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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA

FACULDADE DE HISTÓRIA E BENS CULTURAIS DA IGREJA

Dissertação para o Doutorado


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ITALO SANTIROCCHI

Matricula: 152774

OS ULTRAMONTANOS NO BRASIL
E O REGALISMO DO SEGUNDO IMPÉRIO (1840-1889)

Diretores: Professor ALBERTO GUTIÉRREZ


Professor DILERMANDO RAMOS VIEIRA

Data de entrega: Março de 2010


Ano acadêmico: 2009-2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA

FACULDADE DE HISTÓRIA E BENS CULTURAIS DA IGREJA

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OS ULTRAMONTANOS NO BRASIL
E O REGALISMO DO SEGUNDO IMPÉRIO (1840-1889)

Dissertação de doutorado apresentada por


ITALO SANTIROCCHI

Sob a direção:
Professor ALBERTO GUTIÉRREZ
e
Professor DILERMANDO RAMOS VIEIRA

Roma 2010
Agradeço sobretudo a Deus!
DEDICO esta tese aos meus pais:
Francisco Santirocchi (1928-1997)
Wilma Vitória Domingos Santirocchi
Tudo o que consegui devo a vocês!

A três pessoas devo um agradecimento muito especial, pois, se terminei minhas


pesquisas e a dissertação foi pela ajuda que deles recebi, que Deus lhes pague:
Giovanni Santirocchi (1932 -1999)
Padre Mario Santirocchi S.M.
Corrado Sportoloni
Gostaria de agradecer aos meus irmãos Gasparfranco Domingos Santirocchi e
Francisco Santirocchi Júnior, e a todos meus FAMILIARES, PARENTES e AMIGOS,
em especial:
Carolina Perpetuo Corrêa
Prof. Francisco Luiz Teixeira Vinhosa
Prof. Marcus Caetano Domingos
Prof. Pablo Oliveira Lima
Prof.ª Virginia Maria Trindade Valadares
pelas correções, conselhos e discussões.
Agradeço a todos os funcionários e empregados das seguintes instituições: Arquivo
Secreto Vaticano, Arquivo Público Mineiro, Biblioteca da Pontifícia Universidade
Gregoriana, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca da Pontifícia
Universidade Urbaniana, Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Belo
Horizonte, Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG,
Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa de
Barbacena.
Sou profundamente grato à PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA pela
qualidade da formação acadêmica oferecida e pela bolsa de estudo que me foi
concedida.
Agradeço a TODOS OS MEUS PROFESSORES da FACULDADE DE HISTÓRIA
E BENS CULTURAIS DA IGREJA, em especial ao Diretor de Tese:
Alberto Gutierrez S.J.,
que antes de retornar a sua pátria me deixou sob a co-direção de:
Dilermando Ramos Vieira O.S.M.,
A este último tenho muito que agradecer, principalmente pela profissionalidade,
dedicação, paciência e compreensão que teve comigo por toda a durada destes anos de
pesquisa e redação.
Muito obrigado a TODOS!
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a ação dos católicos


reformadores de orientação ultramontana durante o Segundo Império
(1840-89) e o conseqüente conflito com o regalismo do Estado brasileiro.
Será examinada a ação dos seus principais protagonistas, a começar dos
bispos precursores do ultramontanismo no Brasil: D. fr. José da Santíssima
Trindade e D. Romualdo de Seixas, bem como a primeira geração de
prelados integralmente ultramontana, na qual se destacaram nomes como
D. Antônio Ferreira Viçoso e D. Antônio Joaquim de Mello, e também a
segunda geração de bispos da nova escola, entre os quais D. Antônio de
Macedo Costa, D. Vital de Oliveira e D. Antônio Maria de Lacerda.
As datas limites da pesquisa foram escolhidas pela importância dos
acontecimentos históricos tanto laicos como religiosos. No ano 1840 subiu
ao trono D. Pedro II, iniciando o período conhecido como Segundo
Império, e quatro anos depois D. Antônio Ferreira Viçoso seria sagrado
bispo de Mariana (Minas Gerais), viabilizando uma sistemática reforma na
sua diocese que influenciaria todo o Brasil. A data final da pesquisa
coincide com a queda do Segundo Império e a Proclamação da República
em 1889.
O fim do regime monárquico marcou também o fim do regalismo e do
padroado, com a conseqüente separação entre a Igreja e o Estado,
permitindo uma reorganização e um desenvolvimento livre da Igreja
Católica no Brasil. O processo de reforma eclesial não terminou com o
advento da República, ao contrario, se intensificou; porém, o regalismo,
que é o tema desta pesquisa, foi definitivamente eliminado.
O assunto extrapola os limites de um estudo estritamente eclesiástico,
porque também aborda os eventos políticos mais relevantes do Estado leigo
em suas relações com a Igreja Católica, principalmente com sua hierarquia.
Essa perspectiva se baseia no exame prévio dos motivos que levaram o
Segundo Império a favorecer o ultramontanismo, bem como as
conseqüências (não desejadas) de tal escolha para o Trono, que redundaram
na Questão Religiosa. Outro desdobramento da conjuntura então criada foi
6 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

a inusitada tranqüilidade com que o clero viria a aceitar a implantação da


República laica.
A historiografia brasileira, nos séculos XIX e XX, não deu a devida
atenção ao conjunto dos conflitos que existiram entre a Igreja e o Estado no
decorrer do Segundo Império, preferindo concentrar sua atenção num fato
clamoroso: a já mencionada «Questão Religiosa», cujos momentos mais
agudos ocorreram entre 1872 e 1875. Tenha-se presente que muitas das
obras a respeito são mais documentários que estudos históricos, por terem
sido compostas ou por reproduzirem o pensamento dos principais
envolvidos na querela. Por outro lado, certos trabalhos reduzem a Questão
a um mero conflito entre alguns bispos zelosos e os maçons que estavam no
Governo; o que, porém, não elimina o mérito daqueles que, com pertinácia,
buscam deveras avaliar o acontecido na sua complexidade. Ou seja, estes
últimos procuram analisar as motivações profundas de tal conflito, de modo
particular no tocante às delicadas relações havidas entre o Trono e o Altar
no Brasil, instituições diversas, mas associadas pela Constituição imperial.
Essa controvertida união pretendia que o poder espiritual restasse de
competência do clero (permitindo porém intervenções estatais) e o poder
secular fosse conduzido pelas instituições políticas vigentes e pela pessoa
mesma do Imperador, sem contudo encontrar pontos de consenso entre
ambas. O resultado foi a institucionalização de um restritivo regalismo, que
acabaria por se tornar uma das notas dominantes do período monárquico.
Portanto, esta tese não se propõe a estudar a Questão Religiosa
isoladamente, mas sim Os ultramontanos no Brasil e o Regalismo do
Segundo Império, com o objetivo de fornecer uma panorâmica mais ampla
das mudanças acontecidas, dentro das quais também será analisada a
mesma questão. Para realizar tal objetivo, o primeiro capítulo abordará os
pressupostos históricos do regalismo Imperial brasileiro, fornecendo as
bases teóricas e os conceitos para a compreensão do desenvolvimento dos
acontecimentos citados, bem como as interpretações a respeito, que em
diversos modos serão utilizadas no decorrer dos demais capítulos. Partindo
da instauração das Ordens Religiosas Militares e do padroado em Portugal,
será apresentada, em forma resumida, a evolução do regalismo dos
Bragança, família real portuguesa. Neste processo se analisará alguns
aspectos do período ápice do regalismo português, representado pelo
Marquês de Pombal, e a sua influência sobre as gerações posteriores de
políticos, magistrados e clérigos.
O capítulo se desenvolve expondo uma visão geral das duas primeiras
décadas do Brasil independente, abrangendo o Primeiro Império e o
Período Regencial, no qual se analisa os fundamentos legislativos do
INTRODUÇÃO 7

regalismo e seu desenvolvimento no decorrer do regime imperial brasileiro.


Serão apresentadas no final do primeiro capítulo as tentativas autocefalistas
do liberalismo eclesiástico lideradas pelo pe. Diogo Feijó e a reação dos
primeiros ultramontanos. O capítulo se encerra com uma analise da
problemática da manutenção da hierarquia eclesiástica, ao lado de outras
questões como a absorção dos dízimos pelo Estado e o envolvimento do
clero nas eleições. Isso acontecia, em grande parte, devido à vistosa
participação de clérigos no processo de independência, ao que se associou a
necessidade que teve o Estado, nos seus primeiros anos, de apoiar-se no
aparato burocrático eclesiástico. Tal absorção se estendeu à legislação
eleitoral, que acabou por subordinar as paróquias e os párocos à mecânica
dos pleitos.
O segundo capítulo se propõe a demonstrar como o ambiente político e
social do final do Período Regencial e do início do Segundo Império
influíram de maneira decisiva na ascensão do ultramontanismo no Brasil.
Por meio de uma sintética analise dos principais grupos de influência sobre
as decisões políticas do Estado Imperial e de seu desenvolvimento,
procura-se explicitar os motivos que levaram o Governo a privilegiar os
ultramontanos para ocuparem as cadeiras episcopais. Neste sentido, é
analisado com particular atenção o envolvimento do clero nos movimentos
revolucionários das províncias e na política partidária, situação esta que
provocou, por motivos distintos, a reação do Estado e do episcopado
ultramontano. O capítulo se encerra tentando demonstrar como os germes
do conflito entre o Governo e os ultramontanos já eram latentes desde as
duas primeiras décadas do Segundo Império, com a Igreja que buscava
maior autonomia nas suas ações e o Estado que procurava enquadrá-la e
submetê-la, no ensejo de transformá-la quase num ramo da administração
pública, ao mesmo tempo em que lhe retirava as suas subvenções.
O terceiro capítulo se inicia com a analise teórico-conceitual da
terminologia utilizada ou descartada neste trabalho, tais como
«ultramontanismo», «romanização» e «reforma». Logo depois são
apresentados os pioneiros do ultramontanismo no Brasil, a ação e a herança
dos precursores D. Antônio Ferreira Viçoso e D. Antônio Joaquim de
Mello, os principais personagens do ultramontanismo no episcopado e
entre os leigos. Este capítulo se encerra com uma visão geral do importante
papel dos regulares reformadores em favor do ultramontanismo no Brasil.
Num estudo sobre o ultramontanismo e o regalismo vigente na
monarquia brasileira, não poderia faltar uma análise das relações entre os
dois centros envolvidos: a Santa Sé e o Governo Imperial. Recorda-se que,
considerável parte da pesquisa histórica sobre a reforma eclesial no Brasil,
8 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

com demasiada freqüência, induz a crer que os bispos que a promoveram


apenas executavam ordens e instruções vindas da Cúria Romana. Então no
quarto capítulo, baseando-se principalmente, mas não exclusivamente, nos
documentos enviados pela Santa Sé aos representantes pontifícios
designados para Nunciatura do Rio de Janeiro e vice versa, buscar-se-á
individuar quais foram efetivamente os desejos e expectativas da Santa Sé,
não só em relação ao episcopado e ao clero, mas também, em relação ao
Estado Imperial e à população católica. Através deste prisma serão
abordadas questões e conflitos entre a Igreja e o Estado no Segundo
Império, tais como: as relações entre os Representantes Pontifícios e o
sistema político vigente, a instituição de novas dioceses, as ordens
regulares e seus bens, a questão matrimonial, a reforma do clero e o
estratégico papel do episcopado nessa reforma. Tal analise permitirá
perceber as ações autênticas dos bispos e aquelas que provinham de Roma.
O último capítulo, baseando-se naqueles precedentes e fechando a
argumentação deste estudo, apresentará o progressivo distanciamento entre
o Império e a Igreja, tanto à nível do clero e dos fieis, quanto à nível da
própria Santa Sé. Partindo da tentativa de se celebrar uma Concordata na
década de 1850, cujo fracasso deixou claro os pontos inconciliáveis entre a
Igreja e o Estado no Brasil imperial, será apresentada a evolução dos
desentendimentos que, gradualmente, transformará a inicial divergência de
princípios num conflito aberto. Este processo passa por três questões
chaves: 1 – as tentativas do Governo de interferir nos Seminários e a reação
do episcopado e da Santa Sé; 2 – a Questão Religiosa; e 3 – a
implementação da reforma anti-maçônica das irmandades e confrarias após
a anistia dos bispos encarcerados durante a Questão Religiosa. A referida
questão será aqui apresentada dentro de um processo que a antecede e a
supera, permitindo uma avaliação mais abrangente do seu papel, da sua
importância e da sua influência, tanto para a reforma católica quanto para o
futuro do sistema político vigente.
Nesta ótica, a Questão Religiosa pode ser vista como o momento mais
dramático e espetacular do processo que redundou num efetivo
distanciamento entre a Igreja e o Estado, permitindo que ocorresse algo
raro no catolicismo «ortodoxo» do século XIX: que grande parte do
episcopado, do clero e do laicato fiel aceitasse com inusitada serenidade, ou
mesmo buscasse, a instituição do Estado leigo e a separação entre os
poderes espiritual e civil, assistindo de forma indiferente à queda da
monarquia. De fato, o advento da República e a sucessiva laicização do
Estado pôs fim ao regalismo e permitiu o livre desenvolvimento da Igreja.
INTRODUÇÃO 9

Utilizando o método indutivo, a pesquisa das fontes teve como


referência, principalmente, o Arquivo Secreto Vaticano (Vaticano), o
Arquivo dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários (Vaticano), o Arquivo
Público Mineiro (Belo Horizonte) e a Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro).
Foram também analisados muitos dos discursos proferidos na Câmara dos
Deputados e no Senado, bem como as mensagens enviadas pelos Papas aos
bispos brasileiros, mais os breves, as encíclicas e as constituições cujo
conteúdo estavam relacionados com o argumento desta pesquisa. Os jornais
e revistas de época, por sua vez, foram pesquisados somente em alguns
pontos chaves deste período histórico, mas não representaram uma base
documental para este estudo, não por serem menos importantes, mas pela
própria impostação inicial da presente pesquisa. Um trabalho de fôlego
sobre a história eclesiástica durante o Império, tendo como principais
fontes os jornais, periódicos e revistas ainda não existe e seria de
fundamental interesse para a história da Igreja no Brasil.
A pesquisa arquivística foi aliada a um estudo mirado da bibliografia
disponível sobre a Igreja no Brasil do Segundo Império e do século XIX
em geral. Em relação a alguns argumentos que não pertenciam diretamente
ao tema, mas que eram fundamentais para a sua compreensão, buscou-se
apoio nos dados e as argumentações apresentadas em estudos reconhecidos
e consolidados tanto na historiografia leiga quanto naquela eclesiástica.
Em suma, a presente dissertação ambiciona apresentar um quadro geral a
respeito do tema proposto, consciente que ulteriores pesquisas sobre os
personagens e os momentos particulares que aborda, o enriquecerão com
novos dados. Ou seja, os estudos específicos que virão poderão propiciar
novos esclarecimentos e também críticas, que juntos permitirão avanços
outros para o conhecimento histórico das relações entre a Igreja e o Estado
no Brasil Imperial, ainda carente da devida atenção.
CAPÍTULO I

PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS

A história do Brasil seguiu um percurso diverso daquele dos países


hispânicos, porque, enquanto estes adotaram a forma republicana de
governo após a independência, a «América Portuguesa» se converteu num
Império, governado pela dinastia dos Bragança por 67 anos. Essa
continuidade dinástica com a ex-metrópole manteve, no Brasil, uma
pequena elite de magistrados homogênea e bem treinada na burocracia
estatal, pronta a assumir a direção do novo Estado, além de conservar a
tradição do intervencionismo regalista do poder secular no âmbito
eclesiástico, que prevaleceu, com algumas inovações, por todo o período
monárquico (1822-1889)1.
Tal política possuía longínquos precedentes históricos. Recorda-se que o
Catolicismo foi um elemento constitutivo tanto da nacionalidade lusa
quanto da brasileira, pois o Reino português surgiu e se desenvolveu nas
lutas pela expulsão dos mouros da Península Ibérica, principalmente a
partir do século X, sendo a fé cristã um dos elementos plasmadores da sua
identidade cultural. Daí aquele sentimento do ser católico como elemento
essencial do ser português, o que, por extensão, também se tornou uma
característica do Estado. A propósito, no Estado confessional, a religião era
o centro aglutinador da sociedade; mas, as ingerências recíprocas entre os
poderes espiritual e secular criavam delicados conflitos de competência2. A
—————————–
1
Para alguns autores a independência brasileira não provocou ruptura com o
pensamento da ex-Metrópole. Citam, entre outros exemplos, o caso das primeiras
academias jurídicas fundadas no país em 1827 – São Paulo e Olinda – que, sem uma
tradição própria, reproduziram os hábitos e as idéias de Coimbra, o que equivaleu a
aceitar passivamente a legislação regalista forjada em Portugal. Sílvio Meira, ao abordar
o assunto, não hesita em dizer que, mesmo depois da sua emancipação, o Brasil era «um
prolongamento peninsular em terras do Novo Mundo. Uma extensão de Portugal» [S.
MEIRA, Teixeira de Freitas, o jurisconsulto do Império, 47.53].
2
T. AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 107.
12 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

situação ganhou contornos imprevistos a partir do século XVIII, quando a


Coroa portuguesa embebida de autoritarismo absolutista e de idéias
iluministas importadas, usou a legislação vigente para cercear a atividade
eclesial. Isso também foi particularmente sentido no Brasil independente3.
Thales de Azevedo, em seu livro Igreja e Estado em tensão e crise,
procurou demonstrar que para viver como súdito e ter todos os direitos em
Portugal, era necessário ser católico e que a importância do Catolicismo na
formação da idéia de «ser português» foi transferida para a sua colônia
americana. Segundo o autor, o Brasil se formou «sem uma confessada
preocupação com diversidades de raça ou de nacionalidade», pois foi
colonizado sob o mesmo princípio de unidade religiosa herdado pela
tradição cultural portuguesa. Nesse contexto, somente os católicos tinham
livre acesso à Colônia, podiam receber sesmarias e ocupar cargos públicos,
sobretudo durante a dominação espanhola da Metrópole (1580-1640). Não
importava ser estrangeiro, contanto que fosse cristão, ou mesmo cristão-
novo. Os métodos de coerção externa eram então normalmente utilizados, e
também a Igreja deles se serviu «para fazer cumprir os mandamentos e para
regular a vida moral pública», enquanto as excomunhões significavam
praticamente «uma perda de cidadania». Na sua argumentação, contudo, o
autor dá a impressão de que os dois lados, Estado e Igreja, eram movidos
apenas por interesses escusos e que se ajudavam num sistema de
cumplicidade. Assim fazendo, deixa de dar o justo peso à complexidade
histórica do período, no qual ainda não se concebia uma forma de governo
que não fosse religiosa4.
A fé permeava profundamente o modelo social de então e, ainda que isso
gerasse delicadas ingerências recíprocas entre os poderes temporais e
seculares, via de regra não se discutia o fato do Estado ser legitimado
religiosamente e da religião se apoiar no braço secular para as obras que
desenvolvia e para a expansão cristã5. Vale dizer: a união entre Igreja e
—————————–
3
Um dos pontos altos da ingerência regalista no Brasil aconteceu durante o período
regencial. Trindade chegou a afirmar que, «nunca se abusou tanto do Ius Patronatus, no
Brasil, como na época da Regência» [R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I,
357].
4
T. AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 107-108.
5
As duas primeiras estrofes do canto primeiro de Os Lusíadas, epopéia composta por
Luís Vaz de Camões (c.1524-1580) e publicada em 1572, ilustram bem a mentalidade
portuguesa nos inícios da expansão do seu país: 1- As armas e os barões assinalados,/
Que da ocidental praia Lusitana,/ Por mares nunca de antes navegados,/ Passaram ainda
além da Tropebana,/ Em perigos e guerras esforçados,/ Mais do que prometia a força
humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram;/2 -E
também as memórias gloriosas/ Daqueles Reis, que foram dilatando/ A Fé, o Império, e
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 13

Estado, entre poder temporal e espiritual, entre civil e eclesiástico,


propiciou uma convivência de colaboração, mútua legitimação, mas
também conflitos de poderes e de jurisdição, usurpações e abusos tanto de
uma quanto de outra parte. Era, portanto, uma relação complexa de
convivência, mas por todos considerada legítima. A perspectiva de
mudança nesse sistema começou a ser sentida em meados do século XVII,
quando o poder político, até então exercido em complementaridade com o
espiritual, assumiu gradualmente uma forma absolutista. A partir daí, o
Estado passou a desejar o «enquadramento» da Igreja ao seu interno,
arrogando-se direitos sobre a instituição eclesiástica, em detrimento da
autoridade do Romano Pontífice. Foi esse processo que levou o padroado a
transformar-se, com o tempo, em regalismo6, sistema pelo qual, as
concessões recebidas pelos reis para a manutenção da fé foram, muitas
vezes, ampliadas e modificadas arbitrariamente pelo Estado, tanto em
Portugal quanto noutras nações católicas, no intuito de dominar e
manipular a Igreja de acordo com os interesses do Trono. Isto ocorreu em
grande parte devido à impotência da Santa Sé, que a partir da idade
moderna teve cada vez menos capacidade de interferir na política secular.
No caso brasileiro, tal situação chegou ao extremo no século XIX, a ponto
de Thales de Azevedo, no seu livro A Religião Civil Brasileira um
Instrumento Político, defender a tese de que a religião católica tinha quase
se transformado em uma «religião civil», devido aos abusos e invasões do
Estado imperial7.
Tristão de Ataíde, em um artigo publicado em 1942, dividiu a história da
Igreja no Brasil, do ponto de vista de sua relação com o Estado, em três
períodos: de 1500 a 1759 (da descoberta à expulsão dos jesuítas do Reino
de Portugal), etapa que ele chamou inicial, na qual prevaleceu a Catequese;
de 1759 a 1873 (da expulsão dos jesuítas à Questão Religiosa), período
qualificado como central, onde predominava o Regalismo; e de 1873 até
1942 (data de publicação do artigo), denominado período atual, em que
vigorava a independência. No primeiro período, foi «o espírito de Trento
que dominou [...] Espírito de reação. Espírito da Contra-Reforma. Espírito
de rigorismo. Espírito de luta contra a desagregação da cristandade que já

as terras viciosas/ De África e de Ásia andaram devastando;/ E aqueles, que por obras
valerosa/ Se vão da lei da morte libertando;/ Cantado espalharei por toda parte,/ Se a
tanto me ajudar o engenho e arte. [L. V. CAMÕES, Os Lusíadas, I, 3].
6
O abuso dos direitos de padroado e a invasão do poder secular em esferas
consideradas de jurisdição espiritual, que tanto qualificaram o regalismo, serão
analisados ainda neste capitulo [ndr.].
7
T. AZEVEDO, A religião civil brasileira, 43.
14 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

então se iniciava. Espírito de aliança com o Poder político»8. A segunda


fase, ou fase central, distinguiu-se tanto pela marca popular, festiva e
mundana da religiosidade, quanto pela acentuação do domínio do braço
secular sobre a Igreja. Por iniciativa do Marquês de Pombal, Sebastião José
de Carvalho e Melo (1699-1782)9, ao influxo do iluminismo ascendente na
Europa, a hierarquia católica e o clero passaram a ser tratados mais
abertamente como servidores públicos e instrumentos da administração do
Estado, e o Catolicismo tornou-se, para muitos efeitos, a «religião civil»
utilizada pela Metrópole, e depois de 1824, pelo Império, para legitimar-
se10.
O terceiro período teve início em 1872, data em que eclodiu a chamada
«Questão Religiosa»11. O episcopado, já então majoritariamente
—————————–
8
T. ATAÍDE, , «Nota sobre a Evolução Religiosa no Brasil», em A Manhã, ano II, n°.
308 de 9 de agosto de 1942.
9
Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (1699-
1782), foi um político português oriundo de família modesta. Por influência do Cardeal
D. João da Mota e Silva (1685-1747), primeiro-ministro de D. João V, ele foi enviado
como embaixador a Londres e Viena. Nesta última contraiu segundas núpcias (era
viúvo) com D. Leonor Daun, pertencente à nobreza austríaca, o que o aproximou do
círculo da Corte, pois a Rainha D. Mariana, esposa de D. João V, também era natural da
Áustria e logo fez amizade com a conterrânea. Ao morrer D. João V em 1750, ascendeu
ao trono D. José I, sob o qual Sebastião Carvalho e Melo recebeu a nomeação de
secretário de Estado, quando já contava com 50 anos de idade. Desde logo conquistou a
inteira confiança do rei, que lhe concedeu os títulos de Conde de Oeiras e Marquês de
Pombal. Graças à sua forte personalidade, Pombal praticamente anulou a ação dos
demais secretários de Estado e passou a governar despoticamente Portugal e seus
domínios. Reformou a administração, a economia, o ensino, sem medir meios para
atingir os objetivos a que se propôs. Também implementou o mais ferrenho regalismo,
na tentativa de instrumentalizar a Igreja em Portugal [NDHB, 477-479].
10
T. AZEVEDO, A religião civil brasileira, 44.
11
A Questão Religiosa teve início em 1872, quando o pe. José Luís de Almeida
Martins discursou na comemoração da Lei do Ventre Livre, organizada pela loja
Maçônica Grande Oriente do Lavradio, em homenagem ao Visconde do Rio Branco,
grão-mestre maçom e Presidente do Conselho de Ministros do Império. Tal padre foi,
então, suspenso das funções do púlpito e do confessionário pelo bispo D. Pedro Maria
de Lacerda. A reação maçônica e a polêmica que daí nasceu, levaram à publicação de
listas onde constavam os nomes dos membros das «grande lojas» em algumas
localidades, como foi o caso de Pernambuco e Pará. Os respectivos bispos destas
dioceses, por primeiro D. Vital de Pernambuco, cumprindo as decisões pontifícias que
condenavam a maçonaria, requereram que as irmandades retirassem do seu grêmio os
membros que pertenciam a dita sociedade secreta. Uma dessas irmandades, a do
Santíssimo Sacramento em Pernambuco, não cumpriu a ordem do prelado e foi
suspensa naquilo que se referia a suas funções religiosas. O mesmo fez o bispo do Pará,
D. Macedo Costa, com algumas irmandades da sua diocese que também desobedeceram
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 15

ultramontano12, desafiou o regalismo institucional, passando a exigir das


autoridades do Império, de um modo mais incisivo, respeito pelas próprias
prerrogativas. Nessa nova fase, os conflitos latentes ganharam conotação
pública, desnudando todas as contradições da união do Trono e do Altar no
Brasil. No decorrer da contenda, pela primeira vez, a separação passou a
ser percebida por certos católicos cultos como um recurso extremo e isso
explica a relativa tranqüilidade com que o Estado secular foi aceito após a
proclamação da República em 1889. Para Thales de Azevedo, a religião
católica no Brasil, durante a vigência do regalismo, ficou quase reduzida a
um departamento da administração civil, tanto no período da administração
pombalina quanto após a independência. O autor, no entanto, se excede ao
reduzir a Igreja a uma serva fiel do poder constituído13.
As evidências não confirmam tal parecer: vários foram os bispos que
resistiram ao poder estatal e maior ainda foi o número de clérigos
envolvidos em revoltas e sedições acontecidas nos dois períodos, como foi
o caso da Inconfidência Mineira, apenas para citar um dos exemplos mais
célebres. É certo, contudo, que a Coroa portuguesa exerceu deveras uma
notável ingerência no âmbito eclesiástico. Tal política foi aplicada,
sobretudo, durante o reinado de D. José I (1714-1777), período em que o
próprio Santo Ofício foi submetido às regras estritas estabelecidas no
Regimento da Mesa Censora. Isso, naturalmente, sob o bem articulado
pretexto de que as ditas regras eram recomendadas em leis minudentes e
rigoristas a modo de não deixar brecha a qualquer principio oposto à
ortodoxia e «à sã Moral Política, às obrigações civis dos cidadãos e à
prática das virtudes sociais e patrióticas» ou a «princípios funestos ou à
segurança ou à sua tranqüilidade, ou a sua geral economia»14.
Por meio do padroado e dos sucessivos privilégios papais recebidos, o
Estado português manobrava várias instituições católicas, cuidando para
que os clérigos que fossem apresentados à Santa Sé para ocuparem

à sua determinação. As confrarias penalizadas, inconformadas com a decisão,


apresentaram um «recurso à Coroa», que foi acatado. Os bispos receberam ordem de
levantar as penas eclesiásticas, mas estes mantiveram suas posições. Disso resultou que
foram formalmente acusados, presos e condenados pelo Supremo Tribunal do Estado
por desobediência, com pena de 4 anos de prisão com trabalhos forçados. A sentença foi
comutada em prisão simples pelo Imperador que em seguida os anistiou em 1875,
devido às pressões do Presidente dos Ministros, o Duque de Olinda [NDHB, 495-496].
12
Aqueles eclesiásticos, ou não, que eram alinhados com as diretrizes da Santa Sé,
defendendo sua autoridade em campo eclesiástico. Este termo será melhor analisado
posteriormente [ndr.].
13
T. AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 45-46.
14
T. AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 45-46.
16 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

posições-chave no episcopado, no Santo Ofício, na Mesa Censória, na


Mesa de Consciência e Ordem, e outros órgãos eclesiásticos, fossem
afinados com a sua política15.
No Brasil, o regalismo lusitano não sofreu ruptura após a emancipação,
levando certos setores da classe política e da imprensa, sem maior
constrangimento, a se declararem ao mesmo tempo católicos e combatentes
da «ingerência» da Santa Sé na vida eclesial do país, criando uma distinção
entre o catolicismo brasileiro e o catolicismo universal. Este fenômeno foi
interpretado das mais diversas formas. Particularmente interessante é a
análise desenvolvida por Agustín Wernet na obra A Igreja Paulista no
Século XIX. Ele subdivide a realidade católica no Brasil em três categorias
históricas: O Catolicismo tradicional, o Catolicismo Iluminista e o
Catolicismo Ultramontano. As duas primeiras categorias se referem à
realidade da colônia e das primeiras décadas da independência e serão
analisadas neste primeiro capítulo; enquanto a terceira, que teve seu
epicentro no Segundo Império, será vista mais adiante16.
Segundo Agustín Wernet, o Catolicismo Tradicional era
fundamentalmente de tradição luso-brasileira, nascido e desenvolvido junto
com a colonização do território. O seu caráter era essencialmente medieval,
leigo, social e familiar. Leigo devido à destacada presença dos leigos nos
organismos eclesiásticos, na direção e na organização das associações
religiosas mais importantes: as irmandades ou confrarias; medieval porque
o poder político e o religioso se confundiam e se entrelaçavam, sendo que a
supremacia podia pertencer ao religioso ou ao político, como no Brasil.
Nesse caso, o poder político era exercido em nome da religião. Os
monarcas portugueses, e também os brasileiros, foram praticamente os
chefes da Igreja, e não o Papa, «figura muitas vezes obscurecida, cuja
atuação era muito distante». Assim, graças ao padroado, existia em
Portugal e nas suas colônias um forte predomínio do Estado sobre a
Igreja17.
Uma das expressões mais fortes do caráter leigo e secular do Catolicismo
de então foram as confrarias, as irmandades e as Ordens Terceiras. Eram
corporações de leigos consideradas «mistas» por envolverem tanto o poder
espiritual quanto o temporal e reconhecerem a «inspeção externa» por parte
do poder secular. Elas incentivavam a devoção aos santos patronos com
fins beneficentes para os confrades. Agustín Wernet explica que os
«confrades elegiam uma diretoria – a Mesa Provedora –, que tinha o poder
—————————–
15
T. AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 103.
16
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 17-18.
17
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 17-18.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 17

de deliberar e decidir sobre todos os negócios da confraria, tendo o capelão


exclusivamente atribuições religiosas, podendo, inclusive, o seu contrato
ser renovado ou não». Até mesmo o ordenado do capelão era fixado pela
«Mesa». Eram consideradas, entre outras atribuições do clérigo: rezar
missas, distribuir os sacramentos, dar as bênçãos, visitar os doentes,
«encomendar os corpos», confessar os irmãos e fiscalizar a decência do
culto. Essas confrarias também funcionavam como associações de estratos
sociais, de classes e de etnias (sendo divididas em irmandades de brancos,
negros e pardos), ajudando a amortecer os conflitos e violências oriundas
da sociedade escravocrata18.
Tratava-se, contudo, de uma religiosidade demasiado apegada ao culto
exterior, com pouca exigência moral. No Catolicismo tradicional, sacro e
profano se mesclavam, sendo os oratórios familiares e as capelas
construídas nas redondezas da casa-grande, manifestações da função
integradora da religião na sociedade. Mas não era só isso, pois a instrução
religiosa das crianças e dos jovens acontecia mais no interior das famílias
que no ambiente das paróquias. As construções de igrejas e capelas muitas
vezes também dependiam das iniciativas dos leigos, chefes de famílias ou
de grandes proprietários de terra. O Catolicismo tradicional teve notável
relevância na sociedade de então, sobretudo no tocante à pompa das suas
celebrações; mas, não primava pela observância doutrinária dos cânones
romanos. Agustín Wernet conclui sua argumentação a respeito, fazendo a
seguinte constatação:
[O Catolicismo tradicional] se ajustava perfeitamente à sociedade colonial, na
qual a grande propriedade se constituía em centro de vida, ponto de
convergência, unidade de produção [...] As procissões, novenas e festas,
dominadas pelo culto externo, pela pompa das cerimônias, pela retórica dos
sermões, deram um caráter de vivencia a religião, mais do que a liturgia
oficial, à qual se assistia apenas como um espetáculo19.
Outra vertente era o chamado Catolicismo iluminista. As idéias das
«luzes» se propagaram por toda a Europa sem poupar Portugal e sua
colônia brasileira. Isso aconteceu, sobretudo, durante o período em que o
Marquês de Pombal dirigiu os destinos do Reino português. Os iluministas,
com suas teorias racionalistas e empiristas, de diferentes modos começaram
a marcar a vida pública lusitana, trazendo consigo idéias que abalaram a
religiosidade católica consolidada. Uma delas era o deísmo. Segundo a
concepção de certos deístas, Deus se reduzia ao personagem que dera o
—————————–
18
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 22-23.
19
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 24-25.
18 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

impulso que pôs o universo em movimento. Outros defendiam que a


religião devia ficar dentro dos limites da razão, ou ainda, se tornar uma
religião moral, nos moldes de Kant, valorizando a tarefa terrestre20.
Nesse contexto, os padres deveriam ser somente moralizadores,
educadores e professores do povo, ou mais exatamente, instrutores e
exemplos de conduta moral. Desse modo, o iluminismo colaborou para a
laicização da cultura religiosa e clerical, uma vez que os clérigos que de
algum modo aderiam aos seus postulados filosóficos pouca distinção
faziam nas atitudes e na vida dos seus concidadãos leigos. E não é só.
Juntamente com a introdução do espírito das «luzes» na cultura portuguesa,
penetraram também doutrinas e práticas jansenistas e regalistas21. A
—————————–
20
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 26-30.
21
Jansenismo – Doutrina cujo nome deriva de Cornelis Jansen, dito Cornelius
Jansenius (Acquoy, Holanda 1563 – Ypres 1638), bispo de Ypres, na província belga de
Flandres, e de seus discípulos. O jansenismo surgiu dos conflitos sobre a graça,
ganhando notoriedade no século XVII. O Concílio de Trento estabeleceu que o homem,
com suas boas obras, colabora com a graça para sua salvação; deste modo, mesmo que
seja a própria graça a salvar o homem, ele não é um ente passivo. No entanto, se a
tendência geral do Concílio foi o de colocar em destaque a graça divina, não determinou
«como» se dava à interação entre a graça e a liberdade humana. Além do mais, não deu
pareceres concretos sobre a questão se a graça opera infalivelmente (e em qual modo) e,
sendo assim, como se poderia explicar a contribuição da liberdade humana. Daí
nasceram as disputas teológicas entre entre «bañistas» (sequazes do pensamento do
dominicano Domingo Bañez) e «molinistas» (que preferiam a escola do jesuíta Luís de
Molina). A polêmica teve seu ápice entre 1598 e 1607, gerando a célebre controvérsia
de auxiliis. Os que assumiam o pensamento de Molina e destacavam a liberdade
colaborante do homem com Deus, que lhe permitia de prever e escolher («Graça
suficiente»). Os opositores, tendo como referência Bañez, acentuavam o domínio
absoluto de Deus mediante a graça sobre as ações da humana criatura («Graça eficaz»).
As posições se tornavam sempre mais apaixonadas até que o Papa Paulo V (1552-
1621), em 1607, proibiu novas discussões sobre o assunto. A questão, no entanto, não
estava encerrada pois, as doutrinas «molinistas», acusadas de laxismo (de abrandar o
rigor da moral cristã), foram violentamente atacadas pelos teólogos discípulos de
Miguel Baius (1567) que pregavam um agostinianismo intransigente e rigorista. O
pensamento de Baius, de 1628 a 1636, foi retomado por Jansênio, que elaborou um
resumo das idéias de Santo Agostinho, segundo a sua interpretação, na obra Augustinus
(1640), reacendendo a disputa. Os rigoristas jansenistas apoiaram-se em Saint-Cyran,
nos teólogos da família Arnauld e na abadia de Port-Royal; mas, não puderam evitar a
condenação de Roma (1642,1653) a cinco proposições que a Sorbonne extraiu do
Augustinus, as quais permitiram intuir que Jansênio teria negado o livre arbítrio,
limitando a redenção (graça) apenas aos predestinados. Os jansenistas protestaram
contra essa condenação e, conquanto a admitissem de direito, afirmaram que de fato as
cinco proposições não estavam contidas no Augustinus. Blaise Pascal entrou em campo
e com as suas Provinciales (1656), fez vibrante defesa dos jansenistas paralelo a um
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 19

introdução deste último, com suas variantes de «febronianismo»22,


«josefismo»23 e «galicanismo»24, oriundos de países católicos como a

vigoroso ataque aos jesuítas, seus adversários; mas, isso não impediu que a situação dos
jansenistas se agravasse. Luis XIV viu no jansenismo uma ameaça à unidade do Estado
e ordenou a dissolução da abadia das religiosas de Port-Royal, ordenando que a inteira
construção fosse arrasada em 1709. Enquanto isso, o jansenismo ia assumindo cada vez
mais o comportamento de um partido político-religioso de oposição, sobretudo a partir
de 1684, sob a direção do Oratoriano Pascásio Quesnel. A bula Unigenitus (1713), que
condenou cento e uma proposições extraídas das Reflexiones Morales de Quesnel não
conseguiu abrandar o conflito e numerosos membros do clero pediram ao Papa a
convocação de um concilio geral. Pouco a pouco, o jansenismo, no século XVIII, ligou-
se ao galicanismo, conseguindo penetrar na Itália, na Holanda, e em Portugal. [G.
MARTINA, Storia della Chiesa, II, 209-251.111-113; D. G. VIEIRA, O protestantismo, a
maçonaria e a Questão Religiosa, 29-32; K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III, 7-8].
22
Doutrina exposta por Justinus Febronius (pseudônimo de Johann Nikolaus Von
Honthein), prelado católico alemão (Trier 1701 – Luxemburgo 1790). Assessor
concistorial e professor universitário desde 1748, foi também bispo coadjutor de Trier.
Tornou-se conhecido por sua obra de direito eclesiástico De Statu Ecclesiae et de
potestate legitima Romani Pontificis (Sobre o estado da Igreja e o legítimo poder do
Pontífice Romano – 1763), na qual defendia a volta aos princípios do Concílio de
Basiléia (século XV), isto é, a superioridade do concílio geral sobre o Papa. Ou seja,
pregou o episcopalismo, uma maior autonomia das igrejas nacionais, e colocou em
questão a identidade entre primado eclesiástico e bispado romano. Na sua opinião, o
curialismo seria um dos principais obstáculos para a reunião com os protestantes. O
livro mereceu condenação pontifícia por Clemente XIII (1764), mas a retratação só foi
exigida em 1778. Apesar disso, Febronius manteve muitas de suas concepções, fruto do
racionalismo, influenciando a política eclesiástica na Espanha, Portugal, Alemanha,
Veneza, Nápoles e Áustria. Nesta última inspirou a política religiosa de José II, também
conhecida como josefinismo, ou josefismo [G. MARTINA, Storia della Chiesa, II, 268-
270; K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III, 10].
23
Política religiosa inaugurada pelo Imperador germânico José II e praticada por
certos príncipes católicos do século XVIII, adeptos do despotismo esclarecido.
Caracterizou-se pela intervenção do príncipe na disciplina interna da Igreja nacional, a
fim de enfraquecer a soberania pontifícia. Seu princípio fundamental era: «A Igreja esta
no Estado, e não o Estado na Igreja – La chiesa è nello stato, non lo stata nella Chiesa».
Ou seja, o Estado buscava uma soberania total não tolerando nenhum poder concorrente
por parte da Igreja ou do clero. Vale dizer: não queria um «Estado dentro do Estado».
[K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III, 8-9; G. MARTINA, Storia della Chiesa, II, 193].
24
Doutrina católica francesa caracterizada por um predomínio do Estado sobre a
Igreja Católica, com marcado sentimento nacional, tendo por isso forte repercussão
política. Seus adversários, defensores do primado pontifício, receberam a designação de
«ultramontanos» e sua escola de pensamento, «ultramontanismo». Em Portugal, na
Espanha e no Brasil, os movimentos influenciados pelo galicanismo receberam o nome
de regalismo. Formulado pelos legisladores de Felipe o Belo, o galicanismo
desencadeou, pela primeira vez, um grave conflito entre a França e o Papa Bonifácio
20 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

França, Bélgica, Áustria e certos reinos do sul da Alemanha, foi facilitada


pela tradição portuguesa do padroado. Outra característica típica do
iluminismo luso-brasileiro é o antijesuítismo, que se originou no processo
de difamação e expulsão desses religiosos dos territórios portugueses no
século XVIII25.
As classes letradas foram as que mais sofreram o influxo iluminista
durante o período pombalino, tanto no Brasil quanto em Portugal. Dentre
os personagens que se destacaram na nova tendência, merecem particular
menção Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), Luís Antônio
Verney (1713-1792) e Antônio Genovesi (1712-1769). Esse último,
sacerdote italiano conhecido em Portugal como Genuense, se transformou,
a partir de 1772, numa espécie de filosofo oficial no país, sendo suas
Institutiones Logicae adotadas como texto obrigatório no ensino de
Filosofia26.

VIII (1303). Desse conflito, o poder pontifício saiu enfraquecido. A Igreja francesa
proclamou as liberdades galicanas (1407) e reforçou sua autonomia. Pela Pragmática
Sanção de Bourges (1438), Carlos VII tornou-a praticamente independente de Roma.
Luís XI, em 1462, e Luiz XII, em 1510, renovaram o apoio às liberdades galicanas. A
concordata assinada entre Leão X e Francisco I (1516) foi a Carta da Igreja galicana até
1790; o rei detinha a autoridade temporal sobre o clero ao nomear bispos e abades (aos
quais o Papa concedia apenas investidura canônica), e usufruía a seu critério dos
benefícios. Era o galicanismo regalista. A fim de defender sua autonomia, o clero
francês reivindicou as liberdades galicanas, que foram precisadas pelos juristas. Essas
teses terminaram por gerar a Declaração dos quatro artigos sobre o poder eclesiástico e
o poder secular, melhor conhecido como os quatro artigos galicanos, apresentada por
Bossuet na assembléia do clero em 1682. Diante da oposição do Papa, Luís XIV teve de
retirar a Declaração do ensino dos Seminários. O galicanismo posteriormente serviu de
inspiração para a Constituição civil do clero (1790), produto da Revolução Francesa,
verdadeiro estatuto da igreja galicana. A condenação do galicanismo institucional por
Pio VI (1791) terminou pela cisão do clero em jurados (aqueles que juraram a
Constituição Civil do Clero) e refratários (aqueles que não juraram tal constituição), e
pela separação entre o Estado e a Igreja (1794). A concordata de 1801, mesmo impondo
unilateralmente os artigos galicanos por Bonaparte, devolveu ao Papa o controle do
clero, isto levou a um enfraquecimento do galicanismo que agonizou até 1870, ocasião
em que a proclamação da infalibilidade pontifícia assinalou o triunfo do
ultramontanismo. A separação entre a Igreja e o Estado (1905) assegurou a Roma o
controle da Igreja na França [G. MARTINA, Storia della Chiesa, II, 259-275; D. G.
VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 28-29; K. SCHATZ,
Storia della Chiesa, III, 9.19-20.74-76].
25
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 31.
26
Antônio Genovesi (1713-1769), conhecido em Portugal e no Brasil como
Genuense, sacerdote italiano, ordenado em 1737, foi desde os começos da década de
1740, professor na Universidade de Nápoles. O Pensamento de Genovesi foi estudado
por G. C. Braga, que procurou mostrar que Genovesi incorporou certas idéias do
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 21

A principal instituição portuguesa na divulgação da cultura iluminista,


em todo caso, foi a Universidade de Coimbra após as reformas pombalinas
de 1772. Entretanto, era um iluminismo adaptado à realidade nacional, não
trazendo no seu seio germes revolucionários, como no caso da França.
Essas reformas tiveram também, como é natural, repercussões no Brasil,
principalmente nas Academias e nos cursos de filosofia para o clero regular
e secular, como por exemplo, na formação ministrada nas comunidades dos
beneditinos e franciscanos no Rio de Janeiro e no Seminário de Olinda,
denominado por Muniz Tavares de «Nova Coimbra»27.
No Brasil, a orientação na formação teológica passou a seguir as linhas
preconizadas pela Universidade de Coimbra, ou seja, regalista,
episcopalista28 e jansenista. As obras básicas no ensino da teologia eram as
de Johan Gottlib Heinecke, ou Heineccius (1681-1741), Zeger Bernhard
van Espen (1646-1728), Justinus Febronius (1701-1790)29 e, especialmente,
o Catecismo de Montpellier30. Os aspirantes ao sacerdócio sofriam os

empirismo lockeano á tradição racionalista. [A. WERNET, A Igreja Paulista no século


XIX, 30].
27
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 29-31.
28
Teoria que defende um maior poder e liberdade aos bispos em relação ao Papa,
seus defensores mais radicais chegam a advogar uma quase igualdade entre os bispos e
o Pontífice Romano [ndr].
29
João Nicolau Hontheim, (1701-1790), publicou em 1763, sob o pseudônimo de
Justinus Frebonius, a obra De praesenti statu Ecclesiae deque legitima potestate romani
Pontificis (Frankfut, 1763), com reedição em 1765, 1770, 1772, 1773-74, um verdadeiro
best-seller para o tempo. Contesta que a Igreja seja monárquica iure divino, afirmando
que a primazia do bispo de Roma é mais histórica do que divina. Nesse pressuposto, o
Papa, embora devendo zelar pelo cumprimento dos cânones e pureza da fé, não tem
jurisdição absoluta sobre os bispos, sendo antes o primus inter pares. Daí que a
confirmação e deposição dos bispos e o sistema de se representar por Núncios junto aos
monarcas serem abusos de poder baseados nas Falsas Decretais. Febrônio não nega que
se devam observar as decisões papais sobre a fé e a moral, mas requer primeiro a
aprovação da Igreja Universal. Aconselha o Papa a desistir de suas pretensões e os
príncipes a obrigá-lo a tanto se não o fizesse voluntariamente. A obra provocou enorme
celeuma e foi condenada como perigosa e herética. Entre os contestadores de Febrônio,
sobressaíram-se Pedro Ballerini, os jesuítas Zaccaria e Kleiner, e Sto. Alfonso Maria de
Liguori, que escreveu o Antifebronio (Pésaro, 1769). Em 8 de janeiro de 1770, a Mesa
Censória permitiu a impressão da obra de Febrônio em Portugal. [T. BEAL – M. S.
CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja brasileira, 69 nota 27].
30
O catecismo de Montpellier, da autoria do oratoriano François Aimé Pouget, a
quem o bispo Colbert entregou a direção do Seminário da diocese e encarregou de
redigir um novo catecismo, foi publicado pela primeira vez em Paris, em 1702. A obra
de Pouget inscreve-se na linha jansenista e teve grande sucesso na França em virtude
das suas qualidades pedagógicas. Em 1731, contava já trinta edições que originaram
22 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

influxos do ambiente social, e procuravam assimilar as manifestações do


pensamento e das ciências da época como qualquer estudante, pois escassas
eram as diferenças entre a orientação da instrução eclesiástica e da leiga.
Isso aconteceu porque a ausência de um controle particularmente severo
sobre os Seminários e as escolas coloniais permitiu o contato direto com
idéias revolucionárias francesas, o que explica a grande participação do
clero em revoltas sociais e emancipatórias31.
O Catolicismo iluminista tentava também, conciliar o pensamento
filosófico da «ilustração» com a doutrina definida pelo Magistério. Por
isso, os padres que se alinhavam aos seus postulados não se opunham ao
modelo visto em precedência: de que à religião católica cabia a tarefa de
promover a educação moral «iluminada». De outra feita, estes mesmos
padres «ilustrados» acumulavam às funções sacerdotais, as de fazendeiros,
professores, homens de negócios e políticos. É por isso que certos
estudiosos classificam tal Catolicismo de «liberalismo clerical». Enquadra-
se nessa categoria Alceu Amoroso Lima (1893-1983), na sua obra
Política32.
Em todo caso, tal situação foi o resultado de um longo processo
histórico, cujos antecedentes remontam à Idade Média, ou mais
exatamente, às Ordens Religiosas Militares, que deram origem ao sistema
do padroado.

1. As ordens militares e o padroado


A existência das Ordens Militares33 nos Estados cristãos era uma
conseqüência da sua constituição mista, das lutas contra os mulçumanos e
do caráter religioso que tanto caracterizou os Reinos cristãos medievais. O
poder e prestígio de tais Ordens cresceram continuamente e, já nos últimos
séculos da idade média, o desejo de submetê-las ao controle real se
acentuou, pois tais milícias guerreiras, dependentes do Chefe da Igreja,

forte polêmica entre jansenistas e anti-jansenistas. Em Portugal o catecismo de


Montpellier teve também grande sucesso editorial, a partir do século XVIII e até finais
do século XIX, sucederam-se várias edições e traduções portuguesas. Foi condenado em
1771 por Roma [F. A. LOURENÇO VAZ, O Catecismo no Discurso da Ilustração
Portuguesa do século XVIII, em Cultura. Revista de História e Teoria das Ideias, X,
217-240].
31
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 37.
32
A. A. LIMA, Política, 223 nota 11. 224 nota 13. 225.
33
Para melhor aprofundar o conhecimento sobre as Ordens Militares Portuguesas ver
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro; O. OLIVEIRA, Os dízimos
eclesiásticos do Brasil; P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 23

tornaram-se um respeitável empecilho às aspirações de domínio do trono.


Segundo Candido Mendes de Almeida, foi por esse motivo que:
Concebe-se o furor de Filipe o Belo contra os Templários, e o empenho de
Fernando de Aragão e de D. Manuel de Portugal em tornarem-se chefes dessas
Milícias. Neutralizaram-nas e destruíram-nas, e a Igreja perdeu esses
defensores. Desde então fácil foi transformar-se a Constituição política do
Estado Cristão34.
Na primeira metade do século XIV, existiam em Portugal três Ordens
religioso-militares, de origem local. A mais antiga era a de São Bento ou
Avis, fundada pelo Rei D. Afonso I em 1145. Ela adotava a regra de S.
Bento e era também chamada de Avis porque o Rei lhe dera por sede a
cidade de mesmo nome, onde a dita Ordem fixou o centro de suas
atividades em 1181. A segunda ordem militar era a de Santiago da Espada,
a princípio ramo da sua congênere de Castela, até ser desta desanexada e
receber confirmação do Papa Nicolau IV (1227-1292) em 1288. Ela
observava a regra de Santo Agostinho. Por fim, havia a Ordem de Cristo, a
mais importante das três, principalmente para o padroado. Foi reconhecida
pelo Papa João XXII (1249-1334) no dia 14 de março de 1319, por meio da
bula Ad ea ex quibus cultus35.
A Ordem de Cristo é aquela que mais interessa a este estudo. Surgiu
após a supressão dos Templários, ocorrida no Concílio de Viena em 1312.
Seus bens e suas rendas ficaram à disposição da Santa Sé, porém, os reis de
Portugal e Castela, D. Diniz (1261-1325) e D. Fernando IV (1285-1312),
temiam que eles fossem alienados para fora dos seus domínios. Para
impedir isso, enviaram emissários à Cúria Romana, solicitando que aquelas
riquezas permanecessem nas respectivas nações. Posteriormente, para
garantir tal posse, D. Diniz enviou novos delegados ao Papa João XXII,
sucessor de Clemente V, pedindo-lhe para instituir no Reino português uma
nova Ordem religioso-militar em substituição a dos Templários, e que
herdasse os bens daquela no seu território. O Papa João XXII aceitou o
pedido do rei e instituiu a Ordem de Cristo com sede na Vila de Castro
Marim (nos Algarves). Em 1449, ela se transferiu dali para Tomar (na
Estremadura). Segundo Oscar de Oliveira, com o passar do tempo foi-se
penetrando «o abuso no seio desta Ordem», e o rei D. Manuel I (1469-
1521) pediu ao Papa Alexandre VI (1431-1503) que dispensasse do voto de
castidade os que pelo futuro recebessem o título de Comendadores e
—————————–
34
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 250 nota (*).
35
Bullarium Romanun, IV, 277-284; P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do
Brasil, 39. 267; C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte II, 336.
24 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Cavaleiros da Ordem de Cristo. O Papa atendeu ao pedido do soberano


português, mas, instituiu a obrigação de que os Comendadores e Cavaleiros
observassem a castidade conjugal. Segundo o autor, «foi o inicio da
secularização da Ordem de Cristo»36.

1.1. A Ordem de Cristo e a consolidação do padroado


O poder espiritual da Ordem de Cristo e o direito de padroado da Coroa
portuguesa estão intimamente ligados, pois ambos tiveram origem no
processo de expansão ultramarina e na luta contra os mouros. O Infante D.
Henrique37 e a Ordem de Cristo prestaram eminentes serviços a Coroa
Portuguesa: as conquistas africanas, as viagens e descobertas no Atlântico.
Foi com a ajuda das rendas da Ordem de Cristo que D. Henrique construiu
e aparelhou navios para conquistar e descobrir novas terras. Em
agradecimento a tais conquistas, o Rei D. Duarte I (1391-1438), em 1434,
estendeu a jurisdição da Ordem às ilhas da Madeira, Porto Santo e
Deserta38. Dizia a carta:
Por serviço de Deus e honra da Ordem de Cristo, e por o Infante D. Henrique
meu irmão, Regedor e Governador da dita Ordem, que no-lo requereu,
outorgamos e damos à dita Ordem deste dia para todo sempre, todo espiritual
das nossas ilhas da Madeira, e do Porto Santo e da Ilha Deserta [...] pedimos
ao Padre Santo que praza a S. Santidade outorgar e confirmar à dita Ordem de
Cristo, as ditas ilhas39.
Em 1 de junho de 1439, Afonso V (1432-1481), confirmou a doação de
seu pai. Porém, a aprovação espiritual por parte da Santa Sé só ocorreu em

—————————–
36
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 41-42.
37
O Infante D. Henrique (1394-1460), o Navegador, Príncipe português da Dinastia
de Avis, Mestre da Ordem de Cristo e 1º. Duque de Viseu, era filho de D. João I e da
Rainha D. Filipa de Lancastre. Participou da expedição que seu pai empreendeu para a
Conquista de Ceuta (1415), cidade onde foi armado Cavaleiro com dois seus irmãos.
Regressando dessa campanha, estabeleceu-se no extremo sudoeste do continente
europeu, em Sagres, próximo ao Cabo de São Vicente, onde fundou a «Terça Naval»,
reunindo famosos geógrafos, nautas, astrônomos, matemáticos, tendo constituído o que
se convencionou chamar de «Escola de Sagres». Diz-se que aprendeu também o árabe e
adquiriu grande quantidade de cartas, roteiros e livros de valor para a empresa que ia
cometer e que consistia no descobrimento gradativo da costa e do interior da África, não
só para o estabelecimento de relações comerciais úteis a Portugal, como também para a
conversão à fé cristã dos naturais daquele continente. O conhecimento formado na
Escola de Sagres permitiu a Portugal o «descobrimento» do Brasil [NDHB, 329-330].
38
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 42.
39
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte II, 362.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 25

9 de janeiro de 1442, pelo Papa Eugênio IV, com a bula Etsi suscepti40. Em
7 de junho de 1454, o rei doou à Ordem de Cristo, para sempre, o domínio
espiritual das terras do Ultramar conquistadas e por conquistar. O termo de
doação, no tocante ao prosseguimento da conquista de algumas regiões da
África, afirmava:
Pareceu-nos a ela [à Ordem de Cristo] pertencer à espiritualidade das terras
conquistadas [...] queremos e outorgamos quanto com direito podemos, que a
dita Ordem de Jesus Cristo, o dito Infante e pelos administradores que depois
dele vierem, para todo sempre haja daquelas próprias costas, ilhas, terras
conquistadas e por conquistar aos Sarracenos [...] a nos praz, porém, de
notificar ao dito Santo Padre este nosso aprazamento e sentimento, e de
suplicar mui humildemente a Sua Santidade, que o queira assim outorgar41.
O Papa Calisto III (1378-1458), em 13 de março de 1455, pela bula Inter
caetera quae42, atendendo aos pedidos feitos pelos reis D. Duarte, D.
Afonso V e pelo Infante D. Henrique, concedeu ao Grão-Mestre jurisdição
ordinária episcopal, como Prelado «nullius dioecesis», com sede no
convento de Tomar, «em todas as terras ultramarinas conquistadas e por
conquistar». Este documento pontifício confirmava a bula de Nicolau V,
Romanus Pontifex43, de 8 de janeiro de 1454, que por sua vez, afirmara o
domínio temporal dos reis portugueses nas terras de conquistas
ultramarinas44.
Após o falecimento do Infante D. Henrique (1394-1460), por meio do
seu testamento publicado em 18 de setembro de 1470, devolveu-se o
domínio temporal à Coroa Portuguesa, de quem havida sido o donatário. O
padroado, ele deixou sob o controle da Ordem de Cristo, pois fora seu
Grão-Mestre por longo tempo. Para isso pediu, como mandava o costume,
o beneplácito à Santa Sé. A jurisdição espiritual da Ordem de Cristo sobre
as terras ultramarinas foi posteriormente confirmada pelo Papa Sisto IV

—————————–
40
C. WITTE, «Les bulles pontificales et l’expansion portugaise», XLVIII, 715-718.
41
«Termo de doação de D. Afonso V» em C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico
Brasileiro, I, parte II, 362.
42
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 36. Existem divergências entre os
vários autores que analisam as datas das bulas relacionadas ao padroado português. Isso
acontece devido em grande parte às diferenças dos diversos calendários usados nos
períodos em que foram redigidas. As datas aqui apresentadas são aquelas que constam
no Bullarium Romanum ou no Bullarium Patronatus Portugalliae Regum [ndr.].
43
Bullarium Romanum, V, 110-115; Bullarium Patronatus Portigalliae Regum, I,
31-34.
44
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 46 nota 8. 47; «Aeterni Regis
Clementia» em C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte II, 401.
26 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

(1414-1484), na bula Aeterni Regis clementia45, em 21 de junho de 148146.


Concedeu-se para sempre à Ordem de Cristo todo o padroado das Terras de
Ultramar. O Papa Leão X (1475-1521), que havia extinguido o Vicariato de
Tomar e criado a Diocese de Funchal (bula Pro Excellenti47 de 12 de junho
de 1514)48 pela bula Praecelsae devotionis49, de 3 de novembro de 1514,
confirmou as temporalidades dos reis nas terras ultramarinas adquiridas ou
por adquirir50.
O Papa Júlio III (1487-1555), em 30 de dezembro de 1550, por meio da
bula Praeclara Charissimi51, uniu para sempre a Coroa Portuguesa aos
Mestrados da Ordem de Cristo, Santiago e Avis. Segundo Mendes de
Almeida, isso permitiu o «completamento [sic.] da obra que empreendiam
os reis contra a Ordem de Cristo». Daí que, «o padroado das Igrejas que
pertenciam a essa Corporação passou in solidum para o Mestre, e este cargo
foi transferido perpetuamente para a Coroa. [...] Ficou essa Corporação
completamente anulada»52.
Os reis assumiram, então, total controle do padroado, seja como
monarcas, seja como Grão-Mestres. No segundo caso, porém, tal direito
dependia da Ordem de Cristo, pois era o grão mestrado desta que o
conferia. Certo é que o padroado real português tornou-se duplo, o régio e o
da Ordem de Cristo. O padroado régio da Coroa portuguesa levou séculos
para se constituir. Tratou-se de um processo de lenta evolução,
provavelmente iniciado no século XIV, sob o reinado de Pedro I de
Portugal, também conhecido como «Pedro o Cru» (1320-1367). Sobre isso,
Cândido Mendes de Almeida opina que desde o alvorecer do Estado
lusitano até meados do século «XVI, ou antes, até a usurpação Castelhana,
não existia o padroado Régio das Igrejas». Além do mais, tampouco existia
um padroado centralizado em uma única pessoa. O Rei, a Rainha, os
bispos, os abades, os conventos, e as classes abastadas formavam, por
assim dizer, um Corpo de Padroeiros. Os monarcas portugueses levaram a
cabo um verdadeiro processo de centralização do padroado que se tornou

—————————–
45
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 47-52.
46
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 47.
47
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 100-101.
48
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 268.
49
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 106-107
50
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 47 nota 9.
51
Bullarium Romanum, VI, 446-453; Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I,
180-185.
52
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 253-254.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 27

«na mão do Governo menos uma garantia ou defensão [sic.] para a Igreja,
que uma ameaça ou servidão»53.
Cândido Mendes prossegue sua análise, acrescentando que o direito do
padroado régio teve sua origem numa bula de duvidosa existência,
supostamente concedida pelo Papa Alexandre VI, em 23 de agosto de 1495,
autorizando o Rei D. Manuel a apresentar os bispos das dioceses que
fundasse. Essa faculdade foi confirmada pelo Papa Leão X, quando
assegurou ao mesmo soberano o padroado ultramarino em 7 de junho de
1514, com a bula Dum Fidei Constantiam54. Segundo Silveira Camargo,
deve-se ter presente que não houve da parte da Igreja abdicação ao Império,
«apenas concessão», de prover os benefícios eclesiásticos nos respectivos
cargos e, para mantê-los, receber os dízimos55.
É assunto complexo este das delimitações dos poderes do padroado, uma
vez que as bulas deixaram margem a exagerados comentários e
interpretações. Certo é que as diversas concessões pontifícias foram
concentradas nas mãos dos reis portugueses e posteriormente transferidas
aos imperadores brasileiros, que também conseguiram a graça de serem
grão-mestres e perpétuos administradores da Ordem de Cristo. Pelo
padroado régio, os reis tinham direito de apresentar os bispos a serem
confirmados pelos Papas, e, pela Ordem de Cristo, receber os dízimos e
nomear outras autoridades eclesiásticas. Teriam também obrigações, como
manter o culto, expandir e defender a fé, zelar pela observância dos
cânones e construir igrejas. Essa última disposição quase nunca foi
cumprida no Brasil, onde a maioria das igrejas foi construída pelos fieis56.
A confusão sobre até onde se estendia o padroado geraria controvérsias
entre regalistas e curialistas. A bula do Papa Calisto III, Inter caetera
quae57, concedeu aos reis portugueses o direito de apresentar seus
candidatos aos benefícios eclesiásticos. Estes deveriam ser confirmados
pelos bispos, no caso das menores dignidades (párocos, cônegos), e pelo
Papa em caso de maior dignidade (bispo). Júlio III, com a bula Praeclara
Charissimi58, ampliou tal faculdade, concedendo o direito de provê-los in

—————————–
53
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 239 notas (*) e
(**).240.
54
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 98-99; C. M. ALMEIDA, Direito Civil
Eclesiástico Brasileiro, I, parte II, 379.
55
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 268-269.
56
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 269.
57
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 36.
58
Bullarium Romanum, VI, 446-453; Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I,
180-185.
28 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

temporalibus et spiritualibus. Estas bulas serviram de base para a luta que


se implantou entre os dois grupos citados acima. Os defensores do
regalismo jamais renunciaram à interpretação que dava larga amplitude aos
poderes majestáticos59.
A conclusão dos regalistas sobre a supremacia régia se baseava
exatamente nas concessões «in temporalibus et in spiritualibus». Essa
situação permitiu que os reis muitas vezes abusassem das concessões
recebidas, e a Santa Sé impotente, já então inibida pela ação dos vários
soberanos «católicos» absolutistas europeus, assistia tal atitude se
transformar em costume. As duas principais armas regalistas que disso
derivaram foram o Beneplácito Real (no caso do Brasil Beneplácito
Imperial) e o Recurso à Coroa. O Beneplácito régio ou placet era o direito
de aceitar ou não, no próprio território, as bulas, Breves e as Leis
Canônicas promulgadas pelos Papas. Essa discussão é antiga e vinha desde
antes das bulas e, máxime, depois de sua publicação. O Recurso à Coroa
era usado quando os beneficiados se sentiam usurpados nos seus direitos ou
devido ao cancelamento dos seus cargos pelas autoridades religiosas, pois
julgavam que estas só deviam confirmar as apresentações régias. Porém,
segundo Silveira Camargo, «o veto a qualquer nomeação era um direito de
que a Igreja não abriu mão, e as credenciais dos candidatos e sua
perseverança benéfica na execução de suas funções eclesiásticas podiam
ser examinadas pela Igreja e seus representantes legítimos». Este foi outro
ponto de discórdias e de equívocos interpretativos das concessões papais. O
Concílio de Trento, sem extinguir o jus patronatus (padroado), deu normas
e garantiu o tribunal eclesiástico em toda sua amplitude espiritual de
julgamento, não aceitando a tutela integral do Estado, como pretendiam os
regalistas exagerados. Segundo o Concílio, havia o código pelo qual a
Igreja se governava, e isso derivava do fato de ela ser uma sociedade
perfeita com legislação própria60.

2. O regalismo português
A discordância interpretativa a respeito do termo «regalismo» se
manifesta até mesmo em obras menores. Quatro dicionários populares
consultados a respeito, publicados em épocas e lugares diversos,
manifestam-no de modo evidente, uma vez que três deles apresentaram
definições coincidentes, ao lado de uma muito distinta. Nas três primeiras,
o termo mencionado era assim descrito: Regalismo «sistema dos regalistas
—————————–
59
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 271.
60
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 268-269.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 29

e dos que defendem as prerrogativas do Estado contra as pretensões da


Igreja» – Regalista «pessoa que defende as regalias e direitos do soberano,
relativo ao regalismo, aquele que goza regalia ou as defende»61. A outra
definição encontrada foi: Regalismo «doutrina que defende a ingerência do
chefe de Estado em questões religiosas» – Regalista «relativo ao regalismo;
que goza de regalias e/ou as defende»62.
Pode-se notar que, embora haja uma coincidência quanto à definição do
termo «regalista», no termo «regalismo» foram encontradas duas definições
opostas, uma definindo que o regalismo é a defesa da prerrogativa do
Estado frente às pretensões da Igreja e a outra afirmando que se trata das
prerrogativas da Igreja em relação às ingerências do Chefe de Estado. Essas
duas interpretações do regalismo refletem perfeitamente o ponto de vista de
dois grupos: a primeira o ponto de vista dos regalistas, que defendiam uma
ingerência do Estado na ambiência eclesiástica, e a segunda o ponto de
vista daqueles contrários a esta ingerência, no caso que diz respeito a este
trabalho, os defensores deste segundo ponto de vista eram os chamados
ultramontanos63.
Zília Osório de Castro, pesquisadora portuguesa, num artigo intitulado
Antecedentes do Regalismo Pombalino, explica que as tensões entre a
Igreja e o Estado, «consubstanciadas no confronto entre o poder papal e o
poder régio, foram, durante séculos, uma constante na Europa, com
vicissitudes diferentes para cada um dos poderes, dando origem a doutrinas
e práticas regalistas e curialistas». Segundo a referida autora, entende-se
por regalismo, «a supremacia do poder civil sobre o poder eclesiástico,
decorrente da alteração de uma prática jurisdicional comumente seguida ou
de princípios geralmente aceitos, sem que haja uma uniformidade na
argumentação com que se pretende legitimá-lo». Ou seja, o regalismo era
uma prática corrente na Europa, sendo depois transplantada nas colônias
portuguesas e espanholas. Estas diferentes práticas nos diferentes estados
europeus receberam nomes diversos, como galicanismo, febronianismo,
josefismo, ou simplesmente regalismo, como em Portugal, Espanha e
Brasil64.
Foi com o cristianismo e a distinção que fez entre o poder temporal e o
poder espiritual, não existente na antiguidade quando o Imperador era chefe
de ambos, que surgiu a questão das relações que estes poderes deveriam
conservar entre si. A inovação cristã tem na frase do novo testamento:
—————————–
61
DLPSB; DCLPCA, IV; DEIF.
62
DAELP.
63
DLPSB; DCLPCA, IV; DEIF; DAELP.
64
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 323.
30 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

«Dai, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus, a Deus»65, um dos


seus exemplos mais conhecidos, ainda que tal máxima não falasse
exatamente de separação.
Num trecho da carta do espanhol Juan Francisco Donoso Cortés (1809-
1853) dirigida ao Cardeal Raffaele Fornari (1787-1854) sobre os erros do
tempo presente, reproduzida no livro Direito Civil Eclesiástico Brasileiro,
de Candido Mendes de Almeida, é exposta uma interessante divisão entre
os níveis de radicalismo no regalismo. Cortés começa expondo o que ele
chama de «erros» da relação que o Estado assume com a Igreja em cada
uma das quatro categorias por ele delineado. Estes erros são divididos em
quatro espécies: «ou se sustenta que a Igreja é igual ao Estado, ou lhe é
inferior, ou não deva ter relação com o Estado, ou lhe seja inteiramente
inútil». As duas primeiras espécies de erros que ele apresenta são
propriamente regalistas e são divididas em moderado e conseqüente, as
duas últimas já não se referem ao regalismo, mas, segundo Cortés, são
conseqüência dele: o liberalismo, que ele chamou de revolucionário, e o
socialismo-comunismo. Assim se refere aos quatro erros:
O primeiro é a afirmação dos Regalistas moderados; o segundo, a dos
Regalistas conseqüentes; o terceiro, a dos Revolucionários que estabelecem
por primeira premissa dos seus argumentos a derradeira conseqüência do
Regalismo; o quarto é a dos Socialistas e Comunistas, isto é, de todas as
escolas radicais que tomam por premissas de sua argumentação a última
conseqüência em que para a escola revolucionária.
A teoria da igualdade entre a Igreja e o Estado induz os Regalistas
moderados a sustentarem como sendo de natureza laical o que é misto, e de
natureza mista o que é eclesiástico. Eles são forçados a recorrer a estas
usurpações para formarem o dote ou patrimônio com que o Estado se
apresenta nessa sociedade igualitária. Segundo esta teoria entre a Igreja e o
Estado, quase todos os pontos são controvertíveis, e tudo o que é controverso
deve resolver-se por meio de arranjos amigáveis e transações. Demais o placet
para as bulas, Breves Apostólicos, e todos os atos da autoridade Eclesiástica é
de rigor, assim como a inspeção, a fiscalização e a censura exercida contra a
Igreja em nome do Estado.
A teoria da inferioridade da Igreja em frente ao Estado leva os Regalistas
conseqüentes a proclamarem o princípio das Igrejas Nacionais, o direito que se
arrogava o Poder Civil de revogar as Concordatas celebradas com o Soberano
Pontífice, dispondo a seu talante dos bens da Igreja, enfim o direito de
governar a Igreja por meio de decretos ou leis, obra das assembléias
deliberantes.

—————————–
65
Marcus 12:17.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 31

A teoria que consiste em afirmar que a Igreja nada tem de comum com o
Estado, arrasta a Escola revolucionária a proclamar a separação absoluta entre
o Estado e a Igreja, e, como conseqüência forçada, o principio de que a
manutenção do Clero, e a conservação do Culto devem ficar a cargo dos Fieis.
O erro que se estriba na afirmação de que a Igreja não tem na terra utilidade
alguma, sendo a negação da própria Igreja, dá em resultado a supressão
violenta da ordem Sacerdotal por um decreto que acha naturalmente sua
sanção numa perseguição religiosa [grifos do original]66.
Segundo tal raciocínio, o «regalismo moderado» foi aquele que existiu
em Portugal até a ascensão de Pombal, sendo o período regido pelo
Marquês, o maior representante do «regalismo conseqüente» na história
portuguesa. De qualquer modo, existiram alguns pontos comuns em todas
as correntes de «regalismo conseqüente», entre os quais a tendência a
valorizar a autoridade dos Príncipes e restringir a do Romano Pontífice nas
coisas sagradas. Isso se manifestou em fórmulas inspiradas em doutrinas
conciliaristas e episcopalistas, que deram azo a contínuas intervenções do
Estado na ambiência eclesiástica, malgrado a eclesiologia tridentina
concebesse a Igreja como sociedade juridicamente perfeita e independente.
Perfeita por ser divina e independente por ser autônoma em relação a
qualquer poder temporal. Segundo pe. Luiz Talassi, a negação dessa
concepção eclesial foi concebida na Idade Moderna de duas maneiras: a)
diretamente, atribuindo aos príncipes civis o direito nas coisas sagradas ou
a respeito das coisas sagradas, segundo a fórmula clássica Ius in sacra, ius
circa sacra; b) indiretamente, diminuindo o poder nativo da Igreja, o que se
fez, ou limitando a autoridade do Pontífice Romano nos negócios temporais
conexos com os espirituais, ou negando a plenitude do poder dos Papas nos
assuntos eclesiásticos de cada nação, quase como se esta plenitude de poder
lesasse os direitos episcopais. Com efeito, diminuída a autoridade do Sumo
Pontífice, seria mais fácil submeter os Superiores Eclesiásticos, existentes
dentro do território da autoridade civil, aos seus pretendidos direitos. O
alvo a atingir era sempre a supremacia do poder espiritual, que o poder
temporal queria dominar67.
Os defensores do regalismo começaram, então, a atuar minando e
enfraquecendo a autoridade do Papa, por meio da defesa do episcopalismo
e de uma maior autonomia das igrejas nacionais. Uma menor influência
romana, uma menor centralização do poder na Cúria, dava ao Estado um
maior poder sobre a hierarquia eclesiástica nacional, já que na maioria dos

—————————–
66
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 50-51.
67
L. TALASSI, A Doutrina do Pe. Feijó e suas Relações com a Sede Apostólica, 3-6.
32 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

países católicos os bispos eram indicados pelos chefes de Estado. Este


comportamento se fortaleceu com o absolutismo, quando dita idéia chegou
aos extremos, pois, em tal sistema, o governante desejava ter o máximo de
controle sobre o Estado e sua população. Quanto ao liberalismo, este
rejeitou completamente a Igreja como sociedade juridicamente perfeita e
independente, consentindo a ela o status de sociedade privada e com seus
direitos derivados das concessões do Estado, sendo que, somente deste
devia depender a organização e o controle da sociedade.
Conseqüentemente, ao invés de defender a submissão da Igreja nacional ao
Estado, o liberalismo propunha uma total separação entre os dois poderes.
O galicanismo na França, o febronianismo na Alemanha e o josefismo, com
José II, na Áustria, reconheciam «a autoridade da Igreja só em assuntos
puramente espirituais». O josefismo foi introduzido em Portugal por
Pombal. Passou depois ao Brasil, «perdurando aí todo o tempo do Império
e só desaparecendo com a república»68.
Uma das características gerais do regalismo é a afirmação de «direitos»
religiosos da parte dos príncipes, que, segundo Silveira Camargo, podem
ser reduzidos a dois:
a) Ius in sacra, ius circa sacra. Trata-se do «direito nas coisas sagradas»
como uma atribuição do poder civil. O principio aplicava-se inteiramente
na antiguidade, como em Roma, onde a Religião e o Estado se confundiam.
A religião era um departamento da administração e os sacerdotes meros
funcionários. Esse princípio foi recuperado pelos juristas, sendo o primeiro
entre eles Marcilio Patavino, Reitor da Universidade Parisiense, e
defendido também pelos protestantes depois da Reforma. Para eles
competia ao príncipe civil um «duplo gênero de direitos na religião: a)
majestáticos, anexos ao império; b) colegiais, derivados da comunidade
eclesiástica. Após a Paz de Augsburgo em 1555, a aplicação moderna deste
sistema foi cunhada no princípio: Cuius regio, illius et religio» (A quem
pertence à região sua seja a religião)69.
b) Ius cavendi («Direito de precaução e de inspeção»). O esforço de
protestantes e regalistas para justificar a intervenção dos príncipes nas
coisas sagradas, forjou um motivo jurídico: o do direito de precaver e de
inspecionar. O Estado o pretendia exercer com intuito de preservar a
ordem, defendendo a competência dos poderes civis para disporem de todas
as coisas que «conduzem ou afastem do bem da comunidade pública». O

—————————–
68
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 264.
69
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 263-265.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 33

direito de precaver desdobrava-se em muitos outros, por exemplo, no


Placet régio ou Beneplácito e no Recurso à Coroa70.
Em Portugal, a exemplo de todos os outros países europeus, o ápice do
regalismo coincidiu com o ápice do absolutismo. Para Silveira Camargo, o
regalismo português, mais mitigado, poderia ser assim definido: A Igreja,
embora seja uma realidade distinta e separada no que tange à condução
espiritual dos fieis, está, contudo, subordinada ao Império Civil71.

2.1. A política regalista do Marquês de Pombal


Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, tornou-se
Ministro de D. José I no dia 3 de agosto de 1750. Seu governo marcou o
auge do absolutismo «esclarecido» em Portugal e também uma maior
radicalização do regalismo em relação à Igreja Católica. Ele expulsou os
jesuítas de todo império português, em 1759, e reformou a Universidade de
Coimbra. O absolutismo e o mercantilismo foram duas constantes da sua
administração. O reinado de D. José I e de seu Ministro durou quase 27
anos (1750-1777), e foi marcado, entre outras coisas, pelos
desenvolvimentos na legislação, principalmente financeira; pelo
estabelecimento do primeiro sistema educacional financiado pelo Estado;
pela reforma da Universidade de Coimbra; pela redução do poder da
Inquisição72; pela abolição da escravatura em Portugal (mas não nas
colônias); pela modernização do exército; pela centralização do sistema de
contabilidade do Tesouro Real; pela criação de companhias por ações; pela
criminalização da discriminação contra os ameríndios na América
portuguesa e contra os asiáticos na Índia portuguesa; pelo fim da distinção
entre os chamados cristãos velhos e cristãos novos (judeus convertidos);
pelas tentativas de definição das fronteiras entre Portugal e Espanha na
América do Sul; pela participação na Guerra dos Sete Anos; pela tentativa
de criação de um parque industrial em Portugal; pelo incentivo à formação
de uma burguesia nacional com grande concentração de capital; pela
tentativa de maior autonomia econômica em relação à Inglaterra; pelo
combate a Companhia de Jesus; pela crise da produção colonial brasileira –
—————————–
70
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 263-265.
71
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 260.
72
Pombal se serviu da inquisição para fins pessoais, a exemplo do caso do pe.
Gabriel Malagrida, um desafeto seu, que ele mandou queimar no centro de Lisboa na
noite de 20 de setembro de 1761. Essa atitude do Marquês causou repulsa até mesmo
em Voltaire, para quem «o excesso do ridículo e do absurdo, juntou-se ao excesso de
horror» [M. OLIVEIRA, História eclesiástica de Portugal, 202]. Sobre o pe. Malagrida e
sua condenação por Pombal ver ainda F. BUTIÑA, Vita del P. Gabriele Malagrida.
34 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

tanto do ouro como do açúcar; por uma intensa propaganda governista; e,


não se pode esquecer, pela truculência e violência na execução de sua
política73.
Segundo quanto defende Antônio de Souza Pedroso Carnaxide, no seu
livro O Brasil na Administração Pombalina, o Marquês, para ter o poder
total em mãos, «combateu as três classes então existentes, os três braços do
Estado – clero, nobreza e povo». A luta foi contra a descentralização do
poder régio. As classes da «velha sociedade» eram vistas como limitadoras
do autoritarismo e estorvo às tentativas de reforma. Nesta ótica, Pombal
também foi um grande defensor do poder divino do príncipe. O povo foi
reprimido de maneira violenta e cruel quando tentou se rebelar, como nos
tumultos populares do Porto contra a Companhia dos Vinhos ou no
«Massacre da Trafaria». O segundo episódio se deu quando um punhado de
jovens, fugindo do alistamento militar, se escondeu naquele povoado de
pescadores. Pombal ordenou então que a Trafaria fosse incendiada,
aniquilando quase por completo sua população, de mais ou menos 5 mil
pessoas. A mesma truculência foi usada contra os nobres, principalmente
no processo à família Távora, em represália ao atentado contra o Rei D.
José I, acontecido em 3 de setembro de 1758. Tentou-se também controlar
a nobreza por meio de casamentos políticos entre burgueses e pessoas de
«sangue azul». Contra a Igreja, foi intensificado o regalismo e combatida a
Companhia de Jesus, considerada defensora do velho sistema; ao lado de
uma reforma educacional paralela à constante campanha para enfraquecer a
autoridade pontifícia74.
Em matéria religiosa, Pombal recebeu uma fortíssima influencia galicana
e josefinista. E foi em Viena, ao tempo em que era enviado da Coroa
portuguesa, que entrou em contato com os jansenistas, adversários, como se
sabe, da primazia de Roma. Isto aconteceu, sobretudo, por meio do
cirurgião holandês, Gottfried Van Swieten (1733-1803), que restituíra a
saúde abalada à rainha Maria Teresa (1717-1780), e se tornara a alma da
propaganda jansenista na Corte da Áustria75.

—————————–
73
A respeito dos temas citados, consultar as seguintes obras: A. S. P. CARNAXIDE, O
Brasil na administração pombalina; J. F. CARRATO, Igreja, Iluminismo e Escolas
Mineiras Coloniais, K. MAXWELL, Marquês de Pombal; T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os
jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja brasileira; V. M. T. VALADARES, Elites
Mineiras Setecentistas.
74
A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na administração pombalina, 18-19. 21-40.
75
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 25.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 35

Estabelecidas as bases ideológicas do absolutismo regalista, a aplicação


de tais princípios foi uma lógica conseqüência. Segundo Zília Osório de
Castro, «define-se, assim, a plenitude do poder régio face ao poder papal e
eclesiástico pela denúncia da ilegalidade da jurisdição temporal de ambos
e, ao mesmo tempo, apóia-se à reforma da Igreja, como coadjuvante no
processo de tornar efetiva essa mesma jurisdição». Esforça-se em
descentralizar o governo da Igreja, enfraquecer o poder papal e submeter as
hierarquias eclesiásticas nacionais. Pombal, usando os movimentos
religiosos que tentaram descentralizar o poder pontifício e dar maiores
poderes aos bispos e as igrejas nacionais, como os conciliaristas e
episcopalistas, queria na verdade deslegitimar primeiro o poder pontifício e
depois aumentar o domínio do Estado sobre a igreja nacional, tornando esta
dependente (ou servil) do Governo. Para tanto, se empenhou na realização
de uma reforma eclesiástica e educacional, sendo, neste último caso, o
maior exemplo a reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra. Um
desdobramento marcante da reforma religiosa em ato e da força do
regalismo implantado, foi à expulsão dos jesuítas em 1759, medida esta que
abriu o precedente para que outras nações européias seguissem o mesmo
exemplo. Mais que isso: gerou um movimento de pressão tal sobre a Santa
Sé, que o Papa Clemente XIV (1705-1774), se viu forçado a assinar o
Breve Dominus ac Redemptor noster, decretando a supressão universal da
Companhia de Jesus em 177376.
A feroz investida de Pombal contra os jesuítas envolveu uma série de
motivos: políticos – pela dificuldade que criaram os missionários sul-
americanos por ocasião da implementação do Tratado do Limites, a partir
de 1750, e pelos contínuos conflitos destes com os colonos pela mão de
obra indígena em São Vicente e no norte do Brasil77; educacionais – por
dominarem o sistema educacional do Reino e das colônias, além das
principais Universidades (Coimbra e Évora) e representarem o «antigo
sistema educacional»78; econômicos – gastos com a Guerra Guaranítica
contra os Sete Povos das Missões, derivada das dificuldades na execução
do Tratado de Limites, e oposição aos direitos de isenções de alguns
impostos por parte dos jesuítas. Os padres da Ordem de Santo Inácio
também eram vistos como um empecilho para a eventual criação de
—————————–
76
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 323.
77
Sobre isso consultar: A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na administração pombalina;
J. F. CARRATO, Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais; K. MAXWELL,
Marquês de Pombal.
78
Sobre isso consultar: T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de
Coimbra e a Igreja brasileira; V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas.
36 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Companhias mercantis monopolistas em certas regiões do Brasil, ao que se


juntava a cobiça que se tinha em relação aos bens patrimoniais da referida
Ordem79. Nesse particular, recorda-se que havia o mito da grande riqueza
dos jesuítas, que, se confiscada, somando-se aos bens expropriados aos
nobres condenados pelo atentado ao rei, poderia ajudar a sanar as dívidas
do Tesouro Real; eclesiásticos – pela obediência que a Companhia de Jesus
tinha para com o Papa, sua autonomia ante o poder governamental lhe
conferia força moral, também porque era a representante por excelência da
cultura da contra reforma tridentina80.
Segundo Tarcisio Beal, para Pombal, como para muitos outros
seguidores do iluminismo e das novas idéias, «era preciso destruir os
baluartes da velha ordem para construir um mundo melhor». Para o
Marquês eram os jesuítas que representavam o «velho sistema em
Portugal». Assim sendo, fortaleceu o poder do Estado, sujeitando a nobreza
e exilando os jesuítas, cujo controle das missões no Brasil e do ensino no
Reino considerou como ameaças à supremacia do Estado81.
Para combater os jesuítas e reformar a Igreja, Pombal se apoiou nas
teorias que vinham sendo defendidas por muitos teólogos da Ordem dos
Oratorianos. Os dois principais, que fundamentaram teologicamente o
regalismo lusitano, foram os padres Antônio Pereira de Figueiredo (1726-
1797)82 e José Clemente (1720-1798)83. E, na execução do seu projeto

—————————–
79
O assunto é amplamente abordado por A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na
administração pombalina.
80
Sobre isso consultar: S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, VII.
81
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 25-26.
82
Antônio Pereira de Figueiredo, nasceu em Vila do Mação, Comarca de Tomar,
falecendo no Convento de Nossa Senhora das Necessidades, dos oratorianos, onde vivia
como hóspede desde 1785. Entrando na Congregação de São Filipe Néri, empregou seu
talento em favor das reformas do Marquês de Pombal. Tanto se dedicou aos afazeres do
Estado que, a conselho do Marquês, deixou os oratorianos e se secularizou. Exímio
latinista, traduziu os Estatutos da reforma de 1772, e engajou-se em disputas teológicas
com os jesuítas e com eclesiásticos da Espanha e da Itália. Deputado da Real Mesa
Censória, foi um dos seus membros mais ativos, demonstrando vasta erudição. Entre
suas obras destacam-se a Tentativa Theológica (Lisboa, 1766), e a Demonstração
Theológica (Lisboa, 1769), duas verdadeiras colunas do regalismo português, além de
uma famosa tradução da Bíblia Sagrada (Lisboa, 1791-1803). [DBP (1858-1914), I,
223-230].
83
Segundo Inocêncio Francisco da Silva, José Clemente foi «Presbítero da
Congregação do Oratório de Lisboa». E acrescenta: «a ser exato o que se lê em uns
brevíssimos apontamentos manuscritos, que a seu respeito e de outros padres
congregados me foram fornecidos por um deles, ainda vivo, o reverendo Vicente
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 37

modernizante e mercantilista, o Marquês de Pombal usou de extrema


dureza para com os jesuítas logo nos primeiros anos do seu governo, fiel à
sua estratégia de eliminar antecipadamente tudo o que poderia se opor ao
seu estilo autocrático84.
Em relação à Cúria Romana, ele atuou no sentido de tentar uma
desuniversalização da Igreja, a fim de subjugá-la ao Estado nacional. Ao
Papa era concedida somente a jurisdição espiritual, restringindo-lhe os
movimentos, encontrando nos juristas os pretextos e as justificativas para
isso. Pombal não chegou ao extremo do escocês Buchanan, dos ingleses
Bacon e Hobbes, e do francês Bodin, ou do holandês Grocio, que
advogavam a supremacia do Estado em matéria de religião; mas aceitou e
praticou o regalismo de seus compatriotas Antônio de Gouveia, Gabriel
Pereira de Castro, e Pascoal de Melo Freira, que concediam ao Estado
nacional jurisdição sobre tudo aquilo que não dizia respeito à tarefa
puramente espiritual que reconheciam à Igreja85.
O Marques mandou igualmente restabelecer, por lei de 6 de maio de
1765, confirmada pelos avisos de 20 de abril e 23 de agosto de 1770, o
beneplácito régio para todos os rescritos da Santa Sé, tendo a lei efeito
retroativo86. Para a instrução religiosa nas escolas impôs o Catecismo da
Diocese de Montpellier, do bispo jansenista Charles-Joachim Colbert de
Croissy (1667-1738), publicado em Paris, no ano de 1702. E por fim,
conseguiu que Antônio Pereira de Figueiredo colocasse todo o seu talento a

Ferreira, deveria ter entrado na dita Congregação em 26 de julho de 1726: mas tudo
induz a crer que houve engano de algarismo, e que o ano verdadeiro seria 1736. É para
admirar o modo como este padre conseguiu salvar a vida por ocasião do terremoto de
1755, achando-se então morador da casa do Espírito Santo de Lisboa [...] José Clemente
foi por muitos anos mestre de Teologia na Congregação, e teve por aluno entre outros o
celebre P. Antônio Pereira de Figueiredo, ao qual assistiu e confortou no derradeiro
transito, como seu confessor que era desde alguns anos. Pouco tempo sobreviveu à
morte do seu discípulo, falecendo com mais de 80 anos na mesma casa de N. S. das
Necessidades a 19 de fevereiro de 1798» [DBP (1858-1914), III, 290-291].
84
Uma prova desta política foram as «instruções secretas» enviadas ao Governador
do Pará e irmão de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, logo no segundo
ano do seu governo em 1751. Serafim Leite, no seu livro História da Companhia de
Jesus no Brasil, afirma: «o primeiro ato revelador da futura perseguição religiosa no
Brasil está nas Instruções Públicas e Secretas de 31 de Maio de 1751, assinadas pelo
secretário do Ultramar Diogo de Mendonça Corte Real [...] Junto com as instruções
públicas foram outras secretas». [S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil,
VII, 338-339].
85
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 27-28.
86
F. ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, IV, 227-228.
38 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

serviço da política religiosa e reformista que empreendera. Em 1766,


Figueiredo fez publicar a Tentativa Teológica, seguida pela Demonstração
teológica, em 1769, ambas advogando para os bispos «direitos» até então
reservados ao Sumo Pontífice. Em ditas obras ele também defendeu «que
os bispos nomeados pelos reis e ainda não confirmados pela Santa Sé
tinham direito de administrar temporal e espiritualmente suas dioceses»87.
Para Pereira de Figueiredo, às duas esferas de poder independentes
correspondiam duas comunidades sobrepostas, com igual dever de sujeição
ao poder régio, no âmbito das características que lhe eram especificas. No
seu livro Doctrina veteris ecclesiae, Pereira de Figueiredo atribuiu a Deus a
distinção dos poderes régio e papal para que cada um, nas respectivas ações
e funções, seja supremo no seu gênero e independente do outro. Deste
modo, esse autor aceitava a «existência da sociedade civil enquanto civil»,
sem que isso eximisse os reis de se submeterem à autoridade divina na
administração das coisas temporais da religião. Tendo, segundo ele, o
poder régio origem em Deus, que o dotara de jurisdição própria, o Papa não
poderia privar os reis da titularidade do império e da posse e administração
dos bens temporais. Daí resultaria a legitimação do regalismo, enquanto
doutrina de anulação de práticas tidas como injustas que haviam trazido a
submissão dos reis ao Papa, diretamente pela cessão da sua soberania, e
indiretamente por não assumirem o poder que lhes era próprio. Para os
regalistas isso era uma alteração da «ordem divina», e por este motivo se
insurgiram, considerando que «tinham sido atropelados os direitos
ancestrais dos reis, nomeadamente os direitos de soberania e de proteção».
Sobrepondo-se aos direitos de soberania, obrigavam os soberanos a
receberem os bispos nomeados pelo Papa; ignorando os direitos de
proteção esqueciam as queixas feitas pelos reis como protetores dos
cânones dos bispos88.
A Tentativa Teológica, composta em 1766, pode ser considerada a obra
maior do regalismo lusitano. Ela era dedicada aos bispos, e já na introdução
o autor esclarecia que o título Tentativa não significava a proposição de
uma nova hipótese teológica, mas sim porque esta desejava se «acomodar
às preocupações do país», o que, dito em outras palavras, significava que
tal obra era uma tentativa teológica de justificação do regalismo. Isso, aliás,
ficava explícito já no seu proêmio: «Espero dar algumas luzes, e produzir
alguns novos exemplos, que façam parecer não só muito provável, mas
também segura na praxe a referida doutrina. Por isto, a esse meu discurso
—————————–
87
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 48-50.
88
Z. O. CASTRO; Antecedentes do Regalismo Pombalino, 326.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 39

chamo de Tentativa Teológica: porque, quando não mova as vontades,


poderá ilustrar os entendimentos»89.
O interessante é que, depois de tecer duras críticas ao Papa,
insistentemente indicado como inferior aos concílios, e acusado de haver
«usurpado» as prerrogativas dos bispos, Pereira de Figueiredo conferia ao
Soberano absoluto poderes quase ilimitados de interferência na vida
eclesial. São palavras textuais suas:
É princípio moral do Evangelho, que todas as vezes que o Príncipe usa do seu
direito, e a matéria de preceito não se encontra com o Direito divino ou com a
lei natural (que então obedire oportet magis Deo quam hominibus, como diz o
Apóstolo), devemos todos obedecer prontamente como manda o Príncipe. […]
É vontade de Deus que obedeçais aos vossos reis, magistrados, e senhores: não
só aos bons e justos, mas também aos ásperos e injustos. Porque em padecer
injustamente está o nosso merecimento para com Deus. Assim ensinava São
Pedro aos fiéis, mandado-lhes obedecer sem contradição aos Príncipes
legítimos, ainda que estes fossem tão injustos e perversos como um Nero, em
cujo tempo vivia o Apóstolo. Como discípulo da mesma escola dá São Paulo a
mesma doutrina na epístola aos Romanos, capítulo 13, onde diz assim: Qui
resistit potestati, Dei ordinationi resisti. Ideo necessitate subditi estote non
solum propter iram, sem etiam propter conscientiam. Por isso deveis
necessariamente obedecer, não só para evitardes a pena temporal dos que
desobedecem ao Príncipe, mas também porque em consciência estais
obrigados por Deus a obedecer aos Superiores legítimos.
Ora, se quando o Príncipe abusa da sua autoridade, como Constâncio e
Juliano, ainda então obedeciam os Atanásios, os Melécios, os Cirilos e os
Eusébios; ainda então protestavam e ensinavam, que se lhes devia obedecer,
quem poderá excluir os bispos de Portugal de executarem um preceito tão
justificado, como o que pôs o nosso piíssimo e prudentíssimo Soberano,
quando proibiu a todos os seus vassalos o comércio e recurso a Roma? […]
Por outra parte, aos súditos não toca averiguar nem ponderar a justiça ou
injustiça destes procedimentos régios, nem o Rei tem obrigação de dar parte
aos súditos das razões que o moveram. Por ser doutrina assentada, que quando
a matéria do preceito não transcende os limites do poder régio, antes se
compreende nele, sempre a presunção de justiça deve estar a favor do Rei90.
Um tema chave na discussão do regalismo de Pombal foi também à
questão das dispensas matrimoniais, ponto importante devido às alianças
políticas e aos impedimentos de consangüinidade que dificultavam,
inclusive, os casamentos nas colônias, onde o número de mulheres brancas
—————————–
89
A. P. FIGUEIREDO, Tentativa Teológica, 11.
90
A. P. FIGUEIREDO, Tentativa Teológica, 195-199.
40 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

era reduzido. Este foi um dos temas abordados por Pereira de Figueiredo na
sua Tentativa teológica, na qual sustentava que os bispos, reassumindo a
«primitiva autoridade», podiam dispensar dos impedimentos de
consangüinidade e afinidade. Zília Osório de Castro salienta que, na mesma
obra, o autor defendia estarem os prelados diocesanos no poder e dever de
dispensar, coincidindo com a orientação da política do Marquês de Pombal,
porque «as alianças dos grandes do Reino são as que enobrecem o mesmo
Reino, e as que conservam a harmonia pública». Daí se conclui que, na
questão das dispensas, estão imbricados elementos religiosos, civis,
políticos e sociais91.
Padre José Clemente (1720-1789), considerado um dos precursores
teóricos do regalismo de Pombal, não chegou a tais extremos. Na questão
do matrimônio dizia: «se finalmente os senhores bispos não quiserem
dispensar, sem outra razão maior que não quererem. A esta razão que em
todo o sentido é a última, não tenho que responder, porque poderá haver
teologia e direito para convencer entendimentos, mas não sei que os haja
para mudar vontades». Com estas palavras, José Clemente teria, talvez,
afastado irremediavelmente a possibilidade de ser o arauto da política
regalista pombalina. Não por recusar o regalismo, mas por admitir que o
poder dos bispos pudesse desafiar o poder do Estado. E neste ponto Pombal
não admitia hesitações, sob pena de fragilizar todo o edifício que queria
construir. O que estava em causa era a proposta de um sistema que
pretendia o cerceamento da autoridade papal, por nesta ver uma
contraposição ao poder régio, tanto na ordem externa como na interna. Para
o êxito deste último aspecto, o apoio dos bispos era fundamental. Nesta
pequena exposição sobre a questão matrimonial, pode-se perceber que o
que contava era legitimar a autoridade do governante, não deixando
espaços para contestações92.
A teoria de José Clemente pode ser resumida em três pontos
fundamentais: 1º. O Papa não tinha qualquer poder sobre os bens temporais
dos Reinos; 2º. O Papa não tinha poder para depor os reis nem para privá-
los da obediência dos povos; 3º. Os reis podiam castigar os clérigos que
cometessem crimes de lesa-majestade. Neste último ponto, Pereira de
Figueiredo era mais radical e legitimava o Recurso à Coroa, defendendo
que os clérigos podiam recorrer dos tribunais eclesiásticos para os tribunais
régios, sempre que achassem que tinha havido abuso de poder. O padre
José Clemente acabou não respondendo às exigências pombalinas, ao passo

—————————–
91
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 329-330.
92
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 329-330.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 41

que o padre Pereira de Figueiredo se integrou a elas, com o radicalismo das


suas idéias93.
Nos discursos regalistas, pode-se discernir constantemente críticas mais
ou menos violentas à Cúria Romana, considerada responsável pela
usurpação de poderes que os soberanos e os bispos sofriam por parte do
Santo Padre. Segundo os regalistas, esta usurpação nasceu das decretais de
Isidoro Mercador, bispo de Sevilha, introduzidas no século IX, por
diligência do Papa Nicolau I (820-867). Eram por eles consideradas falsas,
sendo a causa instrumental de intromissão do papado no âmbito da
jurisdição episcopal e de perversão da hierarquia primitiva. O regalismo
português, a exemplo dos demais jurisdicionalismos europeus, encontrou
nos bispos seus instrumentos fundamentais, sendo eles o alvo principal das
medidas da política então vigente. De fato, o poder dos prelados
diocesanos, uma vez tornados semi-autônomos em relação ao Papa, se
convertia em parte integrante de uma ordem política centralizadora. Neste
sentido, «proteger» e «defender» seus bispados, constituía para o poder
político objetivo primordial. Do êxito de tal política dependia, em última
análise, o sucesso da intendência como Estado soberano94.
Pelas razões anteriormente mencionadas, propunha-se uma reforma
«episcopalista» da Igreja, e esta política, para atingir seus fins, não hesitou
em aliar-se com algumas correntes «ilustradas» do reformismo eclesiástico.
Daí derivaram algumas coincidências de interesses entre Pombal e os
Oratorianos95, opositores dos jesuítas. Os objetivos, porém, não eram
exatamente os mesmos, razão pela qual, a ação religiosa pombalina, que a
principio tinha-se voltado somente contra a Companhia de Jesus, logo
atingiu as demais ordens religiosas, sem poupar os padres do Oratório. Diz
Silveira Camargo que, em Portugal, após a expulsão dos jesuítas,
perseguiu-se o clero suspeito de não ver com bons olhos os atos do
primeiro Ministro de D. José. Isso teve início com a prisão do bispo de
Coimbra, D. Miguel da Anunciação (1703-1779), seguida do
encarceramento e exílio de alguns Oratorianos (em desacordo com as novas
práticas da Inquisição nas decisões sobre os livros que deveriam ser
publicados ou não), do fechamento de todas as igrejas da mesma
Congregação, e da suspensão imposta aos seus religiosos de pregar e
confessar96.

—————————–
93
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 331.
94
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 328.
95
Z. O. CASTRO, Antecedentes do regalismo pombalino, 328.
96
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 265.
42 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Por fim, em 1768, o poderoso Ministro também retirou da Inquisição o


direito de censurar os livros, passando-o para a recém-criada Real Mesa
Censória, no intuito de aumentar o controle do Estado neste âmbito. Ele,
contudo, não ousou extinguir simplesmente o tribunal da Inquisição; mas,
ao criar a mencionada Mesa Censória pelo alvará de 5 de abril de 1768,
deixou o Santo Oficio sem funções no tocante ao ensino e à censura das
publicações. À Mesa foi confiada a jurisdição exclusiva «de tudo quanto
dissesse respeito ao exame, aprovação e reprovação de livros e papeis que
viessem do estrangeiro, e ainda os que devessem ser reimpressos, ou
novamente compostos, bem como a fiscalização de todas as teses que
fossem publicamente defendidas no Reino»97.
A Inquisição há tempos havia sido ocupada pelo poder civil, ainda que
quem estava nos cargos de comando eram eclesiásticos. Ela pouco diferia
da Mesa Censória e a única diferença entre as duas foi o zelo desta última
pelas novas ciências. Ambas defenderam os interesses do Estado em face
das chamadas prepotências da Cúria Romana; e ambos não toleravam, em
principio, quaisquer idéias que considerassem «perigosas à fé católica».
Nesse contesto, o termo «perigoso à fé católica» por vezes era muito
relativo e mudava com o ponto de vista dos ocupantes de tais instituições e
as ordens religiosas às quais pertenciam. De um lado promovendo as novas
idéias cientificas, e, de outro, a defesa das políticas reformistas do Marquês
de Pombal, a Mesa Censória divulgava desde o início autores considerados
subversivos pela Cúria Romana, como o regalista bispo de Treviri, Joahann
Nikolaus von Hontheim, vulgo Justino Febrônio (1701-1790), Luois Ellies
Du Pin (1657-1719), galicano-jansenista; Pierre de Marca (1594-1662),
Van-Espen, Johan Caspar Barthel (1697-1761), Andrea Alciati (1495-
1550), Paul Joseph Ritter von Riegger (1705-1775), Heinécio (Heinecke),
Johan Hugo de Groot (Grócio, 1597-1662), Samuel Puffendorf (1632-
1694), Jean Barbeyrac (1674-1744), Gaspar de Real (1682-1752), e
Christian Friedrich Wolf (1679-1752), a maioria deles condenada pelo
Index98.
Depois da expulsão dos jesuítas e das represálias impostas aos
oratorianos, todas as demais ordens religiosas receberam um duro golpe.
Em janeiro de 1764, uma carta régia ordenava que elas suspendessem a
recepção de noviços e enviassem à Secretaria de Estado um relatório
indicando o numero de professos, de casas e um balanço dos bens e rendas
—————————–
97
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 51-53.63.
98
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 68-72.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 43

que possuíssem99. Começou-se igualmente a dificultar as relações dos


clérigos com os superiores fora de Portugal, ao tempo em que o radicalismo
na política religiosa pombalina ia aumentando com o decorrer do seu
governo e com o fortalecimento de sua autoridade. Desse modo, a reforma
pombalina do Estado englobou uma reforma eclesiástica, embora esta
última se fizesse invocando a pureza da disciplina primitiva, e aquela
encontrasse no futuro a justificação do presente. A linha guia foi o repúdio
do poder temporal da Igreja e da autoridade disciplinar pontifícia tal como
era praticada, mantendo, porém, o caráter inseparável do Estado e da Igreja,
mesmo se em uma perspectiva secularizante100.

2.1.1. Os jesuítas e o anti-jesuitismo


A Companhia de Jesus chegou em Portugal durante o reinado D. João III
(1502-1557), que lhe doou o antigo mosteiro de Santo Antão, na Mouraria
(Lisboa). Os padres fundaram, no mesmo ano de 1546, um colégio em
Coimbra, que depois se tornou a principal Universidade portuguesa e um
dos principais centros de formação jesuítica. Segundo Tarcisio Beal, «a
escolástica de Coimbra teria sido mesmo a mais progressista da Escolástica
setecentista»101.
Em breve tempo, a Companhia já possuía grandes haveres, tendo,
inclusive, aberto outro colégio em Évora, que posteriormente assumiu a
direção da Universidade que o Cardeal D. Henrique fundara naquela cidade
em 1533. A influência dos jesuítas se tornou enorme, manifestando-se na
religião, na política e no ensino. Foram eles os confessores do rei e da
nobreza, e de um modo geral, de grande número de poderosos da sociedade
da época. Tanto se multiplicaram e com tal sucesso que, já no último
quartel do século XVII, «eram a maior força dentro do Estado, suplantando
a própria nobreza». Na defesa da ortodoxia tiveram grande influência e
controle sobre a Inquisição e, conseqüentemente, sobre as teorias e os
autores modernos que poderiam ou não ser divulgados no território
português. «As novidades eram integradas e interpretadas, portanto,
neutralizadas, dentro dos dogmáticos princípios da tradição metafísico-
peripatética»102.
—————————–
99
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 54.
100
Z. O. CASTRO, Antecedentes do Regalismo Pombalino, 323.
101
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 2.
102
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 5-6, 584.
44 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

A influência da Companhia de Jesus em Portugal aumentou a partir de


1640, e se perpetuou até o século XVIII, quando as teorias do iluminismo
começaram a questioná-la. O movimento «das luzes» ensejou um ataque à
pedagogia da Ordem fundada por Santo Inácio (Luís Antônio Verney,
Verdadeiro método de estudar). Na segunda metade do século XVIII,
quase todos os governantes europeus se tornaram hostis à Companhia de
Jesus, sendo o Marquês de Pombal o representante dessa corrente no Reino
português. A mudança política em relação aos padres da Companhia
começou a ser sentida sob o reinado de D. João V (1689-1750), que se
interessou em dar maior incentivo às ciências. Por isso, ele concedeu seu
patrocínio aos oratorianos, ordem fundada por São Filipe Néri, que, em
várias ocasiões, tinham entrado em disputas teológicas com os jesuítas,
principalmente na questão jansenista, das quais ficaram guardados muitos
rancores103.
Os atritos entre as duas ordens começaram quando os jesuítas fizeram a
revisão das Réfléxions Morales, de Pascásio Quesnel (1634-1719),
discípulo de Antônio Arnauld, que resultou na bula Unigenitus, de 8 de
setembro de 1713, em que o Papa Clemente XI (1649-1721) condenou o
jansenismo. Posteriormente, as desavenças se acirram com a edição das
Lettres Provinciales, de Blaise Pascal (1623-1662). Em 1718, quando a
bula Pastoralis Officii formalmente declarou fora da Igreja quem não
reconhecesse a Unigenitus, os inimigos desta se tornaram também inimigos
da Companhia. «Os oratorianos se ressentiam da atitude dos jesuítas,
porque entre oratorianos e jansenistas existiam certas afinidades, dado que
o codificador da doutrina de Jansênio, Quesnel, fora oratoriano»104.
D. João V parece ter protegido os oratorianos para contrabalançar o
predomínio da Companhia de Jesus e introduzir em Portugal as «novas
idéias» e os métodos de ensino dos jansenistas. Os oratorianos foram os
divulgadores de autores como Francis Bacon (1561-1626), René Descartes
(1596-1650), Pierre Gassendi (1592-1655), John Locke (1632-1704) e
Antonio Genovesi, sendo também os primeiros a enfrentar os jesuítas no
campo da pedagogia portuguesa. Tiveram, inclusive, apoio de outras
ordens, já que o monopólio do ensino de que desfrutavam os padres da

—————————–
103
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 21-22; C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 57.
104
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 21-22; C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 57.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 45

Companhia era motivo de ressentimento por parte dos outros regulares.


