espécie de “point” para elas na Antiga Rodoviária e que
também é frequentado por pessoas majoritariamente mais velhas. No referido espaço,
como nos relata Alexandra Lopes da Costa (2009) 18 em artigo Paradisíaco e venenos, se
constroem práticas de agenciamento de clientes em que há disputas, tramas complexas
nas redes de sociabilidade. Uma das interlocutoras de Lopes, Dona Flor, garota de
programa que atua nos bares da rodoviária há mais de cinco anos explica a situação:
Tem moças que bebem porque sabem que o cliente gosta. Então o homem que
chegar ali bebendo vai encostar naquela que está bebendo. É diferente. Vai sentar
com uma companhia que vai beber junto com ele. Daí rola um clima e a pessoa sai
(COSTA. 2009: 5).
46 Numa das andanças pelos corredores do Centro Comercial, ao adentrar o bar, foi possível
observar uma possível cena de negociações sexuais: havia apenas duas garotas de
programa sentadas no balcão e, a mais ou menos cinco metros delas havia dois homens
aparentando ter mais de 40 anos e bebendo cerveja. Era perceptível o cruzamento de
olhares entre eles. Uma questão que precisa ser frisada é que na geografia das trocas
sexuais do local, o fato de alguns homens transitarem frequentemente pelo centro

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comercial ou consumir em determinado bar poderia ser uma dica às garotas de


programas que eles poderiam ser seus clientes potenciais. Situações, por exemplo, que
ocorreram conosco mais de uma vez.
47 A garota de programa com idade superior aos 50 anos disse que está no local desde o
início da inauguração do complexo rodoviário, ou seja, trabalha na “Rodô” há mais de 30
anos e consome mercadorias e serviços do terminal rodoviário. Os seus programas são
realizados em um hotel dos arredores. E para ela, o principal problema da Antiga
Rodoviária é a presença dos “noias”.
48 Dentre os grupos identificados como “problema social”, há diferenciações acerca do
sentido do espaço e as formas desses sujeitos ocuparem-no. As garotas de programa, por
exemplo, ocupam o espaço com o intuito de transformar aquele território em seu local de
trabalho. Esta forma de utilização da Antiga Rodoviária varia de acordo com os turnos do
dia. Para além dos pontos de prostituição, algumas garotas de programa, percebidas por
alguns comerciantes como mais discretas – em função das roupas que vestem, dos gestos
e dos adereços que utilizam – transitam pelo centro comercial na condição de
consumidoras das mercadorias ofertadas pelo comércio da Rodô. Elas compram utensílios
de beleza corporal, bebidas, comidas, além de utilizarem os serviços de salões de beleza do
lugar.
49 O mesmo não ocorre com os usuários de drogas. Esses não necessariamente utilizam o
espaço para fins exclusivamente econômicos. Além da finalidade da busca e uso de drogas,
esses sujeitos podem vir a ser potenciais consumidores. O caso de Ramiro e Guilhermina é
o mais exemplar, pois ambos, além de consumirem mercadorias, incorporam ao seu
cotidiano a criação de cachorros, que dormem junto deles, comem dos alimentos dos
donos, procriaram e permitem transações financeiras a partir da venda das suas crias. Ou
seja, visto como um simples local de uso de drogas e apropriado por usuários
“degradados”, a rua que também é casa, pode vir a ser ressignificada pelos sujeitos
através da incorporação de elementos simbólicos e práticos.
50 A saber, também são visíveis os usuários de drogas que utilizam o lugar apenas para a
compra de drogas e, esporadicamente, para consumo19. Os motoristas que passam nas
principais avenidas da cidade – Afonso Pena e Ernesto Geisel – que estão distantes apenas
uma quadra do Condomínio, se deparam nos semáforos com usuários de drogas e pessoas
pedindo esmolas. Alguns destes usuários acabam se tornando “aviõezinhos”20 para
aqueles que desejam comprar a droga no lugar.
51 A partir de um olhar “de longe e de fora” sobre a sociabilidade no entorno da “Rodô”
entre os usuários de drogas, é possível perceber que existe uma correlação entre espaço,
turnos do dia e fronteiras espaciais e simbólicas. Logo, os microespaços, como algumas
calçadas em turnos específicos, demarcam o lugar do outro, em que são desenvolvidas
práticas sociais que constroem relações e signos inteligíveis apenas àqueles que são do
“pedaço”21. Nesse sentido, os sujeitos não necessariamente se conhecem, mas se
reconhecem “como portadores dos mesmos símbolos que remetem a gostos, orientações,
valores, hábitos de consumo e modos de vida semelhantes” (Magnani, 2002: 22).
52 Há também, em alguns momentos, especialmente nos finais de semana, a visita de
instituições religiosas , centros espíritas e outros grupos sociais22 que vão fazer entrega de
alimentos, roupas e cobertores para os usuários de drogas e moradores de rua. Acerca
disso, destacamos a presença da Igreja Evangélica Semeadura em Cristo23 que realiza um
trabalho junto às populações de rua e outros grupos. Tal ação ocorre todos os sábados de