Nasceu assim um conflito de idéias e métodos entre as duas ordens105.
Para Antônio Souza Pedroso Carnaxide, a principio Pombal não era
contrario aos jesuítas; a sua oposição contra a Companhia de Jesus
começou com as dificuldades na execução do Tratado de Limites, que na
sua opinião tinha sido causada pelos missionários das Sete Missões na
região do Prata e aqueles do Maranhão. Ao sentimento contra os ditos
padres se somou o desejo de seqüestrar-lhes os bens para tentar equilibrar
as dívidas do Tesouro Real, «que vinha de mal a pior» devido à crise de
produção brasileira, aos gastos com os investimentos mercantilistas e as
guerras contra a Espanha106.
Serafim Leite, por sua vez, argumenta que os sentimentos anti-jesuítas
do Marquês existiam antes dos acontecimentos envolvendo o referido
tratado. Ele salienta que nas Instruções enviadas para o governador do
Maranhão, em 31 de maio de 1751, existiam, além daquelas públicas,
outras secretas, versando sobre «Privilégios, Ordens e Resolução Régia».
Ditas instruções «secretas» insinuavam estarem os bens das ordens, na sua
maior parte, «contra a forma da disposição da lei do Reino», supondo ter a
Coroa o direito de dispor «das mesmas terras em execução da lei». Daí,
dava poderes ao governador para visitar as Ordens, por si ou por outrem,
«sem embargo de qualquer Privilégio, Ordem ou Resolução em contrário»,
e se existissem, o Marquês as dava «por derrogadas». Ainda versavam
sobre «o excessivo poder que tem nesse Estado os Eclesiásticos
principalmente no domínio temporal das Aldeias», ordenando então, ao
Governador, que se informasse e tratasse com o bispo se não seria «mais
conveniente ficarem os eclesiásticos somente com o domínio espiritual»,
dando-lhes côngruas por meio da real fazenda, ou seja, transformá-los em
párocos. Somente posteriormente aconteceram as discórdias sobre o
Tratado de Madrid107.
Pombal não tolerava que a soberania absoluta sofresse qualquer
interferência. Assim as reclamações que recebeu do seu irmão Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, governador e capitão-geral de Grão-Pará e
Maranhão, contra os padres da Companhia, lamentando-se das dificuldades
«causadas» pelos jesuítas na tentativa de execução das ordens «secretas»
recebidas em 1751 e do Tratado do Limites, assinado entre a Corte de

—————————–
105
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 8.
106
A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na administração Pombalina, 31.
107
S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, VII, 338-339.
46 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Lisboa e a de Madrid no ano de 1750108, somadas aos freqüentes conflitos


com os colonos no Brasil, o indispuseram definitivamente em relação aos
jesuítas109.
A aplicação do Tratado de Limites se revelou problemática não somente
no norte, mas também no sul do Brasil. No sul, os jesuítas espanhóis
evidenciaram que as imensas dificuldades encontradas em aplicar o acordo
o tornava impraticável. Uma das deficiências que apontavam era aquela
que os índios das reduções, malgrado as admoestações feitas, não
aceitavam a disposição de se mudarem para o outro lado da nova fronteira.
Como as Coroas ibéricas não acataram a argumentação dos padres, a
questão se transformou na sangrenta Guerra Guaranítica, em que os
guaranis foram subjugados após um horrendo massacre, num episódio que,
contudo, não deixou de causar sérios problemas financeiros e preocupações
—————————–
108
K. MAXWELL, Marquês de Pombal, 73; T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a
Universidade de Coimbra e a Igreja brasileira, 29-31. O Tratado de Madrid foi firmado
na capital espanhola entre D. João V de Portugal e D. Fernando VI de Espanha, em 13
de janeiro de 1750, para definir os limites entre as respectivas colônias sul-americanas.
O objetivo do tratado era substituir o de Tordesilhas, o qual já não era mais respeitado
na prática. As negociações basearam-se no chamado Mapa das Cortes, privilegiando a
utilização de rios e montanhas para demarcação dos limites. O diploma consagrou o
princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita possideatis (quem possui de
fato, deve possuir de direito). O Comissário português para as demarcações era o
próprio governador do Pará que de lá partiu a caminho do baixo Rio Negro, com grande
comitiva, para se entrevistar com o comissário espanhol, que havia de vir pelo Orenoco,
sem noticia certa de que ele já havia chegado ou se aproximava-se «naquelas distâncias
e sertões, de caminhos encachoeirados e sem gente branca», foi ato «de pessoa mal
informada, falha de responsabilidade e bom senso. Passou-se um ano e ainda houve
alimentos, alcançados a duras penas dos Missionários e dos seus Índios, ainda chegou o
dinheiro para pagar o soldo dos militares contratados em Lisboa, a quem se prometeram
especiais regalias; passou-se outro ano, e escassearam os mantimentos, não houve
dinheiro para pagar os soldados que queriam transformar em roceiros, sobrevieram os
maus tratos, graves doenças e fugiram [...] Durante tão dispendiosa, imprevidente, e,
pelos resultados, inútil viagem (o Comissário espanhol afinal não veio), o Comissário
português, Mendonça Furtado, entendeu grosseiramente que podia obrigar os
Missionários de índios da Amazônia a serem feitores de escravos para alimentar uma
empresa, realizada tão no ar como se viu». [S. LEITE, História da Companhia de Jesus
no Brasil, VII, 341-342].
109
Os padres empenharam-se na luta contra a escravidão dos índios, favorecida pelas
leis vacilantes de Portugal, e conseguiram bons resultados, ajudados pela influência do
padre Antonio Vieira sobre D. João IV. Porém entraram em conflito direto com os
colonos pelo controle da mão de obra indígena, motivo pelo qual os religiosos foram
expulsos do Maranhão e de São Paulo, com a sua posterior reintegração. Sobre esse
tema ver: A. ELLIS JUNIOR, O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano; J. M.
MONTEIRO, Negros da terra, K. MAXWELL, Marquês de Pombal.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 47

políticas à administração pombalina110. O Marquês enfureceu-se primeiro


contra os padres que considerava rebeldes ao tratado e logo depois sua
raiva alargou-se para toda a Companhia, que embora sem responsabilidades
na rebeldia, tinha fama de possuir fabulosas riquezas111.
A primeira medida de Pombal contra os jesuítas em Portugal foi à
tentativa de envolvê-los, como instigadores, nos tumultos populares do
Porto, em 23 de abril de 1757, contra a Companhia dos Vinhos, por ele
instituída. Porém, o soberano D. José I se opôs veemente. Em 8 de outubro
de 1757, o Ministro enviou a primeira carta ao Papa Bento XIV,
queixando-se dos jesuítas112.
Nos fins da década de 1750, encontrava-se a Fazenda Real em grandes
apuros. A luta contra as Missões do Uruguai e a reconstrução de Lisboa
após o terremoto de 1755, tinham custado uma soma fabulosa, ao que se
juntou a crise na produção de ouro e açúcar do Brasil113. Em meio a tantas
dificuldades financeiras, ocorreu o atentado contra D. José I, na noite de 3
de setembro de 1758. Mesmo não havendo nenhuma prova do
envolvimento dos jesuítas no caso, Pombal incluiu-os entre os penalizados.
Após alguns meses, o primeiro ministro ordenou várias prisões entre a
nobreza, principalmente na família Távora, e mandou cercar as residências
da Companhia de Jesus. Os nobres acusados da tentativa de regicídio foram
executados em 1759, e logo após, a Junta da Inconfidência que os
condenara ordenou o seqüestro dos bens, a dissolução das comunidades
jesuíticas e a prisão dos religiosos que o Governo julgasse merecedores114.
Num crescendo, em 29 de junho de 1759, o Rei D. José I ordenou
também o fechamento das aulas dos padres da Companhia e proibiu o
compêndio de Manuel Álvares, mandando substituí-lo pelo de Antônio
Pereira de Figueiredo. Finalmente, em 3 de setembro de 1759, data do
aniversário do atentado contra o Soberano, publicou-se o alvará de
expulsão dos jesuítas do Reino e domínios da Coroa Portuguesa115.
Nesse ínterim, o confisco dos bens dos fidalgos presos como culpados
pelo atentado e executados se tornou «uma mão na roda» para o Tesouro
—————————–
110
Sobre o tema e para aprofundamentos consultar: S. LEITE, História da Companhia
de Jesus no Brasil, VII, 339-341.
111
A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na administração Pombalina, 31.
112
A. S. P. CARNAXIDE; O Brasil na administração Pombalina, 19.158-159.
113
A. S. P. CARNAXIDE; O Brasil na administração Pombalina, 82.
114
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 44. Mais informações sobre o atentado ao Rei e o processo aos Távora, ver
K. MAXWELL, Marquês de Pombal, 79.88-89.
115
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 46.
48 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Real. O Duque de Aveiro, principal imputado, era detentor da maior


fortuna particular de Portugal. Além disso, os demais Távora também
possuíam vultosos bens e sempre foram opositores de Pombal. Os jesuítas
foram acusados de serem os instigadores e até mesmo os cabeças do
atentado, sendo o pe. Gabriel Malagrida (1869-1871), confessor da
Marquesa de Távora (condenada à morte), o principal imputado. Pombal
queria que alguns dos jesuítas acusados, a quem se atribuía especial
conivência no regicidio frustrado, fossem julgados e punidos pela justiça
ordinária. Segundo Carnaxide, este era «um meio para afirmar a
supremacia do poder do Estado sobre o da Igreja e, ao mesmo tempo, da
onipotência dele Ministro». Buscou, então, conseguir do Papa autorização
para que a Mesa de Consciência e Ordens concedesse ao poder secular a
competência para julgar os eclesiásticos, quando incursos em crimes de
lesa-majestade de primeira cabeça. Clemente XIII (1693-1769),
defendendo o privilégio de foro de que a Igreja gozava, negou
peremptoriamente a autorização almejada116.
Assim, para conseguir condenar e executar o pe. Malagrida, foi
necessário se organizar um processo por heresia no Santo Oficio117. A estas
—————————–
116
A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na administração Pombalina, 32.83.
117
O pe. Malagrida atraiu o ódio de Marquês de Pombal devido a sua atuação como
missionário no norte do Brasil, quando ali governava o irmão do primeiro ministro
Francisco Xavier de Mendonça Furtado. A aversão do Marquês em relação ao jesuíta
cresceu ainda mais após o terremoto de Lisboa em 1755, devido ao livro Juízo da
Verdadeira Causa do Terremoto (Lisboa, 1756), escrito por Malagrida. Nesta obra o
autor atribuía a desgraça ocorrida a um castigo divino contra a política de D. José I. A
aversão de Pombal crescia mais ainda devido à imensa reputação de Malagrida na corte
e entre a população portuguesa. No dia 11 de janeiro de 1859, Malagrida foi preso junto
a outros jesuítas, acusado de participação no atentado ao Rei D. José ocorrido no dia 1
de novembro de 1758. Pombal pretendia condenar o padre a morte e buscava alguma
aparência de legalidade, com intuito de denegrir sua imagem em todo o Reino
português. Ele chegou a requerer a Roma o direito de julgá-lo em um tribunal civil, o
que lhe foi negado. Em 6 de dezembro de 1860, Pombal denunciou o pe. Malagrida à
Inquisição como falso profeta e herético, imputando a ele dois escritos: Vida de Santa
Ana e Tratado da Vida e Império do Anti-Cristo. Estas obras nunca foram colocadas à
disposição do público, porém, dos trechos citados no processo, se a obra tiver sido
realmente escrita por ele, eram sinais de que não estava mais em sã consciência. Para se
ter uma noção disso é suficiente conferir um pequeno trecho, segundo o qual, Santa
Ana, «antes mesmo de nascer, já tinha feito os três votos religiosos, e para não
desagradar a nenhuma das três pessoas da SS. Trindade, consagrou a pobreza ao Pai, a
obediência ao Filho e a castidade ao Espírito Santo». O livro Tratado da Vida e Império
do Anti-Cristo era igualmente delirante: «Que há de vir três Anticristos; o Padre, o Filho
e o Primo; que este nascerá em Milão no ano de 2920 de um monge e uma religiosa; e
que em seguida ele se casaria com Preserpina...». Os inquisidores, cujo presidente era
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 49

alturas, o que movia Pombal não era somente o seu ódio contra os jesuítas,
mas, talvez principalmente, o interesse na expropriação dos seus bens,
como já vinha sendo planejado e executado antes da condenação destes
como instigadores na tentativa de assassinato real e da sua expulsão do
Reino. Por conseqüência, a perseguição à Companhia de Jesus
provavelmente não teve como causa determinante a tentativa de regicidio,
muito embora fosse esse o fundamento com que a justificava Pombal. «A
perseguição à Companhia de Jesus, – pelo menos no tocante aos seus bens
já estava decretada e em parte executada quando se deu o atentado em 3 de
Setembro de 1758». Porém no processo de confisco, «foi ele colher o
amargor duma decepção. Esperava ali achar mundos e fundos. Afinal
rendeu muito pouquinho»118.
Pombal, decidido como estava a suprimir a Companhia de Jesus,
promoveu, então, uma campanha difamatória internacional no intuito de
forçar o Papa a tomar tal decisão. Assim, em 1757, fez redigir na Secretaria
de Estado a obra intitulada Relação Abreviada, em que expôs o rol de
queixas do Governo português contra os jesuítas, traduzindo-a depois em
várias línguas e difundindo-a profusamente pela Europa. Entre as queixas
constava, por exemplo, o fato da Companhia haver tentado invalidar o
Tratado de Madrid, de haver obstado a entrada nas reduções de qualquer
pessoa estranha, inclusive do bispo, do governador, e dos oficiais do Rei;
de haver proibido o uso do português e do espanhol nos limites da referidas
reduções, para assim impedir a comunicação entre índios e brancos; de
haver reduzido os nativos a uma obediência cega aos missionários; de
haver insuflado neles ódio contra os brancos seculares, dizendo que
adoravam o ouro e traziam o demônio no corpo; de haver organizado e
armado um exército para combater as monarquias; de haver desobedecido
às bulas papais e às ordens régias ao praticarem o comércio119.
A Relação Abreviada praticamente reduzia os missionários jesuítas do
Brasil e do Paraguai a atrozes escravistas, e suas missões a algo comparável
a um cenário de horrores:

Paulo Carvalho, irmão de Pombal, ignorando o estado mental do acusado, condenaram-


no como falso profeta e herético, dando-lhe a pena de estrangulamento com posterior
queima na fogueira da inquisição na praça do Rossio em Lisboa. Foi organizado um
verdadeiro espetáculo para a execução, e assim, o suplício do pe. Malagrida se iniciou
na noite do dia 20 de setembro de 1861, terminando apenas às quatro da manhã do dia
21 [ DHCJ; FRANCISCO BUTIÑA, Vita del P. Gabriele Malagrida].
118
A. S. P. CARNAXIDE, O Brasil na administração Pombalina, 35.84-88.
119
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 38-39.
50 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Achando-se a Corte de Lisboa apartada, pelas simulações dos mesmos


Padres, de toda informação daqueles vastos projetos de conquista, que eles
por tantos anos paliaram com o sagrado véu do zelo da propagação do
Evangelho, e da dilatação da fé católica, lhes não foi difícil obterem dela
diferentes privilégios, e conseguirem muito mais tolerâncias, com que nos
Estados do Grão Pará e Maranhão, acumulando abusos e abusos, vieram a
fazer-se absolutos senhores do governo espiritual e temporal dos índios;
pondo-os no mais rígido cativeiro, a título de zelarem a sua liberdade, e
usurpando-lhe não só todas as terras e frutos que delas extraíam, mas
também até o próprio trabalho corporal; de sorte que nem tempo lhe
permitiam para lavrarem o pouco a que se reduz o seu miserabilíssimo
sustento, nem lhes ministravam a pouca e insignificante roupa, que bastaria
para cobrir a nudez com que estes infelizes racionais se expunham
indecentemente aos olhos do povo.
Para sustentarem um tão desumano e intolerável despotismo, estabeleceram
as mesmas máximas que haviam praticado na outra parte do sul, proibindo
todo o ingresso dos portugueses nas aldeias dos índios, que os seus
Religiosos administravam, debaixo do pretexto de que os seculares iriam
perverter a inocência dos costumes dos referidos índios; e defendendo nas
mesmas aldeias o não uso da língua portuguesa, para melhor assegurarem
que não houvesse comunicação entre os referidos índios e brancos, vassalos
de Sua Majestade Fidelíssima120.
Outra obra de enorme repercussão foi a Dedução Cronológica e
Analítica. Editada em Lisboa no ano de 1768, ela se tornou a principal
arma da propaganda anti-jesuíta, relançando contra a Companhia velhas
acusações e acrescentando novas. Composta de três volumes, trazia o nome
do desembargador da casa de suplicação e procurador da Coroa, José
Seabra Silva (1732-1813), como autor, mas supõe-se que tenha sido
redigida por vários indivíduos, sob o controle direto de Pombal. Sem omitir
as fontes jansenistas em que se inspirara, o tom usado era de verdadeiro
libelo e confirmava várias características já apontadas sobre o regalismo
pombalino:
A entrada dos jesuítas [o grifo é do autor] fez em Portugal, e em todos os
seus domínios, não tem semelhante, que não seja os estragos da invasão com
que os mouros oprimiram e assolaram a Espanha. [...] O doutíssimo Antoine
Arnauld (cuja vasta erudição suscitou contra si toda a fúria dos mesmos
chamados jesuítas), na Alegação que publicou para os impugnar. [...] São
coisas manifestas: Serem inerentes ao supremo poder dos Príncipes Soberanos

—————————–
120
Coleção dos Negócios de Roma do reinado de El-Rei Dom José I, I, 22-23.27.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 51

os importantíssimos direitos, não só de censura e proibição de livros, que não


pertencem à religião e à doutrina; mas, ainda nestes mesmos livros dogmáticos
e doutrinais, a coação externa de multas e penas corporais contra os
impressores, livreiros e mercadores dos referidos livros, e serem eles direitos
desde a fundação da Igreja, pertencentes aos ditos soberanos em geral, e em
particular, aos senhores reis destes Reinos. É igualmente manifesto de fato,
que os referidos curiais e jesuítas, em comum e uniforme acordo, esbulharam a
Coroa destes Reinos daquele importante e inauferível direito121.
Também no Brasil essa literatura encontrou seguidores. Depois que a
inteira Companhia foi expulsa de Portugal em 1759, o escritor mineiro José
Basílio da Gama (1741-1795), associou-se à empresa difamatória em curso.
Em 1769, ele compôs O Uruguai, dedicado «ao ilustríssimo e
excelentíssimo Senhor Conde de Oeiras». Tratava-se de um poema
dividido em cinco contos, discorrendo sobre a Guerra Guaranítica, no qual
os jesuítas eram descritos da forma mais vil. A obra se encerrava com um
louvor a Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela (1685-1763) por
haver «libertado» os guaranis do domínio da Companhia de Jesus, ao
mover a citada guerra:
O invicto Andrade; e generoso, entanto,
Reprime a militar licença, e a todos
Co’a grande sombra ampara: alegre e brando
No meio da vitória. Em roda o cercam
(Nem se enganaram) procurando abrigo
Chorosas mães, e filhos inocentes,
E curvos pais e tímidas donzelas.
Sossegado o tumulto e conhecidas
As vis astúcias de Tadeu e Balda,
Cai a infame República por terra122.
A política denegridora do Marquês achou fértil terreno nos adversários
da Companhia, reforçando uma prolífera literatura antijesuítica, na qual os
padres eram considerados gananciosos, sediciosos, promotores de
conspirações, mentirosos, autoritários, antiprogressistas e representantes de
interesses de uma autoridade estrangeira. O antijesuítismo continuará pelo
restante do século XVIII, prosseguirá incólume durante o século XIX e,
somente no século XX, perderá força. Durante o Segundo Império, ser
chamado de jesuíta pelos regalistas, liberais e maçons era um pejorativo. O

—————————–
121
J. S. DA SILVA, Dedução Cronológica e analítica, parte I, 1.5.201.
122
J. B. GAMA, O Uruguai, 100-101.
52 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

«jesuitismo» e o «ultramontanismo» foram logo identificados e associados


por estes grupos.

2.1.2. A reforma pombalina da Universidade de Coimbra


A reforma da Universidade de Coimbra em 1772, é fundamental para a
compreensão da política pombalina, razão pela qual grande parte da
historiografia luso-brasileira a considera como ponto chave de um processo
revolucionário na cultura educacional e política de Portugal e suas colônias,
principalmente o Brasil. Um estudo bem elaborado e documentado a
respeito é a obra Elites Mineiras Setecentistas: conjunção de dois mundos,
de Virgínia Maria Trindade Valadares. A autora joga novas luzes e
possibilidades de interpretação dessa reforma, demonstrando o caráter
conservador que teve e os limites que impossibilitaram a sua total
implantação. Virgínia Valadares investigou a realidade cultural, política e
educacional da referida Universidade no século XVIII, incluindo aí a
aplicação prática dos estatutos, com o respectivo levantamento dos alunos
mineiros que nela se formaram ao longo do século XVIII, bem como suas
posteriores reinserções ou não na realidade mineira colonial, demonstrando
qual a ação destes estudantes como agentes históricos em tal sociedade123.
Segundo a autora, a Universidade de Coimbra foi a entidade formadora
das ideologias e das elites profissionais que dominaram, durante séculos,
não apenas a política do Reino, mas também a dos domínios ultramarinos
portugueses. Ela foi utilizada pelo Estado como um instrumento de
reprodução da ordem instituída, caracteristicamente patrimonial, estamental
e burocrática, mesmo depois de Pombal. O rei era o seu protetor e, como
tal, determinava as funções acadêmicas da Universidade coimbrense, como
o fez D. José I, que consentiu que o Marquês de Pombal detivesse pleno
poder de ação sobre ela. Investido de tão grande prerrogativa, o Marquês,
por meio do novo grupo que instituiu para dirigir a veneranda instituição
coimbrense, logo deu início ao seu projeto reformista. Uma das suas
preocupações foi eliminar a influência da escolástica e dos jesuítas, a quem
imputava a responsabilidade pelo atraso daquela Universidade.
Paralelamente, além de constituir um aparato de intelectuais afinados com
suas idéias, Pombal também almejou constituir uma burguesia nacional
forte124.
A autora entende que a reforma não teve a eficácia decantada, posto que
se fixou mais no simbólico e menos na realidade. «A reforma foi construída
—————————–
123
Sobre isso consultar: V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas.
124
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 49.53-54.241.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 53

de cima para baixo, sem que houvesse mudança efetiva na mentalidade da


sociedade portuguesa». Pombal fez com que a sua vontade política se
transformasse na vontade do grupo que criou e que passou a representar.
Seus objetivos eram secularizantes e regalistas, no intuito de submeter a
educação às novas diretrizes do Estado, bem como limitar a influência
eclesiástica, submetendo-a à autoridade real125.
No processo de reforma dos Estatutos de 1772, foi usado o discurso da
ignorância das leis antigas como propaganda de uma prática aparentemente
inovadora; mas, de fato, D. José I assumiu o encargo de «protetor» da
instituição por quase duas décadas e a dirigiu de acordo com os Estatutos
de 1653, e assim permaneceu até o ano da mencionada reforma. Além
disso, tal direção foi exercida sob o regime dos Estatutos novíssimos
somente por um período de cinco anos. A razão foi que, na prática, a
administração da Universidade, exercida pelo rei durante aproximadamente
quinze anos, fundamentou-se nos Estatutos que ele próprio denominara de
«ignorantes»126.
O alvará de 1765, foi a primeira grande intervenção de D. José I nos
Estatutos da Universidade de Coimbra. A reformulação foi, a partir daí,
imposta pouco a pouco, até ser concretizada em definitivo com a
elaboração de um novo Estatuto em 1772. Em 5 de abril de 1768, foi criada
a Real Mesa Censória, substituindo a censura tríplice. Em 1770, nomeou-se
outra comissão, em perfeita sintonia com a política do Marquês de Pombal,
denominada Junta de Previdência Literária, «cuja função era examinar e
dar parecer às causas da decadência do ensino na Universidade de
Coimbra». Ligado à Real Mesa Censória, foi criado, pelo alvará de 10 de
novembro de 1772, o Subsídio Literário que era um novo imposto «com a
finalidade de subsidiar as despesas provenientes da obra pedagógica do
Marquês de Pombal»127. No entanto, como demonstra muito bem José
Ferreira Carrato, este imposto acabou sendo usado para outros fins, como
até mesmo para o financiamento de guerras contra as colônias espanholas
na América do Sul128.
—————————–
125
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 54.95.
126
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 124.
127
Censura tríplice: «Até 1768, a censura em Portugal era exercida por três tribunais:
o Ordinário, a Inquisição e o Desembargo do Paço. Os três tribunais eram
independentes uns dos outros, possuindo cada um deles as suas próprias normas e
regulamentos. O Ordinário e o Santo Oficio defendiam as bases da Igreja Católica,
enquanto o Desembargo do Paço cuidava dos pressupostos do poder civil» [V. M. T.
VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 87.130-132].
128
Sobre isso consultar: J. F. CARRATO, Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras
Coloniais.
54 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

No processo de reforma da Universidade de Coimbra, é necessário


salientar outros aspectos menos nobres que a caracterizaram.
Primeiramente, em 25 de setembro 1771, um aviso mandou suspender os
estatutos existentes, depois que um decreto, datado de 8 de maio do ano
precedente, nomeara o regalista brasileiro Francisco Lemos de Farias
Pereira Coutinho (1735-1822), reitor da mesma instituição e o encarregara
de levar a cabo a citada reforma. Além disso, uma carta régia conferiu a
Pombal a prerrogativa de reformador oficial e visitador da secular
Universidade, «com jurisdição privativa, exclusiva e ilimitada». Tem-se
aqui uma boa demonstração das práticas do Marquês: bem de acordo com
seu estilo, ele fez valer as prerrogativas em que tinha sido investido, e
circundado por um portentoso esquadrão de soldados armados, penetrou na
escola e lá ficou de 22 de setembro a 24 de outubro de 1771, período em
que cometeu um dos mais controversos gestos contra a cultura portuguesa:
invadiu a biblioteca do Real Colégio de Artes da Companhia de Jesus e
mandou que os milhares de livros que lá se encontravam fossem dados às
chamas, fazendo perder para sempre obras únicas129.
Os membros da Junta de Previdência Literária eram todos da
administração pombalina e fieis servidores da Coroa130. Previsivelmente, o
primeiro trabalho impresso por eles foi um libelo contra os jesuítas e a sua
metodologia de ensino, intitulado Compêndio Histórico do Estado da
Universidade de Coimbra, publicado em 1771. Em menos de dois anos de
trabalhos, a Junta publicou os novos Estatutos131. Cândido Mendes de
—————————–
129
A. ECKART, Memórias de um jesuíta prisioneiro de Pombal, 168-169.
130
Serviu de Presidente da Junta da Providencia Literária o Cardeal D. João Cosme
da Cunha, e entre os vogais se encontram fr. Manuel do Cenáculo, Presidente da Real
Mesa Censória, Antonio Pereira de Figueiredo, Deputado da mesma Mesa, os doutores
José Ricalde Pereira de Castro, e José de Seabra da Silva, este último Desembargador
do Paço e Procurador da Coroa; o doutor Antônio Marques Giraldes, Deputado da Mesa
de Consciência e Ordens; D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, Reitor da
Universidade de Coimbra; o doutor Manuel Pereira da Silva, Desembargador do
Tribunal de Agravos de Casa de Suplicação, e o doutor João Pereira Ramos de
Azevedo, Desembargador da mesma Casa. Todos membros da administração pombalina
e servidores da Coroa. O primeiro trabalho impresso da Junta da Providência Literária
foi o Compendio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra de 1771, «que era,
como se esperava, um libelo contra os jesuítas». [T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas,
a Universidade de Coimbra e a Igreja brasileira, 79].
131
«Antes de torná-los públicos, porém, o Marquês mandou suspender as aulas da
Universidade a 25 de setembro de 1771, e recolher todos os exemplares dos velhos
Estatutos. A carta régia de confirmação e publicação dos novos Estatutos saiu a 28 de
agosto de 1772, juntamente com outra carta que nomeava o Marquês visitador, com
plenos poderes para a nova fundação da Universidade. A carta régia de 11 de setembro
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 55

Almeida, importante jurista e ultramontano do século XIX, definiu o


acontecido do seguinte modo:
Em três grossos volumes estão condensadas todas as idéias, todas as
pretensões da seita Jansenico-Galicana. [...] Os Estatutos de Coimbra do ano
de 1772 eram o Código da seita; foi nessa obra que ela com todo o artifício,
em que era eminente, vazou todo o seu veneno, e por isso procurou dar-lhe a
maior celebridade possível132.
Na avaliação da Junta de Previdência Literária, os Estatutos de 1598 e de
1612, foram elaborados por influência dos jesuítas e eram responsáveis
pela total destruição do ensino na Universidade, uma vez que, em lugar de
estabelecerem regras e métodos para os estudos, promulgaram um
«corrupto e abusivo sistema de ignorância de todas as Artes Liberais e de
todas as Ciências Teológicas, Canônicas, Civis, Médicas e Matemáticas».
O documento acusava os jesuítas de serem os únicos responsáveis pela
decadência do ensino na Universidade de Coimbra. Segundo Virginia
Valadares, «com claro juízo de valor, adjetivaram os jesuítas de
maquinadores, corruptos, malévolos, ignorantes, despóticos (como se o
Regime para o qual trabalhavam e serviam não o fosse), destruidores e de
espírito façanhosos». Evidenciava-se, assim, que as críticas do Compêndio
Histórico se encontravam articuladas à política montada pelo Marquês de
Pombal133.
O propósito de controlar todos os órgãos até então sob o domínio dos
jesuítas se integrava num projeto maior, que era o de afirmar o primado da
autoridade real, civil e laica sobre a autoridade eclesiástica. Em essência, o
duelo travado na Universidade de Coimbra pelo Marquês de Pombal contra
os jesuítas concentrava-se na oposição do aparelho burocrático ao
eclesiástico. Nesse duelo, o aparelho burocrático ganhou força, com idéias
favoráveis à secularização e com a adesão de pessoas privilegiadas pelo
Marquês que assumiram postos estratégicos de comando. Dessa forma,
«afirmava-se o poder do Estado, a força do seu aparelho, a autoridade
monárquica absolutista, enfim, o poder do próprio primeiro-ministro e do
séqüito que o apoiava». Este processo de oposição do aparelho burocrático
ao eclesiástico foi transmitido ao Brasil e se manteve até o fim do Segundo

nomeava D. Francisco de Lemos reformador da Universidade, cargo em que deveria


prestar juramento nas mãos do Visitador. No dia 29 de setembro na Universidade de
Coimbra se fez a pomposa proclamação dos Estatutos» [T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os
jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja brasileira, 85].
132
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, 53-54.
133
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 135.
56 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Império. Apesar das críticas aos jesuítas, a Igreja «era conservada,


permitida e considerada como sumamente necessária», o que facilitou a
Pombal encontrar grandes colaboradores no seio clerical. Desejava-se uma
cultura moderna, com base espiritual e religiosa, mas sob a égide do Estado
secular que tivesse controle sobre a Igreja134.
A partir de 1772, foram implementadas várias mudanças, como a
obrigatoriedade de freqüência às aulas, o uso obrigatório de compêndios, a
substituição do método analítico pelo método sintético-demonstrativo-
compendiário135. No ano seguinte, assistiu-se a uma consistente diminuição
de alunos inscritos na Universidade e, em 1773, o número de matrículas
chegou a aproximadamente oitocentos e trinta e três, ao passo que antes
dessa data, matriculavam-se cerca de três mil alunos por ano. A reforma
caracterizou-se «pelo ecletismo e por fazer a transição do ensino
escolástico medieval para o cientificismo pregado no século XVII. Nunca
foi, na verdade, um avanço para a modernidade». O modelo do novo
intelectual saído de Coimbra formaria, fundamentalmente, uma elite que
defendesse as «luzes», sem romper com o absolutismo; que pretendia ser
«moderno», sem romper com o tradicional e arcaico; queria um Estado
autônomo, sem romper com a Igreja; enfim, desejava a liberdade colonial,
sem romper com a escravidão negra ou com outros tipos de escravidão
impostos pelo modelo colonizador136.
Antes das reformas, os Estatutos não eram seguidos, o que comandava
eram as mercês, os favores, as vontades dos dirigentes e do rei. Com a
reforma, este costume não mudou, e se «pode dizer que se manteve a
ilegalidade na legalidade dos Estatutos», pois, na prática, eles não eram
obedecidos. A censura realizada antes das reformas dependia de um tríplice
tribunal que foi posteriormente unificado na Mesa Censória, mas sua
função e rigor continuaram os mesmos. Ou seja, não houve mudança no
controle e na censura aos atos e leituras dos alunos e professores da
Universidade de Coimbra. O que mudou «foi à forma de reprimir, usando
um discurso moderno para velhas práticas, e órgãos novos para a mesma
função opressora. O importante era fazer cumprir o seu sistema, a sua
vontade e a sua política». A reforma quis criar, na Universidade
coimbrense, uma mente esclarecida nos moldes do século XVIII, «mas
—————————–
134
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 171-172.
135
No método sintético, o professor organizava o curso, estabelecendo um programa
para cada matéria, de modo a percorrer todos os seus pontos, dando aos alunos uma
visão de conjunto de cada disciplina [V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras
Setecentistas, 145].
136
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 145.169.173.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 57

nunca desejou abrir, na própria Universidade, caminho para a autonomia e


independência intelectuais», já que apoiava-se numa forte prerrogativa
regalista e obediência aos princípios da política vigente. A Universidade de
Coimbra, durante todo o século citado, educou os seus alunos «para a
obediência e a subserviência à estrutura política legitimada, para serem
perfeitos conservadores e defensores da ordem»137.
As medidas adotadas não eram eficazes para superar a mentalidade
medievalista e teocêntrica que impregnava o inteiro ordenamento
universitário, razão pela qual não produziram resultados concretos nos
cinco anos de prevalência da reforma, de 1772 a 1777, quando o Marquês
perdeu o seu poder e a sociedade portuguesa, assim como a Universidade,
ficou submetida à outra égide ideológica. Em essência, «a Universidade
coimbrã continuava conservadora, acéfala e um bom canal de adestramento
da elite, sobretudo jurídica, a quem cabia à magistratura a legitimação do
poder real estabelecido». Além disso, os Estatutos de 1772 permaneceram
incompletos e não funcionaram como deviam. A obra renovadora restou,
portanto, inacabada e os reflexos negativos surgiriam sob o reinado de D.
Maria I: «não havia alunos para as novas faculdades; faltavam professores
em todos os cursos e cadeiras; os salários eram baixos e desiguais. Enfim, a
Universidade de Coimbra era o retrato da decadência», ou «um arremedo,
uma aparência de bom ensino, modernidade e progresso»138.
Os novos Estatutos da Universidade foram agrupadas em três divisões:
Ciências Teológicas, Ciências Jurídicas e Ciências Naturais e Filosóficas,
publicados em três volumes. Todo o ensino universitário, segundo os
Estatutos, consubstanciava-se nas Faculdades de Teologia, Cânones,
Medicina, Matemática e Filosofia, cada uma com seu estatuto particular139.
Segundo Virgínia Valadares, os cursos de Leis e Cânones receberam
«uma roupagem diferente, mas com o mesmo tecido», enquanto no curso
de teologia a mudança efetuada, além de trazer renovações periféricas,
apenas serviu para diminuir seu prestigio. A constatação de Virgínia
Valadares de ter havido somente renovações periféricas no curso de
teologia procede apenas no tocante à estruturação dos cursos e da carga

—————————–
137
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 72.135.139-140.
138
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 138.174.201.206.
139
As faculdades de Matemática e Filosofia eram cursos novos criados com a
reforma, mas praticamente sem a presença de alunos ordinários até ao final do século
XVIII [T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 88]
58 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

horária, mas não no que diz respeito ao conteúdo, que sofreu modificações
fundamentais140.
A teologia reformada de Coimbra adotou uma concepção eclesial
regalista que influenciou gerações inteiras. Como recorda Cândido Mendes
de Almeida, duas mudanças resultaram fundamentais: 1 – O desprezo
declarado pelo Concílio de Trento: já presente na Dedução Cronológica, na
qual o Ministro assegurou que o recebimento das decisões tridentinas em
todo Reino fora «obra dos jesuítas», e que, portanto, eram nulas; 2 – A
mudança da concepção eclesiológica vigente: até então se ensinara que a
Igreja era «a sociedade dos fiéis reunida debaixo de um só chefe, que é
Jesus Cristo, pela comunhão de crenças e participação aos sacramentos, sob
direção de seus legítimos pastores, principalmente o Pontífice Romano».
Pois bem, com o pombalismo, o Código de Coimbra para os professores
passou a afirmar o seguinte:
A Igreja é uma congregação de homens unidos em Cristo pelo batismo para
que vivendo todos conformes à norma estabelecida no Evangelho, e
proclamada pelos Apóstolos em todo o mundo, e debaixo da direção e governo
de uma cabeça visível, e de outros pastores legítimos, possam honrar bem o
verdadeiro Deus; e por meio desse culto conseguir a bem-aventurança
eterna141.
Nos Estatutos é fácil perceber as doutrinas regalistas. No volume de
Teologia, defende-se o cristianismo da Igreja primitiva, coisa comum às
teorias regalistas do século XVIII, além de se insistir em uma «sincera»
interpretação da história, perceptível no seguinte aviso aos professores:
Não julgará, porém, nem pretenderá jamais medir, e regular a Disciplina
antiga pela moderna. Não torcerá o verdadeiro sentido dos fatos, sucesso, e
Cânones antigos; para poder acomodá-los, ajustá-los, e concordá-los aos dos
últimos séculos, com o sinistro fim de persuadir, que o que hoje se observa, foi
sempre o mesmo, e para por este meio paliar, defender, e sustentar os abusos,
que tanto tem feito degenerar a mesma Disciplina da sua antiga pureza142.
No segundo volume dos Estatutos, o das Leis e Cânones, as doutrinas
regalistas ganhavam contornos precisos. A intenção de enfraquecer a
autoridade pontifícia por meio da defesa do conciliarismo se tornava
—————————–
140
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 137.
141
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. II, Tit. IV, Cap. 4, parágrafo 6, em C.
M. ALMEIDA, Direito civil e eclesiástico brasileiro, I, parte I, 107.
142
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. I, Tit. VI, Cap. IV, parágrafos 1-11,
em T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 59

explícita na passagem exigindo aos professores da Universidade que


ensinassem aos alunos o seguinte:
Fará ver: Que a Cabeça visível, que Cristo deu à Igreja, é o sumo Pontífice;
que a forma de governo dela consiste em que aquele Supremo Pastor e Primaz
a governe juntamente com os Bispos; não como Senhor, e Monarca com livre
Poder, e pleno domínio dos Cânones, ainda que tenham sido estabelecidos nos
Concilio Universal da Igreja; mas sim como bom Presidente, Administrador, e
Dispensador prudente de tudo o que pode conduzir para edificação dos
Fieis143.
Nos estatutos de Leis e Cânones se defendia a idéia que a Igreja recebera
seu poder tanto dos apóstolos quanto dos imperadores, tendo os segundos,
logicamente, a faculdade de requerê-los de volta, para o bem da própria
Igreja144. Também consideravam parte da autoridade temporal eclesiástica
como um privilégio recebido do Estado. Em pratica, se defendia uma igreja
nacional, dependente do poder temporal, mas sem separar-se da Igreja
Universal145.
Este era o parecer de Cândido Mendes de Almeida a respeito:
Criavam-se as Igrejas Nacionais, [grifo do original] dependentes do Poder
Temporal, e em fictícia sujeição não à Igreja Apostólica de Roma, Mãe e
Mestra de todas, mas a uma Igreja Universal, inteiramente nominal, que com
dificuldade se congregaria para fazer valer seus direitos, e impor um regime,
sendo este em cada Nação aquilo que o Poder Temporal houvesse por bem146.
Segundo os estatutos, o ministério público da Igreja possuía limites
precisos, a saber:
o modo de administrar os Sacramentos; de celebrar os Concilio; de mandar e
de receber os Núncios e Delegados Apostólicos, de fazer as Visitas sagradas;
de eleger os Prelados; de reedificar as Igrejas; de comunicar as causas mistas

—————————–
143
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. II, Tit. IV, Cap. IV, parágrafo 10, em
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93; C. M. ALMEIDA, Direito civil e eclesiástico brasileiro, I, parte I, 108-
109.
144
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. II, Tit. IV, Cap. II, parágrafo 12 e
parágrafo 18 em T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a
Igreja brasileira, 89-93.
145
Estatutos da Universidade de Coimbra; Liv. II, Tit. IV, Cap. II, parágrafo 13 em
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93.
146
C. M. ALMEIDA, Direito civil e eclesiástico brasileiro, I, parte I, 109.
60 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

com os Príncipes Seculares; de corrigir os delinqüentes; de determinar as


precedências; e outros semelhantes147.
Ao mesmo tempo, defendia-se tanto o direito que tinha o Estado de
intervir na disciplina da Igreja, quanto sua autoridade sobre as coisas
sagradas, tese, aliás, comum entre os regalistas dos séculos XVII e XVIII.
Nesse contexto, a Igreja se via reduzida a uma dependência da
administração do poder constituído, o qual estava igualmente investido da
prerrogativa de autorizar ou recusar disposições de Direito Canônico ou
documentos pontifícios. Tratava-se do famoso Beneplácito Régio148. E isso
não era tudo: também se advogava a abolição do foro eclesiástico149,
chegando-se a ponto de colocar o Direito Natural acima do Divino150.
No caso específico dos Estatutos da Universidade de Coimbra, ficava
evidente que advogavam as seguintes teses regalistas: 1 – a superioridade
da igreja primitiva; 2 – que o Concilio Geral tinha autoridade sobre o Papa;
3 – que muitos poderes da Igreja são privilégios cedidos pelo Estado; 4 – a
defesa de igrejas nacionais ligadas ao poder civil quase como uma
dependência da sua administração; 5 – o direito de fiscalização e
intervenção do Estado nas coisas sagradas; 6 – o Recurso a Coroa; 7 – a
negação de um poder coercitivo à Igreja, ou seja, fim do Foro Eclesiástico;
8 – a institucionalização do Beneplácito régio para os documentos
pontifícios151. Os Estatutos chegaram ao conhecimento da Santa Sé e,
especialmente, da Secretaria de Estado, por meio dos seus Núncios
Apostólicos. A Cúria, porém, não pronunciou qualquer censura152.

—————————–
147
Estatutos da Universidade de Coimbra; Liv. II, Tit. VIII, Cap. II, parágrafo 26, em
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93.
148
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. II, Tit. VIII, Cap. II, parágrafo 28 em
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93.
149
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. II, Tit. VIII, Cap. II, parágrafo 29 em
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93.
150
Estatutos da Universidade de Coimbra, Liv. II, Tit. VIII, Cap. II, parágrafo 30, em
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 89-93.
151
Sobre isso consultar: T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de
Coimbra e a Igreja brasileira, 88-100; C. M. ALMEIDA, Direito civil e eclesiástico
brasileiro, I, parte I, 106-147.
152
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira,100.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 61

A reforma pombalina influenciou muito o Brasil. Coimbra se tornou o


centro único de formação de excelência em todo império português e a
juventude das elites da metrópole e das colônias ali foi estudar. Além disso,
seus estatutos viraram norma para os Seminários e Universidades da época,
como foi o caso do Seminário de Olinda, no Brasil, fundado em 1800, pelo
bispo José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (1742-1821). Por outro
lado, os brasileiros «de posses» que tinham condição de estudar na referida
Universidade tornaram-se, na sua maioria, indiferentes à religião, regalistas
e sequazes do liberalismo, mas sem renunciar, contudo, à defesa dos
próprios privilégios e do status quo que os assegurava153. O parecer de
Cândido Mendes de Almeida a respeito é ilustrativo, pois explica com
clareza o resultado da formação acadêmica coimbrense:
As conseqüências sérias do estudo e aplicação desse Direito são a
justificação do Poder absoluto seja dos Reis, seja dos Estados, desde que há
um direito legal, superior ao da consciência. Nesta parte o instinto dos seus
interesses não falhou entre os redatores dos Estatutos de 1772. O absolutismo
real foi proclamado como uma conseqüência lógica de tais doutrinas. A teoria
política desses Estatutos que são um Código completo de arbítrio, consiste no
seguinte: no mundo há dois poderes iguais em importância, que o regem e
governam no temporal e espiritual: o Poder Real e a Igreja. Ambos são
declarados independentes, e de origem divina imediata e direta. Mas, diz-se
logo, colocados estes poderes em frente um do outro ficaram expostos a uma
rivalidade fatal a Sociedade. Por isso com prudente cautela, ao Poder espiritual
contesta-se que possa nem direta nem indiretamente influir sobre as coisas
temporais quaisquer que elas sejam. E, contudo deve haver harmonia nas
relações destes dois Poderes, para que a Sociedade humana possa marchar sem
tropeços no seu aperfeiçoamento. O remédio invocado por esta singular
terapêutica limita-se a observância de dois preceitos. Restringir a ação da
igreja às coisas puramente do espírito, e dar-se ao Poder Real a fiscalização
dos seus atos, sob o fundamento da manutenção da ordem pública, e
protetorado dos Cânones! [grifos do original]154.

—————————–
153
P. F. S. CAMARGO, História eclesiástica do Brasil, 266. Maria Graham, preceptora
dos filhos do Imperador Dom Pedro I, deixou um interessante parecer a respeito: «Dos
poucos [brasileiros] que lêem assuntos políticos, a maior parte é discípula de Voltaire e
excede-se nas suas doutrinas sobre política, e igualmente em desrespeito à religião; por
isso, para a gente moderada, que tenha passado pela experiência das revoluções
européias, suas dissertações são às vezes revoltantes» [M. GRAHAM, Diário de uma
viagem ao Brasil, 162].
154
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 182-183.
62 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

3. O regalismo no Brasil independente e seus desdobramentos


O sistema político-religioso português, em que a hierarquia eclesiástica
desempenhava tanto funções públicas quanto religiosas, favoreceu a
participação do clero brasileiro em várias áreas da sociedade: na economia,
na política, na pública administração e nas oligarquias locais e regionais.
Isso também explica porque, na época da independência, eclesiásticos
tenham tomado parte tanto no processo emancipatório quanto na
organização administrativa do novo país155.
A volta de D. João VI para Portugal, em 1821, e a proclamação da
independência do Brasil por seu filho primogênito D. Pedro, em 1822,
criaram uma maior intimidade entre parte do clero e o Governo,
exacerbando o espírito nacionalista com que os negócios eclesiásticos se
conduziam. Apesar da independência, no quadro institucional o poder civil
continuou a procurar, de todos os modos, dominar a Igreja e utilizar a fé
como instrumento para legitimar-se e manter a ordem social vigente156.
Excluindo uma exígua parcela do clero proveniente de famílias abastadas
e outros tantos que ascendiam socialmente no exercício de profissões
seculares, a maioria dos padres se encontrava numa situação econômica
desprivilegiada, dentre outras razões porque as côngruas que recebiam
eram simbólicas. Tanto que, no período imperial, a recepção das ordens
sacras se tornou tão pouco atraente que provocou um fato inédito e bem
brasileiro: a ordenação de negros numa sociedade escravocrata. Robert
Walsh testemunhou o fato do seguinte modo:
O clero nativo [brasileiro], de forma geral, não é constituído por homens
cultos, pois não possuem meios para se educarem. A pobreza dos bispos é um
obstáculo ao estabelecimento de seminários eclesiásticos numa escala
suficientemente ampla ou liberal a ponto de oferecerem aos candidatos os
meios ou oportunidades de uma educação mais apurada. Os atrativos que a
Igreja oferece são tão poucos e a remuneração tão limitada, que os homens de
famílias prósperas ou de mais cultura sempre preferem uma ocupação mais
atraente e proveitosa; ninguém, a não ser pessoas de classes inferiores,
consagra seus filhos a ela. Aqui a Igreja não fornece recursos aos membros
mais jovens das famílias de bem como faz em outros países. Em parte isso
pode ser responsável pela admissão de negros nas Ordens Sagradas, os quais
celebram nas igrejas junto com os brancos. Eu próprio vi três padres numa
—————————–
155
Um exemplo ilustrativo da atuação de eclesiásticos no processo de independência
é D. Hermógenes, um pároco de Desemboque, na Comarca de Paracatu, província de
Minas Gerais, objeto de estudo da tese de mestrado de Marcus Caetano Domingos. [Cf.
M. C. DOMINGOS, D. Hermógenes e a eleição para as Cortes de Lisboa].
156
T. AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 122-123.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 63

mesma igreja, na mesma hora; um era branco, outro mulato, e o terceiro,


negro. A admissão de pessoas pertencentes a essa pobre raça desprezada, a fim
de exercerem a mais alta função que um ser humano pode realizar, demonstra
claramente a maneira como é considerada em diferentes lugares. [...] No Brasil
vêem-se negros celebrando as missas e brancos recebendo o sacramento de
suas mãos157.
Em todo caso, tanto no período colonial quanto após a independência, o
corpo presbiteral no Brasil longe estava de possuir uma mentalidade
unitária, ainda que considerável número dos seus membros tivesse em
comum a pouca observância das diretrizes romanas, ao lado de uma estreita
ligação com os grupos sociais a que pertenciam. No que se refere aos
clérigos mineiros do século XVIII, tanto dentre os formados em Cânones e
Leis pela Universidade de Coimbra, quanto dentre os demais, o «olhar
eclesiástico estava mais voltado para a terra do que para o céu». No
entanto, é necessário insistir que o número de padres formados na referida
Universidade era muito reduzido, não sendo eles a regra geral e sim a
exceção158.
Luiz Gonzaga de Souza Lima deu as seguintes características para a
Igreja colonial e imperial: a igreja brasileira dependia mais do Estado que
do papado, os padres e religiosos eram praticamente funcionários públicos,
não existia uma organização eclesial com uma autoridade hierárquica
exercida como alhures, ao que se juntava à carência de estruturas e
recursos. No campo, por sua vez, a Igreja se apoiava e se confundia com as
oligarquias locais, enquanto que nas cidades, predominavam as
irmandades, organizações laicas religiosas de inspiração européia159.
Por outro lado, o mesmo envolvimento de setores do clero com as
classes dominantes levou a uma contínua participação de padres nos
movimentos sediciosos que eclodiam, tanto antes quanto após a
emancipação política do Brasil, realidade esta analisada com muita
propriedade por D. Duarte Leopoldo e Silva na obra de sua autoria
intitulada: O Clero e a Independência160.
A propósito, seja durante como após a emancipação brasileira, a mesma
atuação política de padres se repetiu. Como salienta Thales de Azevedo, «o
novo regime, a nova ordem, a nova estrutura governativa e política
instauraram-se sob a inspiração de um confuso amálgama de doutrinas e
teorias de que partilhavam não poucos clérigos». Eles foram
—————————–
157
R. WALSH, Notícias do Brasil: 1828-1829, I,158-159.
158
V. M. T. VALADARES, Elites Mineiras Setecentistas, 460-464.
159
L. G. S. LIMA, Evolução política dos católicos, 14.
160
Cf. D. L. SILVA, O Clero e a Independência.
64 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

«contaminados» por uma contraditória combinação do liberalismo


individualista, da ideologia democrática, do sistema representativo, do
racionalismo enciclopedista, do nacionalismo, com a tradição autoritária, o
espírito conservador, o rígido estamento social escravocrata, com uma
religiosidade epidérmica e formal apegada a certas regalias e acostumada a
vantagens incômodas, porém aliciantes que o Estado oferecia. Entre elas
pode-se citar a estabilidade nos cargos, as côngruas (mesmo se baixas e
sempre atrasadas), a subvenção do culto, a jurisdição sobre vários atos
mistos como o registro dos nascimentos e dos matrimônios, a
administração dos cemitérios e, mesmo atos seculares como, a
interpretação dos testamentos, a inscrição da propriedade territorial e dos
eleitores. Tudo isso gerou uma paradoxal combinação, uma série de
dificuldades relativas às fronteiras entre os poderes espirituais e seculares,
que se agravaram com o decorrer do século XIX, graças, também, ao
fortalecimento da Monarquia, à conseqüente secularização de sua
burocracia e o fortalecimento do clero ultramontano161.

3.1. O governo de D. Pedro I e a primeira Constituição do Brasil


A emancipação política brasileira não foi tão pacifica e consensual como
geralmente se apresenta. Para começar, o Príncipe Regente, Pedro de
Bragança, após a partida do seu pai D. João VI, em 1821, não hesitou
muito em proclamar a separação do Brasil no dia 7 de setembro do ano
seguinte, mas teve de fazer valer sua autoridade com a força das armas
sobre algumas províncias que resistiram à separação de Portugal. O que
veio a seguir tampouco foi pacífico: em 1823, o jovem Imperador, de novo
com a ameaça das armas, dissolveu a Constituinte convocada para elaborar
a primeira Charta Magna do país. Como, entretanto, ele era dotado de certa
índole liberal, outorgou, em 25 de março de 1824, uma Constituição, a
qual, no entanto, longe estava de gozar de amplo consenso. Para grande
parte dos políticos e intelectuais brasileiros, ela nascera «viciada» por não
ter provindo das determinações dos eleitos da nação162.
De outra feita, a dissolução da Assembléia Constituinte e a imposição de
uma Carta imperial, provocaram reações como a chamada «Confederação
do Equador», movimento revolucionário de cunho republicano, dominado
sem piedade por D. Pedro. Segundo José Honório Rodrigues, a revolução
foi derrotada, mas «D. Pedro se viu obrigado a recorrer à contemporização,
abrindo o Parlamento em 1826 e dando liberdade à imprensa; com estes
—————————–
161
T.AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, 122-123.
162
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 4.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 65

dois instrumentos, retomou o povo brasileiro um caminho mais livre, e D.


Pedro I teve o castigo merecido, sendo expulso do processo histórico»163.
Em 1826, a primeira legislatura ainda sentiu o peso do abuso da
autoridade por parte do Imperador, pois, segundo José Augusto dos Santos,
«a maior parte dos processos e atos governamentais não se discutiam
porque já vinham assinados. O Imperador dava ordens diretas ao tesouro,
sem considerar quão grande era o interesse dos nossos deputados pela
situação econômica do país». Mas, aos poucos os parlamentares
começaram a compreender a força de que dispunham e com a experiência
se convenceram de que ganhariam mais assumindo posições equilibradas e
com críticas menos apaixonadas. Sempre segundo o mesmo autor, «de fato,
a partir de 1828, revelaram-se, nitidamente, superiores ao Imperador,
escravo, o mais das vezes, de paixões e temperamento». O resultado foi à
abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, e a vitória do liberalismo
nacional164.

3.1.1. As bases jurídicas do padroado imperial


Em 3 de maio de 1823, foi aberta a primeira e única constituinte do novo
Império: era a Assembléia Geral Legislativa e Constituinte, que evocava o
episódio revolucionário francês e reunia em uma só assembléia as duas
características fundamentais, que eram: a posse da soberania nacional,
ainda que dividida com o Imperador, e o dever também nacional de
constituírem uma nova nação165.
José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro do Império, havia proposto
um Conselho de Procuradores, órgão consultivo, pois temia que a
Assembléia Constituinte se arrogasse, como se arrogou, a encarnação da
soberania nacional, tentando sobrepor-se ao príncipe. Quase todos os
deputados eram brasileiros natos, sendo uma das exceções o bispo D. José
Caetano da Silva Coutinho, português de nascimento. Ele foi o primeiro
presidente da Assembléia Constituinte, que contava com 16 padres, não
tendo o 16º tomado assento (pe. Vicente Rodrigues Campelo, pela Paraíba),
2 matemáticos, 2 médicos, 2 funcionários públicos, 7 militares, ao lado de
uma maioria constituída de bacharéis em direito, juízes e desembargadores.
Ou seja, o grupo sacerdotal era praticamente o segundo em número166.

—————————–
163
J. H. RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, 17.
164
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 4-7.
165
J. H. RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, 16.25.
166
J. H. RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, 22.28.
66 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O discurso de abertura proferido por D. Pedro, mesmo contendo alusões


liberais, causou polêmica entre os parlamentares, por realçar a
superioridade potencial e hierárquica de sua imperial pessoa, bem como a
anterioridade de sua aclamação e coroação, sem oposição e sem
compromissos que a limitassem: «Como Imperador constitucional, e mui
principalmente como defensor perpétuo deste Império, disse ao povo no dia
1º de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado,
que com minha espada defenderia a pátria, a nação, e a Constituição, se
fosse digna do Brasil e de mim»167.
A cláusula restritiva foi ainda reforçada com a frase: «Espero, que a
Constituição, que façais, mereça a minha imperial aceitação, seja tão sábia,
e tão justa, quanto apropriada à localidade, e civilização do povo
brasileiro»168. Desde então se estabeleceu um conflito entre os que
consideravam a Assembléia a fonte de todo o poder, recebido diretamente
do povo169, e os que achavam que o Imperador era um poder, se não
superior, pelo menos igual170. Em meio às querelas interpretativas, no
ponto que interessa ao presente estudo, o projeto constitucional apresentado
à Assembléia Constituinte, no Título II, Do Império do Brasil, no seu
Capítulo II, Dos direitos individuais dos brasileiros, artigo 7º, proclamava
a liberdade religiosa como segue: «Art. 7º. A constituição garante a todos
os brasileiros os seguintes direitos individuais, com explicações e
modificações anexas; § III – A liberdade religiosa»171.
O §3 provocou um dos maiores debates da Constituinte, mas nenhum
eclesiástico discursou contra a liberdade religiosa que se queria instituir. O
bispo Capelão-Mor falou desaprovando toda espécie de perseguição, mas
não admitindo a tolerância legal de todas as religiões. Assim, o §3 do art. 7º
passou sem modificações na votação172. No mesmo capítulo, encontravam-

—————————–
167
«Fala do Imperador na Sessão Imperial da Assembleia Geral do Império», 3 de
maio de 1823, em O Padre Amaro, História, Política e Literatura, VI, 315-316.
168
«Fala do Imperador na Sessão Imperial da Assembléia Geral do Império», 3 de
maio de 1823, em O Padre Amaro, História, Política e Literatura, VI, 317.
169
Para os políticos da época «povo» eram os cidadãos ativos, ou seja, aqueles que
tinham direito ao voto [ndr.].
170
J. H. RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, 32-33.
171
«Projeto Constitucional de 1823», em F. A. DIAS – al., Constituições do Brasil, I,
43.
172
Discursaram contra: Maciel da Costa, Antônio Carlos, Rodrigues de Carvalho,
Silva Lisboa. A favor: O pe. Muniz Tavares, Francisco Carneiro, Carneiro de Campos,
Vergueiro, Montezuma. [J. H. RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, p. 140 -
145].
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 67

se ainda os artigos 14, 15 e 16, que tratavam da liberdade religiosa, e


estabeleciam:
Art. 14 – A Liberdade religiosa no Brasil só se estende às comunhões cristãs;
todos os que as professarem podem gozar dos direitos políticos no império.
Art. 15 – As outras religiões, além da cristã, são apenas toleradas, e a sua
profissão inibe o exercício dos direitos políticos.
Art. 16 – A religião católica apostólica romana é a religião do estado por
excelência, e única mantida por ele173.
O artigo 24 concedia aos bispos o direito de censurar os escritos
publicados sobre dogma e moral, na seguinte forma: «Art. 24. Aos bispos,
porém, fica salva a censura dos escritos publicados sobre o dogma, e moral;
e quando os autores, e na sua falta, os publicadores, forem da religião
católica, o governo auxiliará os mesmos bispos, para serem punidos os
culpados». Deve-se ter presente, porém, que, em relação ao catolicismo, o
liberalismo retórico era limitado pelo regalismo real, ou seja, defendia-se a
liberdade de culto para os acatólicos, mas sem eliminar as restrições
regalistas contra o clero católico174.
A discussão destes artigos provocou celeuma e não se chegou a nenhuma
decisão, pois as votações iniciadas no dia 6 de novembro restaram
inconclusas e, ao serem adiadas para o dia seguinte, não puderam ser
realizadas devido à dissolução da Assembléia175. Enquanto o debate durou,
os deputados se posicionaram em discursos favoráveis e contrários.
Interessante expor as idéias defendidas pelo deputado Felisberto Caldeira
Brant, pois esta linha de raciocínio será repetida por muitas vezes nos anos
vindouros. Ele se declarava a favor da tolerância das «seitas religiosas»,
sem a qual seria impossível atrair a maior porção de estrangeiros que,
servindo de colonos, ajudaria o Brasil a acabar com o comércio da
escravatura. Em 6 de novembro, foram votadas e aprovadas as emendas
propostas por Antônio Carlos de Andrada e Silva, que assim modificaram
os seguintes artigos: o art. 14, aprovado por 57 votos, emendado,
estabelecia: «Cada membro das comunhões cristãs pode professar a sua
—————————–
173
«Projeto Constitucional de 1823», em F. A. DIAS – al., Constituições do Brasil, I,
44.
174
«Projeto Constitucional de 1823», em F. A. DIAS – al., Constituições do Brasil, I,
44.
175
O pe. Antônio da Rocha Franco propôs um pequeno aditamento ao artigo,
tornando extensiva ao judaísmo ou religião judaica a liberdade de culto, no que
concordaram o pe. Henriques de Resende, Carvalho e Melo e Francisco Carneiro. Mas,
ao ser votado, o aditamento de Rocha Franco terminou rejeitado. [J. H. RODRIGUES, A
assembléia constituinte de 1823, 152.154].
68 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

religião no recinto destinado para esse fim». A redação da segunda parte foi
suprimida por proposta de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-
1859). O artigo 15 foi também aprovado com a emenda: «As outras
religiões, além da cristã, são apenas toleradas, e só lhes compete o culto
doméstico». Daí em diante foi suprimida. O artigo 16 também foi aprovado
com grande maioria de votos: «A religião Católica, apostólica, romana, é a
religião do Estado e a única por ele mantida; e só a ela compete o culto
externo fora das igrejas». Porém não se concluíram as discussões, pois,
como foi referido, a Assembléia Constituinte terminou dissolvida176.
Mesmo assim, o conteúdo documentado dos debates leva a crer que se
tendia a estabelecer algumas restrições ao culto protestante. O artigo 24 não
foi discutido, tampouco o foram os artigos do Titulo VI, Do poder, regalias
e juramento do Imperador, Capitulo I, Das atribuições, regalias e
juramento do Imperador, cujo artigo 142, §V, dava ao regalismo contornos
precisos:
§ V – Prover os benefícios eclesiásticos e empregos civis, que não forem
eletivos, e bem assim os militares [...]
§ XI – Conceder ou negar o seu beneplácito aos decretos dos concílios, letras
pontifícias e quaisquer outras constituições eclesiásticas, que se não opuserem
à presente constituição177.
As causas da dissolução da Assembléia foram múltiplas: a rivalidade
entre nativos e adotivos178 desde que os Andradas abandonaram o poder; o
fato de D. Pedro ter se cercado de conselheiros portugueses; as críticas na
imprensa ao autoritarismo do Imperador; a independência da Assembléia; a
pressão de portugueses pertencentes aos altos escalões das forças armadas
brasileiras no intuito de reassumir seus poderes totais; o favorecimento e a
pressão dos grupos econômicos portugueses junto ao Imperador; e a contra-
revolução em Portugal, em oposição às Cortes de Lisboa. Para José
Honório Rodrigues, «com a dissolução, reassumia D. Pedro I todos os
poderes absolutos, e perdia o povo a sua tão celebrada soberania». Por
meio do Diário do Governo se sustentou a doutrina oficial, na qual não se
discutia a questão de que a soberania provinha da nação ou não, o que se
—————————–
176
Segundo José Honório Rodrigues «dos 17 padres que participavam da
Assembléia, grande parte tomou iniciativas que não foram bem vistas ou aceitas pelos
grupos mais conservadores», ou seja, eram quase todos de tendências liberais. [J. H.
RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, 152-158.253].
177
«Projeto Constitucional de 1823», em F. A. DIAS – al., Constituições do Brasil, I,
61.
178
Nativos eram os brasileiros natos enquanto adotivos eram àqueles nascidos em
Portugal mas que aderiram a independência [ndr.].
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 69

afirmava era que se dela derivou, ela a transferiu ao Imperador, quando lhe
deu o título de protetor e, tendo-a já transferido, era impossível tornar a
transferi-la à Assembléia. Isso porque nenhum «homem sensato aceita a
proposição anárquica de que o povo possa reconhecer e deixar de
reconhecer o poder soberano todas as vezes que quiser. Se assim fosse, o
mundo se tornaria um caos e a palavra governo deixaria de ter
significação»179.
O Imperador D. Pedro I escolheu então uma comissão para elaborar a
Constituição, composta de dez juristas, nove dos quais formados na
Universidade de Coimbra180. A Charta Magna, outorgada em 25 de março
de 1824, oficializou o Catolicismo como religião do Estado, mas fê-lo
dentro dos esquemas ideológicos da tradição lusitana. Tratava-se de um
estranho hibridismo em que, malgrado a tentativa de se dar uma distinção
jurídica mais clara ao caráter específico da Igreja e do Estado, tudo o que se
conseguiu produzir foram fórmulas ambíguas. Daí que o texto
constitucional, apesar das suas pretensões liberais, não se furtou de iniciar-
se com uma invocação à Santíssima Trindade, ao que acrescentou o
reconhecimento da Igreja Católica como religião de Estado, tudo isso,
porém, «enquadrado» no mais tradicional regalismo de inspiração
pombalina. Segundo Thales de Azevedo, «o Catolicismo não tinha como
negar-se à sua antiga função: sob o quase cesaropapismo do padroado». O
arbítrio estatal definiu sua própria ortodoxia declarando o direito de
«filtrar» a doutrina e as relativas pastorais da Santa Sé por meio do placet.
«Esse regime era fortalecido pelas idéias regalistas dos homens públicos e
de certa porção influente do clero, pelo ceticismo e pelo deísmo maçônico,
pelo ecletismo filosófico das camadas intelectuais, do jornalismo, dos
meios políticos»181.
A base da união entre Igreja e Estado está no Título 1º, Do Império do
Brasil, seu Território, Governo, Dinastia, e Religião, no famoso Artigo 5,
que dizia: «A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a
—————————–
179
J. H. RODRIGUES, A assembléia constituinte de 1823, 199-224.
180
Os redatores da Constituição foram Severiano Maciel da Costa (Marquês de
Queluz), Luis José de Carvalho e Melo (1º. Visconde de Cachoeira), Clemente Ferreira
França (Marquês de Nazaré), Mariano José Pereira da Fonseca (Marquês de Maricá),
João Gomes da Silveira Mendonça (Marquês de Sabará), Francisco Vilela Barbosa
(Marquês de Paranaguá), José Egídio Álvares de Almeida (Marquês de Santo Amaro),
Antonio Luís Pereira da Cunha (Marquês de Inhambupe), Manuel Jacinto Nogueira da
Gama (Marquês de Baependi), e José Joaquim Carneiro de Campos (Marquês de
Caravelas). Todos eles se formaram em Coimbra, com exceção de João Gomes da
Silveira Mendonça [ndr.].
181
T. AZEVEDO, A Religião civil brasileira, 48.
70 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu


culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma
alguma exterior do Templo»182.
Nilo Pereira defende que era o tempo do verbo relativo à consagração da
religião Católica como Religião do Estado, «estabelecendo que ela
continuava [grifo original] a ser a da nação organizada e livre», de suma
importância. Isto porque, para o autor, «continuando a ser, e não sendo,
trazia consigo a tradição do direito português, as instituições que permitiam
ao Estado disciplinar e governar a Igreja»183.
Cândido Mendes de Almeida também seguiu um raciocino semelhante:
A Constituição Política do novo Estado consagrava no seu art. 5 a doutrina de
que a Religião Católica, Apostólica Romana, era a do Estado, religião
privilegiada. Era a continuação do passado, com a modificação da tolerância
de outros cultos; o que até certo ponto já existia, com a colonização
protestante em Nova Friburgo184.
No Capítulo II do Título V, sobre o Poder Executivo, o artigo 102
determinava que: «O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita
pelos seus Ministros de Estado». Eram suas principais atribuições:
§II. Nomear Bispos, e prover os Benefícios Eclesiásticos.
§XIV. Conceder, ou negar o Beneplácito aos Decretos dos Concílios, e Letras
Apostólicas, e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas que se não
opuserem á Constituição; e precedendo aprovação da Assembléia, se
contiverem disposição geral185.
As evidências são óbvias: a nova Constituição nasceu em um berço
regalista. O direito de nomear bispos e prover os benefícios eclesiásticos,
que era uma concessão dada pela Sé Apostólica por meio do padroado e do
Grão-Mestrado da Ordem de Santo Cristo, passou a ser considerado como
um direito constitucional do Poder Executivo e unilateralmente
estabelecido, sem prévia discussão ou Concordata com a Santa Sé. Da
mesma forma, fazia parte da Carta Constitucional o Beneplácito imperial,
tradição do regalismo português. Contudo, o dever de manter e defender a
Religião Católica foi confirmado pelo artigo 103, sobre o juramento do
Imperador, onde se dizia:
—————————–
182
«Constituição Imperial de 1824», em Coleção da Leis do Império do Brasil, 1824,
parte I, 7.
183
N. PEREIRA, Conflitos entre a Igreja e o Estado no Brasil, 60.
184
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 335.
185
«Constituição Imperial de 1824», em Coleção da Leis do Império do Brasil, 1824,
parte I, 21-22.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 71

O Imperador antes do ser aclamado prestará nas mãos do Presidente do


Senado, reunidas as duas Câmaras, o seguinte Juramento – Juro manter a
Religião Católica Apostólica Romana, a integridade, e indivisibilidade do
Império; observar, e fazer observar a Constituição Política da Nação
Brasileira, e mais Leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil, quanto em
mim couber186.
O mesmo princípio é aplicado aos Conselheiros de Estado, conforme
consta no Capítulo VII do Título V, artigo 141: «Os Conselheiros de
Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do
Imperador de manter a Religião Católica Apostólica Romana; observar a
Constituição, e às Leis; ser fieis ao Imperador; aconselha-o segundo suas
consciências, atendendo somente ao bem da Nação»187.
No Título 8º, Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e
Políticos dos Cidadãos Brasileiros, no artigo 179, vem novamente
confirmada a tolerância aos outros cultos e seus limites:
A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que
tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida
pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
[...]
V. Ninguém pode ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite
a do Estado, e não ofenda a Moral Publica188.
Esta Constituição foi, na opinião de João Dornas Filho, o «velho sestro
que sempre dificultou a nossa evolução política». Para o autor, os
legisladores «perfilharam as idéias liberais jorradas da França, mas
deixaram enquistada na Constituição a anomalia do artigo 5º». Sendo este
artigo representante da «velha mentalidade medieval do Reino português,
que não se adaptara aos novos horizontes abertos ao clarão projetado pelos
enciclopedistas franceses». Concluía o mesmo autor que: «A oficialização
da Igreja católica, soube ser o motivo da sua própria escravidão, foi ainda o
núcleo de todas as discórdias conducentes aos sucessos que subverteram a
organização política do país»189.

—————————–
186
«Constituição Imperial de 1824», em Coleção da Leis do Império do Brasil, 1824,
parte I, 22.
187
«Constituição Imperial de 1824», em Coleção da Leis do Império do Brasil, 1824,
parte I, 27.
188
«Constituição Imperial de 1824», em Coleção da Leis do Império do Brasil, 1824,
parte I, 32.
189
J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja brasileira, 53.
72 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O liberalismo brasileiro, no fundo, possuía uma matriz ideológica


conservadora, na medida em que mesclava idéias liberais vindas da Europa
com a realidade escravocrata de ex-colônia, formando um amálgama de
posições contraditórias, verdadeiro paradoxo político, que não podia
agradar nem a uma parte nem à outra. Esta política ambígua explica
porque, antes mesmo de se outorgar a Constituição, o regalismo imperial já
vinha sendo implementado por meio de vários decretos. O decreto n.º 22,
de 13 de janeiro de 1824, definia que os bispos diocesanos não ordenassem
pessoa alguma sem licença especial, já que ao Império eram necessários
«braços que o podem sustentar contra as agressões de seus inimigos». O
decreto n.º 36, de 31 de janeiro de 1824, ordenava que não se admitissem
as Ordens «nem uma só pessoa sem que precedesse licença especial», e o
n.º 41, de 5 de fevereiro de 1824, proibia «que se recebam noviços nas
ordens regulares sem licença especial». Por sua vez, o decreto n.º 121, de
28 de maio de 1824, confirmou a necessidade do placet para as bulas
papais, neste caso especifico, para as bulas de confirmação dos bispos190.
Após a Constituição de 1824, a legislação regalista implantou novas
medidas cerceadoras, a saber: decisão n.º 105, de 5 de novembro de 1827,
que confirmou o Beneplácito Imperial, já presente na Constituição,
ordenando que não fosse admitidos «a despacho os Breves ou quaisquer
outros rescritos Pontifícios sem a prevenção da licença obtida para as
impetrar»191; o Tribunal da Junta da Bula da Cruzada foi extinto com a Lei
de 20 de setembro de 1828; e a Lei de 22 de setembro de 1828, extinguiu o
Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens192.

3.2. A Bula Praeclara Portugalliae


Após a emancipação política, o Imperador D. Pedro I mandou a Roma o
Enviado Extraordinário Mons. Francisco Correia Vidigal. Ele foi
encarregado de conseguir da Santa Sé o reconhecimento da independência
do Brasil e uma Concordata na qual se concedesse ao Imperador e seus
herdeiros, os mesmos direitos de que gozavam os soberanos de Portugal,
inclusive o Grão-Mestrado das ordens militares, com o conseqüente
privilégio do padroado ligado a estas ordens. O fato de mandar um enviado
a Roma era reconhecer que a Santa Sé tinha o direito de conceder o
padroado, não obstante a Constituição de 1824 já tivesse atribuído ao

—————————–
190
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1824, 14-15.25-26.28.
87.
191
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1827, parte II, 197.
192
Coleção das leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 45.47-50.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 73

Imperador o direito de nomear os bispos, prover os benefícios eclesiásticos


e também conceder ou não o beneplácito imperial sobre os documentos
romanos. Todavia, era importante conseguir um reconhecimento pontifício
que desse maior força às pretensões de D. Pedro I e fortalecesse a sua
posição perante a população, a hierarquia eclesiástica e as províncias. Ele
procurava ligar a si outra fonte de autoridade além da «aclamação popular»
que lhe «transferiu» a soberania e o coroou. Ou seja, queria uma autoridade
sacra193.
As pressões portuguesas junto a Santa Sé contra o reconhecimento da
independência do Brasil, no entanto, retardaram em dois anos a entrega das
credenciais de Vidigal ao Papa e a sua aceitação como enviado brasileiro.
Enquanto esperava, ele tratou da elevação das prelazias de Goiás e Cuiabá
a bispados. Enfim, a Santa Sé reconheceu a independência do Brasil em 23
de janeiro de 1826 e publicou a bula Solicita Catholicae Gregis cura
criando as duas citadas dioceses em 15 de julho de 1826194.
Vidigal conseguiu, em 30 de maio de 1827, a concessão por parte da
Santa Sé, da bula Praeclara Portugaliae, ao invés de uma Concordata
como inicialmente requerido pelo Governo, que concedia os mesmos
direitos que possuía a Coroa portuguesa, ou seja, o padroado e o grão-
mestrado da Ordem Militar de Cristo em todo o território brasileiro. O
Governo Imperial, ao recebê-la, seguindo o que determinava a
Constituição, submeteu a bula ao beneplácito imperial. Esta foi enviada às
Comissões reunidas de Constituição e Eclesiástica da Câmara dos
Deputados, composta por Bernardo de Vasconcelos, Diogo Feijó, Campos
Vergueiro, Clemente Pereira, Teixeira de Gouveia, A.R. França e M.J.
Rainaud. As comissões deram um parecer contrário às disposições da bula,
na sessão de 10 de outubro de 1827, manifestando-se contrárias à
concessão do beneplácito195.
Anteriormente, a mesma comissão já havia dado outro parecer, favorável
apenas a um placet parcial à bula Solicita Catholicas Gregis cura de Leão
XII (1760-1829), a qual instituía as dioceses de Goiás e Mato Grosso,
indicando a aprovação da mesma somente na parte referente à ereção de
suas sedes, extensões e limites. O restante da bula, que se referia aos
direitos do padroado concedidos por antigas bulas pontifícias, aos deveres
do Estado na criação e manutenção de um cabido e um Seminário
episcopal, foram julgados de nenhum efeito e não receberam o

—————————–
193
J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja brasileira, 42.
194
J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja brasileira, 42.
195
J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja brasileira, 43.
74 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

beneplácito196. Nem mesmo a veemente defesa dos direitos da Sé


Apostólica feita por D. Marcos Antônio de Sousa, bispo do Maranhão,
conseguiu evitar tal decisão197.
Outra negativa da Assembléia foi referente à nomeação, em 1827, de um
Núncio apostólico de primeira ordem para o Brasil. Foi requerido ao
Governo de arcar com parte das despesas de manutenção da nunciatura,
como uma das condições exigidas pela Santa Sé, mas a Assembléia
Legislativa se recusou a assumir tais despesas. Ainda assim, foi criada a
Nunciatura do Rio de Janeiro em 1829. Porém, durante todo o século XIX,
foi enviado somente um Núncio, os restantes foram Internúncios e
Encarregados Apostólicos198.
Havia algumas motivações menos explícitas para o parecer negativo à
bula Praeclara Portugalliae dado pelas Comissões, que eram: o conflito
entre a Assembléia e o Imperador e as diferentes opiniões sobre a fonte e
limites da soberania da Coroa. As comissões declararam que a bula não
podia ser aprovada porque nela se continham disposições gerais que
ofendiam a Constituição do Império e expunham resumidamente um
histórico das bulas que deram aos reis portugueses e à Ordem de Cristo o
direito de padroado. Os examinadores das comissões argumentaram, então,
que as ordens haviam sido fundadas para combater os inimigos da fé e que
isto era contrário ao espírito da Constituição brasileira que estabelecia a
tolerância de crenças. Daí a sua opinião:
Pode jamais sancionar-se o principio que a Bula parece querer consagrar, de
que é licito levar-se a desolação, o ferro e o fogo a casa daqueles que não
crêem no que nós cremos? Não são essas máximas de sangue e ignorância, e
degradação, diretamente ofensivas do art. 5º da lei fundamental deste Império,
que estabeleceu a tolerância de crenças e do art. 179 §5º, que proíbe que
alguém seja perseguido por motivo de religião? Sem dúvida. Logo, os
princípios sobre que a bula assenta sua decisão, nem existem, nem podem
tolerar-se, por anticonstitucionais: e a bula, por conseqüência, é
anticonstitucional, e assenta sobre uma causa falsa, isto é, causa que não
existe. É, além disso, a Bula ociosa e inútil, porque o Imperador do Brasil tem
pelo ato da Sua Aclamação e pela Constituição todos esses direitos que ela
pretende confirmar-lhe199.

—————————–
196
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 261.
197
Anais do Parlamento Brasileiro, 1827, III, 29; T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os
jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja brasileira,148.
198
H. ACCIOLY, Os primeiros núncios no Brasil, 217-225.
199
AES, Br, Parecer das Comissões reunidas de Constituição e Eclesiástica sobre a
Bula Praeclara Portugalliae, Fasc. 171, pos. 108, f.24r.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 75

Esta parte final era uma negativa que transcendia o conteúdo da bula em
questão: era também uma defesa da posição da Câmara que colocava em
primeiro plano a soberania que se originava da aclamação da nação,
legitimada pela Constituição. A Câmara dos Deputados questionou pela
decisão n. 103, de 3 de novembro de 1827, se o Imperador teria requerido
em suas instruções dadas a Vidigal uma concessão pontifícia. A pergunta
contida no referido decreto: «se ela [a bula] fora solicitada por ordem do
Governo», recebeu a resposta afirmativa do Ministro Visconde de S.
Leopoldo200.
O parecer da Câmara alegava que o padroado da Ordem de Cristo nunca
existira no Brasil, pois ela «não fundou, não edificou, nem dotou as igrejas
do Brasil. Logo, nunca teve, nem podia ter direito de padroado das mesmas
igrejas» e concluía:
De tudo conclui que as igrejas do Brasil nunca foram do padroado da Ordem
de Cristo e, por conseqüência que os Reis de Portugal nunca exerceram no
Brasil o direito de Padroeiros, como Grãos-Mestres, mas sim como Reis,
sendo então todos os benéficos do Padroado Real, assim como hoje o são do
Padroado Imperial, e essencialmente inerente à Soberania do atual Imperador
do Brasil e Seus Sucessores no Trono, pelo ato da Unânime Aclamação dos
Povos deste Império e Lei Fundamental do mesmo, artigo 1 e 2 §2º. Conclua-
se, portanto, que a bula é ociosa, porque tem por fim confirmar o Imperador
do Brasil no direito que o Mesmo Senhor tem por títulos mais nobres201.
Este documento é essencial para a compreensão do regalismo imperial
brasileiro. Os regalistas europeus justificavam seus atos com base na igreja
primitiva, nos antigos imperadores e costumes, criando uma discussão
sobre quem cedeu a quem tal ou qual privilégio. O Governo imperial
brasileiro, por sua vez, justificava seu regalismo com base na suposta
aclamação popular que cedeu a soberania ao Imperador e na Constituição
imperial. Ou seja, para o «regalismo liberal» brasileiro, o Imperador tinha
direito ao padroado porque foi aclamado pelo povo soberano. Este direito
era inerente à soberania e confirmado pela Constituição do Império.
Portanto, em momento algum, derivava de uma concessão da Igreja ou do
Papa, muito menos da igreja primitiva. Para o Governo a administração

—————————–
200
Coleção das decisões do Governo do Império do Brasil, 1827, 196
201
AES, Br, Parecer das Comissões reunidas de Constituição e Eclesiástica sobre a
Bula Praeclara Portugalliae, Fasc. 171, pos. 108, f. 28v; J. DORNAS FILHO, O
Padroado e a Igreja brasileira, p. 44-48.
76 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

exterior da igreja nacional era competência e direito do poder civil e não


um privilégio a ele concedido202.
O padroado imperial foi estabelecido unilateralmente pela Constituição e
novamente confirmado pela decisão n.º 115, de 4 de dezembro de 1827.
Nesta decisão o Ministério da Justiça, reportava o parecer sobre uma
consulta feita à Mesa de Consciência e Ordens, em relação ao modo de
prover a dignidade de arcediago na Sé de Pernambuco. Versava:
À Vossa Majestade Imperial compete nomear os Bispos e prover os
benefícios eclesiásticos pela Constituição do Império, no título 5º, Cap. 2º,
artigo 102, n.º 2, pela amplitude dos poderes imperiais, pelo inalienável poder
de inspeção sobre os Ministros do culto, funcionários públicos, empregados na
parte mais interessante do Império, e não por substituição à delegação ao
princípio dado por Júlio III, na qualidade do Grão-Mestrado das Ordens.
Envolveria contradição que, aparecendo livre e independente como nação
sobre si, o Brasil conservasse, no provimento das igrejas e dos seus Ministros,
ditames de sujeição, quando é de notoriedade, e mais acertada doutrina, que o
solo do Brasil nunca foi das Ordens e nem suas igrejas [...] e convêm firmar
com energia a regra jurada na Constituição, de que Vossa Majestade Imperial
com igual direito reúne os Bispos, e faz os provimentos dos benefícios sem dar
quartel a doutrinas em contrário203.
Estava consolidado o padroado civil, base do regalismo imperial, que
posteriormente seria sagazmente instrumentalizado por maçons e liberais e
que conseguiria, como afirmou pe. Júlio Maria, prender a Igreja num
«cárcere de ouro»204.

3.3. O período regencial


A abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, marcou a vitória dos
liberais brasileiros, tanto radicais quanto moderados, ainda que a drástica
decisão do Imperador não fosse o objetivo destes últimos, que apenas
desejavam maior autonomia provincial e respeito aos postulados da
Constituição. Os radicais, ou exaltados, verdadeiros vitoriosos, não tiveram
lideranças válidas para governar, cabendo então o governo aos moderados.
Descontentes, os exaltados fizeram vários motins e revoltas de 1831 à
segunda metade de 1832. O país foi colocado sob o governo de uma
regência composta por três líderes, chamada Regência Trina, porém, quem

—————————–
202
AES, Br, Parecer das Comissões reunidas de Constituição e Eclesiástica sobre a
Bula Praeclara Portugalliae, Fasc. 171, pos. 108, f. 24r-28r.
203
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1827, 204-206.
204
J. C. M. CARNEIRO, O Catolicismo no Brasil, 139.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 77

manteve a ordem neste período crítico foi o Ministro da Justiça, pe. Diogo
Antonio Feijó (1784-1843). Seu trabalho não terminou ai, pois, entre 1832
e 1833, novas revoltas foram organizadas pelos Restauradores ou
Caramurus205.
O conflito destes com o Ministro resultou na tentativa, por parte de
Diogo Feijó, de retirar José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) da
posição de tutor do Príncipe Imperial, devido ao seu comprometimento
com os Caramurus. No entanto, Feijó não conseguiu no seu intento e teve
de renunciar à pasta da Justiça. Ele tentou, então, um golpe de Estado com
o intuito de transformar a Câmara dos Deputados em Assembléia
Constituinte, mas também esse plano falhou. Naquele momento, o país
estava praticamente em estado de guerra civil, com revoltas e sedições em
várias províncias, muitas das quais terminariam somente no reinado de D.
Pedro II206. Um «detalhe» deve ser ressaltado: em praticamente todos esses
movimentos sediciosos havia padres envolvidos207.
Em 1835, Diogo Feijó foi eleito Regente Único. Segundo José Augusto
dos Santos, ele estava «doente, pessimista, sem vocação parlamentar,
querendo governar unicamente com o partido que o elegera, ocupado pelas
revoluções no Pará e no Rio Grande do Sul, o padre paulista estaria longe
do grande ministro da Justiça de 1831». A sua imagem também se
desgastou com o constante conflito diplomático com a Santa Sé, relativo à
sede vacante do Rio de Janeiro, como ainda será analisado neste capítulo.
Esse conflito deu uma arma a mais aos seus adversários políticos. Diogo
Feijó acabou renunciando com dois anos de antecedência, em 19 de
setembro de 1837, depois de um governo praticamente «infrutífero para o
país». Pedro de Araújo Lima (1793-1870) o sucedeu, primeiro como
regente interino e depois como regente eleito. Ele pertencia ao recém-
formado grupo político denominado Conservador, que contava nas suas
filas Caramurus e Liberais moderados, iniciando um movimento chamado
de Regresso. Araújo Lima procurou resolver a situação com a Santa Sé,
mas não conseguiu pacificar o país, apesar da vitória conservadora nas
eleições de 1837. A insatisfação era geral. Esta situação facilitou aos
liberais organizar o Golpe da Maioridade, que levou D. Pedro II ao trono
com apenas quatorze anos de idade208.
—————————–
205
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 6.
206
Balaiada (1838-1841) Maranhão; Cabanagem (1835-1840) Pará; Sabinada (1837-
1838) Bahia; Revolta dos Malês (1835) Bahia; Guerra dos Farrapos ou Farroupilha
(1835-1845) Rio Grande do Sul [ndr.].
207
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 6.
208
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 8.
78 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Período Regencial teve, na sua política, alguns traços marcantes e


fundamentais: a) a tentativa de diminuir o poder do Imperador e aumentar o
poder da Câmara dos Deputados; b) a pretensão de descentralizar o poder
em favor das províncias; c) um exacerbado nacionalismo contra Portugal e
a Santa Sé; d) acentuado desejo de reformas religiosas. Estas últimas foram
animadas, principalmente, por um grupo de padres, sequazes daquilo que
José Augusto dos Santos qualificou de «Liberalismo Eclesiástico». Ditos
clérigos eram também regalistas e buscavam no Estado, e não em Roma, o
apoio para suas reformas209.

3.3.1. O Código Criminal e do Processo, o Ato Adicional


e outras inovações jurídicas em prol do regalismo
A legislação regalista imperial ganhou um reforço a mais com o Código
Criminal do Império do Brasil, promulgado em 16 de dezembro de 1830,
para entrar em vigor em 1831. Um dos seus redatores foi Diogo Feijó,
então Ministro da Justiça. Neste código, na sua Parte II, referente aos
crimes públicos, no Título I, «Dos crimes contra e existência política do
Império», Capítulo I: «Dos crimes contra a independência, integridade e
dignidade da nação», proibia-se, nos artigos 79, 80 e 81, que se recorresse à
Sé Apostólica para obter quaisquer privilégios ou favores espirituais, sem
licença do Governo:
Art.79 – Reconhecer, sendo cidadão brasileiro, um poder superior fora do
Império, e submeter-se a ele em obediência efetiva – pena – prisão de quatro a
seis meses.
Art. 80 – Se esse crime for cometido por uma corporação, ela será dissolvida:
se os membros voltarem a reunir-se sob a mesma denominação ou sob
denominação diferente, sob as mesmas regras ou regras diferentes – A pena
será – para os chefes, prisão dois a oito anos, e para os outros membros prisão
de oito meses a três anos.
Art. 81 – Recorrer à autoridade estrangeira residente dentro ou fora do
Império, sem permissão legítima, para pedir graças espirituais, distinções ou
privilégios na hierarquia eclesiástica ou para autorização de qualquer ato
religioso – Pena – Prisão de três a nove anos210.
Com estes artigos, tornou-se mais difícil a comunicação com o Santo
Padre e com os superiores das ordens que residissem no exterior. Seu
objetivo era enfraquecer a autoridade pontifícia, como, aliás, era a práxis
—————————–
209
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 1-13.
210
«Código Criminal do Império do Brasil», em Coleção das Leis do Império do
Brasil, 1830, parte I, 155-156.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 79

dos regalismos europeus. O beneplácito imperial, que já era previsto na


Constituição, foi reforçado no Código por meio do art. 81, que definiu
como delito contra a independência da nação recorrer a autoridades
estrangeiras (entenda-se o Papa) sem prévia permissão governamental.
O «recurso à Coroa» nunca foi revogado, permanecendo em vigor, até
1828, o que definia a Legislação Portuguesa sobre o tema. A Lei de 22 de
setembro de 1828, introduziu algumas modificações211. Extinguiram-se os
Tribunais das Mesas do Desembargador do Paço e de Consciência e Ordens
e suas funções ficaram divididas entre os Juízes da primeira instância, os
Juízes Criminais, os Juízes de Órfão, as relações Provinciais e seus
Presidentes, o Tesouro e a Junta da Fazenda, o Supremo Tribunal de
Justiça, o Governo e suas Secretarias. Às Relações Provinciais competiam:
Decidir os conflitos de jurisdição entre as autoridades, nos termos da Lei de
20 de Outubro de 1823.
Julgar as questões de jurisdição que houverem com os Prelados e outras
autoridades eclesiásticas, de que até agora conhecia o extinto Tribunal do
Desembargo do Paço, ouvindo o Procurador da Coroa, e Soberania Nacional, e
observada a forma estabelecida para os recursos ao Juízo da Coroa no Decreto
de 17 de maio de 1821, mandado observar pela Lei de 20 de outubro de
1823212.
O referido decreto, de 17 de maio de 1821, extinguiu os Juízes de
Comissões e de Administração de casas particulares, remetendo suas
causas aos juízes competentes213. A lei de 20 de outubro de 1823 declarava
em vigor a legislação que regeu o Brasil até 25 de abril de 1821, as leis
promulgadas por D. Pedro, como Regente e como Imperador, e os decretos
das Cortes Portuguesas, incluindo o decreto de 17 de maio de 1821214. A
última instância a se recorrer tornou-se o Supremo Tribunal de Justiça,
criado pela lei de 18 de setembro de 1828. Competia a ele a revisão das
causas, ou o recurso à Coroa. A ele também competia «conhecer, e decidir
sobre os conflitos de jurisdição, e competências das Relações das
províncias», como definia o art. 5º, § 3º215.
O Código do Processo Criminal, promulgado em 29 de novembro de
1832, veio completar a obra. Ele definia que aos tribunais eclesiásticos e
militares competiam somente as matérias «puramente» espirituais ou
—————————–
211
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 47-51.
212
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 48.
213
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1821, parte I, Leis das Cortes Gerais e
Constituintes da Nação Portuguesa, 12-13
214
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1823, parte I, 7-10.
215
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 38.
80 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

militares, conforme constava no art. 8º e o art. 324. Assim versava o art. 8º:
«Ficam extintas as Ouvidorias de Comarca, Juízes de Fora, e Ordinários, e
a Jurisdição Criminal de qualquer outra Autoridade, exceto o Senado,
Supremo Tribunal de Justiça, Relações, Juízos Militares e Juízos
Eclesiásticos em matérias puramente espirituais»216.
Outro fato relevante ocorrera dois anos antes: em 24 de março de 1830, o
bispo Capelão Mor D. José Caetano da Silva Coutinho, concedeu à cadeia
publica do Rio de Janeiro o direito de uso de todas as casas do Aljube
(prisão eclesiástica) e seu terreno, enquanto o Governo não providenciasse
outro edifício para tal fim. Exigia em troca 400$000 para pagar a residência
do vigário geral, 200$000 para a do capelão e 200$000 para o cartório
eclesiástico e que: «Entre as mais partes dos edifícios do Aljube se reserve
uma casa limpa e separada dos mais presos, em que se possa ter em
custódia algum eclesiástico que for mandado por seus Juízes competentes,
aos quais responderá em tudo e por tudo o Carcereiro Geral da cidade»217.
Com a decisão do Governo n. 91, de 31 de março de 1830, a concessão e
as suas condições foram aceitas218. Em 27 de agosto de 1830, um decreto
extinguiu o Tribunal da Nunciatura, ou seja, o Tribunal eclesiástico de
terceira instância, assim decidiu:
Art. 1º. As causas eclesiásticas, d’ora em diante, serão julgadas em segunda e
última instância na Relação competente.
Art. 2º. As apelações interpostas para o Tribunal da Legacia, atualmente
pendentes, ficam de nenhum efeito; e as sentenças proferidas na Relação
competente terão sua inteira execução219.
Desta maneira, as causas do foro eclesiástico ficaram restritas a duas
instâncias. À Relação Metropolitana ou ao Tribunal do bispo do Rio de
Janeiro caberia apenas a segunda instância. A terceira instância seria
julgada por um tribunal secular, fazendo-se recurso ao Supremo Tribunal
de Justiça220. Em 19 de fevereiro de 1838, o regulamento n.º 10 prescreveu
—————————–
216
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1832, parte I, 187.234.
217
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1830, 72-73. Em 12 de
abril de 1831, foi dada uma ordem do Ministro da Justiça, n. 55, onde se mandava que o
carcereiro da cadeia da Relação cumprisse as ordens do vigário geral a respeito da
prisão ou custódia do pe. Pedro Joaquim, pois este carcereiro também era o responsável
pelo Aljube que estava ao cárcere unido. [Coleção das Decisões do Governo do Império
do Brasil, 1831, 47-48].
218
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1830, 72.
219
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1830, parte I, 19.
220
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 151.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 81

o modo de interpor o recurso das autoridades eclesiásticas para as Relações


provinciais e seus julgamentos. Este regulamento, segundo Dilermando
Ramos Vieira, «infringiu mais um rude golpe contra os bispos»,
principalmente com o art. 13, que outorgava aos Juízes de Direito o poder
de restituir os clérigos suspensos de ordens e absolvê-los, inclusive em
relação a quaisquer censuras prelatícias221, como se pode ver na citação
abaixo:
Art. 13. Cabe, nos limites da jurisdição dos Juízes de Direito, o respeito do
cumprimento das sentenças mencionadas, declarar na forma delas, sem algum
efeito as censuras e penas eclesiásticas que tiverem sido impostas aos
recorrentes providos pelas Relações, proibindo e obstando a que a pretexto
delas se lhes faça qualquer violência, ou cause prejuízo pessoal, ou real;
metendo-os de posse de quaisquer direitos e prerrogativas, ou reditos, de que
houvessem sido privados; e procedendo e responsabilizando na forma da lei os
desobedientes, e que recusarem a execução222.
O decreto n.º 18, de 11 de junho de 1838, aprovado pela Assembléia
Legislativa, lesava ainda mais as autoridades eclesiásticas ao definir que os
párocos poderiam passar «certidões do seu ofício», ou seja, batismo,
casamentos e óbitos, «independente do despacho da autoridade
eclesiástica»223.
O Ato Adicional de 1834, modificou a Constituição em certos
particulares e concedeu às Assembléias Provinciais, no art. 10, §1 e § 7, o
direito de legislar sobre as divisões eclesiásticas e sobre a criação, extinção
e nomeação para cargos provinciais. Os lugares de pároco e coadjutor eram
considerados cargos provinciais e, assim, os párocos estavam sujeitos à
autoridade do Presidente da província. As Assembléias provinciais foram,
ainda, autorizadas a legislarem «sobre casas de socorros públicos,
conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas», pelo mesmo
artigo, §10, e também sobre «a catequese, e civilização dos indígenas, e o
estabelecimento de colônias», pelo art. 11, §5224.

3.3.2. A Igreja ao tempo da Regência


A partir da expulsão dos jesuítas, a Igreja no Brasil entrou em declínio
acentuado. Vários eram os pontos críticos após a independência, como a

—————————–
221
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 98.
222
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1838, I, parte II, 102.
223
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1838, I, parte I, 15.
224
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1834, parte I, 17-18.
82 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

catequese dos indígenas, a decadência do ensino nos Seminários e a divisão


eclesiástica, uma vez que existiam somente nove dioceses225.
As paróquias tampouco possuíam uma conformação regular, pois muitas
delas eram demasiado extensas, ao que se juntava o estado deplorável,
tanto moral quanto cultural, de boa parte dos eclesiásticos. A pobreza de
grande parte do clero secular, devido às míseras côngruas que recebiam,
também era evidente. Esta situação, como não podia deixar de ser, incidia
no povo cristão. Paralelamente a isso, expressiva percentual das exíguas
classes abastadas, imbuídas como estavam de idéias liberais, entregavam-se
ao indiferentismo religioso. Por esses motivos, alguns segmentos da
hierarquia eclesiástica foram tomados por anseios de reforma, mas não
exatamente segundo os cânones romanos. Foi assim que um grupo de
padres seculares, Feijó a frente, tentou introduzir algumas mudanças no
clero brasileiro. Este projeto de reforma foi o objeto de estudo de José
Augusto dos Santos, no seu trabalho intitulado Liberalismo eclesiástico e
regalista no Brasil sob o pontificado de Gregório XVI226.
Esse autor argumenta que o termo «liberalismo regalista» é mais
apropriado para o período posterior a 1827, ao invés de simplesmente
«regalismo», ou ainda «jansenismo», «galicanismo» ou «josefinismo»,
como chegaram a definir alguns Internúncios Apostólicos. Esses últimos
apelativos, segundo o autor, eram terminologias próprias do Antigo
Regime, isto é, de governos absolutos, o que não se adéqua ao caso do
Brasil. Ou seja, durante o Período Imperial era o poder temporal quem
decidia, mas não por meio de um soberano absoluto e sim através de
processos «democrático-parlamentares» (apesar de que o voto fosse
rigidamente censitário, ou seja, reservado a pessoas dotadas de certa renda,
e o ocupante do Trono se encontrasse investido de um potente «Poder
Moderador»). De acordo com tal discurso, o Imperador fora aclamado pelo
«povo soberano» e era exatamente dele que derivava a legitimação do
referido Poder Moderador que exercia. A Assembléia Geral Legislativa
(Câmara do Deputados e Senado) era a continuidade da representação desta
«soberania popular», daí a Constituição e as leis imperiais serem
consideradas pelos políticos imperiais como expressões da vontade da
«nação»227.
Cândido Mendes de Almeida definiria o polêmico grupo de padres
liberados por Feijó, como «regalistas conseqüentes ou extremados». Outros
—————————–
225
1 Arcebispado (Salvador); 8 Bispados (Olinda, Rio de Janeiro, Mariana, São
Paulo e São Luiz do Maranhão, Cuiabá e Goiás) [ndr.].
226
Cf. J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil.
227
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 2.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 83

autores preferem dizer simplesmente episcopalismo. Independente, porém,


das interpretações que recebam, os referidos membros do «liberalismo
eclesiástico» praticamente dominaram a cena política eclesiástica nacional
de 1827 até mais ou menos 1837. Embora não tenham obtido vitórias
significativas, muitos dos seus princípios seriam reapropriados
posteriormente228.
As questões de teor eclesiástico foram uma constante nas disputas
parlamentares do Primeiro Império e principalmente do Período Regencial,
devido tanto à imposição do padroado civil à Igreja, quanto a uma contínua
tentativa de integrar o clero à burocracia de Estado, como um setor da
administração pública, colocando a política eclesiástica sob a dependência
do Ministério dos Negócios da Justiça. Os negócios eclesiásticos eram
despachados como quaisquer outros assuntos da administração pública, e
os padres e bispos tratados como funcionários públicos de uma maneira
muito mais incisiva do que havia feito a Coroa portuguesa, que encarregara
a Mesa da Consciência e Ordens de um grande número de negócios
eclesiásticos229.
A sem-cerimônia com que alguns representantes do «liberalismo
regalista» tratavam temas religiosos pode ser medida no projeto
apresentado em 3 de setembro de 1827, pelo deputado baiano Antonio
Ferreira França (1771-1848) que, além de propor um cisma, argumentava
abertamente «que o nosso clero seja casado e que os frades e as freiras
acabem entre nós». Esta proposta abrangia os dois principais problemas da
religião no país, o clero secular e as ordens religiosas, e dividiu os políticos
e a opinião pública do Brasil, chegando mesmo a ameaçar um ultimatum de
separação da igreja brasileira da comunhão romana, «caso o S. Padre não
libertasse o clero do Brasil da obrigação do celibato», ultimatum que
acompanhava a própria proposição230.
O pe. Diogo Feijó deu seu apoio a tal proposta, apresentando um voto
em separado e acompanhado de uma longa exposição de motivos que

—————————–
228
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 2-3.
229
A Mesa da Consciência e Ordens era um órgão do governo português estabelecido
no Regimento de 23 de agosto de 1608 para resolver as matérias que tocassem as
obrigações de consciência das três Ordens militares. Criada no Rio de Janeiro pelo
alvará de 22 de abril de 1808, foi extinta pela lei de 18 de setembro de 1828, passando
seus papéis, autos, livros e funções para o Supremo Tribunal de Justiça [O. OLIVEIRA,
Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 75 nota 21].
230
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 3.
84 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

seriam depois completados com um opúsculo dado à publicidade231. O teor


do voto separado de Feijó era o seguinte:
1º. Que se autorize o governo para obter de sua santidade a revogação das
penas espirituais impostas ao clérigo que se casa; fazendo saber ao mesmo
santíssimo padre a necessidade de assim praticar, visto que a assembléia não
pode deixar de revogar a lei do celibato; 2º. Que o mesmo governo marque ao
nosso plenipotenciário prazo certo, e só suficiente, em que deve
definitivamente receber da Santa Sé o deferimento desta súplica; 3º. Que no
caso da Santa Sé recusar-se ao requerido, o mesmo plenipotenciário declare a
Sua Santidade mui clara, e positivamente, que a assembléia geral não
derrogará a lei do celibato, mas suspenderá beneplácito a todas as leis
eclesiásticas disciplinares, que estiverem em oposição aos seus decretos; e que
o governo fará manter a tranqüilidade e o sossego público por todos os meios,
que tiverem ao seu alcance232.
Diogo Feijó e seu grupo defendiam que o celibato não era uma questão
dogmática, mas sim disciplinar, uma lei eclesiástica que poderia e deveria
ser regulada pelo Estado. Entre os defensores do celibato e opositores dos
liberais eclesiásticos estavam: D. Romualdo Antônio de Seixas (1787-
1860)233, deputado e Arcebispo da Bahia, D. Marcos Antônio de Souza

—————————–
231
Cf. D. A. FEIJÓ, Demonstração da necessidade da abolição do Celibato Clerical.
232
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 10 de outubro de 1827,V, 119.
233
Romualdo Antônio de Seixas nasceu em Cametá, Capitania do Pará, em 1728.
Educado pelo tio, pe. Romualdo de Sousa Coelho, depois bispo do Pará. Mandado
completar os estudos em Portugal por D. Manuel de Almeida Carvalho, que não
querendo ver o rapaz na Universidade de Coimbra, colocou-o na Casa da Congregação
do Oratório em Lisboa. Aos 17 anos, Romualdo deixou o Convento de Oratório e tentou
entrar na Universidade de Coimbra, o que lhe foi terminantemente proibido por seus
protetores. Buscou então instruir-se percorrendo as bibliotecas de Lisboa e, para espanto
dos bibliotecários, lendo toda sorte de autores em francês, latim e italiano, além de
português. De volta ao Pará se tornou professor do Seminário diocesano aos 19 anos,
diácono aos 22 anos e sacerdote em 1810. Posteriormente foi nomeado vigário geral e
capitular do bispado. Eleito deputado suplente às Cortes de Lisboa, ao voltar foi preso
como suspeito de lusofilia. Parlamentar em várias legislaturas, Presidente da Câmara em
1841, mostrou-se incansável defensor dos direitos e prerrogativas da Igreja. Nomeado
Arcebispo da Bahia em 1826 e Marquês de Santa Cruz, foi sagrado em 1828, passando
a dividir suas forças entre a Câmara e o Arcebispado. Em maio de 1839, o Regente
Pedro de Araújo Lima o nomeou Ministro e Secretário dos Negócios Interiores do
Império, mas D. Romualdo recusou o cargo para se dedicar à Arquidiocese. Pastor
zeloso e sacerdote exemplar, orador de grande recurso, julgava ser um dever participar
da Câmara para defender a Igreja. Faleceu a 28 de dezembro de 1860. [R. M. S.
BARROSO em R. A. SEIXAS, Obras Completas do Marques de Santa Cruz, 15-29; DBB,
154-159; A. NOBREGA, «Dioceses e bispos do Brasil», RIHGB, n. 222,181-182].
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 85

(1771-1842)234, deputado e bispo do Maranhão, pe. Luís Gonçalves dos


Santos (jornalista, polemista, também conhecido como Padre Perereca)235,
o pe. William Paul Tilbury236, e o Visconde de Cairu (José Joaquim da
—————————–
234
Marcos Antônio de Sousa nasceu na Bahia em 10 de fevereiro de 1771, e faleceu
em Maranhão em 29 de novembro de 1842. Era membro do conselho de Sua Majestade
o Imperador, comendador da ordem de Cristo e dignitário da ordem da Rosa. Presbítero
secular e vigário em sua província, foi deputado à Assembléia Constituinte portuguesa,
em 1821, e na legislatura brasileira de 1826 a 1829. Nomeado vigário da freguesia da
Vitória na capitania da Bahia, por muitos anos também exercitou os encargos de
examinador sinodal e secretário do governo provincial. Na constituinte portuguesa
defendeu com todo o vigor os interesses da Igreja e do Estado, e a liberdade da
imprensa religiosa. Além disso, trabalhou para que fosse sustentado o foro eclesiástico,
sendo exaltado partidário da independência do Brasil. Foi o primeiro bispo de nomeação
do fundador da monarquia brasileira. Indicado para a diocese de São Luís do Maranhão,
em 12 de outubro e 1826, e confirmado em 25 de junho e 1827, recebeu a sagração
episcopal no Rio de Janeiro em 28 de outubro daquele ano. Em sua diocese, que foi por
ele dotada de vários melhoramentos, várias vezes se elegeu deputado provincial,
ocupando a cadeira da presidência da Assembléia. Falava e escrevia perfeitamente em
latim e redigiu vários sermões. Junto a D. Romualdo defendeu os direitos da Santa Sé
frente aos padres liberais comandados por Feijó [DBB, 221-222].
235
Polemista ultramontano que entrou em violentas disputas com o pe. Diogo Feijó.
Seus principais escritos são: O campeão português em Lisboa, derrubado por terra à
golpes de verdade, e da justiça, Rio de Janeiro, 1822, Typ. de Torres, e
Costa; Memórias para Servir à História do Reino do Brasil, Lisboa, 1825, Impressão
régia; O celibato clerical, e religioso defendido dos golpes de impiedade, e da
libertinagem dos correspondentes da Astréa. Com um apêndice sobre o voto separado
do senhor deputado Feijó, Rio de Janeiro, 1827, Typ. de Torres; Antídoto salutífero
contra o Despertador Constitucional Extranumerário n. 3, dividido em sete cartas,
dirigidas ao autor d'aquele folheto ímpio, revolucionário e execrável para beneficio da
mocidade brasileira, especialmente da fluminense por um seu patrício fiel aos deveres
que lhe impõe a religião e o império, Lisboa, 1827, Impressão Régia; Apologia dos bens
religiosos, e religiosas do Império do Brasil, fundada em razão, na justiça, e na
Constituição, contra os projetistas espoliadores, Rio de Janeiro, 1828, Typ. de
Torres; Antídoto católico contra o veneno metodista, ou refutação do segundo relatório
do intitulado missionário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1838, I. P. da Costa; O
católico e o metodistas; ou, Refutação das doutrinas heréticas e falsas que os
intitulados missionários do Rio de Janeiro, metodistas de New York, tem vulgarizado
nesta corte do Império do Brasil por meio de uns impressos chamados tracts, com o fim
de fazer prosélitos para sua seita, que se junta uma dissertação sobre o direito dos
catholicos de serem sepultados nas igrejas e nos seus adros, Rio de Janeiro, 1839, Imp.
de I.P. da Costa [D. G. VIEIRA, O Protestantismo a Maçonaria e a Questão Religiosa no
Brasil, 34-35].
236
O pe. William Paul Tilbury (? – 1862) era um sacerdote inglês que emigrara para
o Brasil e aqui mudara de nome para Guilherme Paulo Tilbury. Com o auxílio de outro
inglês chamado James Andrews, ele assumiu a responsabilidade, entre os anos de 1838-
86 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Silva Lisboa)237, podendo, os quatro primeiros, serem considerados


precursores do ultramontanismo no Brasil. Eles impediram tanto o cisma
quanto a aprovação das propostas de Feijó e do seu grupo238.
Ainda assim, varias foram às decisões tomadas no período regencial que
atingiram diretamente a Igreja, como o artigo 18 da Lei das Atribuições da
Regência, determinando que benefícios eclesiásticos sem cura d’alma
ficassem suspensos239; o Ato Adicional autorizando os desmembramentos
das paróquias por parte das autoridades civis regionais, sem consultar os
Ordinários, fato que o Arcebispo da Bahia deplorou numa das suas
Representações à Câmara dos Deputados240; o Código Criminal e o Código
do Processo Criminal, que aboliram o privilégio do foro eclesiástico e
proibiram o recurso a Roma para a obtenção de graças espirituais; e o fim
do Tribunal da Nunciatura, como órgão de terceira instancia para as causas
matrimoniais. Justificavam-se tais iniciativas apelando ao artigo 102, § 2,
da Constituição Política do Império, que também seria mencionado para

1839, de ler todas as publicações missionárias protestantes em inglês em busca de


notícias sobre o trabalho metodista no Brasil. Os dois traduziram todas as notícias que
encontravam e as publicaram nos jornais do Rio de Janeiro, com intuito de informar os
católicos e provocar sua reação. Principais obras: Antídoto Católico contra o Veneno
Metodista, ou, refutação do Segundo Relatório do intitulado Missionário do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1839, I. P. da Costa, tendo como apêndice a Análise do anúncio
do Vendedor de Bíblias do Pe. Luís Gonçalves dos Santos e Exposição franca sobre a
Maçonaria por um ex-maçom que abjurou a sociedade, Rio de Janeiro, 1826, Tip.
Imperial e Nacional. [D. G. VIEIRA, O Protestantismo a Maçonaria e a Questão
Religiosa no Brasil, 34-35].
237
José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, jurisconsulto, economista e político
(1756-1835), se formou na Universidade de Coimbra onde também lecionou hebraico e
grego. «Considerado notável doutrinador do Conservadorismo Político, bem assim o
introdutor do Liberalismo Econômico no Brasil», se tornou deputado na Assembléia
Constituinte de 1823, após o que foi agraciado com o título de barão em 1825. Um ano
depois também recebeu o título de visconde, mesma data em que foi indicado como
senador, no momento em D. Pedro I organizou o Senado Vitalício. Em 1832 publicou
um Manual de Política Ortodoxa [ NDHB, 123].
238
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira, 162-163.
239
«O provimento dos benefícios eclesiásticos que não têm cura d’almas fica
suspenso, assim como o pagamento das côngruas dos que vagarem» [Coleção de Leis
do Império do Brasil, 1831, parte I, 32].
240
Cf. R. A. SEIXAS, Representação dirigida pelo Arcebispo da Bahia,
Metropolitano do Brasil à Assembléia Geral Legislativa sobre o privilégio do foro
eclesiástico extinto pelo Código do Processo Criminal e sobre outros pontos da
Disciplina da Igreja.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 87

impor outros atos de ingerência do Poder temporal na ambiência


eclesiástica241.
Grande polêmica foi também suscitada pelos três projetos de reforma
eclesiástica redigidos em 1831 e discutidos em 1832. Eram os seguintes:
a) O projeto da Caixa Eclesiástica. A Caixa Eclesiástica seria uma
tentativa de solução para pobreza do clero brasileiro, mediante uma
melhora do sistema de côngruas e a correção de eventuais abusos do clero
em relação à cobrança de emolumentos e conhecença242. Isso porque, como
se dizia, «em um país cuja classe sacerdotal muitas vezes mal formada, via
na própria função mais um meio de subsistir material e socialmente do que
um apostolado, o sistema de remuneração clerical em vigor e, em
particular, a prática das conhecenças, eram afeitos a ocasionar a tentação da
ganância». Em 20 de março de 1829, foram fixadas em oitenta réis por
pessoa de confissão as conhecenças do bispado de Mariana, estendidas às
demais dioceses por decreto de 9 e 14 de dezembro do mesmo ano243.
O projeto propunha que cada província tivesse uma caixa eclesiástica
destinada a receber as «taxas, contribuições eclesiásticas e legados pios
destinados ao Culto», que seriam administradas pelo Tesouro Público, e
cada paróquia teria uma «Caixa Filial» administrada por um funcionário do
Tesouro (art. 1 e 2). As rendas seriam exclusivas para a manutenção do
culto católico e se cobraria uma taxa anual para cada católico com mais de
sete anos (art. 3 e 4). Os Conselhos Gerais, «ouvidas as Câmaras e as
Paróquias», deveriam propor à Assembléia Geral um plano de taxas e
côngruas adequadas à riqueza de cada paróquia (art. 6 comas I, II, III). Os
artigos 8, 9 e 10 definiam:
8. Os Párocos e Coadjutores depois de lhes ser assignada novas Côngruas não
poderão receber mais coisa alguma pelo exercício d’Ordens ou emprego
eclesiástico ainda com o título de esmola voluntária, debaixo da pena de serem
multados no duplo da cousa recebida.
9. Quando a Caixa Eclesiástica não possa com todas as despesas, o déficit será
suprido pelas rendas gerais da Província.
10. Fica revogada toda Legislação em contrário244.

—————————–
241
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 1.6.
242
O primeiro é a taxa cobrada pela administração dos sacramentos e o segundo era
uma contribuição obrigatória em dinheiro por ocasião da desobriga (confissão e
comunhão pascoal) [ndr.].
243
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 22.
244
«O projeto da Caixa Eclesiástica», em J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico
e regalista no Brasil, 19-20.
88 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

As principais críticas a este projeto, feitas pela Santa Sé, informada pelos
seus Internúncios Mons. Pietro Ostini e Mons. Domenico Scipione
Fabbrini, eram que a medida ia contra a tradição de recolhimento e
redistribuição dos dízimos exercida pelos soberanos portugueses e
transferida à casa reinante no Brasil. Extinguia a contribuição voluntária e
era hedionda a obrigação de cada católico maior de sete anos pagar uma
taxa anual. O projeto era contrário à liberdade da Igreja subordinando a
administração dos dízimos ao Tesouro Público e as decisões da Câmara dos
Deputados. Além do fato do poder temporal não ter jurisdição para revogar
«toda Legislação em contrário»245.
b) O Projeto sobre os Cabidos. O desejo de abolir os cabidos já vinha
desde 1827 e se discutia na Câmara se fossem eles realmente necessários.
As críticas se intensificaram a partir de 1828, alimentadas pelo grupo
liderado por Diogo Feijó, que se justificava defendendo que a instituição
decaíra «do antigo esplendor» e fora penetrada pelo espírito mundano246.
O projeto assinado em 17 de maio de 1831 (mesma data do anterior),
definia as figuras canônicas do que chamaram de «Presbitério»: Acipreste,
Arcediago, Penitenciário, Teólogo, Chantre e três Examinadores Sinodais
(art. 1); sendo que este «será consultado pelo bispo em todas as suas
Pastorais, Instruções e Ordenação que fizer» além de levar
«Representações» ao bispo (art. 4); a jurisdição dos cabidos em sé vaga
passa para o Presbítero (art. 9); os prelados que faltarem à «observância da
presente Lei, serão privados da Côngrua de bem um ano pela transgressão
de cada artigo dela» (art. 12); «fica revogado toda legislação em contrário»
(art.14)247.
As críticas feitas pela Santa Sé eram as seguintes: a) a tendência a
diminuir a autoridade, liberdade e direitos dos bispos; b) que tal mudança
era inaceitável por ter vindo de uma autoridade «estranha» e incompetente;
c) a transferência da jurisdição do cabido para os novos presbíteros, «pois
com esse gesto a Assembléia Legislativa política se sentiria investida de
jurisdição espiritual eclesiástica»; d) o rigor do artigo 12; e) não mencionar
um consenso com Roma para aplicar tal projeto. Mons. Fabbrini ainda
chamou a atenção sobre a semelhança que encontrava entre este projeto e a
Constituição Civil do Clero francês e Mons. Ostini chegou a ver, além dos
defeitos apontados, uma possibilidade da Santa Sé tirar vantagem desse
projeto que, se fosse bem modificado, «poderia suprir as deficiências
—————————–
245
Cópia integral do projeto encontra-se em J. A. DOS SANTOS, Liberalismo
eclesiástico e regalista no Brasil, 16-26.
246
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 30.
247
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 29.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 89

trazidas pela aceitação parcial da bula Catholici Gregis, sendo possível


prover de cabidos episcopais as dioceses de Goiás e Mato Grosso»248.
c) Projeto de lei sobre os impedimentos matrimoniais. Para se realizar
um matrimônio, era necessário um consentimento do vigário de vara e só
depois o pároco ficava autorizado a celebrar o sacramento, isso caso não
existisse algum impedimento, senão o preço e a burocracia aumentavam.
Os impedimentos eram muitos num país de população branca escassa, onde
vigorava uma aristocracia de pele, «em que a riqueza principal eram os
latifúndios que se procuravam aumentar ou conservar por meio de
casamentos dentro da mesma família ou com outros proprietários,
indiretamente aparentados». Por esse motivo, os governantes do Brasil
viam no aumento da população um motivo para se conseguir um maior
número de dispensas matrimoniais de consangüinidade, que haviam sido
concedidas por Pio VII (1742-1823) para o período de 25 anos. Para Santa
Sé, era exatamente este aumento populacional que justificava a diminuição
de concessões para casamentos deste tipo249.
Outro ponto importante era a união entre os acatólicos e os matrimônios
mistos, limitados pela mencionada bula dos 25 anos. Os matrimônios eram
regulados pelo Concílio de Trento, reconhecendo o casamento somente
quando celebrado na presença de um padre católico e duas testemunhas.
Existia ainda um outro agravante, no decorrer de todo processo burocrático
matrimonial, havia a possibilidade de «abusos que provinham das
estruturas sociais da terra, das distancias geográficas, da falta de
fiscalização das autoridades eclesiásticas, da indigência de muitos
pretendentes e do pouco espírito sacerdotal de certos membros do clero»250.
Para a questão matrimonial, a Comissão Eclesiástica não hesitou em
apresentar à Câmara dos Deputados, no dia 11 de junho de 1831, um
projeto a respeito, que superou os demais seja em tamanho que nas críticas
recebidas. O projeto regulava, no seu artigo 1º, quem não podia contrair
matrimonio; o artigo 2º declarava que «a Solenidade essencial ao valor do
matrimonio é a declaração dos Contraentes perante duas testemunhas e o
Ministro Presidente do Culto da Religião de um deles, de que livremente se
recebem em legítimo matrimonio»; o artigo 3º definia as funções do
Ministro do Culto na certificação da não existência de impedimentos; os
artigos 4, 5, 6 e 7 tinham cunho particularmente administrativos; os 9, 19,
—————————–
248
Cópia integral do projeto encontra-se em J. A. DOS SANTOS, Liberalismo
eclesiástico e regalista no Brasil, 29-35.
249
O breve dos 25 anos e as motivações do Governo e da Santa Sé serão
apresentadas detalhadamente no quarto capítulo.
250
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 39-40.
90 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

11, 12 e 13 regulavam os efeitos civis; enquanto o 14º declara sem vigor


todas as disposições em contrário. No preâmbulo vinha justificado, do
seguinte modo, a necessidade de tal projeto:
Sendo o contrato do matrimonio o que mais assegura a Paz das famílias,
educação dos filhos e os direitos que a lei lhe concede sobre os bens dos seus
primogênitos, tendo sido o objetivo dos cuidados de todos os Legisladores,
intervindo a mesma Religião para santificá-lo com as cerimônias sagradas não
convêm que aos Legisladores do Brasil seja indiferente que os Eclesiásticos, a
cujo cargo tem estado a sua fiscalização, continuem a ser arbitrários
dispensadores de condições e fórmulas essenciais ao mesmo contrato. A
comissão Eclesiástica, observando a relaxação que por toda parte se encontra
nas dispensas dos impedimentos matrimoniais, a tal excesso que o maior
número deles não existe senão para obrigar os Brasileiros a despesas inúteis e
algumas vezes excessivas que lhes são extorquidas por diferentes pretextos,
sem que jamais semelhantes impedimentos obstem aos seus contratos, tendo
em vista que a Liberdade de Culto reconhecida pela Constituição introduz
grande variedade na celebração do matrimonio que as antigas leis não
providenciaram, querendo remover a tantos abusos, dar firmeza e legalidade a
semelhantes contratos251.
As principais restrições da Santa Sé e seus enviados ao projeto referiam-
se: a) sustentar que a Igreja não tinha nenhum direito sobre o contrato do
matrimonio, mas unicamente sobre o sacramento do matrimônio; b)
combatia e excluía o direito essencial pertencente à Igreja de estabelecer os
impedimentos que dirimem o matrimônio; c) atribuía-se ao Poder civil o
direito de abolir ou limitar os impedimentos impostos pela autoridade
eclesiástica, contra as decisões dogmáticas contidas nos cânones 3 e 4 da
sessão 24 do Concilio de Trento e na Constituição Auctorem Fidei; e)
conceder ao foro leigo o direito de julgar as causas matrimoniais; f)
autorizava um católico a se unir matrimonialmente diante do ministro
presidente do culto de qualquer seita; g) não declarava a ordem e o voto
religioso como impedimentos, instaurando assim, implicitamente, o fim do
celibato clerical; h) não tinha o poder temporal direito de declarar ab-
rogada toda legislação contrária aos artigos do projeto252.
Nesse período, além desses três projetos, os nacionalistas radicais não
hesitaram em propor um cisma da igreja brasileira. Isso aconteceu, como se
viu, primeiro em 1827, e depois, em 1835, quando o deputado Rafael de
Carvalho apresentou um projeto no qual «a Igreja Brasileira fica desde já
—————————–
251
Cópia integral do projeto encontra-se em J. A. DOS SANTOS, Liberalismo
eclesiástico e regalista no Brasil, 37-39.
252
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 41-44.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 91

separada da Igreja Romana. O supremo sacerdócio fica devolvido ao


Governo». A proposição caiu porque só a votaram o autor e outro
deputado, em virtude da refutação veemente que fez o presidente da
Câmara, Araújo Lima, que declarou na tribuna, em longo discurso, que o
projeto nunca devia ter aparecido e que objetos sagrados como a religião e
a Constituição não deviam ser tratados daquela maneira. O autor do projeto
revidou que «mais sagrados são os direitos da nação que os direitos do
Pontífice». A questão das Ordens Religiosas também foi muito discutida, e
muita preocupação havia em reformá-las, mas pouco foi feito253.
O maior defensor da Cúria na Câmara dos Deputados foi D. Romualdo
Seixas, como deputado e Arcebispo, tinha grande força moral e política.
Foi ele que, em 20 de julho de 1832, acabou com os planos dos regalistas e
arquivou as discussões do projeto sobre o matrimônio com uma enérgica
intervenção na Câmara dos Deputados. Defendeu, alinhando-se com a
argumentação da Santa Sé, que o sacramento do matrimonio era indivisível
de acordo com o Concílio de Trento, não podendo separar o contrato do
sacramento. Criticou o reduzidíssimo número de impedimentos,
defendendo que tal projeto levaria a muitos escândalos, «a sacerdotes
prevaricadores e nubentes incapazes de receber o sacramento». Reforçou
sua argumentação dizendo que todos os príncipes católicos tinham
respeitado o poder da Igreja na matéria, com exceção de José II da Áustria,
mas nem mesmo este chegou a consentir a eliminação do impedimento da
Ordem Sacra ou do celibato. O bispo ainda declarou que aceitaria um
projeto de lei somente para a regulamentação dos matrimônios dos não
católicos, mas nunca aquele proposto254.

3.3.3. A questão da diocese vacante do Rio de Janeiro


Os três projetos anteriormente analisados foram assinados pelos padres
Diogo Feijó, José Bento Ferreira de Mello, Antonio Maria de Moura255.
—————————–
253
T. AZEVEDO; A religião civil brasileira, 50-51.
254
J. A. DOS SANTOS, Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil, 58-60.
255
Pe. Antônio Maria de Moura (1794-1842) era originário da Vila Nova da Rainha
do Caeté, Minas Gerais. Transferiu-se depois para São Paulo, onde passou a residir no
palácio episcopal de D. Mateus Abreu Pereira, período em que cursou filosofia, e em
seguida, também o parcimonioso curso de teologia local. Em 1819, partiu para Portugal
com o objetivo de cursar direito na Universidade de Coimbra, aonde veio a se formar
em 1824. Ao regressar, recebeu a nomeação de professor e diretor do Curso Jurídico de
São Paulo, em 1829. Representou sua província natal na Câmara de 1830 a 1837,
chegando a Presidente da mesma. Embora clérigo do bispado de Mariana, foi ordenado
presbítero pelo mencionado bispo de São Paulo sem as letras dimensórias requeridas
92 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Este último, em 22 de março de 1833, após a morte do bispo do Rio de


Janeiro, D. José Caetano da Silva Coutinho (1768-1833), foi nomeado seu
sucessor por um decreto assinado por Francisco de Lima e Silva, membro
da Regência Trina Permanente, que então governava o país. Pertenciam a
ela, além do já citado Francisco Lima, dois ex-alunos da Universidade de
Coimbra, José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz. Também lá
estudara o Ministro da Justiça e Negócios Eclesiásticos, Honório Hermeto
Carneiro Leão. Segundo Tarcisio Beal, «presume-se então que a Regência,
controlada por regalistas da melhor cepa coimbrã, apresentou o nome de
Antonio Maria de Moura sabendo que haveria objeções por parte da Santa
Sé, mesmo porque o candidato jamais escondera o que pensava e sentia»256.
A reação do Encarregado Pontifício, Mons. Domenico Scipione
Fabbrini, foi imediata, advertindo no mesmo dia o Ministro da Justiça que a
adesão do dito sacerdote aos referidos projetos constituiria um grande
empecilho para a sua instituição canônica257.
O pe. Moura mal aceitou a nomeação e a imprensa transformou a
questão em um escândalo. Criticavam sua nomeação e citavam os
impedimentos existentes contra a sua confirmação canônica por parte da
Santa Sé, que eram os seguintes: o nomeado era filho ilegítimo, tinha
assinado o projeto que defendia o matrimônio dos sacerdotes, e si tratava
de um ébrio. A Santa Sé, bem informada pelo seu Encarregado, não aceitou
a nomeação e isso ensejou uma crise diplomática com o Governo
brasileiro. A negativa foi feita por meio de uma nota datada de 14 de
setembro de 1833, enviada ao Encarregado Pontifício no Brasil e também
entregue ao Encarregado brasileiro junto à Santa Sé, Luis Moutinho
Álvares da Silva. Os motivos alegados pela Santa Sé eram: 1 –
impedimento canônico do pe. Moura, que havia sido ordenado em São
Paulo sem as dimissórias do bispo de Mariana, seu prelado de origem; 2 –
sua doutrina não era sã, pois havia assinado três projetos heterodoxos; 3 –
era filho ilegítimo; 4 – possuía «defeitos de corpo», sendo portador de uma
paralisia parcial. A ele eram imputadas outras faltas, como a embriaguez,
que vinha sendo fortemente explorada pela imprensa brasileira. Na nota,

pelo Direito Canônico. Tal fato foi um impedimento a mais apontado por Roma em
relação à sua nomeação como bispo do Rio de Janeiro. A nota redigida a respeito pelo
Cardeal Bernetti, em 3 de fevereiro de 1833, ressaltava também que ele estava
«imputado de outras graves coisas» [ASV, NAB, Copia confidenziale dalle stanze del
Quirinale, fasc. 13, doc. 39, f. 92r].
256
T. BEAL – M. S. CARDOZO, Os jesuítas, a Universidade de Coimbra e a Igreja
brasileira,188-189.
257
ASV, NAB, Breve memória histórica anexa à nota dirigida ao Senhor
Drumonnd, Encarregado dos negócio do Brasil, Cx. 4, fasc. 18, doc. 83, f. 299.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 93

pedia a Moutinho que requeresse ao Imperador brasileiro que apresentasse


outro candidato para a diocese do Rio258.
Na opinião de João Dornas Filho, o que mais pesou contra o pe. Moura
foi sua participação nos três projetos anteriormente citados, sendo que, se
ele fosse canonicamente confirmado pelo Papa, «poderia entender-se que a
sua doutrina ficava também confirmada implicitamente»259.
Para complicar ainda mais a situação o pe. Diogo Feijó foi nomeado
bispo de Mariana em 1835, porém recusou a indicação, pois almejava ser
Regente Único, o que ocorreu no mesmo ano. Como Regente, ele passou a
encarar a nomeação do bispo-eleito do Rio de Janeiro como uma questão
de honra para o Império. O impasse continuou por anos, com ameaças por
parte do governo brasileiro contra a Santa Sé e uma inabalável resistência
desta, talvez convencida de que do Brasil não partiria nunca a efetivação do
cisma insinuado260, mesmo se, em 6 de junho de 1835 o deputado
maranhense Estevão Rafael de Carvalho (1800-1846) propôs a resolução da
problemática eclesiástica brasileira por meio de um cisma unilateral261.
A oposição à Regência de Diogo Feijó aumentou e, em 19 de setembro
de 1837, ele renunciou, sendo substituído pelo moderado Araújo Lima. O
pe. Moura acabou renunciando ao bispado do Rio de Janeiro por meio de
uma carta datada de 1º de outubro de 1938, enviada a Bernardo de
Vasconcelos, Ministro da Justiça. Nesta carta, sequer hesitou em fazer uma
declaração inusitada:
Permita-me V. Exa., que eu declare que se nesse projeto algumas expressões
havia donde se pudesse inferir semelhante conclusão, eu, na melhor boa fé, a
não pude descobrir, mas quando existia reclamo minha assinatura, pois que a
cerca do sacramento do matrimônio reprovo e condeno tudo quanto reprovam
e condenam os doze cânones do Concílio de Trento, e sigo inteiramente tudo
quanto se haja estabelecido na sess. 24, De Reformat. Matrim., afim como nas
constituições Pontifícias e principalmente nas constituições – Autorem Fidei –
de 28 de Agosto de 1794 [...] sempre recebi e abracei as disposições
disciplinares do Concílio de Trento, e jamais aconselhei, e antes sempre me
opus, à abolição do celibato eclesiástico, cuja lei até por escrito reconheci
como santa e justa262.
—————————–
258
ASV, NAB, Breve Memória Histórica, Cx. 4, fasc. 18, doc. 83, f. 239r; consultar
também D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 82-
85.
259
J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja brasileira, 78.
260
J. DORNAS FILHOS, O Padroado e a Igreja brasileira, 86.
261
Anais do Parlamento Brasileiro, 1835, I, 154-155.
262
AES, Br., Carta do pe. Antônio Maria de Moura a Bernardo Pereira de
Vasconcelos, 1 de outubro de 1838, Fasc. 155, pos. 36, f. 22v.
94 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Depois de tal renúncia, a questão foi se encerrando até ser concluída em


3 de agosto de 1839, com a nomeação do pe. Manuel do Monte Rodrigues
de Araújo para titular da diocese do Rio de Janeiro e sua aceitação pela
Santa Sé263.

4. A manutenção do clero e a problemática dos dízimos


Os dízimos estritamente eclesiásticos eram a décima parte ou uma outra
determinada porção dos frutos ou dos lucros licitamente adquiridos, que
devia ser tributada para a subvenção do culto divino e a sustentação dos
ministros da Igreja, que aos fiéis administravam os sacramentos e lhes
faziam outros serviços espirituais. Para se entender bem a questão dos
direitos dos dízimos, faz-se, contudo, necessário analisar o sentido de tais
palavras na época. Segundo Oscar de Oliveira, que fez um aprofundado
estudo sobre os dízimos no Brasil, era dado ao tributo eclesiástico além da
denominação de dízimos, a de décimas e dízima. Está ultima era também o
nome dado ao tributo civil aduaneiro ou de chancelaria e o imposto civil,
que o Governo «desde vários séculos cobrava sobre as pescarias» e que
vinha também chamado de dízimas, no plural. As décimas ou décimos
foram os impostos civis predial-urbano, de dez por cento, taxado por D.
João VI, no Brasil, pelo alvará de 27 de junho de 1808. Pode-se notar que,
sob o mesmo nome vinham designados vários impostos, tanto civis quanto
eclesiásticos264.
A exemplo do padroado, a questão dos dízimos é um tema complexo.
Oscar de Oliveira, supracitado, chegou à conclusão que os dízimos
eclesiásticos das terras ultramarinas, em senso estrito, pertenciam à Ordem
de Cristo. A questão, entretanto, não se encerrava ai, já que o mesmo autor
não encontrou em nenhum arquivo um documento pontifício citando
explicitamente a concessão feita à referida ordem dos dízimos das terras
ultramarinas, e a pesquisa que ele realizou nos arquivos do Vaticano, na
Biblioteca Vaticana e no Arquivo da Torre do Tombo em Lisboa, não deu
resultados265.
Mesmo assim, baseia sua tese nos últimos Estatutos da Ordem de Cristo,
publicados em 1627, que diziam que «os dízimos das Ilhas e mais
conquistas pertencem à Ordem por concessão da Sé Apostólica». Segundo
—————————–
263
AES, Br., Officio, 14 de outubro de 1839, Fasc. 155, pos. 36, f. 26r-27v. Para uma
visão mais aprofundada da questão ver: D. R. VIEIRA, O processo de reforma e
reorganização da Igreja no Brasil, 82-99.
264
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 24.48-49.
265
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 59-60.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 95

o autor, «se tratasse de impostos civis, dir-se-ia que teriam sido concedidos
pelos reis e não pela Santa Sé». Outro documento é as Constituições do
Arcebispado da Bahia, «doutrinando sobre os dízimos, urgindo o
pagamento deles aos reis como Grão-Mestres da Ordem de Cristo»,
referindo-se aos dízimos estritamente eclesiásticos266.
Sempre de acordo com Oscar Oliveira, estes documentos pressupunham
a concessão precedente dos dízimos. A origem de tal concessão é
problemática, pois nem os Estatutos da Ordem de Cristo, que falavam deste
direito, especificam os Papas ou os documentos pontifícios pelos quais
eram concedidos os dízimos. Os reis, ao invés, defendiam que os dízimos
do Brasil foram secularizados e em vários documentos afirmavam que eles
pertenciam à Fazenda Real na conformidade das bulas pontifícias267.
A mais antiga bula que se conhece mencionando os dízimos do Brasil é a
Super specula268, de 25 de fevereiro de 1550, que erigiu a primeira diocese
brasileira, mas esta já «supõe o fato do direito da Ordem». Logo depois, em
30 de dezembro de 1551, o Papa Julio III, pela bula Praeclara
Charissimi269, concedeu hereditariamente aos reis de Portugal os Mestrados
da Ordem de Cristo, Santiago e Avis. Ao mesmo tempo, a Santa Sé,
concedeu aos reis o direto de dispor, para obras públicas, das rendas das
Ordens, naturalmente, depois de satisfeitas as obrigações dos Mestrados.
Então os reis podiam secularizar somente parte das rendas provenientes dos
dízimos, a parte que sobrasse da manutenção do clero e das igrejas270.
Oscar de Oliveira concluiu que não existia nenhuma bula concedendo
explicitamente os dízimos do Ultramar à Ordem de Cristo, mas sim
implicitamente, pela concessão espiritual que lhe fora feita de todas as

—————————–
266
A mais antiga e completa legislação doutrinária e prática dos dízimos do Brasil
foram aquelas emanadas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia,
promulgadas em 1707, a partir de um Sínodo, organizado por D. Sebastião Monteiro da
Vide, Arcebispo da Bahia. Ele pretendia organizar um Concílio Provincial, mas não
conseguiu reunir todos os bispos, desistindo da idéia e organizando somente o Sínodo
Diocesano. Esta constituição decretou, em 5 livros, 1.318 constituições que
praticamente vigoraram em todas as dioceses do Brasil colonial e imperial [O.
OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 25-30.53-54].
267
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 54.
268
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 177-179. Muitos autores indicam o
ano de 1551 outros ainda o ano de 1555, a fonte aqui utilizada indica a data de 25 de
fevereiro de 1550 [ndr.].
269
Bullarium Romanum, VI, 446-453; Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I,
180-185.
270
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 58.
96 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

possessões ultramarinas portuguesas pela bula Inter caetera quae271, de


Calisto III, de 13 de março de 1455, a qual Sisto IV confirmou em 1481, na
sua bula Aaeterni Regis clementia272. Por esse mesmo motivo afirma, o
referido autor, não ter encontrado na Cúria Romana algum documento
pontifício, concedendo para sempre, aos reis como reis, os dízimos
eclesiásticos do Brasil273.
Quais eram as espécies de dízimos que a Ordem de Cristo tinha direito
de receber? Existiam os dízimos prediais e mistos, os únicos que de fato
receberam os reis no Brasil, dividindo-se o segundo em maiores e menores.
Os primeiros denominavam-se simplesmente dízimos e os últimos miúças e
miunças ou dízimos das miunças (do latim minutus). Os dízimos consistiam
na décima parte dos produtos agrícolas e de gado vacum e cavalar. Havia
dízimos de algodão, anil, arroz, açúcar, azeite, cacau, baunilha, café,
canela, carne, couro, cravo, drogas, farinha, gado, tabaco. As miúças eram
o imposto decimal sobre coisas miúdas, tais como, galinha, frangos, leitões,
cabritos, ovos. No Brasil, os reis, como governadores da Ordem de Cristo,
não cobravam os dízimos: 1º. Dos metais e pedras preciosas; 2º. Das
pescarias; 3º. Aduaneiro. Pois sobre estes produtos eram cobrados impostos
civis, que muitas vezes eram também chamados dízimos. Excetuando os
impostos sobre os metais, pedras, pescaria e aduaneiro, os outros impostos
pertenciam ao mestrado da Ordem de Cristo274.
Após a Revolução Francesa de 1789, o pagamento dos dízimos foi
abolido em quase todos os países, por uma razão muito lógica, que foi o
gradual processo de secularização dos Estados e a conseqüente separação
entre Igreja e Estado. Em Portugal, pelo decreto de 30 de julho de 1832, o
governo extinguiu inteiramente os dízimos dentro do Reino, «prometendo
supri-los com as côngruas provenientes do erário público. Foram, de fato,
estabelecidas, mas se pagavam muito magras prestações»275.
No Brasil, o Imperador D. Pedro I, quando foi proclamada a
independência, interessou-se logo em conseguir para si mesmo os direitos
eclesiásticos que haviam sido concedidos à sua família, ou seja, o padroado
e o Mestrado da Ordem de Cristo, Santiago e Avis. No próprio pedido do
Imperador a Santa Sé, feita a 8 de agosto de 1826, pelo Mons. Vidigal, nos
§15 e §17 das Instruções dadas pelo governo, recomendavam-se:

—————————–
271
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 36.
272
Bullarium Patronatus Portugalliae Regum, I, 47-52.
273
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 60-64.115.
274
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 69-70.
275
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 31.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 97

§ 15. Será por isso necessário tratar do Grão-Mestrado que se deve verificar
na Augusta Pessoas de S. M. Imperial e seus Descendentes, e para, em virtude
da mesma bula, continuar S. M. Imperial a perceber os Dízimos de Todas as
Igrejas de que esta de posse.
§ 17. Torno a recomendar a V. Ilma. a matéria de percepção dos dízimos por
ser de grande importância, porque V. Ilma. sabe muito bem que todos os
Bispos e párocos do Brasil não recebem dízimos e somente côngruas, e que no
estado atual não pode o estado prescindir de tão grande rendimento276.
O Imperador conseguiu a confirmação destes direitos pela bula
Praeclara Portugalliae, que foi dada por Leão XI em 15 de maio de 1827.
Portanto, desde então, era direito do Imperador arrecadar e administrar os
dízimos eclesiásticos do Brasil, como Grão-Mestre da Ordem de Cristo.
Porém, como se viu, esta bula não recebeu o beneplácito imperial. Poucos
dias antes da abdicação de D. Pedro I, em 31 de março de 1831, o
Presidente do Tribunal do Tesouro Público, Bernardo Pereira de
Vasconcelos, publicou um Regulamento sobre a administração dos
dízimos, constante de 21 artigos, para as províncias de Minas Gerais e São
Paulo, enquanto às demais províncias deixava a faculdade de adotá-lo em
todo ou em parte, desde que participassem a decisão ao Presidente do
Tesouro. O art. 2 definia que os dízimos seriam pagos em gêneros de
cultura e criação, «sendo exemplos dela as hortaliças, verduras, frutas,
aves, ovos, e todos os mais gêneros». Depois que fossem pagos os coletores
e todas as diligências, o restante seria enviado à respectiva Tesouraria
Provincial, como definia o art. 12277.
Na Lei de 24 de outubro de 1832, que orçava a receita e fixava a despesa
para o ano financeiro de 1833-1834, foram enumerados dentre as rendas
públicas que pertenciam a Receita Geral, no §10, «os dízimos de açúcar,
algodão, café, tabaco e fumo, e a contribuição das sacas de algodão» e, no
§11, os «Dízimos do gado vacum e cavalar»278. Segundo Oscar de Oliveira,
estas duas últimas decisões foram o fim do «instituto dos dízimos
eclesiásticos» no Brasil279.

—————————–
276
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 118.
277
«Regulamento para cobrança de dízimos», 31 de março de 1831 em Coleção das
Decisões do Governo do Império, 1832, p. 140-143
278
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1832, parte I, 169.
279
O. OLIVEIRA, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, 119.
98 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

5. O envolvimento do clero e das paróquias no processo eleitoral


Houve uma singular evolução do processo eleitoral no Brasil, da colônia
até o fim da regência, cuja compreensão é fundamental para se entender a
mentalidade vigente no Segundo Império, segundo a qual o clero era parte
do funcionalismo público e como tal devia total submissão ao poder civil.
O mesmo se podia dizer do envolvimento dos clérigos com a política. Por
todo o período colonial, os habitantes livres do Brasil tinham direito de
participar somente de uma eleição, a dos seus representantes municipais, e
para isso seguiam o mesmo ordenamento eleitoral do Reino de Portugal,
presentes nas chamadas Ordenações do Reino. Esta lei vigorou no Brasil
para as eleições municipais mesmo depois da independência, ou mais
exatamente, até o ano de 1828. No Brasil, as Ordenações foram
fundamentais para organizar os pleitos dos conselhos municipais que se
revestiam de grande importância, pois a vida urbana e rural girava em torno
da política da Vila. A lei não restringia o voto para a população livre até
1822, mas, após a independência política, o voto no Brasil tornou-se mais
restrito280.
A primeira eleição geral, para as Câmaras de Lisboa, em 1821, seguia
uma ordenação eleitoral que se baseava na ordenação em vigor na Espanha.
Também, para esta eleição, «o povo [livre] votava em massa, inclusive os
analfabetos, não havendo qualquer restrição ao voto», num sistema
organizado em províncias divididas em comarcas, que por sua vez se
subdividiam em freguesias (ou assembléias paroquiais, ou ainda
simplesmente paróquias) e estas em «fogos» (núcleo familiar ou morada).
No dia da eleição de primeiro nível, os eleitores reuniam-se na Casa do
Conselho (o que seria hoje a Câmara Municipal) com a presença do Juiz de
fora ou ordinário, ou os vereadores, e também com a «assistência do
pároco, para maior solenidade do ato»281.
No primeiro nível, os eleitores paroquiais iriam eleger os «Eleitores de
Comarcas» (eleitores de 2°. grau), cujo numero a que tinha direito cada
freguesia correspondia a certa proporção do número de fogos existentes;
posteriormente os Eleitores de Comarca elegeriam os «Eleitores de
Província» (3°. grau). Em todo o período colonial e do Reino Unido, a
legislação eleitoral em vigor no Brasil citava a participação do clero
somente como um assistente da mesa eleitoral que dava solenidade ao ato e
que deveria também realizar as celebrações religiosas antes e depois das
eleições. O pároco era igualmente importante para indicar o número de
—————————–
280
M. R. FERREIRA, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 91.
281
M. R. FERREIRA, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 97.101.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 99

fogos de cada freguesia, já que era ele o responsável por uma espécie de
censo anual da população a ele confiada. Não se pretende analisar aqui a
ascendência moral do pároco em uma eleição, ou seja, a capacidade que
tinha de influir sobre o eleitorado, coisa que possivelmente acontecia,
sobretudo quando ele se envolvia com algum dos grupos políticos. É lícito
intuir que sua presença na mesa eleitoral não fosse despida de ascendência
sobre as intenções de voto, emprestando-lhe importância nas alianças
políticas locais. Mas, isto se devia mais à sua posição na sociedade do que
às leis eleitorais. Esta situação mudaria durante o Império282.
Numa lei eleitoral elaborada durante a Regência Pedrina, promulgada em
19 de junho de 1822, nota-se logo no principio, que a figura do pároco teria
uma participação mais efetiva e significativa no processo eleitoral. Já no
art. 3 do primeiro capítulo do regulamento eleitoral, definia-se que «as
eleições de freguesias [de 1º Grau] serão presididas pelos Presidentes das
Câmaras com assistência dos Párocos» e o art. 6º do mesmo capítulo
definia que «os Párocos farão afixar nas portas das suas Igrejas Editais, por
onde conste o número de seus fogos, e ficam responsáveis pela
exatidão»283.
Nesta lei, a novidade mais importante, foi a possibilidade adquirida pelo
o pároco de interferir nos pleitos, devido a função, a ele dada, de
reconhecimento dos eleitores, como definia o art. 5º do Capítulo II: «Não
havendo, porém, acusação, começará o recebimento das listas. Estas
deverão conter tantos nomes quantos são os Eleitores que tem de dar aquela
Freguesia: são assinadas pelos votantes, e reconhecida a identidade pelo
pároco...»284.
Portanto, o pároco e o presidente da mesa assumiram uma posição
relevante. Isso se tornava ainda mais evidente no caso do pároco, por ser
ele o responsável por indicar qual indivíduo era ou não eleitor. O motivo
era que fazia parte das suas atribuições realizar o «censo», ou seja, o
levantamento das pessoas dotadas da renda mínima estabelecida para
possuir a «capacidade eleitoral». Este fato contribuiu para uma maior
politização da sua figura dentro da sociedade. Além disso, ele passou a
fazer parte efetiva da burocracia civil e a trabalhar diretamente no interesse
do Estado285.
A lei eleitoral, outorgada com a Constituição de 1824, foi muito além da
precedente em relação ao envolvimento do clero e da Igreja no processo
—————————–
282
M. R. FERREIRA, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 101.
283
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1822, 43.
284
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1822, 44.
285
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1822, 42-49.
100 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

eleitoral. Com um decreto datado de 26 de março de 1824, regulando as


eleições, instaurou-se uma prática que provocou verdadeira profanação das
igrejas durante o Período Imperial. Isto porque, no capítulo II do referido
decreto, os artigos 1 e 2, definiam:
«Art. 1°. No dia aprazado pelas respectivas Câmaras para suas eleições
paroquiais, reunido o respectivo povo na Igreja Matriz, pelas oito horas da
manhã, celebrará o Pároco Missa do Espírito Santo, e fará, ou outrem por ele
uma oração análoga ao objeto, e lerá o presente capitulo das eleições.
Art. 2°. Terminada esta cerimônia religiosa, posta uma mesa no corpo da
Igreja, tomará o Presidente assento a cabeceira dela, ficando a seu lado direito
o Pároco, ou o Sacerdote, que suas vezes fizer, em cadeira de espaldar. Todos
os mais assistentes terão assentos sem precedência, e estarão sem armas, e as
portas abertas...»286
A novidade, nesta lei, era o fato da eleição ser realizada dentro da
própria igreja, ao contrário das anteriores que eram realizadas nos paços
dos conselhos. Outros importantes detalhes desta alteração foram que o
presidente (Juiz de fora ou ordinário) de acordo com o pároco deveria
propor à assembléia eleitoral dois cidadãos para secretários e dois para
escrutinadores, que seriam aprovados, ou rejeitados, por aclamação,
conforme constava do §3 do mesmo capítulo II:
O Presidente, de acordo com o Pároco, proporá a assembléia eleitoral dois
cidadão para Secretário, e dois para Escrutinadores, que sejam pessoas de
confiança pública, as quais sendo aprovados, ou rejeitados por aclamação do
povo, tomarão lugar de um e outro lado. O Presidente, o Pároco, os Secretários
e os Escrutinadores formam a mesa da assembléia paroquial287.

Deste modo a mesa seria formada pelo: presidente, pároco, dois


secretários, dois escrutinadores. Cada cidadão que votava, escrevia numa
folha de papel os nomes das pessoas que escolhia para eleitores de segundo
grau288.
Segundo Manuel Rodrigues Ferreira, os pleitos realizados no interior dos
templos não impediam que surgissem brigas, insultos, confusões e
violências no dia das eleições dos deputados, «o furor antes reprimido
explodia, provocando, entre os partidários, toda a série de desatinos. Tudo
se corrompia: mesas eleitorais, autoridades, eleitores, etc. O objetivo era
ganhar de qualquer maneira. E nesses dias de eleições, as paixões políticas
—————————–
286
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1824, parte II, 19.
287
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1824, parte II, 19.
288
M. R. FERREIRA, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 144.
CAP. I: PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 101

se desencadeavam». Esta lei falhava na organização das mesas eleitorais,


que em geral eram irregulares, facciosas, arbitrarias. Como não havia
nenhum alistamento ou registro provisório de eleitores, «a mesa era
absoluta para julgar da qualidade dos votantes, negando-lhes o direito de
voto, se quisesse [...] os ódios explodiam, naqueles dias. A turbulência, o
alarido, a violência e a pancadaria decidiam o conflito»289.
No final das votações, o pleito deveria ser encerrado com a reunião dos
eleitores, e todos juntos entoariam «na mesma paróquia um Te Deum
solene» para o qual o vigário faria as despesas do altar e as Câmaras todas
às outras, conforme o §6 do Capitulo III290.
No tocante às eleições municipais, as Ordenações do Reino vigoraram
até a lei de 1° de outubro de 1828. O espírito desta lei era o mesmo da lei
eleitoral para os deputados. Porém, havia uma diferença fundamental nas
funções do pároco. Antes ele era responsável pela contagem dos fogos e
pela lista dos que tinham direito a voto, ao passo que na nova lei, foi
instituída pela primeira vez a inscrição prévia dos eleitores. Além disso, na
lei anterior, o pároco afixava na porta da igreja o número de fogos da
freguesia, não obstante, no domingo da Septuagésima, ele fizesse a relação
de todos os seus fregueses. Esta era uma relação geral, que incluía todos os
habitantes, mesmo não eleitores, feita anualmente. Na nova lei para eleição
municipal, o responsável pela lista geral dos que poderiam votar era o juiz
de paz da paróquia que, como previa o art. 5º:
No domingo, que preceder pelo menos quinze dias, ao em que deve
proceder-se à eleição, o Juiz de Paz da paróquia fará publicar, e afixar nas
portas da igreja matriz, e das capelas filiais dela, a lista geral de todas as
pessoas da mesma paróquia, que tem direito de votar, tendo para esse fim
recebido as listas parciais dos outros Juizes de Paz291.
O mesmo artigo definia que somente nos lugares onde ainda não
tivessem sido criados os Juízes de Paz, os párocos fariam as listas gerais,
recebendo para tanto as listas parciais dos capelães das filiais. O local da
eleição não era estabelecido, ficando os seus encarregados com a faculdade
de o designar. A mesa era formada, como estabeleciam as instruções de 26
de março de 1824, para a eleição de senadores, deputados e conselhos
provinciais. No entanto, devido ao processo de reconhecimento prévio dos
—————————–
289
M. R. FERREIRA, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 168. Vários
testemunhos sobre as violências durante as eleições serão apresentada no segundo
capítulo [ndr.]
290
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1824, parte II, 21.
291
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, Parte I, 75.
102 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

eleitores o pároco tinha duas funções a menos, não era responsável pela
lista dos eleitores e nem pelo reconhecimento deles. Além disso, não
obrigava o uso das igrejas como recinto eleitoral, mas, nem mesmo as
excluíam292.
Tais legislações ficaram em vigor durante todo o Primeiro Império e o
Período Regencial, período em que demonstraram suas falhas, entre elas
um demasiado aumento da politização clerical e da sua atuação na política
partidária, ao lado de continuas profanações das igrejas durante as eleições.
D. Romualdo, Arcebispo da Bahia, não deixou de chamar a atenção sobre
tais fatos. As leis em questão só foram mudadas a partir de 1842, quando se
iniciou uma «secularização do processo eleitoral», e o progressivo
afastamento do clero da política partidária, devido também à reforma
clerical implementada pelos bispos ultramontanos a partir de 1844, como
será visto no próximo capítulo, no qual se entrará diretamente no período
histórico proposto.

—————————–
292
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 74-77; M. R. FERREIRA, A
Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 160-161.
CAPÍTULO II

O GOVERNO IMPERIAL, A HIERARQUIA ECLESIÁSTICA E A


ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO

As causas das discussões e conflitos que se verificaram entre


ultramontanos e regalistas durante o Segundo Império tornam-se
compreensíveis quando se analisa o meio político-social em que a Igreja e
os seus ministros atuavam. Nesse sentido, deve-se recordar que a formação
dos Estados modernos aconteceu por meio de monarcas absolutistas,
dotados de uma forte propensão a submeter a nobreza e a instituição
eclesiástica, como meios para centralizar o poder. Isso também implicou no
progressivo controle que se deu na aplicação da justiça, na cobrança de
tributos e no recrutamento militar. Quando o Brasil se emancipou, muitas
destas mudanças já haviam sido implantadas pelo Estado português, sua ex-
metrópole, como se viu no primeiro capítulo1.
A nova interpretação dada ao direito romano no século XVIII, devido à
aludida reforma da Universidade de Coimbra, se tornou um instrumento a
mais em favor da pretensa supremacia dos reis em relação à Igreja.
Tratava-se de um direito positivo cuja fonte era à vontade do Príncipe e não
os princípios doutrinários da Igreja ou o consentimento da nobreza. A
formação jurídica na referida Universidade, juntamente ao treinamento no
funcionalismo público português e o isolamento ideológico em relação às
doutrinas revolucionárias, deu ao Brasil independente um grupo de governo
bastante homogêneo ideologicamente, principalmente em relação aos
magistrados. Outros grupos, a exemplo dos militares, também tinham
influência política, mesmo não possuindo a mesma homogeneidade dos

—————————–
1
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 25. Sobre a formação dos Estados
modernos consultar as obras de Charles Tilly, Max Weber, Joseph R. Strayer, Robert
Ergang, Otto Hintze, Heinz Lubasz [ndr.].
104 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

magistrados2. Também o clero, os profissionais liberais e os proprietários


rurais possuíam sua parcela de influência, porém, os magistrados, pelo
menos até os anos de 1870, estavam diretamente empregados no governo
do país e ocupavam a maioria dos cargos eletivos da nação3.
O Governo do Segundo Império, com o qual a Igreja teve de se
relacionar no Brasil, estava assim organizado: o Imperador detinha o Poder
Executivo e o Poder Moderador; o Conselho de Estado era consultivo; o
Conselho de Ministros detinha o Executivo; o Senado vitalício e a Câmara
dos Deputados, o legislativo. O mais importante dos grupos era o dos
ministros, que de acordo com a Constituição imperial, agiam como agentes
do Poder Executivo, cujo titular era o Monarca. Este tinha total liberdade
de escolher todos os ministros até 1847, quando tal prática foi alterada com
a introdução da figura do presidente do Conselho de Ministros. A partir daí
o Imperador limitava-se geralmente a escolher o presidente, que por sua
vez, escolhia seus auxiliares em consultas com o Chefe do Governo4.
O Conselho de Estado foi criado em 18235 e extinto pela reforma
constitucional de 18346, no período da Regência. No Segundo Império,
durante as reformas do chamado Regresso Conservador, criou-se um novo
Conselho com a Lei n. 234, de 23 de novembro de 1841, que durou até o
final da monarquia. Ele se compunha de 12 conselheiros ordinários e 12
extraordinários, nomeados pelo Imperador. O cargo de conselheiro era
vitalício, no entanto, os conselheiros podiam ser suspensos de suas funções
por períodos indefinidos de tempo. Alguns conselheiros se tornaram
ministros e enquanto o eram, não participavam das deliberações do
Conselho7.
Este órgão foi chamado de «cérebro da monarquia» por Joaquim Nabuco
e incluía os principais homens da política imperial. Quase todos os
conselheiros foram também ministros e senadores. Já o cargo de senador
era almejado por todos os políticos, pelo simples fato do poder que detinha
—————————–
2
Os militares conseguiram uma grande homogeneidade de formação e pensamento
depois da segunda metade do século XIX, principalmente por causa da educação
positivista que começaram a receber [ndr].
3
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 29.36.
4
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 47.
5
O Conselho foi instituído em 13 de novembro de 1823, após a dissolução da
Assembléia Legislativa e Constituinte com o decreto de 12 de novembro de 1823.
[Coleção das leis do Império do Brasil, 1823, parte II, Decretos, Cartas e Alvarás, 85-
86].
6
«Ato Adicional» de 12 de Agosto de 1834, em Coleção das leis do Império do
Brasil, 1834, parte I, 15-23.
7
Coleção das leis do Império do Brasil, 1841, IV, parte I, p.58-60.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 105

e principalmente por ser vitalício. Os senadores eram escolhidos pelo


Imperador, dentre os eleitos nas listas tríplices por votação «popular». A
carreira política normalmente se iniciava pela Câmara dos deputados, que
após a Regência, raramente completou os quatro anos de mandado devido
às freqüentes dissoluções8.
Existem várias divisões temporais usadas para estudar a política do
período imperial. Elas foram criadas pelos pesquisadores para demarcarem
as mudanças mais significativas na monarquia brasileira. Aqui será
utilizada a divisão apresentada por José Murilo de Carvalho no livro A
Construção da Ordem, por ser mais conforme aos objetivos do presente
estudo. É a seguinte: 1º. Primeiro Império, 1822-1831; 2º. Regência, 1831-
1840; 3º. Consolidação, 1840-1853; 4º. Apogeu, 1853-1871; 5º. Declínio e
Queda, 1871-1889. Interessa a este trabalho principalmente as três últimas
fases9.
O autor toma dois ministérios como divisão temporal da política do
Segundo Império, colocando neles os cortes do fim do terceiro e quarto
períodos. O primeiro foi o Ministério do Marquês de Paraná (1853),
conhecido como Ministério da Conciliação, que demarcou o término de
uma fase de lutas entre liberais e conservadores, culminada tragicamente
para os primeiros na Revolução Praieira em Pernambuco em 184910, a
última de grande porte no Império. O segundo ministério foi o do Visconde

—————————–
8
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 47.
9
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 48-49. Porém, existe um movimento
político que não se enquadra nessa divisão e é de fundamental importância para se
entender a ascensão do ultramontanisno no episcopado brasileiro: trata-se do «Regresso
Conservador», iniciado em 1837, com a renúncia de Feijó à Regência, cujo término
acontece por volta de 1842. [ndr].
10
Os liberais voltaram ao poder em 1844, porém em 1848 foram substituídos pelos
conservadores, quando o Imperador deu posse ao Gabinete presidido a princípio pelo
ex-Regente Pedro de Araújo, Visconde de Olinda e, depois, por José da Costa Carvalho,
Visconde de Monte Alegre e antigo membro da Regência Trina Permanente. Recebida
com naturalidade no Rio de Janeiro e outras províncias, em Pernambuco, contudo, a
mudança provocou intenso movimento de insatisfação, agravado pela hostilidade contra
comerciantes portugueses da capital e seus compatriotas do interior, latifundiários que
compunham verdadeira oligarquia regional. Seus líderes foram Antônio Borges da
Fonseca, o Repúblico, e o liberal Desembargador e deputado Joaquim Nunes Machado.
A revolta eclodiu em fevereiro de 1849, quando os revoltosos concentrados em Água
Preta partiram para tomar Recife e foram barrados pelo Brigadeiro José Joaquim
Coelho, depois Barão de Vitória. Joaquim Nunes Machado morreu em batalha [NDHB,
519-520].
106 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

de Rio Branco (1871), o mais longo da monarquia11. Por essa época


desapareceram de cena os principais líderes formados nas lutas da
Regência e uma nova geração ocupou as posições de governo. Esta não
tinha passado pelas dramáticas experiências do Período Regencial e pelas
dificuldades iniciais de manter o país unido enquanto se organizava um
poder civil suficientemente forte para sustentar os interesses dominantes no
país e bastante legítimo para evitar o militarismo12.
O período se distinguiu pela demanda mais acentuada de representação
política por parte de grupos sociais e religiosos emergentes. Os
profissionais liberais tornaram-se um importante grupo de pressão política,
principalmente devido ao maior número de indivíduos formados nas
faculdades imperiais que não encontravam colocação no serviço público, o
que favoreceu um fortalecimento das sociedades secretas como a
maçonaria. Um importante membro deste grupo foi o advogado e grão-
mestre maçom Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895)13.

1. O Contexto político-social
em que se afirmou o ultramontanismo no Brasil
Uma interessante análise do contexto político em que se desenvolveu o
ultramontanismo no Brasil é aquela apresentada por José Murilo de
Carvalho na obra A construção da Ordem: a elite política imperial. Nela, o
autor argumenta que quase todos os grupos de influência política14
—————————–
11
Rio Branco era um dos jovens políticos chamados ao ministério por Paraná em
1853, e o mais brilhante diplomata do Império, além de ser um típico conservador
modernizante, cujo plano político era esvaziar o programa liberal implementando suas
reformas. De fato, o Gabinete que dirigiu fez aprovar grandes inovações, a maior das
quais, sem dúvida, foi a Lei do Ventre Livre. Além disso, seu governo produziu ainda
transformações mais amplas que vieram na esteira do final da Guerra do Paraguai,
incluindo a formação do Partido Republicano em 1870. Mas, foi durante o seu governo
que a maçonaria ganhou mais força, sendo ele o Grão-Mestre de um dos Orientes do
Brasil. O resultado foi um conflito aberto com a Igreja na Questão Religiosa [J. M.
CARVALHO, A Construção da Ordem, 48].
12
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 48-49.
13
J. CASTELLANI, Os maçons que fizeram a história do Brasil, 144-148.
14
Preferiu-se usar o termo «grupo de influência política» para evitar o uso do
conceito «elite», que mesmo tendo nascido como um conceito sociológico para o estudo
das sociedades, no final do século XIX, com Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, logo se
tornou também objeto de críticas e utilizações ligadas a correntes políticas como o
marxismo e o antimarxismo político. Apesar do conceito «elite» estar ligado
diretamente à detenção do poder de decisão política ao interno de um Estado e não
necessariamente ao poder econômico, após a sua inserção no discurso da luta de classes,
muitos pensadores ligaram o conceito de «elite» à idéia de «poder econômico» e
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 107

diretamente ligados ao Governo, nas primeiras décadas do Império,


possuíam certa afinidade ideológica com o sistema vigente, por três razões
principais: 1 – eram pessoas privilegiadas para a realidade nacional,
dotadas de estudos num país de maioria analfabeta; 2 – a educação superior
se concentrava na formação jurídica, fornecendo, em conseqüência, um
núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades; 3 – a formação
superior tinha como referência quase exclusiva, até a independência, a
Universidade de Coimbra e, após a independência, em quatro capitais
provinciais, ou duas, considerando apenas a formação jurídica (São Paulo e
Recife). Destoavam dentro deste cenário dois grupos: o clero e o exército.
A primeira diferenciação estava no fato de que a maioria de seus membros
não pertencia às classes abastadas, pois as pessoas de menores recursos,
procurando completar a educação secundária nos Seminários ou em escolas
públicas, escolhiam posteriormente os Seminários maiores, para uma
carreira eclesiástica, a Escola Militar, para uma carreira no exército, ou
ainda a Escola Politécnica ou Escola de Minas, para uma profissão
técnica15.
Quando eclodiu a Questão Religiosa em 1872, grande parte do clero já
havia se transformado em um grupo diferenciado de influência política,
defendendo predominantemente o interesse da Igreja e não o do Estado,
fortalecendo um movimento que se iniciou com a sistemática ascensão de
ultramontanos ao sólio episcopal a partir de 1844. Este processo levou a
certo indiferentismo por parte da igreja brasileira em relação ao fim da
Monarquia. A formação tridentina e ultramontana que dominou os
Seminários a partir do final da década de 1850 foi fundamental para tanto,
como será visto nos próximos capítulos.
Em relação aos cursos de direito brasileiros, foram, naturalmente,
criados à imagem daquele de Coimbra, inclusive os primeiros professores
eram ex-alunos de tal Universidade e alguns dos primeiros estudantes
vieram de lá transferidos. No entanto, houve uma importante adaptação no
que se refere ao conteúdo das disciplinas, sendo o direito romano

«riqueza». «Grupo de influência política» permite evitar tal confusão, pois grupos que
na sua maioria não possuíam poder econômico, como era o caso dos párocos, eram
detentores de influência política significativa durante o Período Imperial. Tal influência
se fazia sentir primeiro por pertencerem a uma importante instituição, a Igreja Católica,
depois pelas funções civis e eleitorais que o Estado os obrigou a executar por lei, como
ainda será visto neste capítulo, e igualmente pela ascendência moral que detinham sobre
a consciência da população, devido à função espiritual que exerciam na sociedade
[ndr.].
15
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 51.60.
108 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

abandonado em benefício de matérias mais diretamente relacionadas com


as necessidades do novo país, tais como os direitos mercantis, marítimos e
a economia política. A idéia era formar não apenas juristas, mas também,
advogados, deputados, senadores, diplomatas e mais altos empregados do
Estado. A influência de Coimbra, entretanto, não se exauria nos cursos
jurídicos, como se viu anteriormente. A Constituição, suas reformas e os
grandes códigos legais do Império foram todos redigidos pela geração
coimbrã, como foi o caso do Código Criminal e do Processo16.
A influência coimbrã, no entanto, não poderia durar definitivamente e
logo se constituíram duas gerações de políticos, uma formada na referida
Universidade portuguesa e outra no Brasil, como se pode ver na tabela
abaixo:
Tabela I
Local de Educação Superior dos Ministros, por Períodos, 1822-1889 (%).
Local Períodos
1822-31 1831-40 1840-53 1853-71 1871-89 Total
Coimbra 71,80 66,66 45,00 - - 28,50
Outro 28,20 16,16 - - - 8,00
Total Portugal 100,00 82,82 45,00 - - 36,50
São Paulo - 3,33 30,00 35,41 49,20 27,50
Olinda/Recife - - 15,00 39,58 34,92 22,00
Outro - 6,66 10,00 20,83 14,28 11,50
Total Brasil - 9,99 55,00 95,82 98,40 61,00
Outro País - 6,66 - 4,16 1,60 2,50
Total Geral 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: J. M. Carvalho, A Construção da Ordem, 66.
Em relação aos ministros, os dados acima permitem perceber que a
primeira geração – formada em Coimbra – dominou os dois primeiros
períodos e ainda era importante no terceiro, mas desapareceu totalmente
após 1853. O período do predomínio da geração «brasileira» assiste
também ao consolidar de novas problemáticas, uma vez que já não existia
mais o perigo da fragmentação territorial. No Senado, a vida dos
«coimbrãos» foi mais longa, chegando alguns deles até o 4º período, já que
o cargo era vitalício; ao passo que na Câmara eles foram substituídos mais
rapidamente 17.
Enquanto no Governo a influência de Coimbra ainda era forte no início
do Segundo Império, o mesmo não se pode dizer sobre o episcopado. Dos

—————————–
16
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 62.
17
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 65-67.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 109

nove bispos existentes no início deste período, somente um seguramente


estudou em Coimbra: D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, bispo de
São Paulo. D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo teve uma influência
indireta de Coimbra pela sua formação no Seminário de Olinda, porém não
era de formação coimbrã. Com a morte de D. Manuel Joaquim Gonçalves
de Andrade em 1847, seguida daquela de D. Manuel do Monte Rodrigues
de Araújo em 1863, extinguiram-se os últimos resquícios do pensamento de
Coimbra entre os bispos do Brasil. Este fato consente afirmar que o
episcopado, em meados do Segundo Império, já se encontrava totalmente
depurado dos influxos de tal universidade18.
No que diz respeito ao envolvimento do clero com o Governo, ele pode
ser descrito resumidamente da seguinte forma: no Conselho de Ministros os
padres tiveram sua maior representação durante a Regência, com a forte
influência dos sacerdotes liberais liderados por Diogo Feijó, enquanto que
no Senado, eles mantiveram uma presença mais consistente no Primeiro
Império (10%) e no Período Regencial (16,67%). Daí para frente, no
entanto, o número de clérigos senadores se tornou insignificante, por razões
que serão analisadas ainda neste capítulo. No período Apogeu (1853-1871)
o clero no Senado atingiu apenas a ínfima percentual de 2,71%. No tocante
à Câmara dos deputados, a diminuição dos padres foi igualmente
progressiva, como será analisada detalhadamente mais adiante neste
capítulo19.
Os magistrados, por sua vez, dominaram os principais cargos executivos
e a maioria do Senado e da Câmara nos quatro primeiros períodos da
monarquia. Eles apresentavam a mais perfeita combinação de elementos
intelectuais, ideológicos e práticos favoráveis ao estadismo, pois como
funcionários públicos de alto escalão, defender o Estado era defender a si
mesmos. O predomínio do grupo ligado à burocracia estatal (magistrados
principalmente), na fase inicial reduziu o conflito ao interno dos grupos de
influência política, deu coesão ao grupo governante e colocou no exercício
do poder pessoas comprometidas com uma visão nacional, possuidoras de
habilidades necessárias para organizarem o Governo e a administração do
Estado. Outro fator que contribuiu para a longevidade dos magistrados e
homogeneidade do grupo governativo foi à longa duração das carreiras
públicas, o que permitiu aos políticos acumularem uma vasta experiência
de governo20.
—————————–
18
Cf. C.A.P. ALENCAR, Roteiro dos bispos do Brasil; DBB; ver também o terceiro
capítulo deste estudo.
19
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 79-83.
20
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 76.90-93.107.
110 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Existiu no Brasil uma fase de fortalecimento da autoridade que durou até


mais ou menos 1850, quando o problema da unidade passou a um segundo
plano e começaram a surgir pressões no sentido da ampliação da
participação política. A magistratura começou, então, a perder lugar para os
advogados e bacharéis, enquanto o clero e os militares faziam pressão em
outro sentido, aqueles pela liberdade da Igreja e estes por transformações
no regime21.
Até a década de 1840, os únicos agentes do Governo central a nível local
foram os párocos e os juízes de paz. Os primeiros, como se viu, eram
responsáveis pelas tarefas de registro estatístico de nascimentos,
casamentos e óbitos, no entanto a ação deles era mais importante na área
político-eleitoral do que na administrativa. A grande participação do clero
na burocracia de registros e no processo eleitoral foram os principais
motivos de sua grande representatividade política até o final da Regência.
Tal situação mudou com as reformas eleitorais de 1842 e 1846, e foi
completada com a última grande reforma judiciária do Império, realizada
em 1871, que restringiu as possibilidades eletivas aos magistrados, clero e
militares, impedindo que se candidatassem onde exerciam jurisdição,
levando adiante um esforço do Estado no sentido de profissionalizar estes
cargos22.
Partindo, então, da década de 1840 e especialmente após 1871,
mudanças significativas afetaram a homogeneidade do grupo dirigente e,
principalmente, o predomínio dos magistrados. A partir de 1871, os
profissionais liberais se impuseram na política imperial e cresceu a
mobilidade no interior da mesma, mas isso não foi suficiente para acalmar
os anseios sociais de alguns segmentos nacionais, como era o caso dos
militares e do clero. Estes setores eram mais abertos às classes menos
privilegiadas e neles os pobres inteligentes tinham a possibilidade de
ascender socialmente. As semelhanças entre os dois grupos acabavam aí.
Muitos militares eram influenciados pelo positivismo e buscavam maior
participação política, mesmo que não fosse pelos meios eleitorais. Já o
clero, cada vez mais influenciado pelo ultramontanismo, se afastava sempre
mais da participação direta na política, passando a defender a Igreja ante as
ingerências estatais, além de priorizar questões eclesiais internas23.
Para acalmar os anseios de representatividade dos novos grupos
políticos, buscou-se, nas últimas décadas do império, uma modernização
conservadora, mas esta situação foi algo contraditório na medida em os
—————————–
21
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 119-120.
22
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 39.120-122.136.
23
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 84.88.108.130.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 111

elementos reformistas do Governo e da burocracia teriam que se aliar a


elementos mais retrógrados da sociedade a fim de implementar as reformas.
Esses desencontros evidenciaram a incapacidade final do sistema em
acompanhar as transformações políticas, com a sua conseqüente queda. No
quadro dessa proposta de «modernização conservadora» se enquadraram
vários projetos considerados hostis pela Igreja, que os conservadores
implementaram ou tentaram implementar nas últimas décadas do Império.
Contudo, tratou-se de um processo cujos acontecimentos pontuais, em
diferentes modos influenciaram diretamente na ascensão e consolidação do
ultramontanismo ao longo do Segundo Império24.

1.1. Novo Imperador e velha política: Dom Pedro II


Ao final do Primeiro Império e durante o início da Regência reinava no
Brasil, de acordo com Justiniano José da Rocha, certa desconfiança em
relação ao poder público, considerado quase um inimigo da liberdade, um
opressor25. Inspiradas nesse espírito se fizeram as reformas
descentralizadoras regenciais, que levaram, porém, a uma desestabilização
política ao lado de uma série de conflitos armados que colocaram em risco
a unidade nacional26.
O liberal moderado Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850), foi o
iniciador de um movimento político que ele mesmo chamou de Regresso
que, no seu entender, era o único modo de frear as revoltas. Vasconcelos
percebeu que a autoridade deveria ser fortalecida para manter a ordem e a
unidade do país. Em 1831, discursando no Senado, já defendia que a
autoridade carecia de força, empenhando seu gênio neste sentido e
lançando a semente do futuro partido conservador. Participou do projeto do
Ato Adicional de 1834, mas chamou a atenção dos colegas para a
necessidade de «fechar o abismo da revolução»27.
A renúncia de Feijó, em 1837, foi um marco, pois subiu ao poder o
grupo político encabeçado por Bernardo Vasconcelos e Honório Hermeto,
que já se caracterizava pelo predomínio de um espírito centralizador e que
—————————–
24
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 39.
25
Cf. J. J. ROCHA, Ação, Reação, Transação.
26
As principais revoltas foram: Cabanagem (Pará, 1835-1840); Sabinada (Bahia,
1837-1838); Balaiada (Maranhão, 1838-1841); Guerra dos Farrapos ou Farroupilha (Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, 1835-1845) [ndr.].
27
Magistrado e Conselheiro de Estado. Foi deputado nas seguintes legislaturas: 1ª,
2ª, 3ª, 4ª. Senador de 1838 a 1850. Ocupou os seguintes cargos executivos: Ministério
da Fazenda (1831-1832), do Império (1837-1839 e 1840), da Justiça (1837-1839). [O.
NOGUEIRA, Os parlamentares do Império, 427-428].
112 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

privilegiava o fortalecimento da autoridade. A Regência foi ocupada, então,


por Araújo Lima, futuro Marquês de Olinda. As eleições de 1836 já haviam
indicado este caminho, vencendo a tendência do Regresso para a legislação
de 1838 a 1841. Segundo Octávio Tarquínio de Souza, este movimento era
«apoiado de preferência pelos proprietários agrícolas, pelos fazendeiros,
pelos senhores de escravos, em detrimento da gente das cidades, dos
ideólogos e agitadores dos centros urbanos, da classe média em formação e
atuante desde os dias da Independência»28. Por isso, no ano de 1840,
passou-se a discutir na Câmara as reformas de três importantes leis: a
interpretação do Ato Adicional, a reforma do Código do Processo Criminal
e a recriação do Conselho de Estado29.
A intranqüilidade social e política da década precedente fortaleceu a
convicção sobre a inconveniência do Governo regencial e levou a
auspiciar-se a maioridade do jovem príncipe Pedro. A Constituição
outorgada em 1824, estabelecera a maioridade do Imperador aos 21 anos, e
o Ato Adicional a fixara em 18. A idéia de antecipar a maioridade surgira
no cenário político da Corte desde 1835, quando, neste sentido, fora
apresentado um projeto pelo deputado Luiz Cavalcanti. No entanto, dito
projeto não foi julgado objeto de deliberação. Reapresentado em 1837, por
José Joaquim Vieira Souto, se pedia que «desde já» fosse considerado
maior o jovem Pedro de Alcântara. Como o precedente, tampouco esse foi
julgado objeto de deliberação pela Câmara30.
Somente em 24 de julho de 1840, a idéia da maioridade chegou às vias
de fato, graças à iniciativa de um movimento dirigido pelos liberais. A
conspiração foi iniciada pelo pe. senador José Martiniano de Alencar
(1794-1860), que, em 15 de abril daquele ano, organizou secretamente em
sua casa um clube denominado: «Sociedade Promotora da Maioridade do
Imperador, o Sr. Pedro II»31, que afinal resultou triunfante, redundando
naquilo que ficou conhecido como: «Golpe da Maioridade». Assim, em 23

—————————–
28
O. T. SOUZA, A Maioridade, 450-451.
29
J. M. CARVALHO, D. Pedro II, 36-38.
30
Apêndice: «Histórico da Maioridade», em Anais do Parlamento Brasileiro, 1840,
II, 863-865.
31
Estavam presentes na primeira reunião, além do pe. Alencar, Antônio Carlos,
Martim Francisco, Peixoto de Alencar e José Mariano, deputados, E. Costa Ferreira,
Holanda Cavalcanti e Paula Cavalcanti, senadores. Juntaram-se depois Teófilo Otoni, o
pe. José Antônio Marinho, José Bento Ferreira de Melo, José Feliciano Pinto Coelho,
Montezuma Limpo de Abreu. [O. T. SOUZA, A Maioridade, 460].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 113

de julho de 1840, o adolescente monarca prestou juramento na Assembléia


Geral. No dia seguinte, a lei declarando-o «maior» foi aprovada32.
A coroação e sagração de D. Pedro II foram marcadas para 18 de julho
de 1841. A cidade do Rio de Janeiro foi cuidadosamente embelezada para a
cerimônia. Muitas obras foram realizadas com grandes gastos pelos cofres
públicos. O celebrante foi o Arcebispo da Bahia D. Romualdo de Seixas33.
As festas duraram muitos dias, encerrando-se no dia 24 de julho, com
um grande baile de gala no Paço da cidade. Dentro do ato de sagração foi
elaborada toda uma simbologia que marcou o exercício do poder
monárquico durante todo o Segundo Império, como foi o caso do
restabelecimento do beija-mão, reinstituído por idéia de Araújo Lima. Estes
atos públicos, rituais, símbolos e costumes são parte constituinte do poder
político e o constituem de modo tão eficiente quanto as medidas mais
diretas e, por definição, racionais em sua execução. A autoridade de um rei
também é formada por uma dimensão simbólica do poder político, utilizado
para representar e encenar o poder efetivamente exercido ou que se gostaria
de exercer34.
Conforme interpreta Lília Moritz Schwarcz, na obra O Império em
Procissão: ritos e símbolos do Segundo Reinado, durante a coroação do
Imperador D. Pedro II, o terreno mágico, sagrado e simbólico da realeza
brasileira atualizou a tradição européia, «espelhada num modelo
Habsburgo, Bourbon, Bragança», e a fez dialogar com as representações
locais, anteriores a seu estabelecimento. Por este mesmo motivo as
procissões eram acompanhadas por «gente, cores, cheiros e sons
diferentes». Era por isso, também, «que o manto do soberano representara
o céu do Brasil» e a murça do Imperador foi feita de «penas de papo de
tucano: uma homenagem aos caciques desta terra tropical»35.
—————————–
32
Apêndice: «Histórico da Maioridade», em Anais do Parlamento Brasileiro, 1840,
II, 863-865; O. T. SOUZA, A Maioridade, 460-484; J. M. CARVALHO, D. Pedro II, 38-41.
33
A Sagração do Imperador, no entanto, gerou um conflito de jurisdição com o bispo
capelão-mor do Rio de Janeiro, que queria o direito de sagrar o monarca. [AES, Br.,
Opúsculo do Bispo do Rio sobre ser seu o direito de Coroar o Imperador, Fasc. 156,
pos. 39, f. 81r, 87 (Opúsculo Inserido)].
34
Cf. L. M. SCHWARCZ, O Império em Procissão.
35
«O próprio termo “imperador” seria uma resposta a varias demandas locais. Em
primeiro lugar, simbolizaria a extensão do território, que, em função de suas dimensões
continentais, bem merecia ser denominado império. Além disso, faria justiça às
preferências políticas de D. Pedro I, que nunca negou sua admiração pelo Imperador
francês Napoleão Bonaparte. E ainda, se em Portugal havia rei, aqui, pela lógica da
oposição, teríamos um Imperador. O argumento final, porém, faria parte de uma lógica
particular: José Bonifácio, o grande artífice da Independência, teria convencido o jovem
114 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Monarca era Imperador «pela graça de Deus e unânime aclamação dos


povos», fórmula dualista. Dessa maneira, afirmava-se ao mesmo tempo o
princípio moderno da soberania popular e o da sanção divina. Na própria
Carta constitucional ficaram explicitas as controvérsias. Segundo o artigo
102, por exemplo, o Imperador «é o chefe do Poder Executivo e o exercita
por meio dos seus ministros de Estado». Já o artigo 99 declarava que «a
Pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada, ele não esta sujeito à
responsabilidade nenhuma [grifo do original]»36.
Aí estaria resumida a singularidade do modelo imperial brasileiro: «uma
espécie de autoridade tutelar que se afirmava sob a égide do personalismo
do Imperador – que surgia, ao menos nesse primeiro momento, como
personificação do Estado». Dessa maneira, sempre segundo a interpretação
de Lília Schwarcz, respaldando-se na teologia jurídica medieval, a imagem
do rei vai se separando aos poucos a da Igreja, em seu movimento de
secularização, incorporando, porém, os atributos de um «corpo místico».
Trata-se, portanto, de um ritual que, ao invés de estar «amparado apenas na
lógica do contexto mais imediato, multiplica a imagem do Imperador e
impõe sua representação, que lhe garante a soberania secular e religiosa».
Foi este um dualismo que se fez sentir por todo o Segundo Império e
continuou a tradição do regalismo dos Bragança, impondo a Igreja Católica
brasileira uma dupla jurisdição: a do Imperador «Sagrado» e a do Papa,
chefe visível da Igreja37.
Após a maioridade foi implantado o gabinete 24 de Julho, no qual os
liberais que defenderam a posse do jovem imperador foram colocados nos

monarca alegando que o povo já conhecia o termo – há muito tempo a população elegia
a cada ano um Imperador do Divino, menino que com sua graça emprestava o nome ao
santo. Entre tantos universos cruzados vemos como a lógica simbólica inscreve-se na
dinâmica do poder» [L. M. SCHWARCZ, O Império em Procissão, 9]. Pesou também
nessa escolha a convenção nobiliárquica internacional existente a respeito do uso dos
termos «rei» e «imperador». Ou seja, como se sabe, «rei» é um príncipe herdeiro, que
recebe a coroa por legítimos direitos de sucessão, transmitidos pela dinastia a que
pertence; «Imperador», ao contrário, é um «general» ou «cavalheiro» vitorioso, que por
qualquer razão assume o trono. Luís XVI era rei e Napoleão Bonaparte imperador. Vale
dizer: D. Pedro I seguiu ao pé da letra dita convenção, motivo pelo qual se declarou
«Imperador» no Brasil – que tornou independente por sua livre iniciativa e contra a
vontade de D. João VI – e mais tarde, após abdicar ao trono brasileiro, se tornaria o
«rei» D. Pedro IV de Portugal, porque lá, na condição de primogênito do soberano
falecido, possuía legítimos direitos de sucessão [ndr.].
36
«Constituição política do Império do Brasil», em Coleção das leis do Império do
Brasil, 1824, parte I, 6.20-21.
37
M. SCHWARCZ, O Império em Procissão, 28.52.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 115

postos de governo38. Mas, mesmo com um gabinete liberal, o projeto de


Bernardo de Vasconcelos de reforma do Código do Processo Criminal,
parte integrante do Regresso, continuou seu caminho no Senado, sendo
aprovado quase que por aclamação, virando Lei em 3 de dezembro de
184139.
Para garantir a maioria na Câmara os liberais utilizaram uma violência
desproporcional nas eleições de 1841, que ficaram conhecidas como
«Eleições do Cacete», devido ao «seu cortejo de fraudes, de compressão,
de violências: foram demitidos quatorze presidentes de província,
suspensos os juízes de paz da corte e por toda à parte e em todas as
repartições e serviços às demissões em massa, a derrubada». Não bastava
um adolescente no trono para acabar com as instabilidades que
continuaram, principalmente às dificuldades na pacificação do Rio Grande
do Sul. Esta situação criou uma divisão no gabinete liberal, sendo que uma
parte dos insatisfeitos se aproximou dos conservadores e derrubaram o
Gabinete da Maioridade, em 23 de março de 1841. Formou-se, então, um
ministério composto por Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho40, Pedro
de Araújo Lima41, Marquês de Paranaguá (Francisco Vilela Barbosa)42,

—————————–
38
Eram os seguintes: Ministro do Império – Antônio Carlos; Fazenda – Martim
Francisco, Justiça – Limpo de Abreu, Marinha – Holanda Cavalcanti; Guerra – Paula
Cavalcanti; Estrangeiros – Aureliano Coutinho.
39
Coleção das leis do Império do Brasil, 1841, IV, parte I, 101-121.
40
Futuro Visconde de Sepetiba, Bacharel em Direito e Magistrado, fez parte do
Gabinete da Maioridade, nasceu em 1800 e faleceu em 1855. Foi deputado nas
legislaturas: 2ª e 4ª. Senador de 1843 a 1855. Ocupou os seguintes cargos executivos:
Presidente de província (Rio de Janeiro 1844-1848, São Paulo 1831), Ministro do
Império (1833), Justiça (1833 e 1833-1835), Estrangeiros (1834-1835, 1840-1841 e
1841-1843) [O. NOGUEIRA, Os parlamentares do Império, 150-151].
41
Futuro Marquês de Olinda, doutor em cânones pela Universidade de Coimbra, e
Conselheiro de Estado. Nasceu em 1793 e faleceu em 1870. Deputado nas Cortes de
Lisboa, na Constituinte e nas legislaturas 2ª e 3ª. Senador de 1837 a 1870. Cargos
executivos: Regente do Império (1837-1840), Presidente do Conselho de Ministros
(1848-1849, 1857-1858, 1862-1864, 1865-1866), Ministro do Império (1823, 1827-
1828, 1837, 1857-1858, 1862-1864, 1865-1866), Justiça (1832), Estrangeiros (1832,
1848-1849), Fazenda (1848-1849). Este personagem histórico ainda será muitas vezes
citado neste estudo [O. NOGUEIRA, Os parlamentares do Império, 236-237].
42
Primeiro Visconde e Marquês de Paranaguá. Oficial do Exercito, Conselheiro de
Estado e Bacharel em Matemática. Nascido em 1769 e falecido em 1846. Deputado às
Cortes de Lisboa. Senador de 1826-1846 e Presidente do Senado de 1840 a 1841.
Cargos executivos: Ministro do Império (1823), Estrangeiros (1823, 1825 e 1830),
Guerra (1823 e 1824), Matinha (1823-1825, 1825-1826, 1827-1827, 1829-1831, 1831,
1841-1842) [O. NOGUEIRA, Os parlamentares do Império, 75-76].
116 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

José Clemente Pereira43, Miguel Calmon du Pin e Almeida44 e Paulino José


Soares de Souza45.
O Ministério fez seu o pensamento político de Bernardo de Vasconcelos,
encontrando em Paulino de Souza um fiel adepto. Foi aprovada a lei de
reforma do Código do Processo Criminal e recriado o Conselho de Estado.
Os resultados foram inicialmente interessantes a todos, pois os liberais,
mesmo realizando rebeliões em São Paulo e Minas contra tais reformas em
1842, não se animaram a revogar tais leis quando voltaram ao poder em
1844. Foi neste ambiente político que se tomou a decisão que mudou o
rumo da história da Igreja no Brasil: aquela de se nomearem somente
ultramontanos para ocuparem as cadeiras episcopais46.

1.1.1. Uma evidência da continuidade regalista:


A secularização das Ordens Militares
A primeira demonstração do regalismo que orientaria o Segundo Império
foi a secularização das Ordens Militares de Cristo, São Bento de Avis, e
São Thiago da Espada, por meio do decreto 321 baixado em 1843, com o
qual se confirmou a precedente política eclesiástica que havia rejeitado a
bula pontifícia Praeclara Portugalliae em 1827. A orientação de base que
inspirou a medida vinha explicitada no preâmbulo e no Art. 1º do referido
decreto:
Atendendo a que, não obstante o haverem-se conservado no Império, como
Nacionais, e destinadas a remunerar serviços feitos ao Estado, as três Ordens
Militares de Cristo, São Bento de Avis, e São Thiago da Espada, em virtude
—————————–
43
Magistrado, Conselheiro de Estado, Presidente do Tribunal de Comércio. Nascido
em 1787 e falecido em 1854. Deputado pelas legislaturas: 1ª, 2ª e 4ª. Senador de 1843-
1854. Cargos executivos: Ministro da Justiça (1828), Império (1828-1829), Estrangeiros
(1829), Fazenda (1828), Guerra (1829 e 1841-1843), Marinha (1842). [O. NOGUEIRA,
Os parlamentares do Império, 332-33].
44
Visconde e Marquês de Abrantes. Conselheiro de Estado e Doutor em Direito.
Nascido em 1794/96 e falecido em 1865. Deputado nas legislaturas: 1ª, 2ª e 4ª. Senador
de 1840 a 1865. Cargos executivos: Ministro da Fazenda (1827-1829, 1837-1839, 1863,
1863-1863), Estrangeiros (1829-1830, 1862-1864). [O. NOGUEIRA, Os parlamentares do
Império, 50-51].
45
O. T. SOUZA, A Maioridade, 501.504-506. Paulino José Soares de Souza, Visconde
do Uruguai. Magistrado e Conselheiro de Estado. Nascido em 1807 e falecido em 1866.
Deputados nos seguintes legislaturas: 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª. Senado de 1849 a 1866. Cargos
Executivos: Presidente da província do Rio de Janeiro (1836-1840), Ministro da Justiça
(1840, 1841-1843, 1843-1844), Estrangeiros (1843-1844, 1849-1852, 1852-1853). [O.
NOGUEIRA, Os parlamentares do Império, 411-412].
46
O. T. SOUZA, A Maioridade, 506-507.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 117

da ampla disposição da Lei de vinte de outubro de mil oitocentos e vinte três,


e da prática constante, e inalteravelmente observada de serem concedidos os
diferentes graus delas por Mim, e por Meu Augusto Pai, para o referido fim;
não está com tudo de acordo com as circunstâncias ocorridas da
Independência do Império, e da não aceitação do Grão Mestrado, que das
sobreditas Ordens Militares se pretendera dar aos Imperadores do Brasil pela
Bula – Praeclara Portugalliae, et Algarbiorum Regum – que tais ordens
continuem a ser consideradas com a natureza, e caráter de Religiosas, de que
aliás se acham inteiramente despojadas no Império desde que, por tão
poderosas razões, deixarão de estar sujeitas, e subordinadas as Autoridades, e
Estatutos, porque dantes eram regidas, enquanto o Brasil fez parte do Reino de
Portugal: Hei por bem Decretar.
Art. 1º. As Ordens Militares de Cristo, São Bento de Avis, e São Thiago da
Espada ficam de ora em diante tidas e consideradas como meramente civis, e
políticas, destinadas para remunerar serviços feitos ao estado tanto pelos
Súbditos do Império, como por Estrangeiros beneméritos47.
Essa iniciativa unilateral do Governo deixou sem resposta uma pergunta
fundamental: o Estado tinha o direito de secularizar Ordens Militares
Religiosas? Esse poder não competiria a Igreja, já que eram religiosas? O
Império brasileiro, por sua própria iniciativa, entendeu que podia fazê-lo,
superando assim o próprio pombalismo, uma vez que o Governo lusitano
aceitava que o padroado e os pretendidos direitos regalistas se sustentavam
na tradição e antigas concessões papais. Ultrapassando esta concepção, o
Governo Imperial brasileiro declarou que seus «direitos» eram inerentes ao
poder e soberania do Imperador, ou seja, não dependiam nem da tradição
lusa e nem de concessões papais. Foi uma alteração extrema tanto no modo
de conceber o direito de padroado quanto no apresentar as prerrogativas
regalistas. Compreensivelmente, Cândido Mendes de Almeida fez um
questionamento óbvio: «Ora quem deu o direito ao Poder Civil, ou antes, ao
Poder Executivo de um Estado de tirar às Ordens Militares Religiosas, o seu
caráter religioso?». Para ele isso era somente «suma ousadia». Cândido
Mendes colocou ainda uma outra questão sobre a legitimidade civil deste
ato, questionando qual autoridade tinha o «Poder Executivo do Império para
criar Ordens Militares, sem acordo do Poder Legislativo», considerando o
decreto, também no campo civil, como um abuso48.
O decreto 321 insinuava que fora o Pontífice Romano quem tivera a
pretensão de fazer Grão-Mestre o Imperador do Brasil, malgrado, como se
—————————–
47
AES, Br., Decreto 321 de 9 de Setembro de 1843, Fasc. 176, pos. 123, f. 8r-8v; ou
ainda: Coleção das leis do Império do Brasil, 1843, VI, parte II, 172-174.
48
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 267 nota (****).
118 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

viu anteriormente, tenha sido D. Pedro I a solicitá-lo. Por outro lado,


canonicamente falando, a secularização das Ordens Militares Religiosas,
efetivada por meio dessa medida, extinguiu a base jurídica de todo e
qualquer direito de padroado do Governo em relação à Igreja, segundo as
leis eclesiásticas (não segundo as leis do Império)49.
A Santa Sé, contudo, não apresentou nenhum protesto formal, a
principio, provavelmente por falta de conhecimento, e posteriormente, por
uma questão de cautela diplomática. Estavam assim as coisas quando
Mons. Gaetano Bedini, que já havia sido Internúncio no Brasil entre 1846 e
1847, foi escolhido para ser reenviado ao Império em 1852. Ele recebeu,
em 20 de outubro daquele ano, algumas Instruções que deveriam nortear
sua atuação no Brasil. Após lê-las Mons. Bedini propôs alguns quesitos
sobre as mesmas em um documento de 5 de março de 1853. Ele informava
que no Brasil a condecoração da Ordem de Cristo era considerada ínfima e
que mais de uma vez tinha sido dada a protestantes. Esclarecia que, quando
fora Internúncio, havia indagado sobre tal fato, sendo informado que havia
sido excluída da Ordem de Cristo qualquer «caráter sacro», devido a uma
decisão da Câmara, sendo ela considerada como ordem meramente civil.
Parte desta informação era errônea, já que o decreto era do executivo e não
do legislativo50.
O documento elaborado por Mons. Bedini continuava refletindo que um
fato tão importante como esse poderia acabar com a continuação do direito
de jus patronato do Grão Mestre da Ordem, que sancionou uma «così
sacrilega degradazione». Encerrava assim o seu pensamento sobre o tema:
E può dirsi che si riesca a togliere un quel [grifo do original] di sacro ad una
decorazione che mantiene il nome e la forma, come quella della Croce di
Cristo? Io credo l’averne fatto tema di qualche dispaccio, e rammento bene di
averne più e più volte parlato quando ero Sostituto in Segreteria di Stato; ma
dalle istruzioni che mi si danno ora non rilevo alcuna cosa che riferisca a così
enorme scandalo. Gioverà dunque dissimulare o non piuttosto chiedere
competente riparazione, o fare almeno tema di giusto commento, e di salutare
lezione?51
—————————–
49
AES, Br., Decreto 321 de 9 de Setembro de 1843, Fasc. 176, pos. 123, f. 8r-8v; ou
ainda: Coleção das leis do Império do Brasil, 1843, VI, parte II, 172-174. Ver também
o capítulo precedente sobre o Padroado, Regalismo e a Ordem de Cristo.
50
AES, Br., «Quesiti proposti da Mons. Nunzio del Brasile», em Asserzione e
domande sulle istruzioni per Monsignor Nunzio del Brasile, 5 de março de 1853; Fasc.
166, pos. 89, f. 10r.
51
AES, Br., «Quesiti proposti da Mons. Nunzio del Brasile», em Asserzione e
domande sulle istruzioni per Monsignor Nunzio del Brasile, 5 de março de 1853; Fasc.
166, pos. 89, f. 10r.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 119

Este trecho do documento evidencia que Mons. Bedini se lembrava de


ter acenado sobre tal fato à Secretaria de Estado, com certeza durante os
anos da sua internunciatura, ou seja, entre 1846 e 47, três anos após a
publicação do decreto. Mas, pelo que ele mesmo diz, nas Instruções que
recebeu não se faziam nenhum referimento à secularização da Ordem de
Cristo e de como proceder em relação a isso. A este questionamento, a
resposta da Secretaria de Estado foi a seguinte: «Mns. Nunzio dovrà
opportunamente reclamare la continuazione dell’Ordine di Cristo come
effettivamente cattolico». Porém, Mons. Bedini não foi enviado ao Brasil,
devido à recusa do Governo em aceitar a sua nomeação como será visto no
próximo capítulo52.
Não se tocou mais nesse tema até que uma cópia do decreto 321 foi
enviada a Santa Sé pelo Internúncio Apostólico Vincenzo Massoni, em um
ofício de 10 de janeiro de 1857. Ele salientava que descobrira a existência
do mencionado decreto durante um conflito beneficiário entre o bispo de
Mariana e o Governo, devido a uma nomeação canônica imperial não
aceita pelo bispo. Lamentava-se de não haver encontrado nos arquivos da
nunciatura nada sobre tal fato:
Tuttavia non essendo stata accettata la Bolla di Leone XII – Praeclara
Portugalliae – , con la quale si conferivano all’Imperatore del Brasile come
gran-maestro dell’ordine di Cristo, gli stessi privilegi già concessi ai Re di
Portogallo nella stessa qualifica, presume il Governo di esercitarli per sognati
diritti inerenti alla Corona, e senza dipendenza dalla concessione Pontificia.
[...] Ma ciò stesso sembra partire dal supposto che tuttora esiste nel Brasile
quell’Ordine di Cristo, che esisteva nel Portogallo, e che descrive ampiamente
la citata Bolla Leonina. Qui peraltro non resta di quest’Ordine altro vestigio
all’infuori del nome; sennonché un Decreto Imperiale del 9 settembre 1843
l’ha privato dei suoi essenziali attributi, e soprattutto d’ogni carattere
religioso, riducendo alla categoria di un semplice Ordine militare, a guisa di
quelli di S. Benedetto da Avis e di S. Giacomo della Spada, e variando perfino
l’antico colore del nastro onde si rende visibile la mutata natura dell’Ordine53.
Restou o fato que o decreto n. 321 de 9 de setembro de 1843, confirmou
uma vez mais a férrea intenção regalista que nortearia a política imperial.
Uma atitude que não poderia deixar de provocar reações da Igreja, com a
conseqüente eclosão de um conflito religioso-político.

—————————–
52
AES, Br., Asserzione e domande sulle istruzioni per Monsignor Nunzio del
Brasile, 5 de Março de 1853; Fasc. 166, pos. 89, f.10r.
53
AES, Br., Oficio, 10 de Janeiro de 1857, Fasc. 176, pos. 123, f. 6r-7r.
120 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

1.2. Os sacerdotes revolucionários e os novos bispos ultramontanos


A Revolução Liberal de 1842, eclodida nas províncias de São Paulo e
Minas Gerais, foi um dos movimentos sediciosos que agitaram o Brasil
durante o Império, trazendo conseqüências diretas para a Igreja no país.
Como na maioria das revoluções ocorridas em território nacional até aquele
momento, a participação de padres foi grande. Eles pertenciam ao partido
liberal e se sentiram derrotados com a queda do regente pe. Diogo Feijó e a
implementação do Regresso conservador. Além do próprio pe. Feijó e do
cônego José Antônio Marinho, participaram ativamente outros clérigos:
José Bento Ferreira de Melo, Joaquim Camilo de Brito, José Bento,
Marciano de Cerqueira, Francisco de Paula Moreira, Manoel José Dias,
Antônio e Urbano dos Reis Silva Rezende, Manuel Dias do Couto
Magalhães e Ferreira da Fonseca. Durante o desenrolar do conflito, os
futuros bispos das referidas províncias assumiram a defesa da ordem e da
autoridade constituída, fato este que não passou despercebido ao jovem
Imperador e seus conselheiros54.
Pacificados os ânimos, o Governo decidiu diminuir a participação dos
clérigos na política partidária e, para viabilizar a nova estratégia, procurou
nomear como prelados diocesanos, aqueles presbíteros declaradamente
ultramontanos e defensores da disciplina. Augustín Wernet, no seu estudo
intitulado A Igreja Paulista no século XIX – A Reforma de D. Antônio
Joaquim de Melo (1851-1861), assim interpreta o acontecido:
Depois da Revolução Liberal de 1842, D. Pedro II e os seus principais
conselheiros procuravam estabelecer fundamentos sólidos para a Monarquia
brasileira, e para tal finalidade, entre outras medidas, nomearam, de
preferência, bispos que correspondiam às tendências conservadoras e
monarquistas, para contrabalançar movimentos e correntes que se inspiravam
em idéias liberais e radicais, e até republicanas55.
Apesar de Wernet considerar os bispos ultramontanos como
«conservadores», tais definições devem ser usadas com o máximo cuidado
em relação aos movimentos político-eclesiásticos do Período Imperial, pois
ao contrário da Europa, no Brasil os bispos regalistas poderiam ser
considerados os «conservadores», na medida em que eram eles que
queriam «conservar» a herança pombalina. O ultramontanismo chegou ao
—————————–
54
Para a visão do relato de um dos padres que participou do movimento sedicioso
ver: J. A. MARINHO, História do movimento político que no ano de 1842 teve lugar na
Província de Minas Gerais. Sobre a revolução liberal consultar: M. ANDRADE, A
Revolução de 1842.
55
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 52.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 121

contesto brasileiro no século XIX como uma novidade absoluta,


provocando transformações tão profundas, que uma delas inclusive escapou
completamente às previsões do Estado, que no início do Segundo Império o
favoreceu, e resultou na Questão Religiosa. Escapou também às previsões
da própria Santa Sé, pois o desejo de afirmar a própria identidade levaria os
bispos reformadores a aceitarem a república leiga com insólita
tranqüilidade56.
Continua Augustín Wernet:
A maioria dos políticos e, sobretudo, os principais conselheiros de D. Pedro II
chegaram à convicção de que as idéias do conservadorismo e do Catolicismo
ultramontano serviriam de melhor fundamentação e justificação para a ordem
vigente, do que os princípios liberais e as idéias do Catolicismo à altura do
Século da Luzes. O princípio monárquico e a centralização seriam mais
adequados do que idéias republicanas e federalistas. O Catolicismo
ultramontano, portanto, não apenas correspondeu à orientação da Igreja
Católica provinda de Roma, mas também aos interessados na manutenção do
regime no país57.
Isso não quer dizer que a Igreja tenha se tornado um instrumento do
Governo e do poder político, ou que se formou uma aliança entre ambos,
pois o ultramontanismo começara a se desenvolver no Brasil anteriormente
ao Segundo Império, e foi radical opositor do liberalismo clerical do
período da Regência. Ele já vinha se afirmando por si mesmo, ainda que, a
escolha feita pelo Império de nomear para os bispados somente sacerdotes
de tendência ultramontana, a partir de 1842, tenha reforçado a tendência e
favorecido o seu sucesso. O Estado tinha em mente, provavelmente, um
modelo de bispo como D. Romualdo de Seixas, que apesar de
ultramontano, sempre respeitou as instituições oficiais e condenou qualquer
ato de rebeldia contra elas, ganhando inclusive o título de Marquês de
Santa Cruz. Mesmo assim, em várias situações também ele entrou em
conflito com membros do Governo na defesa dos direitos da Igreja, sendo,
aliás, um dos primeiros a criticar abertamente o regalismo, além de se
destacar como ferrenho opositor de Feijó. Contudo, D. Romualdo não
rompeu com a forma de governo instituída, e daí, o Imperador não hesitou

—————————–
56
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 52.
57
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 88.
122 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

em nomear os ultramontanos Antônio Ferreira Viçoso para bispo de


Mariana e Antônio Joaquim de Mello para bispo de São Paulo58.
Ambos, além de não participarem da política partidária e instruírem os
padres das suas dioceses a agirem de modo conseqüente, como
ultramontanos convictos e zelosos que eram, levaram a cabo uma
sistemática reforma das igrejas locais. O «detalhe» que fazia a diferença é
que lutaram para afastar os padres das querelas políticas não por fidelidade
ao Governo, mas sim por convicções próprias. Doravante o episcopado se
tornará sempre menos regalista. A última nomeação de um prelado de tal
tendência foi em 1839, ainda nos tempos no Período Regencial, quando D.
Manuel do Monte Rodrigues de Araújo, mais tarde Conde do Irajá (1797-
1863), assumira a diocese do Rio de Janeiro59.
O padre lazarista Antônio Ferreira Viçoso, ex-diretor do Seminário do
Caraça60, e sua congregação religiosa de um modo geral, defenderam a
manutenção da ordem em Minas em 1842, quando a revolução liberal
agitou a província: «O Caraça cerrou as suas portas por ser considerado um
centro de formação conservadora. Os padres que tinham algumas razões de
desconfiar da própria segurança ali, no centro da zona revoltosa,
recolheram-se prudentemente aos sertões de Campo Belo»61. Segundo o
testemunho de Silvério Gomes Pimenta, «o padre Antônio execrava as
perturbações de 42 pelos danos, escândalos e males irremediáveis que
costumam trazer agitações deste gênero, e mais por enxergar em uma parte
a injustiça patente, com que se levantavam contra a legítima autoridade»62.
O fechamento do educandário, com a respectiva transferência a Campo
Belo, se deu em 24 de agosto de 1842. Chegaram os lazaristas à nova
destinação no dia 3 outubro do mesmo ano, e o Caraça ficou fechado
daquela data até 1854. Nesse ínterim, em 1843, o Governo Imperial
nomeou pe. Antônio Ferreira Viçoso bispo de Mariana, depois de ter
anteriormente indicado para o sólio do Pará, um discípulo do mesmo
Caraça, pe. José de Morais Torres (1844-1858)63. Para a diocese de São
Paulo, o indicado foi o pe. Antônio Joaquim de Mello, que também se
—————————–
58
AES, Br., Atto di Giuramento del Vescovo Antonio Ferreira Viçoso, 1844, Fasc.
157, pos. 49. Sobre D. Romualdo consultar: R. A. SEIXAS, Obras Completas do
Marquês de Santa Cruz.
59
AES, Br., Officio, 14 de Outubro de 1839, Fasc. 155, pos. 36, f. 27.
60
«Os liberais constantemente denunciaram este seminário de ser um ninho de
conservadores e jesuítas» [A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 89].
61
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, II, 15.
62
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 46.
63
AES, Br., Lettera di ringraziamento del nuovo Vescovo, Giuseppe Alfonso de
Moraes Torres, al S. Padre, 26 di aprile 1844, Fasc. 157, pos. 44, f 22r-22v.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 123

destacara na defesa da ordem durante a revolução liberal naquela província.


Ele havia combatido a rebelião no púlpito, na imprensa e por meio de
cartas que «corriam pelas redondezas de Itu»64.
Luís Castanho de Almeida, escrevendo sobre a Igreja em São Paulo,
afirma que quando D. Manuel Joaquim de Andrade faleceu, em 1847, D.
Pedro II já tinha, desde 1842, um nome guardado a Sé paulistana, era o pe.
Antônio Joaquim de Mello, que havia pronunciado um sermão, em plena
Revolução Liberal, defendendo o princípio da autoridade. O médico
irlandês Ricardo G. Daunt teria enviado o sermão ao Imperador com os
devidos elogios65.
O primeiro biógrafo, e testemunha do episcopado, de D. Joaquim de
Mello foi Ezechias Glavão da Fontoura. Assim se refere ao comportamento
dos prelados de Mariana e São Paulo em relação à revolução de 1842, e aos
motivos da nomeação episcopal de ambos pelo Imperador:
Os dois Antônios, tão parecidos por seu zelo apostólico, tinham nesses dias
lutuosos uma missão especial a cumprir – debelar a revolução pela palavra. O
padre Antônio Viçoso em Minas, e o padre Antônio de Mello em S. Paulo.
O padre Antônio de Mello, de volta a Itu, separou-se de muitos de seus
amigos revolucionários; no púlpito e na imprensa declarou-se infenso a esse
movimento político de fatais conseqüências para as províncias de Minas e de
S. Paulo.
Defendeu ele, com muita sensatez e energia, o princípio da autoridade; mais
tarde um seu ilustrado amigo, o benemérito Doutor Ricardo Gumbleton,
enviou ao Senador Jubin uma cópia de um dos discursos do padre Antônio,
sendo por aquele apresentado ao Imperador Pedro II. Este tomou nota do
nome desse sacerdote, que achava-se em Itu e nos sertões de outras povoações
do interior como um tesouro oculto66.
Ao contrário do período regencial, em que a maioria dos bispos
escolhidos eram influenciados pelas «luzes» e sob forte influxo regalista,
no Segundo Império a escolha passou a recair sobre os ultramontanos,
influenciados principalmente por comportamentos como os dos dois
prelados descritos anteriormente. Mesmo percebendo o conflito de
interesse entre eles e a Coroa, o Estado continuou a nomeá-los, pois, apesar
—————————–
64
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 52.89-90.
65
L. C. ALMEIDA, em A Igreja nos quatro séculos de São Paulo, I, 90.
66
E. G. FONTOURA, Vida do Exmo. e Revmo. Senhor D. Antônio J. de Mello, 38.
Também a Santa Sé se demonstrou satisfeita com o fim da Revolução Liberal. Num
despacho ao Internúncio Mons. Ambrogio Campodonico, exprimiu sua preferência pela
continuidade do Partido Conservador no Governo [AES, Br., Dispaccio, 31 de agosto
de 1842, Cx. 18, fasc. 76, doc. 43, f. 92r-92v.]
124 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

de tudo, eram preferíveis ao clero iluminista ou liberal. Os valores


defendidos pelos ultramontanos eram fundamentais e necessários à
monarquia, na opinião dos membros do Governo e do próprio Imperador
que os indicava67.

1.2.1. Em foco: o envolvimento do clero mineiro em


ambos os lados da revolução de 1842
Consultando os documentos disponíveis no Arquivo Público Mineiro
sobre a Revolução Liberal de 1842, pode-se encontrar provas evidentes do
envolvimento de setores do clero com as classes políticas locais, tanto
conservadoras quanto liberais. Por outro lado, é também possível constatar
que as posições assumidas pelos padres durante a revolta foram
diversificadas. A documentação do APM relativa ao episódio, encontra-se
agrupada sob o título «Rebelião de 1842», e fornecem preciosas
informações sobre a sociedade mineira da época68.
Os documentos que mais interessam ao presente estudo são aqueles
produzidos após a citada rebelião, como o processo ao pe. Antônio José de
Melo Lima, da Freguesia de Barra Longa, acusado de apoiar os liberais; e
as listas enviadas ao governo da província por cada município ou distrito
com a relação das pessoas que mais ajudaram os legalistas, indicando em
muitos casos quais foram as suas contribuições. O processo citado acima,
composto de 29 folhas, foi instaurado em 5 de setembro de 1842. Nele, o
pe. Melo Lima foi acusado por oito testemunhas de incitamento a rebeldia,
arregimentar e armar homens livres e escravos para a causa revolucionária,
e manter comunicação com os sediciosos69.
No momento do primeiro depoimento das testemunhas, o réu já se
encontrava preso em Ouro Preto. Foi feito o pedido para interrogá-lo e, em
10 de setembro de 1842, se juntou seu interrogatório aos atos. O padre
acusado, segundo o seu próprio testemunho, era natural de Vila dos Arcos,
comarca de Valença, arcebispado de Braga, em Portugal. Declarava viver
como «fazendeiro» e «clérigo presbítero»70.
O interrogatório do pe. Melo Lima elucida as suas ligações com as
testemunhas, e conseqüentemente com a sociedade local. Ele admitiu
conhecer todos os depoentes desde alguns anos, mas acrescentou que as
—————————–
67
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 186-187.
68
APM, Subsérie 17: Rebelião de 1842, PP 1/17- Cx. 01 a PP 1/17-Cx. 05.
69
«Processo ao Padre Antônio José de Melo Lima», APM, Subsérie 17: Rebelião de
1842, PP 1/17 Cx. 03, f. 1r-9r.
70
«Processo ao Padre Antônio José de Melo Lima», APM, Subsérie 17: Rebelião de
1842, PP 1/17 Cx. 03, f. 10r-11r.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 125

acusações eram fruto de perseguições políticas dos seus opositores e das


inimizades de eleições. Sobre a primeira testemunha, que morava desde
algum tempo na casa do réu, declarou que ela tinha alugado um quarto com
intuito de entregá-lo a «traição», não merecendo crédito. Sobre a segunda,
declarou ser seu inimigo político de eleições e guardar rancores de quando
o réu era Juiz de Paz. A terceira era seu «inimigo capital» por ter sido por
ele despedida do emprego de feitor no ano precedente. A quarta também
era apontada como sendo seu «inimigo capital», por motivo de ter sido por
ele despedida do cargo de Inspetor de Quarteirão. Sobre a quinta, disse que
andava quase sempre bêbada e não merecia confiança alguma. A sexta, no
seu entender, seria um homem de nenhum conceito, irmão de seu inimigo
capital71.
Quanto à oitava testemunha, era descrita como sua inimiga por
infamação que costumava dirigir contra o réu. Contra a sétima testemunha,
o pe. Melo Lima nada disse no sentido de inimizades, porém justificava seu
depoimento, em que informava ter visto homens armados na sua casa,
sustentando que tais homens ali estavam por sentir ele medo de uns
escravos que ameaçavam insurreição e disseram que o viriam a matar.
Segundo o padre, eram quatro homens armados para a sua proteção pessoal
e que nenhum fora arregimentado pelos rebeldes. Terminou dizendo que
nunca soube da revolução, senão depois que ela estourou72.
O pe. Melo Lima foi julgado culpado, mas fez uma petição ao Juiz
Municipal de Mariana, Dr. Antônio Gomes Cândido, que resultou em
novos depoimentos dele e das testemunhas precedentes, com exceção de
duas que não se apresentaram. Neste segundo depoimento a única
testemunha que modificou sua versão dos fatos foi a sétima, que dessa vez
afirmou somente ter visto os homens armados na casa do padre, mas que
não sabia qual a razão da presença deles ali. Em 22 de setembro, a sentença
de ser o padre um revoltoso foi confirmada pelo Juiz Municipal de
Mariana. A documentação indicou que, no mínimo, o pe. Melo Lima era
um propagandista e estava ciente dos projetos dos rebeldes. Além disso,

—————————–
71
Ao lado direito desta parte do testemunho, encontra-se uma nota a lápis onde se
diz que a testemunha é irmão do vigário M.el (Manuel?) Justiniano da Silva,
conservador e inimigo do pe. Melo Lima. Com a mesma caligrafia se vê na última
página do documento outra nota, datada de «Roma 1922», com uma pequena biografia
do pe. Melo Lima, onde se diz ter sido ele um liberal exaltadíssimo. [«Processo ao
Padre Antônio José de Melo Lima», APM, Subsérie 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx.
03, f. 12r.29v.
72
«Processo ao Padre Antônio José de Melo Lima», APM, Subsérie 17: Rebelião de
1842, PP 1/17 Cx. 03, f. 10r-12v.
126 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

também se pôde constatar que o referido padre era uma pessoa «de posses»,
proprietário de terras e escravos em número suficiente para realizarem uma
insurreição contra o seu proprietário. Percebe-se ainda que ocupou vários
cargos políticos e burocráticos, sendo um deles o de Juiz de Paz. Estava
fortemente envolvido com a política partidária, sendo provavelmente um
dos líderes locais dos liberais73.
Os padres que defenderam a ordem e as autoridades constituídas, ou seja,
os padres legalistas, também se destacaram. Após a pacificação da
província, a presidência desta enviou uma circular com quatro quesitos para
serem respondidos pelas câmaras municipais: 1 – informações e cópias das
atas das câmaras que aderiram à rebelião; 2 – relação dos distritos que
aclamaram o presidente intruso, dias e circunstancias; 3 – uma relação dos
distritos e pessoas que mais serviços prestaram à legalidade; 4 – o dia em
que os rebeldes saíram e primeira ata das novas câmaras legalistas74.
Nas várias relações enviadas, vinham indicadas uma série de nomes de
pessoas que ajudaram a legalidade, e em algumas delas, também se
especificava em que modo eles o fizeram. Vários padres estão nestas
relações, mas o que interessa é saber como eles colaboraram, nos casos em
que tal ajuda veio especificada. No distrito de Jacuí, por exemplo, o vigário
Francisco Moreira de Carvalho, «muito concorreu com sua influência a
favor da mesma legalidade»75.
Descrições como esta não esclarecem em que consistia tal influência, se
moral, religiosa, política ou econômica, o que pouco acrescenta à pesquisa.
A relação do Distrito de Formigas (Comarca de Montes Claros), ao
contrário, fornece dados precisos:
O Reverendo Vigário desta Freguesia, Antônio Gonçalves Chaves prestou
relevantes serviços, já na qualidade de Presidente da Câmara proclamando em
geral aos habitantes do Município, em especial dirigido aos influentes do
mesmo apresentando-lhes o horror de uma rebelião, a conveniência de manter-
se a tranqüilidade pública, a exata observância das leis e a obediência as
Autoridades Constituídas, cujas doutrinas corroboraram com a palavra,
exemplo na qualidade de Pároco.
Reverendo Felipe Pereira de Carvalho, atual Juiz Municipal animado pelo
zelo do Bem Público, deu inteira adesão à causa da Legalidade, exercitou
energicamente os atos de sua Jurisdição, prestou-se com pessoas do Povo a
Guarnição do Bonfim (porque então se propalava a falsa noticia de ser a
—————————–
73
«Processo ao Padre Antônio José de Melo Lima», APM, Subsérie 17: Rebelião de
1842, PP 1/17 Cx. 03, f. 27r-29v.
74
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04, doc. 03, f. 1r.
75
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04, doc. 04, f. 4v.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 127

Povoação invadida pelos Rebeldes do Pé do Morro), empregando tão bem sua


influência, de seus amigos e parentes para a manutenção da ordem76.
A colaboração dos padres, em certos casos, chegou também a ser mais
direta, havendo mesmo alguns que entraram nos campos de batalhas. Foi o
que fez o pe. Domingos José de Almeida Bastos, de Caeté, do distrito
denominado Villa, que «logo que se organizou o batalhão se ofereceu ao
chefe para capelão, e foi ao fogo de Santa Luzia engajado pelo Barão de
Caxias como capelão do exercito da legalidade»77.
Ainda em Caeté, no Distrito de Roças Novas, tem-se um exemplo de
outro tipo de ajuda dada pelos padres e pelos demais envolvidos:
O Vigário Manoel José Pinto de Mendonça muito coadjuvou a Legalidade
com suprimento de viveres e gado, tanto para a força da Villa, como de Roças
Novas.
O Reverendo José Gonçalves Pereira concorreu com serviços pessoais, e
sua influência foi mais valiosa do que muitas bocas de fogo, e supriu com
dinheiro o Exercito da Legalidade78.
Aqueles que ajudaram com dinheiro, gado e suprimento de víveres com
certeza eram padres que pertenciam à classe dos potentados locais79. O que
indica que alguns padres eram providos de bens e dotados de boas
condições financeiras, seja por proveniência familiar, seja devido aos
—————————–
76
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04, doc. 10 f. 4v.
77
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04, doc. 20 f.4r-4 v.
78
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04, doc. 20, f. 5r.
79
Ainda não existe um trabalho de pesquisa dotado de levantamento estatístico sobre
o clero durante o Império, elucidando suas origens familiares, a percentual dos que
ocuparam cargos políticos e exerceram funções «seculares», como por exemplo,
fazendeiro, comerciante, agiota, minerador, professor. Segundo a opinião dominante
entre os viajantes estrangeiros que passaram pelo Brasil no século XIX, a maioria dos
padres no período em questão era pobre e intelectualmente despreparado. Este, por
exemplo, é o parecer do francês Auguste de Saint-Hilaire, contido na respeitável obra
Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo (1822). Entretanto, se
a opinião é válida, não esgota a argumentação a respeito, uma vez que, os documentos
apresentados neste subtítulo demonstram que havia igualmente presbíteros «de posses»
e mesmo dotados de certa erudição. E não só: provavelmente, também houve padres que
participaram de cargos eletivos nacionais e estaduais (sem contar aqueles a nível
municipal), e vários dos sacerdotes envolvidos nos movimentos sediciosos de Minas e
São Paulo em 1842, e na Revolução Farroupilha, tampouco eram despreparados e
pobres. O mais provável é que predominasse a heterogeneidade entre os ministros da
Igreja de então, seja no tocante à proveniência social, seja no que diz respeito aos
demais aspectos, como condição econômica e formação intelectual, o que torna ainda
mais difícil emanar uma opinião geral sobre o assunto [ndr.].
128 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

trabalhos e investimentos seculares que realizavam junto ou em detrimento


de sua função sacerdotal80.
O pe. Antônio Ferreira Viçoso, futuro bispo de Mariana, apesar de
jamais ter se envolvido na política partidária, num momento de conflito
armado também se posicionou ao lado dos legalistas, como descreve seu
afilhado Silvério Gomes Pimenta:
Durante o correr dos acontecimentos não cessava de implorar do Deus das
vitórias o triunfo da legalidade, oferecendo para esse fim orações, e sacrifícios,
e seu mesmo sangue. Temos disto prova bem manifesta em uns apontamentos
escritos por seu punho; para o efeito de não lhe escapar da memória o que
propunha, os quais por grande ventura nos vieram às mãos, e os conservamos
como tesouro de subido preço. Neles achamos exarados alguns votos deste
insigne varão, que ele nunca pensou houvesse um dia de abonar suas virtudes,
nem de chegar à publicidade que ora lhes damos. A 26 de Junho desse ano de
quarenta e dois prometeu celebrar 6 Missas e tomar 6 dias de disciplina, se
tivesse feliz êxito o combate que se havia de ferir em Ouro Branco, e no
mesmo lugar achamos traçadas 6 riscas com indicação de haver já tomado as 6
disciplinas. A 6 de Agosto fez voto de rezar todos os dias o Rosário, e jejuar
todos os sábados até o fim do ano desde a notícia certa do triunfo da
legalidade81.
O importante é notar que durante o Império a política partidária
despertou as paixões de muitos membros da classe sacerdotal. Mas, não foi
somente a Revolução Liberal de 1842 que influenciou o Governo a preferir
os sacerdotes ultramontanos para as cadeiras episcopais, também teve
muito peso nesta decisão a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farropilha82.