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23h00 a 01h30 na avenida Barão do Rio Branco em frente ao prédio do Centro Comercial.
A igreja oferece marmitas, banhos e roupas, acompanhados de orações cristãs.
53 Com um ônibus estruturado para oferecer banhos, além de cadeiras, mesas e panelas com
comida, os integrantes da igreja atendem de 30 a 45 pessoas que estão pelas calçadas da
avenida Barão nesse horário. A interação entre os religiosos e aqueles “outros” é marcada
por uma espécie de ritual que se dá no ato do usuário do serviço oferecido pegar a
marmita e receber logo em seguida a oração oferecida pelos integrantes da igreja. Além
disso, as conversas costumam girar em torno das dificuldades enfrentadas pelos sujeitos
no cotidiano, bem como sobre questões religiosas pertinentes à confissão religiosa
específica.
54 O público-alvo da ação caritativa da igreja varia entre usuários de drogas, moradores de
rua, trabalhadores noturnos da limpeza do município, artistas de rua, entre outros, que
muitas vezes ocupam pontualmente o lugar, naquele dia e horário específicos, com o
intuito de receber a marmita, dispensando, quase sempre, conversas e orações. Apesar da
aparente normatividade de grande parte das relações entre os religiosos e os grupos
sociais atendidos nas duas horas e meia de trabalho, podem ocorrer situações que fogem
ao script e aos códigos estabelecidos na relação entre os grupos, como por exemplo: a
presença de alguns sujeitos armados, outros portando drogas, ou ainda alguns sob o efeito
de drogas.
55 No processo inserção nesse espaço, foi possível perceber a presença de relações de maior
afinidade entre alguns sujeitos vistos como “degradados” e alguns religiosos da igreja
evangélica. Ambos compartilhavam momentos de lazer ao permitirem o manuseio de
instrumentos músicas por esses “outros”. Outra observação importante foi o
reconhecimento de alguns sujeitos de rua entre si que, em várias oportunidades, se
cumprimentavam e utilizavam códigos de uma linguagem compreensível somente aos
chegados daquele pedaço.
56 De uma forma geral, as atuações caritativas destes grupos não encontram repercussão
positiva entre todos os comerciantes da Rodô, pois na visão de alguns comerciantes, estes
grupos estariam antes dando condições materiais para os sujeitos vistos como
“degradados” permanecerem na mesma situação, do que de fato fazendo “um trabalho de
verdade”24.
57 Outro elemento que apuramos na pesquisa é a recorrente percepção daquilo que alguns
interlocutores qualificam como ineficiência e ausência de intervenções do Estado.
Segundo relato da proprietária e lojista Clarice:
[...] eu faço apelo como cidadã, como uma comerciante que sou, em o Ministério
Público olhar melhor por esta área, porque a gente chama polícia e pede para nos
ajudar, e eles diz: “ah... não tem como fazer nada porque esse povo é doente”. Se são
doentes, existe uma solução pros problemas deles, então o doente tem que estar no
hospital, numa clínica de internamento. E isso cabe à assistência social e ao
Ministério Público olhar melhor por esse pessoal e nos trazer mais segurança [...]
58 A presença mais ativa do poder estatal seria determinante, tanto para a solução do
“problema social” quanto para a fiscalização dos proprietários inadimplentes e/ou que
estão com suas salas fechadas segundo a visão dos comerciantes. Sobre o primeiro caso,
percebe-se que estes grupos sociais vistos como “degradados” passaram a ser questão de
segurança e ordem pública também em outras cidades do país. Além disso, a gestão
estatal sobre esses grupos se dá de maneira dicotômica, seja a partir de intervenções de
caráter mais humanitário como, por exemplo, através de ONGs ligadas aos direitos