—————————–
80
APM, Subsérie 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04, doc. 20, f. 5r.
81
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 47.
82
O interesse e envolvimento do clero brasileiro em questões políticas se
manifestaram ainda antes da independência. O depoimento do francês Louis François
Tollenare a respeito é esclarecedor: «Fui convidado para jantar pelo guardião do
convento de Santa Teresa. [...] Depois do jantar nos estenderam esteiras no chão para
fazermos a sesta; depois disso veio o banho; após, na minha qualidade de estrangeiro,
me foi preciso fazer frente ao guardião e a um outro frade, aos quais nenhuma
circunstância da Revolução Francesa era estranha. As suas infindáveis controvérsias
demonstravam a sua erudição e o desejo de se instruir, mas, não contribuíam a instruir-
me do que um estrangeiro deseja saber do Brasil. A todo momento eu procurava levá-
los a falar do interior do país que tantas vezes têm percorrido, mas, a política européia
era a sua mania» [F. L. TOLLENARE, Notas dominicais, 31-32].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 129

1.3. A Guerra dos Farrapos e a


ereção de um bispado no Rio Grande do Sul
A criação de uma diocese no Rio Grande do Sul foi determinada pelo seu
contexto histórico, social e geográfico, entrelaçando-se a várias questões
políticas. Uma das principais foi a Revolução Farroupilha (1835-1845), o
mais longo e importante conflito armado do Período Imperial. Ela se
iniciou em 20 de setembro de 1835, e em 11 de setembro de 1836, foi
proclamada a República Rio-grandense, posteriormente chamada República
de Piratini. A causa fundamental dessa revolução foram os impostos sobre
o charque, principal produto da região, e demais atividades pastoris, ao que
se somou a nomeação, em 1834, de Antônio Rodrigues Fernandes Braga
(1805-1875) para presidente provincial. Escolha esta que desagradou aos
políticos e estancieiros locais. Vários padres, a exemplo do que acontecera
noutras revoluções que eclodiam pelo país afora, também aderiram ao
movimento rebelde, mas com uma particularidade: o episódio também deu
espaço a um «cisma» local. Isso provavelmente aconteceu porque, ao
eclodir a revolução, o bispado do Rio de Janeiro, ao qual pertencia à
província sulista, estava vacante (1833-1840), afrouxando os laços dos
leigos e dos clérigos com seus superiores e, de certa forma, favorecendo a
grande participação do clero na revolução e no cisma que dela derivou83.
Os clérigos gaúchos eram em grande parte naturais da província, apesar
de terem sido ordenados no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Os demais
provinham de São Paulo ou, freqüentemente, do estrangeiro. Por ser uma
região de fronteira com estados republicanos, juntamente com o fato de
considerável parte de seu clero ter sido formado no liberal ambiente
paulista e de atuarem ao lado daqueles oriundos de tal província, foram
fatores que favoreceram a divulgação de idéias liberais em solo gaúcho. O
nível cultural dos sacerdotes locais não diferia do restante do Império,
razão pela qual, poucos eram cultos, enquanto que uma parcela tinha
cultura suficiente; certo é que ali não havia um padre sequer com título
universitário exercendo o magistério84.
As reações dos padres ante a revolução tampouco foram uniformes: uma
parte aderiu a ela, outros preferiram abandonar temporariamente as suas
—————————–
83
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 145. Sobre a vacância do
bispado do Rio de Janeiro ver capítulo antecedente.
84
«Excetuado o irrequieto sacerdote alagoano, pe. José Antônio Caldas, dito
impropriamente “Vigário dos Farrapos”, o qual alcançou o doutorado em leis na
Universidade de Buenos Aires. Mas não pertencia ao clero local e só esteve no sul para
alimentar seus ardores políticos» [A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul,
II, 146].
130 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

paróquias ocupadas pelos revolucionários, alguns foram expulsos pelos


farrapos por não aderirem, enquanto outros preferiram ficar, mas numa
condição neutra, cuidando apenas do próprio ministério. Entre os clérigos
fieis à Coroa, se encontravam dois futuros bispos, o que reforça a teoria de
que os padres defensores da ordem foram preferidos para ocuparem as
sedes episcopais durante o Segundo Império. Foram eles: pe. Sebastião
Pinto do Rego (1802-1868), carioca, pároco colado de Rio Pardo e futuro
bispo de São Paulo; pe. Feliciano José Rodrigues de Araújo Prates (1781-
1858), ex-capelão das tropas e futuro 1º bispo do Rio Grande do Sul. No
outro extremo, os padres mais ativos junto aos revolucionários foram:
Juliano de Faria Lobato, primo-irmão de Bento Gonçalves 1º Presidente da
Republica Farroupilha, Hildebrando de Freitas Pedrosa e Francisco das
Chagas Martins Ávila e Sousa, que se tornou «vigário apostólico» da
República e também ocupou vários cargos civis na mesma. Também
tiveram participação três padres envolvidos na revolução liberal de São
Paulo de 1842: Manuel de Oliveira Libório, Francisco Gonçalves Pacheco,
Rafael Gomes da Silva85.
A Constituição da República Rio-grandense, no que se referia à sua
relação com a Igreja Católica, a exemplo daquela Imperial, iniciava-se sob
as bênçãos da Santíssima Trindade e no seu 5º art. decretava que: «A
Religião do Estado é a Católica, Apostólica, Romana». As semelhanças não
paravam por ai, pois, segundo Arlindo Rubert, os republicanos sulinos
pensaram que uma vez separados do Governo Imperial o direito do
padroado passaria «naturalmente» para o presidente da nova República.
Sem muitos escrúpulos, devido, provavelmente, ao espírito liberal que
então imperava entre os republicanos e seu clero, e na falta de bons juristas
e canonistas, julgaram viável constituir uma autoridade eclesiástica
independente até que pudessem recorrer a Roma e alcançar a confirmação
canônica. Isso se tornou mais fácil quando um padre se prestou a
representar a autoridade eclesiástica máxima da República86.
Ou seja, a nova república também já nascia imbuída do espírito regalista
imperial de tomar decisões unilaterais em questões eclesiásticas. Tal
situação favoreceu o cisma que se deu em 22 de junho de 1838, quando as
autoridades civis, Bento Gonçalves a frente, nomearam «vigário
apostólico» o pe. Francisco das Chagas Martins Ávila e Sousa87.
Dita nomeação foi um cisma prático, até porque, em 24 de fevereiro de
1839, foi decretado o tratamento de Excelência Reverendíssima e a côngrua
—————————–
85
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 146-150.
86
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 152.
87
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 152.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 131

anual de 2:400$000 ao vigário apostólico da republica sulina. O cisma teve


grande extensão, sendo que uma importante parcela do clero farrapo
abandonou a autoridade do seu legítimo pastor e aderiu à autoridade do
pseudo vigário apostólico. Porém, não faltaram aqueles que, mesmo sendo
farrapos, não aceitaram o cisma de jurisdição eclesiástica. Isso não impediu
que o pe. Francisco das Chagas, que sempre acompanhara o Estado maior
da República nas respectivas capitais que criou, agisse como verdadeiro
superior eclesiástico, nomeando párocos, curas e coadjutores, dispensando
impedimentos matrimoniais, administrando a Crisma e concedendo graças
espirituais. Ele recebeu os santos óleos do vigário apostólico da República
Oriental (Uruguai) D. Damaso Antonio Larrañaga (1771-1848). Deve-se
ter presente que o cisma foi apenas jurídico, sem implicações doutrinárias,
morais ou disciplinares, sendo motivado pela separação das províncias do
sul do Império88.
D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo foi nomeado bispo do Rio de
Janeiro e tomou posse em 1840. Vários padres cismáticos, ao receberem
esta notícia, procuraram reconciliar-se com a autoridade eclesiástica
legítima, o que foi bem aceito pelo novo prelado que deu logo poder aos
vigários de vara para sanarem as irregularidades e tirarem os padres do
cisma. D. Manuel Rodrigues imediatamente começou a trabalhar para
impedir o alargamento da autoridade do pe. Francisco das Chagas. O
avanço das tropas legalistas e a restauração da vigaria geral da província,
tendo como vigário geral o cônego Tomé Luís de Souza, foram golpes
mortais ao movimento cismático que perdeu rapidamente influência. Em
1842, o Barão de Caxias foi enviado ao Rio Grande do Sul em missão de
paz e conferiu com o pe. Francisco das Chagas, credenciado a negociar o
armistício. Este foi assinado em 1 de março de 1845, em Bagé. O padre, ex
pseudo «vigário apostólico» retirou-se para Porto Alegre, onde se recolheu.
A política do Regresso e o favorecimento as nomeações ultramontanas para
o episcopado ganhou mais força após estes episódios89.
O bispo diocesano publicou, então, uma longa e substanciosa Carta
Pastoral contendo as providências acerca do estado da Igreja do Rio
Grande do Sul depois da pacificação da província, em 13 de maio de 1845.
Na pastoral o diocesano delegou amplos poderes ao vigário geral da
província, aos vigários da vara e a alguns párocos com intuito de sanar o

—————————–
88
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 152-154.
89
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 154-157; Z.
HASTENTEUFEL, Dom Feliciano na Igreja do Rio Grande do Sul, 56-66.
132 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

cisma90. Em 10 de outubro de 1845, já pacificada a província, esta foi


visitada pelo bispo juntamente com o Imperador D. Pedro II. D. Manuel
percorreu pessoalmente várias paróquias e mandou visitar outras. O pe.
Francisco das Chagas, já sem nenhuma autoridade, se retratou em 10 de
dezembro de 1845 e foi readmitido ao ministério91.
Estes acontecimentos ajudaram no amadurecimento da idéia de se criar
um bispado no Rio Grande do Sul. Um projeto do gênero havia sido
apresentado às Câmaras pela primeira vez em 1826, por D. Romualdo
Antônio de Seixas, futuro Arcebispo, e posteriormente, por D. José
Caetano da Silva Coutinho, bispo do Rio de Janeiro, em 1832. Outro
projeto para a criação de uma diocese no Rio Grande do Sul foi
apresentado por Álvares Machado, em 29 de março de 1845, e era do
seguinte teor: «A Assembléia Geral Legislativa decreta: Artigo único. Fica
criado um bispado na província do Rio Grande do Sul, e outro na província
do Ceará»92.
Esse projeto gerou imensa discussão, que se prolongou até finais de
1846. O debate abrangeu vários pontos: 1) sobre o porquê do
favorecimento destas duas províncias em relação a outras que já vinham
sendo discutidas desde 1840, como eram os casos de Piauí e Minas Gerais;
2) se tal projeto poderia ser apresentado por um deputado ou se não seria
somente do direito do Executivo apresentá-lo; 3) se o Governo tinha ou não
direito de criar um bispado, se este não seria somente da alçada da Santa
Sé; 4) se tal criação não criaria um conflito de jurisdição com a Cúria
romana; 5) a necessidade ou não de se consultarem os bispos interessados
(no caso do Rio Grande do Sul era o bispo do Rio de Janeiro que era
deputado e participou ativamente da discussão); 6) se a criação de um
bispado na província do Rio Grande do Sul não seria uma questão política,
uma exigência para a sua pacificação; 7) se o Estado teria condições
financeiras para arcar com mais um bispado; 8) da necessidade ou não de
se criarem os cabidos e se estes eram necessários; e finalmente, 9) qual a
real necessidade e benefícios de um bispado. Na tentativa de esclarecer tais
questões as discussões se arrastaram, muitas vezes desviando-se da sua
essência primária – a criação dos dois bispados –, levando a modificações e

—————————–
90
Cf. M. M. R. ARAÚJO, Carta Pastoral contendo as providências acerca do estado
da Igreja do Rio Grande do Sul depois da pacificação da província.
91
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 154-157; Z.
HASTENTEUFEL, Dom Feliciano na Igreja do Rio Grande do Sul, 56-66. Sobre o cisma
na Guerra dos Farrapos ver também A. RUBERT, Um cisma eclesiástico no Rio Grande
do Sul, REB, XII (1962).
92
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão de 29 de março 1845, II, 1ª. Sessão, 308.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 133

aditivos que objetivavam, entre outras coisas, redefinir os limites entre as


dioceses, criar uma diocese em cada província e a elevação do bispado do
Rio a Arcebispado93.
Durante as discussões alguns dos anseios acima enumerados foram
respondidos, enquanto outros continuariam em discussão em outros
projetos que seriam apresentados posteriormente. A análise das conclusões
a que chegaram alguns deputados a respeito teve lances inusitados. O bispo
do Rio de Janeiro, por exemplo, foi um dos que defendeu a imediata
aprovação do projeto, sem se preocupar se a sua redação poderia ou não
criar conflitos com a Santa Sé. Ele alegava somente que a Comissão
Eclesiástica, a qual pertencia, apresentaria uma emenda na qual se
autorizaria o Governo a entrar em negociação com Roma. A urgência para
ele derivava, certamente, da necessidade de contrastar as idéias separatistas
e cismáticas que já se vinham combatendo no sul desde a recente Guerra
dos Farrapos. Respondeu a alguns questionamentos de outros deputados
dizendo que a Comissão Eclesiástica e ele, bispo diretamente interessado,
eram favoráveis à criação de uma diocese no Rio Grande do Sul, e que
achava desnecessário a consulta ao Governo sobre tal necessidade, sendo a
Câmara suficientemente ilustrada para informar-se. São palavras textuais
suas:
O governo entende-se com a cúria romana, mostra-lhe a necessidade da
criação deste bispado no Rio Grande do Sul, e a corte de Roma, guiada sempre
pelo zelo católico, não poderá deixar de consentir em uma medida tão
importante, da qual devem derivar tantos benefícios ao país, e principalmente
ao Rio Grande do Sul, que na verdade carece de um pastor vigilante que possa
chamar ao rebanho católico essas ovelhas tão desgarradas em conseqüência
das desgraças que pesaram sobre aquela província94.
O deputado Gonçalves Martins questionou sobre o porque da criação de
um bispado no Rio Grande do Sul, e não no Piauí, que no seu modo de
entender apresentava maiores necessidades. Inquiria ele se a criação de
uma diocese naquela província não seria uma das imposições das
negociações de paz:

—————————–
93
Esta discussão nasceu provavelmente por influência do bispo do Rio de Janeiro,
mesmo se não foi ele que apresentou esta proposta, pois dito bispo há pouco tivera um
conflito de jurisdição com o Arcebispo da Bahia por ocasião da coroação do Imperador
D. Pedro II. As discussões sobre o projeto se encontram nos Anais do Parlamento
Brasileiro 1845 e 1846.
94
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 10 de maio 1845, I, 2ª. Sessão, 50.
134 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Eu não sei se, abstração feita da política, as necessidades do Rio Grande


pedem mais urgentemente a criação de um bispado do que outras províncias
do império, como, [...] o Piauí; as dificuldades das comunicações dos
habitantes desta parte do império com o seu prelado no Maranhão, são sem
dúvida superiores as que hoje existem entre o Rio Grande e esta corte, com o
estabelecimento dos vapores e com as comunicações por água. [...] Ouço dizer
que é política a criação de um bispado no Rio Grande, e até que fora uma
condição da pacificação da província; não entro nesta questão, e nem me
oponho ao cumprimento de uma tal condição, que é para mim das mais
razoáveis; porém noto se é política a criação, e se é de uma tão grande
urgência, o governo a deveria já ter pedido, e não consentiria que o nobre
deputado por S. Paulo (Rodrigues dos Santos) lhe tomasse a dianteira95.
Tal idéia foi rejeitada pelo propositor do projeto que também fora
presidente da província sulina, alegando ter sido em tal época que
percebera esta necessidade, não tendo ela nada a ver com negociações de
paz. Na sessão de 15 de maio de 1845, o deputado pe. Muniz Tavares
(1793-1876) apresentou uma emenda nos seguintes termos: «O governo
fica autorizado a solicitar da Santa Sé a criação de dois bispados, um na
província do Rio Grande do Sul e outro na do Ceará», além de uma prelazia
em Minas. Cerqueira Leite (1807-1865) foi mais além, propondo uma nova
definição dos limites das dioceses e o cônego Januário da Cunha Barbosa
(1780-1846) propôs a elevação do bispado do Rio de Janeiro a
Arcebispado. Outro ponto de grande discussão foi à questão financeira, ou
seja, se teria ou não o Governo condições de instaurar e manter mais
bispados, ao que respondeu o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto
Ferreira França (1804-1888), que a criação de uma diocese no Rio Grande
do Sul era «objeto de necessidade reconhecida pelo Governo» e também
defendia a criação de outras dioceses como opinião própria, sendo este o
meio mais eficaz de formar e moralizar o clero e o povo96.
O discurso do deputado Nicolau Rodrigues dos Santos França e Leite
(1803-1867) foi esclarecedor em relação à idéia que possuíam sobre a
Igreja e sua função político-social:
Sr. Presidente, todo o governo que compreende a sua comissão deve estar
inteiramente convencido de que a religião é um dos mais sublimes meios de
governar, que ela forma o homem no seu interior, o habilita interiormente para
a união social: as leis civis unem os homens pela superfície, mas a religião os
une pelo coração. Sendo assim, é inegável que nós devemos lançar mão de
todos os meios para tirar deste sublime, deste majestoso principio todas as
—————————–
95
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 10 de maio de 1845, I, 2ª. Sessão, 52.
96
Anais do Parlamento Brasileiro, 1845, I, 2ª. Sessão, 73.75.94.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 135

vantagens que a sociedade tem direito de esperar. Os meios, em minha


opinião, e na opinião da casa são sem dúvida a moralização do clero, a
moralização do povo; e para conseguir isto é necessário que tenhamos quanto
for possível em cada província prelados encarregados imediatamente da
moralização. Todos sustentamos que a disciplina eclesiástica se tem
enfraquecido; mas porque tem-se enfraquecido? Tem sido sem dúvida porque
a extensão do país tem inabilitado os prelados existentes a levar aos habitantes
de todas as dioceses as vantagens de uma moral pura, de uma moral religiosa e
social. Logo que reduzirmos as dioceses a pontos mais circunscritos, eles terão
ocasião de visitar suas dioceses, de inspecionar por si mesmos os párocos na
execução de seus deveres; eles conhecerão de perto quais são os párocos que
deixam de explicar o Evangelho97.
Na opinião dele, bons bispos fariam erguerem-se boas catedrais com sua
influência moral; que a moralização pela religião levaria a diminuição das
fraudes ao tesouro e conseqüentemente se arrecadaria mais, podendo assim,
cobrir as despesas com os novos bispados. Uma pergunta que coloca
França e Leite, e que não era somente sua, mas de muitos políticos desse
período, resumia o seu pensamento, era a seguinte: «como é possível
governar os homens sem haver um meio pelo qual se governe a sua
consciência?»98.
Posturas assim ajudam a compreender a tática assumida pelo Governo no
começo do Segundo Império: sem dar o justo peso ao fato que os
ultramontanos eram ferrenhos defensores das prerrogativas eclesiásticas, e
tendo presente, sobretudo, a necessidade imediata de acabar com a
instabilidade nas províncias do Império, agravada com a participação de
clérigos nos movimentos revolucionários, as autoridades imperiais optaram
pelos padres «ortodoxos», numa tentativa de fortalecer a autoridade e a
legitimidade do Estado, que queria governar também «as consciências»99.
No tocante ao bispado no Rio Grande do Sul, na sessão de 10 de julho de
1846, devido à complexidade e amplitude que tomaram as discussões,
desvirtuando-se com suas emendas e aditivos o projeto original e
dificultando sua aprovação, este e todas suas modificações foram
rejeitadas100.

—————————–
97
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 16 de maio de 1845, I, 2ª. Sessão, 94.
98
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 16 de maio de 1845, I, 2ª. Sessão, 96.
99
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 16 de maio de1845, I, 2ª. Sessão, 95-
96.
100
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 10 de julho de 1846, 125.
136 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Outro projeto foi apresentado na sessão de 22 de maio 1847, pelo


deputado Luis Alves Leite de Oliveira Belo (1817-1865), nos seguintes
termos:
A assembléia geral legislativa resolve:
Art. 1º. O governo é autorizado a impetrar da Santa Sé a bula de criação de um
bispado na província do Rio Grande do Sul, o qual por esta lei fica criado.
Art. 2º. Este novo bispado tem a mesma extensão e limites que tem civilmente
a referida província, e o seu prelado tem a côngrua de 2:400$ igual a que
percebem os demais prelados do império.
Art. 3º. Ficam revogadas quaisquer disposições em contrário101.
A proposta foi aprovada na sessão de 7 de julho de 1847102, com
sucessiva confirmação pelo Senado, sem modificações, vindo a receber a
aprovação definitiva pela Assembléia Geral Legislativa em 25 de agosto do
mesmo ano. Enfim, o decreto nº. 457, de 27 de agosto de 1847, autorizou o
Governo a impetrar junto à Santa Sé o pedido de uma bula de criação de
um bispado na província do Rio Grande do Sul103.
Esta redação virou modelo para os futuros projetos de instituição de
bispados, justamente por resguardar tanto os direitos do Governo Imperial
e, segundo os legisladores, também aqueles da Santa Sé. Foram com
redações semelhantes a esta que se aprovaram ainda naquela década a
criação de um bispado no Ceará e outro em Diamantina, Minas Gerais. No
entanto, o projeto erigindo a diocese gaúcha era omisso em relação à
criação do cabido, julgado desnecessário pela maioria, o mesmo
acontecendo em relação ao Seminário episcopal, à catedral e à residência
do bispo, o que criou certo atraso na publicação da bula de ereção por parte
da Santa Sé, e posteriormente o nascimento de um grave conflito entre o
poder secular e religioso em relação à execução das bulas de ereção de
outros dois bispados na década de 1850, como será visto sucessivamente104.
Em outubro de 1847, o Ministério dos Negócios da Justiça passou suas
instruções ao encarregado e plenipotenciário do Império junto a Santa Sé,
Luís Murtinho de Lima Álvares e Silva, para solicitar a bula de ereção do

—————————–
101
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 22 de maio de 1847, I, 150.
102
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de julho de 1847, II, 64.
103
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1847, IX, parte I, 42.
104
AES, Br., Lettera di Ruggero Antini Mattei Segretario della Congregazione
Concistoriale a Mons. Santucci Segretario della S. Congregazione degli AES sul
Decreto di erezioni della Diocesi di S. Pietro di Rio Grande do Sul, 5 de abril de 1852,
Fasc. 164, pos. 83, f. 16r-16v.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 137

bispado do Rio Grande do Sul, além de uma carta enviada diretamente ao


Papa por D. Pedro II, em 7 do mesmo mês105.
O encarregado foi bem recebido pelo Pontífice, que ordenou à
Congregação dos Negócios Extraordinários de iniciar o mais rápido
possível os atos que precediam a instituição de um bispado. No entanto, as
mencionadas lacunas do projeto imperial, em relação ao cabido, Seminário,
residência do bispo e catedral, travaram tal procedimento. A legação
imperial tratou logo de informar que o Governo se comprometia a fazer tais
dotações. Finalmente, Pio IX (1792-1878), pela bula Ad oves dominicas
rite pascendas de 7 de maio de 1848, erigiu a diocese de S. Pedro do Rio
Grande do Sul, que recebeu o beneplácito imperial parcial em 7 de
dezembro do mesmo ano106.
A execução da bula foi confiada ao bispo do Rio de Janeiro pela
Congregação Consistorial e remetida ao mesmo pelo aviso de 2 de março
de 1849. No entanto, D. Manuel que tanto interesse teve na aprovação do
projeto de criação da nova diocese, não mostrou a mesma presteza para
executar a bula, sendo que ainda em 5 de abril de 1852, o Secretário da
Consistorial se queixava ao Secretário da Congregação dos Negócios
Eclesiástico Extraordinários de não ter ainda recebido os documentos da
execução da referida bula107.
Outro aviso da Congregação Consistorial de 16 de setembro de 1852,
dizia que o Santo Padre sanava qualquer irregularidade que pudesse haver
nos documentos para instalação da diocese e prevenia que no próximo
Consistório iria preconizar o prelado do novo bispado. D. Manuel, num
documento em latim de 11 de agosto de 1852, declarou ter recebido e
publicado a bula. No entanto, o bispo do Rio só oficializou a ereção em 11
de fevereiro de 1853108.
—————————–
105
AES, Br., Domanda di S. M. l’Imperatore al S. Padre di erezione di un nuovo
Vescovato, nella Provincia di S. Pietro del Rio Grande do Sul e L’Imperatore del
Brasile con lettera dei 7 Ottobre 1847 domanda l’erezione di un nuovo Vescovato alla
Santità di V . S. e che nella Bulla si faccia menzione del Patronato, Fasc. 158, pos. 67,
f. 88r-90r.
106
AES, Br., Lettera di Ruggero Antini Mattei Segretario della Congregazione
Concistoriale a Mons. Santucci Segretario della S. Congregazione degli AES sul
Decreto di erezioni della Diocesi di S. Pietro di Rio Grande do Sul, 5 de abril de 1852,
Fasc. 164, pos. 83, f. 16r-16v; A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II,
186.
107
AES, Br., Sul Decreto d’erezione della Diocesi di S. Pietro di Rio Grande del
Sud, Fasc. 164, pos. 83, f. 14r-14v.16r-16v.
108
A. RUBERT, Sul Decreto d’erezione della Diocesi di S. Pietro di Rio Grande del
Sud, II,186-189.
138 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

A diocese foi oficialmente instalada no dia 3 de julho de 1853, com a


posse solene do 1º bispo D. Feliciano José Rodrigues Prates, ex-pároco de
Encruzilhada, velho gaúcho de 71 anos de idade, o qual conhecia quase
todo o clero da província e acompanhara o desenrolar de toda a revolução
farroupilha e seu cisma eclesiástico. Embora avançado em idade, mostrou
muito tino e zelo, aproveitando os bons elementos do clero, até mesmo
entre aqueles que tinham aderido à revolução e ao cisma. Fundou, também,
o Seminário S. Feliciano em 1854, para preparar melhor os futuros padres
da nova diocese109.

2. O clero no cenário político nacional


A situação do clero no Brasil no início do Segundo Império, continuava
a ser aquela em que os membros da hierarquia eclesiástica eram vistos e
tratados como «funcionários públicos». Isto acontecia, não porque
recebessem as simbólicas côngruas do Tesouro, mas sim pelas funções
civis que eram obrigados a realizar a mando do Governo e por
determinação das leis aprovadas sem nenhuma negociação com a Santa Sé.
Esta imposição da dupla lealdade (Igreja-Estado) era fonte potencial e
permanente de conflitos entre as duas instâncias, além de ter favorecido, a
participação de sacerdotes nas principais revoltas de então110:
Antes que os padres da Companhia de Jesus fossem expulsos, a maioria
do clero secular era formada nos seus Seminários, ou naqueles por eles
administrados. Com a saída dos jesuítas tais instituições de formação
entraram em decadência e o único que continuou estável foi o do Rio de
Janeiro, criado em 1739, isso porque, não foi administrado pelos padres da
Ordem de Santo Inácio. Em 1800, instituiu-se também o Seminário de
Olinda, inspirando-se na Universidade reformada de Coimbra. Segundo
José Murilo de Carvalho «boa parte do clero era formada de elemento
locais, com educação precária, embora sem dúvida acima da média,
dispondo como recurso de poder dessa educação, além do prestígio da
religião e da Igreja e às vezes do próprio poder econômico». As anomalias
formativas do clero nativo permitiram a infiltração das idéias mais radicais
do iluminismo, ao contrário do que acontecia com aqueles formados em
Coimbra, o que também contribuiu para uma considerável participação de
sacerdotes em sedições e revoltas, como se pode ver na Tabela II111.

—————————–
109
A. RUBERT, Sul Decreto d’erezione della Diocesi di S. Pietro di Rio Grande del
Sud, II, 158.
110
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 142.
111
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 143.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 139

Tabela II
Ocupações dos Acusados em Três Rebeliões:1789,1798 e 1817(Números Absolutos)
Ocupação Rebeliões
1789* 1798** 1817***
Padres 5 - 45
Magistrados 1 - 3
Militares
Linha 9 11 45
Milícia 1 3 29
Ordenança 1 - 12
Total 11 14 86
Advogados, médicos, cirurgiões 3 2 -
Artesãos - 6 -
Escravos - 10 -
Outros 4 2 26
Sem informação - - 150
Total 24 34 310
Pardos e Pretos - 24 15
* Inclui só os condenados. Houve 34 indiciados. ** Inclui também os
indiciados. Outros 16 suspeitos não foram a julgamento. *** Inclui
também os indiciados não-condenados. Fonte: J. M. Carvalho, A
Construção da Ordem, 145.
O clero ultramontano quando alcançou o episcopado, em meados do
século XIX, se deparou com uma longa tradição de envolvimento de
religiosos em rebeliões de inspiração liberal. Exceções houve,
naturalmente, como foi o caso da Inconfidência Baiana ou Revolta dos
Alfaiates, iniciada em 1798, em que a participação de sacerdotes foi
excluída, mas casos assim foram exceções. A falta de padres na revolução
baiana é significativa, pois indica não existir no clero local características
predominantemente populares, já que esta revolução foi realizada pelas
classes mais pobres. Nela chegou-se mesmo a existir um certo
anticlericalismo em suas proclamações, ao ameaçar de pena de morte todo
padre, secular ou regular, que pregasse contra a liberdade popular.
Envolveram-se nesta revolta vários escravos e foi proposta à abolição da
escravidão e o fim das discriminações contra pessoas não brancas. O
radicalismo dos padres liberais era de natureza antes política que social, se
mantendo dentro dos limites do liberalismo daquela época, ou seja, se
opunha à concentração de poder112.
—————————–
112
Para aprofundamento sobre a Revolta dos Alfaiates, consultar: I. JANCSÓ, Na
Bahia, contra o Império e L. H. D. TAVARES, História da sedição intentada na Bahia
em 1798.
140 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Noutros casos, a exemplo da Inconfidência Mineira em 1789 e da


Revolução Pernambucana de 1817, a presença de sacerdotes foi vistosa. A
tentativa revolucionária acontecida em Minas contou com a participação de
vários clérigos, quase todos embebidos de idéias iluministas, como
evidencia a célebre biblioteca de um deles, a do Cônego Luís Vieira da
Silva (1735-1809), pródiga em obras do gênero113.
A Revolução Pernambucana de 1817, ainda que mais popular que a
mineira, teve em suas fileiras um número de clérigos mais elevado, sendo
inclusive chamada de «Revolução dos Padres». Mesmo se brutalmente
sufocada não foi suficiente para afastar todos os religiosos dos ideais
radicais da época. Por isso, depois da independência do Brasil, ainda que
com outros matizes, uma nova rebelião eclodiu em Pernambuco e
províncias vizinhas: a «Confederação do Equador». Um dos seus líderes foi
o frade carmelita Joaquim do Amor Divino Rabelo (1779-1825), mais
conhecido como fr. Caneca, que tinha participado da revolução de 1817.
Este carmelita era autor de obras defendendo a soberania popular, a
separação dos poderes e o fim da escravidão. Como nas revoltas
precedentes, também nesta houve forte influência da Revolução Francesa e
dos seus propósitos114.
Passar-se-á agora a uma rápida visão da configuração partidária na qual
os padres se envolveram durante o período imperial.

2.1. Os partidos políticos ao tempo do Segundo Império


Não interessa a este trabalho discutir as especificidades partidárias no
período em questão (cf. esquema abaixo), mas somente apresentar uma
panorâmica sucinta de tais agremiações, uma vez que vários eclesiásticos
com elas se envolveram, tendo inclusive alguns deles pegado em armas em
nome das mesmas115.

—————————–
113
Continha 270 títulos e mais de 800 volumes, dentre elas a Encyclopedie
Française e autores então «suspeitos» como Diderot, Montesquieu, Condillac, Verney e
Mably. Sobre esta biblioteca consultar: E. FRIEIRO, O diabo na livraria do Cônego.
114
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 143-146. Sobre as três revoluções ver:
L. J. SANTOS, A Inconfidência Mineira; F. M. TAVARES, História da Revolução de
Pernambuco em 1817; C. G. MOTA, Nordeste 1817: Estruturas e Argumentos; A. RUY, A
primeira Revolução Social Brasileira; E. FRIEIRO, O diabo na livraria do Cônego; K.
MAXWELL, A devassa da devassa - A Inconfidência Mineira.
115
Os principais estudiosos dos partidos imperiais são Caio Prado Júnior, Nélson
Werneck Sodré, Nestor Duarte, Raymundo Faoro, Azevedo Amaral, Afonso Arinos de
Melo Franco, Fernando de Azevedo e João Camilo de Oliveira, José Murilo de
Carvalho e Ilmar Rodhloff de Mattos [ndr.].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 141

Esquema I
Evolução do Sistema Partidário do Império, 1831-1889.
1831 1840 1864 1870
Restauradores
P. Conservador P. Conservador
Lib. Monarquistas P. Progressista P. Liberal
P. Liberal P. Republicano
Fonte: J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 158
Até 1837, não se pode falar em partidos políticos no Brasil, sendo que as
organizações políticas ou parapolíticas eram tipo sociedades secretas e
muitas vezes influenciadas pela maçonaria. Pode-se ver no Esquema I, de
forma simplificada, a evolução partidária no Império. Entretanto, após a
abdicação de D. Pedro I, as medidas descentralizadoras como o Código do
Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834, juntamente com as
rebeliões do período regencial, possibilitaram a definição e a formação de
basicamente dois grandes partidos que dominaram a vida política do
Império até o final: o Partido Conservador e o Partido Liberal. Estes
partidos se dividiam muito mais pelos diferentes interesses de grupo que
pelas reais divergências ideológicas, que também existiam. O Conservador
nasceu de uma coalizão de moderados e conservadores sob a liderança de
um ex-liberal, Bernardo de Vasconcellos. O seu objetivo era reformar as
leis de descentralização, num movimento de fortalecimento do poder
central, que ele mesmo chamou de Regresso. Enquanto que os defensores
da descentralização se organizaram no Partido Liberal. As únicas mudanças
neste cenário foram os partidos: Progressista116, de curta duração e que
representava uma tendência Liberal dentro da política de Conciliação, que
foi implementada pelos Conservadores; e o Republicano, que surgiu em
1870 criando um tripartite até no final do período imperial117.
Nota-se na página seguinte, Tabela III, que mesmo existindo grande
estabilidade no sistema político houve grande instabilidade de Gabinetes no
Império. Eles foram 36, com duração média de menos de um ano e meio.
Percebe-se também o predomínio dos Gabinetes conservadores, que
duraram em média duas vezes mais que os liberais118.
—————————–
116
O Partido Progressista surgiu da Liga Progressista, em torno de 1864, sendo
ambos produto do movimento de Conciliação iniciado em 1853 pelos conservadores.
Compunha-se de conservadores dissidentes e liberais históricos. O Partido dissolveu-se
em 1868 com a queda do Gabinete Zacarias, com parte de seus membros indo formar o
novo Partido Liberal e outros o Partido Republicano fundado em 1870. [J. M.
CARVALHO, A Construção da Ordem, 158].
117
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 158.
118
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 163.
142 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Tabela III
Duração e Filiação Partidária dos Ministérios, 1840-1889.
Partidos N. de Duração Duração Duração Média
Ministérios (em anos) (em meses) (em meses)
Liberal 15 13,4 161 10,3
Conservador 14 (10) 26,0 313 (253) 22,3 (25,3)
Progressista 6 6,1 74 12,3
Conciliação 1 (5) 3,5 (8,5) 43,0 (103) 43,0 (20,6)
Total 36 49,0 591 16,4
Fonte: J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 163. As frações de anos são meses, as
frações de meses, dias. 119
Tabela IV
Filiação Partidária Total
Conservador 43,89
Liberal 49,64
Sem Partido 6,47
Total 100
Fonte: J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 164.
Na tabela IV, percebe-se que apesar da maior duração dos ministérios
conservadores existia uma predominância de liberais entre os ministros, o
que surpreende em um sistema, que é considerado por muitos,
—————————–
119
«Há alguma divergência entre os autores em relação ao número de ministérios. O
Ministério Liberal de 1845, por exemplo, é considerado por Manuel Antônio Galão
como simples reorganização do ministério anterior. O Ministério Conservador de 1848
é dividido em dois por Austriciliano de Carvalho por causa da mudança do Presidente
do Conselho em 1849. Seguimos aqui a contagem do Barão de Javari que considera o
ministério de 1845 como novo ministério e não subdivide o ministério de 1848» (Veja
M. A. GALVÃO, Relação dos Cidadãos que tomaram parte no Governo do Brasil no
Período de Março de 1808 a 15 de Novembro de 1889; B. JAVARI, Organizações e
Programas Ministeriais; A. CARVALHO, Brasil Colônia e Brasil Império).
«Divergências mais sérias surgem na classificação dos ministérios de acordo com sua
natureza partidária, principalmente durante o período algo confuso entre 1853 e 1868.
Joaquim Nabuco, por exemplo, não atribui ministério algum ao Partido Progressista, ao
passo que atribui dois ao período da Conciliação. João Camilo considera como
conservadores o Ministério Conciliador de 1853. A maior dificuldade diz respeito aos
ministérios de 1853 a 1861 que podem ser considerados tanto como de Conciliação
como Conservadores». A classificação aqui adotada considerada de Conciliação apenas
o ministério Paraná de 1853. Entre parênteses, na Tabela III se dá a classificação
alternativa que considera todos os ministérios do período como de Conciliação (Veja J.
NABUCO, Um Estadista do Império, IV, 205-217; J. C. O. TORRES, Os Construtores do
Império, 215-221). Informações muito úteis sobre a política da época foram também
fornecidas por um participante ativo – J. M. PEREIRA DA SILVA em Memórias do Meu
Tempo» [J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem,162-163 nota 18].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 143

profundamente conservador. Porém, esta predominância numérica não


significou maior controle do Governo pelos liberais, pois a acentuada
permanência dos conservadores nos postos de Governo refletiu a
incapacidade dos liberais de lá permanecerem, já que os assumiram mais
vezes. Um ponto que os números não demonstram, mas que deve ser
levado em consideração, é que a partir do Gabinete do Visconde de Rio
Branco no início da década de 1870, os conservadores aplicaram uma
política de esvaziamento do programa liberal, realizando várias reformas
defendidas por aqueles, como foi o caso da Lei do Ventre Livre.
Resumidamente esta era a situação partidária do Período Imperial, a qual
vários eclesiásticos participaram120.

2.2. A presença de clérigos na Câmara dos deputados


A atuação dos padres em tantos movimentos sediciosos também pode ser
creditada ao exíguo número de bispos e dioceses no Período Imperial, que
não superou o número de doze, dos quais, um único arcebispado, que era
Salvador da Bahia. Isto explica também a menor quantidade de bispos
eleitos para a Câmara dos deputados em relação aos padres, como se pode
notar na Tabela V. A anomalia do baixo número de dioceses em um
Império tão vasto era fruto do sistema do padroado, que não consentia à
Santa Sé de instituir novas jurisdições diocesanas. Entretanto, não faltam
erros de interpretação a respeito, como é o caso da historiadora Ana Marta
Rodrigues Bastos que, sem analisar a fundo a problemática, afirmou que
era a instituição eclesiástica que impedia o aumento do número de
dioceses, «devido à política de centralização interna da Igreja»,
implementada por Pio IX121.
Gráfico I
Clérigos Deputados por Legislatura (%)
30,00%

25,00%

20,00%

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
3

5
4

1
23

85
/3

/4

/5

/7
/4

/4

/6

/6

/8
18

18
30

38

53

72
43

48

61

67

78
18

18

18

18
18

18

18

18

18

Fonte: Tabela V

—————————–
120
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 164.
121
A. M. R. BASTOS; Católicos e Cidadãos, 88.
144 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Tabela V
Clérigos e Deputados, por Posição Hierárquica e Legislatura, 1823-1889 (%).
Cargos Padres Mons. Bispos Arceb. Total Clérigos Total Geral
Legislaturas Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Ass. Const. 1823 17 20,23 1 1,19 2 2,38 - 0,00 20 23,80 84 100
1 ª Leg. 1826-1829 18 18,00 2 2,00 3 3,00 1 1,00 24 24,00 100 100
2 ª Leg. 1830-1833 14 14,00 1 1,00 - 0,00 - 0,00 15 15,00 100 100
3 ª Leg. 1834-1837 21 20,19 1 0,96 1 0,96 1 0,96 24 23,07 104 100
4 ª Leg. 1838-1841 8 7,92 1 0,99 3 2,97 1 0,99 13 12,87 101 100
1842 8 10,81 - 0,00 - 0,00 - 0,00 8 10,81 74 100
5 ª Leg. 1843-1844 7 6,93 - 0,00 2 1,98 1 0,99 10 9,90 101 100
6 ª Leg. 1845-1847 6 5,82 1 0,97 2 1,94 - 0,00 9 8,73 103 100
7 ª Leg. 1848-1849 8 7,54 - 0,00 - 0,00 - 0,00 8 7,54 106 100
8 ª Leg. 1850-1852 5 4,50 2 1,80 1 0,90 - 0,00 8 7,20 111 100
9 ª Leg. 1853-1856 3 2,65 2 1,77 1 0,88 - 0,00 6 5,30 113 100
10 ª Leg. 1857-1860 3 2,54 3 2,54 - 0,00 - 0,00 6 5,08 118 100
11 ª Leg. 1861-1864 1 0,82 1 0,81 - 0,00 - 0,00 2 1,63 122 100
12 ª Leg. 1864-1866 3 2,45 - 0,00 - 0,00 - 0,00 3 2,45 122 100
13 ª Leg. 1867-1868 2 1,72 - 0,00 - 0,00 - 0,00 2 1,72 116 100
14 ª Leg. 1869-1872 3 2,46 1 0,81 - 0,00 - 0,00 4 3,27 122 100
15 ª Leg. 1872-1875 5 4,09 1 0,82 - 0,00 - 0,00 6 4,91 122 100
16 ª Leg. 1878 1 0,82 1 0,81 - 0,00 - 0,00 2 1,63 122 100
17 ª Leg. 1878-1881 - 0,00 - 0,00 - 0,00 - 0,00 - 0,00 122 100
18 ª Leg. 1881-1884 - 0,00 - 0,00 - 0,00 - 0,00 - 0,00 122 100
19 ª Leg. 1885 1 0,80 - 0,00 - 0,00 - 0,00 1 0,80 125 100
20 ª Leg. 1886-1889 5 4,00 - 0,00 - 0,00 - 0,00 5 4,00 125 100
Total 139 5,70 18 0,74 15 0,62 4 0,16 176 7,22 2435 100
122
Fonte: A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 76 .
Vê-se claramente pela Tabela V e pelo Gráfico I, que se o número de
dioceses era pequeno, a participação de clérigos na política, principalmente
nas três primeiras legislaturas parlamentares, foi significativo. Essa
tendência se manteve até 1837. Desta data até 1860, se registrou uma queda
—————————–
122
Números muito semelhantes são apresentado por Augustin Wernet. Ele também
faz uma análise a respeito da participação de padres paulistas na Câmara dos Deputados
e na Assembléia Legislativa Provincial. Em ambos os casos os números seguem a
tendência daqueles apresentados na Tabela V e no Gráfico I [A. WERNET, A Igreja
paulista no século XIX, 65-75].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 145

ascendente e depois o número de padres deputados se tornou insignificante,


até a proclamação da República. Estes três períodos correspondem a
momentos políticos diversos no Império. O primeiro se caracterizou pela
fundação e legitimação do Estado brasileiro, o qual buscou apoiar-se no
corpo burocrático da Igreja, utilizando o regalismo para forçá-la a aceitar
tal situação. O segundo momento correspondeu ao Regresso e à
Conciliação, no qual o Estado quis se fortalecer e se centralizar,
procurando colocar no comando das dioceses bispos defensores da ordem,
e buscando, junto à própria Igreja, afastar o clero da política. Por sua vez, o
terceiro período correspondeu ao fortalecimento do conflito entre a Igreja e
o Estado, ao aumento da demanda de representatividade política, ao
aumento das forças liberais e republicanas e ao período de decadência do
próprio regime monárquico como um todo123.
Após 1842, ao lado do interesse manifesto do Estado em favorecer um
clero disciplinado e apolítico, em vista da paz pública, também foram
realizadas reformas visando secularizar a burocracia estatal, principalmente
na parte referente às eleições. Soma-se ainda a reforma eclesiástica
colocada em pratica pelos bispos de tendência ultramontana que passaram a
assumir as dioceses a partir de 1844. Disso resultou que, a partir daquela
data o clero não só perdeu importância na política nacional como provocou
reações na Câmara, no sentido de inibir sua participação política124.
A reforma eleitoral de 1842, que acompanhou a política centralizadora,
foi em grande medida responsável pela queda da participação eclesiástica
na política. Ao dividir as atribuições burocráticas entre os párocos e
funcionários nomeados diretamente pelo Executivo, este passou a intervir
mais ostensivamente no processo eleitoral por meio do seu próprio corpo
burocrático125.
A partir de 1855, quando os liberais e conservadores já estavam se
revezando no poder, foi promulgada a lei eleitoral chamada Lei dos
Círculos Eleitorais, que introduziu a inelegibilidade de funcionários
públicos nas eleições legislativas nas áreas de sua jurisdição, o que
—————————–
123
Conclusões obtidas confrontando os dados da tabela V, a periodização
apresentada no início deste capítulo, mais a análise das tendências políticas do Segundo
Império também feitas nele. A conclusões semelhantes chegaram ainda José Murilo
Carvalho, Ana Marta Rodrigues Bastos e Augustin Wernet, cujas obras já foram aqui
citadas [ndr.].
124
A primeira lei neste sentido foi à reforma eleitoral feita com o decreto 157 de 4 de
maio de 1842. [Coleção das leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 155-161. Ver
também: J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 146 e A. M. R. BASTOS, Católicos e
Cidadãos, 91].
125
Coleção das leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 155-161.
146 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

provocou acentuada diminuição da sua representação, atingindo os


magistrados, os militares e o clero126. Desse momento em diante os
magistrados começaram a perder posições eletivas em relação aos
bacharéis, como se pode ver na Tabela VI:
Tabela VI
Deputados Gerais Por Ocupações e por Legislatura, 1823-1889 (%).
Ocupações Padres Magist. Militares Bacharéis Outros S/Ident. Total
Legislat. Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Ass. Const. 20 23,81 27 32,15 9 10,71 9 10,71 13 15,48 6 7,14 84 100
1823
1826-1829 24 24,00 26 26,00 10 10,00 14 14,00 18 18,00 8 8,00 100 100
1830-1833 15 15,00 30 30,00 13 13,00 12 12,00 18 18,00 12 12,00 100 100
1834-1837 24 23,07 24 23,07 14 13,47 15 14,42 19 18,27 8 7,00 104 100
1838-1841 13 12,88 38 37,62 10 9,90 18 17,82 17 16,83 5 4,95 101 100
1842 8 10,81 22 29,73 10 13,51 17 22,97 11 14,87 6 8,11 74 100
1843-1844 10 9,90 45 44,55 11 10,90 22 21,78 10 9,90 3 2,97 101 100
1845-1847 9 8,74 31 30,10 16 15,53 28 27,18 14 13,60 5 4,85 103 100
1848-1849 8 7,55 33 31,13 8 7,55 33 31,13 18 16,98 6 5,66 106 100
1850-1852 8 7,21 41 36,94 5 4,50 40 36,04 14 12,61 3 2,70 111 100
1853-1856 6 5,31 38 33,63 4 3,54 48 42,48 17 15,04 - 0,00 113 100
1857-1860 6 5,09 29 24,58 10 8,47 43 36,44 27 22,88 3 2,54 118 100
1861-1864 2 1,64 22 18,03 7 5,74 59 48,37 31 25,40 1 0,82 122 100
1864-1866 3 2,46 19 15,57 7 5,74 66 54,10 26 21,31 1 0,82 122 100
1867-1868 2 1,72 12 10,35 4 3,45 63 54,31 34 29,31 1 0,86 116 100
1869-1872 4 3,28 25 20,49 2 1,64 62 50,82 27 22,13 2 1,64 122 100
1872-1875 6 4,92 18 14,75 5 4,10 64 52,46 28 22,95 1 0,82 122 100
1878 2 1,63 12 9,84 3 2,46 73 59,84 32 26,23 - 0,00 122 100
1878-1881 - 0,00 10 8,20 2 1,64 81 66,39 29 23,77 - 0,00 122 100
1881-1884 - 0,00 6 4,92 1 0,82 84 68,85 31 25,41 - 0,00 122 100
1885 1 0,80 5 4,00 - 0,00 91 72,80 28 22,40 - 0,00 125 100
1886-1889 5 4,00 2 1,60 1 0,80 89 71,20 28 22,40 - 0,00 125 100
Total 176 7,23 515 21,15 152 6,24 1031 42,34 490 20,12 71 2,92 2435 100
Fonte: A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 89.
Ana Marta Rodrigues Bastos argumenta que o crescimento dos bacharéis
no parlamento era «uma clara expressão da democratização e do
crescimento da representação da sociedade civil» e que o Estado deveria
retirar seus quadros burocráticos se quisesse legitimar-se frente à «uma
sociedade mais complexa e cada vez mais exigente de participação»127.
Os militares também foram igualmente atingidos pela nova postura, pois
se tornaram inelegíveis pela Lei Eleitoral de 1846128. Já o clero, por meio
da liderança do episcopado ultramontano, passou a se preocupar mais com
—————————–
126
«Decreto n. 842 de 19 de Setembro de 1855», em Coleção das leis do Império do
Brasil, 1855, XVI, parte I, 49-52.
127
A. M. R. BASTOS; Católicos e Cidadãos, 91- 93.
128
«Lei 387, de 19 de agosto de 1846», em Coleção das Leis do Império do Brasil,
1846, VIII, parte I, 13-39.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 147

os assuntos internos e espirituais, posicionando-se politicamente em favor


de uma maior liberdade e autonomia da Igreja em relação ao poder
secular129. Elucidativo, neste particular, é a tabela VI, que fornece um
quadro complexivo das forças políticas de então.

2.3. As medidas governamentais e diocesanas


para inibir a atuação político-partidário dos sacerdotes.
O Governo não foi o único a desejar uma mudança de rota na postura do
clero; a bem da verdade, ele sequer foi o mais eficaz, considerando que em
relação ao ocorrido teve um peso significativo a ação simultânea dos bispos
ultramontanos como D. Antônio Ferreira Viçoso e D. Antônio Joaquim de
Mello. Antes, porém, de abordar a questão em si mesma, deve-se insistir
que as nomeações de bispos de tendência ultramontana, para importantes
dioceses como Mariana e São Paulo, foram decisivas para dar um novo
rumo à realidade eclesial no Brasil; o que logo se refletiu na participação
dos clérigos no parlamento130.
Se até a década de 1840, a atuação dos membros da hierarquia
eclesiástica (de modo particular o «baixo clero») dentro do processo
político foi intensa e importante131, principalmente nas eleições gerais132. A
—————————–
129
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 94.
130
São escassos os estudos existentes sobre a participação do clero no processo
eleitoral durante o Império. Destaca-se, nesse sentido, o estudo de A. M. R BASTOS,
intitulado: Católicos e Cidadãos, e o livro: O clero no Parlamento brasileiro, obra em
cinco volumes, publicada por iniciativa da Câmara dos Deputados de Brasília entre
1978 e 1980. A nível estadual pode-se encontrar uma pequena analise do clero paulista
na política em A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 65-75. Alguma informação
sobre este tema também pode ser encontrando em J. M. CARVALHO, A Construção da
Ordem [ndr.].
131
Algumas das funções designadas ao clero pelo Governo nas eleições gerais, como
a afixação dos editais com o número dos fogos nas portas das igrejas e a elaboração das
listas dos cidadãos ativos e domiciliados nas freguesias, não faziam parte das funções
religiosas. Ao executá-las, os párocos exerciam funções que seriam da competência do
poder público, porém, faziam-no por terem sido delegadas por lei. Funções como estas,
praticamente integrou o clero ao funcionalismo público imperial, já que tinham uma
delegação funcional secular a qual não podiam negar cumprimento por decisão legal.
Esta participação do clero no processo eleitoral ajuda a compreender a definição do
Conselho de Estado de que os párocos eram, no Império, empregados de natureza mista
civil e religiosa. [A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 49-50].
132
Enquanto a nível das eleições municipais, quase como um experimento para
aquela outra, se tentou criar logo um corpo burocrático civil. No tocante às eleições
municipais, em 15 de outubro 1827, foi instituído o cargo de Juiz de Paz e suplente em
cada uma das freguesias e capelas curadas, e com a Lei de 1 de outubro de 1828, se
148 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

tendência se inverteu no período sucessivo, quando a burocracia civil


passou a assumir funções antes realizadas pelos párocos, principalmente
naqueles serviços públicos de maior penetração e controle, tais como o
sistema eleitoral, o registro civil, os registros de terras, o controle dos
cemitérios e outros. Vale dizer: aos poucos o Estado foi adquirindo auto-
suficiência burocrática e administrativa, sem, entretanto, liberar a Igreja
para uma vida autônoma naquelas questões que a subordinavam a ele (a
questão financeira, as nomeações episcopais e outros cargos eclesiásticos,
enfim as relativas aos privilégios adquiridos com o padroado)133.
A legislação eleitoral logo sofreu os influxos da nova conjuntura, razão
pela qual ao ser instituído e aplicado o decreto 157, de 4 de maio de
1842134, provocou imediata queda no número de padres no Parlamento (ver
tabelas V e VI). Isso porque, as mudanças estabelecidas pelo referido
decreto foram decisivas. A primeira delas teve a ver com a participação dos
párocos no processo eleitoral, uma vez que foi criada uma Junta que tinha
por finalidade a organização da eleição e a definição dos eleitores, como se
pode verificar abaixo:
Art. 1º. Em cada Paróquia formar-se-á uma Junta composta do Juiz de Paz do
Distrito, em que estiver a Matriz, como Presidente; o Pároco, ou quem suas
vezes fizer; e de um Fiscal, que será o Subdelegado, que residir na Paróquia,
ou o imediato Suplente deste no seu impedimento. Não havendo, ou não
residindo na Paróquia Subdelegado, o Juiz de Paz, e o Pároco, nomearão o
Fiscal dentre os primeiros seis Suplentes do Juiz de Paz...135
O pároco continuava a participar da eleição, fazendo parte da junta de
qualificação do eleitorado, porém, sua participação se tornou secundária e
descartável, podendo ser substituído por outros «quem suas vezes fizer».

retirou a exclusividade do clero na elaboração das listas dos votantes, cuja atribuição
legal passou aos juízes de paz responsáveis por uma circunscrição às vezes menor do
que a paróquia. Era clara a intenção do legislador de pretender transferir algumas
atribuições do processo eleitoral aos juízes de paz, ainda mais com o decreto de 18 de
setembro de 1829, cujo artigo único estabeleceu que os párocos do Império não
poderiam acumular as funções de juiz de paz [«Lei de 15 de outubro de 1827», em
Coleção das leis do Império do Brasil, parte I, 67-70; «Lei de 1 de outubro de 1828»,
em Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 74-77; «Decreto de 18 de
setembro de 1829», em Coleção das leis do Império do Brasil, parte I, 7; M. R.
FERREIRA, A evolução do sistema eleitoral brasileiro, 160-161; A. M. R. BASTOS,
Católicos e Cidadãos, 47-48].
133
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, introdução, 12-13.
134
«Decreto 157 de 4 de Maio de 1842», em Coleção das Leis do Império do Brasil,
1842, V, parte II, 255-261.
135
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 255.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 149

No entanto, a importância que tinha aumentava nas paróquias onde não


houvesse subdelegados, pois nesse caso o terceiro integrante da mesa seria
escolhido por ele e pelo juiz de paz. A junta era, então, formada por três
cidadãos no exercício de função pública, sendo «um com mandado de
representação originária da sociedade civil – o juiz de paz; outro com
mandato originário do executivo – o subdelegado; e o representante neutro
– segundo o legislador e a opinião manifesta do Estado – o pároco»136.
Na verdade, o poder do Estado aumentou com a introdução do fiscal, que
era o subdelegado, nomeado diretamente pelo Poder Executivo, em
detrimento do poder dos potentados locais representados pelos juízes de
paz, escolhidos por meio de eleições, e pelos párocos, que em muitos casos,
longe de serem representantes neutros, representavam os interesses
próprios ou dos potentados locais aos quais muitas vezes pertenciam, ou
ainda, dos partidos aos quais eram inscritos. A função do subdelegado era a
de fiscalizar a qualificação e o processo eleitoral, assumindo poderes
especiais, como por exemplo, o de receber reclamações e recursos quanto à
composição das listas dos eleitores. O mais importante, porém, é que ele
podia, por iniciativa própria, apresentar denúncias junto ao ministro do
Império, contra os abusos e ilegalidades cometidas na formação das listas.
Assim se expressava o decreto:
Art. 11º. O fiscal deve, e os interessados podem, representar ao Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios do Império na Corte, e aos Presidentes nas
Províncias, contra os abusos e ilegalidades cometidas na formação das listas, e
suas alterações; afim de que se faça efetiva a responsabilidade dos que a
tiverem137.
Enquanto anteriormente os párocos detinham o monopólio das
informações pertencentes à qualificação dos votantes (listas dos votantes,
eleitores e dos fogos), agora outros funcionários participavam deste
procedimento, mesmo sem fazerem parte da junta de qualificação:
Art. 5º. Para a formação destas listas, os Párocos, Juízes de Paz, Inspetores de
Quarteirão, Coletores ou Administradores de Rendas, Delegados e
Subdelegados e quaisquer outros Empregados Públicos, devem ministrar à
Junta todos os esclarecimentos que lhes forem pedidos...138

—————————–
136
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 255 e A. M. R. BASTOS,
Católicos e Cidadãos, 55.
137
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 257.
138
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 256.
150 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Capítulo II do decreto de 1842, era referente à formação da mesa


paroquial e a entrega das cédulas, sendo que, também aqui o pároco perdeu
importância,
Art. 12º. No dia marcado para a reunião da Assembléia Paroquial, o Juiz de
Paz do Distrito, em que estiver a Matriz, com o seu Escrivão, o Pároco ou
quem suas vezes fizer, se dirigirão à Igreja Matriz, de cujo corpo e Capela-
Mor se farão duas divisões, uma para os votantes, e outra para a Mesa139.
A mudança residia na formação da mesa, pois pela Lei de 26 de março
de 1824, o juiz de fora ou o ordinário e mais o pároco propunham à massa
do povo reunido na igreja dois cidadãos para secretários da mesa e dois
para escrutinadores. Na nova lei, secretário e escrutinadores seriam eleitos
entre 16 eleitores de 2º grau previamente sorteados. Estava formada a mesa
provisória: juiz de paz, pároco, dois secretários e dois escrutinadores. A
função desta mesa provisória seria unicamente eleger a mesa que
procederia aos trabalhos da eleição. A eleição seria por escrutínio secreto e
a pluralidade dos votos se escolheria dois secretários e dois escrutinadores
dentre os cidadãos presentes, ou que pudessem comparecer dentro de uma
hora, como definia o art. 15 do Capítulo II. A esta mesa paroquial
competia, de acordo com o art. 16º:
§ 1º. Reconhecer a identidade dos votantes;
§ 2º Receber as cédulas, numerá-las e apurá-las;
§ 3º Requisitar à Autoridade competente as mediadas necessárias para manter
a ordem na Assembléia, e fazer observar o Decreto140.
Segundo Manuel Rodrigues Ferreira, o principal objetivo da reforma
eleitoral promulgada pela Lei de 4 de maio de 1842, foi moralizar as
eleições e aperfeiçoar o sistema, principalmente depois das escandalosas
eleições sob o gabinete liberal da maioridade, conhecida como «Eleições
do Cacete». Esta eleição se tornara inclusive um dos motivos da dissolução
antecipada da Câmara pelos conservadores, quando voltaram ao poder.
Neste intuito instituiu-se o alistamento prévio, ex officio, determinou
medidas para a eleição das mesas e proibiu o voto por procuração141. A
importância da Mesa era tanta que assim se referia a ela José de Alencar:
«quem tem a mesa, tem a eleição»142.

—————————–
139
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 257.
140
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, 258.
141
M. R. FERREIRA, A Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro, 175.
142
J. ALENCAR, Sistema representativo, 136.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 151

A Lei 387, de 19 de agosto de 1846, veio completar o alijamento do


clero do processo eleitoral. Pela primeira vez, o pároco deixou de fazer
parte da Mesa Paroquial, à qual competia o reconhecimento da identidade
dos votantes, seria no máximo ouvido, em caso de dúvida, juntamente com
o testemunho do juiz de paz ou de cidadãos eminentes, como definia o art.
46:
Art. 46. Compete a Mesa Paroquial o seguinte:
§ 1º. O reconhecimento da identidade dos votantes, podendo ouvir, em caso de
dúvida, o testemunho do Juiz de Paz, do Pároco, ou de Cidadãos em seu
conceito abonados.
§ 2º. A apuração dos votos dos votantes, e a expedição dos Diplomas aos
Eleitores.
§ 3º. A decisão de quaisquer dúvidas, que suscitem acerca do processo
eleitoral, na parte que lhe é cometida.
§ 4º. Coadjuvar o Presidente na manutenção da ordem, na forma desta Lei.
As decisões da Mesa serão tomadas por maioria, votando em primeiro lugar o
Presidente143.
Ao pároco passou a competir somente o reconhecimento do votante em
caso de dúvida, já que não existia títulos eleitorais ou qualquer outro
documento de identidade. Com esta lei ele já não era mais um membro nato
nem da junta de qualificação e nem da mesa eleitoral. O pároco torna-se
dispensável ao processo eleitoral, instituindo uma secularização burocrática
do referido processo. Para a formação da lista dos votantes era instituído
(Titulo I – Capitulo I, II e III), uma Junta de Qualificação presidida pelo
Juiz de Paz, responsável por fazer uma lista anual dos eleitores paroquiais e
afixá-la na Igreja Matriz por trinta dias, e julgando qualquer reclamação
referente a ela. Seriam consultados para a formação das listas,
Art. 31º. Para a formação das listas de qualificação, os Párocos, Juízes de Paz,
Delegados, Subdelegados, Inspetores de Quarteirão, Coletores, e
Administradores de Renda, e quaisquer outros Empregados Públicos devem
ministrar a Junta os esclarecimentos, que lhes forem pedidos, procedendo para
os satisfazerem até as diligências especiais, se forem precisas144.
Apesar das igrejas continuarem a ser o único lugar onde eram afixadas as
Listas de Qualificação, no caso dos editais das eleições ela perdeu a
exclusividade e outros locais passaram a ser indicados. Quanto a isso o Art.
4º dizia: «Um mês antes do dia marcado para a formação da Junta, o
Presidente convocará nominalmente, por Editais afixados nos lugares
—————————–
143
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1846, VIII, parte I, 22.
144
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1846, VIII, parte I, 19.
152 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

públicos pela imprensa, onde houver»145. Essa lei foi feita por um gabinete
liberal e dava mais poder ao juiz de paz e as elites locais, ao contrário da de
1842, porém continuava na linha da secularização estatal, o pároco já não
mais possuía influência direta sobre o processo eleitoral146.
Depois da reforma de 1846, faltava somente um reforma para livrar a
Igreja do fardo da responsabilidade eleitoral, acabar com a profanação dos
seus templos, onde eram realizadas as eleições, sendo por muitas vezes
palco de violências, blasfêmias e corrupção. Tal mudança veio com o
decreto 3029, de 9 de janeiro de 1881, que foi regulamentado por outro, o
decreto 8.213, de 13 de agosto de 1881, e ficou conhecido como Lei
Saraiva ou Lei do Censo147.
Esta reforma aboliu o sistema de eleições indiretas. Pode-se notar que os
últimos passos para a total secularização do processo eleitoral já aparecem
no art. 15 §2º: «São dispensadas as cerimônias e a leitura das leis e
regulamentos, que deviam preceder aos trabalhos eleitorais»148. Enquanto
no mesmo artigo §6º deixava somente para o último caso a utilização das
igrejas como locais de eleições: «O Governo, na Corte, e os Presidentes,
nas províncias, designarão com a precisa antecedências os edifícios em que
deverão fazer-se as eleições. Só em falta absoluta de outros edifícios
poderão ser designados para esse fim os templos religiosos»149.
A secularização eleitoral, a mudança nos direitos de elegibilidade e
principalmente a reforma eclesiástica realizada pelos bispos ultramontanos
que predominaram a partir de 1844, foram responsáveis pela diminuição do
número de clérigos no parlamento brasileiro. Porém, como observa Ana
Marta Rodrigues Bastos, no período em que vigoraram decretos eleitorais
que atribuíram grande parte do controle e da responsabilidade das eleições
de primeiro grau ao clero, foi também o período em que, ao nível da
representação política, a presença dos padres no Parlamento foi mais
significativa. Simultaneamente a perda de controle de um setor verificou-se
a mesma tendência no outro150.

—————————–
145
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1846, VIII, parte I, 14.
146
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 59.
147
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1881, XLIV, vol. II, parte II, 854-916.
148
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1881, XXVIII, parte I – XLIV, parte II,
vol. I, 14.
149
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1881, XXVIII, parte I – XLIV, parte II,
vol. I, 14.
150
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 71.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 153

2.3.1. O direito de elegibilidade do clero


As leis de elegibilidade do clero contribuíram, obviamente, para o seu
gradual afastamento da política partidária. De acordo com o artigo 92 da
Constituição imperial de 1824, que definiu os que seriam excluídos de
votar nas assembléias paroquiais, no seu inciso I excluía do voto: «Os
menores de vinte e cinco anos, nos quais não se compreendem os casados,
e Oficiais Militares, que forem maiores de vinte e um anos, os Bacharéis
Formados, e Clérigo de Ordens Sacras»151.
À primeira vista a classe clerical parecia ter uma vantagem: poder votar
mesmo sendo menor de 25 anos. Porém, no inciso IV do mesmo artigo,
sofreram a primeira restrição ao serem excluídos de votar nas assembléias
paroquiais: «os religiosos, e quaisquer, que vivam em comunidade
claustral». Somente o clero secular tinha o direito de voto nas eleições
paroquiais, pois os regulares eram todos excluídos, ainda que se tratassem
das chamadas «ordens brasileiras», sem superiores residentes no
estrangeiro (franciscanos alcantarinos, beneditinos, mercedários e
carmelitas). O mesmo se diga dos demais religiosos, como os capuchinhos,
os lazaristas e todos os membros das novas congregações estabelecidas
durante o Segundo Império152.
Segundo João Camilo de Oliveira Torres, o intuito declarado pelos
legisladores, numa análise geral das restrições, era aquele de resguardar a
independência do eleitor, pois se entendia que um indivíduo sujeito ao voto
de obediência, como era o caso dos regulares, não seria totalmente livre
para exercer o direito de voto, sendo esta mesma lógica usada para com os
militares153.
Ana Marta Rodrigues, oferece uma contra-argumentação que é a
seguinte: ao mesmo tempo em que o clero regular tinha maior grau de
dependência em relação aos seus superiores imediatos de ordem, por outro
lado, tinha maior grau de autonomia com relação ao Estado, uma vez que
tais religiosos eram mantidos por suas ordens, não sendo remunerados
diretamente pelo poder público, como era o caso do clero secular154.
O clero regular tinha, potencialmente, um maior grau de organização,
independência e disciplina, enquanto o clero secular sofria a falta de

—————————–
151
«Constituição de 1824», em Coleção das leis do Império do Brasil, 1824, parte I,
19.
152
«Constituição de 1824», em Coleção das leis do Império do Brasil, 1824, parte I,
19.
153
J. C. O. TORRES, A Democracia Coroada, 284.
154
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 72.
154 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

organização central e de coordenação, ficando mais a mercê dos partidos


políticos. Foi esse um dos motivos porque os regulares se tornaram alvos
preferenciais de perseguições em vários países. Em relação ao clero
secular, esta falta de organização e união começou a se modificar somente
nas últimas décadas do Império, quando os bispos reformadores já haviam
conseguido estabelecer certo grau de controle e autoridade sobre seus
clérigos e devido ao afastamento dos párocos do processo eleitoral pelo
poder civil, ou seja, pela secularização da burocracia estatal155.
A renda foi outra restrição imposta na qualificação dos votantes em
geral, uma vez que o inciso V, do art. 92, dizia que eram excluídos do voto
nas assembléias paroquiais «os que não tiverem de renda líquida anual cem
mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou Empregos»156. O clero,
pela lógica do Estado imperial, era um empregado misto, sendo «pago»
pelo Estado e exercendo também funções que eram puramente civis.
Pertencia, portanto, aos quadros da Igreja e também à classe de empregados
públicos e, caso seus membros tivessem renda líquida anual de cem mil
réis, ficariam habilitados a votar. Tudo indica que os párocos recebiam uma
quantia superior a cem mil réis, mesmo assim, em 1827, a côngrua que
recebiam foi uniformizada em 200 mil réis. Isso aconteceu graças a uma
indicação do Arcebispo da Bahia ao parlamento brasileiro, posteriormente
aprovada na sessão de 24 de agosto de 1827157.
Deste modo se estendeu a todos os párocos o direito de votar nas
Assembléias paroquiais, ou seja, nas eleições de primeiro grau, enquanto
aos regulares não era dado o direito de votar em nenhum grau das eleições,
já que não o tinham no primeiro. O art. 94, que definiu quem não poderia
ser eleitor e votante para deputados, senadores e membros dos conselhos de
província, no seu inciso I, dizia: «Os que não tivessem de renda líquida
anual duzentos mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou
emprego»158. Prossegue o art. 95, definindo que:

—————————–
155
T. BRUNEAU, O Catolicismo brasileiro em época de transição, 43. Deve-se
salientar que, curiosamente, os praças de pré (militares sem patente), também sujeitos à
obediência, só foram excluídos do voto pela lei de 1846, depois do período das
inúmeras rebeliões regenciais em que a participação da tropa foi bastante significativa.
[A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 72 nota 3].
156
«Constituição de 1824», em Coleção das leis do Império do Brasil, 1824, parte I,
19.
157
Anais do Parlamento Brasileiro, 1827, IV, Sessão em 8 de agosto de 1827, 74;
ID., V, Sessão de 24 em agosto de 1827, 14.
158
«Constituição de 1824», em Coleção das leis do Império do Brasil, 1824, parte I,
19.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 155

Todos os que podem ser Eleitores, são hábeis para serem nomeados
deputados. Excetuam-se:
I. Os que não tiverem quatrocentos mil-réis de renda líquida, na forma dos
arts. 92 e 94 [...]
III. Os que não professam a religião do Estado159.
Se a remuneração percebida pelo clero era suficiente para torná-lo eleitor
de primeiro e segundo grau, não bastava para torná-lo apto para exercer o
cargo de deputado, já que a renda mínima para se eleger era de 400 mil-réis
anuais. Porém, ao observar a tabela V se vê que em 1826 o clero elegeu
24% dos deputados da primeira Legislatura, sendo que destes apenas 6%
pertenciam a alta hierarquia eclesiástica, com côngruas superiores a
200$000, o que significa que 18% dos padres não possuíam renda legal e
foram eleitos. A explicação para isso poderia ser que estes 18% possuíam
bens de raiz, de indústria, comércio ou finanças, ou ainda podiam ser filhos
de proprietários, o que leva a crer que os padres deputados deveriam
pertencer a famílias de posses ou estarem envolvidos com a indústria e o
comércio. Isto explicaria o elevado número de clérigos nas primeiras
legislaturas do Império. Outra possibilidade, porém menos plausível, seria
a de declararem as benesses, como por exemplos os emolumentos, como
renda160.
Em 1857, este problema foi resolvido, quando pelo art. 29, §3º, da lei nº
939, de 26 de setembro daquele ano, o Governo autorizou a igualar as
côngruas dos párocos colados (empossados) do Império a 600$000
anual161. Esta medida, no entanto, não aumentou o número de clérigos no
parlamento, muito pelo contrário, a tendência era a diminuição, isto porque
os tempos eram diferentes em relação ao Primeiro Império e a Regência.
As leis eleitorais não mais favoreciam o clero e os bispos começavam a se
opor cada vez mais à participação direta dos padres em política162.
Para ser senador era ainda mais complicado, pois a exigência
constitucional era de 800$000, colocando uma distância muito maior entre
os salários do clero e a possibilidade de elegibilidade. Por todo o Período
Imperial se elegeram 16 clérigos ao Senado, mas somente um pertencia à
alta hierarquia da Igreja, sendo ele o bispo do Rio de Janeiro D. José
Caetano da Silva Coutinho, que recebia uma côngrua maior do que
—————————–
159
«Constituição de 1824», em Coleção das leis do Império do Brasil, 1824, parte I,
20.
160
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 75-78.
161
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1857, XVIII, parte I, 51.
162
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 142-143; A. M. R. BASTOS, Católicos e
Cidadãos, 79.
156 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

800$000. Este fato fortalece a evidência do envolvimento do clero


parlamentar em negócios de «indústria e o comercio»163.
Em 1875, um decreto legislativo, eliminou a comprovação da renda dos
clérigos declarando que tinham renda legal reconhecida, o que ampliou sua
possibilidade de elegibilidade164. Com a reforma eleitoral de 1881, a Lei
Saraiva, no art. 4º, I e IV, foram considerados como tendo renda legal,
independente de prova: os bispos e os clérigos de ordens sacras, o que
novamente confirmava ser o clero isento de provar sua renda165.
Se bem que estas duas medidas legais, teoricamente, permitissem
ampliar a representação política do clero, elas não foram adotadas com esta
intenção. Tratava-se apenas de poupar trabalho, formalizando algo que já
acontecia na prática166.
A confirmação de que o interesse dos legisladores não era aumentar a
participação dos membros da hierarquia eclesiástica no parlamento veio por
meio de outro artigo do decreto de 20 de outubro de 1875, que restringiu
ainda mais a participação política dos ministros da Igreja. Até então as
inabilitações atingiam todo o clero regular e membros de comunidades
claustrais, mas passou com este decreto a atingir também outros cargos
eclesiásticos no seio do clero secular. Assim se expressa o art. 3º do decreto
n. 2675:
Art. 3º. Não poderão ser votados para Deputados a Assembléia Geral
Legislativa os Bispos, nas suas dioceses; e para membros das Assembléias
Legislativas Provinciais, Deputados a Assembléia Geral ou Senadores, nas
Províncias em que exercerem jurisdição: [...]
II. Os Vigários Capitulares, Governadores de bispado, Vigário Gerais,
Provisores e Vigários Forâneos167.

—————————–
163
J. M. CARVALHO, A Construção da Ordem, 142-143; A. M. R. BASTOS, Católicos e
Cidadãos, 79.
164
«Decreto n. 2675 de 20 de Outubro de 1875, Art. 1º, §4º, n. 7», em Coleção das
leis do Império do Brasil, 1875, XXIV, vol. I, parte I, 158.
165
«Lei Saraiva, Decreto n. 3029 de 9 de janeiro de 1881», em Coleção das leis do
Império do Brasil, XVII, vol. I, parte I, 3.
166
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 80-81.
167
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1875, XXIV, vol. I, parte I, 171.
«Vigários capitulares» eram aqueles sacerdotes que ocupam uma diocese vaga antes da
nomeação do novo bispo, enquanto que «governadores de bispado» são padres
nomeados pelos bispos em caso de impedimento destes. «Vigários gerais» são
auxiliares dos bispos; principais colaboradores da organização diocesana, muitas vezes
dotados do título honorífico de «monsenhores», ao passo que «vigários provisores» são
auxiliares setoriais dos bispos. Por sua vez, «vigários forâneos», também chamados
«vigários episcopais», são os padres que estão incumbidos de coordenar a pastoral de
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 157

Analisando a intenção dos legisladores desde a apresentação do projeto


de lei por João Alfredo Correia de Oliveira (1835-1915), passando pelo
parecer da Comissão Especial, até o decreto ser aprovado, percebe-se que
se queria impedir que o funcionalismo público usasse de sua influência
oficial para fazer-se eleger no distrito de sua jurisdição. Outro motivo, ou
seria melhor dizer temor, em relação ao clero e aos militares, era a
possibilidade de se constituírem em um poder corporativo concorrente aos
partidos políticos, já que anteriormente o clero se confundia nos partidos,
sem aspirações próprias, enquanto nas últimas décadas do Império, estando
mais organizado devido à reforma ultramontana, corria-se o risco que eles
constituíssem um poder corporativo paralelo. A reforma eleitoral de 1881,
com decreto nº 3029 de 9 de janeiro, não alterou a questão das
incompatibilidades do clero. Da mesma forma que em 1875, em 1881 os
párocos não foram atingidos pela proibição, no entanto, em relação aos
bispos, em suas dioceses, além de se manter a determinação de impedi-los
de se elegerem deputados, os vetaram também de se elegerem senadores e
membros das Assembléias Legislativas Provinciais. Veja-se o que diz o
decreto no art. 11:
Art. 11. Não podem ser votados para Senador, Deputados à Assembléia
Legislativa Geral ou membros da Assembléia Legislativa Provinciais: [...]
II. Na Corte e nas províncias em que exercerem autoridade ou jurisdição: [...]
Os bispos em suas dioceses; [...]
Os curadores gerais de órfãos;
Os desembargadores de relações eclesiásticas;
Os vigários capitulares;
Os governadores de bispado;
Os vigários gerais, provisores e vigários forâneos168.
Ao lado das alterações eleitorais, foram os bispos os principais
protagonistas das mudanças acontecidas no comportamento do clero,
merecendo uma análise a parte.

alguma sub-região da diocese; em geral também são párocos [A. M. R. BASTOS,


Católicos e Cidadãos, 81].
168
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1881, parte I, XXVIII, vol. I, 11-12.
Curadores gerais de órfãos: empregados meio eclesiásticos meio civil; procuradores dos
órfãos constituídos ou nomeados por uma autoridade civil, eram padres. [A. M. R.
BASTOS, Católicos e Cidadãos, 83].
158 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

2.3.2. A nova postura dos bispos


em relação à participação político partidária do clero
A opção imperial, vista em precedência, de indicar clérigos
ultramontanos para as jurisdições diocesanas, não tardou a produzir efeito.
D. Antônio Ferreira Viçoso, primeiro bispo dessa escola nomeado durante
o Segundo Império, já na primeira Carta Pastoral que emitiu, escrita logo
após sua sagração no Rio de Janeiro, em 5 de maio de 1844, deixou claro
qual era a opinião que tinha a respeito da política partidária e manifestou-a
a todos os seus diocesanos:
A vós todos, nossos amados Filhos em Jesus Cristo, ovelhas que o mesmo
Senhor tem entregue aos nossos cuidados, a vós todos saudamos, desejando-
vos paz, caridade, mutuo sofrimento, mais cuidado dos bens eternos, mais
abstrações dos bens enganosos deste mundo, e que vos não deixeis iludir do
demônio, em uma tentação mui comum nos nossos tempos, e vem a ser: um
excessivo cuidado, empenho e interesse em partidos políticos: um veemente
desejo de suplantar os de diversos sentimentos, e subir aos postos elevados
pisando sobre a ruína de seus adversários. Acaso temos nós o dom a inerrância
[sic.], ou o dote da infalibilidade? [...] Tem sido esta uma nova invenção de
malicia, de que o demônio tem, anos há, tirado tanto fruto, e causado tantas
perturbações169.
D. Viçoso não deixava dúvida sobre sua posição em relação a um
excessivo interesse e empenho dos diocesanos em relação à política
partidária, ou seja, uma tentação com a qual o demônio os queria iludir e
por meio da qual vinha causando tantas perturbações. Se assim escrevia aos
diocesanos em geral, pode-se já ter uma idéia sobre quão grande poderia
ser sua oposição à participação político-partidária do seu clero. Este
assunto ele trataria em outra pastoral, de 25 de abril de 1851, na qual
chamava a atenção dos padres que usavam o púlpito para fazer política.
Segundo Silvério Gomes Pimenta, testemunho do episcopado de D. Viçoso
e seu principal biógrafo, o bispo «censurou certos pregadores, que se
valiam do púlpito para incentivar contra seus adversários em política, abuso
que o prelado flagela com apostólica energia»170.
Nesta Carta Pastoral as instruções do prelado eram claras: do mesmo
modo que a Igreja não se deveria embaraçar nas «diversas formas de
governo adotados pelos diversos povos» os ministros da Igreja deveriam
—————————–
169
«Primeira Carta Pastoral de D. Antônio Ferreira Viçoso», em S. G. PIMENTA, Vida
de Antônio Ferreira Viçoso, 79.
170
«Pastoral de 25 de Abril de 1851», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 206.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 159

servir a toda população sem fazer distinção de partidos políticos e se


mantendo, no trato com os fieis, alheios a opiniões políticas e aos partidos,
quaisquer que fossem as opiniões pessoais de cada um. Neste sentido
qualquer sacerdote que transformasse o púlpito em tribuna eleitoral, ou dele
fizessem críticas políticas ou aos negócios públicos, estaria
comprometendo «os augustos interesses da religião». Se caso o clero não
escutasse esta exortação, o bispo seria forçado a «lançar mão de outras
armas da Igreja». O clero deveria pregar a paz e o respeito entre as
diferentes opiniões políticas e não se posicionar de um lado, trazendo sobre
si a oposição e o ódio do outro lado. Das palavras de D. Viçoso é dedutível
que ele esteve atento em corrigir seu clero neste aspecto também durante as
suas visitas pastorais. Eram palavras textuais suas:
Um outro motivo nos obriga também a dirigir-nos aos Rds. Párocos da nossa
Diocese. Consta que alguns deles têm abusado do Púlpito, para nele
invectivarem contra o partido que lhes é oposto, e até se animam a falar do
mesmo lugar contra uma ou outra lei, que não é da sua aprovação. Certamente
que é este um abuso temerário, e uma profanação intolerável. A estes diremos
como o atual Sr. Arcebispo de Paris: «A Igreja não se embaraça de modo
algum com as diversas formas do governo adotadas pelos diferentes povos,
como as mais apropriadas aos seus costumes e as suas necessidades»; também
nós, ministros de Deus no exercício das nossas sagradas funções, devemos não
fazer seleção de pessoa alguma, mostrar-nos igualmente dedicados aos nossos
semelhantes, sempre prontos para sacrificar a própria vida por todos eles sem
distinção de opiniões nem de partidos políticos. Para isso é mister que em
nosso trato com os fieis nos conservemos alheios a essas opiniões, a esses
partidos, quaisquer que aliás sejam nossas convicções e nossas simpatias. O
Sacerdote que na prédica da palavra divina, esquecendo-se do respeito devido
à cadeira cristã, a transformasse em tribuna, ou somente fizesse alusões mais
ou menos diretas aos negócios públicos, e aqueles que neles tomam parte, esse
teria comprometido os augustos interesses da religião.
Recomendamos a todos os Rds. Oradores, que se aproveitem do muito que
há que dizer nesses discursos, sobre as qualidades dos eleitores, sobre a
liberdade dos votos, sobre a invocação das luzes do Divino Espírito, sobre as
doçuras da paz, e mil coisas, que Deus lhes inspirará, no que lhes
encarregamos sua consciência; na certeza de que, se esta nossa exortação não
for ouvida, seremos obrigados a lançar mão das outras armas da Igreja.
Concluiremos dizendo a todos os Sacerdotes: Ministros do Senhor, está em
vosso poder aplacar os ânimos exaltados, e teimosos, por meio de vossas
vozes e exemplo. Vencendo com os partidistas de um lado, chamais o ódio do
outro lado: que triste vitória! E como podereis então conduzi-las aos pastos
saudáveis do Evangelho? Todo o que lê estas nossas expressões, e as olha
como declamações oratórias, e as não toma muito a letra, e em lugar de se
160 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

entregar ao estudo, à meditação de seus deveres, se dá de todo as intrigas e


cabalas de partidos, poderá vencer, e conseguir seus intentos; mas conhecerá
na hora da morte que se deixou vencer de suas paixões, e provavelmente sem
remédio. Os Rvds. Párocos e Capelães Curas lerão esta a Missa Conventual171.
D. Viçoso, ao longo de sua pregação, tinha presenciado várias vezes as
conseqüências que poderiam derivar da exaltação dos ânimos partidários,
sendo mesmo vítima a província de Minas Gerais de uma sedição em 1842,
que derramou muito sangue entre a sua população. Logo depois de se
sentar na cadeira episcopal teve uma amostra da violência que poderia
nascer das disputas eleitorais e, principalmente, qual constrangimento
levava ao interior dos próprios templos católicos, aonde vinham afixados os
editais das eleições e eram realizadas as votações. Em Baependi, no ano de
1844, a exaltação dos partidos causou confusão e conflitos armados que
ensangüentaram as eleições causando ferimentos e a morte de um cidadão
as portas da igreja paroquial. Este acontecimento não escapou aos olhos do
prelado, motivando-o a escrever imediatamente à população daquela vila e,
logo depois, a toda diocese, para alertá-la dos perigos do extremismo
partidário. Redigiu então uma Carta Pastoral em 22 de agosto de 1844, na
qual, depois de explicar a todos os diocesanos o teor da carta enviada a
população de Baependi, descrevia o que lá ocorrera:
A obrigação, que nos impõe o Nosso Ofício Pastoral, nos impele a
comunicar-vos as Letras, que dirigimos a Nossos Irmãos da Vila de Baependi,
que são de teor seguinte. – D. Antônio etc. A todos os nossos Diocesanos da
Vila de Baependi paz, concórdia, e caridade Cristã. Somos sabedores da
sacrílega catástrofe acontecida no lugar sagrado, junto à porta da vossa Igreja
Paroquial, a 4 do corrente mês de Agosto. Houve ferimentos de muitos, e
seguiu-se a morte de um de vosso Cidadão. Seriam essas armas empregadas
para defesa da Casa de Deus, ou para obstar algum sacrílego, que a quisesse
profanar? Não; porque a Igreja de Deus não se defende ao modo dos
acampamentos. O motivo de tantas desordens foi unicamente a fixação de um
papel, que continha a lista de Cidadão ativos e elegíveis. Não nos pertence
julgar da justiça ou injustiça de tal fixação; mas o que nos provoca as lágrimas
diante do Todo Poderoso, e nos faz levantar a voz no meio do vosso congresso
é o fermento que corrompe no vosso coração os sentimentos de humanidade e
Religião, o ódio, digo, que domina mutuamente em metade de nossos Irmãos
contra outra metade. Este ódio é o que vos faz romper nestes excessos. Junto
às portas da Casa de Deus, aonde está a fonte, que vos lavou da mancha
original, aonde os tribunais da Penitencia, que vos reconciliam com Deus,
—————————–
171
«Pastoral de 25 de Abril de 1851», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 206-207.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 161

aonde outro Calvário, em que se sacrifica todos os dias pela vossa salvação o
Cordeiro imaculado, na presença de Jesus Cristo que de dentro estava vendo
esta cena sanguinária, manchastes com o sangue de vossos Irmãos a terra, que
cobre os ossos de muitos, que ainda se hão de ver vivos e bem-aventurados no
Céu. É preciso ter perdido a fé, e extinto a caridade, para chegar por motivos
tais, a tais excessos, e em tal lugar!172
Esta primeira parte da pastoral é muito interessante por ilustrar a
realidade social das eleições, enriquecendo a análise da situação legislativa
feita precedentemente. D. Viçoso esclarecia que não lhe competia «julgar
da justiça ou injustiça» da fixação das listas eleitorais nas igrejas paroquiais
e condenava categórico os excessos que produziram ódio entre os partidos
envolvidos nas eleições, cuja violência resultara na violação do templo
católico com o derramamento de sangue entre «irmãos» num lugar sagrado.
Com base no ocorrido ele preanunciava crimes ainda mais terríveis nos
pleitos que se realizariam em setembro daquele ano:
Eis ai as funestas e escandalosas conseqüências de partidos exaltados.
Prepondera na mente de cada um o seu parecer; só ele é reto e justo;
infringem-se todas as leis humanas e Divinas; pospõem-se todos os ditames da
razão; a experiência não nos serve de documento; e a religião, que é a âncora
da nossa esperança, está vilipendiada, e espezinhada. Se estas são as vésperas
do próximo Setembro, quantas dessas cenas se repetirão nesse mês, que fará
tristíssima época nos nossos anais, se não abrirmos os olhos à verdade e
desengano! Eis ai pois a Casa de Deus fechada: o Senhor não quer presenciar
tão sacrílegas profanações. Esperavam as leis, que o lugar vos contivesse, e
por isso destinaram as Igrejas para o ato das eleições; mas se o lugar sagrado
vos não contem, nem a presença dos objetos religiosos, qual será o êxito desta
luta!173
D. Viçoso afirmava que a intenção dos legisladores, quando
estabeleceram as Igrejas como locais para a afixação de editais e a
realização das eleições, era conter as violências, mas que a iniciativa não
surtira resultado até aquele momento em vários localidades do Império e
nem o faria em outras eleições posteriores. Continuava sua pastoral
pregando a paz, a concórdia e caridade cristã, além de admoestar que cada
um respeitasse a opinião alheia sem querer impor a própria:

—————————–
172
«Pastoral de 22 de Agosto de 1844», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 208-209.
173
«Pastoral de 22 de Agosto de 1844», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 209.
162 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Pregamos incessantemente a paz, a concórdia, a caridade Cristã; porquanto


vemos com evidência, que os partidos exaltados são opostos à razão, à
Religião e à experiência; mas depois de tudo isto, vemos que preferis uma vida
cheia de mutuas vinganças, ora pisando, ora sendo pisados uns dos outros.
Será felicidade para a Nação, que metade viva em ódio de outra metade? Não
será verdade o que Jesus Cristo diz – que um Reino dividido contra si mesmo
será assolado, e que cairá nele casa sobre casa? Deixai que cada um abunde
em seus sentimentos, e que pense, como melhor lhe parecer; nem queirais
obrigar os outros a que a força se conformem com vosso modo de pensar.
Que resta, Irmãos muito amados? Que resta? Senão que pesando nossas
palavras, que Deus sabe não procederão senão zelo do vosso verdadeiro
interesse eterno e temporal, à vista de tão funesta experiência, mudeis de
sentimentos exaltados; edifiqueis quanto desedificastes, e entreis em
sentimentos de paz, e caridade: sois homens e não feras, sois Cristãos e não
gentios. Começai a desagravar a ira de Deus. Regai com lágrimas de
compunção a terra santa, que regastes com o sangue de vossos Irmãos. Não
entreis no Santuário de Deus da paz, em quanto conservais sentimentos de
guerra: temei que as paredes e o teto desfechem sobre vós, e vos esmaguem174.
Após apresentar o conteúdo de sua carta enviada aos cidadãos de
Baependi, o bispo prevenia o restante dos seus diocesanos para que fatos
como esse não viessem a ocorrer em outras paróquias nas eleições que se
aproximavam, evidenciando quão grave era profanar um templo católico.
Afirmava que aconteceriam fatos ainda piores do que aquele se não fossem
respeitadas as autoridades constituídas e os lugares santos:
A vista dos acontecimentos de Baependi, Caríssimos Irmãos que nos resta,
senão fazer-vos observar os funestos efeitos da desunião, e da intolerância de
opiniões opostas? Permitiu talvez Nosso Senhor estas desordens naquela Vila,
para dela tirardes muitos bens. Em todos os lugares acontecerá o mesmo ou
ainda pior, se não cessa a efervescência das paixões, se não há mais respeito e
obediência às leis e as autoridades constituídas, e sobre tudo aos lugares
santos, e a quem nele mora. Fomentam-se e conservam-se sempre em
progresso os ódios em casa, e nos círculos, e não escolhemos outro lugar
senão a Casa de Deus para sua explosão. Nunca Nosso Senhor se mostrou tão
zeloso da honra de seu Pai, como quando viu a sua Casa profanada; lançou
então mão do azorrague, e a força expeliu com ignomínia os delinqüentes;
agora mesmo, assim como seu braço se não tem encurtado na Misericórdia,
também se não tem abreviado na Justiça. Entrai no Templo do Senhor para
vossos atos civis, como as leis determinam, mas enchei-vos de respeito e
temor seu Santuário, tendo deposto antes de entrar os ódios e as paixões
—————————–
174
«Pastoral de 22 de Agosto de 1844», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 209-210.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 163

exacerbadas. Proceder de um modo contrário é prova não equivoca de ímpia


irrisão dos lugares e objetos sagrados, desmedida estimação da vossa
ilustração e modos exclusivos de pensar, e nenhum crédito e confiança na
Providência de Deus. Diz-vos isto aquele, que tem de dar contas ao mesmo
Senhor, se vos não falar a linguagem da verdade e da Religião, se vos advertir
antecipadamente dos perigos iminentes aos que vertiginosamente se deixam
cegar das paixões e dos ódios, se vos não recolher a todos como filhos
queridos em seu coração, chamando-vos à paz em todos os atos de vida
individual e pública, sem a qual as forças se não podem unir, nem correr à
pública felicidade e salvação175.
Terminava sua pastoral chamando a atenção do clero, para que os padres
fossem conciliadores. Mas, sete anos depois, escreveria outra pastoral ao
clero, que ao invés de conciliar continuava a se envolver nas disputas
partidárias:
Mas vós, os Ministros do Senhor, e que tanto podeis influir nos sentimentos e
ações de nossos Irmãos, portai-vos a maneira de um amoroso pai, que quando
vê lutar seus queridos filhos, corre a apartá-los, e conciliá-los, sem prestar
muita atenção a seus arrazoados, por isso que os considera dominados da
paixão176.
Não era somente por meio de pastorais que chamava a atenção do seu
clero em relação à política partidária. Também por meio de cartas privadas
insistia sobre isso, como demonstram as duas missivas abaixo:
Mariana, 24 de maio de 1864.
Meu Padre Vigário,
Com mágoa em nosso coração paternal, soubemos que V. Revma. está se
intrometendo em política. O Pároco político é a peste do seu rebanho. Reze o
seu Breviário, estude as cerimônias da Igreja, e procure a Deus deveras, não
nas confusas reuniões dos homens, mas sim no recolhimento e no retiro.
Ainda uma vez, repito: O Pároco político é a peste do seu rebanho[...]177
Mariana, 13 de fevereiro de 1874.
Muito prezado Sr. Vigário.
Quando eu lhe estranho o seguir partidos políticos com excesso, V. Mercê
se humilha, e eu fico satisfeito. Contudo, continua a obrar como dantes. Há um
mês que, desejando por essa Freguesia em paz, considerei o meio de compor

—————————–
175
«Pastoral de 22 de Agosto de 1844», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 210-211.
176
«Pastoral de 22 de Agosto de 1844», em S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira
Viçoso, 211.
177
B. J. SILVA NETO, Dom Viçoso, apóstolo de Minas, 195.
164 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

esse povo e pacificar essa Freguesia, escolhendo todos, de um e de outro


partido, os festeiros que deverão dirigir o mês mariano. Passaram-se semana, e
V. Mercê com a loucura dos partidos. Nada faz do que lhe ordenei. Está à
espera das vésperas de maio, para quando não houver, mais tempo de preparar
a festa. Forte teima sua!
Meu padre, não há vigário que não tenha o seu partido ou liberal ou
cascudo, ou lá o que cada um quiser, nem eu me importo com isso, nem por
isso pergunto. Tenha cada um perfeita liberdade, e siga o que quiser, contando
que seja católico e não maçom; mas V. Mercê é exceção aos meios que lhe
ordenei como quem deseja a paz e a concórdia.
Se isso assim continua, fique certo que o vou suspender do Ofício, e o
participo imediatamente ao Governo. Rogo-lhe por Deus que não me obrigue a
dar este passo, que em consciência devo dar.
Parece-me que em todo o Bispado é V. Mercê o que mais cuidado me dá
com o seu partido exacerbado. Deus lhe valha, [...]178
D. Antônio Joaquim de Mello (1791-1861), bispo de São Paulo,
tampouco desejava ver os padres de sua jurisdição diocesana envolvidos
em política partidária, por entender que isso os desvirtuaria da função
pastoral que deviam exercer. Em 22 de agosto de 1852, poucos dias depois
de ter fixado residência em sua sede diocesana, expediu uma carta pastoral
publicando a primeira parte de um Regulamento ao clero paulista. O
prelado definia quais regras os presbíteros deveriam seguir em relação ao
vestuário, aos espetáculos públicos e divertimentos, a reverência ao Santo
Sacrifício, à caça, ao comércio e, no ponto que tratava dos atos que
desmoralizavam o clero, assim se manifestava sobre a atuação partidária:
Nada tem mais desmoralizado o Clero, depois que pela forma do nosso
Governo, é necessário haver partidos, do que sua influência em eleições. É voz
geral, que se apartem os sacerdotes de cabalas eleitorais. Nós temos sido
testemunha do odioso, que sobre eles tem recaído por sua malvada influência.
Desde que o sacerdote é influente, uma maldição se entranha até seus ossos;
sua voz é um metal. Sua missão fica sem efeito saudável. Mandamos,
portanto, que dado o seu voto para onde os levar sua simpatia, ou consciência,
nenhum outro passo dêem, deixando aos mortos enterrar seus mortos.
Os nossos Rvds. Vigários devem com todo zelo vigiar sobre o cumprimento
deste mandamento, e sabendo por três testemunhas contestes, que um Padre
trabalha em eleições deve ouvi-lo e suspendê-lo, se não se justificar179.

—————————–
178
B. J. SILVA NETO, Dom Viçoso, apóstolo de Minas,194.
179
«Regulamento ao Clero», em E. G. FONTOURA, Vida do Exmo. e Rev.mo. senhor
D. Antonio J. de Mello, 74.80.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 165

Ele era taxativo: ou se apartavam da política partidária ou seriam


suspensos. Também se preocupou com as profanações dos templos por
ocasião das eleições. Por isso regulou como se deveria preparar a igreja
antes das eleições, como fez, por exemplo, na Vila da Cunha, onde sugeriu
que após a Missa do Espírito Santo, que precedia as votações, se tirasse o
Santíssimo Sacramento e todas as imagens sacras para outro lugar
conveniente e só depois do fim das eleições voltassem aos seus devidos
lugares180.
Numa carta pastoral em que avisava da sua primeira visita pastoral,
datada de 19 de agosto de 1853, dirigindo-se àqueles fieis que se
lamentavam da desmoralização do clero, advertia-os sobre suas próprias
culpas em tal situação: «Vós nos seduzis para entrarmos em cabalas
eleitorais; lisonjeais nosso préstimo; nos insuflais o negro espírito de
partido; nos chamais para vossas câmaras e para piores empregos que
cessão todo o espírito eclesiástico»181.
D. Antônio Joaquim de Mello ainda voltou ao tema por ocasião da Carta
Pastoral que escreveu anunciando a sua terceira visita pastoral, em 5 de
junho de 1857. Dessa vez dizia claramente quais eram os males que
poderiam resultar do envolvimento dos párocos com os influentes locais:
Só a caridade, só a justiça vos devem guiar, e não vinganças, ódios pessoais
e paixões de partido. Os principais influentes dos lugares querem o Pároco
como manivela de seus interesses; o chamam para o mundo; e se ele se não
escraviza, começa a experimentar sua oposição.
O Pároco que desposa os interesses transitórios do mundo é um traidor a
Jesus Cristo, e é um lobo, e não Pastor: e tomando parte e influência na
política jamais será útil, embora casto e anjo182.
Em 9 de novembro de 1856, por ocasião da inauguração do Seminário
diocesano de São Paulo, que se pode considerar a maior das obras de D.
Antônio de Mello, o reitor do estabelecimento, o fr. capuchinho francês
Eugênio de Rumelly, fez um discurso em que demonstrava, em relação à
política, de forma nítida a separação do comportamento entre o antigo clero
que se queria reformar ou substituir e o que deveria ser o novo clero, que se

—————————–
180
P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 137.
181
A. J. DE MELLO, «Carta Pastoral em que o exmo bispo avisa seus diocesanos de
sua primeira e próxima visita», em E. G. FONTOURA, Vida do Exmo. e Rev.mo senhor D.
Antonio J. de Mello, 155.
182
A. J. DE MELLO, «Carta Pastoral em que o exmo bispo avisa seus diocesanos de
sua terceira visita do bispado», em E. G. FONTOURA, Vida do Exmo. e Rev.mo senhor D.
Antonio J. de Mello, 262.
166 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

formaria naquele estabelecimento. A citação é longa, sem deixar de ser


amena, devido ao dom oratório de seu autor:
Mas, Senhores, se é ao sacerdote, que compete dirigir os povos no trilho das
virtudes sociais, e mesmo das verdades políticas, importa-lhe sumamente que
ele saiba preencher tão alta missão; diversamente vê-lo-íamos prevalecer-se
dela para realizar na sociedade projetos desastrosos, formados pela paixão, e
nutridos na ignorância. Conviria lembrar-vos as provas porque tiveram de
passar ao sair do berço esta jovem Nação, e seu digníssimo Príncipe? De quem
partia principalmente esse espírito de anarquia social; esses acessos de febre
revolucionária, que indicaram nele um estado vizinho da morte? A história
conservará o seu nome para lembrar à posteridade o perigo em que pôs vossas
liberdades, e vossa grandeza nacional; para dizer-lhe o que pode o
esquecimento dos deveres, quando esta unido a um pouco de gênio, e
sobretudo ao caráter sacerdotal. Sim, ela lerá com dor e compaixão essas cenas
trágicas, as vezes burlescas, em que viu-se o sacerdote de Jesus Cristo, o
ministro de caridade e de paz figurar no meio dos homens de sangue, cobrindo
sua coroa de honra com a cimeira do soldado, e cravando no coração de seus
irmãos uma espada duas vezes fratricida. Sim, e lendo a narração de seus
atentados, o abuso monstruoso, que fez da sua influência, a posteridade dirá:
ele foi traidor a Deus e a Pátria. Quando pelo contrário o sacerdote se
compenetrar fortemente da doutrina da autoridade, obediência e amor de seu
Divino Mestre; quando souber imitar os seus exemplos de paciência e de zelo,
longe de coadjuvar os fautores de revoluções, ele trabalhará com Deus, que
abomina a desordem, e sempre para o bem da sociedade. Digo que trabalhará
com Deus, porque a doutrina evangélica não é senão a expressão na ordem
moral das leis invariáveis que presidem a material. Digo mais que ele guiará a
sociedade pelo único caminho, que pode conduzi-la a uma verdadeira
prosperidade, porque a prosperidade é também um resultado da economia
evangélica, como as flores e frutas o da economia terrestre [...] Daí tudo o que
é contrário à ordem, e harmonia social, é um atentado contra a sociedade,
contra Deus; toda a desobediência à autoridade é uma desobediência à lei
eterna do Criador; toda a revolta é um crime contra os homens e contra Deus
[...] vem a ser, propriamente falando, que ele deve colocar-se fora de toda a
seita, de tudo o que se chama partido político, e não combater, senão sob
bandeira da Cruz, e nunca guerrear os homens, que são seus irmãos, porém só
seus erros e vícios. Deve-os amar, os alumiar, os advertir; numa palavra, ele
deve aplicar-se unicamente, e antes de tudo, em compreender e ajudar a divina
Providencia no governo do mundo183.

—————————–
183
E. DE RUMELLY, «Discurso pronunciado por ocasião da abertura solene do
Seminário episcopal de S. Paulo no dia 9 de novembro de 1858», em E. G. FONTOURA,
Vida do Exmo. e Rev.mo senhor D. Antonio J. de Mello, 224-226.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 167

D. Antônio de Macedo Costa (1830-1891), poucos anos após sua


nomeação também se preocupou em combater o mal do último resquício
das leis eleitorais que envolviam a Igreja em seu processo: a realização de
eleições no interior dos templos. Neste sentido, em 1863, expediu uma
portaria aos Párocos instruindo como se deveriam comportar no período de
eleições:
Portaria aos Reverendíssimos Párocos da Diocese ordenando algumas
providencias para obviar as irreverências nas Igrejas durante os dias das
eleições.
Sendo rigoroso dever do Cargo Pastoral velar no decoro da Casa de Deus e
salvar, quanto possível, de todas as profanações e irreverências os mistérios
Santos da Religião, e considerando quanto tem sido desacatado o
Augustíssimo Sacramento dos nossos Altares, na maior parte das Igrejas do
Império do Brasil, por ocasião das eleições populares que uma lei funesta
ordena se façam dentro do recinto dos Templos; não podemos deixar de tomar
algumas medidas para a nossa Diocese remediarmos, quando pudermos, a este
grande mal, enquanto o católico e ilustrado Governo de Sua Majestade o
Imperador não abolir esta lei, condenada já por toda opinião católica do país e
contra a qual reclamou energicamente o episcopado pelo órgão de seu ínclito
Metropolita, D. Romualdo, de saudosa memória.
Eis aqui, pois, as providências que, depois de haver implorado o auxílio de
Céu, julgamos dever tomar para as próximas eleições.
1º – Devem os Revds. Párocos, no Domingo antecedente e sobre tudo na
ocasião da Missa do Espírito Santo, exortar vivamente a todos os seus
paroquianos a guardarem o mais profundo respeito à Casa de Deus, que é casa
de Oração (Marc. XI, 17), e não casa de dissipação e de tumulto; clamem e
tornem a clamar que esse lugar é terrível, que ele é verdadeiramente a morada
do Senhor e a porta do Céu (Genes. XXVIII, 17); que não devemos entrar nele
senão com uma santa compunção lembrando-nos da Majestade invisível que aí
reside na plenitude de suas divindade corporalmente (Colos. II, 9); que se
respeita a casa dos grandes, e se é inviolável o asilo de qualquer cidadão,
quanto mais respeitável e digno de toda a veneração não deve ser o Santuário
de Deus vivo, onde os próprios Anjos assistem trêmulos, velando com suas
asas os rostos na atitude da mais profunda adoração! (Eseq. I, 13); que se o
templo da lei antiga, o qual não era mais que a sombra dos nossos, tanto
respeito inspirava ao povo de Deus, quanto mais as nossas Igrejas católicas,
onde está habitualmente presente Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, tão
real e perfeitamente como esta no Céu, que as próprias nações idolatras
respeitavam seus templos e não os profanavam jamais com disputas e
altercações profanas; que no templo só faziam os atos relativos ao culto, e
deixavam para o foro os discursos dos tribunos e as agitações tumultuosas da
política. Clamem e tornem a clamar que um país não se torna grande e
168 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

policiado senão com a condição de respeitar a Deus e a Religião, base


fundamental de todo o edifício social. Que todos procurem por sua parte
atenuar os inconvenientes dessa lei, procedendo no templo com o maior
acatamento, não perturbando o silêncio que ai deve reinar com falas
descompostas e alterações indecentes; que tudo se faça com calma e na melhor
ordem, e que não tenhamos de deplorar tantas irreverências e faltas de respeito
que costumam desgraçadamente ter lugar nos sagrados recintos durante a
vertigem eleitoral; que, no caso de não se ouvir a voz da Religião e o dever, as
maiores calamidades cairão sobre o Brasil, porque a paciência de Deus se há
de cansar e ele não deixará de punir com todo o rigor da sua justiça essas
horrendas profanações que se fazem à sombra da lei, no meio de um povo
profundamente católico e em um Império que se gloria com tanta razão com o
belo nome de império da Santa Cruz.
2º – Na véspera da eleição, transportarão os Revds. Párocos o Santíssimo
Sacramento das Matrizes para uma Capela mais próxima, e de modo algum
deixarão na Igreja este adorável Sacramento, para não expô-lo as irreverências
e desrespeitos, infelizmente quase invitáveis nas circunstâncias atuais.
3º – Se não houver na povoação Capela para onde se possa transportar o
Santíssimo Sacramento, os Revds. Párocos o porão na Sacristia em altar
descentemente ornado, fechada a toda comunicação com o interior do Templo.
4º – Acabada a eleição se tornará a trazer com toda a solenidade o
Augustíssimo Sacramento para o seu altar e se farão durante três dias preces
públicas em desagravo dos insultos e irreverências que recebe Nosso Senhor
em tantas Igrejas do Brasil durante a quadra calamitosa das eleições.
5º – Estas preces consistirão na Ladainha de todos os Santos com as
competentes orações; depois Sub tuum presidium com o verseto e oração de
Nossa Senhora, Tantum ergo, seguido do competente versículo e oração,
terminando tudo com a benção do Santíssimo Sacramento dada em silêncio,
com a Pixide. E, para que chegue ao conhecimento de todos, Ordenamos que a
presente seja lida no púlpito pelos Revds Párocos no Domingo que preceder a
eleição e no ato da Missa do espírito Santo, e registrada no conveniente livro.
Cidade de Cametá, em visita Pastoral, aos 11 de Junho de 1863184.
D. Antônio de Macedo Costa, em 1866, por meio de um ofício enviado
ao Ministro do Império, cinco anos depois de tomar posse como prelado da
diocese de Belém do Pará, indicava quais medidas seriam importantes para
reformar o clero e se lamentava da utilização dos templos como locais para
realização de eleições:
Os templos segundo a doutrina do Cristianismo são lugares santos,
exclusivamente consagrados ao culto da Divindade. […] Quanto se desdiz de
tudo isto a funesta prática introduzida entre nós da lei que falamos? Ah! Sr.
—————————–
184
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 44-46.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 169

Ministro, sinto-me estremecer até o mais profundo de minha alma ao lembrar-


me as horrendas profanações e desacatos que se reproduzem, à sombra da lei,
a cada reunião dos comícios eleitorais. Aquele entrar dissipado de uma
numerosa multidão pelo templo sagrado, com idéias, sentimentos e paixões
inteiramente alheias à religião, como se fora o lugar santo um bazar ou praça
pública; aquele estrondar confuso de falas, de reclamações, de gargalhadas, de
insultos grosseiros, de palavras obscenas, quebrando o silêncio augusto do
Santuário; aquele afrontar a presença do Deus da Verdade com tantos manejos
fraudulentos, praticados escandalosamente à vista e face de todo o mundo, no
meio das vociferações e imprecações do partido contrário; aquele referver de
ódios violentos que estão flamejando nos olhos, rebentando nos gestos,
atroando em ameaças e gritos descompostos; aquele ficar aberto o augusto
recinto a noite inteira, muitas noites consecutivas para que o povo soberano
possa valer a urna, que então se mostra rodeada de velas acesas, como um
ídolo, no meio do Santuário, e os grupos dos patriotas a passearem pela nave,
a fumarem, a conversarem, a rirem estrepitosamente, fazendo-se ceatas e
orgias, cujos restos imundos alastram no outro dia o pavimento sagrado! […]
Não, no Brasil não se respeita a casa de Deus. […] Mas não é só a santidade
dos templos que é violada; a religião toda é comprometida. Do desrespeito das
igrejas, Sr. Ministro, se passa, por uma transição insensível, ao desrespeito dos
mistérios que aí se celebram. O desacato do lugar sagrado andou sempre
vinculado à decadência da religião em todos os povos. […] Não, Ex.mo Sr.,
nossas igrejas não podem continuar a ser assim profanadas. O braço da divina
justiça pesaria sobre nossa cara pátria. […] Modifique-se essa lei. […] Ouça o
Governo o clamor dos bispos. O Episcopado é unânime a reclamar contra esta
praxe funestíssima. […] Não, é impossível que fiquemos sempre nestas
horríveis torturas. Tempo é já, Ex.mo Sr. caberá a V. Ex.a e aos eminentes
caracteres cívicos que se acham a frente dos negócios públicos, a glória de
abrir, com a abolição de tão funesta lei, uma nova era para a Religião no
Brasil185.
Apesar do protesto do bispo, que gradualmente assumia uma informal
liderança no episcopado brasileiro, a legislação vigente só foi modificada
em 1881, com a Lei Saraiva, mesmo assim sem excluir as Igrejas como
recinto para as eleições, as utilizando em «falta absoluta de outros
edifícios»186.

—————————–
185
A. MACEDO COSTA, Ofício de S. Ex.a Rev.ma, o Sr. Bispo do Pará, ao Ex.mo Sr.
Ministro do Império, indicando várias medidas importantes, 12-19.
186
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1881, XXVIII, parte I – XLIV, parte II
vol. I, 14.
170 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

3. A ingerência governativa na administração da Igreja e


as reações dos prelados: as bases de um conflito.
Uma das principais prerrogativas do padroado era a apresentação para os
cargos eclesiásticos. Se tratando dos bispos, o Governo brasileiro as
considerava verdadeiras nomeações imperiais. O Imperador escolhia o
sacerdote que segundo ele, seus conselheiros e os ministros, era o mais
indicado para governar uma sede episcopal e o nomeava. Caso o sacerdote
aceitasse, entrava em cena a diplomacia pontifícia por meio do seu
represente no Brasil, responsável em comunicar as nomeações a Cúria e a
elaboração do processo canônico, no qual se analisaria se o indicado
possuía todas as características necessárias para ocupar uma cadeira
episcopal. Ao Papa restava o direito de confirmar ou não a nomeação
Imperial, o que segundo o Governo era uma simples formalidade. No
entanto, como se viu no capítulo precedente, não o era, pois a Santa Sé
demonstrou, no caso da nomeação do pe. Moura para bispo do Rio de
Janeiro, que não confirmaria aqueles sacerdotes que não preenchessem os
requisitos desejados por ela, e o principal deles era a ortodoxia. Este
acontecimento provavelmente levou o Governo do Segundo Império a ser
mais cauteloso com os sacerdotes que indicaria para as sedes episcopais,
inclusive, para não desestabilizar a autoridade e legitimidade do próprio
sistema político187.
É importante ressaltar que também a criação ou divisão das dioceses
partia do Governo Imperial, pois era ele quem as propunha e a Santa Sé
confirmava por meio de uma bula, depois de haver nomeado um executor
para averiguar se as exigências feitas nas bulas seriam aceitas e
implementadas pelo requerente. Desse mecanismo de criação de dioceses,
resultou uma incisiva crise entre a Santa Sé e o Governo na década de
1850, por ocasião da criação das dioceses de Diamantina e Ceará, como
será visto posteriormente neste estudo. Durante o Segundo Império foram
criadas três dioceses: Rio Grande do Sul, Diamantina e Ceará, elevando a
doze o seu numero em todo Império, a saber: Salvador, Pará, Maranhão,
Pernambuco, Goiás, Cuiabá, Mariana, São Paulo, Rio de Janeiro188. No
Mapa I, na próxima página, se pode ter uma idéia da divisão eclesiástica do
Segundo Império:
—————————–
187
Ver capítulo e subtítulos anteriores. Mylena Mitaini Calazans afirma que para o
padroado a confirmação papal era uma simples formalidade. [M. M. CALAZANS, A
missão de monsenhor Francesco Spolverini, 47].
188
Sobre o processo de criação de dioceses já foi visto anteriormente a criação do
bispado do Rio Grande do Sul. Posteriormente será analisada a criação das dioceses de
Diamantina e Ceará, bem como a crise que disso resultou [ndr.].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 171

Mapa I

I- Pará
II- Maranhão
III- Ceará
IV- Pernambuco
V- Salvador
VI- Diamantina
VII- Mariana
VIII- Rio de Janeiro
IX- São Paulo
X- Goiás
XI- Cuiabá
XII- Rio Grande do Sul

Fonte: C. M. Almeida, Atlas do Império do Brasil, II A.


A intervenção do Estado não parava por aí: ela se estendia à criação e
divisão de paróquias, muitas vezes sem sequer consultar os prelados. Isto
porque a paróquia era a circunscrição administrativa mais importante no
sistema eleitoral brasileiro, dado que as eleições eram realizadas nas
matrizes. A paróquia era realmente a célula-mater da vida civil, política e
religiosa. Tal situação, somada à importância do clero no processo eleitoral
até 1846, tornava o cargo de pároco eminentemente político e os partidos
tentavam controlar os concursos para as paróquias, pois um vigário colado,
que era inamovível, tendo influência sobre as consciências, quando era
membro declarado de um partido, constituía-se numa figura fundamental
nas eleições189.
—————————–
189
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 69-70. O vigário não colado ou
encomendado, não era concursado pelo Governo e sim nomeado pelo bispo nas
paróquias por ele criadas, e recebia do mesmo bispo a sua sustentação.
Conseqüentemente sua situação era diferente daquela do pároco colado [ndr.].
172 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Ato Adicional atribuiu às Assembléias Legislativas Provinciais, o


direito de criar, extinguir, reunir e dividir freguesias190. Esta decisão,
porém, causou resistência e reclamações por parte dos bispos e até mesmo
por parte da Santa Sé, que não aceitava nem mesmo que o Governo
Imperial criasse paróquias audito Episcopo, pois defendia que fossem os
bispos que as deveriam criar audito Gobernio191.
D. fr. João da Purificação Marques Perdigão (1779-1864), bispo de
Pernambuco, opôs-se fortemente, a partir de 1843, à criação e divisão de
paróquias por parte da Assembléia Provincial do Ceará, nascendo a partir
daí vários conflitos entre os dois poderes, chegando mesmo a se pedir, em
1850, a intervenção da Câmara dos Deputados no sentido de tomar
providências para evitar tais querelas, que começavam a aparecer também
em outras dioceses192.
Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai (1807-1866),
defendia que a instituição das paróquias fosse da competência dos bispos,
argumentando que os governos provinciais deveriam ouvir as autoridades
eclesiásticas antes de dispor sobre o assunto, mas que de qualquer modo
não seria nula a alteração feita à revelia da Igreja193. Assim se refere o
Visconde às divisões e instituições das paróquias:
Uma grande parte, senão a maior parte dessas divisões não é feita por
conveniência do serviço divino, mas sim para satisfazer exigências de
influências locais, das quais se esperam votos nas eleições para que hajam
mais eleitores, mais oficiais da Guarda Nacional, mais Juízes de Paz e mais
subdelegados194.
Continua dizendo que se um grupo político quer assegurar a sua
dominação e enfraquecer o adversário,
—————————–
190
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1834, parte I, 17.
191
Por ocasião do decreto n. 798 de 16 de setembro de 1854, que criou uma nova
freguesia na corte, tirada das de Santa Anna, Sacramento e S. José, dando-lhe o
Governo nome e marcando-lhe território, ouvido o bispo diocesano, o Internúncio
Mons. Marino Marini escreveu um ofício em termos fortes contra o regalismo imperial
ao mesmo tempo em que enviava uma cópia do decreto. Dizia ele que: «Il governo in
una parola fa da Padrone, e i Vescovi come suoi servitori umilissimi ne eseguiscono
fedelmente i comandi. Se al principio i Vescovi avessero opposto una giusta, prudente e
ferma resistenza il Governo non avrebbe tanto abusato del suo podere fino a
considerare la Chiesa come un ramo di amministrazione civile. A questo proposito dirò
che il Governo dispensa il titolo di Canonico onorario come dispensa le croci di
Cavaliere» [AES, Br., Officio, 14 de outubro de 1854, Fasc. 169, pos. 97, f. 68r-69r].
192
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 8 de agosto de 1850, IV, 461.
193
V. URUGUAI, Ensaio sobre o direito administrativo, 1, 58-59.
194
V. URUGUAI, Ensaio sobre o direito administrativo, 1, 58-59.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 173

Convém-lhe adquirir uma freguesia com cujos votos conta, e passar para um
município ou freguesia vizinha, indivíduos com cujo auxílio se avantaja. Se na
nova Assembléia prepondera outra opinião, desfaz ela tudo quanto a outra
fizera [...] As influências eleitorais fazem e desfazem divisões, segundo suas
alianças [...] dividem, subdividem [...] conforme lhes vai melhor seus cálculos
eleitorais195.
A apresentação aos benefícios também era um direito do padroado, ou
seja, o direito de apresentar párocos, cônegos e algumas outras autoridades
eclesiásticas dentro da estrutura hierárquica sob a autoridade episcopal.
Sobre este direito, assim se exprimia Cândido Mendes de Almeida:
A nomeação, ou melhor, a apresentação dos Bispos e Beneplaciados
Eclesiásticos, é um dos privilégios do Padroeiro, o principal fruto do
Padroado, e que muitas vezes existe sem aquele direito. A apresentação não é
uma verdadeira nomeação por quanto o apresentado pode ser recusado pelo
Pontífice e pelo Bispo. É um direito que nunca se poderia chamar de
majestático, visto estar sujeito à fiscalização e exame de outro Poder; nem
podia ser delegado da nação, por quanto ela não possuía tal direito como coisa
própria para transferir ou delegar, segundo a doutrina constitucional vigente
[grifos do original]196.
Esta, porém, era a opinião de um jurisconsulto ultramontano e não
correspondia ao entendimento que o Governo possuía sobre o assunto.
Mais exatamente: a apresentação aos benefícios era outro dos mecanismos
de controle que o Estado exercia sobre a Igreja, interferindo na escolha de
candidatos para privilegiar os que representassem os seus interesses.
Também neste ponto é possível notar algumas incongruências do sistema,
pois muitas vezes influíam em tais escolhas interesses particulares e
favorecimentos alheios ao interesse do bem público. O controle do Estado
sobre o clero se impunha ainda por meio das côngruas, concessões de
licenças, da organização político-eleitoral, da burocracia censitária, com a
elaboração de leis que lhes davam obrigações civis197.
Para a escolha de um beneficiário, a prática comum durante o Segundo
Império era que o bispo propusesse entre os concorrentes os três que
considerasse os mais dignos. Em seguida deveria enviar, junto com uma
descrição dos méritos e deméritos de cada um, os seus nomes ao Imperador
para que este apresentasse um deles ao bispo, que terminaria o processo
com a colação do apresentado, dando-lhe os poderes espirituais. Este
—————————–
195
V. URUGUAI, Ensaio sobre o direito administrativo, 1,58-59.
196
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 275-276.
197
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 68.
174 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

mecanismo de nomeação beneficiária se desenvolveu na legislação luso-


brasileira a partir do alvará de 14 de abril de 1781, que definiu que seriam
propostos pelos bispos três sacerdotes que fossem julgados «mais dignos»
dentre todos os concorrentes:
Eu a Rainha, como Governadora, e perpétua Administradora que sou, do
Mestrado, Cavalaria, e Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo [...] Hei por bem
e Me praz conceder-vos [...] para que as Dignidades, Conezias, Vigárias,
Benefícios curados, e sem cura, e mais cargos Eclesiástico desse vosso
Bispado, cuja apresentação me compete, sejam sempre providos nos sujeitos
mais dignos, e que melhor possam servir a Igreja, instruir e edificar os Fieis
com as suas doutrinas, e exemplos [...] propor-me [...] os Clérigos vossos
Diocesanos, que [...] vos parecem mais idôneos [exceto o Arcediago que é
primeira dignidade] [...] findo que sejam o termo dos editais, ser-me-ão por
vós propostos para ele três Opositores, que entre todos os concorrentes
julgardes mais dignos pelas circunstâncias da sua naturalidade, nascimento,
suficiência de letras, vida, costumes, e serviços feitos a Igreja, fazendo-me,
vós, presente nas vossas Propostas, todas e cada uma das ditas circunstâncias,
de que se acham revestidos e graduando-os em primeiro, segundo e terceiro198.
O alvará citado se fundamentava nas prerrogativas recebidas pelo Grão
Mestrado da Ordem de Cristo; mas, o direito de nomear benefícios foi
instituído civilmente pela Constituição do Império, Título 5º, Capítulo 2º,
artigo 102, parágrafo 2º. Já o procedimento da lista tríplice foi confirmado
pela Lei de 22 de setembro de 1828, que extinguiu os tribunais das Mesas
do Desembargador do Paço e da Consciência e Ordens. No art. 2º regulava
a expedição pelas autoridades dos negócios dos extintos tribunais que
continuariam subsistindo. No §11º do mesmo artigo se definia: «Ao
Governo compete expedir, pelas Secretarias de Estado, a que pertencer, e
na conformidade das leis, o seguinte: [...] Carta de apresentação de
benefícios eclesiásticos sobre respostas dos Prelados, na forma até aqui
praticada»199.
A esta regra de proposta e apresentação de benefícios escapavam
somente três casos: 1º – as dignidades da capela imperial200, 2º – a primeira

—————————–
198
«Alvará de 14 de abril de 1781», em C. M. ALMEIDA, Direito civil eclesiástico
brasileiro, I, parte 3, 1181-1187; SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de
Estado Pleno, Ata 2 de outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-
1857), 220.226.
199
Coleção das leis do Império do Brasil, 1828, parte I, 46-49.
200
«Carta Régia de 25 de agosto de 1808», Coleção das Leis do Brasil, 1808, 109-
110.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 175

dignidade dos outros cabidos201; 3º – na falta de propostas depois de seis


meses da abertura de concurso202. Nestes casos as dignidades eram
nomeadas diretamente pelo Imperador, podendo no terceiro caso abrir novo
concurso. Todos os outros, dos párocos colados aos canonicatos dos
cabidos, a nomeação era feita por meio da forma tradicional: proposta do
prelado de três sacerdotes mais dignos, apresentação do Imperador daquele
por ele escolhido e colação do mesmo pelo bispo. A Lei da Regência de 14
de junho de 1831, atribuiu aos Presidentes de província a apresentação de
benefícios eclesiásticos, conforme o seu art. 18203. No entanto, a Lei de
Interpretação do Ato Adicional retirou das províncias tal direito, já que o
Padroado era delegação do Imperador204.
A intervenção estatal também estava presente nas concessões de licenças
aos párocos, e tal prática era igualmente aplicada pelas instituições
provinciais. O mesmo se quis impor aos bispos com um aviso de 24 de
janeiro de 1866, que comunicava a resolução do Conselho de Estado na
qual se declarava que os prelados diocesanos deveriam ser considerados
empregados públicos e que não poderiam deixar suas dioceses sem licença
do Governo imperial, sob pena de ser declarada sé vaga. O bispo D.
Manuel do Rego Medeiros (1830-1866) de Pernambuco não aceitou a
qualificação de funcionário público e muito menos a imposição de se pedir
licença para o Governo para deixar sua diocese, argumentado que o
Concílio Tridentino lhe permitia afastar-se até três meses por ano. Neste
sentido escreveu ao Internúncio Mons. Sanguini e aos demais prelados,
pedindo-lhes que tomassem posição. Os bispos do Pará, Goiás, Ceará e do
Rio Grande do Sul aderiram plenamente à posição do seu colega
pernambucano205.
D. Macedo Costa, bispo do Pará, chegou mesmo a escrever um protesto
em 20 de julho de 1866, que publicou no Jornal Oficial do Império,

—————————–
201
SENADO FEDERAL, «Alvará de 14 de abril de 1781 e Resolução Imperial de 6 de
outubro de 1825» em Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de outubro
de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 226.
202
SENADO FEDERAL, «Alvará de 14 de abril de 1781» em Atas de Consulta do
Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-
1850 a 20-2-1857), 226.
203
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1831, parte I, 22.
204
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1840, III, parte I, 5-7.
205
ASV, NAB, Carta de D. Manuel de Medeiros ao Internúncio Sanguini, Cx. 42,
fasc. 193, f. 4b.
176 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

referindo-se a esta e outras questões de intervencionismo estatal nos


negócios eclesiásticos206.
Todos estes mecanismos de ingerência do Estado na ambiência
eclesiástica provocaram, naturalmente, reações tanto da Santa Sé quanto
dos bispos diocesanos. Antecipando o conflito de grandes proporções que
eclodiria mais tarde, dois episódios se tornaram ilustrativos da tensão que
paulatinamente crescia: o chamado «Caso Roussin», envolvendo o bispo de
Mariana D. Antônio Ferreira Viçoso e o Governo; e a querela que se
instalou entre o prelado de São Paulo D. Antônio Joaquim de Mello e seu
cabido. Este último, teve proporções tais, que acabou por influenciar
diretamente a promulgação de um decreto que fortaleceu a autoridade dos
bispos brasileiros, concedendo-lhes o direito de suspenderem seu clero ex
informata conscientia.

3.1. O caso Roussin


D. Antônio Ferreira Viçoso foi um prelado integralmente ultramontano,
que não titubeou em desafiar o sistema político brasileiro em defesa da
Igreja. Um dos casos mais rumorosos em que pôde demonstrar seu
prestígio e coragem foi o do pe. José de Sousa e Silva Roussin, vigário
coadjutor de Sabará e diretor de colégio. Este padre vivia amasiado e tinha,
com o conhecimento de todos, uma filha. Segundo Silvério Gomes
Pimenta, o imputado era «um sacerdote de bastante instrução, de caráter
dominador, gênio altivo, tenaz em levar por diante o que uma vez
resolvera, e de costumes notoriamente escandalosos». Segundo D. Viçoso
ele chegava a levar sua filha quando menina «por sua mão, às procissões,
vestida de anjo, com público escândalo da cidade»207.
O vigário geral de Mariana fez a D. Viçoso o seguinte relato sobre
Roussin:
Os seus escândalos e destampatórios cada vez mais se aumentam, não
precisamos levantar as vistas do seu Colégio, para conhecermos o ponto de
descaramento e imoralidade e desaforo de tal homem. Ele não para um só dia
em casa; não cessa de transitar pelas vizinhanças em deboche e prostituição,
deixando o Colégio a um irmão, que está quase sempre bêbado, e anda pelas
ruas de noite a fazer barulhos, e apenas chega à noite concorre para o Colégio

—————————–
206
A. MACEDO COSTA, A residência dos bispos, as suspensões extra-judiciais e os
recursos à Coroa. Questões canônicas do bispo do Pará, 6.11-13.21-22. Ver também:
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 204-206.
207
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 193.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 177

com um bando de prostitutas: e para maior escândalo leva agora, para o


Colégio, as suas próprias irmãs de mistura com os estudantes208.
Devido a um aviso que D. Viçoso recebera em 7 de março de 1846,
sobre os concursos para benefícios, ele deveria propor sempre três
candidatos, mesmo não sendo todos considerados «dignos» por ele, e caso
não se apresentassem três, deveria propor todos aqueles que se
apresentassem. Assim se expressava o Aviso:
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor. Tendo sido dirigido ao Procurador
da Coroa e Soberania Nacional a Proposta de Vossa Excelência, datada de 28
de janeiro passado para o provimento do Canonicato vago na Sé desse Bispado
pelo falecimento do Cônego João Maria Duarte, na qual Vossa Excelência só
propôs ao Padre João Antônio dos Santos, não obstante ter havido três
opositores, que Vossa Excelência não se deliberou a incluí-los na mesma
proposta pela sua vida escandalosa e falta de zelo e de verdadeiro espírito
eclesiástico, foi o mesmo Procurador da Coroa de parecer que, sendo expressa
a lei, como Vossa Excelência reconhece, cumpre ser observada, propondo-se
três opositores, e não um só, porque neste caso nada pode o mais justificado
escrúpulo de consciência, quando a mesma lei e as Ordens em vigor dão aos
Prelados amplíssima faculdade para interporem o seu parecer sobre a
preferência e até lhes impõem o dever de informarem em Ofícios apartados e
reservados tudo quanto souberem sobre as qualidades morais dos propostos,
[...] Deus guarde a Vossa Excelência, Antônio Paulino Limpo de Abreu
[Visconde de Abaeté]209.
O pe. Roussin havia concorrido por três vezes ao canonicato, sendo
sempre derrotado. Porém, tentou uma quarta vez, concorrendo com o pe.
Joaquim Antônio de Andrade, capelão da Sé de Mariana, sacerdote de
conduta irrepreensível e companheiro de D. Viçoso nas suas visitas
pastorais. O bispo enviou sua proposta ao Imperador em 18 de janeiro de
1855, indicando os dois únicos concorrentes, como mandava o aviso, e
informando os méritos e deméritos de cada um, esperando, como sempre
ocorria, que fosse escolhido aquele por ele indicado como mais digno.
Depois de uma anormal demora de 8 meses, em 10 de setembro do mesmo
ano, foram redigidos os papeis de apresentação do «ilustre sacerdote
Roussin». A carta de apresentação do candidato escolhido pelo Imperador
chegou às mãos do prelado somente em janeiro, causando-lhe grande
—————————–
208
J. A. S. SOUZA, «Cartas de D. Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana ao
Visconde do Uruguai», em Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
CCXLII, 434-435.
209
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 220 -221.
178 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

surpresa. Esta apresentação iniciava-se, ironicamente, com a seguinte frase:


«conformando-me com o vosso parecer», o que não correspondia à
realidade, já que o parecer do bispo, na informação que dera, fora
inteiramente contrário à escolha de Roussin. D. Viçoso, não aceitando esta
decisão, dirigiu-se ao próprio Imperador em 4 de janeiro de 1856, pedindo-
lhe que sustasse a execução do decreto de setembro do ano anterior e
mandasse pôr novamente a concurso o canonicato para que o prelado não
«manchasse sua consciência»210.
Na carta ao Imperador ele explicava que só tinha apresentado os dois
candidatos porque um aviso, de 7 de março de 1846, o tinha instruído que
deveria propor três, seguindo o alvará de 14 de abril de 1781. O mesmo
alvará defendia que se deveriam propor os três mais dignos, mas que tanto
em 1846, quanto neste caso, existia somente um candidato digno segundo a
avaliação do prelado. Argumentava que devendo propor três, ou todos os
concorrentes quando menos que três, informava, junto com a proposta, as
indignidades que, por ventura, tivesse algum dos pretendentes, na
esperança que o Imperador indicasse o mais digno segundo as informações
dadas pelo bispo ou colocasse o canonicato novamente em concurso, como
tinha ocorrido em outras ocasiões211.
A questão suscitada pelo bispo de Mariana foi parar no Conselho de
Estado Pleno, em 2 de outubro de 1856. Nela foi apresentado primeiro o
parecer do Procurador da Coroa, Fazenda e Soberania Nacional, Francisco
Gomes Campos, de 18 de janeiro de 1856. Segundo ele, D. Pedro II possuía
as mesmas amplíssimas prerrogativas que sempre gozaram os reis
portugueses, e estes direitos não derivavam da Ordem Militar de Cristo.
Concluía que devido ao imperial padroado, reconhecido pela Constituição
brasileira, o Imperador poderia mandar cumprir e executar a Carta de
Apresentação por «qualquer eclesiástico constituído em dignidade»212.
Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara, o Visconde de
Maranguape e o Marquês de Abrantes, também apresentaram um parecer
redigido em 28 de junho de 1856. Eles defendiam que os amplíssimos
privilégios do Grão Mestrado da Ordem de Cristo, pertencentes ao
Imperador do Brasil, eram até aquele momento incontestáveis, mesmo após
o parecer negativo dado a bula Praeclara Portugalliae em 1827, devido ao
fato dele nunca ter sido discutido e votado no Senado, e continuava mesmo
—————————–
210
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 186 -188.
211
A. J. DE MELLO, «Carta de D. Viçoso ao Imperado, 4 de janeiro de 1856», em S.
G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 187-188.
212
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 221-222.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 179

após a secularização das Ordens Militares em 1843. Estes «direitos» eram


também garantidos pela Constituição imperial. Defendiam que a colação
era uma simples formalidade e não dava o direito de veto ao prelado,
podendo-se encarregá-la a qualquer pessoa eclesiástica ou mesmo
secular213.
O Marquês de Olinda discordou deste parecer, porque para ele a negativa
à bula Praeclara Portugalliae e a secularização das Ordens Militares
tinham eliminado qualquer direito derivado do mestrado da Ordem de
Cristo. Na sua opinião o que regulava os benefícios era o padroado régio, a
Constituição e a Lei de 22 de setembro de 1828. Olinda distinguia o
processo em apresentação, colação e posse, sendo do parecer que ao
Imperador competiria apenas direito de colar ou mandar alguém colar se
ele tivesse mantido e aceitado o padroado derivado da Ordem de Cristo, o
que no seu entender, não ocorreu. Por isso, concluía:
Se, porém, como se pretende, a Constituição, além do direito de apresentar,
que reconhece na Coroa, fundamentado no Direito Comum, reconhece
também o de colar; como este direito é espiritual, e não pode ser exercido por
outrem que não seja o Ordinário senão por título especial, o qual senão
apresenta; é igualmente forçoso concluir que a Nação delegou por si direitos
espirituais, o que se destrói por si mesmo. Em resultado destas observações,
pela Constituição a Coroa tem o direito de apresentar, como exercendo o
Padroado. Mas pela Constituição não se pode provar que ela tenha igualmente
o de colar, por faltar a este último o título que o legitime214.
Baseando-se no Direito Canônico, sustentava que o prelado era obrigado
a colar aquele que lhe era apresentado pelo padroeiro se este «não estiver
incurso em impedimento canônico», pois nesse caso o «prelado pode
recusar a colação». Caso isso acontecesse tanto o padroeiro quanto os
bispos poderiam interpor recurso. Mas quem tomaria conhecimento deste
recurso? A resposta de Olinda não poderia ser outra além daquela de um
regalista moderado como ele o era:
Resta agora examinar qual será entre nós a autoridade que há de tomar
conhecimento do recurso. Como o Padroado compete à Coroa, e esta, segundo
a linguagem das nossas leis, não tem superior na terra, é evidente que os atos
do Poder Supremo não podem ser submetidos ao juízo de outra autoridade que

—————————–
213
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 222-226.234-235.
214
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 229.
180 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

não seja a mesma Coroa. Por isso, o recurso neste caso não pode ser senão o
que é conhecido na nossa legislação com o nome de – recurso à Coroa215.
Segundo Olinda, o aviso enviado ao bispo em 1846 e outro no mesmo
sentido enviado ao bispo de São Paulo em 1852, eram equívocos ao se
fundamentarem no alvará de 1781, já que não existia mais no Brasil o
padroado da Ordem de Cristo. Desta maneira a proposta feita por D.
Viçoso dos dois candidatos ficava reduzida a uma simples informação,
sendo a verdadeira proposta somente em relação àqueles que eram julgados
dignos, pois «só a respeito destes é que se verifica o concurso de ambas as
autoridades». O correto, porém, seria não negar aos bispos o direito de
excluir das propostas os concorrentes que julgassem indignos dos
benefícios, mesmo não completando o número de três:
Uma vez que se lhes deixa a faculdade da proposta, é mister se não exija que
infrinjam os mandamentos canônicos. O nexo que deve haver entre os Pastores
da primeira e os da segunda Ordem, a subordinação destes para com aqueles,
exigem esta alta superintendência: sem ela se relaxará cada vez mais a
disciplina no governo da Igreja. Em conclusão: aplicando ao caso presente as
soluções dadas às quatro questões propostas, parece que tem cabimento um
novo concurso para o provimento do benefício. A pertinácia em se apresentar
como opositor não deve servir de título para o gozo das funções eclesiásticas.
Não se estabeleça um aresto que poderá ser fatal para as relações entre os
Bispos, e os Sacerdotes de suas Dioceses. Para o futuro, um procedimento
exemplar poderá trazer a necessária habilitação; que nenhuma autoridade é
mais própria para acolher os arrependidos do que a Igreja216.
O Marquês de Monte Alegre, os Viscondes do Abaeté e de Itaboraí, os
conselheiros Alvim e Queiros aceitaram o parecer da Seção. O Visconde de
Sapucaí aprovou o parecer concordando, porém, com Olinda quanto a não
obrigar os prelados a proporem concorrentes indignos. O Visconde de
Albuquerque concordou em vários pontos com o Marquês de Olinda e
declarou-se contra a doutrina do aviso de 1846, enquanto impunha aos
bispos a obrigação de propor concorrentes indignos, no entanto,
concordava com os princípios da Seção de que o canonicato estava
provido, sendo a posse uma mera formalidade. O Visconde de
Jequitinhonha defendeu a idéia de que não se sabendo precisamente quais
eram os limites entre o poder temporal e espiritual, acreditava que o

—————————–
215
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 231.
216
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 233.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 181

espiritual deveria ceder no caso de dúvida. Ele também chamou a atenção


para o fato da Seção não ter entrado na apreciação das qualidades do
apresentado, aconselhando que o Imperador tomasse em consideração
aquilo que dizia o bispo de Mariana. É interessante citar na integra o voto
do Conselheiro Santos Barreto, pois ele deixou claro que o Governo tinha
consciência de quais poderiam ser as conseqüências da decisão tomada
anteriormente de se escolherem somente sacerdotes ultramontanos para
ocuparem as cadeiras episcopais, não corroborando a teoria de que o
Governo não tinha consciência de tais riscos:
O Conselheiro Santos Barreto aprova o parecer e observa que durante o curto
espaço de tempo que tem tido a honra de ter assento neste Conselho, tem
notado certa tendência da parte de alguns Bispos deste Império para a volta
das idéias, e doutrinas ultramontanas. O Reverendo Arcebispo da Bahia diz
que o regime absoluto era revestido de uma autoridade quase prelatícia em
virtude dos privilégios de Grão-Mestrado; dando assim a entender que no
Brasil, onde o regime não é absoluto, o Monarca não está revestido da mesma
autoridade. O Bispo de São Paulo já emitiu a opinião, que da independência da
Igreja resulta que nos casos de censura não haja recurso à Coroa, para que os
Padres sendo privados de tal recurso de bruços mordam o pó. O Bispo de
Mariana recusa-se atualmente a colar no canonicato de sua Diocese o Cônego
honorário Roussin, que fora por ele proposto em segundo lugar para este
benefício, e a respeito do qual informara desfavoravelmente, reproduzindo em
uma representação, que a tal respeito fizera, as mesmas razões de indignidade,
que a Coroa não julgou procedentes quando escolheu e nomeou o proposto. Se
aos Bispos for permitindo negarem-se, por escrúpulos de consciência, à
colação e posse dos apresentados pela Coroa nos benefícios eclesiásticos,
assumirão eles um direito desconhecido e perigoso, e constituir-se-ão
supremos juízes dos atos legais da mesma Coroa acerca de objetos
eclesiásticos. A proposta dos Bispos é sem dúvida essencial enquanto vigorar
a Lei de 22 de setembro de 1828: mas sendo esta proposta o resultado do
concurso, deve o Prelado escolher e propor dentre os concorrentes os três que
julgar mais habilitados cientificamente; e a respeito de todas as mais
circunstâncias, informar conscienciosamente, submetendo todavia sua
informação à suprema decisão da Coroa. Procedendo os Bispos por este modo
conservarão tranqüila a sua consciência, embora não sejam julgadas
procedentes as razões de indignidade que emitirem contra qualquer dos
propostos, que porventura possa ser escolhido e apresentado à colação,
cumprindo-lhes unicamente respeitar a decisão da Coroa. Se porém o Bispo de
Mariana novamente recusar-se ao cumprimento deste dever, neste caso, será
indispensável recorrer-se aos meios que, segundo consta, foram praticados em
182 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

circunstâncias análogas, pois que chegadas às coisas a estes termos redire est
nefas [grifos do original]217.
Já estavam germinando as sementes da futura Questão Religiosa. O
Internúncio Vicenzo Massoni, informado sobre o que estava ocorrendo não
deixou de dar sua versão e opinião sobre o caso. Enviou dois ofícios à
Santa Sé, o primeiro datado de 8 de janeiro de 1857, em que relatava o
ocorrido e falava sobre o direito de padroado derivado da Ordem de Cristo
e sobre o alvará de 1781. Esclarecia também que a imprensa tinha se
apoderado do caso e que muitas calunias eram divulgadas contra o bispo.
Relatou a oposição do cabido à apresentação do pe. Roussin, e da carta que
o mesmo havia enviado ao Imperador:
In termini molto animati a S. M. l’Imperatore, in cui allegandosi la notizia
inserita nei fogli pubblici della presentazione fatta del Roussin ad uno dei
Canonicati vacanti della Chiesa, cui i ricorrenti appartenevano, facevano esse
in seno del Capitolo un esempio di malcostume, e con esso l’intrigo ed il
disordine. S. M., dopo aver percorso l’istanza, rispose a chi l’aveva consegnata
nelle proprie sue mani, che l’avrebbe presa nella dovuta considerazione218.
Mons. Massoni afirmava ter dirigido palavras de conforto e apoio ao
bispo para que agisse conforme a sua consciência e informou que, mesmo
sendo o caso levado ao Conselho de Estado, o bispo se demonstrava
determinado a manter sua posição. No segundo oficio, redigido dois dias
depois do primeiro, o Internúncio enviou uma cópia do decreto de
secularização das Ordens Militares e defendeu a posição de que o Governo
não tinha direito ao padroado, baseando-se também no parecer negativo à
bula Praeclara Portugalliae, dado pela Câmara dos Deputados em 1827.
Dessa vez informava que os jornais católicos se utilizavam destes fatos em
favor do bispo219.
O Governo decidiu, então, enviar um novo aviso a D. Viçoso, em 4 de
agosto de 1857220, no qual mandava cumprir a carta de apresentação,

—————————–
217
SENADO FEDERAL, Atas de Consulta do Conselho de Estado Pleno, Ata 2 de
outubro de 1852, CÓDICE – 307 (Atas de 7-11-1850 a 20-2-1857), 233-234.
218
AES, Br., Officio, 8 de janeiro de 1857, Fasc. 176, pos. 123, f. 3v.
219
AES, Br., Officio, 10 de janeiro de 1857, Fasc. 176, pos. 123, f. 6r-9r.
220
Somente em 28 de julho de 1857, quando na Presidência do Conselho já se
achava o marquês de Olinda e no Ministério da Justiça, Francisco Diogo Pereira de
Vasconcelos, é que esta decisão foi proferida. O aviso em que se lhe comunicava esta
resolução, estava datado de 4 de agosto de 1857. [J. A. S. SOUZA, «Cartas de D. Antônio
Ferreira Viçoso, bispo de Mariana ao Visconde do Uruguai», em Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, CCXLII, 429-430].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 183

«mando que vos seja apresentado» e «encomendo-vos que coleis»221. D.


Viçoso não aceitou o teor deste aviso e resistiu, seguindo a sua consciência.
Escreveu um corajoso ofício ao Ministro da Justiça, em 18 de setembro de
1857, no qual demonstrava a força de sua fé e de seu caráter:
Illmo. e Exmo. Senhor Ministro da Justiça.
Tive a honra de receber o Aviso de V. Exc. de 4 de Agosto de 1857, pelo
qual S. M. o Imperador me ordena que cumpra a carta de apresentação do
cônego honorário José de Sousa Silva Roussin em um canonicato da Sé de
Mariana. Nesta carta contam dois objetos: um preceito, Mando que vos seja
apresentado; – e uma recomendação, Encomendo-vos que o coleis. – Esta
satisfeita a primeira parte; mas não posso satisfazer a segunda, sem ir de
encontro às leis da Igreja no Concil. Trid., sessão 25 cap. 9, De Reformat.,
como já tenho representado a Sua Majestade. Estou tão longe de me julgar
desobediente ao Mesmo Senhor, que antes me julgaria traidor, não ao seu
império temporal, mas sim ao eterno que lhe será destinado por suas virtudes,
se eu colasse o apresentado. Mas se o Governo de Sua Majestade assenta que
lhe sou desobediente, faça de mim o que bem lhe parecer, pois confio na
misericórdia de Deus que me dará animo para sofrer os cárceres, o desterro, e
o mais; lembrando-me que foi sempre a sorte da Igreja de Deus sofrer em
silêncio222.
Junto a este ofício enviou uma carta ao Marquês de Olinda, na qual
explicava todo o ocorrido desde o início, expressando sua indignação pelo
fato de ter ele rejeitado o pe. Roussin, quando propôs os concorrentes, e
mesmo assim o Governo tê-lo escolhido, insinuando que o fazia conforme
o parecer do bispo. Terminava dizendo não acreditar que mesmo depois
destas últimas informações que transmitira, o Governo iria querer que ele o
colasse. Junto à carta anexou uma cópia do ofício enviado ao Ministro da
Justiça223.
A questão só foi resolvida em 1858. Submetida novamente ao Conselho
de Estado, este considerou o prestígio de que gozava o prelado e, após
avaliar a tremenda responsabilidade de qualquer medida violenta, mesmo
confirmando os princípios do Parecer antecedente, retrocedeu. O Visconde
do Uruguai, que há pouco regressara da Europa, foi um dos que mais
influiu nessa decisão, fazendo ver aos membros do conselho que era
temerário desatender o prelado de Mariana. Os Viscondes do Uruguai e
Jequitinhonha foram favoráveis ao bispo, colocando a questão nos seus
—————————–
221
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 188-190; B. J. SILVA NETO,
Dom Viçoso, Apóstolo de Minas, 98-99.
222
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso,190.
223
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 190-194.
184 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

verdadeiros termos, pois distinguiam a parte relativa ao direito, já decidida


pela resolução de 28 de julho de 1857, e a de fato, que cumpria decidir,
revogando a representação, uma vez verificada a procedência das
acusações contra o apresentado, e mandando proceder a novo concurso224.
Neste caso estavam presentes vários dos elementos que provocariam
posteriormente a prisão dos bispos de Olinda e Belém, em 1874. A
diferença era que D. Viçoso não era um jovem, mas sim um maduro e
prestigiado hierarca, que prestara vários serviços à família real desde antes
da independência do Brasil, sendo respeitado por todos e venerado por
muitos. Pelo que se sabe a maçonaria não estava envolvida no caso, e
mesmo se estivesse, ainda não atingira a força que demonstraria nos anos
seguintes. Ou seja, aquela era a segunda década do Segundo Império e a
influência de Coimbra não terminara. Por este mister, magistrados
continuavam ocupando a maioria dos cargos eletivos e executivos, ao
tempo em buscavam restabelecer a força da autoridade do Governo perdida
nos tempos de Regência, sem ignorarem as idéias do Regresso que não
deixaram de ser uma referência aos governantes. Em 1873, os resquícios da
influência coimbrã haviam se extinguido, os bacharéis e profissionais
liberais substituíam os magistrados nos cargos eletivos, fazendo pressões
por maior representatividade e liberalidade política e religiosa, sendo a
maçonaria um dos meios utilizados para alcançar tal intento. E mais:
naquela data as «grandes lojas» estavam no apogeu da sua potência. Foram
estas diferenças que, provavelmente, provocaram desfechos diversos nas
duas circunstâncias225.

3.2. O bispo de São Paulo e o decreto Ex informata conscientia


Ao contrário do que ocorreu em Minas Gerais, que já havia tido um
bispo ultramontano antes de D. Viçoso, em São Paulo, até a posse de D.
Antônio Joaquim de Mello, a diocese havia sido governada por bispos de
tendência iluminista e sequazes do velho modelo, motivo pelo qual o
ultramontanismo se impôs como novidade absoluta. Isso também se devia à
existência, na capital da província, desde 1827, de uma faculdade de direito
—————————–
224
J. A. S. SOUZA, «Cartas de D. Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana ao
Visconde do Uruguai», em Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
CCXLII,435; S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 194-196. Vide: M. F.
CORREIA, Consultas do Conselho de Estado sobre Negócios Eclesiásticos compiladas
por ordem de S. Ex. o Sr. Ministro do Império, II, 25-81.
225
A Questão Religiosa ainda será tratada de forma resumida neste estudo, onde
também serão indicados os estudos mais reconhecidos e mais recentes sobre o tema.
[ndr.].
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 185

com fortes tendências liberais e anticlericais. O cabido paulista foi formado


e atuava neste meio, sendo grande parte de seus membros convictos
regalistas e politiqueiros, motivo pelo qual D. Antônio enfrentou uma
fortíssima resistência dos cônegos da Sé, envolvendo-se em vários
conflitos, sendo um dos casos mais polêmicos o ocorrido no natal de
1854226.
Os principais protagonistas, além do prelado, foram os padres Joaquim
Anselmo de Oliveira e Joaquim do Monte Carmelo. As desavenças entre
eles nasceram já com a publicação do Regulamento elaborado pelo bispo
para o clero de sua diocese e tornou-se conflito aberto a partir da reforma
do Recolhimento de Santa Tereza, realizada pelo prelado, que afastou da
sua direção o cônego Joaquim do Monte Carmelo. No entanto, as coisas se
agravaram ainda mais em dezembro de 1854, quando no dia cinco, D.
Antônio suspendeu das faculdades de confessar e pregar a Monte Carmelo,
pelo fato dele não ter lhe apresentado as referidas faculdades que obtivera
em 1847, como regulava uma pastoral de 23 de novembro de 1852.
Inconformado com a punição, o cônego publicou uma carta que enviou ao
vigário geral, justificando sua atitude e alegando que a referida pastoral não
fora oficialmente enviada ao cabido. A imprensa, como era natural, acirrou
a polêmica. A situação se degenerou por ocasião da celebração dos Ofícios
Divinos na noite de Natal, sob a capitulação do prelado, quando um mal-
entendido no cerimonial da celebração levou o bispo a repreender Monte
Carmelo em público. O cônego primeiramente revidou e depois se retirou,
deixando a Igreja em meio a murmúrios e tumultos de fieis e cabido. O
bispo, descendo do trono, diante da capela-mor, reprovou os cônegos pela
afronta e o povo pela algazarra, enfim, mandou que se iniciasse a Missa227.
No dia 27 de dezembro, o cabido dirigiu um ofício ao prelado expondo
suas razões a respeito do incidente, acusando-o de ser o responsável pelo
mesmo e pedindo reparação, caso contrário levaria a sua causa perante o
trono. D. Antônio respondeu dando a sua versão dos acontecimentos e
acrescentando que era ele quem esperava reparação. Terminava dizendo
que se o cabido quisesse levar as suas queixas ao Imperador, que o fizesse.
Os cônegos, então, apresentaram um recurso à Coroa, mas o Governo não o
acatou228.
—————————–
226
A. WERNET, A igreja paulista no século XIX, 64-95.
227
P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 163-164; A. WERNET,
A igreja paulista no século XIX, 146.153-154; D. R. VIEIRA, O processo de reforma e
reorganização da Igreja no Brasil, 132-134. Estranhamente o biografo Ezechias Galvão
da Fontoura não faz referimento a estes conflitos com o Cabido [ndr.].
228
A. WERNET, A igreja paulista no século XIX , 156-157.
186 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

D. Pedro II, após receber a denúncia em mãos, escreveu a D. Antônio


pedindo explicações. Este lhe respondeu em julho de 1855, alegando que o
incidente tinha sido premeditado pelos cônegos e que Monte Carmelo, já
predisposto, «consumou o escândalo»229.
Enquanto o Governo não tomava nenhuma atitude, os cônegos, por meio
do quinzenário O amigo da Religião, dirigido pelo pe. Joaquim Anselmo de
Oliveira, escreviam sucessivos artigos contra o prelado, enquanto Joaquim
do Monte Carmelo o provocava continuamente, usando roupas seculares e
desobedecendo ao Regulamento. A inação do Governo levou o cabido a
tentar recorrer a Roma, enviando para lá o pe. Joaquim Anselmo, que partiu
secretamente levando consigo pesadas denúncias contra D. Antônio. Esta
tentativa, contudo, também foi infrutífera, não conseguindo o pe. Anselmo
sequer uma audiência com o Papa, que já havia sido prevenido pelo seu
representante no Brasil230.
Mons. Marino Marini havia escrito um ofício, no dia 19 de janeiro de
1855, ao Cardeal Secretário de Estado, descrevendo o que vinha
acontecendo em São Paulo. Oportunamente informava que sua maior
preocupação era o fato do cabido, insatisfeito com a ação do bispo, ao invés
de apresentar recurso à Santa Sé, recorrera primeiramente à Coroa, a quem
não competia tal assunto. Concluía sua carta dizendo ser o clero paulista
«guasto di mente e di cuore» e elogiando o operato, zelo e intenções do
bispo de São Paulo231.
Os conflitos entre D. Antônio, o clero e o cabido aumentaram no
decorrer do seu episcopado, chegando mesmo, por vezes, a atrapalhar os
projetos do bispo para o Seminário episcopal que estava instaurando232. O
Governo continuou a se omitir em pronunciar seu apoio ou não à
autoridade episcopal, o que levou D. Antônio a forçar uma tomada de
posição por parte daquele. Passou, então, a enviar cartas e representações a
D. Pedro II e seus Ministros, principalmente ao Ministro da Justiça Nabuco
de Araújo. O argumento que empregou para buscar o apoio do Governo foi
muito conveniente: ele recordou a rebelião liberal em São Paulo em 1842,
salientando que, se o espírito de rebeldia reinante no clero da província não

—————————–
229
P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 190-192.
230
AES, Br., Lettera di Antonio Vescovo di São Paulo ao Santo Padre, 29 de maio
de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 41r-18r.
231
AES, Br., Officio, 10 de janeiro de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 9r-10r; ver
também: D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 133.
232
AES, Br., Lettera del Fr. Alfonso da Rumelly, procuratore e Comissário dei
Cappucini al Santo Padre, 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 31r-33r; AES, Br., Lettera del
vescovo Antonio al Santo Padre, 2 de julho de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 63r-67v.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 187

fosse contido, o povo também seria rebelde em relação ao poder temporal


como já havia sido no passado. Para dar ainda mais peso à sua
argumentação, ameaçava renunciar ao ministério caso o Governo não desse
um claro apoio à sua autoridade233.
Esta ação do bispo repercutiu nos gabinetes imperiais e a questão foi
parar na seção de Justiça do Conselho de Estado, devido a um novo recurso
a Coroa apresentado pelo pe. Padre Francisco de Paula Toledo, que foi
suspenso ex-informata conscientia por D. Antônio. Nessa sessão se
discutiram dois pontos: 1 – Como se interpunha e se procedia nos recursos
a Coroa; 2 – Poderiam os bispos suspender de ordens um clero ex-
informata conscientia234.
Nos primeiros parágrafos do parecer, apresentado por José Thomaz
Nabuco de Araújo ao Conselho de Estado, eram declaradas as motivações
que levavam a discussão dos dois pontos supracitados:
O Reverendo Bispo de S. Paulo suspendeu de todas as ordens por tempo
indefinido o Padre Francisco de Paula Toledo independentemente de lhe
formar processo, e só ex informata conscientia, por uma Portaria datada de 16
de Agosto de 1854. O Bispo, depois de lembrar que começara o seu
Episcopado por um Regulamento em que «dera brecha franca para que os
Padres, que não quisessem usar de ordens vivessem como não Padres,»
acrescentou: «Se três ou quatro aceitaram o partido, muitos quiseram
conservar sempre um pé no Altar, e o outro na fogueira das paixões, quer
carnais, quer políticas. Entre estes encontramos o Padre Francisco de Paula
Toledo, que tendo desde 1843 começado sua carreira policial, já como
subdelegado, já como Juiz Municipal, em 1849, quando Delegado, fez ouvir o
eco de suas proezas eleitorais em toda a Província, e mesmo além».
Diz o Bispo, que depois do seu Regulamento (1852) indo o Padre a sua
residência «então exortamos á demitir-se da Delegacia, fazendo-lhe ver, que
era emprego incompatível com o sacerdócio; e exortamos a não entrar em
manejos eleitorais; respondeu-nos com voz firme – Hei de vencer estas

—————————–
233
AES, Br., Lettera del vescovo Antonio al Santo Padre, 2 de julho de 1856, Fasc.
175, pos. 121, f. 63r-67v. Nesta carta o bispo informava da participação do pe. Joaquim
de Monte Carmelo na maçonaria, explicando que ele a freqüentava e pronunciava
discursos nas «grandes lojas». Nela também declarou ao Santo Padre que somente nele
podia buscar apoio e conselhos. Foi exatamente isso que o Santo Padre lhe deu por meio
de uma carta que enviou ao bispo em 2 de outubro de 1856, onde também pedia
informações sobre os padres capuchinhos que lhe havia mandado para lecionarem no
Seminário diocesano. [AES, Br., Lettera del Santo Padre ao vescovo di São Paulo, 2 de
outubro de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 77r-79v].
234
AES, Br., Ministério dos Negócios da Justiça do Conselho d’Estado, 8 de março
de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 52r, 53r-61v.
188 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

eleições, (era Delegado) e depois darei minha demissão, se quiser pode já


suspender-me».
«Nosso Regulamento de 22 de Agosto, tão expresso sobre eleições, nada
aproveitou, em nossas rogativas, e exortações, Pindamonhangaba, se não fora
à prudência dos mais proeminentes nela, veria suas ruas ensopadas em sangue;
a estratégia empregou o terror, os bacamartes foram apontados sobre o peito
dos cidadãos pacíficos, um grupo de facínoras por ordem do Delegado
Sacerdote levava para a prisão um velho, que se opôs à entrada dessa canalha
no interior de sua casa, mas que consentia entrasse o mesmo Delegado; como
se fora um malvado, este homem, septuagenário viu correr o seu sangue, que
com o coice d’arma lho tirou da cabeça um desses da infame corte. A vítima
era o Tenente Coronel Comendador João Monteiro do Amaral, que tanto
nenhum crime tinha que um Padre dedicado à Ordem o tirou da turba, o levou
para casa, restando o susto na gente de bem, que abandonou a eleição, ficando
o Delegado Sacerdote só com os seus para confeccionar livremente o triunfo
da eleição ao gosto de seu partido». O Bispo acrescenta, que recebendo
queixas encarregara o seu vigário da vara de Taubaté «para que fosse ao lugar,
ouvisse testemunhas não suspeitas, e o suspendesse do uso das Ordens,
achando-o criminoso. Nosso Delegado, bem a nosso pesar, com razões de
prudência recusou-se a esta inquisição, que lhe parecia perigosa, porque,
talvez falsamente, se acreditava; que o Padre Francisco de Paula Toledo vivia
sempre rodeado de capangas para suas vinganças. Este Padre nas seguintes
eleições continuou a influir mesmo diretamente, não tendo sim posição oficial,
que por ordem do Governo lhe foi tirada: seu desprezo à Nosso Regulamento
não se limitou a manejos eleitorais, o hábito talar foi sempre por ele
desprezado [...] Acresceu mais (continua o Reverendo Bispo), que este
Sacerdote conserva há muitos anos um concubinato público. Há pouco tempo
casou uma filha, deu baile em sua mesma casa, fez convites; depois deste fato
ele mesmo é o batizante de um neto. Outras circunstâncias agravam tal
concubinato, como, sendo capelão da Igreja do Rosário, esperar primeiro a
chegada da concubina e sua família, andarem juntos de dia e de noite235.
Com este fato escandaloso, D. Antônio demonstrou os riscos que os
padres indisciplinados geravam tanto para a Igreja quanto para a ordem
pública e para o Estado. O Internúncio Mons. Massoni também pressionou
o Ministro da Justiça no sentido do Governo apoiar e defender a autoridade
do bispo de São Paulo, argumentando que era do interesse religioso e
político sustentar «principalmente nos bispos o princípio da autoridade»236.

—————————–
235
AES, Br., Ministério dos Negócios da Justiça do Conselho d’Estado, 8 de março
de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 53r-53v.
236
AES, Br., Officio, 1857, Fasc. 175, pos. 121, f. 104r-105v;
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 189

O resultado foi o decreto n. 1.911, de 28 de março de 1857, que regulava


a competência, interposição, efeitos e forma do julgamento dos recursos à
Coroa. Nos seus pontos principais ele assim definia:
Art. 1º. Dá-se Recurso à Coroa:
§ 1º. Por usurpação de jurisdição e poder temporal
§ 2º. Por qualquer censura contra empregados civis em razão de seu Ofício.
§ 3º. Por notória violência no exercício da jurisdição e poder espiritual,
postergando-se o direito natural, ou os Cânones recebidos na Igreja Brasileira.
Art. 2º. Não há Recurso à Coroa:
§ 1º. Do procedimento dos Prelados Regulares – intra claustrum – contra seus
súbditos em matéria correcional.
§ 2º. Das suspensões e interditos que os Bispos, extrajudicialmente ou – ex
informata consciência – interpõem aos Clérigos para sua emenda e
correção237.
Este decreto ficou conhecido como ex informata conscientia, exatamente
por trazer essa novidade que reforçou e ampliou a autoridade episcopal
sobre o seu clero, facilitando a reforma na parte correcional. Porém, como
afirma Dilermando Ramos Vieira, «longe estava de ser generoso, pois nos
demais artigos regulava de novo a competência, interposição, efeitos e
forma do julgamento do recurso à Coroa»238.
De fato, nos §§1 e 2 do primeiro artigo, os presidentes das províncias
ficavam habilitados a decidirem provisoriamente. Os recursos poderiam ser
judiciais quanto extrajudiciais, e referentes a despachos, sentenças,
mandamentos e pastorais, ou seja, Constituição, ato do Concilio Provincial,
ou de visitas pastorais. Nos casos do art. 1º, §§ 1º e 2º era suspensivo logo
que fosse interposto239.
O recurso à Coroa deveria ser interposto perante o Ministro da Justiça,
na Corte, e presidentes, nas províncias, que decidiriam logo as questões que
ocorressem sobre a suspensão dos recursos e rejeitariam aqueles que
fossem interpostos contra as disposições do decreto, podendo-se recorrer ao
Conselho de Estado, na corte, e ao Ministro da Justiça, nas províncias.
Toda a documentação produzida seria depois enviada ao Conselho de
Estado que julgaria a questão e o resultado seria transmitido pelo
Ministério da Justiça aos juízes ou autoridades eclesiásticas, para que
fossem cumpridos no tempo determinado, caso contrário, se procederia
responsabilizando na forma da lei os desobedientes que recusassem a

—————————–
237
Coleção das leis do Império do Brasil, 1857, XX, parte II, 103.
238
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 200.
239
Coleção das leis do Império do Brasil, 1857, XX, parte II, 103.106.
190 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

execução. O decreto, ao mesmo tempo em que favorecia os bispos no caso


de ex informata conscientia, dava ao Estado os meios para julgar o recurso
à Coroa e punir como desobedientes àqueles que não cumprissem as
resoluções de tais recursos240.
Joaquim Nabuco, afirmou que foi seu pai, Nabuco Araújo, o autor do
decreto de 28 de março de 1857. Segundo ele, tal ato «firmou em nossa
legislação o princípio de que não havia recurso das suspensões ou
interdições que os bispos extrajudicialmente ou ex-informata conscientia
impusessem aos clérigos para sua emenda e correção»241. Apresentando
uma carta na qual o bispo D. Antônio de Mello agradeceu ao então
Ministro da Justiça à publicação do referido decreto:
Ilm. Exmo. Sr. – Uma voz imperativa, filha do meu reconhecimento, me
impele a dirigir a V. Exa. esta carta em que, grato a tão grande bem, vou como
posso agradecer o decreto de 28 de março p.p. sobre os recursos à Coroa.
Todos os bispos recebem o bem, mas talvez fosse eu com meus irmãos
sacerdotes que desse ocasião, por isso sou o primeiro obrigado. Eu sei, Exmo.
Sr., que S. M. é a fonte, mas não sei se conviria dirigir-me a Ela diretamente.
Eu sei que o Conselho de Estado tem parte em tão necessário decreto, mas não
sei o meio de lhe manifestar o meu reconhecimento. Não é assim com V. Exa.,
que não só tem tomado interesse nos negócios da Igreja, e por isso no mesmo
decreto, como nosso ministro, nos dá caminho franco para levarmos nossas
necessidades e nossos agradecimentos. Digne-se pois V. Exa. aceitar este
testemunho de minha cordial gratidão. V. Exa. não tema que eu abuse. Assim
meus irmãos me compreendam [6-4-1857]242.
Em um ofício enviado à Santa Sé em 30 de abril de 1857, o Internúncio
Mons. Massoni também expressou a opinião de que foram os conflitos
entre o prelado de São Paulo e o seu clero que levaram à publicação do
decreto mencionado, e comemorava o ocorrido como sendo uma vitória
contra o «josefismo introduzido pelo Marquês de Pombal». Segundo Mons.
Massoni, o decreto também foi fruto da firme intenção do Imperador D.
Pedro II:
Impresso che, nell’ignoranza e a dispetto delle censure ecclesiastiche,
essendosi da taluno di quel Clero [de São Paulo] interposto appello alla
Corona contro le misure adottate dal proprio Vescovo per loro salutare
correzione, un Decreto Imperiale in data 28 Marzo ultimo passato è apparso al
Pubblico [...] regolandosi in generale la competenza, l’interposizione, gli
effetti e la forma degli Appelli al Trono. [...] Per tal guisa si è convertita in
—————————–
240
Coleção das leis do Império do Brasil, 1857, XX, parte II, 103.106.
241
J. NABUCO, Um Estadista do Império, I, 324.
242
J. NABUCO, Um Estadista do Império, I, 324.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 191

legge di stato quella speciale risoluzione, che doveva adottare a riguardo delle
lunghe e scandalose vertenze suscitatesi del proprio Clero. E qui mi è grato
oltremodo di soggiungere a Vostra Eminenza che ciò debbasi esclusivamente
al fermo intendimento manifestato in questo emergente da S. M. l’Imperatore
al Ministero ed al Consiglio di Stato. In virtù di questa importante
disposizione il Giuseppismo introdotto nel Brasile dal Marchese di Pombal di
ben triste celebrità, e che ha posto in queste regioni si profonde radici, ha
ricevuto, non vi é dubbio, un gran colpo, avendo ridonato ai Vescovi nelle loro
Diocesi, e ai Superiori regolari nelle Comunità religiose, la parte più
importante ed efficace dei sacri diritti dell’autorità disciplinare. Voglia
permettere il Sig. Iddio che questo movimento sia precursore di altre
consolanti notizie; cui non mancherò, per quanto da me dipende, di
predisporre il terreno243.
A suspensão ex informata conscientia foi várias vezes questionada por
certos políticos do império, tendo inclusive corrido o risco de ser derrogada
entre 1865-1867. Tudo se iniciou por ocasião da suspensão de quatro
cônegos do cabido da catedral no Rio Grande do Sul, por D. Sebastião Dias
Laranjeiras (1820-1888). Na defesa dos cônegos saiu o senador maçom
gaúcho Gaspar da Silveira Martins (1835-1901), que os aconselhou a
interporem um recurso à Coroa. Na defesa do prelado veio D. Antônio de
Macedo Costa que publicou um opúsculo em 30 de agosto de 1866244.
A petição dos padres apelantes foi parar na Câmara dos Deputados, que
decidiu derrubar a «inovação», levando Brás Florentino Henriques de
Souza (1825-1870) a protestar contra o Governo a quem acusou de
prejudicar a legítima autoridade dos bispos245. Porém, em 1867 o Senado
rejeitou o projeto da Câmara dos Deputados que revogava o artigo 2º do
decreto de 1857, sendo Nabuco Araújo o relator das comissões que
analisaram e rejeitaram o projeto enviado pela Câmara246.

4. A progressiva restrição orçamentária da Igreja no Segundo Império


O fortalecimento do liberalismo político, as alterações na estrutura
econômica do país – gerando a necessidade de introdução da mão-de-obra
—————————–
243
AES, Br., Officio, 30 de abril de 1857, Fasc. 176, pos. 127, f. 109r-110r.
244
Cf. A. MACEDO COSTA, A residência dos Bispos, as suspensões extrajudiciais e os
recursos à Coroa. Questões canônicas do Bispo do Pará.
245
Cf. B. F. SOUZA, Estudo sobre o recurso à Coroa.
246
J. NABUCO, Um Estadista do Império, I, 326. Sobre esta tentativa de acabar com a
suspensão ex informata conscientia ver D. R. VIEIRA, O processo de reforma e
reorganização da Igreja no Brasil, 200-202; ASV, NAB, Carta do Internúncio
Sanguini ao Cardeal Antonelli, Cx. 40, fasc. 183, doc. 5, f. 46b.
192 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

livre e estrangeira –, a participação do clero na política e a ascensão do


ultramontanismo, constituíram forte fator de pressão a favor da
secularização de tradicionais funções públicas exercidas pelo clero,
gerando a progressiva substituição do padre pelo funcionalismo civil,
basicamente instalado no Ministério da Justiça, que, não só passou a
coordenar as atividades tradicionalmente exercidas pela Igreja na área
eleitoral, como também, aos poucos, foi ocupando suas funções cartoriais:
registro civil, casamentos e óbitos, registro de imóveis. Pesquisando os
orçamentos anualmente votados pelo Parlamento imperial e a sua aplicação
efetiva, Ana Marta Rodrigues Bastos percebeu que à medida que avançava
a secularização da burocracia estatal, ia-se diminuindo o subsídio estatal
destinado à Igreja247.
Do ponto de vista orçamentário, as dotações da Igreja funcionavam da
mesma forma que as de qualquer repartição pública ou órgão
governamental, cujos proventos eram oriundos das despesas públicas para
que se mantivessem funcionando, e isto, no caso da instituição eclesiástica,
derivava da apropriação dos bens daquela em causa própria por parte do
Estado, sendo que até mesmo os santuários estavam sob a gestão de
funcionários civis. Portanto, contrariamente à diminuição dos subsídios, o
Governo deveria aumentar regularmente essas dotações, «uma vez que a
Igreja – para o cumprimento das suas funções religiosas e civis, dado
especialmente o crescimento populacional do país – devia formar mais
padres, construir mais igrejas, enfim, crescer e se expandir»248.
Não foi o que se deu. Os orçamentos votados para a Igreja nas últimas
décadas do Império eram insuficientes até mesmo para manter a velha
estrutura religiosa. Ao mesmo tempo em que o Estado imperial negava
autonomia a Igreja, cerceando sua independência financeira em relação aos
vínculos oficiais e legais que os unia, cortava-lhe também os meios
pecuniários de sua sobrevivência dependente, subsidiando-a de maneira
insignificante e tentando resguardar, com isso, a sua situação de submissão.
Isso, porém, não ocorreu, pois a Igreja foi buscar nos fieis o apoio que lhe
começou a faltar no Estado. Uma interessante visão geral da situação da
Igreja em relação ao orçamento do Império é apresentada na Tabela VII.
O corte das dotações foi um reflexo da limitação dos poderes políticos
eleitorais da Igreja, com o desincentivo ao crescimento dos seus quadros e
com a substituição do clero nas funções público-burocráticas de natureza
civil, configuradas na criação dos registros civis alternativos aos registros
paroquiais, na secularização dos cemitérios e na criação de repartições
—————————–
247
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 95.
248
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 97.
CAP. II: ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO 193

públicas. Enquanto a Igreja perdia espaço a Justiça ganhava. Os religiosos


foram substituídos gradualmente pelos juízes de paz e seus escrivões (com
a criação dos distritos de paz), os delegados e subdelegados (com a criação
dos distritos policiais), e seus colaboradores inferiores, os inspetores de
quarteirão, que herdaram várias das funções que anteriormente eram
impostas ao clero249.
Tabela VII
Gastos Orçamentários com Igreja e Justiça - 1831-1889 (%)*
Anos Orçamento Votado Orçamento Realizado
Igreja Justiça Igreja Justiça
1831/32 2,4 2,0 ** **
1835/36 2,4 3,3 ** **
1841/42 0,5 1,0 0,3 1,4
1845/46 0,6 2,6 0,5 2,3
1850/51 2,3 2,4 1,6 1,9
1855/56 2,1 3,2 1,7 2,5
1860/61 2,4 2,7 1,7 2,3
1865/66 2,1 2,3 0,7 1,0
1870/71 1,4 2,4 0,9 2,0
1875/76 1,2 3,0 0,7 2,5
1880/81 0,8 3,0 0,6 2,4
1885/86 0,6 2,6 0,5 2,3
1889 0,6 2,6 0,5 2,0
* Os percentuais apresentados são relativos aos totais gerais das despesas
desses anos financeiros selecionados. ** Dados não disponíveis. Fonte: A.
M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 101.
José Murilo de Carvalho observa que entre 1831 e 1850, os gastos com
as Forças Armadas representavam mais do que 40% do total dos gastos do
Governo250, o que permite concluir que a queda orçamentária tanto da
Igreja quanto da Justiça neste mesmo período encontra-se na conjuntura
político-militar conturbada. Em 1850, a Igreja recuperou suas dotações que,
em linhas gerais, permaneceram altas até meados da década de 1860. A
partir de 1865, durante a Guerra do Paraguai, as despesas com as Forças
Armadas e relações externas aumentam, enquanto todas as outras caíram.
Observando o ano de 1865, especialmente no orçamento executado, a
Igreja sofre grandes restrições financeiras e, a despeito de uma pequena
recuperação em 1870, a tendência é a perda sistemática de subsídios até o
fim do Império. As curvas orçamentárias da Igreja e da Justiça foram
semelhantes até 1865, quando se iniciou o corte irreversível dos gastos
—————————–
249
A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 99-101.
250
J. M. CARVALHO, Teatro das Sombras, 39.
194 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

eclesiásticos, enquanto que a Justiça, terminada a guerra em 1870,


continuou com seu orçamento em alta ou pelo menos equilibrado251.
Esta visão geral da realidade político-eclesiástica, do direito eclesiástico
civil e da sociedade imperial, fornece condições de dar o devido peso à
ação reformadora dos bispos ultramontanos brasileiros e seus
colaboradores religiosos e leigos.

—————————–
251
José Murilo de Carvalho apresenta, separadamente, as despesas dos vários setores
da administração pública. [J. M. CARVALHO, Teatro das Sombras, Apêndice IV, Tabela
XX, 180], ver também A. M. R. BASTOS, Católicos e Cidadãos, 106-107.
CAPÍTULO III

A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO

O «ultramontanismo» ou «transmontanismo» é um termo de origem


francesa, derivado da associação de duas palavras latinas (ultra + montes),
significando «para além dos montes», isto é, dos Alpes. O apelativo
começou a ser usado no século XIII, para designar papas escolhidos ao
norte dos Alpes. Seis séculos depois, olhando da França, «para além dos
Alpes», correspondia estar voltado para as idéias emanadas de Roma, ou
seja, concordando com os posicionamentos da Santa Sé1.
O ultramontanismo, no século XIX, se caracterizou por uma série de
idéias e atitudes da Igreja Católica num movimento de reação às novas
tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e à
secularização da sociedade moderna. As suas principais características
podem ser assim resumidas: esforço pelo fortalecimento da autoridade
pontifícia sobre as igrejas locais; reafirmação da escolástica;
restabelecimento da Companhia de Jesus (1814); e definição dos «perigos»
que assolavam a Igreja (galicanismo, jansenismo, regalismo, todos os tipos
de liberalismo, protestantismo, maçonaria, deísmo, racionalismo,
socialismo, casamento civil, liberdade de imprensa e outras mais),
culminando na condenação destes por meio da Encíclica Quanta cura e o
«Sílabo dos Erros», anexo à mesma, publicados em 18642.
O fortalecimento da autoridade pontifícia, resultando na definição da
infalibilidade papal nos pronunciamentos ex-cathedra durante o Vaticano I
(1869-1870), foi um dos momentos culminantes da vitória ultramontana.
Deve-se ter presente, contudo, que tal fato não se deveu somente a uma
reação contra as correntes eclesiásticas como o galicanismo e o jansenismo,
mas também contra as mudanças políticas que envolveram as relações entre
a Igreja e o Estado no século XIX. O processo de separação entre os dois
poderes, o indiferentismo estatal, o anticlericalismo, o regalismo
—————————–
1
Z. HASTENTEUFEL, Dom Feliciano na Igreja do Rio Grande do Sul, 88 nota 18.
2
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 32.
196 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

exacerbado tolhendo a liberdade da instituição eclesiástica e a autoridade


de sua hierarquia, teve como contrapartida a busca de um «centro» que
tivesse melhores condições e interesses em proteger os membros da
comunidade clerical. E qual «centro» poderia ser este, senão o Papa, Chefe
tradicional e legítimo da Igreja Católica? A partir dessa ótica, entende-se
como se tenha difundido uma eclesiologia que fortalecia a função e as
prerrogativas do Sumo Pontífice, considerando-o, praticamente, como a
fonte dos ensinamentos da Igreja e como a autoridade da qual emanam, de
modo indiscutível, todas as decisões. Essa centralização, na prática, levou a
uma intervenção mais sentida das congregações romanas na vida de cada
diocese e uma maior uniformização da disciplina eclesiástica3.
No entanto, não se pode desconsiderar que o movimento não foi de mão
única, pois a própria piedade religiosa reforçou espontaneamente tal
tendência, buscando mais intensamente desenvolver na comunidade
católica o sentimento de pertença à Igreja Universal, abandonando as
tendências de Catolicismo bairristas ou nacionalistas4.
No processo de desenvolvimento pelo qual passou, o ultramontanismo
expurgou-se das tendências liberais que porventura se desenvolviam no seu
interior, principalmente daquelas provenientes da Alemanha. Isto ocorreu
de forma mais decidida a partir da encíclica Mirari vos (15-8-1832).
Daquele momento em diante a Igreja tomou um posicionamento defensivo
contra o avanço da «mentalidade do tempo», marcadas pelo liberalismo,
positivismo e o progresso da secularização; mas, como não podia ignorar a
realidade social e política circundante, teve de usar de novos meios, tais
como associações, imprensa e partidos, para atuar junto à sociedade. Isso
levou a uma aliança «fiéis-hierarquia Católica», que teve suas origens na
Alemanha a partir da Conferência dos bispos de Würzburg em 18485 e ao

—————————–
3
Tal característica do movimento ultramontano levou alguns estudiosos da história
da Igreja Católica no Brasil, na segunda metade do século XX, a ressuscitarem o termo
«romanização», para descrever o processo de reforma que teve como agentes os
ultramontanos. Este tema será retomado logo a seguir [ndr.].
4
G. MARTINA, Storia della Chiesa, III, 106.
5
De 22 de outubro a 16 de novembro de 1848, foi realizado em Würzburg, uma
conferência dos bispos alemães, com a participação de alguns prelados austríacos, entre
eles o Cardeal de Viena, Joseph John Schwarzenberg (1809-1885). A assembléia foi
realizada sob sugestão do Núncio Apostólico na Áustria, Michele Viale Prelà (1799-
1860), e por iniciativa do engenhoso Joahannes von Geissel (1796-1864), Arcebispo de
Colônia. Duas preocupações dominaram o evento: a reivindicação da libertas Ecclesiae
frente aos velhos e novo regimes e a reorganização da Igreja na Alemanha de acordo
com as diretrizes romanas e as exigências do tempo. Em um amplo memorial que serviu
de base para a discussão, Geissel chamou a atenção sobre as relações entre Estado e
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 197

nascimento das associações católicas pró-Papa Pio IX. O apelo à população


simples e à sua mobilização, no que as mulheres tiveram importante papel,
foi um traço fundamental do movimento ultramontano6.
O choque entre o ultramontanismo e os outros «ismos» do século XIX
era inevitável e se manifestou nos mais diversos âmbitos da cristandade. A
luta, às vezes, assumiu aspectos de confronto violento, especialmente na
Itália, onde o liberalismo se misturou com as aspirações italianas de
unificação política. Pelo menos, em um país latino-americano (a
Guatemala) as primeiras lutas entre o liberalismo e o ultramontanismo
resultaram em guerra religiosa7.
Segundo a opinião de certos estudiosos, esse contexto reforçou, ao
interno da Igreja, uma tendência a se autoconsiderar uma «fortaleza
assediada», fechando-se ao «mundo moderno», o que encontrou sua
máxima expressão no Syllabus de 1864. Entretanto, desde 1850, em todos
os países as teorias papais se haviam consolidado tanto no direito canônico
quanto na teologia. Isso não aconteceu sem intervenções coerentes e
miradas por parte de Roma, sobretudo, por meio dos seus Núncios. Porém,
se tratou de uma evolução que foi intensamente sustentada pelas igrejas
locais, por meio de suas necessidades e esforços, com algumas
características próprias nos vários países e dioceses8.
É difícil estabelecer com exatidão a data em que o «ultramontanismo»
entrou no Brasil, porém, entre os primeiros ultramontanos deste período
estavam os religiosos da Congregação das Missões, ou lazaristas, de
carisma vicentino, que se estabeleceram na província de Minas Gerais. O
primeiro bispo foi provavelmente D. fr. José da Santíssima Trindade, da
diocese de Mariana (Minas Gerais). O ultramontanismo, entretanto, não
encontrou no começo do século XIX, um clima muito favorável no Brasil,
já que desde os dias de Pombal e da expulsão dos jesuítas do reino

Igreja, sobre o problema das escolas, sobre as relações com os acatólicos, sobre os
sínodos diocesanos, sobre a organização dos católicos e sobre a ação social. Geissel
conseguiu, graças à sua crescente influencia, fazer prevalecer os seus pontos de vista,
conseguindo a desaprovação geral do placet e do padroado e a afirmar a necessidade de
organizar um ensino católico livre, tomando como exemplo a Bélgica. Os documentos
produzidos pela conferência dos bispos alemães influenciaram as relações entre Igreja e
Estado tanto na Alemanha quanto no Império Austríaco [Sobre a conferência dos bispos
de Würzburg ver: Atti dei vescovi di Germania congregati in Würzburg l’anno 1848, G.
FELICIANI, Le conferenze episcopali, 17-18; R. AUBERT, Il pontificato di Pio IX, 101-
102].
6
K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III,58-69.
7
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 32-33.
8
K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III, 6.
198 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

português, as idéias jansenistas e um forte regalismo político tinham


dominado o cenário nacional, desaparecendo quase por completo o
escolasticismo do currículo das escolas brasileiras9.
A corrente ultramontana se afirmou vagarosamente no país, porém, em
menos de um século conseguiu se tornar hegemônica no âmbito eclesial
brasileiro. David Gueiros Vieira é do parecer que ela se infiltrou graças à
influência estrangeira, quer seja através de clérigos europeus que se
estabeleciam em terras brasileiras, quer seja por meio de padres brasileiros
que se formavam no continente europeu. No entanto, os dois focos de
ultramontanismo citados acima, apesar de provenientes de Portugal,
chegaram ao Brasil no tempo em que o país fazia parte do «Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves», isto é, ainda sob o domínio da Metrópole, não
sendo, portanto, «estrangeiros», sobretudo porque aderiram à
independência e se tornaram, efetivamente, brasileiros10.
Os clérigos que tomaram parte na Constituinte (1823), e depois foram
eleitos para o Parlamento, de 1826 em diante, se dividiram em duas
correntes políticas, uma inicialmente mais numerosa, influenciada pelo
liberalismo e fortemente regalista, e outra, que paulatinamente adotou
postura bem diversa. Eram os ultramontanos. Eles se afirmaram neste
período, envolvendo-se, como os demais, na política, nos cargos eletivos e
na imprensa polemista. Dois bispos se destacaram nas suas hostes: D.
Romualdo Antônio de Seixas, Arcebispo da Bahia, que por sua importância
será estudado separadamente neste capítulo e D. Marcos Antônio de Souza,
bispo do Maranhão. Os publicistas mais importantes foram os padres Luís
Gonçalves dos Santos e William Paul Tilbury11.
D. Romualdo e D. Marcos foram adversários do pe. Feijó e de outros
padres seguidores do liberalismo eclesiástico, e também combateram os
vários projetos apresentados contra os regulares. D. Marcos questionou na
Câmara dos Deputados, como podia o Brasil admitir a entrada de
indivíduos de todas as religiões e, ao mesmo tempo, proibir a entrada de
clérigos católicos12.
Sobre os dois publicistas, de quem já foram dadas algumas informações
no primeiro capítulo ao se tratar da Regência, o pe. Luís Gonçalves dos
Santos, cognominado «Padre Perereca», foi talvez «o mais vocifero dos
primeiros ultramontanos no Brasil», tendo entrado em violentas disputas
com o pe. Feijó sobre a questão celibatária. Por sua vez, o inglês pe.
—————————–
9
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 32-33.
10
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 33.
11
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 34-35.
12
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 17 de maio de 1828, I, 91-103.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 199

Tilbury dedicou-se a combater a propagação do protestantismo, tendo


como companheiros seu amigo Andrews e o mencionado pe. Luís
Gonçalves dos Santos. Tanto o pe. Tilbury como o pe. Luís Gonçalves
tiveram o crédito de estarem entre os primeiros a atacar a maçonaria no
Brasil. Em 1826, Tilbury publicou Exposição Franca sobre a Maçonaria.
A contribuição do pe. Luís Gonçalves foi em forma de uma série de cartas
publicadas nos jornais do Rio contra a maçonaria e o Despertador
Constitucional, jornal maçônico da época13.
Os ultramontanos brasileiros durante o Segundo Império atuaram
principalmente por meio do episcopado, que logo formou um grupo de
padres reformados e leigos que os coadjuvavam. Eles, no entanto, não
lutaram sozinhos, pois tiveram grande ajuda dos representantes pontifícios,
das ordens religiosas reformadas, como os lazaristas, capuchinhos, jesuítas,
bem como de congregações femininas como as Filhas da Caridade e as
Irmãs de São José. A partir do final do primeiro Império se presenciou no
Brasil uma luta contínua, por parte dos ultramontanos, para reformarem a
Igreja brasileira e levá-la à plena ortodoxia de acordo com a Igreja Católica
Apostólica Romana. Luta essa que os ultramontanos, no final, venceram14.

1. Reforma católica ou «romanização»?


Ao contrário da Europa, onde as reformas definidas pelo Concílio
tridentino no século XVI era um fato antigo, no Brasil, até o início do
século XIX, tais inovações se resumiram a tentativas. A primeira delas foi
levada a cabo pelos jesuítas, ordem imbuída do espírito reformador
trindentino. Eles chegaram à América portuguesa em 1549, e logo
edificaram uma igreja em Salvador da Bahia, dedicada a Nossa Senhora da
Ajuda. Isso se repetiria em Porto Seguro, onde outro jesuíta, pe. Francisco
Pires, ergueu mais um templo de igual inspiração15. Ao pe. Pires sucedeu o
pe. Manoel da Nóbrega, que com outros vultos da Companhia de Jesus,
como os padres Ignácio de Azevedo, José de Anchieta e Gabriel Malagrida,
de norte a sul do país estenderam seu campo de ação aos engenhos e
fazendas, e aos índios das missões e reduções16.
Rapidamente os frutos desse labor se manifestaram numa grande
quantidade de capelas, igrejas e nas centenas de santuários marianos que a
—————————–
13
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 34-35.
14
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 36-38.
15
S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, I, 22.205; A. PIMENTEL,
História do culto de Nossa Senhora em Portugal, 217.
16
S. LEITE, Monumenta Brasilae, II, 62-64; ID., História da Companhia de Jesus no
Brasil, IV, 242-247.
200 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

piedade da jovem terra levantou. Criaram, também, colégios e Seminários


para educarem e catequizarem a população colonial. Todas imbuídas de
estreita observância das diretrizes da reforma tridentina17.
Os jesuítas, como se viu, foram expulsos em 1759, mas, nesse meio
tempo, uma segunda tentativa de se implementar a reforma no Brasil havia
sido levada a efeito pelo bispo D. Sebastião Monteiro da Vide (1643-1722)
que tentou convocar um Sínodo Provincial. Impossibilitado de fazê-lo, ele
realizou apenas um Sínodo Diocesano em 1707, elaborando as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, primeiro código
canônico brasileiro e único até o fim do Império. Realizadas sob os
preceitos tridentinos, estas constituições regeram todas as dioceses
brasileiras durante todo o Período Imperial, sendo constantemente citadas
pelos bispos e na legislação civil. A obra foi reeditada em 185318.
No entanto, sem a presença dos jesuítas, e sob os influxos do
«pombalismo», o regalismo de inspiração jansenista se infiltrou largamente
na Igreja brasileira, ao que se juntou forte influência do iluminismo e
posteriormente, na primeira metade do século XIX, também do liberalismo.
Quando o ultramontanismo começou a prevalecer no episcopado nacional,
a tendência de adaptar a Igreja no país aos ditames tridentinos foi retomada.
Fizeram-no, porém, em sintonia com o espírito do seu tempo, razão pela
qual, sucessivamente, se alinharam com as orientações do Papa Pio IX
contidas na Quanta Cura, Syllabus. O mesmo aconteceu em relação ao
Concílio Vaticano I. Em suma: as bases da reforma eclesial conduzida pelo
clero no Brasil foram os preceitos tridentinos e o ultramontanismo
desconfiado de certos aspectos da modernidade, aspectos que não se
constituíram em compartimentos estanques, mas estavam intimamente
interligados19.
Neste particular, recorda-se que, no decorrer do século XIX, os
eclesiásticos ou leigos católicos opositores ao liberalismo e ao regalismo no
Brasil, eram chamados pejorativamente pelos seus opositores de
«ultramontanos» e «jesuítas» (ou jesuítas disfarçados). Eles aceitaram a
denominação de «ultramontanos», após esboçarem alguma resistência,
quando entenderam que isso significava plena adesão à ortodoxia e
fidelidade ao Papa. Foram eles os agentes da implementação da reforma
eclesiástica que vingou, enquanto falhara aquela de cunho liberal-regalista,
intentada pelo liberalismo eclesiástico liderado pelo pe. Feijó durante a
—————————–
17
Cf. F. C. P. LIMA, A Virgem e Portugal, I, 219.
18
Cf. S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
19
Um recente trabalho sobre a reforma da Igreja nessa linha é D. R. VIEIRA, O
Processo de Reforma e Reorganização da Igreja no Brasil.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 201

Regência e pelo regalismo Imperial do Segundo Império. Daí que os


termos ultramontanismo e reforma foram aceitos e utilizados por ambas as
partes por todo o século XIX20.
No entanto, na década de 1870, outro termo foi introduzido, ainda que
pouco difuso na época. A sua popularidade chegou somente no século
sucessivo, nas décadas de 1950-60. Este termo era o de «romanização» da
Igreja brasileira. O criador de tal neologismo pejorativo foi o teólogo
alemão Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799-1890), sacerdote da
Baviera. Entre 1850 e 1870, ele publicou uma série de artigos nos jornais
alemães Allgmeine Zeitung e Nuue freie Press, contendo restrições ao
magistério pontifício e ao pontificado de Pio IX21.
Sua crítica era dirigida principalmente contra o que ele definia como
«romanização da Igreja alemã», propondo como alternativa a instituição de
uma igreja nacional sob a autoridade de um primaz, com sínodos
diocesanos, provinciais e nacionais. As suas Papstfabeln des Mittelalters
(1863) foram condenadas pela Santa Sé, mas ele não se retratou, pelo
contrário, publicou outras obras sobre o mesmo tema. A mais famosa delas
– Der Papst und das Konzil (O Papa e o Concílio) – criticava
veementemente a proposta de transformar em dogma a infalibilidade papal,
sem se esquecer de repetir que «o ideal dos ultramontanos era a
“romanização” de cada uma das igrejas». Além disso, enviou uma cópia
deste livro à assembléia conciliar reunida em 1870, por ocasião do Concílio
Vaticano I22.
A tentativa foi inútil, já que a definição dogmática da infalibilidade
pontifícia foi aprovada. Döllinger se refutou em aceitá-la e acabou sendo
excomungado em 1871. Seu pensamento, contudo, atravessou o Atlântico e
foi instrumentalizado em beneficio de um objetivo que, provavelmente, ele
nunca havia previsto: a defesa da submissão da Igreja no Brasil ao
regalismo institucionalizado do Segundo Império. O autor desta proeza foi
o baiano Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), que traduziu o Der Papst
und das Konzil em 1877, escrevendo uma introdução duas vezes maior que
a obra traduzida, em que se serviu do termo romanização para legitimar o
regalismo liberal vigente no Império do Brasil. Partindo de uma premissa
—————————–
20
Para encontrar estes termos em utilizo na época, basta um rápida consulta aos
Anais do Parlamento Brasileiro, quando se discutia qualquer tema religioso, sem falar
nos vários jornais católicos ou anticatólicos que circulavam na época. No decorrer da
dissertação vários trechos dos Anais do Parlamento contendo estes termos serão
apresentados [ndr.].
21
DTPSO, 390.
22
H. VON SRBIK, Cultura e storia in Germania dall’umanesimo ad oggi, II, 533-534.
202 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

semelhante, Rui atacava tudo aquilo que supunha ser os sustentáculos da


reforma eclesiástica que vinha acontecendo no país – e que tinha rompido
com a tradição regalista – entre elas, o «jesuitismo», o «romanismo», a
«repugnante ortodoxia romanista», e o «sacerdócio romanista», vistos
come manifestações «da doença universal» ultramontana. Superando
Döllinger em agressividade verbal, ele levou a sua defesa da autocefalia
eclesial às últimas conseqüências:
A crença tradicional no Catolicismo, crença até por declarações pontifícias
justificada mais de uma vez, de que o Papa é capaz de resvalar à heresia e de
que a soberania eclesiástica que está nos concílios perpetuou-se na mais ilustre
das igrejas nacionais, a Igreja Galicana. Não houve talvez, antes da sua recente
romanização [o grifo do autor], um sínodo importante que ali não afirmasse a
subalternidade dos papas à autoridade do Concílio Geral. [...] O episcopado
abdicou, é certo, afinal, à consciência e ao dever aos pés do ídolo
ultramontano. [...] A primeira conseqüência dessa nova fase, aparentemente
religiosa, é a absorção da Igreja pelo papado23.
Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895), o grão-mestre do Grande
Oriente do Vale dos Beneditinos, no Rio de Janeiro, sabendo do trabalho
que estava sendo realizado por Rui Barbosa, o procurou e lhe ofereceu a
cifra de 50 contos de reis e a promessa de adquirir 1500 exemplares da obra
para a sua loja maçônica, se ele a publicasse24. Rui Barbosa, então um
exaltado jovem de 27 anos, aceitou imediatamente e, em 1877, o livro foi
impresso no Rio de Janeiro pela «Brown & Evaristo editores». No entanto,
não trouxe para a maçonaria os frutos esperados e a Rui Barbosa causou
somente desprazeres: Saldanha Marinho não lhe pagou os 50 contos
prometidos, a loja maçônica devolveu 350 volumes do total enviado e Rui
ganhou a oposição política de grande número de católicos. Mais tarde,
reconciliado com o Catolicismo, Rui Barbosa renegou a referida obra,
fazendo uma confissão de desconcertante sinceridade: «Escrevi aquilo (O
Papa e o Concilio) no inicio da minha vida para sustentar minha esposa. O
Saldanha Marinho me prometeu cinqüenta contos, que seria uma fortuna
para mim. Recebi imediatamente o castigo, já que o Saldanha nunca me
pagou»25.

—————————–
23
R. BARBOSA, O Papa e o Concílio, 11-12.46.73.76.91.167.
24
L.VIANA FILHO, Rui & Nabuco,133-134.
25
L.VIANA FILHO, Rui & Nabuco, 134. Sobre a divulgação do conceito de
romanização no Brasil por Rui Barbosa e as suas conseqüências políticas para seu
formulador consultar: D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja
no Brasil, 294-296.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 203

A partir de 1950, alguns estudos acadêmicos ressuscitaram o termo


romanização. Os responsáveis por isso foram dois brasilianistas: o
sociólogo francês Roger Bastide (1898-1974) e o historiador estadunidense
Ralph Della Cava, professor da Universidade de Colúmbia. A romanização
é discutida no artigo clássico de Roger Bastide, Religion and the Church in
Brasil, enquanto Ralph Della Cava o faz a partir dos aportes que Bastide
apresentou e desenvolveu em torno dos conceitos de ultramontanismo e
romanização26.
Roger Bastide usa a expressão «igreja romanizada», que seria a
afirmação da autoridade de uma igreja institucional e hierárquica
estendendo-se sobre todas as variações populares do catolicismo. Na
opinião deste autor, no Brasil ela vem através do movimento reformista do
episcopado, em meados do século XIX, para controlar a doutrina, a fé, as
instituições e a educação do clero e laicato, levando a uma dependência
cada vez maior, por parte da Igreja brasileira, de padres estrangeiros,
principalmente das congregações e ordens missionárias, para realizar «a
transição do catolicismo colonial ao Catolicismo universalista, com
absoluta rigidez doutrinária e moral». Na busca destes objetivos o
episcopado agiu independentemente e mesmo contra os interesses políticos
locais, que se baseavam no regalismo de tradição lusitana27.
Segundo Luciano Dutra Neto, Roger Bastide dava ênfase à identidade e
universalidade do catolicismo, termo que em sua conotação primeira
(κατολικοσ) encerra tal significado, buscando uma absoluta rigidez
doutrinária e moral, deixando entender a inexistência de tal identidade no
Brasil. Dutra Neto, chama a atenção que a adoção do termo romanização
para denominar o esforço de reforma católica ocorrida no Brasil, «traz em
seu nascedouro a marca de um estudioso que, como protestante,
denominava os católicos de romanistas, em sentido francamente
pejorativo»28.
Ralf Della Cava no seu celebre livro Milagre em Joaseiro, reforça e
amplia o sentido acenado por Roger Bastide. Para ele, D. Luís Antônio dos
Santos, primeiro bispo do Ceará (1854), foi a encarnação dos ideais da
romanização. Segundo o autor, o objetivo dele era: «Restaurar o prestígio
da Igreja e a ortodoxia de sua fé e remodelar o clero, tornando-o exemplar e
—————————–
26
ROGER BASTIDE, «Religion and the Church in Brazil», em T. L. SMITH – A.
MARCHANT, Brazil: Portrait of Half Continent, 334-335; R. DELLA CAVA, Milagre em
Joaseiro, 31-34. 43-44.nota 33; Cf. F. J. C. PARENTE, A fé e a razão na política, 36-37.
27
R. DELLA CAVA, Milagre em Joaseiro, 43, citando ROGER BASTIDE, «Religion and
the Church in Brazil», 334-355.
28
L. DUTRA NETO, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas, 30-31.
204 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

virtuoso, de modo que as práticas e crenças religiosas do Brasil pudessem


ficar de acordo com a fé católica, apostólica e romana de que a Europa se
fazia então estandarte»29.
Na concepção de Della Cava a romanização já não traz a conotação de
identidade e universalidade da Igreja, num movimento que buscava a
restauração do seu prestígio e a adequação das práticas e crenças religiosas
«tradicionais» com a fé católica. Ele coloca o movimento reformista como
algo que há de se opor ao «catolicismo popular». Della Cava tende a
privilegiar o devocionismo, as crenças populares e, até mesmo, a
indisciplina hierárquica30.
Atualmente grande parte da historiografia produzida no Brasil utiliza o
conceito de romanização como «lugar-comum nos estudos acerca do
catolicismo durante os séculos XIX e XX»31. Isso porque, na década de
1960, referido conceito ganhou novamente evidência, graças à
reapropriação que dele fizeram certas correntes teológicas, sociológicas e
antropológicas então desenvolvidas no Brasil. Assim, sem dar a devida
explicação sobre a origem de tal termo, ou levar em conta o sentido
ambíguo que sempre o caracterizou, aplicaram-no com inusitada
desenvoltura. Um dos primeiros a reutilizá-lo foi o sacerdote belga
radicado no Brasil, José Comblin no seu texto Situação histórica do
catolicismo no Brasil, de 196632.
Este autor defende que existiu uma progressiva europeização das elites
brasileiras a partir de 1822 até meados do século XX, e que um processo
similar aconteceu com o Catolicismo, ou seja, uma europeização cultural e
religiosa. Na sua abordagem ele distingue um Catolicismo urbano, afinado
com a europeização da religião e da cultura laica, e um catolicismo rural,
no qual resiste o «Catolicismo tradicional»33.
A partir daí, o conceito de romanização, de uma possível característica
da reforma eclesial, realizada durante a segunda metade do século XIX e
primeiras décadas do século XX, foi-se transformando, praticamente, em
sinônimo do mesmo processo, ou até mesmo, em sinônimo de
ultramontanismo. O curioso e constrangedor é constatar que nenhuma
publicação católica do período tenha tido a preocupação de investigar a sua

—————————–
29
R. DELLA CAVA, Milagre em Joaseiro, 33
30
L. DUTRA NETO, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas, 31.
31
E. S. RIBEIRO, Igreja Católica e Modernidade no Maranhão, 33.
32
J. COMBLIN, «Situação histórica do catolicismo no Brasil», em REB, XXVI, fasc.
3, 575-601.
33
J. COMBLIN, «Situação histórica do catolicismo no Brasil», em REB, XXVI, fasc.
3, 595.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 205

origem, continuando a usá-lo com insólito pouco senso crítico. Foi o que
aconteceu em 1974, quando a Revista Eclesiástica Brasileira (REB),
publicou um artigo de Riolando Azzi intitulado: O movimento brasileiro de
reforma católica durante o século XIX34, em que, sem reserva, dito autor
sustentava que uma das características da reforma realizada pelos bispos
ultramontanos no país era aquela de ser um movimento «romanista». Esta
era a sua definição:
Durante os séculos XVIII e XIX os católicos da Europa se cindiam em dois
grupos: os chamados católicos regalistas, galicanos ou jansenistas, que
defendiam as interesses de uma igreja mais vinculada à sua nação, sob certa
dependência do poder civil e com cunho de ação marcadamente político, e os
designados como católicos «romanos» ou «ultramontanos», que apregoavam
uma adesão incondicional ao Papa, dentro de uma Igreja de caráter universal,
mas sob a orientação exclusiva da Santa Sé35.
Ele explicou o desenvolvimento desse movimento desta maneira:
No Brasil, a vinculação com Roma fora muito débil no período colonial,
pela forma que a Igreja assumiu dentro do regime de padroado. Mas, a partir
do século passado, especialmente por influencia do novo espírito trazido pelos
lazaristas, a Igreja do Brasil passa a proclamar sua adesão total ao Papa,
tentando desvincular-se das poderosas malhas do padroado imperial. Esse
cunho romanista [grifo do autor] que marca a renovação católica, representa
uma opção consciente dos bispos reformadores. É para Roma que D. Viçoso
envia seus melhores alunos e colaboradores, a fim de completar a formação
sacerdotal, capacitando-se para a direção dos seminários [...] É também em
Roma que se forma D. Macedo Costa, o grande líder da Reforma da Igreja no
Brasil36.
Riolando Azzi, por muitas vezes se referiu à ação dos ultramontanos
como um movimento de reforma ou de renovação, também definiu os
bispos que o conduziram como reformadores. Isso porque, ele aceita o fato
que durante quase toda a história religiosa do Brasil, desde a implantação
do primeiro bispado em 1551, até o primeiro concílio plenário brasileiro
em 1939, o episcopado assumiu como ação pastoral prioritária a
implantação da reforma tridentina, com posteriores acréscimos do Concílio

—————————–
34
R. AZZI, «O movimento brasileiro de reforma católica durante o século XIX», em
REB, XXXIV, fasc. 135, 646-662.
35
R. AZZI, «O movimento brasileiro de reforma católica durante o século XIX», em
REB, XXXIV, fasc. 135, 649.
36
R. AZZI, «O movimento brasileiro de reforma católica durante o século XIX», em
REB, XXXIV, fasc. 135, 649.
206 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Vaticano I. Azzi, entretanto, prefere enfatizar que neste movimento, ao


mesmo tempo em que a prática sacramental se tornava prioritária, os bispos
geralmente mantinham uma atitude de reserva em relação ao «catolicismo
tradicional» nativo. A razão era que, além de possuir um caráter
marcadamente devocional, esta vertente da piedade popular se encontrava
eivada de regalismo. Ambas as características herdadas de Portugal. Os
bispos reformadores do século passado buscavam a reforma da Igreja no
Brasil, para moldá-la aos princípios tridentinos, colocando ênfase na
organização hierárquica eclesiástica e na praxe sacramental, levado-a
avante nas diversas classes de membros que compunham a estrutura da
Igreja: clero, ordens religiosas e leigos37.
Foi José Oscar Beozzo, no entanto, em seu artigo Irmandades,
Santuários, Capelinhas de beira de estrada, publicado em 1977, quem
colocou o conceito romanização como algo consolidado:
Já se tornou clássico chamar de «romanização» [grifo do autor] o processo
a que foi submetida à Igreja do Brasil entre 1880 e 1920, processo que já
encontra suas raízes na ação dos bispos reformadores, tendo à frente Dom
Viçoso de Mariana, e que já se inicia praticamente em torno dos anos
cinqüenta. Este processo encontra sua contrapartida na decisão de Roma de
cuidar melhor da América Latina, através de uma formação mais acurada e
romana de seu clero e que se traduziu pela fundação em 1854 do Colégio Pio-
Latino-Americano em Roma onde será formada boa parte do episcopado
latino-americano das décadas posteriores38.
Como nota Luciano Dutra Neto, ele avança ainda mais na conceituação
de romanização levando o conceito «ao quase paroxismo de uma luta
dentro do Catolicismo»39. Beozzo afirma, ainda, que: «uma das descobertas
fundamentais do atual debate sobre a História da Igreja no Brasil é o
aspecto crucial de que se revestem as transformações por que passou a
Igreja num curto período que vai de 1880 a 1920». Nesse pressuposto, ele
delimita um novo período histórico, acentuando o que acredita ser o
aspecto crucial que envolveu tais transformações:
Podemos dizer que neste período rompe-se o equilíbrio entre o
abrasileiramento do catolicismo pela sua convivência com a senzala e o índio,
pelo cruzamento de tradições reinóis e da terra, catolicismo mestiço e barroco,

—————————–
37
R. AZZI, O episcopado do Brasil frente ao catolicismo popular, 111-112
38
J. O. BEOZZO, «Irmandades, Santuários, Capelinhas de Beira de Estrada», em REB,
XXXVII, 745.
39
L. DUTRA NETO, Luciano. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas,
31.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 207

convivendo com reizados e congadas, com Irmandades de Nossa Senhora dos


Pretos e São Benedito e a sua «europeização» embutida na luta por um
catolicismo mais «puro», mais «branco», mais ortodoxo, mais próximo de
Roma. Dizemos que o equilíbrio se rompeu pois um dos dois catolicismos
passa a ser considerado ilegítimo e supersticioso, um mal a ser extirpado
enquanto o outro impõe-se como o único legítimo e reconhecido pela
hierarquia da Igreja40.
Ou seja, a visão de Beozzo enquadra a romanização numa luta em que o
catolicismo mais «puro» (menos sincretista), mais «branco» (menos ligado
às religiões africanas ou indígenas), e mais «ortodoxo», porquanto mais
próximo de Roma, procurava sufocar o catolicismo mestiço e lusitano. Ele
explicita os meios através dos quais a hierarquia pretendeu fazer isso,
dando destaque às medidas disciplinares que visavam eliminar abusos e
resgatar a identidade doutrinária e moral do catolicismo. Luciano Dutra, no
entanto, ressalva que «não se pode afirmar categoricamente que a Igreja
considerou as manifestações populares e autóctones como um “mal a ser
extirpado”»41.
As medidas apontadas por Beozzo, visavam principalmente coibir as
manifestações do «catolicismo popular», substituindo-o por um
«catolicismo romanizado». Entretanto, Luciano Dutra evidencia que, ainda
hoje existem as congadas, os reizados, as romarias, os leilões, as
procissões, a devoção aos santos, as promessas, as salas de milagres anexas
aos centros de devoção e outras mais, comprovando que nos «ditos abusos
não estavam compreendidas manifestações populares e até mesmo
folclóricas da religiosidade popular»42.
Em 1979, em uma tese de doutorado intitulada Religião e dominação de
classe: Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil,
Pedro Ribeiro de Oliveira, procurou desenvolver uma hipótese sociológica
que explicasse a romanização como um processo de transformações
religiosas condicionado pelas mudanças econômicas, políticas e sociais43.
Na sua analise ele afirma que:
Este processo de reestruturação do aparelho religioso católico tem um duplo
aspecto. Por um lado, os bispos brasileiros reforçam seus laços com a Santa Sé
e fazem vir da Europa numerosas congregações religiosas masculinas e
femininas [...] por outro lado eles pautam sua atividade pastoral pela adaptação
—————————–
40
J. O. BEOZZO, «Irmandades, Santuários, Capelinhas de Beira de Estrada», em REB,
XXXVII, 743.
41
L. DUTRA NETO, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas, 31-33.
42
L. DUTRA NETO, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas, 31-33.
43
Cf. P. R. OLIVEIRA, Religião e dominação de classe.
208 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

do catolicismo brasileiro ao modelo romano, travando acirrado combate contra


o catolicismo popular tradicional [...] Dada a influência marcante da Santa Sé
nesse processo – já que Roma envia agentes religiosos para o Brasil e dá o
modelo religioso a ser aqui implantado [grifos do autor] – ele tem sido
chamado de «romanização»44.
Ribeiro de Oliveira também coloca a romanização como um movimento
que pretendia sufocar o catolicismo popular: «Analisando a romanização,
vimos que o conjunto de transformações operadas por seus agentes [grifos
do autor] tem por fim a reestruturação do aparelho religioso, colocado sob
o controle clerical, e a substituição do catolicismo popular pelo catolicismo
romano»45.
Contra este conceito de romanização desenvolvido a partir dos estudos
de Batiste, Della Cava, Azzi, Beozzo e Oliveira, vão os resultados das
pesquisas de Luciano Dutra Neto, que estudou a ordem religiosa dos
redentoristas no Brasil, ou seja, uma destas congregações que supostamente
seriam «agentes de Roma». Ele percebeu a estreiteza do conceito
romanização, não vendo em tais religiosos «enviados romanos» com
ordens pré-estabelecidas, mas missionários que criaram soluções derivadas
do contato direto com ambiente social, religioso e político que encontraram
no Brasil:
Tal choque foi vivido com as naturais hesitações, dúvidas e incertezas de
homens que não traziam fórmulas prontas e definitivas o que lhes permitiram
incorporar, ou seja, inculturar aquilo que muitas vezes se lhes apresentava
como estranho ou, até mesmo, inaceitável [...] Ao se enquadrar o fato das
«santas missões» num esquema generalizante como de romanização corre-se o
risco de não perceber as motivações internas de seus promotores, as
especificidades e meandros, bem como, o ethos missionário da Congregação
do Santíssimo Redentor [...] Por quê identificar a vinda dos religiosos que
aportaram ao Brasil de então como «agentes da romanização», como enviados
de Roma para sufocar o catolicismo popular? A verdade é que muitos
estudiosos têm apontado a vinda de missionários estrangeiros para o Brasil,
dentre eles os redentoristas, como agentes da romanização. Quando se afirma
que os missionários estrangeiros vieram como agentes da romanização da
Igreja no Brasil, pretende-se desfigurar seu trabalho e mesmo, desconhecer os
projetos internos que marcam a história de cada instituto [grifo do original]46.