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humanos, ou de práticas repressivas e higienistas dos órgãos policiais (Feltran, 2013). Já


no segundo caso, as relações entre Estado e empresariado, muitas vezes, acabam
confluindo para acordos que fogem ao estatuto democrático, causando prejuízos aos
grupos sociais mais vulneráveis envolvidos. No entanto, o ideal seria que o Estado
cumprisse seu papel de fiscalizar igualmente todos os grupos sociais, independentemente,
de suas influências econômicas e políticas, colaborando para a construção de relações de
poder menos hierárquicas em benefício da coletividade.

Considerações finais
59 As reflexões da antropologia acerca das transformações sociais do espaço urbano no
Brasil se consolidaram a partir de estudos realizados nas grandes metrópoles brasileiras
como São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, há diferentes escalas de cidades e diversas
possibilidades para qualificar o urbano. Ele não é esgotado inteiramente em sua dimensão
demográfica e não se resume à presença de uma infraestrutura habitacional, de
mobilidade, ou concentração de organizações políticas e instituições financeiras, bem
como um circuito de entretenimento, mas sim se caracteriza como um modo de gestão da
vida social no qual os sujeitos são incorporados (Wirth, 1973).
60 Logo, o estudo das relações sociais no meio urbano em Campo Grande-MS, uma cidade
caracterizada como de médio porte, comparada às metrópoles brasileiras, contribui para
a descentralização do olhar da antropologia urbana no Brasil, que vem se abrindo para
novos horizontes e repensando as fronteiras do seu próprio campo de estudo.
61 A configuração socioespacial da “Rodô” pode ser pensada como característica comum a
antigos centros urbanos brasileiros que acabaram sofrendo desvalorização imobiliária e
posteriormente foram ocupados de forma mais acentuada por sujeitos em situação de rua,
pessoas ligadas à prostituição, além de usuários de drogas, ou seja, se transformando, na
percepção do senso comum, em um lugar degradado.
62 Nestes cenários, emergem conflitos entre os diversos atores envolvidos na dinâmica do
lugar e também do bairro e/ou entorno, gerando disputas territoriais entre os distintos
grupos, gestões estatais e da sociedade civil, que se relacionam de variadas formas na
“Rodô”; logo cria-se nestes cenários uma sociabilidade pautada pela multiplicidade de
percepções e formas de intervenção dos atores em relação ao “problema social”.
63 A revitalização da Antiga Rodoviária apresenta-se como um tema antigo no centro
comercial. Pautada desde a saída do Terminal Rodoviário Interestadual, a transformação
da “Rodô” é o tema mais urgente do local, especialmente para os pequenos comerciantes,
que têm sido os mais afetados pela ausência de clientes ali.
64 A partir das entrevistas realizadas, entende-se que a revitalização é um processo, que é
pensado de diferentes formas pelos interlocutores, o que evidencia aspectos relacionados
à moralidade e aos interesses econômicos e políticos (Park, 1973). Apesar das diferenças
de perspectiva entre os sujeitos acerca da transformação do espaço, todos os
entrevistados apresentam pontos em comum, tais como: importância de “mudar a
imagem do lugar” e a necessidade de maior atuação do Poder Público na área.
65 Entretanto, as diferenças aparecem a partir dos meios para se alcançar essas mudanças.
Se por um lado, é destacado pela lojista Clarice a importância de mudar a visão de “prédio
cracolândia” e também da imediata atuação do Poder Público através da assistência social
associada à prática de internação dos usuários de drogas; por outro lado, o ativista Fred