—————————–
44
P. R. OLIVEIRA, Religião e dominação de classe, 12.
45
P. R. OLIVEIRA, Religião e dominação de classe, 326-327.
46
L. DUTRA NETO, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas, 29, 39,
258.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 209

O conceito de romanização apareceu já formulado no tomo II/2 da


clássica obra História da Igreja no Brasil, publicado em 198047. Este
conceito evidencia um suposto antagonismo entre o Catolicismo tradicional
e popular predominante até meados do século XIX, e o Catolicismo
«renovado», cujo caráter, era «nitidamente romano». Mais que isso, o
conceito romanização foi assumido dentro de uma concepção sociológico-
histórica que não dispensava certa inspiração marxista, a qual, em alguns
casos, se tornava comprometida e militante. Partindo deste pressuposto, o
Catolicismo tradicional era entendido como proveniente dos «pobres» e do
«povo», e o Catolicismo «ultramontano» ou «romanizado», como oriundo
das «elites» e dos «ricos», aliados da Igreja «romana». Tal interpretação
simplista induzia a crer que durante o Segundo Império houve uma real e
premeditada aliança entre o «Trono e o Altar», para controlar e dominar o
«povo»48. Atualmente estão sendo desenvolvidos alguns trabalhos em que
se tenta relacionar os conceitos de «romanização» e «modernidade»49.
Em um artigo recente, Antônio Lindvaldo Sousa, entra diretamente no
tema de metodologia da História da Igreja no Brasil, intitulado: Da
História da Igreja à História das Religiosidades no Brasil: uma reflexão
metodológica. Nele, o autor trata do conceito de romanização, aceitando
passivamente o processo que sofreu o termo, passando de uma possível
característica da reforma a significar: ou um sinônimo de ultramontanismo
ou, pior ainda, sinônimo da reforma num sentido ainda mais amplo50. E não
—————————–
47
E. HOORNAERT – al. História da Igreja no Brasil, II/2, 9.144.
48
R. AZZI, «Catolicismo popular e autoridade eclesiástica na evolução histórica do
Brasil», em Religião e Sociedade, n.1, 125-149; ID., O catolicismo popular no Brasil;
ID, O Altar unido ao Trono: um projeto conservador; P. R. OLIVEIRA – al, Evangelização
e comportamento religioso popular.
49
Cf. E. S. RIBEIRO, Igreja Católica e Modernidade no Maranhão.
50
Lindvaldo Sousa define da seguinte maneira o conceito romanização: «O termo
“romanização”, é necessário destacar, assemelha-se ao “ultramontanismo”, que
inicialmente significava a vinculação dos católicos franceses à Santa Sé.
Posteriormente, seu significado ampliou-se, indicando, em qualquer parte do mundo, a
obediência e a defesa dos interesses da Cúria Romana. Por outro lado, a romanização
pode ser considerada um extensão do ultramotanismo, constituindo-se em uma política
elaborada pelo Vaticano e posta em prática em todos os países católicos, numa tentativa
de retomar os valores tridentinos – abrandados ou deturpados ao longo do tempo – para
enfrentar as inovações do mundo moderno e, em especial, o liberalismo. Um outro
aspecto fundamental para o entendimento da política de romanização diz respeito ao
estabelecimento, portanto, um reforço à teologia tridentina». De acordo com Riolando
Azzi, a autoridade papal passou a ser o grande centro irradiador da verdade de salvação
para o mundo inteiro. Portanto, já não se difundia mais aqueles ideais de salvação
incorporados à nação, mas uma salvação incorporada à instituição eclesiástica. O leitor
210 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

só: ele coloca o conceito na pena de Augustín Wernet, dizendo que o


mesmo estudou «aspectos do processo de romanização», quando na
verdade, dito autor sequer utiliza tal conceito em seu trabalho. O próprio
Lindvaldo, aliás, confessa logo a seguir, no seu texto, que Wernet optou
por uma abordagem que entende a história eclesiástica como a história de
sucessivas «autocompreensões», ou seja, Wernet apresentou uma
alternativa ao conceito de romanização, que praticamente foi ignorado pela
produção historiográfica brasileira. Autocompreensão, nada mais é que
uma busca da própria identidade, sendo esta idéia muito mais adequada ao
processo de reforma da Igreja no século XIX51.
É por esse caminho que vai Mons. Maurílio César de Lima, quando
defende que «romanização» é «uma expressão não propriamente feliz, a
substituir-se, talvez, por auto-conscientização», que para ele quer dizer um
«sutil movimento verificado na Igreja do Brasil, liderado por figuras
destacadas do clero, que se afastava das normas e mentalidade da Igreja
lusitana (ainda mantidas) e assumia uma postura mais aproximativa de
Roma». Ao contrário de Lindvaldo, que aceita o forçado alargamento do
conceito de romanização, César de Lima o analisa na sua portada original,
ou seja, como uma possível característica do processo de reforma e, mesmo
assim, constata a sua inadequação52.
É interessante citar um documento sobre o envolvimento em política de
D. Romualdo e outros bispos. O Arcebispo foi louvado tanto pelo Estado
quanto pela Santa Sé. Em relação a esta última, frente a algumas
reclamações do Internúncio Mons. Campodonico de que a participação dos
bispos em política prejudicava a administração eclesiástica das dioceses,
pela longa ausência dos respectivos prelados, o Cardeal Lanbruschini,
Secretário de Estado, em um despacho, expressou quais eram as instruções
e opiniões da Cúria sob este ponto. O despacho é de 22 de março de 1842,
e assim instruía:
Ed eccomi incidentalmente a quella parte delle sue lagnanze toccanti alla
lunga assenza dei medesimi Vescovi dalla propria Diocesi a ragione del Loro

deve notar que Lindvaldo coloca o processo, do que ele chama de «romanização», como
sendo de mão única Santa Sé  Igrejas locais, o que não condiz com os fatos, que
demonstram uma via de mão dupla. [A. L. SOUSA, «Da História da Igreja à História das
Religiosidades no Brasil: uma reflexão metodológica», em C. C. BEZZERA – al., Temas
de Ciências da Religião, 251-267].
51
Cf. A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX.
52
M. C. LIMA, Breve História da Igreja no Brasil, 123; A. L. SOUSA, «Da História da
Igreja à História das Religiosidades no Brasil: uma reflexão metodológica», em C. C.
BEZZERA – al., Temas de Ciências da Religião, 251-267.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 211

intervento alle enunciate Camere. Senza dubbio da tale assenza non può non
risentire grave danno al gregge ad essi rispettivamente affidato, quantunque,
come io accennavo poco anzi, non sia d’altronde piccolo il bene da potersi
sperare per la parte che prendono i Prelati medesimi alle Sessioni delle
Camere Legislative. Spetta ai medesimi il conciliare la cosa in modo che
vengano, se non esclusi, almeno diminuiti in gran parte i mali provenienti
dalla Loro assenza dalle proprie Diocesi. Ciò si otterrebbe per quanto mi
sembra colla corrispondente nomina di uno o più Vicari, secondo la vastità
delle stesse Diocesi, presso i quali rimanga l’amministrazione Diocesana
durante l’assenza del rispettivo Pastore. Ella ben concepisca da ciò la sostanza
di quelle pratiche che sull’argomento in discorso Le incombono verso i vari
Vescovi di codesto Impero, ai quali per ultimo non mancherà di far
prudentemente intendere chi essendo il proprio Loro ufficio quello di attendere
allo spirituale governo delle Diocesi cui vennero destinati, come padri e
pastori, sono in coscienza tenuti a non assentarsene, ancorché precariamente,
quando non abbiano i mezzi di lasciarle convenientemente assistite53.
Pode-se notar, deste documento, que o desejo da Santa Sé era que os
bispos continuassem a aproveitar o direito de ocupar cargos eletivos na
Câmara e no Senado, sem, no entanto, deixar de prover adequadamente ao
governo das suas dioceses. Este documento é de 1842, e os bispos que
foram nomeados partir de 1844, renunciariam a participação política,
contrariamente a tais instruções da Santa Sé, o que reflete que este
posicionamento dos prelados brasileiros não foi devido a uma ordem vinda
«de cima», mas de um desejo que nasceu das próprias circunstâncias da
Igreja nacional. O documento citado ajuda a demonstrar quanto seja
inadequado o conceito de romanização, que tende a favorecer a
interpretação de que a reforma católica iniciada no século XIX tenha sido
um movimento de mão única, que partia da Santa Sé e era cumprida pelos
bispos e outros «agentes de Roma»54.
A necessidade de afastar-se a si e a seu clero da política partidária foi
sentida por D. Viçoso bispo de Mariana, de formação lazarista e
ultramontana, mas também pelo bispo de São Paulo, D. Antônio Joaquim
de Mello, simples padre de Itu, que se formou e exercitou seu sacerdócio
dentro do catolicismo «tradicional», sendo ele a maior contradição às
explicações simplistas dos defensores da romanização. Todavia o
documento citado não é o único neste sentido, pois vários outros podem ser

—————————–
53
ASV, NAB, Dispaccio, 22 de março de 1842, Cx. 18, fasc. 76, doc. 78, f. 178r-
178v.
54
ASV, NAB, Dispaccio, 22 de março de 1842, Cx. 18, fasc. 76, doc. 78, f. 178r-
178v.
212 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

encontrados nas teses de doutorado de: Dilermando Ramos Vieira, O


processo de Reforma e reorganização da Igreja no Brasil (1844-1926),
defendida em 2005 na Pontifica Universidade Gregoriana55 e de Luciano
Dutra Neto, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas. Uma
contribuição à história das missões redentoristas, durante os primeiros
trinta anos de trabalho em Minas Gerais, defendida pela Universidade
Federal de Juiz de Fora em 200656, e também nos próximo capítulos desta
dissertação57.
É interessante constatar que isso aconteceu quase contemporaneamente,
em dois pontos geográficos distantes e em escolas históricas muito
diferentes: a Pontifícia Universidade Gregoriana e a Universidade Federal
de Juiz de Fora, pesquisadores, mesmo se por necessidades diversas,
começaram a advertir a inadequação do conceito romanização aos
resultados produzidos pelas suas respectivas pesquisas. Dilermando Ramos
Vieira, suspeitoso de tal conceito, foi resgatar as suas origem no Brasil,
partindo do inicio da sua utilização a partir da obra o Concilio e o Papa
traduzido por Rui Babosa, como já foi apresentado acima. Luciano Dutra
achou tal conceito estreito e condicionador em relação aos redentoristas por
ele pesquisado. Enquanto nos próximos capítulos desta dissertação,
estudando as relações dos ultramontanos com o Estado e com a Santa Sé,
será possível perceber que não existiam «ordens» pré-estabelecidas vindas
de Roma ou «agentes da romanização» enviados pela Santa Sé, mas uma
constante troca de informações e discussões entre bispos, Governo e Santa
Sé (e ao interno da estrutura desta última, entre os Cardeais das várias
Sacras Congregações e da Secretária de Estado), sobre cada um dos
aspectos da religiosidade no Brasil, exatamente com intuito de tomar
decisões que fossem de acordo com as exigências e especificidades locais
de cada diocese brasileira e também do Brasil como um todo58.
O período histórico aqui estudado vem sendo alvo de leituras
condicionadas pela idéia de romanização, de modo a constituir um «senso
comum» acadêmico, criando verdadeiras simplificações e oferecendo uma
chave de fácil leitura para toda a complexidade do fenômeno marcado pela
reforma do catolicismo brasileiro durante o Império e as primeiras décadas
de República. Tal conceito, provavelmente, satisfez as necessidades e os
—————————–
55
Tese já publicada pela Editora Santuário em 2007 [ndr.]
56
Esta tese ainda não foi publicada.
57
Ver também: I. SANTIROCCHI, «A ação da Santa Sé nos Negócios Eclesiásticos da
Província do Brasil durante o Segundo Império», em Anais Eletrônicos do XI Simpósio
Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões.
58
Consultar o restante deste capítulo e também o VI e V.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 213

questionamentos dos historiadores da década de 1950 até o início do século


XXI, porém não se sustenta frente aos novos questionamentos que vêm
surgindo. É difícil não concordar com Luciano Dutra Neto quando ele diz
que não se pretende reduzir ou «até mesmo aniquilar os valores de tal visão
[da romanização], senão oferecer ao estudioso de história do catolicismo
brasileiro uma ótica que possa cobrir a insuficiência de tal conceito e
contrapor, ao que tornou-se paradigma, uma nova possibilidade de enxergar
o passado», neste sentido o autor defende que: «ao fugir de uma visão una e
supostamente completa» (a visão da romanização), estaria dialetizando,
diversificando e colocando alternativas para uma melhor compreensão dos
fatos que marcaram uma fase da história do Catolicismo no Brasil, o que
representaria «uma contribuição ao espírito científico»59.
É difícil reduzir os personagens históricos que serão apresentados neste
capítulo a meros «agentes de Roma». Por este e outros motivos
apresentados anteriormente, em lugar de romanização preferiu-se, na
presente dissertação, utilizar o conceito de reforma. Isto será feito também,
porque o referido conceito foi aceito tanto pelos ultramontanos quanto
pelos regalistas do século XIX, e por ser mais abrangente, permitindo uma
visão global e menos condicionada por ideologias hodiernas60.

2. Os pioneiros do ultramontanismo no episcopado brasileiro


Dois bispos podem ser considerados os pioneiros do ultramontanismo no
Brasil, a saber:
a) D. fr. José da Santíssima Trindade (1762-1835): fr. José da Santíssima
Trindade, quando se tornou bispo de Mariana, já possuía um currículo
bastante extenso61. Sua nomeação episcopal aconteceu em 13 de maio de
—————————–
59
L. DUTRA NETO, Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas, 29, 258.
60
O conceito ultramontanismo chegou também a receber algumas críticas devido ao
seu sentido geográfico (além dos montes), como não sendo ideal ao Brasil, sugerindo-se
que seria melhor utilizar romanização, por vir de Roma. No entanto, no século XIX este
conceito já estava praticamente desvinculado desta associação geográfica, existindo
ultramontanos mesmo dentro de Roma, representando, então, um conjunto de ideais
políticos, eclesiásticos, teológicos e dogmáticos[ndr.].
61
José Leite nasceu no Porto, em 13 de agosto de 1762, filho de Antônio Leite e
Quitéria Maria. Cursou os primeiros anos das letras secundárias no Seminário episcopal
do Porto. Aos 16 anos se transferiu para o convento de Santo Antônio, na Bahia, onde
prosseguiu até a conclusão dos estudos secundários. Em 1779, com dezessete anos
incompletos, José Leite recebeu o hábito da penitência e, no ano seguinte, professou no
convento de Santo Antônio de Paraguaçu. Cursou três anos de Filosofia e de Teologia
no convento de Salvador e se ordenou. Em 1787, foi nomeado pregador e, em 1790,
214 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

1818, após o que, no dia 12 de novembro seguinte, D. João VI pediu


confirmação à Santa Sé. No dia 19 de dezembro do mesmo ano, já no Rio
de Janeiro, escreveu ao Papa solicitando seu beneplácito para a posse. Para
Raimundo Trindade, a dita carta é «surpreendente como raridade preciosa
no regime do padroado, na vigência de um governo saturado de josefismo e
que apenas se libertara do nepotismo de Pombal». Fr. José foi confirmado
em 27 de setembro de 1819. Em 25 de março de 1820, tomou posse por
procuração e sagrou-se em 9 de abril do mesmo ano, pelas mãos de D.
Caetano da Silva Coutinho (1768-1833), bispo do Rio de Janeiro62.
D. fr. José buscou aplicar no Brasil as determinações do Concílio
Tridentino, defendeu a obediência a Cúria romana, um poder hierárquico
mais forte e ao mesmo tempo a união com a Coroa. Algumas de suas
principais preocupações foram: o Seminário episcopal que estava fechado
há nove anos e ameaçando ruína, reabrindo-o em 23 de janeiro de 1821, a
correção do clero e a decência e esplendor do culto e das Igrejas,
principalmente por meio das suas visitas pastorais, sobre as quais deixou
uma abundante documentação que foi publicada em 199863.
Sua excessiva preocupação com a parte exterior do culto católico
(templos, paramentos, vestimentas, etc.) ainda era um traço marcante da
presença do «Catolicismo tradicional» que conservava, mas, ao mesmo
tempo, ele já apresentava várias das características dos futuros bispos
integralmente ultramontanos, sendo um prelado de transição, como seu

recebeu jurisdição para confessar homens. Em 1793, foi nomeado presidente da


comunidade de Paraguaçu, mas não aceitou o cargo, preferindo o de «passante a mestre
de noviços de Paraguaçu» (professor). Em 1796, com 34 anos, recebeu jurisdição de
confessor geral. Em 1801, seguindo a disciplina dos franciscanos, fr. José iniciou a fase
de «peregrinação», ou seja, ocupar vários cargos dentro da Ordem. Foram eles:
companheiro do comissário dos terciários franciscanos em Salvador, guardião eleito do
Capítulo do convento de Santo Antônio de Paraguaçu, formação de noviços na
congregação intermédia, governo do convento de Paraguaçu e da Venerável Ordem
Terceira de São Francisco, guardiania de Salvador, definidor e secretário da Província,
vigário provincial, vigário geral. Isso tudo de 1801 até 1818, quando foi nomeado bispo
de Mariana. [Principais biógrafos: R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I; V.
WILLEKE, «Dom Frei José da Santíssima Trindade», em RIHGMG, XII, 39-81. Ver
também: R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais
(1821-1825), 21-72].
62
R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 182-183.184-185; V. WILLEKE,
«Dom Frei José da Santíssima Trindade», em RIHGMG, XII, 46.48; R. P. OLIVEIRA,
«Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825), 23-24]. A
Carta ao Papa se encontra em R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana e nos
anexos deste estudo.
63
Cf., J. S.TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825).
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 215

colega Arcebispo da Bahia, D. Romualdo. Fr. José se envolveu em vários


conflitos com Governo provincial e com os liberais e «patrióticos»
mineiros. Não apenas pelo fato de ter governado o bispado em um período
conturbado, passando pela independência, pela constituinte, pela abdicação
do primeiro imperador e pelos primeiros anos do Período Regencial que,
por si só, já eram um grande desafio, mas também, por ter assumido com
freqüência posições que o colocaram em confronto com outros setores
sociais, civis e eclesiásticos. Junta-se ainda as condições do bispado que
eram desalentadoras no que dizia respeito à situação material e espiritual do
clero e da diocese em geral, como descreveu o viajante Saint-Hilaire64.
A primeira preocupação de D. fr. José depois da sua posse foi com o
Seminário episcopal. A vasta experiência que tinha como professor lhe
dava uma natural propensão a se preocupar com o ensino seminarístico. Na
opinião de Ronald Polito de Oliveira, foi esta uma das suas melhores
contribuições65. Realizou uma reforma do prédio e a promoção da sua
fazenda, que em pouco tempo passou a mantê-lo. Na parte financeira, o
bispo dispôs de suas próprias economias, além de solicitar esmolas aos
ministros do foro e vigários paroquiais. Numa carta pastoral de 20 de
outubro de 1820, o prelado já anunciava seus planos para o Seminário,
atribuindo grande importância aos preceitos tridentinos em relação à
educação do clero. Neste sentido, reformou e ampliou os estatutos que
regiam a casa de formação diocesana66.
D. fr. José realizou cinco visitas pastorais na sua diocese, entre 1821 e
182567, das quais resultou uma riquíssima documentação, ainda não
totalmente explorada em alguns aspectos como, por exemplo, a elaboração
de um levantamento estatístico sobre o clero, informando sobre origem

—————————–
64
SAINT-HILAIRE, Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, 81-86.
65
R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais
(1821-1825), 27.
66
Esta carta pastoral foi publicada por V. WILLEKE, «Dom Frei José da Santíssima
Trindade», em RIHGMG, XII, 68-69. As principais fontes de informação sobre este
estatuto e suas diferenças com os precedentes são: J. S. TRINDADE, «O Seminário em
1831», em RAPM, IX, n.1-2, 367-377; R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, II,
771-775.788-807; J. F. CARRATO, Igreja, Iluminismo e escolas mineiras coloniais, 106-
111; R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-
1825), 27-32.
67
Raimundo Trindade e Venâncio Willeke se detiveram pouco em pesquisar tais
visitas. O primeiro a se dedicar um pouco mais a elas foi Maurílio Camello;
posteriormente o argumento se enriqueceu com a publicação da vasta documentação
sobre elas, em 1998 na Coleção Mineiriana. [Cf. M. J. O. CAMELLO, Dom Antônio
Ferreira Viçoso e a reforma do clero; J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825)].
216 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

geográfica, familiar e social, formação, função eclesiástica, profissões


extra-sacerdotais, condição financeira, cargos políticos que eventualmente
ocuparam, nível disciplinar, dando uma visão geral sobre a condição dos
sacerdotes dentro da sociedade e da Igreja naquele período. Infelizmente,
deve-se ressaltar que tampouco existem trabalhos análogos sobre outras
jurisdições diocesanas imperiais e tudo que existe são certos levantamentos
aproximativos em algumas poucas obras68.
O que importa, porém, é que por meio das visitas pastorais, D. José
traçou seu plano administrativo e espiritual, compreendendo todas as
providências referentes à reconstrução e acabamento dos templos, aos
objetos de culto e paramentos, aos livros de assentamento, ao juízo
eclesiástico, às práticas religiosas e ao comportamento político e moral que
deveriam ser observados pelos párocos e paroquianos. Em relação à
questão espiritual, ele encontrou vários problemas no tocante à ignorância
da doutrina em grande parte do clero e dos paroquianos, matrimônios
ilícitos, leituras indevidas, posições políticas subversivas, ruína dos
costumes, disputas e desentendimentos variados do clero entre si e entre
este e os seus paroquianos, falta de sacerdotes, incontinência e outros vícios
do clero, além da idade avançada de uma parte razoável dos mesmos69. Em
1828 fez a visita ad limina por meio do seu procurador Camilo Luis de
Rossi, produzindo nesta ocasião um importante relatório, datado de 20 de
outubro de 1827, que foi enviado a Santa Sé70.
A correspondência copiosa do prelado evidencia sua ação vigilante em
prol da disciplina eclesiástica, no Seminário, nas visitas pastorais ou por
meio de mandamentos que fazia correr pelo clero. Escreveu também várias
pastorais defendendo a fé católica, inclusive contra certos folhetos
protestantes que circularam entre 1832 e 1833, como: A Fonte da Verdade
ou Caminho para Virtude e Carta de Talleyrand ao Papa Pio VII,
prevenindo os fieis contra os perigos que lhes ameaçavam a fé71.
Incentivava incessantemente a prática das virtudes sacerdotais,
chegando mesmo a ordenar, sob rigorosas penas aos infratores, o estudo
das matérias eclesiásticas e ameaçando de negar as provisões aos

—————————–
68
Só para citar duas no caso de Minas Gerais: R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório»,
em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825), 21-72; Cf. M. J. O. CAMELLO, Dom
Antônio Ferreira Viçoso e a reforma do clero.
69
R P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-
1825), 42-48.
70
V. WILLEKE, «Dom Frei José da Santíssima Trindade», em RIHGMG, XII, 71-81.
71
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 189.191; R. P. OLIVEIRA, «Estudo
Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825), 35-36.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 217

sacerdotes que não apresentassem um atestado de presença às conferências


teológicas por ele prescritas em toda a diocese72.
Foi severo nas ordenações sacerdotais. Segundo Riamundo Trindade,
«não raro terá sido o sacerdote ordenado até essa época que não tenha visto
correr entre a sua primeira tonsura e o sacerdócio, o tirocínio de sete a nove
anos». D. fr. José abominava a maçonaria e era muito crítico em relação à
liberdade de imprensa73.
Foi sob o seu episcopado que os lazaristas se estabeleceram na diocese
de Mariana (mesmo que não tenha sido por iniciativa episcopal), fundando
o Colégio do Caraça e de Congonhas. O bispo sempre apoiou a obra desta
congregação e a incentivou, ganhando inclusive a admiração do futuro
bispo reformador de Mariana e membro da Congregação dos Padres da
Missão, D. Antônio Ferreira Viçoso. D. fr. José recomendava as suas
missões e defendia-os frente a seus opositores74.
D. fr. José teve vários conflitos com liberais mineiros e com o Governo
provincial, tensão esta que seria uma constante na maioria das
administrações ultramontanas do Segundo Império. Apesar de um início de
governo sem grandes problemas, a partir do processo de independência as
coisas começaram a mudar. As correntes de pensamento liberais eram
fortes em Minas, desde o período da Inconfidência Mineira, e D. fr. José,
sem temê-las, logo deixou clara sua oposição. Cerca de um ano decorrido
de sua chegada em Mariana, durante o período das Cortes de Lisboa,
encontrando-se no Serro em visitas pastorais, foi intimado a jurar as bases
da Constituição portuguesa perante a Câmara desta vila. Foi «quase
forçado», segundo Raimundo Trindade. Acabou por proferir o juramento,
em 21 de setembro de 1821, porém, «desafiando, não intencionalmente
senão em obediência as suas convicções, o melindre dos liberais, faz
restrições a quatro artigos, justamente aqueles que eram a menina dos olhos
dessa gente: os que se referiam a livre manifestação do pensamento e a
liberdade da imprensa»75.
Em 1822, entrou também em choque com o cabido, que cedendo às
pressões da Câmara de Mariana suspendeu a coleta pro Rege para iniciar a
coleta pro Imperatore. Estando D. fr. José em Itabira do Campo, numa
—————————–
72
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 186-188; ver também D. G. VIEIRA,
O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa, 31.49-53.
73
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 189.191; R. P. OLIVEIRA, «Estudo
Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825), 35-36.
74
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 189.191; R. P. OLIVEIRA, «Estudo
Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825), 37.
75
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 192.
218 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

visita pastoral, escreveu para o cabido suspendendo a decisão enquanto não


chegassem ordens do Rio de Janeiro nesse sentido76. Após estes episódios,
o bispo de Mariana se tornou suspeito aos olhos dos «patriotas mineiros».
Posteriormente aderiu à Independência, esteve no Rio para assistir à
sagração de D. Pedro I, foi eleito vice-presidente do Triunvirato que
administrou a província nos primeiros momentos do Império e se esforçou
pela sua consolidação77.
Outros atritos sucederam entre D. fr. José e o cabido, e ainda com outros
membros do clero mineiro «corrompidos pelo liberalismo». O caso mais
celebre foi com um padre formado sob o seu bispado e sob a sua proteção.
Era o pe. Antônio José Ribeiro Bhering, ordenado em novembro de 1826 e
três meses depois nomeado, pelo bispo, professor de filosofia e retórica no
Seminário. Na condição de lente ele declarou abertamente suas simpatias
pelas idéias liberais, inclusive apregoando-as livremente nas aulas do
Seminário. Foi admoestado varias vezes pelo prelado, mas mesmo assim,
não se sentiu acuado e acabou sendo exonerado, em 5 de outubro de 1829.
Os cidadãos proeminentes da cidade natal do pe. Bohering, Ouro Preto,
saíram em sua defesa e conferiram-lhe uma cadeira de retórica naquela
cidade em agravo ao bispo. A partir daí iniciou-se um crescente confronto
entre o bispo e o clero liberal de Minas, que perdurou por todo seu
episcopado78.
D. fr. José também deu mostras de resistência às ingerências do poder
civil em questões que considerava estritamente eclesiásticas, como foi o
caso do decreto de 3 de novembro de 1827, que apesar de declarar «em
efetiva observância às disposições do Concílio Tridentino e da Constituição
do Arcebispado da Bahia sobre matrimônio», autorizava os sacerdotes a
celebrar casamentos sem as licenças dos bispos ou seus delegados79. Sobre
isso, D. José escreveu uma pastoral, em 28 de outubro de 1828, na qual
desautorizava que as capelas filiais celebrassem matrimônio sem permissão
da autoridade eclesiástica. Devido a este posicionamento sofreu vários
ataques na imprensa. O primeiro a iniciá-los foi o vigário de Sumidouro,
pe. Francisco Rodrigues de Paula, unindo-se ao coro o pe. Behring.
Também no Conselho Geral da Província, o desembargador Melo e Souza

—————————–
76
Esta carta foi publicada em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais, 151-152.
77
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 192; R. P. OLIVEIRA, «Estudo
Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais (1821-1825), 32-33.
78
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 193-194.
79
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1827, parte I, 83.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 219

levantou-se contra a pastoral e tornou-se daí em diante um dos mais fortes


opositores do bispo80.
Após a abdicação de D. Pedro I, em 1831, e durante a Regência, D. fr.
José foi constantemente acusado de absolutista e partidário da restauração.
Isso se deu sobretudo depois dele ter hospedado D. Pedro I em visita a
Minas Gerais, em 1829 (os lazaristas também o hospedaram no Caraça),
mesmo sabendo da oposição que o Imperador sofria por parte dos liberais
mineiros. Recomeçaram os choques com o cabido e eminentes políticos da
província, resultando na expulsão, após a abdicação do primeiro Imperador,
de dois frades portugueses que acompanhavam o bispo desde sua posse,
denunciados, por Melo e Souza, como inimigos do novo regime e
subversivos81.
Estes choques entre Melo e Souza e o prelado acabaram colocando o
bispo dentro de um movimento ideológico e político oposto ao governo
provincial. Foi em 1833, na sedição conhecida como «Revolta do Ano da
Fumaça». Naquela ocasião o bispo se posicionou, por meio de uma carta ao
povo marianense, datada de 23 de março daquele ano, na qual defendia a
Santa Religião, a Constituição jurada e as autoridades legalmente
constituídas. No entanto, as tais autoridades «legalmente constituídas» na
opinião de D. fr. José seriam os sediciosos, partidários da restauração de D.
Pedro I (mesmo se nunca ousaram a explicitar esse projeto), que instituíram
Manuel Soares de Couto como presidente da província e depuseram o
opositor do bispo Melo e Souza. O apoio de D. fr. José aos sediciosos é
constatado por uma carta, também datada de 23 de março de 1833, enviada
ao presidente revoltoso, manifestando-lhe seu apoio e adesão à sua
nomeação. Porém, a revolta durou pouco e o desembargador Manuel Inácio
de Melo e Souza voltou à presidência da província de Minas Gerais82.
O bispo foi louvado pelo Núncio Ostini, pelo Encarregado Fabbrini e
pelo próprio Papa. Diz Raimundo Trindade não saber «de outro bispo do
Brasil, contemporâneo a D. fr. José e anterior a ele, que tenha sido alvo,
como o bispo de Mariana, de tão honrosas e repetidas referencias e
—————————–
80
R. O. TRINDADE, Breve noticias dos seminários de Mariana, 44; ID., Arquidiocese
de Mariana, I, 194-195; R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE,
Visitas Pastorais (1821-1825), 33-34.
81
R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais
(1821-1825), 34-35; R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 198-199.
82
As duas cartas citadas encontram-se em V. WILLEKE, «Dom Frei José da
Santíssima Trindade», em RIHGMG, XII, 70-71. Raimundo Trindade, talvez por não ter
conhecimento da carta enviada ao governo intruso, considerou que a carta ao povo
marianense defendesse o governo de Manuel Inácio de Melo e Souza [R. O. TRINDADE,
Arquidiocese de Mariana, I, 198-199]
220 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

louvores por parte dos representantes do Santo Padre e dele próprio»83.


Apesar de D. fr. José ter sido um bispo de transição, Ronald Polito de
Oliveira não hesita de associá-lo aos ultramontanos dizendo: «Em alguma
medida simpatizante de grupos restauradores, mas talvez, sobretudo
defensor da autoridade constituída, o bispo ainda se enquadra, em grande
medida, entre os ultramontanos»84. D. fr. José da Santíssima Trindade
morreu em 28 de setembro de 1835, aos 73 anos85.
a) D. Romualdo Antônio de Seixas (1787-1860): Romualdo Antônio de
Seixas86 atravessou várias fases da história brasileira, tendo vivenciado o
processo da independência e as três épocas da monarquia (Primeiro
Império, Regência e parte do Segundo Império). Defensor da «reta
doutrina», apoiava-se no Concilio Tridentino, razão pela qual, respeitava a
Coroa, mas se alinhava com os ditames da Cúria romana e lutava em prol
do fortalecimento da autoridade da hierarquia católica. Foi o primeiro
brasileiro nomeado ao Arcebispado da Bahia, o que aconteceu por meio do
decreto de 12 de outubro de 1826. Confirmado pelo Papa Leão XII, em 30
de maio de 1827, e sagrado pelo bispo do Rio de Janeiro D. José Caetano
da Silva Coutinho, em 4 de novembro. Em 18 de maio de 1828, expediu
sua primeira carta pastoral aos seus diocesanos87.
Era um bispo zeloso, dotado de talento literato e ótimo orador sacro.
Também se destacou na política imperial, ao contrário dos bispos
ultramontanos do Segundo Império avessos à política. Foi eleito presidente
da Câmara dos Deputados, em 1828, e foi parlamentar por outras
legislaturas consecutivas até 1841, quando renunciou na metade do
mandato, mesmo sendo novamente eleito presidente. Na Câmara, ele
prestou os mais assinalados serviços à religião católica e ao seu país, como
fossem, entre outros, a sustentação do celibato clerical, dos impedimentos
matrimoniais, dos direitos da Santa Sé sobre a confirmação dos bispos e de
outros pontos concernentes á disciplina da Igreja, que foram atacados por
alguns membros da mesma Câmara. Sua palavra, «sempre eloqüente,
pugnou com enérgica dedicação pela edificação ou melhoramento dos
—————————–
83
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 201.
84
R. P. OLIVEIRA, «Estudo Introdutório», em J. S. TRINDADE, Visitas Pastorais
(1821-1825), 36.
85
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 201.
86
Sua bibliografia já foi apresentada no primeiro capítulo quando se tratou da
Regência. Para saber mais sobre D. Romualdo Antônio de Seixas e suas idéias ver: R.
A. SEIXAS, Obras Completas; C. COSTA E SILVA, «Notícias sobre o primeiro brasileiro
na Sé da Bahia», em Centro de Estudos Baianos, n. 95.
87
R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, introdução, p. 15-21; DBB, VII, 154-159.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 221

Seminários como o meio mais eficaz da regeneração do clero; advogou


com patriótico e evangélico zelo a causa da liberdade e civilização dos
indígenas, bem como a utilidade das missões» e propôs a lei que isentou os
párocos do Império do cargo de juiz de paz88.
D. Romualdo foi politicamente conservador e uma verdadeira autoridade
em questões político-eclesiásticas. Uma sua tomada de posição conseguia
mudar os percursos de uma discussão, o resultado de uma votação ou
mesmo as ações de outros bispos. Ele se tornou um baluarte na defesa dos
princípios doutrinários católicos, frente às investidas liberais e regalistas do
pe. Feijó e seus companheiros. Segundo Cândido da Costa Silva, não
comungava com os «vanguardeiros», mas procurava inteirar-se nas leituras
com as quais se criticava a Igreja. A atividade parlamentar, por mais de
uma década, obrigou-o a ouvir críticas procedentes e até insultos. «Plantou-
se na defensiva. Sob vários aspectos, não deixou a trincheira.
Procedimento, aliás, quase unânime entre a hierarquia católica por todo o
mundo de então»89.
D. Romualdo tinha um pensamento naturalmente oposto ao liberalismo.
Aos conceitos de autonomia e liberdade opunha os preceitos de
subordinação e respeito às autoridades. Vários pronunciamentos e escritos
deste prelado expressam muito bem tais idéias. Em seus primeiros
discursos conservados e publicados, ele já criticava os movimentos
revolucionários na Europa, principalmente na França, e os maçons
franceses90. Dizia ele:

—————————–
88
R. A. SEIXAS, Obras Completas, tomo I, introdução, 21.
89
C. COSTA E SILVA, «Notícias sobre o primeiro brasileiro na Sé da Bahia», em
Centro de Estudos Baianos, n. 95,12.
90
No discurso em Ação de Graças pela Paz quando ainda era vigário encomendado
de Cametá: «A paz, que celebramos, como um presente, é preciosa à religião
reintegrando a Igreja, e seu Chefe nos seus sagrados direitos; é vantajosa á sociedade,
restabelecendo os governos nas bases primitivas, e no equilíbrio que deve sustentar o
seu poder [...] Do seio da França se eleva, à maneira de negro vapor uma seita orgulhosa
e funestíssima à Religião e à sociedade, que, ousando arrogar-se o nome de filosofia, de
sabedoria, e de razão, não limita já os seus votos a uma simples reforma de opiniões
religiosas, ou a combater um ponto da sua fé ou da sua moral: animada contra o Deus
do Evangelho, cuja santidade, e doutrina condenavam as paixões, e o amor próprio, ela
jura no acesso do seu furor a sua queda, e a sua ruína universal [...] Era natural senhores,
que o plano de extinguir a Religião conduzisse insensivelmente os sofistas da impiedade
à destruição de todos os governos legítimos e de todos os vínculos da ordem social, que
das máximas do cristianismo recebem a consistência mais firme, e o freio mais
poderoso para combater os povos, inculcando altamente o respeito, que merecem as
segundas majestades». [R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, 5-19]
222 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Um falso liberalismo, que, segundo a expressão de eloqüente orador moderno


(Padre Ventura de Raulica, A mulher católica, tom. 1 p. 206), tão pouco
parece com liberdade, como o fanatismo com a religião, e o racionalismo com
a razão, e o filosofismo com a filosofia; especialmente o liberalismo entendeu,
no seu delírio, que para regenerar a sociedade era preciso deserdá-la de todas
as suas antigas tradições e costumes, renegando o seu passado, e pondo a sua
glória em uma absoluta transformação ou novidade, que, se pode ser admitida
nas ciências e na política, não pode ser na Religião de Jesus Cristo, cuja fronte
majestosa brilha como um dos seus mais luminosos caracteres, uma augusta e
venerável antiguidade, ornada de louros imarcescíveis91.
Nos movimentos revolucionários na Bahia (1835) e no Pará (1837),
defendeu o poder constituído e dirigiu pastorais em defesa da ordem. Já em
1831, chamava a atenção sobre os perigos que poderiam produzir no
espírito da população o excesso de liberalismo e a exacerbação do «direito
de resistência»:
Aproveito a ocasião para observar quanto são prejudiciais a causa da liberdade
os excessos cometidos em seu nome. Todos os que exercitam qualquer gênero
de influência, ou tribunato [sic.] sobre o povo, nunca deveriam esquecer-se,
que eles comprometem os interesses da mesma liberdade, e por ventura dão
forças aos agentes do absolutismo, quando ou por motivos particulares, ou por
inflectido patriotismo, eles depositam imprudentemente nas mãos da multidão
a formidável arma do direito de resistência, que se num caso extremo pode
tornar-se indispensável, e ser bem sucedido, assim como a ação do ferro e do
fogo no corpo enfermo, fora temeridade empregá-lo como um habitual
regimento de uma diária higiene, para servir-me da frase de Mr. Lacretelle.
Aplicar a torto e direito semelhante medida, ou remédio violento, seria
desvairar o espírito público, acostumando o povo a não ver nas autoridades,
senão mandatário amovíveis a seu bel-prazer, e nas leis e garantias mais
solenes, um jugo fácil de quebrar-se sob a mágica invocação do bem público e
da salvação do povo, com que a demagogia, herdeira do ostracismo dos
Atenienses, das proscrições de Mario e Sylla, e até dos golpes de Estado do
governo arbitrário, tem imolado milhões de vítimas em nome da liberdade:
seja atropelar todos os princípios conservadores da ordem, constituir em
permanência a guerra civil, e anarquia, e em último resultado abrir caminho ao
despotismo militar [grifos do original]92.

—————————–
91
«Discurso em ocasião da instalação da Irmandade de S. Francisco Xavier», em 26
de setembro de 1855, em R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, 333-334.
92
«Discurso sobre a educação religiosa recitado na posse do cargo de Provedor da
Casa pia dos Órfãos», 1831, em R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, 164 nota 1.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 223

D. Romualdo, na tentativa de afastar o clero do exagerado envolvimento


na política e na administração municipal, propôs a lei que isentou os
párocos do Império do cargo de juiz de paz, a que também se achavam
anexas algumas atribuições criminais. Conseguiu ainda que fossem eles
isentos de ocuparem o cargo de promotores públicos, jurados e do
alistamento na guarda nacional93.
Seu primeiro cuidado no governo da diocese foi com a educação do
clero, «como fonte da regeneração do povo nos sólidos princípios da fé e
dos costumes». Com este intuito, criou um grande Seminário e outro
pequeno preparatório. Os entregou a direção aos Padres da Congregação da
Missão. Para D. Romualdo o clero deveria receber urgentemente uma
formação que o permitisse de ser «ilustrado, disciplinado e devoto, capaz
de defender as prerrogativas e os interesses da Igreja, máxime em sua
capacidade de intervir na sociedade que, por meio de suas elites dirigentes
e intelectuais, começava a esboçar descompasso cheio de hostilidades e
anticlericalismo»94. Mas, o seu desejo de educar ia além da classe clerical,
pois defendia a educação da população como um todo. Esta formação
deveria ser baseada nos princípios católicos, pois só assim se poderia
moralizar a sociedade95.
Realizou também visitas pastorais que se estenderam de 1845 a 1846, e
percorreu as freguesias do litoral do recôncavo baiano. Em 1849, começou
a promover a vinda das irmãs Filhas da Caridade para sua diocese. Foram
chamadas a fundarem colégios para a educação das órfãs e filhas das
famílias abastadas, bem como para os cuidados dos doentes. D. Romualdo
criou uma confraria com único objetivo de arrecadar fundos e preparar a
infra-estrutura para receber as irmãs. Viu-se satisfeito no seu intento em
1854. Por meio de diversas pastorais, cartas, discursos e pela imprensa,
nunca deixou de exortar e se preocupar com a residência dos párocos, a
administração dos sacramentos, a explicação do Evangelho e as
conferências eclesiásticas nas paróquias. Morreu aos 29 de dezembro de
186096.
Os pontos bases do seu pensamento político-eclesiástico foram: 1 – que a
liberdade liberal era uma liberdade negativa e prejudicial; 2 – a união entre
trono e altar; 3 – a religião como sustentáculo da manutenção da ordem
—————————–
93
R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, introdução, p. 21.
94
C. COSTA E SILVA, «Notícias sobre o primeiro brasileiro na Sé da Bahia», em
Centro de Estudos Baianos, n.95, 12.
95
«Discurso sobre a educação religiosa, recitado na posse do cargo de Provedor da
Casa pia dos Órfãos», 1831, em R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, 154-156.161.
96
R. A. SEIXAS, Obras Completas, tomo I, p. XXVI – XXVII.
224 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

política e social e como freio moral; 4 – a importância da educação para a


Igreja e para o Estado; 5 – a importância das ordens religiosas tanto
masculinas quanto femininas para a Igreja e para sociedade; 6 –
manutenção da ortodoxia e obediência ao Papa; 7 – a utilização do direito
de participação política concedida ao clero para a defesa dos interesses da
Igreja Católica, que era a da maioria dos brasileiros97.
Por D. Pedro I, D. Romualdo foi nomeado pregador da Capela Imperial e
depois Grande Dignitário da Ordem da Rosa. Como Primaz do Brasil
presidiu a cerimônia de sagração de S. M. o Imperador D. Pedro II e
recebeu deste, a graça da Grã-Cruz da Ordem de Cristo e o título de
Marques da Santa Cruz. Os papas Gregório XVI e Pio IX, e seus
representantes no Brasil, o honraram com Breves Epistolares
demonstrativos do mais alto conceito98.

3. Os bispos responsáveis pela afirmação do ultramontanismo


no Segundo Império
D. Antônio Ferreira Viçoso e D. Antônio Joaquim de Mello, traçaram
nos seus episcopados um modelo de reforma diocesana que influiu
diretamente no futuro da Igreja Católica no Brasil durante o Segundo
Império e nas primeiras décadas da República. Todos os bispos
ultramontanos posteriores seguiram de forma geral o modelo que
implantaram, ainda que com as devidas adaptações às respectivas dioceses
e personalidades. Este modelo pode ser resumido em alguns pontos
principais: 1º. Resgate da autoridade episcopal; 2º. Defesa da
independência da Igreja; 3º. Resistência às invasões da jurisdição
eclesiástica pelo poder temporal; 4º. Combate ao concubinato clerical; 5º.
Reforma do clero por meio da: a) Educação – reorganizar ou instituir
seminários de preferência sob a direção de ordens religiosas reformadas; b)
Maior rigidez nas ordenações sacerdotais; c) Envio de sacerdotes e
seminaristas para se formarem na Europa; d) Uniformização do ministério
do clero; e) correção e moralização, principalmente por meio das Cartas
Pastorais, das Visitas Pastorais e de suspensões das ordens; 6º. Grande
escrúpulo e rigidez na escolha dos beneficiários a serem indicados para
nomeação Imperial; 7º. Instituição de ordens religiosas reformadas,
normalmente vindas da Europa, tanto masculinas quanto femininas; 7º.

—————————–
97
Cf. R. A. SEIXAS, Obras Completas; C. COSTA E SILVA, «Notícias sobre o primeiro
brasileiro na Sé da Bahia», além de vários discursos presentes nos Anais do Parlamento
Brasileiro.
98
R. A. SEIXAS, Obras Completas, I, introdução, 23-25.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 225

Reformar e educar o povo por meio: a) da melhor formação e reforma do


clero; b) do fortalecimento hierárquico do clero frente aos leigos e suas
associações; c) da limitação da participação leiga na administração da
Igreja; d) da intervenção nos centros de romaria e irmandades tradicionais;
e) da importação da Europa de devoções e movimentos religiosos; f) da
popularização da catequese tridentina; g) do empenho na maior
participação dos fieis aos sacramentos, principalmente ao matrimônio e à
confissão99.

3.1. D. Antônio Ferreira Viçoso (1787-1875)


D. Antônio Ferreira Viçoso100 foi nomeado bispo de Mariana por meio
de um aviso enviado pelo Ministro da Justiça, Paulino José Soares de
—————————–
99
Estes pontos foram identificados nas descrições do episcopado de D. Viçoso e D.
Antônio por meio das biografias e estudos sobre suas administrações episcopais que
serão apresentadas no decorrer deste estudo [ndr.].
100
D. Antônio Vicente Ferreira Viçoso, Conde de Conceição (Peniche, 13 de maio
de 1787 – Mariana 5 de agosto de 1875), foi um religioso da Congregação da Missão de
São Vicente Paula, mais conhecidos no Brasil como «lazaristas». Era filho de Jacinto
Ferreira Viçoso e de Maria Gertrudes. Dos 14 aos 21 anos esteve no Seminário de
Santarém, onde chegou, nos últimos anos, a lecionar Latim. Entrando em contato com a
Congregação da Missão, na cidade de Rilhafolles, pediu para ser admitido entre os
filhos de São Vicente, adentrando à pequena companhia no dia 25 de julho de 1811,
após o que, emitiu seus votos perpétuos no dia 26 de julho de 1813. Foi ordenado padre
no dia 7 de março de 1818, aos trinta anos de idade, e logo foi mandado para o
Seminário de Évora para lecionar filosofia. Em seguida enviaram-no para fundar
missões entre os indígenas da província do Mato Grosso, por recomendação de seu ex-
professor Leandro Rebelo Peixoto e Castro, que com ele partiu para o Brasil, em 27 de
setembro de 1819. Chegaram ao Rio de Janeiro em fins de novembro, mas, ao
desembarcarem, souberam que o Rei D. João VI havia mudado a destinação de ambos,
dando-lhes a administração do colégio do Caraça em Minas Gerais, local em que
fundariam a primeira comunidade lazarista no Brasil. O pe. Viçoso se tornou diretor do
colégio do Caraça, e mais tarde, em 1822, foi chamado, pelo Imperador D. Pedro I, para
dirigir um colégio em Jacuecanga, no Rio de Janeiro. Em 1837, pe. Viçoso voltou para
o Caraça. Devido ao excessivo nacionalismo da legislação brasileira, a Congregação se
separou da de Portugal, em 1838, e em 12 de novembro de 1839, pe. Viçoso foi eleito
Superior Geral da Congregação da Missão no Brasil. [As principais biografias de D.
Antônio Ferreira Viçosos são: S. G. PIMENTA, Vida de Antônio Ferreira Viçoso; B. J.
SILVA NETO, Dom Viçoso Apóstolo de Minas; M. CALADO, D. Antônio Ferreira Viçoso;
A. J. MELO, Dom Antônio Ferreira Viçoso: um releitura teológica moral; M. J. O.
CAMELLO Dom Antônio Ferreira Viçoso e a reforma do clero. Outras informações sobre
D. Viçoso podem ser encontradas em: E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da
Missão no Brasil; A. J. MELO, A influência do jansenismo na formação do ethos
católico mineiro; R TRINDADE, Arquidiocese de Mariana].
226 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Souza, em 7 de janeiro de 1843. Ele, no entanto, só recebeu a segunda via


do mesmo, devido ao fechamento do Caraça e sua transferência para
Campo Belo. A segunda via foi expedida em 2 de março de 1843, pelo
Ministro Honório Hermeto Carneiro Leão. Segundo Silvério Gomes
Pimenta, afilhado de D. Viçoso, testemunho do seu governo episcopal e seu
principal biografo, «recebeu o Padre Antônio sua nomeação, como
costumavam os santos receberem os favores desta natureza, com tristeza,
desgosto e consternação»101.
Depois de consultar seus co-irmãos e seus amigos, incentivado e
convencido por eles, aceitou a nomeação. A Secretaria de Estado do
Vaticano assim se exprimiu sobre a nomeação de D. Viçoso e seus colegas
do Pará e do Maranhão: «Mi fu cosa assai grata l’apprendere dai suoi
dispacci distinti con i n°. 95, 97 e 98 come per opera di codesto Ministero
di Giustizia siasi indotta S. M. l’Imperatore a proporre per le vacanti
Chiese del Pará, di Maranhão, e di Mariana, tre Ecclesiastici meritevoli
della fiducia della S. Sede»102.
Foi sagrado no mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, em 5 de maio
de 1844, pelo bispo do Rio de Janeiro D. Manoel do Monte Rodrigues de
Araújo103. Enviou então uma carta agradecendo ao Papa, juntamente com
um relatório sobre a diocese de Mariana. D. Viçoso fez sua entrada solene
no dia 16 de junho de 1844104.
Raimundo Trindade, assim descreve a situação de Minas ao tempo da
nomeação de D. Viçoso:
A recente transformação política do país, rasgado de improviso entradas
francas à liberdade; a Regência, levantada tendenciosamente todas as
comportas a indisciplina eclesiástica; o cancro infeccioso da escravidão; o
governo calamitoso de um Cabido estragado pelo liberalismo anticlerical e em
ostensiva decomposição moral, abandonado os mais feios pecados: tudo isto,
influindo forte e nefastamente sobre a sociedade, particularmente sobre as suas
camadas inferiores, asfixiara a piedade cristã, arrasara a moralidade pública,
havia feito abolição quase completa do matrimônio em Minas105.

—————————–
101
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso,53-55.
102
ASV, NAB, Dispaccio, 24 de agosto de 1843, Cx. 18, fasc. 76, doc. 43, f. 92r.
103
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 65-66. Enquanto estava no
Rio de Janeiro também foi enviado pelo Internúncio como visitador apostólico aos
carmelitas da Bahia [AES, Br., Atti Del Nunzio Mons. Ambrogio Campodonico per la
riforma dei Carmelitani in Bahia, 10 de maio de 1844, Fasc. 157, pos. 45, f. 28r-29v].
104
AES, Br., Relazione sulla Diocesi – Atto di Giuramento Del Vescovo Mon.
Antônio Ferreira Viçoso, 1844, Fasc. 157, pos. 49, f. 58r-58v, 60r e 60v, 62r-63v.
105
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 217.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 227

Foi neste cenário que D. Viçoso deu início à grande obra reformadora
que iria dar um novo rumo à Igreja Católica no Brasil nos anos vindouros.
A diocese de Mariana estava vacante desde 1835, quando falecera D. fr.
José da Santíssima Trindade. A ação do seu antecessor não impedira que
padres se envolvessem no movimento revolucionário de 1842, ou que
outros, sobretudo após a morte de D. fr. José, esquecidos dos deveres de
seu ministério, tenham tolerado uma religiosidade reduzida a atos externos
de devoção, que dava pouca importância aos sacramentos. Tudo isso,
obviamente, ao lado da excessiva intromissão do poder civil na ambiência
eclesiástica. D. Viçoso, entretanto, antes mesmo de chegar a Mariana,
iniciou sua campanha reformadora por meio da sua primeira carta pastoral,
na qual se dirigiu ao cabido, ao clero, à Congregação de S. Vicente, às
recolhidas de Macaúbas, aos candidatos ao sacerdócio e aos fieis,
exortando-os a auxiliarem a obra reformadora que desejava realizar106.
Na busca do restabelecimento da credibilidade e do fortalecimento da
hierarquia eclesiástica, D. Viçoso instaurou uma escrupulosa escolha dos
membros do cabido, mesmo que para isso tivesse de enfrentar o próprio
Imperador, como se viu no capítulo precedente. Este processo teve início
logo que ele chegou em Mariana. O cabido da catedral, segundo Raimundo
Trindade, com poucas mas honrosas exceções, compunha-se de padres
publicamente amasiados, sendo a mais significativa demonstração da
situação miserável em que se encontravam os costumes eclesiásticos. O
vigário-capitular, João Paulo Barbosa, «era indigno», e «profanava seus
votos e vivia a enxovalhar a magistratura eclesiástica e, mais que isto,
neutralizar a ação moralizadora do seu prelado». O vigário era «tão
impudente e atrevido no seu pecado, que marcava na Sé, lugar honroso, à
sua amásia». Por isso o novo prelado recusou elevá-lo a vigário geral,
como tradicionalmente acontecia107.
Em relação às ordenações, D. Viçoso também foi prudente e rigoroso.
Nem mesmo as dimissórias para se ordenar em outra diocese ele cedia sem
ter certeza da preparação, dignidade e moralidade do candidato. Ele chegou
mesmo a enfrentar as autoridades imperiais na defesa do procedimento que
considerava correto. Certa vez, negou-se a ordenar, ou mesmo dar as
dimissórias, a um candidato ao sacerdócio que era parente e protegido do
Presidente do Conselho de Ministros, Honório Hermeto Carneiro Leão, o
Marquês do Paraná. Houve então uma troca de ofícios em termos ríspidos e
sinceros entre os dois. Primeiro o Marques escreveu ao bispo pedindo as
dimissórias ao seu parente, para que se ordenasse em outro bispado, porém,
—————————–
106
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 66-67.
107
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 217-221.
228 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

D. Viçoso respondeu que não podia satisfazer o seu pedido por ser o
candidato indigno. Respondeu-lhe o Marquês que como Ministro podia
«fazer bispos, quanto mais padres» e que «com as dimissórias, ou sem elas,
seu parente havia de ordenar». A resposta de D. Viçoso foi a mesma, uma
negativa, na qual afirmou que mesmo se o protegido do Marquês se
ordenasse não seria por conivência ou anuência sua, pois o prelado não
queria «carregar sua consciência com a tremenda responsabilidade de um
mau padre posto na Igreja». O protegido de Paraná tornou-se sacerdote
forçadamente em São Paulo, mesmo sem as dimissórias. Ele foi um
sacerdote indigno e escandaloso, e acabou morrendo assassinado108.
Outros exemplos do escrúpulo com que agia em relação às ordenações
podem ser encontrados nas suas biografias. O seu modo de proceder «deu
ótimos sacerdotes a Igreja e cinco bispos, «alguns deles dos mais ilustres de
que se ufana a Igreja no Brasil». Foram eles: D. José Afonso de Morais
Torres, bispo do Pará; D. Luís Antônio dos Santos, bispo de Ceará; D. João
Antônio dos Santos, bispo de Diamantina; D. Pedro Maria Lacerda, bispo
do Rio de Janeiro; e D. Silvério Gomes Pimenta, Arcebispo de Mariana.
Todo o escrúpulo e prudência de D. Viçoso levou o Governo a consultá-lo
várias vezes antes de nomear um novo bispo, o que acabou influenciando
diretamente no futuro de outras dioceses109.
Dentro da lógica da formação e escolha de um novo clero, o Seminário
diocesano ocupava um ponto estratégico. A reforma que realizou na casa
de formação marianense foi uma das grandes obras de D. Viçoso. Esta
instituição fora reativada pelo seu antecessor D. José, mas fechou nos
longos anos de vacância, devido aos conflitos armados na província. O
prédio onde funcionava gradualmente se danificou, principalmente ao
tempo da revolução de 1842, quando foi utilizado como quartel pelas
tropas legalistas. Raimundo Trindade, falando sobre a condição em que se
encontrava o Seminário no período da Sé vaga, apresentou a seguinte
anotação que encontrou em um dos cadernos de D. Silvério e que não
apareceu na sua obra sobre D. Viçoso:
O Seminário em Sé vaga estava de tal jeito que os alunos saiam de noite para
as casas de amasias que tinham na cidade, apesar da reclusão em que eram
guardados, dormindo com as portas fechadas. Chegava a ponto que quando
algum seminarista tentava alguma moça, ela lhe prometia para quando fosse
padre, porque então tinha meios de a sustentar110.

—————————–
108
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 176.
109
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 224.232.
110
R. O. TRINDADE; Arquidiocese de Mariana, I, 221.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 229

No seu segundo ano de episcopado, em 1845, D. Viçoso concluiu a


reforma do prédio e terminou de elaborar o seu regulamento interno. Este
era de inspiração rigidamente tridentina, composto por 25 regras básicas,
resguardando o seminarista do contato com a sociedade externa e
eliminando qualquer traço de laxismo ou ocasiões de desvios. Os principais
pontos eram a realização de exercícios espirituais todo o ano, participação
diária à Santa Missa, respeito aos superiores, limitação das amizades
particulares, não admissão de ninguém nos dormitórios, proibição de
consumir bebidas alcoólicas e de praticar jogos de carta ou de azar. Eram
também proibidos de vender ou comprar sem licença do reitor, montar em
animais encontrados nos pastos, passar as férias com os familiares, andar
sem batina e praticar qualquer ofensa à castidade, até mesmo com palavras,
sendo que o descumprimento desta última proibição resultaria na expulsão
do seminarista111.
D. Viçoso querendo entregar a direção e administração do Seminário a
uma ordem religiosa, inicialmente procurou a intervenção dos
redentoristas, com intuito de aumentar o número de ordens religiosas em
Minas e fortalecer também as missões diocesanas, mas não obteve sucesso.
Então recorreu aos seus irmãos lazaristas. Em 1849, chegaram em Mariana,
vindos da França, os padres: João Monteil, Tito Chavet, José Cabet, João
Batista Cornaglioto e Domingos Musci. Eles chegaram acompanhados de
doze irmãs Filhas da Caridade e outros três coadjutores. O pe. João Batista
Corniglioto, assumiu a reitoria do Seminário episcopal112.
Em 1854, o Encarregado de Negócios da Santa Sé, Mons. Marino
Marini, informava que há oito anos D. Viçoso abrira o seu Seminário,
havendo-o confiado aos padres lazaristas, e que estava prosperando113.
Neste mesmo ano, elogiou a atuação dos bispos da Bahia, Mariana, São
Paulo e Maranhão, sugerindo que estes prelados trabalhassem com cautela
para não entrarem em conflito direto com os governos provinciais, o que
poderia prejudicar a autoridade deles114.
O plano de reforma clerical de D. Viçoso também envolvia o clero que
se ordenara precedentemente ao seu episcopado. Grande parte destes
religiosos eram marcados pelo envolvimento com idéias e profissões
—————————–
111
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 106-108.
112
B. J. SILVA NETO, Dom Viçoso Apóstolo de Minas, 79-80; R. O. TRINDADE,
Arquidiocese de Mariana, II, 18-22
113
AES, Br., Informazione sui vescovi del Brasile, Fasc. 169, pos. 100, f. 87r.
114
AES, Br., Lo stato eclesiástico in questo impero, Fasc. 170, pos. 106, f. 77r-78r;
Sobre o Seminário consultar também M. J. O. CAMELLO, Dom Antônio Ferreira Viçoso e
a reforma do clero, 312-366.
230 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

liberais, além da infidelidade ao celibato eclesiástico. Para reformá-los,


usou de todos os instrumentos possíveis, buscando sempre um contato
pessoal com eles. Serviu-se, para reforma clerical, de cartas pastorais,
visitas pastorais, cartas pessoais, da imprensa, publicações e traduções de
livros e catecismos, admoestações e punições eclesiásticas, usando de todos
os meios possíveis dentro do sistema de padroado115.
Como seu antecessor, D. Viçoso percorreu toda a diocese de Mariana em
visitas pastorais, confessando, ministrando os sacramentos, crismando e
fazendo pregações persuasivas que tocava o coração e a consciência dos
fieis e do clero. Este último era corrigido por ele em tais ocasiões, quando
realizava encontros privados com os padres. As suas visitas começaram em
1845 e terminaram em 1868. Elas eram feitas em estilo de «missões
populares», prática que já era por ele muito bem conhecida, pois as vinha
realizando desde sua chegada ao Brasil116.
D. Antônio Ferreira Viçoso se preocupou também em reformar as
práticas devocionais tradicionais e o povo. Ele buscou introduzir uma
instrução religiosa e moral nos padrões «romanos/tridentinos», o que era
uma novidade para a população mineira, dada a falta de contato com os
regulares, que eram seus principais transmissores. Tal situação era o
resultado da longa proibição da entrada de ordens religiosas na província
durante todo o período colonial. Por isso, grande parte da evangelização
mineira fora realizada por fiéis leigos que trouxeram da sua terra natal
festas e devoções, introduzindo-as, a seu modo, entre a população local.
Segundo Amarildo José de Melo, «era um catolicismo leigo, devocional,
festivo e cultural, repleto de elementos religiosos de origem africana e
indígena, onde o padre não era o protagonista da celebração, mas um
convidado especial em ocasiões importantes». Neste ambiente, as
irmandades leigas praticamente tinham assumindo a administração dos
templos, das festas e das romarias117.
Amarildo, que fez dois estudos de teologia moral sobre D. Viçoso,
analisando suas obras públicas, cartas, discursos e missões populares,
sintetiza a ação reformadora junto à população católica efetuada pelo
referido prelado, evidenciando que, ao longo de seu episcopado, ele se
empenhou na tradução de obras estrangeiras e confecção de catecismos,
instituição das Missões Perpétuas em toda a diocese e substituição das
antigas devoções européias, por outras embutidas do espírito tridentino.
Para isso, interveio nos centros de romaria e irmandades tradicionais, e
—————————–
115
A. J. MELO, Dom Antônio Ferreira Viçoso, 16
116
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 225-229.
117
A. J. MELO, Dom Antônio Ferreira Viçoso, 18.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 231

importou da Europa novos movimentos religiosos, para que ocupassem na


vida do povo o lugar das antigas irmandades. D. Viçoso também se
empenhou na massificação da catequese tridentina e em abrir a diocese à
ação de congregações religiosas que atuassem na assistência social e
educadora do povo118.
D. Viçoso publicou várias obras para ajudar na formação e correção do
clero e do povo, como: Guia de Confessores de São Ligório, Jesus ao
Coração do Sacerdote, Catecismo de Mariana, Nova Missão Abreviada, ao
lado de jornais como: a Seleta Católica e O Romano. Também animou a
publicação do cotidiano O Bom Ladrão e dirigiu o Ordo diocesano, além
de traduzir e difundir importantes obras como: Tesouro da Paciência de
Theodoro de Almeida, Imitação de Maria Santíssima do pe. Marchtallense,
Memorial dos discípulos de Cristo de Arvisent. Ele também prefaciou ou
recomendou os seguintes trabalhos: Tesouro Cristão de D. Luís Antônio
dos Santos; Manual da Primeira Comunhão e da Confissão de Mons.
Gaume, traduzida por D. Pedro de Maria Lacerda; Missão Abreviada do pe.
Manoel Gonçalves Couto, e Pratica da Confissão dos padres Silvério
Gomes Pimenta e João Batista Conigliotto119.
A vinda das irmãs Filhas da Caridade, de carisma vicentino, também foi
muito importante na obra de reforma em curso, não só de Minas, mas em
todo o Brasil. O grupo das doze pioneiras chegou em Mariana em 3 de abril
de 1849, acompanhadas pelos padres lazaristas que vinham para dirigir o
Seminário episcopal. Foram as primeiras religiosas de vida ativa a
aportarem no Brasil. O objetivo delas era a educação integral feminina,
segundo os padrões franceses e de conteúdo profundamente moralizantes, e
a ação de caridade evangélica junto às realidades mais duras e difíceis,
como a miséria e as enfermidades120.
As principais devoções que D. Viçoso inspirou foram: o mês de Maria,
Paixão de Nosso Senhor Jesus, escapulários de Nossa Senhora do Carmo,
festas da Imaculada Conceição, São José, Santo Antônio de Lisboa, Santa
Ana, São Francisco de Borja, Santa Úrsula, além de reforçar a adoração ao
Santíssimo Sacramento. Para efetivar as devoções reorganizou o calendário
diocesano e substituiu festas tradicionais por festas no espírito reformado,
além de consagrar a diocese de Mariana ao Santíssimo Coração de Jesus,
em 8 de dezembro de 1874. D. Viçoso também tentou criar nos fieis

—————————–
118
A. J. MELO, Dom Antônio Ferreira Viçoso, 22.
119
R. O. TRINDADE; Arquidiocese de Mariana, I, 223; A. J. MELO, Dom Antônio
Ferreira Viçoso, 24-60.
120
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 156-162.
232 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

mineiros uma verdadeira devoção à figura do Papa, implementando uma


relação de respeito, veneração e profunda obediência ao Sumo Pontífice121.
O grande respeito, obediência e veneração ao Papa e às Leis da Igreja,
professados pelo bispo de Mariana tiveram evidente demonstração ainda
em 1844. Logo após tomar posse, ele enviou a Roma e ao Pontífice uma
relação do estado da sua diocese, junto a seu ato de juramento e
agradecimento à aceitação de sua nomeação122. Também seu antecessor
havia enviado uma carta de agradecimento pela elevação ao episcopado e o
mesmo seria feito pelo seu pupilo consagrado bispo do Pará, José Afonso
de Morrais Torres123.
Quando Pio IX chegou ao papado, D. Viçoso, como recordaria pe.
Silvério Gomes Pimenta, «apressou-se em levar à sua augusta presença
seus sentimentos de júbilo por sua elevação ao Sumo Pontificado, e de
plena adesão e obediência à sua pessoa e autoridade, o qual procedimento
lhe mereceu em resposta um honroso Breve do mesmo Pontífice datado em
16 de janeiro de 1847»124.
D. Viçoso se opôs tenazmente à maçonaria. Quando estava no Rio de
Janeiro, esperando para ser sagrado bispo, pregava na capela do Hospício
da Terra Santa, e segundo pe. Silvério, «nessas práticas muitas vezes
carregava a mão na seita maçônica, a qual se ia mostrando mais ousada, e
buscava com sofreguidão angariar prosélitos». Ainda segundo o mesmo
autor:
Nesse mesmo tempo de sua demora na Corte escreveu um opúsculo para
prevenir os fieis sobre as manhas da seita maçônica. Era uma coleção de juízos
sobre a maçonaria por pessoas insuspeitas, e bem informadas de suas
artimanhas, e planos tenebrosos. Foi depois impressa e distribuída pelo Sr.
Bispo colhendo dela muitos benefícios a Diocese, e todo o Império...125
Tal opúsculo era intitulado Juízo sobre a Maçonaria. Quando a Questão
Religiosa ainda era incipiente incentivou seu afilhado, Pe. Silvério Gomes
Pimenta, a publicar em 27 de maio de 1872, uma Resposta ao Discurso do
Sr. Conselheiro Saldanha Marinho, líder de uma das facções maçônicas
nacionais126. D. Viçoso também redigiria uma carta a D. Pedro Maria de
—————————–
121
A. J. MELO, Dom Antônio Ferreira Viçoso, 67-71
122
AES, Br., Relazione sulla Diocesi, Atto di giuramento del vescovo Mons. Antônio
Ferreira Viçoso, 1844, Fasc. 157, pos. 49, f. 58r-63r.
123
AES, Br., Lettera di ringraziamento del nuovo Vescovo, 16 de abril de 1844,
Fasc. 157, pos. 44, f. 22r-22v.
124
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 285.
125
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 62-63.
126
Cf. S. G. PIMENTA, Resposta ao discurso do Sr. conselheiro Saldanha Marinho.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 233

Lacerda, prelado do Rio de Janeiro, apoiando sua ação contra a maçonaria,


na qual deixava claro qual era seu pensamento a respeito:
Muito de boa vontade, e me parece que em companhia de todo o Episcopado
Brasileiro, aprovo e louvo o seu proceder no castigo desse infeliz Sacerdote.
Ele se lembre que ninguém na hora da morte se fez maçom, antes muitos nessa
hora das luzes tem abjurado a seita, reconhecendo o seu erro.
A V. Exa. dou os parabéns, pois Deus o escolhe entre os Bispos do Brasil para
ser o primeiro martirizado. Continue impávido. Deus é com sua respeitável
Pessoa127.
D. Viçoso não deixou de escrever ao mesmo «infeliz sacerdote» (pe.
Almeida Martins) exortando-o a se arrepender e se retratar. Compôs ainda
uma pastoral sobre a matéria, em 20 de junho de 1872, convidando os fieis
a abandonarem a maçonaria e, após o agravamento da questão, redigiu
outra, em 9 de agosto de 1873, na qual publicou o breve Quanquam
Dolores nostros, que Pio IX dirigira aos bispos brasileiros, em 29 de maio
de 1873128.
Defendeu corajosamente os bispos de Pernambuco e do Pará em uma
circular redigida em 30 de abril de 1874, que segundo Raimundo Trindade,
era corajosa e franca, «tão nos moldes das do bispo de Olinda que o
ministério maçônico tremeu, e receando haver-se com o bispo de Mariana –
da altiva, livre e católica Minas – determinou às lojas das províncias que
não se movessem nem fizessem o menor ato de provocação ao prelado
marianense»129.
D. Pedro II conferiu a D. Viçoso o título de Conde da Conceição, a
comenda da Imperial Ordem de Cristo e o grau de oficial da Imperial
Ordem da Rosa, como reconhecimento dos serviços prestados ao Império.
D. Viçoso faleceu em Mariana em 7 de junho de 1875130.
A Secretária de Estado do Vaticano, resignada com perda de um grande
prelado que já tinha alcançado a veneranda idade de 88 anos, assim
respondeu ao ofício do Internúncio Mons. Bruschetti, no qual informava do
falecimento, num despacho datado de 17 de agosto de 1874:
Ho ricevuto il foglio di V. S. Ilma N°61 che mi reca la triste notizia della
morte di Mons. Antonio Ferreira Viçoso Vescovo di Mariana. Sebbene il
defunto Prelato avesse raggiunto la grave età di 88 anni, pur nondimeno non

—————————–
127
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 214-215.
128
S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 216-218
129
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 231.
130
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, I, 234-236.
234 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

poteva la sua morte non esser di afflizione al Santo Padre specialmente per le
difficoltà attuali di trovare buoni Pastori131.

3.2. D. Antônio Joaquim de Mello (1791-1861)


No início do Segundo Império a diocese de São Paulo era uma das
últimas a conservar um bispo português. Tratava-se de D. Manuel Joaquim
Gonçalves de Andrade (1775-1847)132, que se formara e doutorara em
cânones na Universidade de Coimbra, onde recebera grande influxo do
iluminismo e regalismo estilo luso. D. Manuel era fazendeiro, dono de
escravos, apaixonado pela caça e teve grande envolvimento com a política
partidária em São Paulo, filiando-se ao Partido Conservador após o seu
surgimento e tornando-se um de seus líderes. Várias vezes foi vice-
presidente da província de São Paulo, membro do Conselho Geral da
Presidência, deputado na Assembléia Geral e Provincial e candidato ao
Senado. Não deixou de usar a própria autoridade episcopal para influenciar
politicamente o seu clero e tentar interferir no processo eleitoral. Foi bispo
de 1826 a 1847, e na opinião de fr. Alfonso Rumelly, Procurador e
Comissário Gente dos Capuchinhos, a diocese de São Paulo estivera, todo
este tempo, confiada «alla custodia di un mercenario, per non dire, di um
lupo rapace»133.
O seu sucessor, Antônio Joaquim de Mello, curiosamente se formou em
São Paulo respirando os ares do iluminismo e do regalismo coimbrense,
estudando nos Livros do Conde Irajá e na Theologia Lugdunense, de
tendência regalista e jansenista, além do que, quando foi para Itu em 1823,
estava nascendo na capital um centro de formação imbuído do mais puro
regalismo liberal do Império, a Academia Jurídica134.
—————————–
131
ASV, NAB, Despacho, 17 de agosto de 1875, Cx. 47, fasc. 216, doc. 23, f. 49.
132
Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade nasceu em Lisboa e fez lá os seus estudos
primários e secundários. Formou-se e doutorou-se na Universidade de Coimbra e
recebeu a ordenação sacerdotal em 1796. Transferiu-se de imediato para o Brasil onde
foi nomeado cônego da Sé de São Paulo por D. Mateus de Abreu Pereira. Em 1804,
recebeu a nomeação de vigário geral, cargo no qual permaneceu por 20 anos. Sempre se
envolveu com política e, graças a influência da Marquesa de Santos, foi nomeado bispo
em 1826, e confirmado pela Papa Leão XII, em 25 de junho de 1827. [P. F. S.
CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VI, 74-75; A. WERNET, A Igreja paulista
no século XIX, 76].
133
AES, Br., Lettera del Fr. Alfonso da Rumelly al Santo Padre, (sem data), Fasc.
175, pos. 121, f. 31r; A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 71-77; Cf. P. F. S.
CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VI.
134
Antônio Joaquim de Mello (1791-1861), nasceu em Itu em 29 de setembro de
1791. Filho do capitão Teobaldo de Mello César e de dona Josefa Rodrigues do Amaral.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 235

Entretanto, Itu era uma cidade muito viva em religiosidade, com um


clero numeroso e, segundo Augustin Wernet, lá existia por volta de trinta e
oito padres, trinta e três seculares e cinco regulares num município que, em
1813, contava 5.674 habitantes. A Vila possuía, no seu núcleo urbano e nos
arrabaldes, nove templos, entre igrejas e capelas, sendo duas igrejas
pertencentes aos dois conventos – ao dos Franciscanos e ao dos Carmelitas.
Ligadas aos dois conventos se encontravam duas Terceiras Ordens e ainda
cinco confrarias. Neste numeroso clero, destacavam-se, entre outras, duas
figuras: o padre Jesuíno do Monte Carmelo e, a partir de 1818, o padre
Diogo Antônio Feijó135.
Por isso Itu foi chamada por Ezechias Galvão da Fontoura de «Roma
paulistana»136. Os padres Jesuíno do Monte Carmelo, Diogo Antônio Feijó
e Antônio Joaquim de Mello, junto a outros fundaram a «Congregação dos

Quando tinha seis anos de idade sua família transferiu-se para Minas Gerais,
acompanhando o capitão Teobaldo que para lá fora transferido. Em 1799, aos 8 anos,
assentou praça no regimento de seu pai e começou a freqüentar as primeiras letras nas
aulas do quartel. Mesmo sem vocação, foi militar até 1810, quando conseguiu baixa e
voltou para Itu. Nesta cidade se convenceu de sua vocação sacerdotal e aos 19 anos,
retomou o estudo da língua latina. Posteriormente se transferiu para São Paulo, junto
com seu primo, Francisco de Paula Sousa e Mello, que o hospedou durante quatro anos.
São Paulo, naqueles anos, estava dominada pela cultura iluminista, e foi nesse ambiente
que Joaquim de Mello se preparou duramente para o sacerdócio. Nos dois primeiros
anos assistiu às aulas de filosofia no curso dado no convento de São Francisco e recebeu
as ordens menores em 1812. Nos outros dois anos passou a estudar teologia e freqüentar
as aulas de moral e dogmática do bispo diocesano D. Mateus de Abreu Pereira. Em
1814, recebeu as ordens maiores, bem como a ordenação sacerdotal, voltando, em
seguida, a sua terra natal. Nos anos de 1823 a 1830, o pe. Antônio Joaquim de Mello se
retirou da vila de Itu para a fazenda de propriedade de Roque Teixeira, e ali abriu um
internato para meninos do curso propedêutico, sendo ele o diretor, o principal professor
e o capelão da fazenda. Voltou para Itu em 1830, e em 1833 se dirigiu a Minas Gerais
intencionado a ingressar na Congregação dos Padres da Missão no colégio do Caraça.
Na primeira parte da viagem chegou até Pouso Alegre, mas não conseguiu ir adiante
devido a uma sedição que ocorreu em Minas em 1833, retornando, então, para Itu. Nesta
cidade o pe. Joaquim Antônio de Mello abriu uma escola de primeiras letras na chácara
onde residia e se afastou quase completamente do convivo social, exceto aos domingos
quando ajudava na Igreja Matriz. Em 1842, diferentemente da maioria do clero paulista,
se opôs aos liberais na Revolução Liberal de 1842. Após a morte de D. Manuel Joaquim
Gonçalves de Andrade, foi nomeado bispo de São Paulo com o decreto de 5 de maio de
1851 [As informações sobre sua vida podem ser encontrados nos principais trabalhos
sobre ele e nas suas biografias: A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 26.40-
41.47.50-52.98; E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de
Mello, 9-47; P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII].
135
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 41.
136
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 20.
236 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Padres do Patrocínio» em Itu, cujo presidente não era outro senão o pe.
Feijó. Eles se reuniam na Igreja de N. S. do Patrocínio onde discutiam
sobre assuntos teológicos e recitavam o ofício divino, porém, os livros
jansenistas e regalistas muito em voga naqueles tempos, prejudicaram
incontestavelmente os resultados dessa congregação. Entre os padres Feijó
e Mello nasceu uma sincera amizade, mas sem eliminar as divergências que
tinham no tocante a questões filosóficas e teológicas. Outra diferença era
que, enquanto pe. Feijó se sentia atraído pela política partidária, pe. Mello a
abominava. Estas divergências se definiram de vez ao eclodir a Revolução
Liberal em 1842, analisada no segundo capítulo137.
Após a morte de D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, D. Antônio
Joaquim de Mello, aos sessenta anos de idade, foi nomeado bispo de São
Paulo com o decreto de 5 de maio de 1851, assinado pelo Conselheiro
Euzébio de Queiros Coutinho Matoso Câmara, então Ministro da Justiça.
Esta nomeação foi devida principalmente à atuação de D. Antônio em favor
das autoridades constituídas em 1842138.
Conhecendo o ambiente clerical paulista, ele inicialmente relutou em
aceitar, mas acabou sendo convencido por seus amigos mais íntimos. Logo
em seguida dirigiu-se para o Rio de Janeiro, onde se apresentou ao
Imperador para agradecê-lo, «declarando-se humildemente o mais obscuro
sacerdote da Diocese». D. Pedro II, assim respondeu ao agradecimento: «O
seu nome é bem conhecido desde 1842, tenho o seu discurso proferido
nesta época revolucionária»139.
Foi confirmado bispo por Pio IX em 14 de março de 1852, e mandou
tomar posse por procuração o pe. Antônio Martiniano de Oliveira,

—————————–
137
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 31-34.
138
«Teria sido Francisco de Paula Souza e Mello que, ao entregar o seu cargo de
Presidente do Conselho dos Ministros, deixou nos seus documentos o nome de seu
parente para bispo de São Paulo. Este nome foi aproveitado pelo Ex.mo Sr. Conselheiro
Eusébio de Queiroz Matosos Câmara, seu sucessor, sugerindo-o a Dom Pedro II» [P. F.
S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 337]. «Quando faleceu Dom
Antônio Manuel Joaquim de Andrade, em 1847, Dom Pedro II tinha desde 1842 um
nome guardado a Sé Paulipolitana: O Padre Antônio Joaquim de Mello, que pronunciara
um sermão, em plena Revolução Liberal, defendendo o princípio da autoridade. O
médico irlandês Ricardo G. Daunt teria enviado o sermão ao Imperador com os devidos
elogios...» [L. C. ALMEIDA; «A Igreja em São Paulo no período Imperial», em a Igreja
nos quatro séculos de São Paulo, I, 90].
139
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 50.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 237

governador do bispado. Foi sagrado na Igreja de Nossa Senhora do


Convento d’Ajuda em 6 de junho de 1852, pelo bispo do Rio de Janeiro140.
Ezechias Galvão da Fontoura, testemunho do episcopado de D. Antônio
e seu primeiro biógrafo, definiu bem qual era a situação histórica que
envolvia o novo prelado:
Infelizmente, o nefando regalismo que tinha contaminado horrorosamente a
Igreja portuguesa, já estava invadindo a jovem Igreja brasileira. Raríssimo era
o bispo ou sacerdote, que estava isento desse verme roedor da autonomia do
poder eclesiástico. Esse despotismo, por longos anos, exercido sobre a Igreja
brasileira, entorpeceu a sua marcha progressiva. D. Antônio, conquanto ainda
pertencente à escola antiga do regalismo, soube com heróica energia levantar-
se à altura da sua missão episcopal. Não se deixou levar pela onda; conservou-
se ele sobranceiro as doutrinas vigentes, dando a César o que é de César, e a
Deus o que é de Deus.
Foi respeitador obediente às leis do seu país e acérrimo defensor das
prerrogativas inerentes a Aquele que é constituído pelo Espírito Santo para
reger a Igreja de Deus141.
D. Antônio, no entanto, era um reformador, malgrado, como se viu,
houvesse sido formado segundo a velha escola iluminista e regalista.
Provavelmente, justamente por reação a ela, abraçou plenamente o
ultramontanismo, ainda que isso lhe tenha custado, sobretudo na capital da
província, cerrada oposição dos padres identificados com o modelo eclesial
precedente. Muitos destes clérigos ocupavam postos de importância dentro
do cabido e na administração episcopal; mas D. Antônio, na sua primeira
carta pastoral, não hesitou em enumerar quais eram as origens dos males da
diocese: 1 – Excessiva preocupação com «o que é do mundo», a
indiferença e a leitura de livros «danosos»; 2 – Falta absoluta de educação
católica aos meninos, aos moços e ao clero. Indicava três medidas
principais para sanar tais males: a) Criação de um Seminário diocesano
sustentado por uma congregação religiosa experiente na formação
seminaristica, pois era «incomparavelmente melhor não ter Seminário
algum, do que tê-lo mal constituído»; b) Pregação e ensino do Catolicismo
à mocidade, e cura d’almas, sendo que o pároco que «por si ou por outrem»
não instruísse seria ou exonerado «ou constrangido teria quem o suprisse»;

—————————–
140
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 47-57;
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 98.
141
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 118.
238 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

c) A necessidade de pelo menos a confissão anual no período de páscoa e


que fosse uma boa confissão142.
Três foram suas primeiras medidas: um Regulamento para o clero, um
outro para os ordenandos e a instituição de um Seminário diocesano. O
Regulamento do clero, subdividido em três partes, foi publicado por meio
de três cartas pastorais editadas em 22 de agosto de 1852, 23 de novembro
de 1852 e 27 de janeiro de 1853143. Nessas pastorais não se encontrava
nada que não fosse prescrição geral da Igreja Católica, no entanto, não
foram recebidas benevolamente por parte do clero, que chegou mesmo a
criar um jornal intitulado O Amigo da Religião, especialmente destinado a
desmoralizar D. Antônio e sua reforma144.
Na parte do regulamento publicado com a pastoral de 22 de agosto, D.
Antônio deu início à reforma a partir do aspecto exterior, com a obrigação
do uso da sotaina eclesiástica, ameaçando de suspensão quem continuasse a
usar «vestuários seculares». Descia a uma série de minúcias: tipo de
chapéu, cor das fivelas dos sapatos e das meias, corte de cabelo e outros.
Regulamentava a vida dos padres no que dizia respeito aos divertimentos,
espetáculos públicos, a caça, ao engajamento em atividades políticas
(considerado um dos principais culpados pela desmoralização do clero), à
exagerada preocupação com a situação financeira, aos hábitos de
embriaguez e de concubinato. Reforçava ainda à obrigação dos párocos de
pregar o evangelho aos domingos e dias de festa145.
Na segunda parte do Regulamento, publicado em 23 de novembro de
1852, D. Antônio abordou diretamente a questão da embriaguês e do
concubinato:
Amados irmãos, é com acanhamento extraordinário que passamos a falar-vos
em certos vícios. [...] não consideramos a embriagues só naqueles que perdem
os sentidos, bamboleiam e caem. É criminoso deste vício todo o que
freqüentemente bebe em excesso, ficando amiúde fora do seu estado normal,
seja no modo de falar, arrastando a língua, seja no amortecimento dos olhos,
no excesso e na liberdade das palavras. [...] o concubinato é um crime tão

—————————–
142
A. J. DE MELLO, «Primeira Carta Pastoral», em E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e
Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 58-69.
143
Augustin Wernet não considera a terceira parte sobre os emolumentos como parte
do Regulamento, ao contrário de Ezechias que a considera parte dele, porém não faz
referimento e nem mesmo publica a segunda parte [ndr.].
144
AES, Br., Lettera di Antônio vescovo di São Paulo ao Santo Padre, 29 de maio
de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 41r-48r; E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D.
Antônio Joaquim de Mello, 74-75.
145
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 103.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 239

ordinário que mais nos dói e mais nos fez ser a fábula do povo e que mais
males tem feito à Igreja146.
Na terceira parte do Regulamento, publicado em 27 de janeiro de 1853,
tratava dos excessos e arbitrariedades na exigência dos emolumentos. Uma
tal regulamentação já tinha sido feita pelos padres de Itu, sob a direção do
pe. Diogo Feijó, e enviada ao antecessor de D. Antônio, que respondera
declarando-se incompetente para decidir sobre isso, endereçando-lhes à
autoridade civil. Nessa pastoral D. Antônio fez questão de criticar seu
antecessor e de defender os direitos que ele considerava pertencer ao
episcopado147.
Em 1852, D. Antônio publicou um regulamento para os ordenandos que
esteve em plena execução até a abertura do Seminário. Nele o prelado
ressaltava e reafirmava a importância da vocação e a necessidade de sua
comprovação para poder ser ordenado, pois era «melhor ter poucos bons,
que muitos maus». Para se confirmar a existência de vocação verdadeira
era necessário ter todas ou algumas das seguintes características: inclinação
ao sacerdócio, pureza de intenções, santidade (principalmente a castidade),
espírito eclesiástico (fidelidade e obediência à Igreja Católica Apostólica
Romana e ao Papa), ciência (formação adequada), chamado do bispo
(quando o bispo considerar o candidato apto), chamado do povo (quando
uma paróquia e seu pároco estimavam o ordenando e confirmavam sua
vocação nata para o sacerdócio). Além disso, se exigia que prestassem um
juramento nas mãos do secretário do bispado de que nunca fizeram parte de
sociedades secretas, e caso tivessem feito, de as terem abandonado148.
Seriam excluídos das ordens os filhos ilegítimos de padres e os filhos de
pessoas cativas. Terminava regulando o vestuário, divertimento e
instituindo algumas últimas exigências como: confissão e comunhão
mensal, atestado de estudo e freqüência dado pelo pároco a cada três
meses, e também sobre a companhia que freqüentavam. Definia quais eram
os livros de leitura obrigatória: Caminho do Santuário, Introdução à vida
devota por São Francisco Sales e Theologia Dogmática e Moral de
Goussete149. Como já foi observado, duas exigências inéditas passaram a
—————————–
146
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 101-102, notas 21 e 23.
147
A. J. DE MELLO, «Regulamento ao Clero coibindo os excessos e arbitrariedade na
exigência dos emolumentos», em E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio
Joaquim de Mello,129-136.117.
148
A. J. DE MELLO, «Regulamento para os Ordenandos», em E. G. FONTOURA, Vida
do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 115.120-128.
149
A. J. DE MELLO, «Regulamento para os Ordenandos», em E. G. FONTOURA, Vida
do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 120-128.
240 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

ser feitas aos ordenandos: acatar as comunicações papais, mesmo as não


placitadas pelo Governo imperial, e não filiar-se maçonaria150.
O principal objetivo de D. Antônio e, segundo ele mesmo, a sua
principal contribuição à reforma do clero, foi a instituição de um Seminário
diocesano em conformidade com as determinações tridentinas. Suas
intenções foram declaradas já na primeira pastoral que editou em 6 de
junho de 1852:
Meus irmãos, para a cura do primeiro mal não vemos outro remédio senão a
criação de um bom Seminário Diocesano. Não nos recusamos a esse trabalho,
embora plantemos para outros colherem. Daremos toda a nossa força, todo o
bem de raiz que possuirmos, e mesmo a livraria que hoje formamos, contando
sobretudo com a vossa coadjuvação, com o vosso zelo, com vossos socorros
materiais [...]. Julgamos porém dever asseverar-vos que se a educação do
Seminário não for sustentada por padres, que por dedicação religiosa se dão ao
ensino da mocidade, não moveremos uma só pedra para tal fim. È
incomparavelmente melhor não ter Seminário algum, do que tê-lo mal
constituído: jamais empregados, que só tem a mira no ganho, se compenetram
dos dons da Fé, nem fazem por ela grandes sacrifícios151.
As dificuldades em realizar esta obra eram gigantescas, primeiro a nível
material e financeiro, e depois, o mais difícil, conseguir pessoal habilitado
para sua administração econômica, cientifica e espiritual. Ao contrário de
D. Antônio Viçoso, que vinha de uma ordem religiosa especializada na
educação e com experiência neste campo, D. Antônio nunca tinha passado
por um Seminário. Além disso, enquanto na diocese de Mariana já se
encontrava uma congregação religiosa que se dedicava ao ensino e ficara
responsável pelo Seminário diocesano, em São Paulo uma tal congregação
simplesmente inexistia. Quanto ao lado material, ele instituiu uma
comissão com pessoas de confiança entre leigos e sacerdotes para
representar a pessoa jurídica do Seminário e poder aceitar doações e
adquirir bens. Doou, então, uma parte do terreno de sua chácara e uma
quantia para compra de um terreno contíguo, além de sua biblioteca pessoal
que adquirira em praça pública no Rio de Janeiro, quando estava esperando
a confirmação e sagração. Passou a pedir esmolas, na intenção da casa
formativa diocesana, nas constantes visitas pastorais que fazia e dirigiu-se
aos párocos que à seu turno nomearam comissões paroquiais com o
objetivo de arrecadar fundos por meio de doações. Ou seja, o bispo montou
—————————–
150
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 130.
151
A. J. DE MELLO, «Primeira Carta Pastoral», em E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e
Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 65-66; A. WERNET, A Igreja paulista no século
XIX, 104.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 241

um engenhoso esquema de arrecadação de fundos: pedindo esmolas por


ocasião as visitas pastorais, colocando caixinhas de esmolas nas igrejas e
capelas da diocese, instalando comissões paroquiais e utilizando parte das
taxas de dispensas matrimoniais152.
Este esquema garantiu a independência da casa de formação em relação
ao poder civil. D. Antônio não se interessou por nenhum dos projetos de
Seminários existentes no cabido e na Comissão Eclesiástica da Assembléia
Legislativa Provincial. Ou melhor, estes órgãos sequer foram consultados
em relação à construção e organização interna. Um decreto da Assembléia
Provincial criando um Seminário episcopal deu a D. Joaquim de Mello o
respaldo necessário. Em 1851, a Assembléia Provincial já havia concedido
a soma de 4:000$000 por ano para auxiliar a construção do referido
instituto, colocando como condição a inspeção do mesmo por parte do
Governo Provincial. O bispo aceitou o auxílio, mas recusou a inspeção,
procedimento que criou um conflito entre ele e o governo provincial, que
foi resolvido pelo Governo imperial a favor do prelado paulista153.
A falta de recursos humanos para o Seminário, ou seja, a composição de
um corpo dirigente e docente, foi outro motivo de aflição. Não obstante
houvesse em São Paulo sacerdotes formados pela Academia Jurídica local,
bem como mestres de Filosofia, Teologia e Ciências Jurídicas, a maioria se
identificava com o iluminismo e o regalismo, e nenhum deles havia sido
formado num típico Seminário. Desconheciam, portanto, o modelo
seminarístico, motivo pelo qual não eram considerados adequados. Neste
sentido, D. Joaquim de Mello se dirigiu, em primeiro lugar, aos padres da
Companhia de Jesus que se haviam estabelecido no Rio Grande do Sul,
pedindo a colaboração do pe. Mariano Berdugo, superior dos padres
jesuítas daquela província, mas isso estava fora da esfera de competência
do referido padre. Dirigiu-se, então, ao Superior Geral dos jesuítas, em
Roma, e também não foi atendido. Tentou conseguir a colaboração dos
padres lazaristas, estabelecidos em Minas Gerais, também sem sucesso154.
Sem mais opções válidas no território nacional, apresentou um pedido
pessoal ao próprio Papa Pio IX, e desta vez obteve o que desejava. O Papa
—————————–
152
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 55.86-
87.
153
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 105.108; E. G. FONTOURA, Vida do
Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 139.192-193. No entanto, no fundo AES,
existe uma ofício informando que a Assembléia Provincial revogou o decreto que
concedia a verba anual ao Seminário [AES, Br., Ofício, 23 de junho de 1854, Fasc. 169,
pos. 94, f. 32r.]
154
AES, Br., Lettera di Antônio vescovo di São Paulo ao Santo Padre, 2 julho de
1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 65v-66r.
242 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

providenciou a vinda para São Paulo de três religiosos capuchinhos


franceses, que chegaram ao Brasil em abril de 1854, esquivando-se do
controle do Governo em relação à entrada de religiosos estrangeiros. Eram
eles: fr. Affonso de Rumelly, fr. Eugenio de Rumelly e fr. Firmino de
Centelhas155.
Fr. Affonso foi enviado, em nome do Santo Padre, para visitar o bispo e
entregar-lhe uma carta156, além de apresentar-lhe os outros dois religiosos
que vieram para prestar serviço à diocese. Fr. Affonso, depois de alguns
meses no Brasil, retornou à França (Chambery) e, logo depois, foi eleito
Provincial dos Capuchinhos. Fr. Firmino e fr. Eugênio começaram as suas
atividades docentes em novembro de 1854, com aulas de filosofia, teologia
dogmática e moral, no palácio episcopal, já que o Seminário ainda estava
em construção. No entanto, tudo foi feito sem as pretendidas autorizações
dos poderes públicos e disso se aproveitou parte do clero «ilustrado» da
capital paulista, em particular modo o cabido, para investirem contra o
bispo, desejosos que eram de impedirem a nova orientação religiosa e
cultural que se estava impondo. Essa oposição e pressão do clero da capital
quase resultou na retirada dos dois religiosos da província157.

—————————–
155
AES, Br., Ofício, 23 de junho de 1854, Fasc. 169, pos. 94, f. 34r-35r; P. F. S.
CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 115-120.140-141.150-155; A.
WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 106-107.
156
Esta carta encontra-se publicada em E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D.
Antônio Joaquim de Mello, 92-93.
157
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 140.165-
166; A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 106-108. Entre os principais
opositores estavam os cônegos Ildefonso, Joaquim Anselmo de Oliveira e Joaquim do
Monte Carmelo. Recebendo notícias sobre o comportamento assumido por tais
sacerdotes, e consciente da impossibilidade dos frades de sua ordem de receberem apoio
do bispo que se encontrava em visita pastoral, o fr. Alfonso de Rumelly cogitou em
retirá-los de São Paulo e enviá-los para o Rio de Janeiro onde residiam outros
capuchinhos. Em 2 de julho de 1856, o bispo explicou, numa carta ao Papa, que tudo
não passara de um mal entendido. Dizia que a carta do fr. Alfonso de Rumelly, que
recebera em abril ordenando a transferência dos religiosos, fora como uma facada no
coração. Declarava seu amor e estima por estes dois padres e ameaçava renunciar caso
eles fossem afastados da sua província, pois a sua causa dependia destes dois religiosos,
e terminava garantindo a perfeita harmonia entre ele e os dois capuchinhos [ AES, Br.,
Lettera del Fr. Alfonso da Rumelly al Santo Padre, sd., Fasc. 175, pos. 121, f. 31r-32v;
Lettera di Antônio vescovo di São Paulo ao Santo Padre, 29 de maio de 1856, Fasc.
175, pos. 121, f. 47r; Lettera di Antônio vescovo di São Paulo ao Santo Padre, 2 julho
de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 63r-67v; Lettera del Santo Padre al vescovo di São
Paulo, 2 de outubro de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 77r-79v; Lettera di Antônio vescovo
di São Paulo ao Santo Padre 24 de outubro de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f.86r-87r;
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 243

D. Joaquim de Mello queria um Seminário exclusivamente para futuros


padres e com um regulamento muito rigoroso, já os capuchinhos
argumentavam que um instituto exclusivamente clerical e rigoroso, sem
fundo patrimonial, não conseguiria se manter e por fim o prelado acatou tal
evidência158.
Havia, então, alunos internos ou pensionistas, e externos. Porém, os
segundos eram proibidos de ter qualquer relacionamento com os internos,
sob pena de exclusão. Os internos, por sua vez, deveriam se manter em
isolamento da convivência social e familiar, sendo-lhes exigido o uso
obrigatório do hábito clerical. Não tinham férias em família, numa tentativa
de diminuir as influências do ambiente externo. Em 1856, o Seminário já se
encontrava em fase final de construção e foi aberto solenemente em 9 de
novembro desse ano159. Em 1858, levantou-se um segundo edifício, de
menores proporções, para o uso exclusivo dos alunos internos, ou seja, o
futuro clero, isolando-os de vez do contato com os alunos externos160.
No ano de 1857, o Seminário sofreu ameaças de interferência por parte
do Governo Imperial. A bem da verdade, tal intento governativo só estava
no começo, pois logo se alargaria a todos os Seminários nacionais, como
será visto nos próximos capítulos. Deixar-se-á a narração do acontecido ao
próprio D. Antônio em uma carta que enviou ao Papa:
Non posso e non devo nascondere a V. S. la tempesta che mi minaccia in
seguito al cambiamento del Ministero161. Il Ministro della giustizia, che in pari
tempo è Ministro dell’Istruzione pubblica, mi ha chiesto di mandargli i testi,
che s’insegnano nel Seminario, per approvarli. Gli ho risposto privatamente,
pregando col dovuto rispetto di non esigere ciò da me, perché essendo
Vescovo non posso, senza tradire la causa della Chiesa, sottomettere il mio

ASV, NAB, Memória, 1856, Cx. 29, fasc. 131, doc. 16, f. 35; Dispaccio, 04 de abril de
1856, Cx. 29, fasc. 121, doc. 59, f. 109r-110r].
158
P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 212.
159
Na ocasião da inauguração, o reitor do Seminário, fr. Eugênio de Rumelly, fez um
eloqüente discurso que demonstra muito bem a nova mentalidade do governo diocesano
de D. Antônio. O discurso inteiro se encontra em E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e
Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 196-231. Também em AES, Br., Discurso
pronunciado por ocasião da abertura solene do seminário episcopal de S. Paulo, 1856,
Fasc. 175, pos. 121, f. 90r-101r.
160
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 187-
188,.191; A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 109-112.
161
Provavelmente se refere à saída do Gabinete conservador presidido pelo conde de
Caxias em 4 de maio de 1857 e sua substituição por outro Gabinete conservador
presidido pelo Marquês de Olinda. O Ministro da Justiça no primeiro era Nabuco de
Araújo e do segundo Diogo Pereira de Vasconcelos [ndr.].
244 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

insegnamento ad un tribunale incompetente, che i Vescovi hanno il dovere ed


il diritto di censurare l’insegnamento dei secolari, che quando i Vescovi errano
vengono corretti da quello al quale fu detto: confirma Fratres tuos, gli ho
ancora rammentato il Docete omnes ed il attende tibi. Bisogna notare che non
si domandano i testi che s’insegnano nei Seminari di Bahia e di Mariana, ove i
Professori sono pagati dal Governo. Inoltre il Ministro esige gli statuti, che
reggono questa Diocesi e Seminario perché, quando, e da chi è stato fatto il
regolamento per i diritti di stola. Ho delle ragioni da persuadermi, che i
Baccellieri, miei avversari, uniti con i Canonici che li proteggono, andando al
Parlamento come Deputati inaspriti perché è stato rigettato un ricorso in
favore di un prete, e più ancora inaspriti dal recente Decreto, che ristringe i
casi nei quali era permesso il ricorso alla corona162, questi Deputati amici del
Ministro dei culti, prenderanno i mezzi per sconcertarmi, per disturbarmi, e
per tutti i versi ed imbrogli costringermi a dare la mia rinuncia. I Dottori e
Preti in generale vedono con odio i Professori Religiosi dare un andamento
così bello all’istruzione nel Seminario, e che fra poco l’insegnamento sarà
nelle mani dei Religiosi. I nemici del bene vedendo ciò che preparasi per la
gloria di G. C. sono disperati, e preparano gli strumenti che debbono rovinare
la buona opera. Temo non per la mia persona, ma pel Seminario, per i buoni
Religiosi, per le Suore di S. Giuseppe, che debbono venire.
Prego V. S. di dirmi se debbo sottomettere ad un giudice incompetente
l’approvazione dei testi del Seminario.
Freguesia di S. Antônio do Machado 1º de Dezembro de 1857163.
O bispo não aceitou a intromissão e resistiu, mas este caso ilustra bem a
oposição que chegou a sofrer não só dos padres «ilustrados», mas também
dos «doutores», em uma clara referência à Academia Jurídica de São Paulo.
Existiu um choque no campo intelectual entre as duas instituições de
ensino, pois enquanto o Seminário adotou uma moral rígida e procurou
«regenerar o país por meio da religião, não fazendo concessões ao
liberalismo, no seu sentido amplo, a academia assumia um estilo de vida
folgazão, professando uma fé convicta no progresso oriundo da razão e das
luzes», com uma orientação agnóstica e até mesmo anticlerical. Grande
parte dos políticos regalistas radicais, defensores da separação entre os dois
poderes ou anticlericais saíram desta instituição, como Tristão Araripe,
Tavares Bastos, Silveira Martins, Campos Sales, Rui Barbosa e Joaquim
Nabuco164.
—————————–
162
Refere-se a suspensão ex informata conscientia como visto no capitulo precedente
[ndr.].
163
AES, Br., Lettera del Vescovo di São Paulo al S. Padre, 1 de dezembro de 1857
(tradução para o italiano: 31 de março de 1858), Fasc. 179, pos. 131, f. 93v-94r.
164
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 131.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 245

Fr. Eugênio de Rumilly assumiu a reitoria do Seminário e fr. Firmino de


Centelhas foi seu vice-reitor165. Em 1859, o grupo de professores aumentou
com a vinda de mais quatro padres capuchinhos italianos: fr. Francisco de
Vibonato, fr. Germano de Anecy, fr. João de Montefiori e fr. Generoso. As
disciplinas fundamentais, no que diz respeito à orientação filosófica e
teológica, ficaram, neste período inicial, nas mãos dos capuchinhos,
enquanto os professores nacionais foram destinados às aulas iniciais ou de
ciências naturais. Outros religiosos chegaram nos anos seguintes: fr.
Gonçalo, fr. Ambrósio, fr. João Batista, fr. Justo, fr. Teodoro, fr. Calisto, da
província capuchinha de Chambéry e fr. Tomás, da Itália. O Seminário
episcopal de São Paulo obteve um bom resultado, formando padres dentro
das diretrizes tridentinas. Foi crescente o número de alunos durante o
episcopado de D. Antônio Joaquim de Mello: 29 em 1857, 62 em 1858, 78
em 1859, 145 em 1860, 180 em 1861, 229 em 1862166.
Não foi só a formação masculina a ser reformada, o bispo também
procurou melhorar a educação feminina na diocese. Em 1858, ele
conseguiu que viessem de Chambery as seis primeiras religiosas da
Congregação de São José, destinadas ao colégio de N. S. do Patrocínio que
se estava instituindo em Itu, cidade natal de D. Antônio. A escolha destas
irmãs foi devido à influência e ajuda do fr. Eugênio de Rumilly, cuja prima
era assistente geral dessa congregação. Partiram sete irmãs da França,
porém, a superiora madre Maria Basília, ficou doente ao chegar no Rio de
Janeiro, vindo a falecer. Pouco tempo depois, em 15 de junho de 1859,
chegou a nova superiora madre Maria Teodora Voiron, de apenas 24 anos,
junto da irmã Josefina. Madre Teodora, com o crescimento da congregação
no Brasil, se tornaria Provincial nos primeiros anos da República. Em
novembro de 1859, aconteceu a abertura solene do Colégio de N. S. do
Patrocínio em Itu. A partir daí as irmãs assumiram colégios, hospitais e
asilos para mendigos em várias cidades de São Paulo, como na capital da
província, Campinas, Taubaté, Piracicaba e Franca167.
Como não podia ser diferente, D. Antônio, na condição de bispo que se
inspirava no Concilio de Trento, fez das suas visitas pastorais uma
—————————–
165
AES, Br., Lettera di Antônio Vescovo di São Paulo ao Santo Padre, 24 de outubro
de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 86v.
166
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 193.235;
P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 237-240; A. WERNET, A
Igreja Paulista no século XIX, 113.115-116.
167
AES, Br, Lettera del Vescovo di São Paulo al S. Padre, 1 de dezembro de 1857
(tradução para o italiano: 31 de março de 1858), Fasc. 179, pos. 131, f. 93r-93v. E. G.
FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 269.287-290; P. F.
S. CAMARGO, A Igreja na História de São Paulo, VII, 257-262.269-271.
246 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

poderosa arma para alcançar seus objetivos. Assim, nos 9 anos de


episcopado, mais de 45 meses foram dedicados a elas. Ele realizou quatro
grandes visitas, todas precedidas por cartas pastorais168, e algumas outras
pequenas e limitadas a poucas ou a uma única localidade. Elas se
estenderam de 1853 a 1860. Quando visitou o sul da Província de Minas
Gerais teve a oportunidade de se encontrar com o bispo de Minas Gerais,
D. Antônio Ferreira Viçoso, em 15 de outubro de 1857, em São Gonçalo da
Campanha169.
As visitas pastorais seguiam todas mais ou menos a mesma prática:
fazia-se um levantamento geral da paróquia e, paralelamente, havia
exortações, instrução e confissões. Em seguida, D. Joaquim de Mello
administrava o sacramento da crisma e, se fosse necessário, procedia à
parte correcional do clero. Em cada paróquia organizava-se uma comissão
para a arrecadação de fundos para a construção do Seminário episcopal.
Nas visitas e nas cartas pastorais que as antecediam, D. Antônio não deixou
de insistir na necessidade da confissão e na sua importância para a fé
católica e a salvação das almas, além de sempre exigir do clero a pregação
do evangelho e o ensino do catecismo, chegando mesmo a ameaçar de
suspensão os párocos que não cumprissem estes preceitos170.
Ao todo, foram quatorze as cartas pastorais em que D. Antônio expôs
seu projeto de reforma. Nelas, além de analisar a situação religiosa do clero
e do povo paulista, indicava as linhas mestras da renovação que desejava
concretizar e defendia a autoridade pontifícia171. Nesse afã, tentou
igualmente organizar e regular as devoções populares, chamando a atenção
para as deficiências do ensino religioso nas escolas e combatendo a
participação político-partidária do seu clero172. A propósito, o ensino
religioso foi uniformizado com a substituição dos muitos catecismos em

—————————–
168
Estas cartas se encontram publicadas em E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e
Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 142-163.170-175.259-266.272-276.
169
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 255-257;
A. WERNET, A Igreja paulista no século XIX, 119-131.
170
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 133.
171
A obediência, amor, estima e confiança em Pio IX era tanta que, em meio as suas
aflições, no ano de 1856, chegou a dizer que era somente nele que podia buscar
conselhos e apoio [ AES, Br., Lettera di Antônio Vescovo di São Paulo ao Santo Padre,
6 de agosto de 1856, Fasc. 175, pos. 121, f. 69r-74r].
172
Estas cartas pastorais foram publicas nas seguintes obras: E G. FONTOURA, Vida do
Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello e P. F. S. CAMARGO, A Igreja na História
de São Paulo, VII.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 247

uso na diocese por um novo, que passou a ser o único permitido após a sua
publicação em 20 de julho 1859173.
O bispo defendeu ainda, com todas as suas energias, a liberdade da
Igreja. Isso se refletiu na defesa do Seminário, citada em precedência, e na
insistência da legalidade das suspensões ex informata conscientia. Segundo
Augustin Wernet, D. Antônio chegou mesmo a sugerir ao Imperador,
«como solução para a calamitosa situação religiosa, a separação entre
Igreja e Estado», indo além da posição predominantemente defensiva
adotada pelo seu colega de Mariana, D. Viçoso174.
Dilermando Ramos Vieira também ressalta que, apesar do respeito
recíproco existente entre D. Antônio e o Imperador, o prelado «jamais foi
um aliado do trono, uma vez que se opunha ao liberalismo revolucionário
por razões puramente religiosas» e foram estas mesmas razões que «o
levaram a opor-se igualmente ao intervencionismo de Estado»175.
D. Antônio Joaquim de Mello faleceu em 16 de fevereiro de 1861,
deixando a diocese em perfeitas condições de se continuar à reforma por
ele iniciada. Em seu testamento, feito na cidade de Itu em 1859, dois anos
antes da sua morte, legou todos os seus bens particulares ao Seminário,
com a clausula de ser ele dirigido, econômica e cientificamente, pelos
filhos educados na casa após 25 anos. Enquanto isso deveria ficar sob os
cuidados dos capuchinhos176.

4. Os «herdeiros» das Escolas Mineira e Paulista


O trabalho de D. Antônio Ferreira Viçoso em Mariana e de D. Antônio
Joaquim de Mello em São Paulo, foi tão determinante que acabou criando
os dois principais focos de irradiação da renovação eclesial no Brasil. Neste
sentido, basta recordar que das duas dioceses citadas saíram sete bispos
que, no decorrer do Segundo Império, alargaram os confins da reforma
ultramontana no país. No caso de D. Viçoso, os continuadores de sua obra
foram os seguintes: D. José Afonso de Morais Torres (1805-1865), bispo
do Pará; D. Luís Antônio dos Santos (1817-1891), primeiro bispo do Ceará;
D. João Antônio dos Santos (1818-1905), bispo de Diamantina; e D. Pedro
Maria de Lacerda (1830-1890), bispo do Rio de Janeiro. Por sua vez, os
principais discípulos de D. Antônio Joaquim de Mello foram: D. Antônio
Cândido de Alvarenga (1836-1903), bispo de São Luís do Maranhão e

—————————–
173
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 277-280.
174
A. WERNET, A Igreja Paulista no século XIX, 98.
175
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 134.
176
E. G. FONTOURA, Vida do Ex.mo e Rev.mo D. Antônio Joaquim de Mello, 90.303.
248 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

depois de São Paulo; D. José Pereira da Silva Barros (1835-1898), bispo de


Olinda e, após a morte de D. Lacerda, bispo do Rio de Janeiro; e D.
Joaquim José Vieira (1836-1937), segundo bispo do Ceará.
Os novos prelados reformadores afastaram-se decididamente da área
política, dando total prioridade à sua missão pastoral. A maioria deles havia
trabalhado anteriormente como reitores ou professores nos Seminários, o
que lhes facilitou o enfoque do problema vocacional e formativo. Era este o
caso de D. José Antônio dos Santos, D. Luís Antônio dos Santos e D. Pedro
M. de Lacerda, todos ex-colaboradores do Seminário de Mariana, e de D.
Antônio Cândido de Alvarenga, ex-professor do Seminário de São Paulo.
Daí a preocupação que tiveram em modelar um novo espírito nos
Seminários de suas dioceses.
Preocupados em criar um clero renovado, com seu próprio exemplo,
procuravam inspirar e afirmar a figura de um pastor «apóstolo e santo», que
substituísse a antiga imagem do bispo administrador e político, do período
colonial. Um dos principais aspectos do movimento reformador introduzido
no Brasil foi sua autenticidade, que será herdada e continuada pelos
sucessores, entre os quais D. Antônio de Macedo Costa, a personalidade
mais eminente da segunda fase da renovação eclesial no Segundo
Império177.