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destaca a importância de “ressignificar” o espaço e a necessidade de maior engajamento


do Poder Público, em que a esfera política ainda não se mostrou interessada, a não ser em
termos de barganha no sentido de conseguir alguma vantagem em épocas eleitorais25.
66 Além disso, outro problema destacado, tanto pela gerente quanto por outros sujeitos, e
que tem representado um entrave para o processo de revitalização, é o referente às
dívidas dos proprietários inadimplentes em relação ao pagamento das taxas de
condomínio e IPTU, emperrando a realização de reformas significativas no espaço,
tornando-o precarizado.
67 Quanto ao “problema social”, este é um dos fatores-chave para se pensar esse processo.
No discurso de alguns comerciantes, a vinda do “progresso”, a ocupação do espaço e
aquecimento do comércio, solucionaria o “problema social”, já que com o “progresso” na
região, estes seriam “afugentados” e obrigados a sair do entorno. Para tanto, uma das
possibilidades levantadas por uma comerciante local, seria trazer instituições públicas
para ocupar o espaço que é da prefeitura, mas que não vem sendo utilizado por ela.
68 Outros interlocutores, no entanto, como a gerente, encaram os sujeitos vistos como
“degradados” como um problema não só do Poder Público como da sociedade em geral,
porém, ao mesmo tempo, entendem que a presença destes sujeitos no lugar só se dá em
razão da ausência de fluxo de consumidores, ou seja: o aquecimento comercial e a
ocupação por grupos “não degradados” resolveriam o problema.
69 Em contrapartida, Fred enxerga o centro comercial como um lugar potencial em tornar-
se alternativo, “uma espécie de galeria de arte”, trazendo pequenos comerciantes e
também possibilitando trabalhar com “economia criativa”; além disso, ele se mostra
contrário a uma ideia de transformar a “Rodô” em um shopping ou em um supermercado,
o que causaria um sensível impacto no entorno e acabaria higienizando o lugar, em vez de
um cuidado sério com a população usuária de drogas e com os moradores de rua.
70 Como nos conta Alberto Bastos, comerciante da região, “cada um tem seu processo de
revitalização”, e que, há pouco mais de um ano, houve algumas melhorias no interior do
prédio, mas que ainda não pode ser chamado de revitalização. Nessa trama que envolve a
“Rodô” e alguns dos seus diferentes personagens, a revitalização atualmente torna-se
uma incógnita, em que efetivamente podem ser vistas algumas reformas graduais no
condomínio, porém aparece como principal barreira a situação referente aos
proprietários inadimplentes, que se arrasta há anos, além do aparente pouco interesse do
poder público em intervir na região.
71 Diante desse contexto, não raro, hipóteses rondam o inconsciente coletivo dos
comerciantes e dos sujeitos que compõem a vida social da região. Uma delas é a possível
política de desvalorização imobiliária do lugar26, em que os proprietários inadimplentes se
aproveitariam da presença do “problema social” no intuito de criar um cenário favorável
para que uma grande empresa comprasse todas as salas a um preço irrisório e os
proprietários devedores quitassem suas dívidas; posteriormente, os sujeitos tidos como “
degradados” seriam retirados pela segurança privada , usando como justificativa o
discurso do medo da violência que supostamente esses sujeitos representariam, tornando
a “Rodô” um grande enclave fortificado27 (Caldeira, 2000), higienizando o entorno da
Antiga Rodoviária a partir do uso da repressão e também homogeneizando socialmente os
espaços comerciais e de sociabilidade para grupos sociais específicos.
72 Em contrapartida, é presente no discurso comercial a tentativa de inclusão indireta da
“Rodô” em projetos de revitalização do município, em que as ruas do entorno da Antiga

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Rodoviária passariam a ser mais iluminadas, além da criação de áreas de lazer centrais, de
caráter cultural, que promoveriam atividades noturnas a fim de arrefecer o comércio da
região de forma ininterrupta. O público-alvo são os consumidores do entorno,
especialmente os moradores do bairro e os clientes “não degradados”. Ou seja, apesar dos
diferentes olhares sobre o processo de transformação do lugar, tanto pela política de
desvalorização imobiliária quanto pelo arrefecimento comercial, o fim de ambos é a
revitalização, que passa objetivamente pela substituição das populações de rua por
moradores do bairro e clientes formais.
73 Logo, a questão dos possíveis destinos da Antiga Rodoviária se apresenta atualmente de
forma ainda incerta. No entanto, é possível perceber alguns pontos: a significativa
concentração de salas nas mãos de poucas pessoas tem sido fundamental para o entrave
no processo de melhoria do local; o desinteresse das autoridades públicas, que, por um
lado, não adotam políticas de higienização em termos de retirada efetiva do “problema
social” da “Rodô”, por outro, também não atuam no incentivo a políticas de assistência
mais efetivas para com estes sujeitos. Em consequência, a presença marcante da
população vista como “degradada” na Antiga Rodoviária vem cada vez mais tornando
visível essa situação. Seja nos meios de comunicação ou mesmo no contato diário de
trabalhadores, transeuntes e consumidores, o que se destaca é o “problema social”, muito
por conta da proximidade do lugar em relação ao centro comercial da cidade.
74 Neste sentido, para uma melhor compreensão antropológica sobre as relações sociais na
espacialidade da Antiga Rodoviária e em seu entorno, faz-se necessário o aprofundamento
da pesquisa etnográfica, abrindo campo para novas espacialidades, como novos bares da
região, praças e outros lugares de sociabilidade entre os sujeitos vistos como
“degradados” e outros grupos sociais, a fim de identificar a rede de relações estabelecida
no entorno entre essas populações, compreendendo os arranjos estabelecidos nos
diferentes contextos. Seguindo essa linha, caberia também uma análise dos usos dos
espaços pelos grupos sociais, procurando apreender com mais detalhes os sentidos
apresentados para os sujeitos a desvendar as lógicas que perpassam a ocupação dos
espaços tidos como “degradados”.
75 Por último, o debate acerca dos rumos que a cidade irá seguir, bem como as políticas
sociais adotadas pelo governo do município e/ou do estado podem acarretar mudanças e
impactos diretos sobre a Antiga Rodoviária e seus grupos sociais. A elaboração de políticas
públicas de saúde, por exemplo, especialmente as voltadas para populações em situação
de rua; ou iniciativas de planejamento urbano, entre outras, impactarão no crescimento e
no desenvolvimento de Campo Grande. É nítido que, para além da análise das relações
microssociais abarcadas nesse trabalho, um olhar voltado para uma antropologia da cidade 28
se faz necessário, pois possibilitaria a compreensão de fenômenos de maior escala que
envolvem a Antiga Rodoviária e seu entorno.

BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
1. Entrevista realizada no dia 02/08/2016 as 9h02, em que a interlocutora utiliza esse termo para
designar usuários, moradores de rua e a presença da prostituição.
2. Termo retirado do livro Sociedade de Esquina (2005), de Foote Whyte, que é definido pelo autor
como uma área urbana pobre de alta concentração de pessoas de baixa renda vivendo em
habitações dilapidadas, em péssimas condições sanitárias e de saúde. Neste trabalho, o termo é
ressignificado e aqui irá designar os diferentes tipos sociais que são vistos pelo imaginário da
redondeza e também por atores do próprio lugar, como sujeitos que tornam o espaço sujo,
precário e perigoso, personificados, basicamente, pelos usuários de drogas e moradores de rua
que circulam pelo prédio e pelas cercanias da Antiga Rodoviária.
3. Dados retirados do arquivo Unifolha, Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Uniderp.
2007. Campo Grande-MS: Edição 73.
4. Afirmação de um pequeno comerciante numa entrevista informal realizada no dia 26/07/2016
às 9h30.
5. Sentido utilizado para denotar lugares de passagem (Augé, 2012)
6. Informações da gerente do centro comercial, Cristina, em entrevista realizada no dia
02/08/2016 às 9h02.
7. Taniele Rui em Nas tramas do crack, a partir de Judith Butler (2003), utiliza a noção de abjeção
para referir-se àqueles sujeitos cuja vida não é legítima, em que se lançam percepções
controversas do ponto de vista moral e simbólico. No presente artigo, utilizo este conceito de
abjeção para designar os usuários de drogas e moradores de rua do entorno da Antiga Rodoviária.
8. Informações retiradas do jornal eletrônico Campo Grande News no dia 14/07/2014, para se
referir a um grupo de sujeitos também vistos como “degradados” na Antiga Rodoviária.
9. Fala da gerente em entrevista realizada no dia 02/08/2016 as 9h02.
10. Clarice é proprietária e comerciante do centro comercial da Antiga Rodoviária há mais de 18
anos.
11. Homi Bhabha (1998) em O Local da Cultura, representa os entre lugares. Na “Rodô” são os
espaços de vazio e conexão entre o lugar do sujeito visto como “degradado” e o do comércio.
12. Dados recebidos de Fred em entrevista realizada no dia 13/08/2016 às 10h15.
13. Relato da gerente Cristina, que nos conta que há casos em que os proprietários contraíram
dívidas que chegavam a 300 mil reais, além disso, segundo a mesma, há também aqueles que
deram o imóvel como garantia para bancos e terceiros.
14. Afirmação do ativista Fred.
15. Nome de identificação autoatribuída do pequeno comerciante em conversa informal realizada
no dia 26/07/2016 as 9h30.
16. Cristina é empresária do centro comercial da Antiga Rodoviária há mais de 24 anos e está há 2
anos como gerente do lugar.
17. Neste caso, “os outros” seriam os sujeitos não “degradados”: comerciantes, trabalhadores
formais, “cidadãos” etc, ou seja, aqueles que não compartilham do mesmo jeito de ser dos vistos
como “degradados”.
18. O texto foi escrito no ano de 2009 quando ainda estavam em funcionamento os terminais
rodoviários.
19. Informações do ativista Fred
20. Informações obtidas em entrevista semiestruturada realizada por e-mail com Fabrícia, que é
professora e voluntária em projetos sociais. Segundo Fabrícia, avião é uma espécie de atividade
que consiste em pegar a droga do traficante e levar até o comprador.