4.1. A «escola mineira»


Os sequazes do modelo implantado por D. Viçoso, estenderam a reforma
a outras partes do Brasil, cada um com características próprias, adequadas
às jurisdições diocesanas em que exerciam seu ministério. Foram eles:
a) D. José Afonso de Morais Torres (1805-1865): José Afonso178 foi
discípulo de D. Viçoso quando este dirigia o Seminário de Jacueganga, na
província do Rio de Janeiro. Quando seu formador voltou para Minas
Gerais, ele o acompanhou. Após a ordenação conferida por D. fr. José da
Santíssima Trindade, no dia 1º de março de 1828, o neo-sacerdote viria
posteriormente a se tornar religioso da Congregação dos Padres da Missão
—————————–
177
O episcopado de D. Macedo Costa será apresentado mais adiante neste capítulo
[ndr.].
178
Filho do capitão João Afonso de Morais e de dona Antônia Constança da Rocha
Torres, nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 23 de janeiro de 1805. Faleceu na
cidade de Caldas, Minas Gerais, em 25 de novembro de 1865. Era bispo resignatário do
Pará, do conselho de sua majestade o Imperador, comendador da ordem de Cristo,
presidente honorário do Instituto d’África em Paris, membro honorário da imperial
Academia de belas-artes, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de
outras associações literárias [DBB, IV, 266-268].
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 249

de São Vicente de Paula. Como lazarista, ele serviu de vigário colado na


freguesia de Congonhas do Campo, local em que também ensinou no
colégio dirigido pelos padres da congregação. Em 1840, foi transferido
para a freguesia de S. Francisco Xavier do Engenho Velho, no Rio de
Janeiro, aonde novamente exerceria o ministério como vigário colado179.
A nomeação episcopal aconteceu em 13 de maio de 1843, seguida da
confirmação do Papa Gregório XVI, em 24 de janeiro de 1844. No dia 21
de abril do mesmo ano foi sagrado bispo180 pelas mãos de D. Manuel de
Monte Rodrigues Araújo, bispo do Rio de Janeiro. Tomou posse da diocese
do Pará, por procuração, em 7 julho do ano 1844181.
Zeloso, D. Afonso realizou oito visitas pastorais na sua vastíssima
jurisdição, tendo chegado até o alto Amazonas. Nelas sofreu privações,
inclusive fome. Prestou ainda vários serviços à diocese, melhorando o
Seminário e criando ali novas aulas como a de língua tupi, necessária para
a catequese. Carlos Augusto Peixoto de Alencar, seu contemporâneo, no
livro que compôs intitulado: Roteiro dos bispados do Brasil, publicado em
1864, deixou o seguinte parecer sobre este prelado:
Fundou dois estabelecimentos pios de educação, e instrução religiosa, o
colégio de Óbidos, destinado para meninas pobres desvalidas, e o Seminário
de São José na capital do Amazonas, o primeiro inaugurado em dezembro de
1846, e o segundo em 14 de maio de 1848. Seu zelo, porém, mal
compreendido por aqueles, que com ele se incomodavam, lhe acarretou
amargos desgostos, que muito influíram no seu animo, para que resignasse o
bispado no ano de 1857, e se retirasse para corte do Rio de Janeiro, deixando a
Diocese no dia 19 de julho do mesmo ano182.
D. Afonso também deu uma importante contribuição à escolástica
brasileira, publicando o Compêndio de filosofia racional, em 1852. O livro,
calcado nos escritos de Sigismundo Storchenau, defendia um
escolasticismo espúrio, mesclado de teorias modernas, dos «excertos
leibnizianos das mônadas, do occamismo mitigado, do argumento
ontológico e da teoria lockiana do influxo físico para explicar o comércio
da alma com o corpo»183. Faleceu aos 60 de idade, no dia 19 de

—————————–
179
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 242.
180
AES, Br., Lettera di ringraziamento del nuovo vescovo del Pará, Giuseppe
Alfonso de Moraes Torres al Santo Padre, 26 de abril de 1844, Fasc. 157, pos. 44, f.
22r-22v.
181
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 242-243; DBB, IV, 266-268.
182
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 243.
183
E. PAULI, «Primórdios da Escolástica no Brasil», em Estudos, n.1-2, 91.
250 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

novembro de 1865. Seu sucessor no bispado do Pará foi D. Antônio de


Macedo Costa184.
b) D. Luís Antônio dos Santos (1817-1891): Luís Antônio185 ao atingir a
idade de quinze anos foi admitido no Seminário da Santíssima Trindade de
Jacuecanga, sendo discípulo do pe. Viçoso. Retornando este padre ao
Caraça em 1837, o jovem Luís Antônio dos Santos o acompanhou e lá
concluiu o curso teológico. Foi ordenado presbítero em 21 de setembro de
1841, no Rio de Janeiro, pelo bispo Conde de Irajá, devido à vacância do
bispado de Mariana desde 1835. Retornou a Minas, onde recebeu de D.
Viçoso a nomeação para ser professor de teologia e reitor do Seminário de
Mariana (1846-1848). Em 1846, elegeram-no cônego da catedral, após o
que, em 1848, foi enviado para Roma juntamente com outros dois colegas
de formação e futuros bispos, os padres Pedro Maria de Lacerda e João
Antônio dos Santos. Doutorou-se em direito canônico, no ano de 1851, e
voltando a Mariana reassumiu seus antigos cargos (1855). Além das aulas,
acompanhou os lazaristas em várias missões as populações dos rincões
mineiros186.
Deve-se ressaltar sua participação no O Romano, periódico dogmático,
moral e histórico publicado em Mariana sob a direção de D. Viçoso (1851)
e seu escrito intitulado Direitos do padroado no Brasil ou reflexões sobre
os pareceres do procurador da coroa e da sessão do conselho de estado de
18 de janeiro e de 10 de março de 1856, por um padre da província do Rio
de Janeiro187.
Indicado para o bispado do Ceará pelo decreto de 1 de fevereiro de 1859,
foi confirmado pelo Papa Pio IX, em 28 de setembro de 1860188. D. Viçoso
o sagrou no dia 14 de abril de 1861. D. Luís tomou posse da sua diocese
em 16 de julho de 1861, por meio de procuração concedida ao cônego
Antônio Pinto de Mendonça, vigário de Quixeramobim e último visitador

—————————–
184
DBB, IV, 266-268.
185
Filho de Salvador dos Santos Reis e dona Maria Antônio da Conceição, nasceu na
vila da Ilha Grande hoje cidade de Angra dos Reis, em 17 de março de 1817. [DBB, V,
358-359; F. CÂMARA, «Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC,
XCV, 52-59].
186
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 31-33; F. CÂMARA, «Dom Luís Antônio
dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC, XCV, 54.
187
L. A. DOS SANTOS, Direitos do padroado no Brasil ou reflexões sabre os
pareceres do procurador da coroa e da sessão do conselho de estado de 18 de janeiro e
de 10 de março de 1856, por um padre da província do Rio de Janeiro.
188
AES, Br., Officio, 23 de julho de 1860, Fasc. 182, pos. 139, f. 54r-55r.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 251

do bispo de Pernambuco para o Ceará. Em 29 de setembro do mesmo ano,


fez entrada solene na catedral de Fortaleza189.
Seguiu a risca os passos do seu ordenante: realizou visitas pastorais
constantes; fundou o Seminário de Fortaleza, em 10 de dezembro de 1864;
instituiu em 15 de agosto de 1865, na capital, o Colégio da Imaculada
Conceição dirigido pelas Filhas da Caridade; e fundou o Seminário do
Crato, posteriormente terminado pelo seu sucessor, D. Joaquim José Vieira
(1884-1914). Nas terríveis secas de 1877 e 1879, dedicou-se com
grandíssimo empenho aos assolados «pondo em perigo a própria
existência». D. Luís também participou do Concilio Vaticano I (1869-
1870) em Roma e consagrou a sua diocese ao Sagrado Coração de Jesus190.
Sua participação na Questão Religiosa foi discreta e, juntamente com D.
Lacerda, tomou uma posição mais conciliadora com o Governo após a
anistia dos dois bispos encarcerados, como será visto no último capítulo191.
Com a morte de D. Joaquim Gonçalves de Azevedo, em 6 de novembro de
1879, D. Luís foi promovido a arcebispo da Bahia, em 15 do mesmo mês.
O Encarregado de Negócios, Luigi Matera, informou logo a Santa Sé,
dizendo ser D. Luís digno deste cargo pelo seu zelo, doutrina e devoção à
Cátedra de Pedro, mas que ele não era a favor de uma ação enérgica contra
as irmandades maçonizadas, se opondo à posição da Santa Sé e do bispo D.
Macedo Costa192.
D. Luís não queria abandonar a diocese do Ceará, onde ainda existia
muito trabalho a ser realizado. Escreveu, então, uma recusa formal em carta
dirigida, tanto ao Governo Imperial quanto ao Encarregado Apostólico.
Mons. Luigi Matera enviou a referida missiva à Santa Sé, defendendo a
idéia que, malgrado D. Luís fosse um dos mais velhos entre os bispos do
Império, se distinguisse como exemplar, instruído e zeloso, encontrava-se
fragilizado pela idade e as provações do episcopado. Por este motivo teria
pouquíssima energia se devesse entrar em luta contra as «pretensões da
maçonaria». Na opinião de Mons. Matera seria mais interessante que fosse
nomeado para Arcebispo D. Macedo Costa, mas que, no entanto, a isso se

—————————–
189
F. CÂMARA, «Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC,
XCV, 55.
190
AES, Br., Rapporto sul Vescovo di Ceará, janeiro de 1879, Fasc. 10, pos. 201, f.
30r; F. CÂMARA, «Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC, XCV,
1981, 56-57.
191
DBB, V, 358-359; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 31-33; F. CÂMARA,
«Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC, XCV, 52-59.
192
AES, Br., Officio, 21 de novembro de 1879, Fasc. 10, pos. 201, f. 31r-31v.
252 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

opunha energicamente o Governo, devido à participação deste bispo na


Questão Religiosa193.
O encarregado Luigi Matera foi substituído pelo Internúncio Mos.
Angelo Di Pietro. O Imperador logo fez pressão sobre ele para convencer
D. Luís a aceitar o Arcebispado, dizendo que não nomearia nenhum bispo
que tivesse se envolvido na Questão Religiosa194. A Santa Sé, então, se
pronunciou pedindo ao Internúncio que exortasse D. Luís a aceitar195.
Em um ofício enviado em 19 de julho de 1880, foi a vez de Mons. Di
Pietro avisar que recebera uma carta de D. Luís para ser entregue ao Santo
Padre, na qual o bispo insistia em recusar a nomeação ao Arcebispado, no
entanto, admitia aceitá-lo se, mesmo depois do Papa ler a carta, não
mudasse de idéia. No ofício que acompanhava a carta, Mons. Di Pietro
dava a seguinte opinião sobre alguns aspectos da referida missiva, na qual
D. Luís falava de si mesmo e do seu governo:
Quanto espone il venerando Prelato riguardo alle sue qualità personali è
tutto [corretto] eccetto che della sua umiltà. È vero soltanto che ha un
[carattere] naturale, calmo e tranquillo, mancando di quell’energia che
contenuta nei giusti limiti, sarebbe pure desiderabile. Ma è dotato di dottrina,
di molta virtù, di zelo, e di saggezza per governare. Primo Vescovo di
Fortaleza (poiché il primo preconizzato non giunse prender possesso) ha
saputo guadagnarsi l’amore e la venerazione di tutti, e fare alla nuova diocesi
segnalati vantaggi. Basta menzionare i due Seminari collocati in medesimo
ben grande edificio da lui costruito parte col suo denaro, e parte con sussidi
del Governo e limosine dei fedeli. Chiamò a reggere i Preti della Missione,
come chiamò le suore di Carità alla direzione di un Orfanotrofio da lui
parimenti edificato. I due Seminari gli hanno già dato e vanno dandogli buoni
frutti; tanto che per quest’istituzione, per gli esercizi spirituali, a cui
periodicamente suole inviare i Sacerdoti, e per l’esempio della sua condotta il
Clero della Diocesi è molto migliorato, ed il miglioramento del Clero è la
principale necessità dell’Archidiocesi di Bahia196.
A resposta do Santo Padre veio por meio de um telegrama enviado em
31 de agosto de 1880, no qual dizia querer que D. Luís aceitasse197. O
nomeado foi transferido, então, para Arquidiocese por bula papal de 13 de
maio de 1881. Tomou posse em 20 de outubro de 1881, e fez sua entrada

—————————–
193
AES, Br., Officio, 16 de janeiro de 1880, Fasc. 10, pos. 201, f. 32r-33v.
194
AEC, Br., Officio, 20 de março de 1880, Fasc. 10, pos. 201, f. 34r-35r.
195
AEC, Br., Dispaccio, 18 de maio de 1880, Fasc. 10, pos. 201, f. 35r-36v.
196
AES, Br., Officio, 19 de julho de 1880, Fasc.10, pos. 201, f. 39r-41r.
197
AES, Br., Telegrama, 31 de agosto de 1880, Fasc. 10, pos. 201, f. 44r.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 253

solene somente em 7 de agosto de 1882, chegando D. Pedro II a lamentar-


se com o Internúncio pela demora198.
Na Bahia, ele restaurou a velha Sé, reformou o plano de estudos do
Seminário, entregando a administração daquela casa aos Padres da Missão,
que assumiram a direção em 1888, por meio do pe. Clavelin. Teve como
bispo auxiliar, concedido em 7 de março de 1888, D. Joaquim Arcoverde
Cavalcante, mais tarde primeiro Cardeal brasileiro. Após a proclamação da
República (1889), apesar de sua amizade com D. Pedro II, não apresentou
dificuldades em aceitar o novo regime como será visto no último
capítulo199.
Renunciou o Arcebispado no dia 26 de junho de 1890, devido às
pressões do Internúncio Mons. Spolverini200 e ao agravamento de uma
paralisia que imobilizou todo o lado direito do seu corpo até o rosto. A obra
que realizou, no entanto, foi reconhecida pelo próprio D. Pedro II e, por
decreto assinado pela regente Princesa Isabel, em 17 de maio de 1888, foi
agraciado com o título de Marquês de Monte Pascoal. D. Luís também fez
parte do conselho do Imperador e foi Assistente do Sólio Pontifício.
Faleceu na Bahia no dia 11 de março de 1891201.
c) D. João Antônio dos Santos (1818-1905): João Antônio202 fez seus
primeiros estudos no Seminário do Caraça (1835-1842), mudando-se para
Congonhas do Campo quando, em conseqüência da Revolução de 1842, o
Caraça foi fechado. Lá cursou filosofia e teologia e foi ordenando
presbítero por D. Viçoso em 12 de janeiro de 1845. Nesse mesmo ano
recebeu a nomeação de reitor do Seminário de Mariana, pelo período de 8
meses, onde exerceu conjuntamente os ofícios de lente de filosofia,
dogmática e matemática. Lecionou também em Congonhas. Foi eleito
cônego de Mariana em 1846, dignidade a qual renunciou dez anos mais
tarde. Em 1848, partiu para Roma juntamente com Luís Antônio dos Santos
e Pedro Maria de Lacerda. Lá se doutorou em direito canônico no Colégio
Romano (futura Pontifícia Universidade Gregoriana). Mudou-se para Paris,
e aprofundou-se em grego, hebraico, física e teologia no Seminário de São
—————————–
198
AES, Br., Officio, 10 de outubro de 1881, Fasc. 12, pos. 222, f. 34r-34v; F.
CÂMARA, «Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC, XCV, 57-58.
199
F. CÂMARA, «Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do Ceará», em RIC,
XCV, 58.
200
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 58.
201
DBB, V, 358-359; F. CÂMARA, «Dom Luís Antônio dos Santos – Apóstolo do
Ceará», em RIC, XCV, 58-59.
202
Nasceu em São Gonçalo do Rio Preto, município do Serro, Minas Gerais [DBB,
II, 327-328].
254 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Sulpício. Voltou para o Brasil em 1852, fixando novamente residência em


Mariana, onde dirigiu por quatro anos o Ateneu São Vicente de Paulo203.
Escolhido para bispo de Diamantina pelo decreto de 12 de março de
1863, foi confirmado por Pio IX em 30 de setembro do mesmo ano. Em 2
de fevereiro de 1864, tomou posse antes mesmo de ser sagrado bispo. A
sagração aconteceu no dia 1 de maio, por D. Viçoso. Fundou o Seminário
do Sagrado Coração de Jesus, inaugurando-o em 1867, e entregando-o aos
cuidados dos padres lazaristas, que durante os quinze anos que o dirigiram
possibilitaram a ordenação de cinqüenta novos sacerdotes, ao tempo em
que o clero do velho modelo perdia completamente a visibilidade. O bispo
fundou também o colégio Nossa Senhora das Dores, que foi entregue às
Filhas da Caridade. Com o objetivo de proporcionar trabalho para as moças
da região, D. João Antônio dos Santos criou, junto com seus irmãos, Dr.
Joaquim Felício dos Santos e Dr. Antônio Felício dos Santos, a Fábrica de
Tecidos do Biribiri, em 6 de janeiro de 1876. Esta Fábrica de Tecidos foi,
posteriormente, transferida para a sede do Município de Diamantina204.
O prelado percorreu em visita pastoral a inteira diocese que lhe foi
confiada. Aderiu ao abolicionismo, fundando, em 17 de julho de 1870, a
«Sociedade de Nossa Senhora das Mercês» para a libertação dos escravos.
A exemplo de D. Viçoso, lutaria com afinco para disciplinar os padres
maçons e amancebados, fazendo do Seminário o grande instrumento para
formar um novo clero. Em 1882, com base nas informações que tinha, o
Internúncio Mons. Mario Moceni endossaria a afirmação de que D. João
era um bispo «pio, instruído, zeloso e devoto à Santa Sé», além de
confirmar que, em 15 anos, haviam sido formados 50 bons sacerdotes no
Seminário. Graças a este clero reformado, a maioria das 62 paróquias da
diocese passaram a gozar de boa administração, enquanto que o antigo
clero, na sua maioria «imoral e inscritos na maçonaria», se tornou
minoritário205. Em 1891, aos 83 anos de idade e quase cego, recebeu do
Papa Leão XIII um bispo coadjutor na pessoa de D. Joaquim Silvério de
Souza. Faleceu em 17 de maio de 1905, com 41 anos de episcopado206.
d) D. Pedro Maria de Lacerda (1830-1890): Pedro de Maria Lacerda
iniciou seus estudos no Rio de Janeiro207, e freqüentou as aulas de latim do
—————————–
203
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 33-34.
204
DBB, II, 327-328.
205
AES, Br., Officio, 28 de junho de 1882, Fasc. 11, pos. 214, f. 57r-57v.
206
DBB, II, 327-328; M. ALVARENGA, O episcopado brasileiro, 73-74; J. LEMOS, D.
Pedro Maria de Lacerda, 33-34.
207
Pedro de Maria Lacerda, filho do capitão de mar e guerra João Maria Pereira de
Lacerda, oficial da ordem da Rosa, e cavaleiro das de Cristo e Avis, do Brasil e da de
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 255

pe. Antônio Vieira Borges, Encarregado Apostólico, que substituiu Mons.


Bedini na representação da Santa Sé no Brasil, atuando de 11 de dezembro
de 1847 até 19 de janeiro de 1853208. Terminado estes estudos
preparatórios, Lacerda foi mandado por seus pais, em 1841, com apenas 11
anos de idade, para o Colégio de Nossa Senhora Mãe dos Homens, na Serra
do Caraça, Província de Minas Gerais, do qual era reitor o «santo e douto
pe. Antônio Ferreira Viçoso, lazarista, depois bispo de Mariana». Devido à
revolução de 1842, deixou o Caraça e se transferiu a Congonhas do Campo.
«Dotado de talento superior», terminou dentro de pouco tempo os estudos
preparatórios, inclusive filosofia racional e moral, e passou a cursar
filosofia, teologia e outras matérias eclesiásticas em Mariana, no Seminário
episcopal, para onde foi levado por D. Antônio Ferreira Viçoso. Aos 18
anos de idade concluiu seus estudos de filosofia e teologia no Seminário e
passou a acompanhar D. Viçoso por algum tempo em visitas pastorais209.
Naquele mesmo ano de 1848, D. Viçoso resolveu enviá-lo a Roma, bem
como os já mencionados cônegos Luís Antônio dos Santos e João Antônio

São Gregório Magno, concedida por Pio IX, por serviços relevantes prestados à religião
e especialmente à congregação das irmãs Filhas da Caridade, das quais fora entusiástico
defensor. Sua mãe era D. Camila Leonor Pontes de Lacerda. Nasceu na
freguesia da Candelária, no Rio de Janeiro, em 31 de janeiro de 1830, e faleceu no
prédio do Seminário São José, em 12 de novembro de 1890. Foi agraciado com o título
de conselheiro do Imperador, assistente ao sólio pontifício, prelado doméstico de sua
santidade e comendador da ordem de Cristo. [J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda,
16-19; DBB, VII, 54; ver também A. A. F. DOS SANTOS, A Arquidiocese de S. Sebastião
do Rio de Janeiro].
208
Pe. Antônio Vieira Borges, substituiu o Internúncio Apostólico Mons. Gaetano
Bedini (1806-1864), Arcebispo titular de Tebas. Pio IX estava resolvido a elevar a
representação da Santa Sé no Brasil ao rol das Nunciaturas Apostólicas, e neste sentido,
designara mais uma vez a Mons. Bedini para ocupar agora este novo e mais elevado
posto, conforme ofício enviado pelo Secretário de Estado Cardeal Antonelli ao
Encarregado de Negócios brasileiro junto à Santa Sé, José Bernardo de Figueiredo,
datado de 13 de março de 1852. Figueiredo, porém, que de secretário de nossa legação
passara a Encarregado naquele mesmo mês, respondeu ser necessária a apresentação da
terna, ao que replicou Antonelli admirado, não ver razões para tal, uma vez que Bedini
já exercera aqui tais funções e sua conduta recebera louvores e, nesse meio tempo, viria
como Encarregado Mons. Marino Marini, Auditor da Delegação Apostólica no México.
Dada a insistência de Figueiredo, Antonelli dá o assunto por encerrado. Bedini foi eleito
Secretário da propaganda (1856-1861) e elevado ao cardinalato (1861), tendo falecido
como Arcebispo de Viterbo. A Mons. Vieira Borges sucedeu como Encarregado Mons.
Matino Marini (25 de dezembro de 1853 a 26 de novembro de 1856), e continuou o
Brasil a ter uma Internunciatura, vindo então como Internúncio Mons. Vicente Massoni
Arcebispo de Edessa [J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 24-25].
209
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 24-25.29.30.
256 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

dos Santos. Depois de terem chegado em Paris em meio à revolução de


1848, prosseguiram viagem, chegando à destinação no dia 7 de julho.
Passaram então a freqüentar o Colégio Romano, onde Pedro Maria se
doutorou em Teologia, em 3 de setembro de 1849. Enquanto preparava a
sua tese, ocorreram na Cidade Eterna fatos relevantes, como a fuga de Pio
IX para Gaeta e a proclamação da República Romana210.
De volta à cidade de Mariana, Pedro Maria de Lacerda passou a trabalhar
no Seminário episcopal, ao tempo em que também exercia a função de
professor público de geografia e história do Liceu Marianense. Apesar da
«sua consciência temerosa», D. Viçoso o ordenou presbítero secular em 10
agosto de 1852, com dispensa de idade. No mês seguinte foi apresentado
como cônego efetivo da Sé de Mariana, por decreto Imperial de 29 de
julho, com a respectiva colação em 15 de setembro de 1852. Exerceu este
ministério até junho de 1862, quando renunciou à sua cadeira por motivo
de «escrúpulos no desempenho de suas obrigações». Dentro de pouco
tempo seu nome tornou-se conhecido pelas virtudes sacerdotais e
intelectuais de que era dotado, motivo pelo qual, em 1860, o célebre bispo
de São Paulo, D. Antônio Joaquim de Mello, o propôs ao Governo Imperial
como seu coadjutor com futura sucessão. No entanto, D. Viçoso se opôs.
Foi, entretanto, decorado pela Nunciatura Apostólica com as honras de
Protonotário do Internúncio Mons. Falcinelli Antoniacci (1806-1874)211,
em 31 de julho de 1861. Nessa ocasião recebeu também a nomeação de
examinador pró-sinodal por D. Viçoso212.
Com a morte do bispo do Rio de Janeiro, D. Manuel do Monte
Rodrigues de Araújo213, em 11 de junho de 1863, pe. Lacerda foi nomeado
—————————–
210
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 37-39.41-42; DBB, VII, 54.
211
Mons. Mariano Falcinelli Antoniacci, Arcebispo-titular de Antenas, exerceu suas
funções no Brasil de 7 de julho de 1858 até 21 de abril de 1863. Monge beneditino da
Congregação Cassinense, fora abade de São Paulo fora dos Muros (Roma). Entrou para
a Secretaria de Estado em 1891, tendo sido Conselheiro da Internunciatura em Viena,
Delegado Apostólico em Cuba e Porto Rico antes de ser mandado ao Brasil como
Internúncio, de cuja missão se desligou dada a sua elevação à Nunciatura Apostólica de
Viena. Foi nomeado cardeal em 22 de dezembro de 1873 por Pio IX [J. LEMOS, D.
Pedro Maria de Lacerda, 44].
212
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 42-44.
213
Filho de João Rodrigues de Araújo e dona Catarina Ferreira de Araújo, nasceu em
Pernambuco em 17 de março de 1796, e faleceu no Rio de Janeiro em 11 de junho de
1863. Era prelado assistente do sólio pontifício, capelão-mor e do Conselho de Sua
Majestade o Imperador; membro da Academia das ciências e artes de Roma, da
sociedade dos Antiquários do Norte, do Instituto Histórico e Geográfico brasileiro, do
Instituto histórico da Bahia, e de outras associações cientificas nacionais e estrangeiras,
além de grande dignitário da ordem da Rosa, comendador da de Cristo e grão-cruz das
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 257

bispo daquela diocese pelo Imperador, em 1 de fevereiro de 1868. Receoso


em aceitar, pediu um mês para refletir. Neste ínterim recebeu várias cartas
de religiosos e bispos eminentes, incentivando-o a acatar a nomeação. Foi o
que fez D. Macedo Costa, em 19 de fevereiro de 1868, e sobretudo, D.
Viçoso, que afinal o convenceu. Pe. Lacerda aceitou a nomeação em 29 de
março de 1868, após o que, dirigiu uma longa epístola em latim, em 27 de
abril desse mesmo ano, ao Papa Pio IX, explicando os receios que tivera
em aceitar o episcopado e pedindo seu beneplácito e sua benção214.
D. Pedro Maria de Lacerda foi preconizado por Pio IX no Consistório de
24 de setembro de 1868, e sagrado bispo por D. Viçoso em Mariana no dia
10 de janeiro de 1869. Tomou posse por procuração em 31 de janeiro, por
meio do cônego Felix Maria de Fretas e Albuquerque, e fez sua entrada
solene no dia 8 de março215. Dizia sobre si mesmo na primeira pastoral:
Como é que aquele que sempre fugiu de encargos, que até renunciou honrosas
ocupações só em razão das obrigações anexas, como é que se vê Bispo e Bispo
de uma Diocese tão ilustre, tão importante, tão vasta e tão populosa, onde os

ordens de S. Januária e de Francisco I de Nápoles. Ordenado presbítero secular,


lecionou teologia no Seminário episcopal de Olinda e, quando se abriram as faculdades
de direito, foi um dos primeiros matriculados na de sua província, que o elegeu
deputado à 3ª legislatura, sendo depois, pelo Rio de Janeiro, eleito para a 6ª legislatura.
Apresentado bispo do Rio de Janeiro em 10 de fevereiro de 1839, e confirmado em 13
de dezembro do dito ano, foi quem deu as bênçãos nupciais ao Imperador D. Pedro II,
além de haver batizado os filhos do mesmo Soberano. Escreveu o Compêndio de
teologia moral para uso do seminário de Olinda, Pernambuco (1837), Elemento de
direito eclesiástico (1857-1859), Memória sobre o direito de primazia do soberano
pontífice romano quanto a confirmação e instituição canônica de todos os bispos,
traduzida do francês, Rio de Janeiro em 1837 (publicado como anônimo); Opúsculo
sobre a questão que tivera o Exm. Arcebispo da Bahia metropolitano do Brasil, D.
Romualdo Antônio de Seixas, com o bispo capelão-mor do Rio de Janeiro a respeito do
ministro,a quem competia fazer a cerimônia da benção e coroação de S. M. o
Imperador do Brasil (1841); Instrução pastoral contendo as principais regras que o R.
R. párocos devem guardar antes e na ocasião de solenizar os matrimônios (1844).
[DBB, I, 46]. Fr. Afonso de Rumelly assim se refere ao Conde do Irajá: «uomo istruito,
ma di principi non sicuri, pende pel Gallicanismo e pel Giuseppinismo, ha pubblicato
un Opera di Teologia Morale in portoghese, la quale insegna pressoché in tutti i
Seminari; egli si occupa degli studi e niente affatto del governo della Diocesi» [AES,
Br., Informazione sui Vescovi del Brasile, mandata da fr. Affonso de Rumelly, 15 de
novembro de 1854, Fasc. 169, pos. 100, f. 87r-87v].
214
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 46-49.
215
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 54-57.61; DBB, VII, 54.
258 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

trabalhos são mais numerosos, mais melindrosos, mais cheios de


responsabilidade como em nenhuma outra parte?216
Acrescentava que fora incentivado por «cinco veneráveis bispos
brasileiros» para aceitar o episcopado, e que por isso não era «de admirar
que sintamos medo, tédio e pavor». Chamava o clero à santidade e
condenava os «males do século das luzes», defendendo os dogmas e a
divindade de Jesus. Pregava que a fé deveria ser acompanhada com
caridade e obras. Terminava criticando o filosofismo, condenando o
protestantismo e defendendo a autoridade pontifícia217.
Uma das primeiras medidas do novo bispo foi a de proceder às
nomeações para a boa administração curial. Passou a celebrar e pregar em
todas as igrejas, inclusive nas conventuais, administrando a sagrada
Comunhão e a santa Crisma. Dava conferências públicas, abordando
questões dogmáticas, para aprofundamento da fé de sua grei. Promoveu o
ensino do catecismo, as primeiras comunhões e os exercícios espirituais
coletivos218.
Ainda como bispo recém-nomeado, se empenhou sem demora na
reforma do clero diocesano, e para concretizar tal aspiração lançou suas
vistas para o Seminário de São José. Tentou primeiro entregar a direção de
tal casa formativa aos jesuítas, que não aceitaram, temerosos de se
estabelecerem na Corte em um período de incompreensão e hostilidades em
relação à Companhia de Jesus. Entregou, então, a direção aos lazaristas,
com a autorização da Santa Sé. O Seminário maior foi separado do menor
em 1873, e para melhorar a qualidade dos candidatos às sagradas ordens, a
admissão de alunos sofreu constante diminuição219.
Desde seus primeiros dias de episcopado D. Lacerda foi um ferrenho
defensor dos regulares, tendo empreendido a reforma das ordens religiosas
femininas, dando particular atenção aos mosteiros de Santa Teresa e da
Ajuda. Entretanto, não conseguiu reerguer essas comunidades. Colaborou o
quanto pode com as Filhas da Caridade e com os salesianos, por ele
estabelecidos em Niterói em julho de 1883. Em favor destes padres
despendeu grandes quantias e escreveu uma bela Pastoral, solicitando
esmolas dos fieis, que foi publicada em 22 de junho de 1893220.
—————————–
216
P. M. LACERDA, «Carta pastoral presente» em J. LEMOS, D. Pedro Maria de
Lacerda, 67.
217
P. M. LACERDA, «Carta pastoral presente» em J. LEMOS, D. Pedro Maria de
Lacerda, 64-90.
218
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 118-119.122-124.
219
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 119-121.
220
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 95-106.123.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 259

Nas visitas pastorais que levou a cabo, percorreu praticamente toda a


província do Rio de Janeiro e, de fevereiro de 1886 a março de 1887,
grande parte do Espírito Santo. Nessas ocasiões: pregava, crismava,
visitava hospitais, casas de caridade e distribuía esmolas. D. Lacerda voltou
a Roma por ocasião do Concilio Vaticano I, convocado pela bula Aeternis
Patris, de 29 de junho de 1868, e iniciado em 8 de dezembro de 1869. Ele
fez uma intervenção na 88ª Congregação Geral, no dia 23 de agosto de
1870, nas discussões do esquema De sede espiscopali vacante. Voltou
àquela cidade ainda em 1877, para realizar a sua visita Ad Limina
Apostolorum221.
Em 22 de agosto de 1872, como bispo do Rio, representou aos poderes
públicos da nação um protesto contra as eleições políticas que se faziam
nas igrejas. Escreveu e publicou, em 2 de outubro de 1871, um tratado
especial sobre a Residência dos Párocos e Curas d’Almas, muito descurada
no seu tempo, e o Cerimonial da Visita Episcopal, em 10 de maio de 1880,
que serviu de modelo para muitos bispos e teve várias publicações222.
D. Lacerda foi um dos protagonistas da Questão Religiosa que se
desenvolveu a partir de 1872, juntamente com D. Macedo e D. Vital, como
será visto posteriormente. Incentivou novas devoções, como a do
Santíssimo Rosário de Nossa Senhora, e protegeu sempre as associações e
irmandades que cuidavam dos pobres e necessitados, como a Sociedade de
São Vicente de Paulo, fundada no Rio em 4 de agosto de 1872. Por seus
serviços foi feito Conde de Santa Fé, por decreto imperial de 16 de
maio de 1888. Foi o último bispo Capelão Mor e assistiu à queda
do Império por ocasião da Proclamação da República (1889). Faleceu aos
12 de novembro de 1890223.

4.2. A «escola paulista»


A exemplo do acontecido em Minas, a obra reformadora de D. Antônio
Joaquim de Mello em São Paulo teve reflexos noutras partes do Brasil,
graças à atuação dos seus discípulos que acederam ao episcopado. Foram
os seguintes:

—————————–
221
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 9.131.142.323-325; DBB, VII, 54.
222
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 124-126.
223
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 123.128.519; DBB, VII, 54.
260 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

a) D. Antônio Cândido de Alvarenga (1836-1903): Antônio Cândido224,


pertenceu à primeira turma dos alunos do Seminário de São Paulo, tendo
sido ordenado padre por D. Antônio Joaquim de Mello em Itu, em 25 de
março de 1860, juntamente com Joaquim José Vieira. Após a ordenação,
foi nomeado para servir nas paróquias de Taubaté, Casa Branca e Mogi das
Cruzes. Em 1870, recebeu assento, como cônego, no cabido de São Paulo.
Também lecionou vários anos na casa em que estudara. Recebeu a
nomeação de bispo do Maranhão em janeiro de 1877, aos 41 anos. Sobre
isso, o Internúncio Cesare Roncetti, depois de dizer que todos os bispos que
estavam sendo nomeados naquele período eram muito prestigiados pela
correta doutrina e virtudes, salientava: «in specie mi vennero fatti
particolari elogi al Canonico Alvarenga destinato per la diocesi di
Maranhão»225.
D. Lino Deodato, bispo de São Paulo, sagrou Antônio Cândido no dia 31
de março de 1878, o qual, depois de empossado, demonstrou ser um
prelado rígido nos princípios e grande aliado de D. Macedo Costa na sua
luta contra o regalismo imperial226.
Um dos primeiros atos de D. Antônio foi a reforma do Seminário,
dispensando todos os professores seculares que lá ensinavam a maioria das
disciplinas. Medida análoga adotou com relação aos cônegos do cabido.
Também conseguiu que novas ordens religiosas se estabelecessem na
jurisdição que lhe fora confiada. Foi o caso dos capuchinhos, chamados por
ele. Estes religiosos ali chegaram em 3 de dezembro de 1894, para
auxiliarem nos trabalhos diocesanos, suprir a carência de padres e
estabelecerem as «missões permanentes». Foram chamadas também as
Irmãs Dorotéias que se estabeleceram em São Luis, no dia 19 de janeiro de
1894, para educarem as jovens maranhenses. Vieram também as Filhas de
Santa Ana, que tiveram a seu cargo o Hospital de Misericórdia. O bispo se
tornou partidário do abolicionismo, apoiando vários empreendimentos em
favor deste movimento. Realizou visitas pastorais em grande parte da
diocese e se empenhou em manter a disciplina no clero diocesano. Em 28

—————————–
224
Nasceu em São Paulo em 22 de abril de 1836, e faleceu na mesma cidade no dia 1
de abril de 1903. Era filho de Tomé de Alvarenga e de Josefina Maria das Dores de
Alvarenga. Foi um dos meninos do coro da catedral de São Paulo quando, aos doze anos
manifestou sua vocação sacerdotal [F. CÂMARA, «A diocese do Maranhão e seu
Tricentenários», em RIC, XCI, 247-262].
225
AES, Br., Nomina dei vescovi, Officio, 24 de maio de 1877, Fasc, 188, pos. 165, f.
39r-41r.
226
AES, Br., Officio, 26 de maio de 1879, Fasc. 8, pos. 189, f. 20r-20v.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 261

de novembro de 1898, o Papa Leão XIII o transferiu para a diocese de São


Paulo, onde faleceu, em 1 de abril de 1903227.
b) D. José Pereira da Silva Barros (1835-1898): José Pereira228 fez seus
estudos eclesiásticos no extinto Liceu de Taubaté e no Seminário de São
Paulo, sendo um dos primeiros diocesanos formados pelos capuchinhos.
Ordenado presbítero em Alfenas, província de Minas Gerais, em 27 de
dezembro de 1857, tornou-se em seguida professor de latim no Seminário
paulistano até 1862. Em seguida, foi vigário colado de Taubaté, sua cidade
natal. Logo depois recebeu a nomeação de Camareiro Secreto do Papa Pio
IX. Foi também deputado provincial em várias legislaturas e conseguiu
que, em 1879, as Irmãs de São José de Chambéry assumissem o Colégio do
Bom Conselho na capital paulista229.
Em 7 de janeiro de 1881, foi nomeado bispo de Olinda. O Internúncio
Mons. Di Pietro, ao transmitir o seu processo canônico, informou que o
pároco de Taubaté era «un ecclesiastico veramente degno, già sperimentato
nel lungo esercizio della cura delle anime e molto commendevole per zelo,
dottrina, prudenza e bontà di vita»230.
Foi confirmado em 13 de maio de 1881, e sagrado na matriz de Taubaté,
em 28 de agosto do mesmo ano, por D. Lino Deodato Rodrigues de
Carvalho, bispo de São Paulo. Tomou posse daquele bispado em 9 de
outubro. Em Olinda, restaurou a catedral e o palácio episcopal. Governou
por algum tempo, até que sofrimentos causados pelo clima pernambucano,
inteiramente diverso de sua terra de origem, o abateram de tal maneira que
foi obrigado a retirar-se, a conselho médico. Por este motivo, recusou o
oferecimento feito pelo Governo Imperial para que assumisse o
Arcebispado da Bahia. No entanto, não foi somente uma questão de saúde
que o levou a afastar-se da sua Sé, mas também as fraquezas de caráter que
tinha para enfrentar as oposições dos políticos locais. É o que diz Jerônimo
Lemos, quando afirma que D. José teve dificuldades em sua diocese que
não logrou contornar, não tendo a «mesma envergadura intelectual e moral
de D. João Esberard (1843-1897)231, que soube harmonizar os espíritos,
—————————–
227
F. CÂMARA, «A diocese do Maranhão e seu Tricentenários», em RIC, XCI, 247-
262; D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 135-136.
228
Era filho do capitão Jacinto Pereira da Silva e Ana de Alvarenga, descendentes de
antigas e tradicionais famílias paulistanas radicadas em Taubaté [DBB, V, 134-135].
229
DBB, V, 134-135; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 502.
230
AES, Br., Trasmissione del Processo Canonico per Olinda, 01 de março de 1881,
Fasc. 10, pos. 202, f. 49r-49v.
231
Nasceu João Fernando Tiago Esberard na paróquia de São José, na cidade de
Barcelona (Espanha), no dia 10 de outubro de 1843. Primogênito do casal Francisco
262 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

levando-lhes a paz e conciliação. Deve-se ter isto em conta, a bem da


verdade, mais do que as apregoadas razões de saúde e incompatibilidade
com o clima do norte»232.
D. José conservou-se em sua terra natal até que foi transferido para a
diocese do Rio de Janeiro, por breve de 12 de maio de 1891. Sobre esta
transferência, Jerônimo Lemos apresenta uma séria de documentos e
argumentos interessantes, em que defende que a transferência de D. José
Pereira para o Rio foi uma estratégia premeditada do Internúncio Mons.
Francesco Spolverini (1838-1918)233 e do bispo D. Macedo. Enquanto que

Teodoro Esberard, natural da Bélgica, e de Antônia Feliciana Eulália Herthing Esberard,


natural da Espanha, foi para o Rio de Janeiro com a idade de nove anos, em companhia
de seus pais, que se estabeleceram nesta cidade, com oficina de calçados, no ano de
1852. No Rio, estudou sob a orientação das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo,
e posteriormente se matriculou no Seminário de São José, em 1864. Recebeu a 1ª
tonsura e os diversos graus das ordens sacras das mãos de D. Lacerda, que o estimava
como a um filho, tendo sido ordenado presbítero na capela do Seminário de São José,
no dia 24 de agosto de 1869. Antes mesmo de receber o sacerdócio, já lecionava no
Seminário, encargo que continuou a exercer depois de ordenado, o mesmo fazendo em
relação ao colégio francês São Luís, dirigido pelo pe. Janrard. Em 1873, teve de
abandonar o magistério por motivo de saúde e, em 1874, passou a exercer o ofício de
capelão do Carmelo de Santa Teresa. Durante a Questão Religiosa foi assíduo polemista
em defesa dos bispos pelo jornal Apóstolo, juntamente com o Dr. Antônio Manoel dos
Reis e o Dr. Antônio Sicioso Moreira de Sá. Ganhou a estima e amizade de D. Macedo
Costa e o respeito de vários representantes pontifícios pelas suas virtudes e saber.
Esberard e D. Macedo, apesar de amigos, sustentavam posições contrárias sobre vários
temas de política e reforma eclesiástica, chegando a terem discussões bastante
acaloradas. Em março de 1890, fundou no Rio um jornal em defesa da religião, de
tendência monarquista, chamado O Brasil. Na Pastoral Coletiva, escrita pelo episcopado
brasileiro, após a proclamação da República, deu uma importante contribuição à sua
redação, que foi posteriormente corrigida e ampliada por D. Antônio de Macedo Costa.
Recebeu a nomeação de bispo de Olinda em 26 de junho de 1890 e, por breve de 12 de
setembro de 1893, se tornou o primeiro Arcebispo do Rio de Janeiro. Faleceu em 27 de
janeiro de 1897. Pelos serviços prestados a Santa Sé recebeu o título de Camareiro
Secreto supranumerário [J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 572-501].
232
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, p. 502.
233
No lugar de Rocco Cocchia que se desligou da internunciatura brasileira em 19 de
novembro de 1887, foi enviado Francesco Spolverini, o último Internúncio do Império e
o primeiro da República. Nasceu em São Martino al Cimino, no Lácio, Itália, e fez os
primeiros estudos no Colégio Romano e depois na Universidade Sapienza, obtendo o
grau em doutor em ambos os direitos e a láurea ad honorem em teologia. Ordenou-se
em 1860 e, em 1871, foi nomeado secretário do Cardeal Franchi (que se tornou
Secretário de Estado de Leão XIII em 1878). Feito posteriormente auditor na
Nunciatura de Munique (1874) e em Viena (1877), serviria também como secretário da
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários (1879-1880). Participou ainda
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 263

D. Lacerda, bispo do Rio, e o Papa Leão XIII, estavam mais inclinados à


nomeação de João Esberard, que foi, ao invés, nomeado como substituto de
D. José Pereira em Olinda. D. Lacerda e Esberard eram da corrente
favorável à monarquia, sendo que este último escrevia artigos monarquistas
em um jornal deste cepo no Rio de Janeiro. Na opinião de Jerônimo Lemos,
andando D. Macedo ao Arcebispado da Bahia, D. José Pereira da Silva
Barros foi transferido de Pernambuco para o Rio, «por ser mais maleável
para os belos planos dos dois amigos» [referia-se a Spolverini e D.
Macedo] que preferiam uma República a um Império com seu padroado
regalista. O Internúncio e o bispo do Pará não queriam alguém com uma
personalidade forte na diocese carioca, que pudesse atrapalhar os seus
planos de reorganização da Igreja brasileira234.
Quando a diocese do Rio de Janeiro foi elevada a Arquidiocese, já morto
D. Macedo Costa e afastado da internunciatura brasileira Mons. Spolverini,
a Santa Sé preferiu nomear alguém de personalidade mais forte para regê-
la. Dessa vez pôde nomear, sem oposição, a Mons. Esberard, como
primeiro Arcebispo. Deste modo D. José Pereira da Silva Barros, em 27 de
abril de 1892, foi dispensado do cargo que exercia, sendo nomeado
arcebispo in partibus de Darnis, por um aviso oficial do Cardeal Mariano
Rampolla. Com a saúde combalida, ele se retirou em Taubaté, vindo a
falecer em 15 de abril de 1898. D. José foi condecorado com o título de
Conde Santo Agostinho pela Princesa Isabel, em 16 de maio de 1888, por
ocasião da Lei Áurea, e fora também Conselheiro imperial. Era ainda
assistente de sólio pontifício e prelado doméstico de Sua Santidade235.

de negociações diplomáticas com a Alemanha e com a Rússia, sendo depois novamente


enviado a Viena como Encarregado de Negócios. Foi Internúncio nos Países Baixos e
no Brasil. Recebeu várias condecorações nestes países: colar da Ordem do Leão de
Zaehringen (Países Baixos), Grã-Cruz das Ordens do Santo Sepulcro de Jerusalém
(Áustria), do Leão Neerlandês e a brasileira da Rosa. Mons. Spolverini não chegou a
receber o episcopado, tendo sido apenas Protonotário Apostólico extra-numerário.
Durante a sua internunciatura no Brasil deu-se a Proclamação da República em 15 de
novembro de 1889. Não primou de grande amizade com D. Lacerda que o acusava de
ganancioso, mercantil e de não favorecer, ou mesmo ser hostil, às congregações
religiosas, principalmente a Ordem dos Beneditinos. Depois da sua missão no Brasil,
Mons. Spolverini foi desligado do quadro diplomático da Santa Sé. Faleceu na Dataria
Apostólica, em Roma, em 13 de outubro de 1918, com 80 anos de idade. [J. LEMOS, D.
Pedro Maria de Lacerda, 452-457.504].
234
Como estas questões extrapolam o recorte temporal deste trabalho se remete o
leitor a J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 453-518.
235
DBB, V, 134-135; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 502-518; Cf., A. A. F.
DOS SANTOS, A Arquidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro.
264 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

c) D. Joaquim José Vieira (1836-1912): Joaquim José236 ingressou no


Seminário de São Paulo em 1857, sendo ordenado em Itu, no dia 25 de
março de 1860. Segundo Fernando Câmara, sua nomeação a bispo foi
devido a uma atitude assumida pelo pe. Vieira, quando o Imperador D.
Pedro II visitou a cidade de Campinas, onde o referido padre exercia o
sacerdócio. Pe. Vieira não compareceu à recepção oficial e depois, na
presença do próprio Monarca, teria dito que lhe «repugnava apertar a mão
de um Imperador que assinara decretos de prisão contra dois bispos
brasileiros», referindo-se aos bispos de Pernambuco e do Pará. O
Imperador, «reconhecendo a fibra daquele dinâmico sacerdote paulista, na
primeira oportunidade que se apresentou, o indicou para o bispado do
Ceará»237.
Nomeado para o bispado do Ceará por decreto imperial de 3 de fevereiro
de 1883, foi confirmado por Leão XIII em 9 de agosto. Sagrado em 9 de
dezembro de 1883, pelo bispo D. Lino Deodato, prelado de São Paulo,
tomou posse em 24 de fevereiro de 1884, data em que chegou a Fortaleza.
Deu continuidade à obra do primeiro bispo reformador da diocese, D. Luís
Antônio dos Santos, que fora transferido para Salvador. Como D. Antônio
Joaquim de Mello, empreendeu prolongadas visitas pastorais pelo sertão, e
convocou o 1º Sínodo Diocesano, de 31 de janeiro a 02 de fevereiro de
1888, para estabelecer uma legislação eclesiástica comum. Reuniu 84
sacerdotes238.
Intransigente em doutrina, recorreria ao Santo Ofício para condenar pe.
Cícero Romão Batista239. Convidou os capuchinhos para empreenderem
—————————–
236
Nasceu em Itapetininga, São Paulo, em 17 de janeiro de 1836 [F. CÂMARA, «Para
a história eclesiástica do Ceará: os bispos de Fortaleza», em RIC, LXXXVIII, 31].
237
F. CÂMARA, «Para a história eclesiástica do Ceará: os bispos de Fortaleza», em
RIC, LXXXVIII, 31.
238
F. CÂMARA, «Para a história eclesiástica do Ceará: os bispos de Fortaleza», em
RIC, LXXXVIII, 31-32.
239
Pe. Cícero Romão Batista, nasceu no Crato (Ceará), em 24 de março de 1844 e
faleceu em Juazeiro do Norte em 20 de julho de 1934. Na devoção popular ficou
conhecido como Padre Cícero ou «Padim Ciço», e até hoje é venerado como milagreiro
por muitos cearenses. Proprietário de terras, gado e dono de diversos imóveis, Pe.
Cícero fazia parte da sociedade e política oligárquica do sertão do Cariri, tendo se
tornado importante aliado da família Accioli que governou o Ceará durante mais de
duas décadas. Carismático, obteve grande prestígio e influência sobre a vida social,
política e religiosa do Ceará e da Região Nordeste do Brasil. Teve também contato com
os bandoleiros itinerantes que vagavam pelo nordeste brasileiro, integrantes de um
movimento armado que ficou conhecido como «Cangaço». «Lampião», o maior líber
cangaceiro do Brasil, tinha grande respeito ao pe. Cícero e a seus conselhos. [Cf. R.
DELLA CAVA, Milagre em Joaseiro].
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 265

missões populares e a eles entregou o Colégio de Santo Antônio do


Canindé, por ele fundado. Facilitou, também, a vinda dos beneditinos para
Quixadá. Fundou dois colégios femininos: o Externato de São Vicente de
Paula e o Colégio Jesus Maria José, que foram entregues às Filhas da
Caridade, trazidas à diocese pelo seu antecessor. Instituiu a União do Clero,
órgão de caráter previdenciário ao qual filiaram todos os padres diocesanos.
Em 14 de março de 1912, apresentou seu pedido de renúncia que foi aceito
pela Santa Sé, em 16 de setembro de 1912. Permaneceu no Ceará e só
embarcou para São Paulo em 1914. Faleceu, em Campinas, em 8 de julho
de 1917240.

5. D. Antônio de Macedo Costa (1839-1891): um prelado de destaque


Antônio de Macedo Costa ingressou no Seminário de Santa Teresa,
Salvador, em 1848, onde ficou até 1852. Neste período foi colaborador do
jornal Noticiador Católico241. Dotado de grande talento, chamou a atenção
do então Arcebispo D. Romualdo Antônio de Seixas, que de comum acordo
com seus familiares, decidiu enviar o promissor jovem ao Colégio São
Celestino de Bourges, França, aonde chegou em 22 de novembro de 1852.
Dali seria transferido para o Seminário de São Sulpício de Paris, lá
chegando em 6 de outubro de 1854. Neste estabelecimento demonstraria
ser um aluno excepcionalmente brilhante, a ponto do reitor, pe. Icard, dizer
que naquela escola, Macedo Costa, juntamente com Félix-Antoine-Phibert
Dupanloup (1802-1878) futuro bispo de Orleans, e Louis-Edouard-Dédiré
Pie (1815-1880) futuro bispo de Poitiers e Cardeal, serem os maiores
destaques. Recebeu a tonsura na catedral de Notre Dame de Paris em 2 de
junho de 1855. O Cardeal Francisco Nicolau Marlot, conferiu-lhe o
presbiterado no dia 19 de dezembro de 1857. Partiu então para Roma, com
27 anos, onde se doutorou em direito canônico na academia Santo
Apolinário, em 1859. Regressou ao Brasil em novembro desse mesmo ano,
tornando-se logo conhecido pela sua eloqüência242.
—————————–
240
F. CÂMARA, «Para a história eclesiástica do Ceará: os bispos de Fortaleza», em
RIC, LXXXVIII, 31-32; D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja
no Brasil, 135.
241
Antônio de Macedo Costa nasceu em 7 de agosto de 1830, no Engenho do
Rosário, localizado nas proximidades de Maragogipe, província da Bahia. Filho de
Joaquim de Macedo Costa e Joaquina de Queiroz Macedo. Em sua cidade natal iniciou-
se nas primeiras letras e latinidade. Transferiu-se, em 1846, a Salvador e matriculou-se
no Colégio dirigido pelo cônego Francisco Pereira de Souza [A. A. LUSTOSA, Dom
Macedo Costa,18].
242
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa,18-24.
266 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Lecionou no Ginásio Baiano e no Liceu de Salvador, e logo publicou a


sua primeira obra, Pio IX, Pontífice e Rei (1860). Após a resignação de D.
José Afonso de Morais Torres à diocese do Pará, D. Pedro II nomeou o pe.
Macedo para substituí-lo no ministério episcopal. O Monarca havia
recebido informações favoráveis sobre o novo bispo, pelo Arcebispo D.
Romualdo243.
Foi sagrado em 21 de abril de 1861, pelo Internúncio Mons. Mariano
Falcinelli e assumiu a diocese em 11 de agosto de 1861. Já na primeira
carta pastoral que publicou, por ocasião da sua posse no dia 1 de agosto de
1861, deixou claro que obedecer aos ditames papais seria a sua prioridade:
Parece-nos ver essa constelação brilhante de Pontífices e de Apóstolos
zelosos nos conjurarem do alto céu a continuar sua obra, a reatar este campo
feracíssimo, que produz ao cêntuplo os mais belos frutos da salvação, a
regenerar esta numerosa Gentilidade, que por opróbrio de nosso século, ai de
nós! Subsiste ainda mergulhada nas sombras de morte, à espera de quem lhes
deve a luz do evangelho, o princípio da civilização e da vida244.
Ao tomar posse constatou que, apesar dos esforços dos seus
antecessores, o Seminário maior estava vazio, o clero era reduzido e pouco
idôneo, e a maçonaria havia penetrado profundamente nas estruturas
eclesiais. Não menos delicada era a situação da massa dos fieis: a confissão
e a comunhão haviam sido praticamente abandonadas245.
Tratou logo de enviar à Europa alguns jovens que lhe pareciam dotados
de vocação sacerdotal, com intuito de prepará-los para auxiliá-lo em sua
missão apostólica e «não só para o mantenimento [sic.] da religião e
renascimento dos costumes cristão e clericais, senão também para a
restauração dos costumes políticos e sociais, princípio de todo o verdadeiro
progresso e civilização»246.
Logo instituiu a celebração do mês de Maria em todas as paróquias e
publicou um Catecismo sobre a Igreja católica, para uso do povo247, com o
intuito de instruir e evangelizar a população nos preceitos católicos. No ano
—————————–
243
F. CÂMARA, «Dom Antônio Macedo Costa, um modelo para o episcopado do
Brasil», em RIC, XCIV, 340-34.
244
A. MACEDO COSTA, Carta Pastoral do Ex.mo e Rev.mo Sr. Bispo do Pará por
ocasião da sua entrada na diocese, p. 3-4.
245
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 150.
246
«Alocução, recitada por S. Excia. Revma. Perante a Comissão encarregada de
promover, na Província do Amazonas, um coleta em favor da educação de alguns
menores pobres nos Seminários da Europa», 5 de março de 1863, em A. A. LUSTOSA,
Dom Macedo Costa, 32-36.
247
Cf., A. MACEDO COSTA, Catecismo sobre a Igreja católica, para uso do povo.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 267

seguinte ao de sua posse, iniciou as visitas pastorais, que seriam constantes,


tornado-se uma das características do seu episcopado248.
D. Antônio de Macedo Costa, incentivou a vinda de religiosos. Tentou,
sem sucesso, trazer os salesianos para abrirem escolas de artes e ofícios, no
intuito de envolver a classe operária no processo de reforma católica. Em
1877, entregou um asilo de órfãs e desvalidos, que havia fundado no ano de
1871, à direção das Religiosas de Santa Dorotéia249.
D. Macedo, tendo consciência da importância da imprensa, apoiou a
fundação do jornal A Estrela do Norte, em 6 de janeiro de 1863250.
Incentivou seu clero a realizar retiros espirituais, procurou evitar o avanço
do protestantismo, realizou melhorias nos Seminários existentes na diocese
e se cercou de sacerdotes válidos. Sem nenhuma timidez iniciou logo uma
enérgica defesa da Igreja frente o regalismo imperial. Defendeu a
autoridade dos bispos, o direito de autonomia administrativa dos
Seminários em relação ao poder civil, combateu as eleições no recinto das
igrejas e a interferência do Estado nas relações do clero com seu bispo e na
administração das paróquias. Ele se tornaria um bispo símbolo da reforma
eclesial no Brasil, devido, sobretudo, à luta que moveria junto ao prelado
de Olinda contra a maçonaria e o regalismo vigente, o que originaria a
chamada Questão Religiosa. D. Antônio, aliás, participou da celebração de
ordenação episcopal de D. Vital, e entre os dois nasceu profunda amizade,
com admiração recíproca. O comentário deixado pelo bispo de Belém,
sobre seu colega de episcopado, resume o alto conceito em que o tinha: «É
o soldado que sabe vai ser esmagado e que fica no seu posto, imóvel,
imperturbável, porque assim exige a honra. Uns dizem: – É um temerário!
Outros dizem: – É um imprudente! A história se levanta e diz: – É um
herói!»251.
As dificuldades encontradas na administração de sua diocese não foram
somente em relação ao poder civil. Pode-se ter noção da colossal missão de
ser bispo da gigantesca diocese do Pará, pela conferência que fez D.
Macedo perante a Assembléia Provincial da Amazônia, em 21 de março de
1883: A Amazônia – Meio de desenvolver a sua civilização. Nela, além de
narrar todos os empecilhos para se realizar as visitas pastorais devido às
longuíssimas distâncias (60.000 léguas quadradas), informava que, das 24
paróquias existentes naquela província, somente 7 estavam providas, uma
vez que naquela jurisdição diocesana os sacerdotes eram somente uns dez,
—————————–
248
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 27-30.
249
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 131.493-512.
250
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 32.
251
R. OLIVEIRA, O conflito religio-maçônico, 52.
268 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

que deviam administrar também o Seminário da capital. E desabafava: «Eis


o que tenho depois de 22 anos de esforços e sacrifícios para formar padres
nos três Seminários e nos da Europa»252.
No decorrer dos anos, ele se tornou o ponto de referencia para a Santa Sé
e seus enviados apostólicos, sendo por várias vezes considerado o exemplo
a ser seguido, como será visto nos próximos capítulos, quando se
apresentará mais detalhadamente muitas das atuações do referido prelado,
bem como do restante do episcopado do Segundo Império. Em 1888,
quando pela primeira vez se tratou de reivindicar para o Brasil a criação de
um cardinalato, a Princesa Isabel enviou o diplomata Souza Correia ao
Vaticano para tratar o assunto com Leão XIII. Antes mesmo de se conhecer
o resultado da missão diplomática enviada a Cidade Eterna, já se discutia
na Corte imperial o nome do candidato que deveria integrar o Sacro
Colégio dos Cardeais. A Princesa e o Conselheiro João Alfredo, eram
favoráveis à escolha do bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de
Lacerda, mas o Internúncio Mons. Spolverini, defendia incondicionalmente
o nome de D. Macedo Costa, chegando mesmo a dizer que utilizaria o veto,
se o outro candidato fosse escolhido. No entanto, a queda do Gabinete João
Alfredo e a subida do Gabinete Liberal do Visconde de Ouro Preto, último
Gabinete do Império, dissolveu tais planos e condenou a missão Souza
Correia ao fracasso253.
D. Macedo realizou a redação final da Pastoral Coletiva do clero
brasileiro, de 19 de março de 1890, após a Proclamação da República, e
negociou com Rui Barbosa as novas condições da Igreja sob o governo
republicano. Foi nomeado Arcebispo da Bahia em 26 de junho de 1890,
mas não chegou a entrar em solo baiano, pois, depois de uma viagem a
Roma em busca de normas para guiar suas ações junto aos constituintes,
morreu em Barbacena, na província de Minas Gerais, em 21 de março de
1891, aonde fora procurar melhorar seu estado de saúde que se agravara254.
Pelos seus serviços a Igreja, o Sumo Pontífice Leão XIII conferiu-lhe o
título de Conde. A importância de D. Macedo transcendeu a influência que
teve junto ao episcopado imperial e nos primeiros anos da República, razão
pela qual, em 1980, o Papa João Paulo II o evocou como exemplo, junto a
outros importantes bispos brasileiros:
—————————–
252
F. CÂMARA, «Dom Antônio Macedo Costa, um modelo para o episcopado do
Brasil», em RIC, XCIV, 343-344.
253
Sobre esse tema consultar: F. CÂMARA, «O Cardinalato no Brasil», em RIC, XC,
117-132; F. L. T. VINHOSA, «O barão e o cardinalato», em Separata da RIHGB, n. 391,
301-317; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 458-471.
254
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 569-579.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 269

Não quero terminar estas palavras e encerrar este encontro sem evocar as
figuras de Bispos, que ao longo de quatro séculos e meio foram neste País os
legítimos sucessores dos Apóstolos e aqui dedicaram toda a vida, todas as
energias à construção do Reino de Deus. Diversas as circunstâncias histórico-
culturais em que foram chamados a exercer sua missão, diversas suas
fisionomias humanas, diversas suas histórias pessoais, todos porém homens
que deixaram marcas de sua passagem, desde aquele Dom Pedro Fernandes
Sardinha que foi o primeiro Bispo a exercer aqui no Brasil seu ministério
episcopal. Qualquer citação de nomes é forçosamente limitada mas como não
evocar figuras como as de Dom Vital de Oliveira e Dom Antônio Macedo
Costa, de Dom Antônio Ferreira Viçoso, dos dois primeiros Cardeais
brasileiros Dom Joaquim Arcoverde e Dom Sebastião Leme da Silveira
Cintra, de Dom Silvério Gomes Pimenta e de Dom José Gaspar de Afonseca e
Silva? Como não evocar aqui em Fortaleza a figura admirável de Dom
Antônio de Almeida Lustosa que repousa nesta Catedral e que deixou nesta
Diocese a imagem luminosa de um sábio e de um santo. Possa a recordação
destes irmãos, e de tantos e tantos outros, que nos precederam com o sinal da
fé, estimular-nos mais e mais no serviço do Senhor255.

6. Outros bispos ultramontanos


Paralela à ação dos bispos do Pará, Ceará, Rio de Janeiro e Diamantina,
vistos anteriormente, também noutras dioceses, durante o Segundo Império,
os influxos renovadores se fizeram sentir. Daí a reação furibunda de
Joaquim Nabuco, ao comentar o fato em 1873:
É que hoje a Igreja é uma milícia. A verdadeira nobreza do episcopado, se se
pode dizer, o seu ponto de honra [grifo do original], é acompanhar Pio IX nos
dias de seu extraordinário infortúnio. Assim, um sacerdote, mal é elevado às
honras de diocesano, torna-se logo um soldado do Papa. Os párocos são hoje
de privativa confiança dos ordinários, cuja tendência é destruir a perpetuidade
do benefício que constitui a independência do funcionário. A jurisdição dos
prelados tornou-se assim sem limites256.
Também os remanescentes do clero regalista reagiram às mudanças, a
exemplo do cônego maçom Joaquim do Monte Carmelo (1813-1899), que,
no mesmo ano de 1873, mandou publicar de forma anônima o violento
opúsculo: O Arcipreste da Sé de São Paulo Joaquim Anselmo de Oliveira e
o clero do Brasil. A linguagem ressentida, misturava saudosismo com uma
oposição veemente a todas as mudanças levadas a efeito pelo episcopado
—————————–
255
PAPA JOÃO PAULO II, Discurso do Santo Padre aos bispos do Brasil.
256
J. NABUCO, O Partido Ultramontano e suas invasões, seus órgãos e seu futuro,
12-13.
270 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

ultramontano. Ele descrevia com louvores o período precedente, em que os


bispos eram como D. Fr. Manoel da Ressurreição (a igreja de São Paulo era
«alumiada»…), e desferia os maiores insultos contra o bispo reformador D.
Antônio Joaquim de Mello («um padre sem estudos nem experiência, e
notável somente por seu gênio enredador, anacrônico, hipócrita e jesuíta»).
A certa altura, a crítica se estendia ao episcopado inteiro que, segundo ele,
escrevia cartas, portarias e pastorais «inconvenientíssimas...». Mas, era
uma luta perdida, pois o ultramontanismo se afirmava sempre mais em todo
o território nacional257.

6.1. Diocese do Maranhão


Após o governo episcopal de D. Marcos Antônio de Souza (1771-1842),
colega de D. Romualdo Seixas na defesa das ordens religiosas e na
oposição ao pe. Diogo Feijó, a diocese de São Luís do Maranhão foi
entregue a D. fr. Carlos de São José e Sousa (1776-1850), carmelita
pernambucano, nomeado por D. Pedro II e confirmado pelo Papa Gregório
XVI em 24 de janeiro de 1844. Ainda que zeloso e defensor de suas
prerrogativas frente ao poder civil, D. Carlos pouco pôde fazer devido à sua
idade e estado de saúde. Por este motivo se transferiu para Pernambuco,
vindo a falecer no dia 3 de abril de 1850258.
O bispo seguinte foi D. Manuel Joaquim da Silveira (1807-1874), o qual
deu início à reforma na diocese, sendo posteriormente transferido para o
Arcebispado da Bahia, como será visto em seguida. Seu sucessor em São
Luís foi D. fr. Luis da Conceição Saraiva (1824-1876), carmelita do Rio de
Janeiro, irmão do conselheiro José Antônio Saraiva. Nomeado bispo do
Maranhão em 14 de janeiro de 1861, foi preconizado em Roma no
consistório de 23 de julho e sagrado no Rio de Janeiro em 20 de outubro.
Fez sua entrada na diocese em 21 de março do ano seguinte. Teve uma
administração discreta, conservando o que foi feito pelo seu antecessor e
criando alguns estabelecimentos de ensino para a formação da juventude.
Foi um dos únicos bispos, juntamente com aquele de Cuiabá, que se omitiu
por completo por ocasião da Questão Religiosa, não escrevendo ou fazendo
qualquer pronunciamento em favor dos seus colegas de Pernambuco e do

—————————–
257
[J. MONTE CARMELO], O Arcipreste da Sé de São Paulo Joaquim Anselmo de
Oliveira e o clero do Brasil, 18.20.25.
258
F. CÂMARA, «A diocese do Maranhão e seu tricentenário», em RIC, XCI, 252.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 271

Pará259. O último bispo do Maranhão no período imperial foi D. Antônio


Candido de Alvarenga, já visto precedentemente.

6.2. Diocese de Pernambuco


A diocese de Olinda ou Pernambuco, durante todo o Segundo Império,
compreendeu quatro províncias (Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio
Grande do Norte). O primeiro bispo a realizar uma grande visita pastoral a
nível diocesano foi D. João da Purificação Marques de Perdigão (1779-
1864)260, que também criou dezenas de paróquias e confrarias. Acolheu ele
vários jovens de talento no seu Seminário, enviando, os que mais
prometiam, para estudar na Europa, como foi o caso de D. Vital, um dos
seus futuros sucessores. Outros bispos relevantes naquela diocese foram:

—————————–
259
Filho de José Antônio Saraiva e dona Maria da Silva Mendes Saraiva, nasceu na
freguesia de Bom Jardim, termo de Santo Amaro e província da Bahia, em 23 de
setembro de 1824, e faleceu na mesma província em 26 de abril de 1876. Ingressou,
com 17 anos de idade, no mosteiro de S. Bento da Bahia, e lá cursou humanidades e
teologia. Apenas recebeu as últimas ordens, foi eleito prior do mosteiro do Rio de
Janeiro, no qual lecionou filosofia e, nos impedimentos dos professores, outras matérias.
Fez atos públicos com grande aplauso para obter o grau de mestre. Nessa mesma época
recebeu a nomeação de lente de religião e reitor do colégio Pedro II, cargo de que pediu
exoneração por querer tornar à Bahia. Aí exerceu o ministério de prior, sendo depois
eleito abade do Rio de Janeiro, e reeleito ao cabo de três anos, merecendo em 1860 uma
mensagem honrosa do capítulo pelos serviços prestados a ordem. Nomeado bispo do
Maranhão em 14 de janeiro de 1861, foi preconizado em Roma no consistório de 23 de
julho, sagrado no Rio de Janeiro em 20 de outubro, fazendo sua entrada na diocese em
21 de março do ano seguinte. Na diocese, como na ordem beneditina, realizou muitos
melhoramentos, depois dos quais fez uma viagem a Europa, onde visitou vários lugares
em companhia de seu irmão, o conselheiro José Antônio Saraiva. Era membro do
conselho de Imperador [DBB, V, 383-384; F. CÂMARA, «A diocese do Maranhão e seu
tricentenário», em RIC, XCI, 253].
260
Nasceu em Viana do Minho, Portugal, em 4 de março de 1779, e faleceu em
Pernambuco em 30 de abril de 1864. Foi cônego de Santo Agostinho, tesoureiro da Sé
do Rio de Janeiro, de 1806 a 1809. Após ser nomeado monsenhor, foi apresentado bispo
em 1829, e confirmado pelo Papa Leão XII em 28 de fevereiro de 1831. Era do
conselho do Imperador, dignitário da Ordem da Rosa, comendador da ordem de Cristo,
oficial da do Cruzeiro e cavaleiro da de Nossa Senhora da Conceição da Vila Viçosa, de
Portugal. Morreu paupérrimo, quase na miséria, em que pese sua reconhecida piedade,
dotado, segundo se diz, de um coração excelente e bom. Se não tinha grande ilustração,
sabia atrair a si sacerdotes sábios e virtuosos, como o cônego Francisco José Tavares da
Gama, e assim administrar de modo plausível sua diocese. Foi ainda um bom organista
e grande latinista [DBB, IV, 28].
272 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

a) D. Manuel do Rego Medeiros (1830-1866): A partir da posse de D.


Manuel do Rego261 a reforma eclesial se afirmou decididamente naquela
diocese. Ele foi ordenado presbítero secular em 29 de junho 1853, em
Olinda, onde fizera os estudos preparatórios para o estado eclesiástico. Foi,
então, instado pelo bispo D. João Marques de Perdigão para reger uma
cadeira no Seminário diocesano, porém, pe. Manuel do Rego preferiu
retornar à sua província em 1854. Sucessivamente serviu por um tempo
como capelão do exercito, de 1858 a 1861, tornado-se ali amigo íntimo do
futuro bispo do Pará, D. Antônio Macedo Costa. Lecionou humanidades na
cidade de Fortaleza, tendo sido um dos fundadores do Colégio dos órfãos,
mais tarde entregue e mantido pela província, sendo ele lente de doutrina
cristã. Foi, posteriormente, nomeado secretário do bispo do Pará, D.
Antônio de Macedo Costa, partindo em seguida para a França, onde
aprofundou seus estudos no Seminário de S. Sulpício. Ele visitou quase
toda a Europa, parte da Ásia e da África e, voltando de Jerusalém, fixou sua
residência em Roma. Nesta cidade doutorou-se em direito civil e canônico
pela Sapienza. Ainda na Itália, foi surpreendido pelo decreto de 5 de abril
de 1865, nomeando-o bispo de Olinda, honra que só aceitou por instâncias
de Pio IX, que o tinha em grande estima e o confirmou com bula de 25 de
setembro daquele mesmo ano262. Sagrado em Roma, em 12 de novembro,
entrou em sua diocese em 12 de janeiro de 1866, tomando posse no dia 21
daquele mesmo mês263.
—————————–
261
Filho de Manuel do Rego Medeiros e dona Mariana do Rego da Luz, nasceu em
Aracaty, província do Ceará, em 21 de setembro de 1830, e faleceu em Maceió em 16
de setembro de 1866 [DBB, VI,186].
262
Narra Fernando Câmara que, «antes de retornar ao Brasil, ele [D. Manuel do
Rego] foi recebido em audiência pelo Pontífice Pio IX, o qual, edificando-se com a sua
humildade, lhe ofertou a própria cruz peitoral, dizendo na ocasião estas palavras “Vede
esta cruz:não vos parece bela? Pois bem, para mim ela o é, pelo que me recorda e eu
quero que também o seja para vós! Esta cruz é a cruz peitoral que usei, desde a minha
consagração episcopal, até a minha elevação ao Pontificado; trazei-a sempre como
lembrança de Pio IX. Não quero que a avalieis pelo seu valor intrínseco, bem que ela o
tenha, mas quero que a estimeis com o mesmo afeto com que eu a estimo por ser uma
recordação minha”. Depois de proferir estas palavras Pio IX olhando ainda para a cruz,
acrescentou: “Sempre pensei de não separar-me nunca desta cruz, mas vo-la dou de
todo o meu coração; tomai-a”. Esta cruz peitoral foi depois devolvida a Pio IX, por
decisão de D. Manoel do Rego Medeiros, pouco antes de morrer prematuramente em
Maceió. [...] O recebimento foi confirmado por meio do Internúncio Apostólico, Mons.
Sanguini, em 29 de setembro de 1866»[grifos do original]. [F. CÂMARA, «O primeiro
cearense promovido ao episcopado», em RIC, XCVI, 31-32].
263
BN, Apontamento biográficos sobre o Padre Manoel do Rego de Medeiros pelo
Dr. Antônio Manoel de Medeiros, em: seção de manuscritos, n. I-31, 24, 14; DBB, VI,
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 273

A nomeação de D. Manuel agradou a D. Macedo, que já o conhecia e


esperava encontrar nele um aliado no processo de reforma em andamento.
A confiança do bispo do Pará era tanta que chegou a dizer: «Ele não há de
se curvar às pretensões do regalismo de quem tem soberano horror»264.
O nome do novo bispo, porém, não foi do agrado dos padres regalistas e
dos grupos de tendências liberais e republicanas, que eram fortes na
província de Pernambuco desde antes da Independência. A oposição a D.
Manuel iniciou-se logo que o prelado escolheu como substituto interino, até
sua posse, o cônego João Crisóstomo de Paiva Torres. O deão Joaquim
Francisco de Faria (seu ex-professor no Seminário diocesano)265 recusou
efetuar a indicação do bispo, em 15 de dezembro de 1865, quando,
servindo-se da sua condição de presidente do cabido, impediu o substituto
interino de assumir266.
O deão Faria, praticou tal ato indo contra a posição favorável dos outros
nove cônegos que se retiraram em protesto267. Sua motivação era
extremamente regalista, chegando a revoltar o próprio Internúncio Mons.
Domenico Sanguini. Alegava o deão, que não poderia aceitar a escolha por
não ter ela vindo acompanhada do Beneplácito Imperial. Um dos poucos
que o apoiou foi o pe. Joaquim Pinto de Campos, que também defendia a
necessidade do placet. Deve-se ter presente que Pinto de Campos é o
mesmo padre que em muitas ocasiões, como parlamentar, ajudou os
Internúncios na defesa das posições da Igreja Católica na Câmara dos
Deputados, como será visto mais adiante268.
Sem dar maiores atenções ao deão Faria, que se dizia vigário geral, D.
Manuel publicou sua primeira carta pastoral, em 30 de novembro de 1865.

186-187; F. CÂMARA, «O primeiro cearense promovido ao episcopado», em RIC, XCVI,


27-34.
264
ASV, NAB, Carta de D. Macedo costa ao Internúncio Sanguini, 22 de maio de
1865, Cx. 42, fasc. 192, f. 94b.
265
F. CÂMARA, «O primeiro cearense promovido ao episcopado», em RIC, XCVI,
29.
266
ASV, NAB, Carta do Cônego João Crisóstomo de Paiva Torres ao internúncio,
17 de dezembro de 1865, Cx. 42, fasc. 193, doc. 4, f. 33
267
J. C. BARATA, História eclesiástica de Pernambuco, 98 nota 132.
268
ASV, NAB, Carta de Joaquim Pinto de Campos ao Internúncio, 21 de dezembro
de 1865, Cx. 42, fasc. 193, doc. 5, f. 36; AES, Br., Rifiuto del Vic. Capitolare di far
leggere in Capitolo le Bolle del novello Vescovo, Mons. Emanuele do Rego Medeiros, e
di dare il possesso al Vic. Generale dal medesimo deputado, 20 de dezembro de 1865,
Fasc. 183, pos. 144, f. 5r-12r.
274 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Faria ficou tão furioso, que nem mesmo se apresentou para lhe entregar as
chaves do palácio episcopal269.
D. Manuel, mantendo-se sempre impassível, deu início ao seu governo.
Em 16 de maio de 1866, para melhor administrar o imenso território sob
sua jurisdição, reorganizou-o completamente, instituindo um vicariato geral
que compreendia quatro arciprestados, subdivididos por sua vez em 26
vicarias forâneas, além de criar novas paróquias270. Ao mesmo tempo
iniciou a implementação de uma reforma no sentido tridentino, insistindo
na obrigação do utilizo das vestes talares sob pena de suspensão ipso facto
incurrenda271.
Aliás, antes mesmo de deixar Roma, já se preocupara com a reforma que
deveria instaurar na sua diocese e conseguiu com os jesuítas e com as Irmãs
do Instituto de Santa Dorotéia, o envio de membros de ambas as
instituições religiosas. Os jesuítas chegaram em 17 de fevereiro de 1866,
para ajudar na formação do clero e na reforma do Seminário diocesano,
sendo colocados no lugar dos professores de tendências maçônicas e
jansenistas, que foram todos demitidos. Aos padres da Companhia de Jesus
foi também entregue o Colégio São Francisco Xavier em Recife. Já o
convento das Irmãs de Santa Dorotéia foi fundado em 1866272.
D. Manuel enviou doze seminaristas para se formarem em Roma, no
Colégio Pio latino-americano, entre eles estava o futuro primeiro cardeal
brasileiro: Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcante273. Entrementes,
a oposição que sofria, comandada pelo pe. Faria, prosseguia ferrenha. O
deão e seu grupo passaram a publicar uma série de artigos nos jornais – as
anônimas Cartas de Alípio – nos quais faziam pesadas críticas aos novos
rumos que a diocese estava tomando. Assim estava a situação, quando D.
Manuel partiu para Belém, para consagrar, junto com D. Antônio de
Macedo Costa, D. Joaquim Gomes de Azevedo, novo bispo de Goiás, no
dia 1 de julho de 1866. De lá, D. Manuel partiu para o Rio de Janeiro na
companhia do jesuíta pe. Razzini. Ao regressar, foi acometido de um mal
estar muito suspeito, que provocou sua morte. As irmãs Teresa Sommariva
e Maria Marguerite Masyn, escrevendo sobre a fundação do Instituto de
—————————–
269
ASV, NAB, Carta do deão Faria ao Internúncio, 6 de dezembro de 1865, Cx. 42,
fasc. 42, doc. 7, f. 53-54.
270
ASV, NAB, Portaria, Cx. 42, fasc. 193, doc. 3, f. 15-16; FERNANDO CÂMARA, «O
primeiro cearense promovido ao episcopado», em RIC, XCVI (1982), 32.
271
ASV, NAB, Portaria proibindo aos clérigos de apresentarem-se em público
disfarçados de leigos, Cx. 42, fasc. 42, doc. 2, f. 11-12.
272
F. CÂMARA, «O primeiro cearense promovido ao episcopado», em RIC, XCVI,
30-31.
273
J. C. BARATA, História eclesiástica de Pernambuco,100.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 275

Santa Dorotéia em Pernambuco, afirmam que D. Manuel Rego, após uma


refeição com alguns passageiros do navio, ao retornar aos seus aposentos,
iniciou a sentir-se mal, o estômago inflamou-se e todo o corpo tornou-se
febril274. Fernando Câmara, por sua vez, sustenta que D. Manuel, ao
desembarcar em Maceió para um visita pastoral, foi «acometido por uma
terrível febre cerebral» e, não obstante os esforços médicos, depois de doze
dias de enfermo, faleceu em 16 de setembro de 1866, com apenas 36 anos
de idade275.
Suspeitou-se que a sua morte teria sido ocasionada por envenenamento,
como, aliás, foi denunciado no senado por Cândido Mendes de Almeida276.
D. Manuel Joaquim da Silveira, prelado de Salvador e Primaz do Brasil,
adotou postura semelhante, tendo inclusive se negado a reconhecer a
eleição do deão Faria como vigário capitular de Olinda, até a nomeação de
um novo bispo. Fê-lo em reação aos fatos obscuros acontecidos após a
morte de D. Manuel do Rego, coisa que ele denunciou abertamente:
É com efeito extraordinário que tendo o Deão Doutor Joaquim Francisco de
Faria recebido participação oficial da morte do Exmo. e Revmo. Sr. Bispo do
Pernambuco no dia 19 de setembro último, e tendo nesse mesmo dia
convocado o Cabido que se reunisse para deliberar sobre a vacância da Sé, [...]
me viesse dizer no seu ofício datado do Palácio da Soledade em Pernambuco
aos 28 do referido mês de setembro, que somente no dia 20 do mesmo mês aí
tinha chegado a notícia da morte do Prelado!277
Apesar da irregularidade flagrante, tanto o Ministério dos Negócios do
Império quanto o Internúncio Mons. Domenico Sanguini, confirmaram a
eleição de Faria278.
b) D. Francisco Cardoso Aires (1821-1870): Francisco Cardoso Aires,
religioso rosminiano, depois de já ter negado uma nomeação à mitra, foi

—————————–
274
T. SOMMARIVA – M. M. MASYN, Memórias a cerca da venerável Serva de Deus
Paula Frassinetti, 178.181-185.
275
F. CÂMARA, «O primeiro cearense promovido ao episcopado», em RIC, XCVI,
32-33.
276
BN, Apontamento biográficos sobre o Padre Manoel do Rego de Medeiros pelo
Dr. Antônio Manoel de Medeiros, em: seção de manuscritos, n. I-31, 24, 14.
277
ASV, NAB, Carta de D. Manoel ao Internúncio, 24 outubro de 1866, Cx. 42,
fasc. 193, doc.16, f.75r.
278
AES, Br., Sull’elezione Del Vicário capitolare contestata, 28 de dezembro de
1866, Fasc. 183, pos. 144, f. 15r-16v; 19r; A. NÓBREGA, «Dioceses e bispos do Brasil»,
em RIHGB, CCXXII, 175; D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da
Igreja no Brasil,141-144.
276 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

novamente indicado por D. Pedro II, em 1867279. Ainda uma vez ele quis
eximir-se, mas, acabou cedendo à vontade do Chefe da Igreja. Assim, foi
sagrado em Roma, em 15 de março de 1868, tomando posse no dia 12 de
julho de 1868. Fez sua entrada solene na diocese em 2 de agosto do mesmo
ano. Ao chegar, a polêmica entre reformadores e regalistas estava em pleno
andamento, suscitada, principalmente, pelo fato de o jornal O Católico
haver reagido contra o notório anticlericalismo que dominava a imprensa
de Recife. Desabituados a um Catolicismo reativo, os anticlericais
revidaram atacando o novo bispo. Aprígio Guimarães (1832-1880) passou
a concitar o bispo a deixar seus «castelos rosminianos»280.
D. Francisco se envolveu em uma grande polêmica ao proibir que fosse
sepultado, em cemitério sagrado, o cadáver do general José Inácio de
Abreu Lima (1796-1869) e por ordenar a todo clero o retiro espiritual no
convento de S. Francisco do Recife, com leitura diária do catecismo,
dirigidos pelos jesuítas. Quando José Abreu, o «general das massas»,
socialista que apostatou a fé Católica281, adoeceu, o bispo D. Cardoso Aires
—————————–
279
Francisco Cardoso Aires, filho de João Cardoso Aires e de dona Maria Cardoso
Aires, nasceu na cidade do Recife, em 18 de dezembro de 1821, e faleceu em 14 de
março de 1870, em Roma. Destinado por seus pais à vida do comércio, apenas
preparado com instrução primária, se estabeleceu numa loja de livros, de propriedade
deles; mas depois começou a dar-se aos estudos superiores e, ao passo que nesses
progredia, sentiu-se atraído pelo estado religioso. Abandonou então a atividade
comercial e foi para Roma, onde matriculou-se na universidade La Sapienza em 1846,
tendo no futuro D. Lacerda, um companheiro de estudos. Fechada, porém, a
universidade, com a revolução de 1848, saiu de Roma com o abade Antônio Rosmini
Serbati, seu amigo e fundador do instituto de Caridade, resolvido a entrar no mesmo
instituto; indo para a cidade de Strezza no Lago-maior, então reino de Piemonte, onde se
fazia o noviciado. Daí partiu para a Inglaterra e, no colégio de Ratcliffe, concluiu o
noviciado e o curso de teologia, recebendo as ordens de diácono das mãos do bispo
diocesano. Passou em seguida à casa de Rugby, na qual recebeu as ordens do
presbiterado, e lecionou uma cadeira. Fez ainda um excursão por alguns lugares da
Europa, visitando o Santo Padre. Tornou-se tão notável por suas raras virtudes e por sua
ilustração. Foi nomeado sub-reitor da casa de Santa Maria de Upton, no condado de
Cork, na Irlanda. Foi-lhe então oferecida pelo Governo imperial uma mitra, de que
pediu que o dispensassem, aceitando posteriormente aquela de Olinda [DBB, II, 421-
422; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 136-137].
280
DBB, II, 421-422; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 136-137; D. R. VIEIRA,
O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 144-147; Cf. T.
HUCKELMANN, Dom Francisco Cardoso Aires.
281
Filho do pe. Roma, nascido antes que este se tornasse sacerdote, foi forçado a
assistir à execução do seu próprio pai, condenado pelo Conde dos Arcos por haver
participado da revolução de 1817. Os bens da sua família foram todos confiscados.
Juntamente com o seu irmão Luís, decidiu deixar o Brasil e se estabeleceu na
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 277

o procurou, tentando trazê-lo novamente ao seio da Igreja, porém, ele não


aceitou e, em 8 de março de 1869, faleceu. D. Aires lhe negou a sepultura,
já que os cemitérios eram administrados pelos párocos ou pelas
irmandades. Eram solo sagrado, para o enterro dos fieis católicos. Os
liberais, republicanos, socialistas e anticlericias iniciaram renhido ataque ao
prelado, colocando em destaque seu ultramotanismo, chamando-o de
reacionário e de amigo dos jesuítas282.
José Liberato Barroso, na Conferência Radical sobre a liberdade de
cultos, em 4 de abril de 1869, lançou pesadas acusações contra D. Cardoso
Aires, dizendo que em Pernambuco soprava o «bafo peçonhento da
superstição e do jesuitismo»283.
Contemporaneamente, D. Cardoso Aires procurou, desde o início,
reformar o clero diocesano e combater-lhe a decadência. Neste sentido,
enviou circulares284, pastorais e, como foi dito acima, convocou um retiro
coletivo dos padres, que se realizaria entre os dias 19 e 24 de abril de 1869,
na Igreja do Convento de Santo Antônio, sob a direção dos padres jesuítas.
O prelado logo foi advertido que parte do clero se oporia à novidade, sendo
forte o regalismo entre os sacerdotes da diocese. D. Cardoso Aires não
desanimou e o retiro se iniciou com a considerável presença de 80
sacerdotes, num total de 110 convidados. O líder dos regalistas, o deão
Faria, organizou um grupo de opositores que se reuniram às portas do
convento e tentaram forçar a entrada, para atrapalhar os trabalhos, sendo
necessária a intervenção policial para acalmar os ânimos. Em meio de
gritos ofensivos de «morte aos jesuítas» o bispo dissolveu o retiro e saiu
destemido em meio à turba oposicionista285.

Venezuela, onde ofereceu seus serviços a Simon Bolívar, tornando-se capitão de


artilharia e depois, general, por promoção pessoal daquele. Voltou ao Brasil em 1832,
após a separação entre a Colômbia e a Venezuela e a expulsão dos oficiais estrangeiros
dos seus exércitos. De volta à sua pátria, José Abreu viveu até 1844 na Corte, após o
que, regressou ao Recife no referido ano. Aderiu às teses do socialismo utópico de
Charles Fourier publicando, em 1855, o livro O Socialismo. Ao mesmo tempo
abandonou a fé católica passando a defender a liberdade de cultos e o protestantismo.
Nesta perspectiva, em 1867, publicou uma obra que na época fez sucesso: As Bíblias
falsificadas ou duas respostas ao Sr. Cônego Joaquim Pinto de Campos pelo cristão
velho. Dito livro foi colocado no Index no dia 9 de junho de 1868. [JFVS, 39].
282
T. HUCKLMANN, Dom Francisco Cardoso Aires, p. 74, 79-80.
283
J. L. BARROSO, Conferência Radical, 6.
284
Um dessas circulares foi: F. C. AIRES, Circular do Ex.mo Bispo Francisco
Cardoso Aires aos Venerareis e Reverendo as Párocos desta diocese.
285
T. HUCKLMANN, Dom Francisco Cardoso Aires, 62-65.
278 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Partiu em seguida para ao Concílio Vaticano I, mas só pôde assistir às


duas primeiras sessões, quando foi «admirado como um bispo santo, sábio
e extremamente prudente». Ali, foi acometido, em 8 de maio de 1870, por
uma violenta febre que, três dias depois, tomou o caráter de perniciosa,
roubando-lhe a vida aos 48 anos de idade, tendo apenas dois anos de
episcopado286. Sua atuação não ficou sem frutos, pois o cabido excluiu os
candidatos regalistas e elegeram para administrar a diocese, durante a
vacância, o austero cônego João Crisóstomo de Paiva Torres287.
c) D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1872-1878): Antônio Gonçalves
de Oliveira Junior era seu nome de batismo288. Ele, bem cedo, sentiu a
vocação para vida religiosa e entregou-se aos estudos das ciências
eclesiásticas. Recebeu as ordens de prima tonsura em 16 de dezembro de
1860, pelas mãos de D. João da Purificação Marques Perdigão. Depois de
cursar o primeiro ano de teologia moral no Seminário de Olinda,
manifestando o desejo de seguir a vida regular, partiu para a Europa no dia
1 de outubro de 1862, já que no Brasil os noviciados estavam proibidos por
um aviso imperial289.
Foi animado, neste intento, pelo referido bispo de Pernambuco, que o
aconselhou a matricular-se no Seminário de São Sulpício. Permaneceu
neste instituto por um ano, no entanto, sua vocação o chamava a vida
religiosa. Decidiu tornar-se capuchinho. Ingressou no convento de
Versalhes, em 16 de julho de 1863, e tomou o hábito seráfico de S.

—————————–
286
Recebeu todo o carinho de seu amigo Pio IX durante a convalescença e honrosas
exéquias fúnebres após seu falecimento. O celebrante da missa pontifical em sufrágio de
sua alma foi D. Antônio de Macedo Costa, substituindo o Primaz do Brasil, D. Manuel
Joaquim da Silveira. [A. MACEDO COSTA, Notícias biográficas do finado Bispo de
Pernambuco D. Francisco Cardoso Ayres, 103].
287
J. C. BARATA, História eclesiástica de Pernambuco, 103; D. R. VIEIRA, O
processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 144-147.
288
Filho de Antônio Gonçalves e dona Antônia Albina de Albuquerque, e chamado
no século Antônio Gonçalves de Oliveira Junior, nasceu na freguesia de Pedras de
Fogo, em província de Pernambuco, em 27 de novembro de 1844, e faleceu no convento
dos capuchinhos de Paris em 4 de julho de 1878. [A. M. REIS, O bispo de Olinda
perante a história, I, 8; DBB, VII, 403].
289
Aviso de 19 de maio de 1855: «Sua Majestade o Imperador há por bem cessar as
licenças concedidas para a entrada de Noviços nessa Ordem religiosa, até que seja
restituída a Concordata que a Santa Sé vai ao Governo Imperial propor-lhe. Deus
Guarde a V. Pat. Rev.ma. – José Thomas Nabuco de Araújo – ao Sr. Provincial dos
Religiosos Franciscanos da Corte». Estes avisos foram enviados a cada uma das ordens
existentes [AES, Br., Circular do Ministério da Justiça, 19 de maio de 1855, Fasc. 172,
pos. 115, f. 69r; J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 306].
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 279

Francisco em 15 de agosto. Seguiu depois as demais etapas formativas em


Perpignan e Toulouse. Trocou, na ocasião, o nome de batismo por Vital
Maria. Em 2 agosto de 1867, recebeu a ordenação presbiteral pelas mãos
do Arcebispo de Tolosa, D. Juliano Floriano Félix Desprez290.
Regressou ao Brasil em outubro de 1867, sendo designado por seus
superiores para Lente de filosofia e Escritura Sagrada do Seminário
episcopal de São Paulo, onde, a partir de 31 de março de 1869, se tornou
professor. Foi também capelão do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio,
em Itu. D. Vital vincula-se indiretamente ao grupo reformador paulista, não
só por ser religioso capuchinho, como também por ter sido professor do
Seminário daquela diocese, antes de sua nomeação para o bispado de
Olinda291.
A nomeação episcopal aconteceu em 21 de maio de 1871. Tinha então
26 anos, distante, portanto, da idade mínima de trinta prevista nos cânones.
Não querendo aceitar o episcopado, só cedeu devido à pressão do seu
superior capuchinho no Brasil, fr. Eugênio de Rumelly. Este particular foi
admitido pelo próprio fr. Eugênio, numa carta que enviou a Mons. Di
Pietro, em 30 de junho de 1871:
Frei Vital é um religioso muito exemplar, bastante instruído, de muito boa
índole e educação, e dotado de uma prudência e circunspeção muito acima da
sua pouca idade. Hesitou muito a sujeitar-se; porém julguei – visto a distância
em que nos achamos dos nossos superiores – que era meu dever declarar-lhe
que não o julgava livre de recusar292.
Segundo Fernando Câmara, a escolha de D. Vital para bispo de
Pernambuco, representava um desejo do Imperador D. Pedro II de premiar
os beneméritos capuchinhos pelos seus notáveis trabalhos apostólicos e, de
modo especial, pela sua participação, como capelães militares, na Guerra
do Paraguai, onde se portaram com muita dedicação. Só aguardava Sua
Majestade Imperial a presença de um capuchinho brasileiro293.
Sabendo da pouca idade do indicado, o Internúncio recomendou-lhe que
escrevesse ao Santo Padre recusando a indicação de seu nome, alegando
exatamente este motivo, o que ele aceitou com muito prazer, vindo de
—————————–
290
A. M. REIS, O bispo de Olinda perante a história, I, 8-11; F. CÂMARA, Dom Vital
e a Questão Religiosa, em RIC, XCII, 21-22.
291
DBB, VII, 403.
292
ASV, NAB, Carta de fr. Eugênio de Rumelly a Mons. Di Pietro, 30 de junho de
1871, Cx. 52, fasc. 243, f. 2.
293
F. CÂMARA, Dom Vital e a Questão Religiosa, em RIC, XCII, 22-23; R. AZZI, «Os
Capuchinhos e o movimento brasileiro de reforma Católica do Século XIX», em REB,
XXXV, fasc. 137, 138-139.
280 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

encontro com o seu desejo de não aceitar a nomeação. Escreveu, então, D.


Vital:
Conheço minha indignidade; sei quanto sou desprovido das aptidões e
virtudes necessárias ao desempenho de uma missão tão santa e tão elevada,
por outro lado tão cheia de dificuldades e de sofrimento.
Prostrado aos pés de Vossa Santidade, peço e suplico do fundo de minha
alma que não me imponhais esse fardo tão pesado para o qual não estou
preparado!
Meu Pai, se é possível, apartai de mim este cálice. Abri vossos ouvidos
Santíssimo Padre, à suplica do último de vosso filhos. Contudo, faça-se a
vossa vontade, não a minha294.
A resposta de Pio IX foi sua confirmação:
Aos sentimentos manifestados em tua carta, amado filho, firmemente nos
persuadem de que, se bem não tenhas ainda idade madura para o gravíssimo
cargo episcopal, és realmente a ele chamado por Deus.
Confirmado com a suprema virtude, hás de estrenuamente defender a causa
de Deus, e nada omitir que possa dizer respeito à salvação e proveito do
rebanho a ti confiado295.
D. Vital foi preconizado em consistório de 22 de dezembro de 1871, com
dispensa da idade canônica, após o que recebeu a sagração episcopal na
capital paulista, pelas mãos de D. Pedro Maria de Lacerda, em 17 de março
do ano seguinte. A posse aconteceu por meio do seu procurador, o cônego
vigário capitular João Crisóstomo de Paiva Torres, em 2 de abril 1872. D.
Vital fez sua entrada solene na diocese em 24 de maio do mesmo ano,
acompanhado pelo bispo D. Antônio de Macedo Costa, que seria seu
companheiro de prisão e sincero amigo. Quando assumiu, o conflito entre
regalistas, liberais, republicanos e maçons de um lado, com os precedentes
bispos diocesanos e os padres a eles fieis de outro, já estava em ebulição.
Contudo, de certa forma, também o terreno para a reforma fora igualmente
preparado, existindo um número expressivo de cônegos e sacerdotes
dispostos a apoiá-lo. D. Vital conseguiu impor-se ao clero pela sua
coragem, dotes religiosos e também pela grande atividade eclesiástica296.
Tão logo assumiu o governo da diocese, os jornais maçônicos A verdade,
e em seguida Família Universal, iniciaram uma campanha difamatória
contra o prelado, enquanto, em sua defesa se posicionava a gazeta católica
A União. Estavam lançadas as bases da Questão Religiosa, que resultaria
—————————–
294
F. CÂMARA, Dom Vital e a Questão Religiosa, em RIC, XCII, 23.
295
F. CÂMARA, Dom Vital e a Questão Religiosa, em RIC, XCII, 23.
296
A. C. VILLAÇA, História da questão religiosa, 11-12.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 281

tanto na prisão de D. Vital em 1874, quanto, logo em seguida, também a do


seu amigo, D. Macedo Costa, bispo de Belém do Pará, como será visto no
último capítulo. O governo do novo bispo de Olinda pouca duração teve,
porque, saindo logo da diocese por motivo da prisão, a ela só retornaria em
outubro de 1876, depois de ter sido anistiado em 1875, e ter passado doze
meses na Europa. Ele, então, se retirou de novo para França, em abril do
ano seguinte, e não regressou mais à sua pátria. Faleceu no convento dos
seus irmãos capuchinhos em Paris, em 4 de julho de 1878, tendo as solenes
exéquias sido oficiadas por D. José Ignacio Ordóñez (1829-1893), bispo
equatoriano, desterrado de sua pátria por haver ousado defender a Igreja297.

6.3. Diocese da Bahia


O único Arcebispado do Brasil durante Segundo Império foi Salvador da
Bahia, sede primacial. Após D. Romualdo Antônio de Seixas, foi feito
Arcebispo D. Manuel Joaquim da Silveira (1807-1874), que a governou de
1861 até o ano de sua morte298. Esse prelado era de origem muito humilde e
ocupava, na câmara eclesiástica do Rio de Janeiro, modestíssimo emprego
que lhe dava o necessário para se instruir. Fez seus estudos no Seminário
episcopal São José, no Rio, e recebeu as ordens de presbítero em 2 de maio
de 1830. Por duas vezes concorreu para vigararias: a primeira vez para a
freguesia da Candelária, em 1834, e a segunda para a de Santa Rita, em
1836, porém não obteve sucesso, mesmo conseguindo a maior pontuação
entre os concorrentes299.

—————————–
297
DBB, VII, 403; F. CÂMARA, Dom Vital e a Questão Religiosa, em RIC, XCII, 21-
27; A. M. REIS, O bispo de Olinda perante a história; N. PEREIRA, D. Vital e a Questão
Religiosa no Brasil; J. LIMA, D. Vital; F. OLÍVOLA, Um grande brasileiro, o servo de
Deus D. fr. Maria Gonçalves de Oliveira. A bibliografia especifica da Questão
Religiosa será informada no momento que se tratar do tema no quinto capítulo [ndr.].
298
Conde de S. Salvador e Arcebispo da Bahia. Filho de Antônio Joaquim da
Silveira e dona Maria Rosa da Conceição, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 11 de
abril de 1807, e faleceu na Bahia em 23 de junho de 1874. Teve a honra de ser ministro
celebrante dos consórcios das duas princesas, dona Isabel e dona Leopoldina, sendo
para esse fim nomeado vice-capelão-mor. Era do conselho do Imperador D. Pedro II,
comendador da ordem de Cristo, oficial da do Cruzeiro, sócio do antigo Instituto
Histórico da Bahia e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro [DBB, VI, 128-130;
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 226].
299
«Tendo-se distinguido por dois brilhantes exames, um de quarenta pontos, e o
outro mais brilhante ainda, de setenta e um, sendo em ambos os concursos proposto em
primeiro lugar, sofreu a revoltante injustiça, da Regência Trina no primeiro concurso, e
no segundo do regente Feijó, de não ser apresentado, sendo preferidos outros, que
282 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Foi nomeado lente de teologia em 23 de fevereiro de 1837, e depois, em


10 de setembro de 1838, reitor do Seminário episcopal, onde realizou
algumas reformas. Posteriormente, recebeu a nomeação de cônego da
capela imperial pelo regente Araújo Lima. Foi enviado como capelão da
esquadra militar mandada pelo Governo Imperial para buscar a Imperatriz
Teresa Cristina de Bourbon (1822-1889), em Nápoles, com quem o
Imperador D. Pedro II se casaria por procuração. Nesta ocasião, foi
condecorado pelo rei das Duas Sicílias, D. Fernando II, com a Cruz de
Cavalheiro de Francisco I, e, com a licença da Imperatriz, foi conhecer
Roma300.
Segundo Sacramento Blake, Manuel Joaquim era «reconhecido como um
dos ornamentos do clero brasileiro, quer por sua ilustração, quer por suas
virtudes»301. O Imperador o condecorou com a Comenda da Ordem de
Cristo, após o que, em 1845, também recebeu a nomeação de promotor
fiscal do juízo eclesiástico do bispado. Em 1846, tendo sido igualmente
nomeado monsenhor da Capela Imperial, foi chamado a fazer parte do
Conselho de Sua Majestade o Imperador. Em 1849, se tornou inspetor da
Capela Imperial e fabriqueiro da catedral, onde realizou várias reformas.
Todos estes serviços prestados ao Império e à religião, resultaram na sua
nomeação a bispo do Maranhão, por decreto de 15 de maio de 1851.
Confirmado por Pio IX em 5 de setembro de 1851, recebeu a sagração pelo
bispo do Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1852. Tomou posse por
procuração em 30 de janeiro de 1852, e chegou à sua diocese em 9 de abril
do mesmo ano302.
A primeira preocupação que teve foi a reforma da velha catedral e de
outras igrejas. Deu ênfase às visitas pastorais, que constituíram sua
principal atividade e, além de criar novas paróquias, iniciou a publicação de
um periódico intitulado O Eclesiástico. Como antigo reitor do Seminário
São José do Rio, não deixou de realizar reformas no Seminário episcopal,
ampliando suas cadeiras303. Foi eleito espontaneamente deputado provincial
do Maranhão, mas não aceitou o cargo, e tampouco aceitou a nomeação
imperial a 1º vice-presidente da mesma província304.

ficaram muito aquém nos exames, um dos quais fez apenas sete pontos!» [C. A. P.
ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 226-227].
300
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 81-82.226-228; DBB, VI, 128-
129.
301
DBB, VI, 128-129.
302
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 228-229.
303
F. CÂMARA, «A diocese do Maranhão e seu tricentenário», em RIC, XCI,152-153.
304
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 229-232.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 283

Com o decreto de 5 de janeiro de 1861, foi nomeado Arcebispo da


Bahia, em substituição a D. Romualdo Seixas, o Marquês de Santa Cruz305.
Preconizado em 18 de março do mesmo ano, chegou à sua diocese em 27
de junho. Recebeu o pálio metropolitano das mãos do bispo D. Macedo
Costa, em 29 do mesmo mês. Segundo seu contemporâneo, o pe. Carlos
Augusto Peixoto de Alencar, D. Manuel: «ocupando atualmente o sólio
arquiepiscopal, ele continua a sustentar seus honrosos precedentes de todos
os tempos, como pio, sábio, prudente e caritativo. Confundindo-se em
muitas coisas com o grande Arcebispo Dom Romualdo, seu antecessor»306.
Pouco se escreveu sobre este bispo, mas sabe-se que D. Manuel foi o
primeiro metropolitano a apregoar a necessidade de uma efetiva união do
episcopado nacional, sobretudo em vista da luta em prol da liberdade da
Igreja. A atitude mais corajosa que assumiu, neste sentido, foi aquela de
liderar o movimento de solidariedade em apoio aos prelados de Olinda e do
Pará, quando eclodiu o conflito entre o clero ultramontano e a maçonaria.
Ele estimulou seus colegas de episcopado a unirem-se em defesa dos
direitos da Igreja, e o fez com tal coragem e firmeza, que passou a ter uma
autoridade inconteste, merecendo o respeito e acatamento dos demais. Suas
principais ações em defesa dos bispos de Belém e de Olinda foram: 1º.
Carta pastoral a diocese aos 10 de março de 1873, reprovando o
procedimento do Governo307; 2º. Pastoral publicando o breve de Pio IX
contra a maçonaria em 16 de julho de 1873308; 3º. Representação ao
Imperador sobre a questão religiosa em 18 de dezembro de 1873309; 4º.
Protesto diante da prisão de D. Vital em 8 de janeiro de 1874, lida no
passadiço do navio que transportava D. Vital preso ao Rio, com parada em
Salvador310; 5º. Circular ao Episcopado Brasileiro de 2 de março de 1874,
um protesto enérgico contra a prisão de D. Vital e uma convocação de todo
o episcopado brasileiro, para o espírito de união na luta pelos direitos da
Igreja311; 6º. Carta Pastoral de 24 de maio de 1874, em protesto contra a

—————————–
305
DBB, VI, 128-129.
306
C. A. P. ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 82.
307
DBB, VI, 128-129.
308
M. J. SILVEIRA, Pastoral publicando o breve de Pio IX de 29 de maio de 1873,
[ASV, NAB, Cx. 45, fasc. 210, doc. 8, f. 55f -56f].
309
M. J. SILVEIRA, Representação a Sua Majestade o Imperador pelo Arcebispo da
Bahia, Conde de São Salvador [AES, Br, Fasc. 185, pos.156, f. 72f, fascículo inserido].
310
A. M. REIS, O bispo de Olinda perante a história, I, 17.
311
M. J. SILVEIRA, Carta Circular do Arcebispo da Bahia Conde de São Salvador,
Metropolitano e Primaz do Brasil aos Ex.mos. e Rev.mos. Bispos do Império. [AES, Br.,
Fasc. 185, pos.156, f. 72f, fascículo inserido].
284 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

prisão do bispo D. Macedo Costa e chamando novamente o episcopado a


unir-se num uníssono «non possumus»312.
Merecem ainda ser citadas as pastorais contra o protestantismo (1862),
contra o espiritismo (1867), contra a maçonaria (1873) e a Representação
dirigida à Sua Majestade o Imperador acerca do projeto do Governo sobre
o casamento civil, quando ainda era bispo do Maranhão, em 1859. Morreu
dia 23 de junho de 1874, em meio à Questão Religiosa313.

6.4. Diocese de Mariana


O sucessor de D. Viçoso foi D. Antônio Maria Correia de Sá e
Benevides (1836-1896), natural da província do Rio de Janeiro e
descendente de ilustres famílias imperiais314. Ele estudou na Escola Central
e lecionou no colégio Pedro II. Em 1861, contra a vontade da família,
decidiu abraçar o estado clerical. Recebeu as ordens menores no Mosteiro
de São Bento e ali mesmo cursou teologia. Posteriormente, fez os exames
no Seminário São José, sempre no Rio de Janeiro. Neste Seminário regeria,
em seguida, as cadeiras de física, química e historia natural. Recebeu a
ordem de presbítero em 1864, das mãos do D. Antônio de Macedo Costa,
bispo do Pará, que se achava de passagem no Rio de Janeiro. Já sacerdote,
foi presidente do Instituto dos Bacharéis em 1864, e vice-reitor do internato
do Pedro II a partir de 1866315.
Em 1876, recebeu a nomeação para ser bispo em Goiás. Sem jamais ter
ido à sua diocese foi transferido pela Princesa ao bispado de Mariana, pelo
decreto imperial de 28 de dezembro de 1876. A mudança decorreu das
pressões dos familiares de D. Benevides, que não o queriam em Goiás,
devido à distancia e ao isolamento da província. Nesse sentido, se
—————————–
312
M. J. SILVEIRA, «Carta Pastoral de 24 de Maio de 1874», em A. A. LUSTOSA, Dom
Macedo Costa, 304-306.
313
DBB, VI, 129-130.
314
Antônio Maria Correia, nasceu em Campos, na província do Rio de Janeiro, em
23 de fevereiro de 1836. Pertencia por varonia como pela linha feminina, às casas das
mais ilustres do Império. Filho de José Maria Correa de Sá e Dona Leonor Maria
Saldanha da Gama. D. Benevides descendia ainda em linha reta do «mal-afamado
Marquês de Pombal». Concluiu o curso secundário no colégio D. Pedro II, tomando o
grau de bacharel em letras no ano de 1853, aos 17 anos de idade. Cursou a Escola
Central, onde se bacharelou em ciências físicas e naturais. Imediatamente lhe foi
confiada no Pedro II uma das cadeiras de matemática, que regeu interinamente. Ali fez
pouco depois um brilhante concurso para professor de Historia Natural, conquistando o
primeiro lugar e sendo logo nomeado [R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I,
253-254].
315
R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 254.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 285

lamentaram com a Princesa Isabel, que comunicou ao Internúncio Cesare


Roncetti, que acreditava ser melhor transferi-lo para diocese de Mariana,
por ser D. Benevides «instruído e de boa família»316. O Santo Padre aceitou
a transferência e deu confirmação em 14 de fevereiro de 1877317.
D. Benevides, mesmo estando no Rio de Janeiro, só foi sagrado pelo
Internúncio Apostólico Mons. Carlos Roncetti em 9 de setembro de 1877,
depois que este último averiguou algumas dúvidas, colocadas pelo próprio
interessado318, sobre a validade das ordens menores recebidas pelo abade
do mosteiro dos beneditinos no Rio de Janeiro319. Tomou posse por
procuração em 14 de novembro e, em 17 do mesmo mês, fez sua entrada
solene320.
Na sua administração, D. Benevides preocupou-se, sobretudo, com obras
espirituais e na restauração da disciplina eclesiástica. No entanto, por
algumas vezes, chegou a ceder às pressões do poder civil321. Foi limitado
no seu governo por uma doença que, por mais de doze anos, lhe paralisou.
Instituiu os exercícios espirituais em comum para o clero, que convocou
pela primeira vez, por meio de uma circular de 19 de março de 1879. A D.
Benevides se deve a volta do Seminário Maior para Mariana e a criação do
educandário Externato Episcopal. Ele incentivou igualmente a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus e instituiu o Mês do Rosário, dando execução à
encíclica de 30 de maio de 1883, de Leão XIII, por circular de 7 de
setembro de 1883. Reafirmou as praticas do Mês de Maria, implantadas por
D. Viçoso e visitou cerca de dois terços do bispado. Começou as visitas
pastorais a partir de 1878, mas sua doença o impediu de continuar322.
Favoreceu a abolição da escravidão, alforriando todos os escravos do
Recolhimento de Macaúbas e fundando, em Mariana, em 24 de setembro
de 1885, a Associação Marianense Redentora dos Cativos, para comprar a
liberdade dos escravos. Em favor deles, no ano sucessivo, escreveu uma
circular (19 de outubro de 1887). Quando foi proclamada a República, ele
—————————–
316
AES, Br., Nomina dei vescovi, Officio, 24 de maio de 1877, Fasc, 188, pos. 165, f.
40r.
317
AES, Br., Nomina dei vescovi, Dispaccio, 14 de fevereiro de 1877, Fasc. 188,
pos. 165, f. 43r-43v.
318
AES, Br., Dubbio sulla validità o liceità degli Ordini Minori conferiti dal P.
Abate dei Benedettini di Rio de Janeiro a Mons. Antonio M. de Sá e Benevides,
proposto a Vescovo di Mariana, 1877, Fasc. 188, pos. 166, f. 52r-54r.
319
AES, Br., Nomina dei vescovi, Offici e dispacci, 25 de abril, 4 de junho de 1877,
Fasc. 188, pos. 165, f. 43r-48r.
320
R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 254-255.
321
R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 265-266.
322
R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 255-258.
286 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

guardou silêncio como outros bispos, para depois assinar a circular


coletiva323.
Na doença foi assistido pelo afilhado de D. Antônio Ferreira Viçoso, o
vigário geral e, a partir de 1887, bispo (Coadjutor) de Camaco, Mons.
Silvério Gomes Pimenta. Em 1890, D. Antônio Benevides comunicou a seu
coadjutor D. Silvério os poderes amplos de governar a diocese. Faleceu a
15 de julho de 1896324.