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21. Espaço de sociabilidade entre aqueles que pertencem a um determinado grupo social, que se
reconhecem e relacionam-se através dos seus códigos particulares (Magnani, 1996)
22. Além dos grupos religiosos, as vezes aparecem outros grupos de caráter humanitário, como
por exemplo, torcidas organizadas de times de futebol.
23. O nome da Igreja está posto de forma fictícia
24. Fala de uma interlocutora do centro comercial
25. Menção de Fred à uma figura política da cidade.
26. Hipótese citada por Alberto Bastos em entrevista realizada no dia 06/08/2016, às 9h40.
27. Segundo a definição de Caldeira, “trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados
para residência, consumo e lazer (Caldeira, 2000: 211)”.
28. Em contraposição à antropologia na cidade, que visa captar as variadas práticas dos atores
sociais no seu cotidiano a partir de um olhar de perto e de dentro; a antropologia da cidade procura
identificar fenômenos mais gerais do urbano, permanências mais abrangentes e duradouras que
vão para além das escolhas e arranjos individuais dos atores (Magnani, 2016)

RESUMOS
O presente artigo discute, a partir de um olhar etnográfico, as relações sociais estabelecidas entre
as populações vistas como “degradadas” da Antiga Rodoviária de Campo Grande-MS e outros
atores sociais da região. Para tanto, o enfoque foi dado à observação, à descrição e à análise das
relações entre esses sujeitos nos espaços comerciais e de interação. Desde as falas dos
interlocutores, bem como nas observações de campo, identificou-se a relevância da corporalidade
como um elemento constituidor de fronteiras. Além disso, foi possível detectar a pluralidade de
sentidos na ocupação do espaço, diferentes representações sobre o “problema social”, interesses
antagônicos e relações para além do conflito e segregação entre os grupos sociais. Por fim,
emergiram questões referentes à revitalização e à intervenção do poder público e privado no
lugar, que deixaram aparentes os múltiplos olhares sobre um projeto ideal de Antiga Rodoviária.

This paper discusses, through an ethnographic perspective, the social relations established
among the populations noticed as "degraded" in the Old Bus Station of Campo Grande-MS, as well
as other social actors of the region. To do so, the focus was on the observation, description and
analysis of the relations among these subjects in the commercial spaces. Not only in the
interlocutors' failures, but also in the field observations, it was possible to observe the relevance
of corporality as an element that constitutes borders. Besides, it was possible to detect the
plurality of meanings in the occupation of space, antagonistic interests and relations beyond
conflict and segregation. We perceive different representations about the local social problems,
from the notions of abjection, territoriality and stigmatization. Finally, issues regarding the
revitalization and intervention of the public and private power in place emerged, which left the
various perspectives on an ideal Old Bus Station project.

ÍNDICE
Keywords: stigma; abjection; revitalization; Campo Grande; Old Bus Station
Palavras-chave: estigma; abjeção; revitalização; Campo Grande; Antiga Rodoviária

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AUTORES
VLADIMIR EIJI KUREDA
Acadêmico do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

GUILHERME R. PASSAMANI
Doutor em Ciências Sociais (Unicamp). Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social (PPGAS) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

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