6.5. Diocese de Goiás


Durante o episcopado do único prelado cego na história do Brasil, D.
Francisco Ferreira de Azevedo (1764-1854)325, a prelazia de Goiás foi

—————————–
323
R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 276-278.
324
Tendo assumido em 6 de agosto de 1907, D. Silvério Gomes Pimenta se tornou o
primeiro prelado mulato e também primeiro Arcebispo de Mariana. Nasceu ele na
freguesia de Congonhas do Campo, então município de Ouro Preto, em 12 de janeiro
1840. Filho primogênito de Antônio Alves Pimenta e Porcina Gomes de Araújo, tinha
nove anos quando, morrendo-lhe o pai, a viúva sua mãe e os cinco filhos menores que
tinha, se viram reduzidos à pobreza extrema. Terminados os estudos primários e
trabalhando como praticante em uma casa de comércio, seu tio Manuel Alves Pimenta o
ajudou a ser admitido como externo no colégio de Matosinhos. Ali estudou enfrentando
varias e pesadas dificuldades econômicas. Mas, graças à sua inteligência e dedicação,
concluiu em três anos o estudos. Em 20 de agosto de 1855, escreveu a D. Viçoso
expondo sua vontade de seguir a carreira eclesiástica, sem ocultar, contudo, as
impossibilidades que tinha por motivos de pobreza. Obteve uma resposta positiva em 2
de setembro de 1855. Em 1858, aos 17 anos, encarregou-o, D. Viçoso, do curso final de
Latim no Seminário diocesano, cadeira em que se conservou durante a vida do prelado
mineiro. Após cursar teologia, recebeu a primeira tonsura, em 10 de abril de 1857. Em
20 de fevereiro de 1861, recebeu as ordens menores, seguidas, três dias depois, do
subdiaconato. O diaconato lhe foi dado em 21 de abril do ano seguinte e, finalmente, em
20 de julho de 1862, recebeu a ordenação presbiteral na cidade de Sabará. Com a morte
de D. Viçoso, foi eleito unanimemente vigário capitular, em 12 de julho de 1875. Em
seguida recebeu a nomeação de vigário geral, por D. Benevides, em 19 de novembro de
1977, e cônego honorário da catedral em 5 de dezembro de 1877. Em 26 de julho de
1890, foi eleito bispo de Camaco na Armênia, e auxiliar de Mariana. Com a morte de D.
Benevides, no dia em 19 de julho de 1896 foi de novo eleito vigário capitular. Em 3 de
dezembro daquele ano, foi transferido de Camaco para Mariana, tomando posse em 9 de
maio de 1897 [R. O. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, II,278-290].
325
Natural de Cuiabá, hoje capital do Mato Grosso, nasceu em 1764 e faleceu em sua
diocese em 12 de agosto de 1854. Era presbítero secular, pregador régio e vigário
colado da freguesia de Santo Antônio de Cassarebú, termo da vila de Macau e província
do Rio de Janeiro (razão, provavelmente, pela qual o general Cunha Mattos o
considerava nascido nesta freguesia). Nomeado bispo de Maliapor em 17 de dezembro
de 1811, não assumiu tal título; mas, sua situação mudou ao ser subdividido o bispado
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 287

elevada a bispado pela bula Solicita Catholici Gregis Cura, de 15 de junho


de 1826, tornando-se ele, portanto, o primeiro bispo titular de tal jurisdição
diocesana. Sobre sua pessoa, fr. Afonso de Rumelly, em um relatório
entregue a Santa Sé, depois do seu retorno a Roma vindo de São Paulo,
deixou o seguinte parecer: «ottuagenario, cieco, uomo debolissimo, che ha
conferito gli ordini indistintamente a tutti. La Diocesi va molto male»326.
Para piorar o quadro, D. Francisco Ferreira de Azevedo era maçom, como
informou seu sucessor D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão327.
a) D. Joaquim Gonçalves de Azevedo (1814-1879): O sucessor de D.
Francisco foi D. Domingos Quirino de Souza (1815-1863)328, que teve um

do Rio de Janeiro em três bispados e duas prelazias. Naquela ocasião, foi ele nomeado,
em 18 de outubro de 1818, para a prelazia de Goiás, sendo-lhe conferido o título de
bispo de Castores. Elevada depois dita prelazia a bispado, por bula de 15 de julho de
1827, passou ele a ser o seu primeiro bispo, nomeado por carta de 3 de novembro. D.
Francisco regeu a igreja goiana por 35 anos, mas, logo após ter chegado à sua diocese
contraiu uma moléstia, que foi seguida de completa cegueira [AES, Br., Ofício, 14 de
outubro de 1854, Fasc. 169, pos. 101, f.94r-95r; DBB, II, 442; F. CÂMARA, «O bispo
cego de Goiás», em RIC, CXVIII, 337-339].
326
AES, Br., Informazione sui Vescovi del Brasile, mandata da fr. Affonso de
Rumelly, 15 de novembro de 1854, Fasc. 169, pos. 100, f. 87r-87v.
327
«Aqui existe uma dificuldade particular para extinguir a Maçonaria, e é que o
primeiro bispo desta diocese foi maçom, e muitos de seus membros são pessoas de
posição elevada. Não devemos esquecer que os antigos maçons do Brasil só trataram de
política, e de nenhuma sorte hostilizaram a Igreja. Esperamos com o tempo, e com o
trabalho continuo dos Missionários, acabar com esta terrível praga...» [AES, Br.,
Relação da diocese do Goiás envida pelo seu Bispo, 11 de dezembro de 1882, Fasc. 13,
pos. 224, f. 13f].
328
«Filho de João Querino de Souza e dona Victória Gonçalves Stella, nasceu na
freguesia da Estância, Sergipe, em 2 de outubro de 1815, e faleceu em Goiás, em 12 de
dezembro de 1863. Ao morrer deixou na maior indigência sua família, composta de
quatro senhoras loucas, que eram sua mãe e três irmãs, perdendo uma destas a razão
quando ele faleceu, e as outras, durante a penosa viagem que fizeram com ele para a
diocese. Presbítero secular, residindo em Sergipe, foi preconizado bispo no consistório
secreto de 18 de março de 1861, com o Arcebispo monsenhor Silveira. Aceitando o
báculo pastoral de Goiás, aceitou também o martírio, como se exprime o Dr. Teixeira de
Mello, nas suas Ephemerides Nacionaes. Elevado, pela notoriedade de suas virtudes às
eminências do episcopado, chegou a seu destino pela via-dolorosa, ou seja, pelo
caminho das amarguras. Nunca se lhe ouviu uma queixa; suportava com a mais
evangélica resignação os desatinos de suas infelizes mãe e irmãs; mas seu ar de tristeza
gelador, as palavras raras que pronunciava, deixavam compreender quanto sofrimento
tinha na alma. Nutria a esperança de sanar os males resultantes da ausência de seu
antecessor, motivada pela moléstia que o privara da vista, mas só sete meses penou na
diocese. Era do conselho do Imperador»[DBB, II, 227].
288 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

curtíssimo episcopado (1861-1863). A reforma eclesial na diocese de Goiás


começou a partir de Joaquim Gonçalves de Azevedo (1814-1879),
chegando ao auge com D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão (1841-
1924)329.
Joaquim Gonçalves330, cursou as matérias eclesiásticas no Seminário do
Pará e ali lecionou latim. Recebeu as ordens de presbítero em 1837, pelas
mãos de D. Romualdo de Souza Coelho. Quando sacerdote, o pe. Joaquim
fundou o Seminário de Manaus, por ordem do bispo D. José Afonso Morais
Torres, sendo também seu primeiro reitor. Serviu os cargos civis de diretor
da instrução publica e de vice presidente do Amazonas. Foi arcediago do
cabido metropolitano de Belém, vigário geral de D. Macedo Costa,
governando a diocese durante as ausências do bispo, além de exercer o
encargo de reitor do Seminário diocesano331.
Nomeado bispo de Goiás, em 25 de setembro de 1865, recebeu a
sagração na catedral de Belém por D. Macedo Costa em 1866, tomando
posse em abril do mesmo ano. A sua entrada solene na diocese aconteceu
em 29 de setembro de 1867. Sua principal contribuição em Goiás foi a
fundação de um Seminário diocesano, onde ele mesmo lecionou teologia.
A casa de formação foi inaugurada em 6 de janeiro de 1872, em Vila Boa,
então capital da província. Em 14 de março de 1876, foi indicado como
Arcebispo da Bahia332, onde fez sua entrada solene em 14 de maio de 1877;
mas, seu governo durou somente até 6 de novembro de 1879, quando
faleceu333.
Nesta ocasião, o Internúncio Mons. Luigi Matera, ao comunicar a morte
do Arcebispo ao Vaticano, informava que D. Joaquim era zeloso e tinha o
devido respeito com todos os cepos sociais, sendo que, até mesmo os
liberais lamentavam sua morte. No entanto, acrescentava, faltara ao
falecido suficiente força para atuar com energia contra o liberalismo e a
maçonaria, que assolavam o país334.

—————————–
329
M. C. SILVA, Catolicismo e casamento civil em Goiás, 35-36.
330
Filho de José Gonçalves de Azevedo e Ana Tereza de Jesus Azevedo, nasceu na
vila de Turiassú, na província do Pará, depois incorporada à do Maranhão, em 19 de
fevereiro de 1814, e faleceu na Bahia em 6 de novembro de 1879. Foi do Conselho de
D. Pedro II [DBB, III, 144].
331
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 29-30.110.112.
332
AES, Br., Nomina dei vescovi, Offcio, 10 de abril de 1876, Fasc. 188, pos. 165, f.
35r-36r.
333
DBB, III, 144; M. C. SILVA, Catolicismo e casamento civil em Goiás, 31.
334
AES, Br., Officio, 16 de outubro de 1879, Fasc. 6, pos. 187, f. 56r-57v.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 289

b) D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão (1841-1924): Cláudio José335


formou-se na França entre os Padres das Missões de S. Vicente de Paulo e
seguiu o estado eclesiástico, professando na referida congregação em 15 de
junho de 1867. Exerceu seu ministério em diversos pontos do Brasil,
principalmente no Ceará e Rio de Janeiro, sendo por algum tempo vice-
reitor do Seminário de S. José na Corte. Em 7 de janeiro de 1881, foi
nomeado bispo de Goiás. O Internúncio Mons. Di Pietro, quando enviou o
processo canônico do novo bispo a Roma, em 27 de fevereiro de 1881,
dizia ter recebido informações favoráveis sobre ele336. No dia 24 de
julho do mesmo ano, recebeu a sagração episcopal do próprio Internúncio
Apostólico337.
Realizou logo uma visita pastoral pela diocese, para ter conhecimento
das condições da mesma e, ao terminá-la, enviou um relatório ao
Internúncio Mons. Mario Moceni, que substituíra Mons. Di Pietro. É
interessante analisar alguns trechos da carta, datada de 4 de setembro de
1882, para se ter idéia das dificuldades encontradas pelo novo bispo:
Os Sacerdotes desta diocese estão quase todos amancebados ou são
concubinários públicos. Que fazer? Não é possível suspender todos, para não
deixar os fieis de todo privados dos Sacramentos. Homens de idade,
acostumados a vida escandalosa, pouco ou nada aproveitam das advertências
que lhes são feitas, não sei realmente que meio empregar para conseguir
algum resultado provável. Eis, Exmo. Sr., a principal dificuldade que encontro
nesta diocese, onde existem tantos abusos. Não é possível quase remediar,
porque os Sacerdotes, além de ignorantes e escandalosos, não têm força e
energia para fazer observar as leis da Santa Igreja. O Clero sendo ignorante
não podem ser os fieis instruídos a cerca de nossa religião. A muito pouco se
reduzem as noções que tem o povo, todavia a sua fé e muito grande, sendo
conseqüência da ignorância e práticas supersticiosas, e muito grosseiras. Fiz a
visita a maneira de Missão por parecer-me este modo mais proveitoso aos
fieis, principalmente para a correção dos culpados. Trabalhei como um
simples Sacerdote pregando uma ou duas vezes, para isso, o Religioso
Capuchinho Fr. Paulino de Frignano me ajudava na pregação. Confessamos o
dia inteiro e parte da noite, principiando nosso trabalho pelas quatro horas da
manhã e continuando com pouca interrupção até dez e onze horas da noite [...]
Por parte do povo, nem também dos Sacerdotes, sofremos a menor resistência,
o menor desgosto. Em particular repreendi os Sacerdotes de seus erros, de seus
—————————–
335
Filho do bacharel Domingos Gonçalves Ponce Leão e dona Gertrudes Gonçalves
de Araújo Ponce Leão, nasceu na Bahia [DBB, II, 114].
336
AES, Br., Trasmissione del Processo Canônico, 27 de fevereiro de 1880, Fasc.
10, pos. 202, f. 47r-47v.
337
DBB, II, 114; J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 397-398.
290 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

escândalos e ouviram eles com proveito as advertências feitas e prometeram


emenda, mas pouco espero conseguir. Confessaram-se durante a visita cerca
de dez mil pessoas, celebraram-se quatrocentos casamentos de concubinários,
alguns destes se separaram por não poder realizar-se o casamento, alguns
casados, que viviam apartados, se tornaram a unir, foi muito considerável o
numero das pessoas que receberam a crisma, e as que receberam estavam
preparadas pela Confissão. Uma outra dificuldade desta diocese, como das
outras do Brasil, é a sua extensão imensa. Se a S. Sé conseguisse a divisão de
nossas dioceses prestaria grande serviço a Igreja brasileira. É absolutamente
impossível de visitar esta diocese em três anos, quando mais no tempo
determinado pelo Sagrado Concilio de Trento [...] A pobreza desta província é
outra dificuldade que me obriga sair da diocese para esmolar, e conseguir os
recursos necessários para a fundação das missões e do Seminário [...] Os
religiosos Dominicanos não se querem encarregar do Seminário, mas somente
das missões e da catequese dos índios [...] Do Exmo. Ministro do Império
desejo algum auxilio para o Seminário Episcopal, que o mesmo Ministro
aprove o contrato que devo fazer com a Congregação da Missão, a cerca do
mesmo Seminário, qual contrato era semelhante a outro já aprovado pelo
Governo para o Seminário do Ceará e de Diamantina. As obras da Catedral
estão paradas desde muito, e sem auxilio do Governo, do Ministro do Império,
não podem ir adiante, por ser esta província muito pobre338.
Durante a vigência do seu governo episcopal ampliou o Seminário, mas
não conseguiu que os lazaristas assumissem a direção339. Teve uma ação
muito brilhante junto aos vigários sobre a abolição total da escravatura,
conseguindo que numerosos padres dessem alforria aos cativos que
possuíam, como homenagem ao jubileu de Leão XIII. Se preocupou muito
com a questão matrimonial, desejando regular a uniões ilícitas ou
concubinárias, como foi visto na carta apresentada em precedência340.
No dia 26 de junho de 1890, foi nomeado para bispo da diocese do Rio
Grande do Sul. Em 15 de agosto de 1910, com a criação de novas dioceses
e com a criação da Arquidiocese de Porto Alegre, o lazarista, D. Cláudio,
tornou-se o seu primeiro Arcebispo. Renunciou ao governo da
—————————–
338
AES, Br., Carta do bispo de Goiás ao Internúncio, 4 de setembro de 1882, Fasc.
13, pos. 224, f. 3r-5r.
339
Em um ofício de 15 de outubro de 1882, o Internúncio informava que o Visitador
Geral dos lazaristas deu uma resposta negativa ao envio de sacerdotes para o Seminário,
motivada pela falta de pessoal disponível [AES, Br., Officio, 15 de outubro de 1882,
Fasc. 13, pos. 224, f. 6r-7r]. O Seminário recebia 9 contos de reis do Governo,
acolhendo uma média de 50 alunos por ano, informava o prelado em um relatório
enviado ao Internúncio em 11 de dezembro de 1882 [AES, Br., Relação da diocese do
Goiás envida pelo seu Bispo, 11 de dezembro de 1882, Fasc. 13, pos. 224, f. 10r-10v].
340
Cf. M. C. SILVA, Catolicismo e casamento civil em Goiás.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 291

Arquidiocese de Porto Alegre, em 9 de janeiro de 1912. Faleceu com 83


anos de idade, aos 26 de maio de 1924, na cidade do Rio de Janeiro, para
onde havia ido residir em uma casa da Congregação Lazarista341.

6.6. Diocese de Cuiabá


O primeiro bispo de Cuiabá foi D. José Antônio dos Reis (1798-1876),
que, por ocasião da visita Ad Limina, não podendo comparecer a Roma,
mandou uma relação do estado em que se encontrava a sua diocese, datada
de 14 de outubro de 1841. Ali ele informava que a bula de ereção da
mesma, Solicita Catholici Gregis Cura, de 1826, não havia recebido o
placet imperial no que tocava à instituição de um cabido e um Seminário.
Por isso, sua jurisdição ainda estava privada de um centro para formação da
juventude e era dotada de pouquíssimo clero que pudesse coadjuvar o bispo
e suprir as paróquias e curados. Ele acrescentava que não existia mais que
30 sacerdotes para uma diocese com mais de 1800 milhas de
circunferência342.
—————————–
341
DBB, II, 114.
342
José Antônio dos Reis era filho de pais honrados, mas excessivamente pobres,
nasceu em 10 de junho de 1798, na cidade de S. Paulo e faleceu na de Cuiabá, em 11 de
outubro de 1876. Era presbítero secular, bacharel em direito pela faculdade daquela
cidade, membro do conselho do Imperador, bispo assistente ao sólio pontifício, prelado
doméstico de Sua Santidade, conde Paladino, comendador da ordem de Cristo,
presidente honorário do Instituto de África em Paris, membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e da Academia de belas artes. Foi nomeado bispo de Cuiabá, em
27 de agosto de 1831, quando cursava o 4º ano de direito. Confirmado pelo Papa
Gregório XVI, em 2 de julho de 1832 e sagrado pelo bispo D. Manuel Joaquim
Gonçalves de Andrade, em 8 de dezembro, tomou posse da diocese por procuração, em
2 de julho de 1833. Fez sua entrada solene em 27 de novembro do referido ano. Assim
se refere Blake a José Antônio: «Quando, porém, sofreu ele antes disto! Órfão de pais
ainda criança, passou a morar com um tio, que também faleceu depois; a sua pobreza
era tal, que sofreu muitas vezes fome e chegou a andar descalço! Procurava, entretanto,
as aulas com assiduidade, aplicação e humildade tais que atraiu a atenção de seus
condiscípulos, mestres e de outras pessoas, que lhe davam roupa e livros com que pôde
fazer o curso preparatório e do Seminário. O bispo D. Mateus, sabendo disto, deu-lhe o
lugar de altareiro da Sé de São Paulo. Este prelado, tendo em consideração a proposta
feita pelo professor de teologia dogmática do aluno Reis para seu substituto, depois de
seu exame nesta matéria, feito com todas as distinções e louvores, nomeou-o para este
cargo, mas grátis, dando-lhe de seu bolso somente 7$200 por mês, por causa de
censuras levantadas pelos estudantes do Seminário, a quem repugnava ver na cadeira do
magistério um homem que nem tinha roupa para vestir-se decentemente. Ainda por
indicação deste prelado foi ele nomeado bibliotecário da faculdade de direito em sua
instituição, matriculando-se então no respectivo curso». Representou sua província na
Câmara dos Deputados na primeira e quarta legislaturas. Omitiu-se completamente na
292 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

A situação era ainda pior quando tomou posse o primeiro bispo


reformador, D. Carlos Luís D’Amour (1837-1921)343. D. Carlos, após
concluir a sua instrução primária, ingressou como aprendiz numa oficina de
alfaiate. Trabalhou também como capelão na catedral de São Luís, aonde
veio a conhecer o bispo D. Manuel Joaquim da Silveira, tornando-se seu
«protegido». Estudou no Seminário de Santo Antônio, recebendo a
ordenação presbiteral das mãos do seu protetor, em 30 de novembro de
1860. D. Manoel apresentou-o, no ano seguinte, como beneficiário da
catedral maranhense. Grato a tais favores, não se separou mais deste bispo,
desde sua transferência à prelazia da Bahia até sua morte. Ele também
acompanhou D. Manoel à Corte, como seu secretário, por ocasião do
casamento das princesas dona Isabel e dona Leopoldina, e a Roma, ao ser
celebrado o Concílio Vaticano I. Quando D. Manoel foi para o Arcebispado
levou D. Carlos como seu secretário particular. Em decorrência da morte
do Arcebispo, o seu secretário foi eleito governador do Arcebispado de
Salvador no período de vacância (1874-1877), ocupando o cargo de vigário
capitular da sede primacial do Brasil344.
A Princesa Isabel nomeou o pe. Carlos bispo de Cuiabá, em 14 de março
1876345. Ele foi confirmado por consistório, em 21 de dezembro de 1877, e
sagrado em 28 de abril de 1878. Fez sua entrada solene em 2 de maio de
1879. Escreveu várias Cartas Pastorais e viajou para Roma em 1889. Ao
longo de sua gestão diocesana, realizou duas visitas pastorais: uma ao
norte, em 1885, e outra ao sul, em 1886. Enviou ainda dois representantes
para visitarem o sul da diocese em 1898 e 1899. Uma das prioridades de
sua gestão foi tentar melhorar os estabelecimentos religiosos, existindo um

Questão Religiosa, e deve-se também ressaltar o compendio de teologia moral que


escreveu para uso do Seminário de Olinda em 1837 [DBB, IV, 304-306; C. A. P.
ALENCAR, Roteiro dos bispados do Brasil, 266-267; AES, Br., Notizie risultante dalla
Relazione ad limina di Mons. Vescovo di Cuiabá nel Brasile, Fasc. 157, pos. 42, f. 8r].
343
Nascido na cidade de S. Luís, capital do Maranhão, em 11 de abril de 1837, era
filho de Rosa Custódia de Ascensão e de pai desconhecido. Proveniente de uma família
muito pobre, foi criado por uma tia materna. Faleceu em Cuiabá em 1921. Agraciado
como camarista de Pio IX, quando esteve em Roma em 1870, no ano seguinte recebeu a
nomeação de prelado doméstico do Romano Pontífice e, posteriormente, também a
nomeação de prelado assistente do trono pontifício e conde romano. Teve o título de
conselheiro do Imperador e foi comendador da ordem de Cristo [S. MORAES, O
episcopado de D. Carlos Luiz D’Amour, 25-26].
344
DBB, II, 83-84.473-474; S. MORAES, O episcopado de D. Carlos Luiz D’Amour,
26-27.
345
AES, Br., Nomina dei vescovi, Offcio, 10 de abril de 1876, Fasc. 188, pos. 165, f.
35r-36r.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 293

número reduzido de igrejas e capelas. Não poupou esforços para o término


da edificação do Seminário Episcopal da Conceição346.
O exercício do seu ministério episcopal revelou-se difícil, pois a
jurisdição que lhe foi confiada era a segunda maior do Brasil, pouco
povoada, contanto com apenas 16 paróquias, quatro delas vacantes ao
momento da sua posse. Por sua vez, o Seminário diocesano estava em
péssimas condições, sendo habitado por apenas três formandos, que de tão
«indisciplinados e de péssimos costumes», foram expulsos logo que o novo
bispo chegou à diocese. Junto à população, tentou ensinar-lhes as bases da
religião, pregando, realizando batizados, casamento e crismas347.
Na esperança de melhorar as condições da diocese e aumentar o número
de sacerdotes, incentivou a vinda de ordens religiosas. Chamou os
lazaristas para dirigirem o Seminário da Conceição, que lhes foi entregue
de 1888 a 1894. Apoiou os capuchinhos que ali se encontravam em missão
junto aos índios, desde antes da sua chegada, e no período posterior ao aqui
estudado, incentivou também a vinda dos franciscanos e salesianos348.
Em 1905, conseguiu que a Santa Sé lhe concedesse um bispo coadjutor,
D. Cirilo de Paula Freitas. Com a elevação da diocese de Cuiabá a
Arcebispado, em 1910, passou a ser o seu primeiro Arcebispo. Faleceu no
dia 9 de julho de 1921349.

6.7. Diocese de São Paulo


Após o governo episcopal de D. Antônio Joaquim de Mello e o curto
governo do seu sucessor, D. Sebastião Pinto do Rego (1802-1868)350, D.
Lino Deodato Rodrigues de Carvalho (1826-1894), veio assegurar e
consolidar o processo de reforma351. O novo prelado havia realizado seus
—————————–
346
S. MORAES, O episcopado de D. Carlos Luiz D’Amour, 27-29.
347
S. MORAES, O episcopado de D. Carlos Luiz D’Amour, 41.48.59.63.64.65.70-71.
348
S. MORAES, O episcopado de D. Carlos Luiz D’Amour, 84-96.
349
S. MORAES, O episcopado de D. Carlos Luiz D’Amour, 28-29.
350
Nascido em Angra dos Reis, cidade da província do Rio de Janeiro, em 18 de
abril de 1802, faleceu em S. Paulo em 30 de abril de 1868. Presbítero do hábito de S.
Pedro, cônego e cura da capela imperial, e depois monsenhor e inspetor da mesma
capela, foi nomeado bispo de S. Paulo em 19 de maio de 1861. Preconizado em 4 de
outubro de 1862, oficiando o Arcebispo de Atenas como Internúncio Apostólico e
assistindo o ato, o bispo de Goiás, D. Domingos Quirino dos Santos. D. Sebastião fez
sua entrada na diocese em 21 de março de 1863. Era do conselho do Imperador e
comendador da Ordem de Cristo. [DBB, VI, 186].
351
Natural de S. Bernardo das Russas, no Ceará, nasceu aos 23 de setembro de 1826.
Era filho de Joaquim José Rodrigues de Carvalho e de Alexandrina Rodrigues de
Carvalho, tendo falecido em Aparecida em 19 de agosto de 1894. Os principais estudos
294 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

estudos eclesiásticos em Olinda, ao tempo de D. Fr. João da Purificação


Marques Perdigão. Recebendo influências do seu bispo e do arcebispo D.
Romualdo Antônio de Seixas, por meio dos estudos realizados no
Seminário olindense, Lino Deodado preparou-se para o sacerdócio imbuído
dos ares de mudança na Igreja. Foi ordenado presbítero secular em 25 de
julho de 1850352.
Em seguida, foi indicado pároco da sua cidade natal, onde exerceu o
ministério intercalando-o com o magistério no ensino primário. Eleito
deputado pela sua província, concorrendo pelo partido Conservador, bem
antes de terminar o mandato se desligou do cargo, alegando
incompatibilidade com a política. Foi então chamado para ser secretário do
bispado do Ceará, onde por vários anos trabalhou com o bispo D. Luís
Antônio dos Santos353.
Recebeu a nomeação episcopal do Imperador em 21 de maio de 1871,
sendo preconizado em 28 de julho do ano seguinte, e sagrado em 9 de
março de 1873, na capital do Ceará, por D. Luís Antônio dos Santos. Em
29 de junho de 1873, quando fez a entrada solene em São Paulo, encontrou
uma diocese que já tinha iniciado seu processo de reforma na década de
1850, com D. Antônio Joaquim de Mello. No entanto, a situação social era
muito diferente da precedente. Estava em plena execução a propaganda em
favor da imigração italiana, para substituição dos africanos e afro-
brasileiros como mão de obra na cultura do café354.
Aproveitando dessa situação, D. Lino introduziu grande número de
clérigos estrangeiros, principalmente seculares oriundos da Itália, com o
intuito de acelerar a reforma na diocese. As ordenações sacerdotais
realizadas por ele foram numericamente inferiores à entrada de padres
seculares europeus. Em média, para cada padre ordenado, chegavam três
padres estrangeiros. Durante o período que governou, chegaram à diocese
228 sacerdotes estrangeiros, percentual certamente elevada, considerando
que em 100 anos entraram 426 (1816-1916). Entre os padres seculares
italianos não houve nenhum representante no cabido, nem mesmo se
apresentavam entre os padres mestres no Seminário. Eles foram largamente

sobre ele são: J. M. SOUZA, Dom Lino Deodato: Prelado do Nordeste; M. A. J.


V. GAETA, Os percussores do ultramontanismo em São Paulo; J. U. LEVA, O clero
italiano na reforma da Diocese de São Paulo.
352
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 59.
353
J. M. SOUZA, Dom Lino Deodato: Prelado do Nordeste, 81.267-274; M. A. J.
V. GAETA, Os precursores do ultramontanismo em São Paulo, 74-75.
354
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo,
70.103.109.124.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 295

admitidos e distribuídos nas paróquias, exercendo o ministério


presbiterial355.
Ainda durante seu episcopado, se realizou a transferência da
administração do Seminário dos capuchinhos aos padres seculares
paulistas, a partir de 1877, como definia o testamento de D. Antônio
Joaquim de Mello356. Esta situação permaneceu até 1908, quando os irmãos
maristas assumiram a direção. D. Lino Deodato devotou ao Seminário um
cuidado muito grande, pois sabia que dessa casa de formação sairiam os
futuros reformadores para trabalharem na diocese357.
Como D. Antônio Joaquim de Mello, D. Lino Deodato encontrou
resistência por parte do cabido paulista, que se acentuaram a partir do
Sínodo Diocesano convocado em 1888, para os dias 22 a 25 de janeiro
daquele mesmo ano. Tinha como tema principal à reforma do clero.
Estiveram presentes cerca de 200 sacerdotes. O cabido não foi convocado
para a reunião e seus membros não participaram de nenhuma das sessões,
motivo pelo qual as resoluções sinodais ficaram sem publicação. No
Sínodo, delineou-se algumas propostas para a Igreja diocesana de São
Paulo, pautando suas orientações na formação de um clero celibatário e
voltado às atividades religiosas358.

—————————–
355
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo,
70.103.109.124.
356
AES, Br., Visita Apostolica fatta nel Seminário di São Paulo dal P. Matthieu
della Roche, Cappuccino, 1877, Fasc. 189, pos. 169 [o tema ocupa todo o fascículo e a
posição].
357
Sobre o seminário ele fala na sua carta pastoral de 7 de maio de 1876 [J. U. LEVA,
O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 63.95-99].
358
M. A. J. V. GAETA, Os percussores do ultramontanismo em São Paulo, 172-173, J.
U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 63.77.87-91. Um carta
de um padre italiano presente numa colônia do Paraná, envida a Propaganda Fide em
16 de julho de 1889, assim se referia a este Sínodo Diocesano: «Il Vescovo di São
Paulo, per insinuazione della S. Sede, radunò nell’anno passato il Sinodo Diocesano,
cosa che non si era mai fatta. In tre giorni si fece tutto, e che ne risulto? Fu una
semplice formalità che diede occasione a gare di preminenza fra le dignità capitolari,
da derivarne assai polemiche nei giornali, e rinunzie di posti, e pasticci scandalosi. La
diocesi, i popoli di queste due province di S. Paulo e Paraná non ne guadagnò un etto
[sic.]. Si seppe della intimazione del Sinodo, si seppe che ebbe la sua esecuzione, e
poi... niente altro. E tutto è cosi in questi paesi, qualche formalità sterile di qualsiasi
effetto. L’internunzio pontificio ordina a mezzo dei vescovi che i sacerdoti non stiano da
laici [o sentido aqui era o de estar vestido como os leigos]... chi obbedisce?». [AES,
Br., Informazione sulla chiesa del Brasile, 16 de julho de 1889, Fasc. 23, pos. 294, f.
13r-16r].
296 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

D. Lino realizou visitas pastorais em grande parte da diocese, como


faziam seus colegas reformadores359, tendo também levado a efeito duas
visitas Ad Limina Apostolorum, uma em 1876, feita por ele, e a segunda em
1894, por meio de seu coadjutor D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque
Cavalcanti. Na primeira entregou uma extensa descrição das condições da
sua jurisdição. Ali relatou como estava estruturada São Paulo, diocese que
contava então com 223 paróquias, assim distribuídas: 150 na província
paulista, 44 na província de Minas Gerais e 29 na província do Paraná.
Mencionou ter a diocese 60 padres estrangeiros, dos quais 48 párocos e 12
coadjutores. A grande maioria era composta por italianos provenientes do
Reino de Nápoles. Referia que no clero havia pouco senso pastoral e pouca
formação espiritual e intelectual, e que isso era sentido tanto da parte dos
clérigos seculares estrangeiros quanto dos clérigos seculares nacionais.
Informou ainda, sobre o avanço do protestantismo, juntamente com o
avanço da imigração. Os protestantes estavam presentes em várias cidades
importantes da província de São Paulo, como em Rio Claro, Itu e
Campinas, dirigindo colégios e exercendo fortíssima propaganda. Não
deixou de se referir ao problema das irmandades eivadas de liberalismo e
maçonismo360.
D. Lino Deodato muito se serviu das cartas Pastorais e das Cartas
Circulares. Durante o seu governo foram escritas 21 Cartas Pastorais. As
cartas mais significativas que publicou foram: a de 24 de novembro de
1873, editando as Letras Apostólicas de Pio IX contra a maçonaria e
apoiando os bispos presos na Questão Religiosa; a de 7 de maio de 1876,
depois da Visita Ad Limina Apostolorum mostrando o seu alinhamento com
o Romano Pontífice; a de 26 de agosto de 1884, anunciando a Solene
Consagração da Diocese ao Sagrado Coração de Jesus e chamando para a
paróquia do mesmo nome os padres salesianos para difundirem esta
devoção aos diocesanos361; e a de 16 de junho de 1889, ordenando preces
publicas pela paz e soberania na Igreja independente e liberdade ao
Romano Pontífice. Segundo José Ulisses Leva, essa Carta Pastoral marcou
—————————–
359
M. A. J. V. GAETA, Os percussores do ultramontanismo em São Paulo,124-125, J.
M. SOUZA, Dom Lino Deodato: Prelado do Nordeste, 318-319.
360
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 84-85.
361
Nesta pastoral o bispo deixava claro que suas intenções, além de incentivar a
piedade dos fieis, era se opor «às vociferações e blasfêmias de incredulidade nestes
últimos tempos» [L. D. R. CARVALHO, Carta Pastoral do Ex.mo e Rev.mo Bispo de São
Paulo anunciando ao Reverendo clero e a todos os fiéis, seus jurisdicionados, a solene
consagração da diocese ao Sagrado Coração de Jesus, e designando o dia 8 de
setembro, do corrente ano de 1884, para esse ato na igreja catedral e na capela do
mesmo Sagrado Coração na sede do Bispado, 13-18]
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 297

o posicionamento de D. Lino Deodato frente ao novo regime da República,


já embrionária362.
A preocupação em formar um clero idôneo levou-o a insistir na busca de
sacerdotes europeus. Além dos capuchinhos e jesuítas, contou com a ajuda
dos padres salesianos, supracitados, que assumiram a paróquia do Sagrado
Coração de Jesus em São Paulo em 1885363 e dos escalabrinos que já
davam assistência aos italianos. Em 1894, estabeleceram-se em Aparecida,
interior do Estado de São Paulo, os padres redentoristas, que se tornaram
responsáveis pela organização da devoção popular a Nossa Senhora
Aparecida que se desenvolvia364.
D. Lino Deodato defendeu ainda a autoridade do Romano Pontífice,
incentivou devoções trazidas pelos padres europeus, e buscou formar um
clero com uma postura pastoral de cura d’almas, celibatário e em estreito
laço com a Igreja de Roma. Quanto à questão servil, ele, a exemplo de
outros bispos, como os de Mariana e Diamantina, criou uma «Caixa
Auxiliadora de Redenção aos cativos», administrada pela Mitra para o
auxilio a liberação dos escravos365. Devotou muito respeito para com o
Imperador D. Pedro II. Durante a Questão Religiosa, mostrou-se tímido,
publicou as Letras Apostólicas de Pio IX e só tardiamente veio a público
com o seu protesto contra as prisões dos prelados de Olinda e Pará366.

6.8. Diocese do Rio Grande do Sul


O primeiro bispo e também o iniciador da renovação eclesial no Rio
Grande do Sul, como se viu anteriormente, foi D. Feliciano José Rodrigues
de Araújo Prates (1781-1858), ainda que ele tenha crescido e se formado
dentro do catolicismo tradicional. Porém, a exemplo de D. Antônio
Joaquim de Mello, sua disciplina e respeito pelas autoridades, aliados à
piedade sincera, tornaram-no um verdadeiro ultramontano. D. Feliciano
não foi colocado juntamente a D. Viçoso e D. Joaquim, somente por não ter
feito escola, ou seja, não ter formado futuros bispos. No entanto, ele
também pode ser considerado um dos percussores do ultramotanismo no
Brasil367.
—————————–
362
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 55-56, 77-79.
363
M. A. J. V. GAETA, Os percussores do ultramontanismo em São Paulo, 205.
364
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 128.
365
M. A. J. V. GAETA, Os percussores do ultramontanismo em São Paulo, 245-246.
366
J. U. LEVA, O clero italiano na reforma da Diocese de São Paulo, 61.70.72.92.
367
Filho legítimo de João Nepomuceno de Carvalho e de Maria Leocádia da Costa
Prates, lavradores, nasceu em 13 de julho de 1781, na Aldeia dos Anjos, hoje Gravataí.
Feitas as primeiras letras no torrão natal, foi depois aluno de latim, em Porto Alegre, do
298 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Foi eleito primeiro bispo do Rio Grande do Sul, por Carta Imperial de 10
de abril de 1852, e confirmado por Pio IX no Consistório de 27 de
setembro do mesmo ano. Em 29 de maio de 1853, foi sagrado, no Rio de
Janeiro, por D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo. Tomou posse
solene em Porto Alegre, em 3 de julho de 1853368.
Em carta pastoral de 16 de dezembro de 1853, já convidava o clero a
reformar os seus costumes. No entanto, o apoio do Governo à instalação do
novo bispado foi escasso, forçando D. Feliciano a lamentar-se com o
mesmo, já em 17 de julho de 1853. Todavia, reuniu todos os seus esforços
para a instituição de um Seminário, mesmo se modesto. Na sua primeira
Carta Pastoral, de 2 de julho de 1853, argumentava a favor da necessidade
de uma casa formativa de orientamento tridentina na diocese. Sem esperar
pelo Governo, utilizando recursos próprios, doações do clero local e do
povo, ainda em 1853, iniciou, na sua própria residência, aulas para a
formação dos vocacionados. Desta modesta iniciativa pôde D. Feliciano
ordenar em vida sete sacerdotes. O Seminário recebeu o nome de S.
Feliciano369.

virtuoso pe. Tomás Luiz de Sousa. Partiu para o Rio de Janeiro e ingressou no
Seminário de N. S. da Lapa, completando os estudos no Seminário São José. Ordenado
presbítero em 5 de julho de 1804, por D. Joaquim Maria Mascarenhas, bispo de Angola,
no impedimento, por enfermidade, de seu tio D. José Justiniano Mascarenhas Castelo
Branco, bispo do Rio de Janeiro. Voltou ao sul e por sete meses foi cura de S. Nicolau
das Missões, após o que recebeu a nomeação de capelão da cavalaria miliciana de Rio
Pardo. Muitos anos serviu como capelão tenente do Corpo dos Dragões de Rio Pardo,
tomando parte na Guerra de Artigas (1816-1820). Fez toda a campanha e na batalha de
Catalan, tendo sido atacado o hospital de sangue, o denodado capelão, auxiliado pelos
enfermeiros, opôs ao inimigo tenaz resistência, obrigando-o a recuar. Condecorado com
a Medalha do Exército Pacificador, foi também Cavaleiro da Ordem de Cristo e da
Imperial da Rosa. Após muitos anos de serviço religioso no exército pediu demissão,
ficando como oficial reformado. Retirou-se para Capivari, onde numa modesta estância
com casa de moradia e um oratório, passou alguns anos nas lidas do campo e na
lavoura. Quando solicitado, colaborava com o pároco colado de Rio Pardo e com o cura
de Encruzilhada. Eclodindo em 1835 a Revolução Farroupilha, o prudente sacerdote
ficou fiel ao Monarca, embora seus familiares se inclinassem ao novo estado
republicano. Se opôs ao cisma e ao pseudo-Vigário Apostólico da efêmera República. A
partir de 1842, socorreu os fieis de Encruzilhada para que não recorressem a pastores
cismáticos, residindo definitivamente em Encruzilhada na segunda metade desse ano,
pois a paróquia, embora criada em 1837, só foi provida em meados de 1845, quando o
pe. Feliciano tomou posse e a dirigiu até a sua elevação ao episcopado em 1852. [A.
RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 191-194].
368
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 194-195.
369
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 195-196.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 299

D. Feliciano, apesar da idade avançada com a qual chegou ao


episcopado, não deixou de realizar as visitas pastorais, principalmente entre
os anos de 1854 e 1856. Visitou praticamente todas as paróquias da
diocese, menos as da região das Missões e algumas outras situadas muito
longe e com caminhos difíceis. Faleceu em 27 de maio de 1858, aos 78
anos de idade. Ao expirar, ele deixou 28:000$000 para a construção de um
edifício próprio para o Seminário. Com o decreto n. 2.335 de 8 de janeiro
de 1859, finalmente, o Governo interveio e oficializou o Seminário
Episcopal da Província do Rio Grande do Sul370. Da sua fundação em 1853
até 1862, receberam ordens sacras 18 seminaristas, sendo 17 brasileiros e
um italiano naturalizado371.
O bispo seguinte foi D. Sebastião Dias Laranjeira (1861-1888)372, que
estudou no Seminário da Bahia e foi ordenado presbítero em 11 de março
de 1844, por D. Romualdo Antônio de Seixas. Quando ocupava o cargo de
pároco colado da freguesia de N. S. do Carmo do Morro do Fogo, decidiu ir
para Roma aperfeiçoar-se nos estudos. Doutorou-se em Direito Canônico
na universidade Sapienza e exercitou-se nas línguas, conhecendo bem o
latim, o grego, o hebraico, o italiano e o francês. Viajou por vários países
da Europa e foi à Terra Santa. Inesperadamente, o Imperador D. Pedro II,
com decreto de 23 de março de 1860, o escolheu para ser bispo do Rio
Grande do Sul. Foi ele tomado de surpresa quando, em 11 de maio, recebeu
a notícia em Roma. No dia 15, o Cardeal Antonelli, Secretário de Estado, o
—————————–
370
«Hei por bem decretar o seguinte: Art. 1º. Ficam criadas no Seminário Episcopal
da Província do Rio Grande do Sul as seguintes cadeiras: 1 – Gramática e Língua
Latina; 2 – Francês e Geografia; 3 – Filosofia Racional e Moral; 4 – Retórica e
Eloqüência Sagrada, 5 – História Sagrada e História Eclesiástica; 6 – Teologia
dogmática; 7 – Teologia Moral; 8 – Canto Gregoriano e Liturgia. Art. 2º. Ficam
também criados no mesmo Seminário o lugar de Reitor e Vice-Reitor. Art. 3º. O Reitor
terá o ordenado anual de um conto e duzentos mil réis, o Vice-Reitor o de oitocentos
mil réis e cada uma das cadeiras o de um conto de réis. Art. 4º. Os Lentes e os
compêndios serão propostos pelo Bispo, e aprovados pelo Governo. Art. 5º. Enquanto
não houver Substitutos, os Lentes se substituirão reciprocamente em seus impedimentos
e falhas, segundo a ordem marcada pelo Bispo, descontando-se um terço do ordenado
do lente substituído em favor do Substituto. Durante os primeiro anos de exercício dos
Lentes serão considerados interinos» [Coleção das Leis do Império do Brasil, 1859,
XXII, parte II, 4-5].
371
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 196-198.220.
372
Nasceu em 20 de janeiro de 1820 na freguesia de N. S. Mãe dos Homens de
Monte Alto, comarca de Caetité, na Bahia. Era filho legítimo de Joaquim Dias
Laranjeira e Maria Inácia de Jesus. Foi bispo por 27 anos, eleito com 40 anos, vindo a
falecer aos 68 anos de idade [A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II,
199; DBB, VII, 204-205].
300 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

recebeu em audiência e insistiu que aceitasse. Depois foi recebido por Pio
IX com as seguintes palavras: «Il nostro curato é diventato vescovo,
bravo!»373. Foi confirmado canonicamente no consistório de 23 de
setembro 1860, e sagrado pelo próprio Pio IX, no dia 7 de outubro do
mesmo ano, na capela Sistina374.
Partiu de Roma em 30 de dezembro, e desembarcou no Rio no dia 6 de
janeiro de 1861. Tomou posse por procuração em 16 de fevereiro de 1861,
e chegou em Porto Alegre em 29 de julho de 1861. Distinguiu-se por seu
zelo e, por isso, se tornou visado pela maçonaria, principalmente pela
lealdade que devotava ao Papa. Fundou um jornal diocesano, Estrela do
Sul, cujo primeiro número saiu em 5 de outubro de 1862. Por falta de
padres nacionais, foi obrigado a acolher padres estrangeiros,
principalmente italianos, nomeados geralmente para as paróquias pobres da
zona rural, dos quais alguns lhe deram desgosto e preocupação. Visitou
todas as paróquias do bispado a partir de 1863375.
Em fins de 1863, conseguiu a instalação do cabido da catedral. O cabido
já estava prescrito na bula de criação da diocese Ad Oves Dominicas, mas
precisava de regulamentação e dotação do poder civil. O primeiro bispo
não conseguiu estabelecê-lo, embora tivesse sido aprovado pela
Assembléia Geral em 5 de setembro de 1854376. Após uma decidida pressão
da Santa Sé e dos Internúncios, em 26 de setembro de 1857, pela lei n. 939,
art. 3º, deu-se finalmente a dotação do cabido377. O cabido começou a
funcionar em 1 de janeiro de 1864378.
D. Sebastião, consciente de seus deveres como bispo católico, tratou
logo de combater as ingerências governativas em áreas que considerava de
sua exclusiva competência. Neste sentido, manteve uma assídua
correspondência com o Governo provincial e Imperial, até porque tinha
grandes sentimentos de amizade para com o Imperador. Em 25 de
novembro de 1862, mandou um ofício ao Presidente da província,
reivindicando o direito de nomear os lentes do Seminário. Juntamente com
D. Macedo, fez uma veemente defesa da independência da autoridade dos
—————————–
373
Esta frase é referida por A. RUBERT na obra História da Igreja no Rio Grande do
Sul, II, 200. No entanto, sobre a aprovação do Santo Padre não restam dúvidas [AES,
Br., Officio, 7 de agosto de 1850, Fasc. 182, pos. 137, f. 32r-33v].
374
AES, Br., Nota di Mons. Ruggero Antici Mattei Seg. della S.C. Concistoriale, 31
de agosto de 1860, Fasc. 182, pos. 140, f. 60r; A. RUBERT, História da Igreja no Rio
Grande do Sul, II, 199-202
375
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, vol. II, p. 202.
376
AES, Br., Officio, 13 de setembro de 1854, Fasc. 169, pos. 97, f. 65r.
377
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1857, XVIII, parte I, 40.
378
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 202.212.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 301

bispos sobre os Seminários diocesanos, quando o Governo pretendeu


colocá-los sub a sua jurisdição, como será visto no último capítulo379.
D. Sebastião protestou com Governo provincial, em carta de 19 de
setembro de 1875, reclamando do corte nas côngruas dos coadjutores e da
criação de paróquias e curados sem consultá-lo. Sua principal reclamação
era que as paróquias eram criadas por motivos políticos e eleitoreiros e não
por interesse da religião, e que depois de criadas ficavam, muitas vezes,
sem meios para sua manutenção380.
O Seminário, contudo, continuou sendo uma das suas principais
preocupações. Por isso, em 5 de janeiro de 1863, D. Sebastião alugou um
prédio para instalá-lo e conseguiu que os jesuítas da província de Roma
assumissem sua direção. Vieram somente dois padres – pe. Carlos Missir e
Pe. Rafael Tuveri – que permaneceram apenas dois anos, voltando à
direção aos padres seculares. D. Sebastião decidiu então construir um
prédio próprio para a casa formativa diocesana. Deu início às obras em 2 de
outubro de 1865, com a contribuição do Governo, do clero e do povo
católico. Em 15 de fevereiro de 1879, teve lugar a instalação do Seminário
episcopal no novo edifício, ainda inacabado. A construção se concluiu
somente em 1888, meses após a morte de D. Sebastião. Para educar o seu
clero enviou também diversos seminaristas para completar e aperfeiçoar os
estudos em Roma381.
D. Sebastião esteve presente ao Concílio Vaticano I, tendo participado
da Congregação Geral de 14 de dezembro de 1869, quando houve a eleição
para as diversas Comissões. Foi eleito para a Comissão teológica, mas
assistiu a poucas sessões, pois ficou grande parte do tempo enfermo, com
bronquite aguda. Foi visitado por Pio IX e, a conselho médico e do próprio
Papa, fez nova viagem à Palestina, dirigindo uma peregrinação por
Nápoles, Sicília, Malta, Alexandria, Canal de Suez, Jafa e Terra Santa. Em
25 de junho de 1870, estava de volta a Roma para subscrever uma moção
feita ao Concílio em favor dos judeus, um pedido de ampliação do culto de
S. José e, finalmente, deu seu placet a constituição Pastor Aeternus sobre a
infalibilidade pontifícia382.
Não deixou de incentivar as ordens religiosas. Apoiou os jesuítas na
fundação de um colégio em S. Leopoldo e, em 1886, também favoreceu a
chegada dos palotinos, Pia Sociedade das Missões, congregação fundada
por S. Vicente Pallotti em Roma, que vieram para o Brasil por solicitação
—————————–
379
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 220-221.
380
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 204.
381
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 222-224.
382
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 204-205.229-231.
302 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

da comunidade italiana. Outra iniciativa episcopal foi a fundação do Asilo


Providencia, entregue às Irmãs do Imaculado Coração de Maria383, em 23
de agosto de 1863. Estas irmãs se empenharam na educação das órfãs e na
cura dos doentes. Outra congregação feminina que aportou ao Rio Grande
do Sul durante seu episcopado foram as Irmãs Franciscanas da Penitência e
Caridade Cristã, que abriram um colégio em S. Leopoldo para e educação
das meninas384.
D. Sebastião Dias Laranjeira, depois de 27 anos de episcopado, faleceu
em 13 de agosto de 1888, aos 68 anos de idade385.

7. Os ultramontanos nas ciências


Após a reforma pombalina, o tomismo e o escolasticismo praticamente
desapareceram do Brasil. No século XIX, teve início sua reabilitação. Os
mais ilustres mestres do escolasticismo e de modo particular do tomismo,
na primeira metade do século XIX no Brasil, foram os padres Patrício
Muniz (1820-1871), português, e o italiano Mons. Gregório Lipparoni, que
haviam estudado em Roma. No Segundo Império, dois nomes se
destacaram entre os ultramontanos: o bispo D. Afonso de Morais Torres e
José Soriano de Souza. O primeiro representou a escolástica decadente dos
fins do século XVIII, enquanto o segundo, o movimento renovador, que
teve início na Europa, na segunda metade do século XIX386.
Ainda que o pensamento de D. Afonso possa ser considerado antes
eclético do que propriamente tomista, o mesmo não se deu com a
Companhia de Jesus, que, após retornar ao Brasil na década de 1840,
marcou profundamente a evolução do pensamento tomista387. Ao mesmo
tempo em que José Soriano restabelecia no Brasil as bases filosóficas do
tomismo, o senador Cândido Mendes de Almeida, brilhantemente, lutava
contra o regalismo por meio de seu estudo de quatro volumes sobre as
legislações eclesiásticas portuguesas e brasileiras. Neste trabalho,

—————————–
383
As Irmãs do Imaculado Coração de Maria foram fundadas em 8 de maio de 1849
no Rio de Janeiro, pela Serva de Deus Madre Bárbara Maix, vinda da Áustria. Em 1855,
se estabeleceram em Pelotas, onde dirigiram o Asilo N. S. da Conceição e, em 1857, o
Asilo S. Leopoldina em Porto Alegre [A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do
Sul, II, 293-294].
384
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 293-294.
385
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 208; Cf. Z.
HASTENTEUFEL, D. Feliciano na Igreja do rio Grande do Sul.
386
L. FRANÇA, Noções de história da filosofia, 271.
387
F. A. CAMPOS, Tomismo no Brasil, 45-46.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 303

estabeleceu toda a base jurídica da disputa entre ultramontanos e a Coroa,


pelos direitos tradicionais da Igreja388.
Nesse movimento renovador do pensamento filosófico e teológico
católico, merecem menção especial:
a) José Soriano de Souza (1833-1895): José Soriano389 cursou medicina no
Rio de Janeiro e filosofia em Lovaina (Bélgica), tendo-se doutorado em
ambas as disciplinas. Superou o concurso para professor de filosofia no
Ginásio de Pernambuco, enfrentando como opositor o positivista Tobias
Barreto. Também foi professor da Faculdade de Direito de Olinda. José
Soriano, colaborou em vários jornais católicos pernambucanos, inclusive
como diretor do A União e A Esperança. Exerceu igualmente função
parlamentar, como deputado na Assembléia Provincial (1886 a 1889)390.
Após seu doutoramento em Lovaina, Soriano orientou-se para a filosofia,
iniciando publicações nesta matéria após sua volta ao Brasil, em 1866. As
suas principais obras em filosofia são: Princípios sociais e políticos de
Santo Agostinho, Recife (1866); Princípio sociais e Políticos de Santo
Tomas de Aquino, Recife (1866); Miscelânea de política sacra (1866);
Compêndio de Filosofia, ordenado segundo os princípios e métodos de
Santo Tomás de Aquino, Recife (1867); Lições de filosofia elementar,
racional e moral, Paris (1871); Considerações sobre a Igreja e o Estado,
sob o ponto de vista jurídico, filosófico e religioso, Recife (1874);
Elementos de Filosofia do Direito, Recife (1880); e Princípios gerais de
Direito Público e Constitucional (1893). No entanto, muitos desses
volumes, dedicados aos estudos de Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino, estão, até o momento, desaparecidos391.
O estudo de sua filosofia, infelizmente, ainda se restringe às
considerações ao Compêndio e às Lições. Todavia, delas pode-se perceber,
em José Soriano, um ardoroso defensor da neo-escolástica, tendo como
referências teóricas Liberatore, Sanseverino, Taparelli e Kleutigen. Ele não
teve uma preocupação em renovar a filosofia do Aquinense, como tiveram
os neo-escolásticos, atendo-se mais a uma linha tradicional do tomismo,

—————————–
388
D. G. VIEIRA, O protestantismo, a maçonaria e a Questão Religiosa, 35-36.
389
Filho do tenente de artilharia, ajudante das baterias da Bahia da Traição, na
província da Paraíba, Francisco José de Souza, e irmão de dr. Braz Florentino Henrique
Francisco José de Souza e de Tarquínio Bráulio de Sousa Amaranto. Nasceu na Paraíba,
em 15 de setembro de 1833, e faleceu em Pernambuco em 12 de agosto de 1895 [DBB,
V, 209-211].
390
F. A. CAMPOS, Tomismo no Brasil, 46.
391
F. A. CAMPOS, Tomismo no Brasil, 46-47.
304 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

não se preocupando muito em colocá-la em confronto com a filosofia


moderna392.
Seu livro Compêndio de Filosofia, ordenado segundo os princípios e
métodos de Santo Tomás de Aquino, foi adotado como texto básico em
praticamente todos os Seminários do Brasil. A finalidade dessa obra era
divulgar a metafísica do Aquinense, buscando incentivar a restauração da
metafísica cristã, como ele mesmo declarou no prefácio da obra Lições de
filosofia elementar, racional e moral, publicada 4 anos depois, se referindo
ao Compêndio393.
Nos Elementos de Filosofia do Direito, aliando sua formação filosófica
com a sua cultura de jurista, defendeu a importância da lei eterna e natural,
colocadas como fundamento da lei civil, questionando-se: «Donde poderia
a lei civil tirar força obrigatória a não ser da lei eterna de Deus?». Mas, se a
lei civil encontra na lei eterna e na natural seu fundamento, era na Igreja
que se encontraria o fundamento de toda sociedade, sendo o homem um
«animal religioso»394.
Segundo Fernando Arruda Campos, é preciso salientar que Soriano foi
um pensador sincero, que defendeu suas posições com clareza e plena
consciência. Mesmo se sua obra não seja original, a sua formação européia
aliada às qualidades pessoais que tinha, lhe dava uma sólida cultura
filosófica bastante avançada para o ambiente cultural brasileiro de então.
Estas características lhe serviram de embasamento a toda sua vasta obra
literária, jurídica, política, filosófica e religiosa, dando-lhe um lugar de
destaque no contexto histórico da cultura brasileira na época imperial395.
José Soriano, porém, foi um pensador isolado no Brasil, pois não teve
seguidores. Teve, contudo, grande influência na ambiência clerical e na
formação seminarística, enquanto na cultural secular teve muito mais
sucesso seu adversário Tobias Barreto e os positivistas396.
José Soriano também participou ativamente da tentativa de se consolidar
um Partido Católico no Brasil. Sob o pseudônimo de «um católico
brasileiro» publicou um opúsculo, Ensaio de Programa para o Partido
Católico no Brasil, contendo quase cem páginas, no qual explicitava os
diversos pontos da plataforma da pretendida agremiação que, sobretudo,

—————————–
392
F. A. CAMPOS, Tomismo no Brasil, 47; José Soriano cita sua referências teóricas
no prefácio das Lições [J. S. SOUZA, Lições de filosofia elementar, racional e moral,
prefácio, 8].
393
J. S. SOUZA, Lições de filosofia elementar, racional e moral, prefácio, 10-11.
394
J. S. SOUZA, Elementos de Filosofia do Direito, prefácio, 13.
395
F. A. CAMPOS, Tomismo no Brasil, 48-50.
396
F. A. CAMPOS, Tomismo no Brasil, 48-50.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 305

combateria o regalismo e defenderia a necessidade de uma concordata com


a Santa Sé397.
Ele deixou ainda outras obras, como a Carta de um médico a um amigo
sobre o materialismo médico e a confissão dos doentes – foi publicada no
Constitucional (1861); Do vitalismo julgado pela filosofia cristã ou
refutação da doutrina médica de Monstpellier, versão da doutrina cristã do
pe. Ventura com anotações e uma larga introdução do tradutor, publicadas
no Diário de Pernambuco (1863); a Carta ao Conselheiro Zacarias de
Góis e Vasconcelos sobre a necessidade de organizar-se um partido
católico (1874); e as Considerações sobre a Igreja e o Estado sob o ponto
de vista jurídico, filosófico e religioso (1874)398.
José Soriano faleceu em Recife em 1895. Pelas suas obras e pela defesa
da fé católica, foi louvado não somente pela Santa Sé, como também
agraciado por Pio IX com a comenda da ordem de S. Gregório Magno, em
1867. No Arquivo Secreto Vaticano ainda encontra-se a carta com a qual
ele agradece a Santa Sé pelo título:
Acuso o recebimento da obsequiosa carta de V. Ex. Rev.ma, firmada em 10
do próximo passado mês, pela qual me cientificou haver o Excelentíssimo
Pontífice e Rei Pio IX se dignado de honra-me, nomeando-me cavalheiro da
Ordem de S. Gregório Magno.
Beijando os sagrados pés ao Santíssimo Padre por tão honrosa distinção,
filha unicamente de sua pontifícia e real munificência, a V. Ex. Rev.ma rendo
os mais sinceros agradecimentos pela felicitação que se há comprazido em
dirigir-me, enviando-me o Breve de nomeação, que recebi com o mais
especial agrado e contentamento.
Prevaleço-me do presente ensejo, para oferecer a V. Ex. Revma. o meu
diminuto préstimo, para quanto for do serviço da Santa Sé e do particular de
V. Ex. Revma...399
b) Brás Florentino Henrique de Souza (1825-1870): Brás Florentino400 era
o irmão mais velho de José Soriano. Inicialmente pretendeu ser um
eclesiástico, tendo inclusive feito seus primeiros estudos e prestado em

—————————–
397
Cf. J. S. SOUZA, Ensaio de programa para o Partido Católico no Brasil.
398
DBB, V, 209-211.
399
ASV, NAB, Carta de José Soriano de Souza agradecendo o título de cavalheiro
da Ordem de S. Gregório Magno, 25 de abril de 1867, Cx. 44, fasc. 200, doc. 15, f. 15r-
15v.
400
Filho do segundo tenente de artilharia e ajudante das baterias de Baia da Traição
ou Acejutibiró, na província da Paraíba, Francisco José de Souza, aí nasceu em 5 de
janeiro de 1825, e faleceu na capital do Maranhão, em 29 de março de 1870. [DBB, II,
126-128].
306 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Olinda exames de teologia e moral. No entanto, «tocado seu coração de


veemente paixão por uma bela e virtuosa jovem pernambucana»,
matriculou-se no primeiro ano da Faculdade de Direito de Olinda em 1856,
«casando-se nestes mesmos anos com aquela que lhe mudara o destino».
Recebeu o grau de bacharel em 1850, e o de doutor em 1851. Foi nomeado
lente substituto da faculdade de Recife, em abril de 1855, e lente
catedrático de direito público do primeiro ano do curso em maio de 1858.
Foi transferido para a de direito civil do terceiro ano, em 1866401.
Em 1865 esteve no Rio de Janeiro, por ter sido nomeado para fazer parte
da comissão dos jurisconsultos incumbida de rever o projeto do código
civil brasileiro. Em 1868, entrou para o conselho diretor da instrução
pública de Pernambuco, onde já havia servido em 1859. Foi nomeado
presidente da província do Maranhão em 8 de maio de 1869, em cujo
exercício faleceu acometido de uma afecção cerebral fulminante. Era
também cavalheiro da ordem de Cristo e sócio fundador do Instituto
Histórico e Geográfico Pernambucano402.
Das iniciativas que assumiu em vida, constaram artigos que escreveu no
jornal Diário de Pernambuco, de 1850 até 1855; e a tradução do Tratado
dos dois preceitos da caridade e dos dez mandamentos da lei de Deus por
S. Tomás de Aquino403. Ele se distinguiu ainda pela defesa do sacramento
do casamento, em 1859, na obra O Casamento civil e o casamento
religioso. Exame da proposta do governo, apresentada a câmara dos
deputados na sessão de 19 de julho do ano próximo passado404. Advogou
igualmente a autoridade dos bispos na obra: Estudo sobre o recurso a
coroa. A propósito da lei aprovada pela câmara dos deputados na sessão
de 1866, revogando o art. 21 do decreto n. 1911 de 28 de março de
1857405.
c) Cândido Mendes de Almeida (1818-1881): Na apresentação dos
Pronunciamentos parlamentares de Cândido Mendes, publicada pelo
Senado Federal, o senador Jarbas Passarinho, em poucas palavras, definiria
a essência da sua atuação política e judiciária: um conservador por filiação
—————————–
401
DBB, II, 126-128.
402
DBB, II, 126-128
403
DBB, II, 128
404
Cf. B. F. H. SOUZA, O Casamento civil e o casamento religioso. Exame da
proposta do governo, apresentada a câmara dos deputados na sessão de 19 de julho do
ano próximo passado.
405
Cf. B. F. H. SOUZA, Estudo sobre o recurso a coroa. A propósito da lei aprovada
pela câmara dos deputados na sessão de 1866, revogando o art. 21 do decreto n. 1911
de 28 de março de 1857.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 307

partidária e que «teve, como poucos, a exata percepção do papel da Igreja,


interpretando com acuidade incomum e profundidade histórica as relações
entre ela e o Estado». Cândido Mendes também lutou pela emancipação
dos escravos e por uma eficaz reorganização judiciária brasileira406.
Manuel Álvaro de Sousa Sá Viana, por sua vez, no seu Elogio Histórico
de Cândido Mendes de Almeida, assim descreve a pessoa do senador
Mendes:
ele era grosso, com uma face imperiosa, cara rapada, tinha linhas solenes e
marmóreas do busto de um César, forma romana, dentro da qual habitava um
espírito rígido de doutrinário representando no Governo a tradição; era o
contrapeso conservador do ministério de que fazia parte, e onde estava como
bloco de granito constitucional para impedir que os outros ministros se
adiantassem muito pela grande estrada da Revolução, e tinha por isso essa
ampla solenidade de maneiras [...] de quem se honra em guardar as coisas
supremas – a Coroa, a Igreja, os privilégios [...], a integridade do Império407.
Cândido Mendes408, além de ser advogado, jornalista, histórico e
geógrafo, se tornou deputado geral em 5 legislaturas e senador de 1871 a
1881, pelo Maranhão409. Tudo isso após um percurso formativo iniciado em
São Luís, onde estudou até que, em 1835, ingressou na Faculdade de
Direito de Olinda, formando-se em 1839, aos 21 anos. Depois de formado
exerceu advocacia na capital da sua província, e mediante concurso,
obteve, em 1840, a cadeira de História e Geográfica no Liceu Maranhense.
Foi também promotor público na capital (1841-1842)410.
Como era também dotado de espírito comunicativo fundou, no
Maranhão, dois jornais: O Brado de Caxias e O Observador. Compôs
várias obras, entre as quais destacam-se o Atlas do Império do Brasil, O
Código Filipino (edição anotada das Ordenações Filipinas com erudita
introdução de sua autoria sobre a história do Direito), Direito Civil
—————————–
406
J. PASSARINHO, «Apresentação», em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 9.
407
M. A. S. SÁ VIANA, «Elogio Histórico de Cândido Mendes de Almeida», em
RIHGB, LXXXIII, 513-530.
408
Nasceu em São Bernardo dos Anapurus, em 14 de outubro de 1818, na província
do Maranhão. Era filho do capitão Fernando Mendes de Almeida, português que,
em 1816, radicou-se na cidade de Caxias, no Maranhão, e de Esméria Alves de Sousa,
maranhense [DBB, II, 35-40].
409
Deputado nas seguintes legislatura: 5ª (1843), 8ª (1850-1852), 9ª (1853-1856), 10ª
(1857-1860) e 14ª (1869-1871) [O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 46].
410
J. H. RODRIGUES, «Introdução» em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 17-19; M. A. S. SÁ VIANA, «Elogio Histórico de Cândido
Mendes de Almeida», em RIHGB, LXXXIII, 513-530.
308 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Eclesiástico Brasileiro (reunião de toda legislação canônica ao longo da


história do Brasil com introdução de mais de quatrocentas páginas com a
história das relações entre o Estado e a Igreja em Portugal e no Brasil),
Direito Mercantil Brasileiro (edição anotada do livro do Visconde de
Cairu com longa introdução com a história do comércio marítimo no
Brasil). A tudo isso junta-se os títulos honoríficos de Oficial da Ordem da
Rosa, no Brasil, e comendador da de N. S. da Conceição, de Vila Viçosa de
Portugal. Recebeu também a comenda da Ordem de São Gregório Magno,
da Santa Sé. Faleceu no Rio de Janeiro em 1881, aos 63 anos411.
Cândido Mendes de Almeida perseguiu a legalidade enquanto expressão
e encarnação de uma vontade que transcendia o próprio homem, sempre
preocupado com a sobrevivência legal dos valores e proposições do
pensamento católico. No Senado, tomou por 10 vezes a palavra para tratar
temas que tocavam direta ou indiretamente os problemas religiosos. Nestes
discursos apresentou uma das mais brilhantes teorias da interpretação
jurídica brasileira daquela época, em que desenvolveu, com total coerência,
o cuidado necessário para o entendimento lógico da legislação e o
conhecimento histórico, filosófico e religioso. Todavia, o seu conhecimento
religioso funcionava, nos seus discursos, como fundamento metodológico
do próprio processo de argumentação que desenvolvia. Daí, se
compreender que a religião para ele não fosse apenas uma crença, mas uma
forma de pensar e viver. Foi vigilante na defesa dos princípios
conservadores monárquicos e, sobretudo, na defesa dos dogmas da Igreja
Católica Apostólica Romana412.
Mendes se sobressaiu igualmente como um dos mais brilhantes
defensores dos bispos na Questão Religiosa, se propondo como advogado
espontâneo no julgamento de D. Vital, juntamente com Zacarias de Góis e
Vasconcelos. A Questão Religiosa era para ele o fruto do desentendimento
entre a Igreja Católica e o Estado imperial sobre a aplicação do placet ou,
especificamente, sobre o entendimento constitucional do tema. Durante as
discussões sobre esta problemática, em 1873, desenvolveu eruditos
discursos, nos quais citou bulas papais, a história da maçonaria em
Portugal, no Brasil e no estrangeiro em geral, e a história da Igreja na luta
contra as sociedades secretas. Buscou provar a incompatibilidade do
Ministro Rio Branco ser ao mesmo tempo chefe do gabinete e chefe da
maçonaria, baseando-se no art. 5º da constituição. Revoltou-se quando
—————————–
411
J. H. RODRIGUES, «Introdução» em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 17-19; M. A. S. SÁ VIANA, «Elogio Histórico de Cândido
Mendes de Almeida», em RIHGB, LXXXIII, 513-530.
412
C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos parlamentares 1871 a 1873, I, 12-13
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 309

ouviu sustentar a identidade das doutrinas católicas e maçônicas e foi do


parecer que os maçons não poderiam ser sepultados nos cemitérios
católicos, devendo construir os seus próprios, para sepultarem os cadáveres
de seus irmãos e correligionários. Combateu incessantemente o placet
régio, não só nos seus discursos como na obra O Direito Civil Eclesiástico
Brasileiro413.
Um dos pronunciamentos mais longos publicado nos Anais do Senado
pertence a Cândido Mendes de Almeida, superando as 100 páginas. É um
discurso sobre o conflito católico-maçônico: O Discurso pronunciado, na
Sessão de 30 de junho de 1873, pelo Senador Cândido Mendes de Almeida,
na discussão do Voto de Graças sobre a Política Religiosa do
Ministério414.
Segundo José Honório Rodrigues, o seu autor, «seguríssimo de saber
teológico, canônico, de direito e história da Igreja em geral e da brasileira
em especial, revelou toda a força mental, toda a capacidade jurídica, todo
conhecimento histórico que acumulara». Para o referido autor, Cândido
Mendes foi sempre assim: «o que fazia era o melhor que podia e o que
podia raríssimos podiam elaborar»415.
Este discurso é muito relevante, porque nele o orador analisou a questão
religiosa, o procedimento do bispo de Olinda, a impossibilidade de ser ao
mesmo tempo católico e maçom, e atacou vigorosamente a maçonaria, ao
tempo em que defendeu e conceituou o que é dogma, as heresias, os erros
cometidos pela inconsciência de seus adversários, a história da Igreja no
Brasil, a entrada dos capuchinhos (ou barbadinhos) em chão pátrio, a moral
cristã, a statolatria, defendeu os jesuítas e o seu retorno ao Brasil, explanou
sobre a condenação das sociedades secretas, a fundação e história da
maçonaria, bem como seus fins. Ele tomou posição em favor do Syllabus,
explicou a distinção entre o Papa e a Cúria Romana, entre bula e breve, os
equívocos do Conselho de Estado, a sentença de interdito de D. Vital à
Irmandade do Santíssimo Sacramento da matriz de Santo Antônio do
Recife, o triunfo da apostasia maçônica, a conceituação do placet dada pelo
poder temporal e espiritual, embaraço que, segundo Cândido Mendes, com
o recurso à Coroa, dificultava as relações entre o Estado e a Igreja. Para
—————————–
413
J. H. RODRIGUES, «Introdução» em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 13.22-25.
414
Cf. C. M. ALMEIDA, O Discurso pronunciado, na Sessão de 30 de junho de 1873,
pelo Senador Cândido Mendes de Almeida, na discussão do Voto de Graças sobre a
Política Religiosa do Ministério.
415
J. H. RODRIGUES, «Introdução» em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 34-36.
310 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Cândido Mendes, o primeiro atacava a jurisdição do Sumo Pontífice e a


segundo a dos bispos, devendo ser o recurso à Coroa somente admitido em
matérias temporais416.
João Camilo de Oliveira Torres, afirma que em todas as manifestações
públicas, parlamentares e nos escritos, Cândido Mendes foi um jurista de
altos méritos, reconhecido e ultramontano consciente417. Mendes, porém,
como autor distinguiu-se não só no Direito, mas também na Geografia e na
História. No direito estudou, resgatou e publicou várias fontes. O Direito
Civil Eclesiástico Brasileiro antigo e moderno em suas relações com o
direito canônico, foi sua grande obra jurídico-canônico-histórica. Veio
corrigir uma grande lacuna nesta área de estudo legislativo, devido às
dificuldades de consultar as fontes nos próprios textos, tanto porque andava
dispersa por diversas obras, como porque parte desta legislação achava-se
inédita e escondida nos arquivos de Portugal e Brasil418.
O Secretário de Estado Vaticano, após entregar o segundo volume desta
obra ao Santo Padre, em 1873, enviou um despacho ao Internúncio Mons.
Domenico Sanguini, no qual dizia:
Ho senza indugio rassegnato nelle venerate mani del Santo Padre il 2°
volume dell’Opera del diritto civile ed ecclesiastico pubblicata dal Senatore
Candito Mendes de Almeida e godo di significarle che l’Augusto Pontefice ha
gradito siffatta offerta del dotto scrittore, come aveva di già accolto il primo
volume, e si è espresso anche con molti elogi pel discorso sì logico e
stringente dello stesso autore intorno alla questione di Pernambuco [Questão
Religiosa]419.
Lacerda de Almeida escreveu não conhecer em história do direito obra
mais erudita, profunda, de vistas mais exatas e de maior sinceridade que a
introdução ao Direito Eclesiástico Brasileiro, do senador Cândido Mendes
de Almeida420. Na geografia ele publicou o monumental Atlas do Império

—————————–
416
Cf. C. M. ALMEIDA, O Discurso pronunciado, na Sessão de 30 de junho de 1873,
pelo Senador Cândido Mendes de Almeida, na discussão do Voto de Graças sobre a
Política Religiosa do Ministério.
417
J. C. O. TORRES, História das Idéias Religiosas no Brasil, 169-173.
418
J. H. RODRIGUES, «Introdução» em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 38-39.
419
ASV, NAB, Despacho, 17 de outubro de 1873, Cx. 39, fasc. 178, doc. 60, f. 46r-
47r.
420
L. ALMEIDA, em C. BEVILÁCQUA, História da Faculdade de Direito de Recife, I,
75-76.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 311

do Brasil421, com o objetivo de ajudar a mocidade no estudo da geografia.


Colecionou mapas, cartas, plantas e roteiros de cada uma das províncias e
com esse acervo organizou seu Atlas422.
Por ocasião do seu falecimento, o Internúncio Angelo Di Pietro escreveu
um ofício no qual deixou claro quais eram os sentimentos da Santa Sé em
relação a Candido Mendes. O conteúdo deste documento fala por si, não
tendo necessidade de digressões:
La difesa degli interessi Cattolici in questo Impero soffrì una perdita
sensibilissima il 1° del corrente mese colla morte del Senatore Candido
Mendes de Almeida. Una congestione cerebrale, che gli tolse immediatamente
l’uso delle facoltà mentali, lo porto all’altra vita nell’età di 60 anni circa. Egli
era uomo molto erudito, schiettamente cattolico, conoscitore e sostenitore
infaticabile del diritto canonico, nemico dichiarato dei placet degli exequatur e
del regalismo; sempre il primo a parlare, protestare, e fare quanto era in suo
potere per difendere Religione, Chiesa, S. Sede e Clero per lo spazio di circa
20 anni sia nella Camera dei Deputati che nel Senato. Meritamente dalla S.
Sede era stato decorato con la commenda di S. Gregorio Magno.
Nell’ultima sessione del Senato contribuì non poco per ottenere dal
Governo una importante dichiarazione. Unito ad altri non molti suoi Colleghi
appoggiò con vigore il Senatore Junqueira, che criticando abilmente il
Ministero dell’Impero per la risposta data nella Camera dei Deputati
all’interpellanza del celebre Saldanha Marinho gran-Maestro della
Frammassoneria, della quale parlai nel mio foglio N. 26, con alcuni articoli di
legge alla mano, quantunque generici, costrinse lo stesso Ministro a dichiarare,
che il Governo riteneva veramente come abolite le antiche leggi contro la
Compagnia di Gesù.
E verso di me, come Rappresentante della S. Sede, si mostrava oltremodo
benevolo ed ossequioso. Se alcuna volta mi pareva espediente che nel Senato
si chiamasse l’attenzione del Governo sopra qualche interesse religioso,
bastava che io gliene mostrassi la convenienza e l’utilità, perché lo facesse alla
prima occasione con saggezza e senza ombra di rispetto umano.
Accolga l’E. V. Revma. queste poche parole, anche come un tributo di
riconoscenza ad un uomo si benemerito della Religione e della Chiesa423.

—————————–
421
Cf. C. M. ALMEIDA, Atlas do império do Brasil, compreendendo as respectivas
divisões administrativas, eclesiásticas, eleitorais e judiciais, dedicado à S. M. o
Imperador o Sr. Dom Pedro II, e destinado a instrução pública do império, com
especialidade a dos alunos do imperial colégio de Pedro II. Atlas do Império do Brasil.
422
J. H. RODRIGUES, «Introdução» em C. M. ALMEIDA, Pronunciamentos
parlamentares 1871 a 1873, I, 39.41.
423
AES, Br., Officio, 8 de março de 1881, Fasc. 10, pos. 203, f. 55r-56r.
312 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Outras obras de Cândido Mendes de Almeida que merecem ser citadas


são: Pio IX e a França em 1849 a 1859, pelo Conde de Montalembert,
traduzido em vulgar, Rio de Janeiro, 1860; O Papa. Questões na ordem do
dia, por monsenhor de Segur, Tradução em vulgar, Rio de Janeiro, 1860;
Discurso combatendo a medida de venda dos bens das corporações
monásticas, e a conversão do respectivo produto em apólices da dívida
pública, Rio de Janeiro, 1869; Discurso pronunciado no Supremo Tribunal
de Justiça na sessão de 21 de fevereiro de 1874 por ocasião do julgamento
do exmo. e revmo Sr. Bispo de Olinda, Rio de Janeiro, 1874; e Instrução
sinodal de monsenhor Pie, atual bispo de Poitiers sobre os principais erros
do tempo presente, Tradução, publicado no Correio da Tarde 1856424.

8. Os ultramontanos seculares na política,


no jornalismo e nos cursos superiores
Vários foram os personagens que durante o Segundo Império
esporadicamente se empenharam em alguma causa católica, principalmente
durante a Questão Religiosa. Seria extremamente longo nomeá-los todos, e
ainda mais apresentar uma sucinta biografia. Por este motivo se restringe
aqui a apresentar algumas figuras que se destacaram mais e de forma mais
constante em defesa da Igreja Católica, a ponto de serem chamados por
seus adversários de «ultramontanos». Dentre os que serão aqui
apresentados, somente um chegou também a atuar parcialmente contra os
interesses da Igreja, mesmo tendo sido um defensor dos bispos na Questão
Religiosa: é Antônio Ferreira Viana. Os demais foram incansáveis
defensores do Catolicismo.
a) Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877)425: bacharelado em
jurisprudência pela Faculdade de Direito de Olinda em 1837. Em 1840,
prestou concurso na mesma instituição e foi aprovado. Nesse mesmo ano
ingressou no Partido Conservador. Em 1843, ocupou uma das cadeiras da
Assembléia Legislativa da Bahia, sendo depois reeleito várias vezes. Na
década de 1840, foi presidente das províncias de Piauí e de Sergipe, e

—————————–
424
DBB, II, 35-40.
425
Filho de Antônio Bernardo de Vasconcelos, nasceu na cidade de Valença,
província do Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1815, e faleceu no Rio de Janeiro,
em 28 de dezembro de 1877. Foi doutor em direito pela academia de Olinda, professor
jubilado da mesma academia, Senador do Império, membro do conselho do Imperador,
comendador da ordem da Rosa, grão-cruz de 2ª classe da ordem de S. Gregório Magno
de Roma e sócio do antigo Instituto histórico da Bahia [DBB, VII, 407-410].
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 313

posteriormente se tornou o primeiro presidente da província do Paraná


(1853-1856), por ocasião da sua criação426.
Na década de 1850, entrou para a Câmara dos Deputados e iniciou sua
projeção no cenário nacional. Foi deputado de 1850 a 1852, de 1853 a
1856, em 1862 e 1864, e neste último ano se elegeu senador. No executivo,
se tornou Presidente do Conselho de Ministros por três vezes (1862, 1864,
1866-1868), Ministro da Marinha (1852-1853), Ministro do Império
(1862), Ministro da Justiça (1864) e Ministro da Fazenda (1866-1868)427.
A ação política de Zacarias foi notável, a ponto de ser considerado um
Estadista do Império. Inicialmente pertenceu ao Partido Conservador, no
entanto, no decorrer dos anos de 1850, com as divisões internas dentro dos
partidos Liberal e Conservador e, posteriormente, com o início da
Conciliação e o nascimento de partidos efêmeros como o Progressista, se
aproximou gradualmente dos liberais. Desde período turbulento a nível
partidário saíram três partidos, dois renovados: o Conservador e o Liberal;
e um novo: o Republicano. Zacarias, a partir de 1860, rompeu com seu
passado conservador e se tornou um dos articuladores da recomposição do
Partido Liberal. O marco dessa reviravolta foi quando ele publicou o livro:
Da natureza do poder Moderador, primeiramente anônimo em 1860 e
depois em seu nome em 1862. Teve como opositor, em relação às suas
idéias sobre o Poder Moderar, o também católico, porém conservador, Brás
Florentino428.
Zacarias não temia ódios e não buscava amizades. Era metódico,
minucioso, censor implacável, e segundo Nabuco de Araújo: «indiferente a
idéias», a não ser aos dogmas e preceitos da Igreja. Já segundo Pedro
Calmom, Zacarias teria conciliado contradições: propôs idéias ousadas,
combateu a reação, mas foi avesso aos radicalismos e buscou o caminho da
moderação, cultivando um Catolicismo ortodoxo429.
Destacou-se também como orador, e suas palavras feriam a fundo os que
se lhe opunham. Segundo Sacramento Blake, ele foi um dos mais brilhantes
oradores do Brasil: de palavra fácil, fluente e correta, argumentação lógica,
cerrada e muitas vezes adubada de epigramas finos, pungentes e
esmagadores430.
Atuou na defesa dos bispos de Pernambuco e Olinda, tanto como
defensor espontâneo no processo a ambos, quanto no Senado juntamente
—————————–
426
C. H. S. OLIVEIRA, Zacarias de Góis e Vasconcelos, 10.
427
O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 432-433.
428
C. H. S. OLIVEIRA, Zacarias de Góis e Vasconcelos, 12-15.36.
429
C. H. S. OLIVEIRA, Zacarias de Góis e Vasconcelos, 20-24.
430
DBB, VII,407-410.
314 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

com Cândido Mendes de Almeida e outros. Foi um verdadeiro liberal e um


sincero católico, numa demonstração viva de que não era preciso renunciar
à fé pessoal para defender as próprias idéias políticas. No Senado e na
Câmara, era constantemente chamado de «ultramontano», mas nunca se
importou, pois ultramontano para Zacarias queria dizer Católico Apostólico
Romano. O Encarregado Mons. Luigi Matera, que representava a Santa Sé
no Brasil em 1877, com tristeza comunicou por meio de um oficio o seu
falecimento: «Ho il rammarico», dizia ele, de comunicar a morte do Sr.
Zacarias de Góis e Vasconcelos, senador pela Bahia, «eccellente cattolico,
che rese sempre molti ed importanti servizi alla causa della Chiesa»431.
b) Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto (1829-1894)432: bacharel em
direito, em 1857, e doutor na mesma ciência, em 1869, prestou concurso
diante do Imperador, quanto visitava as províncias do Norte, e foi nomeado
professor substituto da Faculdade de Direito de Recife, em 12 de maio
1860. Posteriormente, foi professor catedrático, em 1871. Na cidade de
Natal, exerceu o encargo de promotor público e professor de filosofia no
Ateneu. Tornou-se deputado provincial em 1858-1859, e deputado geral em
1872-1875, 1875-1877, 1881-1884 e 1886-1889433.
Pertenceu ao Partido Conservador, chefiando uma facção de tal
agremiação na província do Rio Grande do Norte nos fins do Império.
Durante a Questão Religiosa se destacou como um ferrenho defensor dos
bispos na Câmara dos Deputados. Faleceu no Rio de Janeiro em 29 de
agosto de 1894434.
Na sessão de 1 de agosto de 1874, Tarquínio dirigiu um brilhante
discurso na Câmara dos Deputados em defesa dos bispos prisioneiros,
salientando a união dos referidos prelados com o Santo Padre, bem como a
injustiça da prisão e a condenação dos mesmos, terminando seu discurso
com protestos de obediência a Igreja435:
Sou, porém, católico pelo meu batismo; felizmente, não conheço antinomia
alguma entre as leis do meu país e as da Igreja a que pertenço (Apoiados).

—————————–
431
AES, Br., Officio, 30 de dezembro de 1877, Fasc. 191, pos. 170, f. 68r.
432
Nasceu na povoação Papari em 20 de julho de 1829, sendo seus irmãos Brás
Florentino e José Soriano, ambos professores da Faculdade de Direito de Recife [N.
PEREIRA, Dom Vital e a Questão Religiosa no Brasil, 145-146].
433
O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 58-59.
434
L. C. CASCUDO, História do Rio Grande do Norte, 520; ID. História da Republica
no Rio Grande do Norte, 62-63; N. PEREIRA, Dom Vital e a Questão Religiosa no
Brasil, 145-146.
435
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 1 de agosto de 1874, 22-31.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 315

Declaro, porém, à câmara que, se infelizmente houvesse leis no Brasil, que


fossem de encontro às lei da Igreja, cumpriria as promessas do meu batismo,
porque entre Deus, e o homem, entre a pátria terrestre e a pátria celeste, a que
eu aspiro, a escolha não pode ser difícil a quem, como eu, firmemente crê na
vida eterna436.
c) Antônio Manuel dos Reis (1840-1889)437: formado em ciências jurídicas
e sociais pela faculdade de São Paulo, residia no Rio de Janeiro quando
eclodiu a Questão Religiosa. Tomou parte muito ativa nesta querela em
defesa dos prelados, como colaborador e depois redator, do periódico o
Apostolo. Foi um dos fundadores da associação católica fluminense e sócio
do Ensaio filosófico paulista. Escreveu em defesa dos bispos as obras
Ganganelli em cena, Refutação dos artigos do conselheiro J. Saldanha
Marinho (Ganganelli) intitulados A igreja e o Estado (Rio de Janeiro
1874), ao lado de uma coleção de artigos publicados no jornal O Apostolo;
bem como seu livro mais conhecido: O bispo de Olinda, D. frei Vital Maria
Gonçalves de Oliveira, perante a história (Rio de Janeiro 1879). Este
último se trata de uma compilação de todas as peças do processo, consultas
do Conselho de Estado, discursos de defesa, notas diplomáticas, escritos do
ilustre D. Vital e outros bispos. Também se destacou por O Brasil Católico,
periódico consagrado aos interesses do Catolicismo, publicado no Rio de
Janeiro entre 1880 e 1883. Esta publicação foi fundada por Antônio
Manuel após sua retirada da redação do Apostolo438. Faleceu no Rio de
Janeiro em 1889439.
d) Antônio Ferreira Viana (1834-1903)440: estudou no Colégio Pedro II, no
Rio de Janeiro e formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1855.
Voltou para o Rio, onde foi nomeado promotor público da corte,
associando-se ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Depois de
quatro anos retornou à advocacia e entrou para o jornalismo político.
Colaborou com o Correio Mercantil, foi chefe da redação do Diário do Rio
de Janeiro, (do qual atacou o ministério de Zacarias Vasconcelos), fundou
e dirigiu, com Andrade Figueira, o jornal A Nação e depois da
Proclamação da República, colaborou com o jornal Paiz, com o
pseudônimo Suetônio, escrevendo uma série de artigos sobre o antigo

—————————–
436
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 1 de agosto de 1874, 30.
437
Nascido na cidade de São Paulo em 1840 [ DBB, I, 252-254].
438
DBB, I, 252-254.
439
Arcádia: revista da Academia de Letras de Brasília, (1994), 369.
440
Era natural da província do Rio Grande do Sul, onde nasceu aos 11 de maio de
1834 [DBB, I, 164-166].
316 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

regime. Representou a Corte e a província do Rio de Janeiro na Câmara dos


Deputados em 1869-1872, 1872-1875, 1877, 1882-1884, 1886-1889. Foi
Ministro da Justiça (1888-1889) e do Império (1889). Ferreira Viana
também atuou na defesa da causa da abolição da escravatura. Faleceu no
Rio de Janeiro em 1903441.
Ele se destacou como um tenaz defensor dos bispos na Questão
Religiosa, tendo inclusive se tornado advogado espontâneo de D. Antônio
de Macedo Costa442. Por esses serviços foi agraciado pelo Papa como
Comendador da Ordem de São Gregório Magno. No entanto, não ficou do
lado da Igreja em relação às ordens religiosas, quando o Estado quis
converter seus bens em apólices do Tesouro, nos anos de 1883-1884. Foi
nomeado bibliotecário do Convento de Santo Antônio, seqüestrado pelo
Governo, e posteriormente dos conventos do Carmo e de São Bento.
Criticado asperamente pelos jornais católicos e pelo Encarregado Mons.
Adriano Felice, que diziam ter «caído a máscara» de Ferreira Viana, que
após ter defendido a Igreja nos anos de 1870, para ser condecorado pelo
Papa, passou a apoiar totalmente as medidas liberais. Ferreira Viana se
defendeu dizendo que servia tanto a Igreja quanto o Estado, no entanto
ficou muito desacreditado no meio católico443.
e) Samuel Wallace Mac Dowell (1843-1908)444: em 1860, sentou praça no
Terceiro Batalhão de Artilharia, entretanto, por problemas de saúde não
pôde prosseguir na carreira e ingressou na Faculdade de Direito do Recife.
Para manter os estudos lecionava nos colégios locais. Bacharelou-se
em 1867, e retornou para Belém como advogado. Ingressou logo em

—————————–
441
O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 438; DBB, I, 164-166.
442
Cf. Discursos proferidos no supremo tribunal de justiça na sessão de 1 de junho
de 1874 pelos excelentíssimo senhores Zacarias de Góes e Vasconcellos e doutor
Antônio Ferreira Viana por ocasião do julgamento do senhor D. Antônio de Macedo
Costa, bispo do Pará, procedidos da acusação feita pelo procurador da justiça, d.
Francisco Balthasar da Silveira.
443
AES, Br., Ofício, 14 de fevereiro de 1884, Fasc.14, pos.232, f. 16r; AES, Br.,
Recorte de jornal com a nomeação de Ferreira Viana bibliotecário do Convento de
Santo Antônio, Fasc. 14, pos. 232, f. 28r; AES, Br., Ofício, 28 de fevereiro de 1884,
Fasc.14, pos.232, f. 54r-54v.
444
Samuel Wallace Mac Dowell (3º.), nasceu em Olinda em 26 de maio de 1843, e
faleceu em Paris em 16 de agosto de 1908. Foi um militar, advogado, magistrado,
político e jornalista. Filho de pai homônimo, Samuel Wallace Mac Dowell e de Maria
Vicência Clara de Sá, era neto de um comerciante escocês. Ficou órfão de pai e mãe
com um ano e oito meses de idade, sendo levado ao Pará, para ser criado pela
avó francesa Marie Chebs [A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 141.353-354].
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 317

seguida no Partido Liberal. Colaborou com alguns jornais, sendo o


fundador do periódico A Regeneração445.
Este jornal, depois de um momento inicial de vacilação, se tornou um
defensor espontâneo dos bispos D. Macedo Costa e D. Vital na Questão
Religiosa. Porém, esse posicionamento favorável ao prelado paranaense
rendeu ao seu proprietário e redator, Samuel Wallace Mac Dowell, quatro
meses de prisão por um artigo escrito e assinado pelo jovem Martinho Nina
Ribeiro. A prisão era o resultado da perseguição religiosa que se tinha
iniciado no Pará com a Questão Religiosa e só se acalmaria nos inícios da
década de 1880446.
Pelo constante empenho e engajamento na defesa da Igreja, não só com o
seu jornal, mas também como advogado, o clero do Pará prestou-lhe
merecida homenagem, que ele agradeceu no seu jornal. Eis a sua carta:
Agradavelmente surpreendido pelo honroso testemunho de dedicação
sincera e amizade, que me deu o ilustre clero paraense, sob pretexto de
gratidão a meus insignificantes serviços pela causa dos ministros da
Sacrossanta Religião de Jesus Cristo, que tenho a felicidade de professar,
dirijo, na maior efusão da alma e com plena publicidade, os meus votos de
cordial agradecimento a esse clero distinto e ilustrado, cujo procedimento no
deplorável conflito entre a Igreja e o Governo do nosso país, denominado
«questão religiosa», tem causado assombro à impiedade, ao mesmo tempo em
que há granjeado para si um lugar notável nos fastos eclesiásticos.

—————————–
445
Este jornal, a principio favorável a maçonaria, escrevia sem embargo: «Dói-nos
no fundo da alma ver que chefes eminentes do partido liberal renegam a liberdade dos
cultos, como uma calamidade pública, preferindo-lhe o sistema absurdo de restrições
regalistas que, para sustentar-se, têm necessidade de invocar as mais insustentáveis
doutrinas, como é a do exmo. Marquês de São Vicente, fundada em não ter a Igreja
Católica jurisdição externa própria». Esse periódico se tornou então intrépido defensor
da causa da Igreja Católica em Belém e, a partir de 2 de maio de 1876, passou a
escrever no seu cabeçalho: Órgão destinado à defesa do Partido Católico. [A. A.
LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 141.353-354].
446
O artigo de Martinho Nina Ribeiro foi um mero pretexto contra o redator e
proprietário de A Regeneração, apesar do artigo ter sido assinado pelo seu autor sob sua
responsabilidade legal. No entanto, assim não pensou o juiz da primeira instância Dr.
José Quintino de Castro Leão. Dados os precedentes: a prisão de padres por terem
obedecido ao seu bispo (ou por terem trocado o horário da missa!), esperava-se a
condenação do intrépido advogado também no Tribunal da Relação. Apesar de não
muito simpático à causa dos católicos, o Dr. João Florentino Meira de Vasconcelos agiu
com justiça. O redator de A Regeneração foi absolvido. [A. A. LUSTOSA, Dom Macedo
Costa, 323, sobre as perseguições religiosas no Pará ver no mesmo livro, 276-282.378-
486].
318 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O clero do Pará nada absolutamente deve-me, porque, se os sucessores dos


apóstolos e dos discípulos de Cristo têm a obrigação de trabalhar na seara do
Senhor, não é somente deles o dever dos filhos d’Aquele Pai Celeste, por Ele
confiados, na consumação do Grande Mistério do Calvário, à proteção de
Maria Santíssima, mãe da humanidade, de empregarem todos os seus esforços
para honrar esse Pai e essa Mãe, agora vilipendiados pelos Cananéias do
século presente.
Servindo à causa dos dignos ministros do altar, cumpro esse grande dever
de súdito fiel da Santa Madre Igreja Católica de Roma, e esta satisfação de
minha consciência é o melhor prêmio a que podia eu aspirar.
Com maioria de razão, pois, fiquei penhoradíssimo por essa imerecida
prova de apreço, que acabo de receber do nobre clero paraense, justamente na
ocasião em que se procura expor-me ao público menosprezo, condenando-me
em nome de prevaricação e da conculcação da lei. Asseguro ao clero do Pará
que, quaisquer que sejam as emergências, eu estarei sempre de seu lado e dos
católicos verdadeiros.
Assim o espero, com a graça de Deus, que as orações de tão virtuosos
sacerdotes atrairão abundantemente sobre mim.
Pará, 22 de março de 1875447.
Em 1876, a comissão do clero do Pará apresentou o nome de Wallace
Mac Dowell como candidato a deputado. Ele aceitou e publicou um
manifesto, que também vale a pena de ser lido:
Manifesto ao futuro corpo eleitoral da província
Espontaneamente apresentado candidato à deputação geral por esta
província pela comissão do clero paraense, tenho o dever de manter essa
candidatura, solicitando, como ora o faço, os honrosos sufrágios dos futuros
eleitores da província.
Católico de profunda convicção, é meu exclusivo empenho na atualidade o
restabelecimento da antiga paz entre a Igreja e o Estado: a defesa dos
privilégios temporais daquela em nossa pátria; a plena sustentação do art. 5º da
Constituição Política do Império, preciosíssimo legado dos nossos maiores,
contra as ímpias inovações ou reformas, que estão em perspectiva, isto é,
contra a separação da Igreja do Estado e seu natural cortejo de casamento
civil, secularização de cemitérios, cremação de cadáveres, toda a sorte, em
suma, de profanações.
Quanto aos assuntos meramente políticos, terei por norte unicamente a
justiça, porque nenhum compromisso me liga aos velhos partidos, que mais
encarniçadamente se debatem por causa da confusão de suas fronteiras.
Marcar-lhes a linha divisória é impossível.

—————————–
447
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 279.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 319

Nenhuma proteção, nem indireta, dispensa o governo à minha candidatura,


pois são sabidos os três candidatos do partido dominante; todavia apoiarei o
Ministério 25 de Junho por causa do memorável decreto de anistia dos ínclitos
Bispos e do clero injustamente perseguidos, visto como julgo ser esse um
dever de gratidão de todos os católicos.
Se, nestas condições, alcançar o meu desideratum, prometo aos meus
comitentes lealdade e dedicação à causa pública e à particular de cada um
deles; se nada conseguir, terei a consolação de repetir com Dionísio Logino
que «na grande empresa até a queda é nobre».
Pará, 27 de Setembro de 1876448.
Nesta ocasião, porém, Samuel Wallace não se elegeu, o que ocorreria
somente em 1881. Foi deputado de 1882 a 1884, 1885 e 1886. No Gabinete
do Barão de Cotegipe, assumiu a pasta de Ministro da Marinha (1886-
1887), quando criou a Escola Naval. Após onze meses na função, passou
à Ministro da Justiça (1887-1888). Num discurso na Câmara dos Deputados
em 21 de abril de 1882, assumiu seu ultramontanismo de modo claro e
direto. Disse ele «sou conservador ultramontano», e acrescentou: «A
palavra ultramontano votada ao ódio nos tempos modernos é exatamente a
que melhor define o católico, que tem como o mais severo, o mais
imperioso dever: a obediência à unidade da Igreja e a Santa Sé como seu
oráculo infalível. (Apoiados, muito bem)».449
Samuel Wallace Mac Dowell foi monarquista e defensor da união entre a
Igreja e o Estado. Contrário à Proclamação da República retornou ao Pará,
onde ajudou a elaborar a Constituição estadual. Foi presidente da comissão
de limites entre o Pará e o Amazonas. Doente, procurou tratamento na
França onde faleceu de síncope cardíaca, em 16 de agosto de 1908, em
Paris450.

9. O papel dos regulares em favor do ultramontanismo


Três foram as principais ordens religiosas que colaboraram para a
ascensão do ultramontanismo no Segundo Império e para a reforma da
Igreja brasileira no período estudado: os capuchinhos, os lazaristas e os
jesuítas. Não se pode desprezar a contribuição de outras ordens e
congregações, no entanto, elas chegaram no Brasil no final do período
Imperial, sendo que sua atuação incidiu de modo mais marcante nas

—————————–
448
A. A.LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 350.
449
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 21 de abril de 1882, 133.
450
O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 246.
320 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

primeiras décadas do período republicano, como foi o caso dos


dominicanos (1881) e dos salesianos (1882), entre outros.
Não se entrará aqui em pormenores sobre as congregações femininas, a
respeito das quais já foram dados alguns indícios quando precedentemente
se tratou dos bispos. Tal escolha não é por acreditar que a contribuição das
religiosas tenha sido menor, mas sim por questão de espaço, evitando-se o
risco de dar ao presente capítulo tamanho demasiado desproporcional aos
demais. Todavia, só para se ter idéia da importância dessas congregações
na reforma ultramontana, transmitida de modo particular nos seus
educandários, basta ver a relevância social e política que as mulheres –
muitas delas formadas nos internatos religiosos de então – passaram a
assumir dentro do movimento reformador. Isso foi percebido, sobretudo, no
final do Segundo Império, quando as leigas católicas tiveram sua primeira
participação direta na política nacional, e em defesa da fé católica contra o
projeto do Senado que tentava instituir a liberdade de culto em 1888. Na
ocasião, milhares de mulheres, boa parte delas esposas de conhecidos
políticos ou membros de importantes famílias do Império, principalmente
de Minas e do Rio de Janeiro, assinaram um protesto contra a aprovação do
projeto, provindo do Senado, quando estava sendo discutido na Câmara dos
Deputados. Elas influíram de modo decisivo contra a aprovação da lei
supracitada451.

9.1. Capuchinhos, a exceção que confirma a regra


A vinda dos capuchinhos para o Brasil remonta ao período Colonial.
Foram, praticamente, os sucessores dos jesuítas na evangelização dos
indígenas. No entanto, ao contrário das outras ordens de origens coloniais,
resistiu o quanto pode às investidas do regalismo e manteve estreitas
relações com a Propaganda Fide. Provavelmente, por este motivo, a ordem
dos capuchinhos não se encontrava em decadência nos primeiros anos do
Segundo Império, como as demais, e os seus membros no Brasil, ao
contrário das outras, não eram de origem portuguesa. Por isso, em relação
aos outros regulares, constituíam uma verdadeira exceção. Estavam
divididos no Brasil em três «prefeituras»: Bahia (1712), Pernambuco
(1725), e Rio de Janeiro (1737). No início do século XIX possuíam cinco
missões, duas no Rio de Janeiro: São Fidélis e São José de Leonissa, as

—————————–
451
AES, Br., Officio, 12 de novembro de 1889, Fasc. 23, pos. 296, f. 39v-40r. Essas
assinaturas começaram a chegar em setembro de 1888 [Anais do Parlamento Brasileiro,
1888, V, 2.121-123; VI, 140.221].
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 321

outras três eram: São Pedro de Alcântara na Bahia, Aldeia de Baixa Verde
em Pernambuco e Albuquerque no Mato Grosso452.
Durante a primeira metade do século XIX, os capuchinhos enfrentaram
grandes dificuldades, derivadas das revoluções européias eivadas de
anticlericalismo que os privavam da chegada de novos confrades, e também
da política xenófoba e anti-regulares implementada pela Regência,
principalmente ao tempo do pe. Feijó. Esta situação mudou somente depois
que Pedro Araújo Lima se tornou regente. No início do ano de 1840, ele fez
um pedido à Santa Sé, por meio do Encarregado brasileiro em Roma e do
Encarregado de Negócios da Santa Sé, Mons. Scipione Fabbrini, no sentido
que fossem enviados novos missionários capuchinhos a cargo do Governo.
Todavia, tudo partiu do bispo do Maranhão, D. Marcos Antônio de Souza,
que, em 26 de agosto de 1839, expediu um ofício ao Ministro da Justiça,
lamentando-se da falta de religiosos para as missões indígenas, dado que os
seculares não eram capazes de desenvolver tal trabalho. Sugeria, então, que
se enviassem dois ou três sacerdotes de São Vicente de Paula de Minas
para catequizar os índios e «ainda com sua doutrina e exemplo curar a
imoralidade, origem de tantas calamidades»453.
No dia 14 de fevereiro de 1840, o Ministro da Justiça, Francisco Ramiro
de Assis Coelho, escreveu um ofício ao Encarregado de Negócios da Santa
Sé, Scipione Fabbrini, pedindo sua intervenção para o envio de oito
missionários capuchinhos:
Tendo o Governo Imperial reconhecido a necessidade urgente de levar a luz
do Cristianismo a muitos milhares de Indígenas errantes pelo interior do
Império, reconheceu também que os religiosos Capuchinhos da Congregação
Propaganda Fide, são os Missionários, que com mais vantagem podem
atualmente encarregar-se de tão edificante, e glorioso Ministério.
Nesta convicção resolveu o mesmo Governo Imperial solicitar, por
intermédio do Encarregado de Negócios do Brasil em Roma, a vinda de oito
Missionários Apostólicos da referida ordem, dos quais dois deverão vir em
direitura ao Rio de Janeiro, e seis ao Maranhão, onde lhes serão designadas as
Missões, em que mais proficuamente evangelizem, providenciando o Governo
desde já pelo que respeita aos meios de sua subsistência, em quanto esse
auxilio lhes seja de mister. Como, porém, para o melhor êxito desse
importantíssimo objeto muito deverão contribuir os bons ofícios, que haja de
interpor o Senhor Cipião Domingos Fabrini, encarregado de Negócios da
Santa Sé, cuja solicitude pelos interesses da Religião, acha-se sobejamente

—————————–
452
R. COSTA – L. A. DE BONI, Os capuchinhos do Rio Grande do Sul, 14.
453
AES, Br., Officio del Vescovo di S. Luigi del Maranhão al Ministro di Giustizia,
26 de agosto de 1839, Fasc. 156, pos. 37, f. 37r-37r.
322 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

demonstrada, apresso-me a solicitá-los, na esperança de que a salvação de


tantos milhares de selvagens será para o Senhor encarregado de Negócios um
poderoso estimulo do zelo, que o distingue, pelos triunfos da Santa Lei do
Salvador do Mundo...
Francisco Ramiro de Assis Coelho454.
Precedentemente, em 18 de janeiro de 1840, o Ministro havia expedido
um ofício nos mesmos termos ao seu encarregado em Roma, além de uma
cópia do ofício enviado pelo bispo do Maranhão455. A Propaganda Fide
respondeu ao pedido e enviou sete frades: fr. Fedele de Montesano
(superior), fr. Agostino de Barberino, Francesco Ângelo de Taggia, Pietro
Maria de Bra, Doroteo de Dronero e Luigi de Alba Pompéi. Chegaram ao
Rio em 14 de setembro de 1840, e em 1842, se estabeleceram ao Morro do
Castelo, onde receberam como doação as construções e terrenos em torno à
igreja de São Sebastião456. De 1841 a 1842 desembarcaram outros 22
missionários e nos anos posteriores continuaram a chegar outros mais457.
Na sessão da Câmara dos Deputados de 2 de março de 1843, foi
apresentado um projeto que pretendia autorizar o Governo a mandar vir da
Itália frades capuchinhos, distribuí-los pelas províncias, promover loterias
para adquirir prédios e capelas para o seu estabelecimento e arcar com toda
e qualquer despesa extraordinária que fosse indispensável para o bom
funcionamento das ditas missões458.
Este projeto causou grande discussão parlamentar, nas quais não
faltaram acusações contra os capuchinhos e palavras denigratórias contra os
jesuítas. Acusava-se o Governo, de preferir o clero estrangeiro àquele
nacional459. O resultado foi o decreto n. 285, de 21 de junho de 1843, que
apesar das discussões, se manteve fiel a projeto apresentado460.
A Propaganda Fide, responsável pelos missionários, enviou ao
Internúncio as faculdades necessárias para poder distribuir os frades de
acordo com as necessidades das dioceses brasileiras. Como a missão de
Pernambuco sofria por falta de membros, o Internúncio Mons. Ambrogio
Campodonico decidiu transferir um missionário para lá. O escolhido foi o

—————————–
454
AES, Br., Officio del Ministro della Giustizia, ed affari ecclesiastici all'Incaricato
pontificio, 5 de fevereiro de 1840, Fasc. 156, pos. 37, f. 31r-3v.
455
AES, Br., Officio del Ministro di Giustizia all'Incaricato del Brasile in Roma, 18
de janeiro de1840, Fasc. 156, pos.37, f. 34r-34v.
456
J. PALAZZOLO, Crônica dos capuchinhos do Rio de Janeiro, 140-142.
457
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, p. 159.
458
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 2 de março de 1843, p. 31-32,
459
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessões de março a maio de 1843.
460
Coleção das Leis do Império do Brasil, 21 de março de 1843, V, parte I, 35-36.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 323

fr. Fedele di Montesano, no entanto, este frei não aceitou a transferência e


recorreu ao Governo461.
O Ministro da Justiça, Manuel Antônio Galvão, enviou, então, em 12 de
junho de 1844, um ofício ao Internúncio pedindo que ele ordenasse ao
prefeito dos capuchinhos do Rio que não permitisse a retirada de nenhum
deles da capital sem a autorização expressa do Governo Imperial. Mons.
Campodonico assim se refere ao ocorrido:
Se non avessi saputo prima d’ora quanto sia efficace a corrompere il Clero la
dipendenza di esso dalle autorità civili, l’avrei imparato a Rio de Janeiro, a
proposito del P. Fedele da Montesano, il quale appoggiato dai suoi amici, e per
loro mezzo da questo Governo, non attende più né consigli né preghiere, né
comandi dei suoi superiori, e Dio sa dove sia per lasciarsi trascinare dalla sua
pervicacia. Quel che mi duole si è che egli abbia già guastato uno dei suoi
compagni, il P. Eugenio da Genova…462
O resultado foi o decreto n. 373, de 30 de junho de 1844, definindo:
Art. 1º. A missão dos Religiosos Capuchinhos, estabelecida nesta Corte, em
virtude do Artigo primeiro do Decreto sobredito [n. 285], fica dependendo do
Governo no que respeita à distribuição e emprego dos Missionários, nos
lugares onde o mesmo Governo entender que as Missões podem ser de maior
utilidade ao Estado e à Igreja.
Art. 2º. O Governo, a representação dos Bispos ou Ordinários das Dioceses,
poderá enviar e empregar os Missionários nos lugares das Dioceses para onde
forem reclamados.
Art. 3º. Os Missionários Capuchinhos, na Corte, e nas Províncias em que se
acharem em Missão, na forma dos Artigos antecedentes, estão sujeitos, e
dependerão unicamente dos Bispos em tudo quanto disser respeito ao
ministério sacerdotal; e nos lugares em que houver Hospício, e pelo tempo que
aí residirem, os Missionários dependerão do superior local, enquanto aos
ofícios e funções meramente regulares.
Art. 4º. Nenhum Missionário Capuchinho solicitará de seu superior geral em
Roma obediência ou outra ordem semelhante, que o desligue da Missão, ou
transfira para outro lugar, que não tenha sido designado pelo Governo, ou
indicado pelos Bispos ou Ordinários, sem prévio consentimento do mesmo
Governo.
Art. 5º. Tanto as obediências ou ordens semelhantes de que trata o Artigo
antecedente, como aquelas que não forem precedidas das formalidades do

—————————–
461
ASV, NAB, Nota dirigida ao Senhor dos Negócios Estrangeiros, julho de 1844,
Cx. 18, fasc. 79, doc 26, n. 3, f. 26v-27v.
462
ASV, NAB, Officio, 17 de agosto de 1844, Cx. 18, fasc. 76, doc. 82, f. 184r-184v.
324 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

mesmo Artigo, ficam dependendo para sua execução, de Beneplácito


Imperial463.
Nasceu daí uma crise diplomática entre a Santa Sé e o Governo que
durou do ano de 1844 a 1846, com muitas trocas de ofícios entre os
Ministros e Internúncio, chegando mesmo a paralisar o envio de
missionários ao Brasil. O artigo que mais preocupava a Mons.
Campodonico e a Santa Sé era o quarto. Vendo, o Internúncio, que os
ofícios e colóquios trocados com os Ministros da Justiça e aquele dos
Negócios Estrangeiros, Ernesto Ferreira França (1804-1872), não surtiam
efeito, protestou formalmente em 30 de setembro de 1844, quando já havia
sido trocado o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ocupando a função
Antônio Paulino Limpo de Abreu (1798-1883). O resultado foi uma longa
resposta deste, na qual esclarecia as intenções do Governo, explicando
artigo por artigo do decreto. Em relação ao artigo 4º, o Ministro esclareceu
que não tinha a intenção de subtrair os capuchinhos à autoridade de seus
superiores em Roma, mas sim a necessidade de ser informado
antecipadamente das transferências, para ver se também fossem de acordo
com os interesses do Governo464.
Mons. Campodonico foi substituído por Mons. Gaetano Bedini e a Santa
Sé, satisfeita com as explicações e garantias do Governo, deu ao novo
Internúncio as seguintes instruções, em 9 de maio de 1846:
Avendo questo Sig. Ministro del Brasile dato ultimamente alla Sagra
Congregazione in apposita nota una sufficiente spiegazione del noto Decreto
col quale i Missionari Cappuccini venivano assoggettati al Governo, la S. C.
medesima ha finalmente acconsentito a rimandare in codesto Impero i
Missionari, dichiarando peraltro che se l’Internunzio della S. Sede nel Brasile
potrà pel migliore andamento delle Missioni adoperar col Governo il riguardo
di prendere con esso dei concerti sulla destinazione locale dei Missionari, ciò
tuttavia non dovrà in modo alcuno pregiudicare i diritti della S. Sede sui
medesimi, in guisa che la S. C. sia in libertà quante volte lo giudicherà
opportuno di traslocarli, o rimuoverli interamente dalle Missioni465.
Foram enviados da Itália, então, seis novos frades capuchinhos, entre
eles o novo prefeito nomeado para o Rio de Janeiro em substituição do fr.
Fedele, o fr. Fabiano da Scandiano. Expediram-se também, ao Intenúncio,

—————————–
463
Coleção das Leis do Império do Brasil, VII, parte II, 163-164.
464
ASV, NAB, Resposta ao protesto de Mons. Campodonico por parte do Ministro
dos Negócios Estrangeiros, 28 de janeiro de 1845, Cx. 18, fasc. 79, doc 33, f. 127r-
143(a)r.
465
ASV, NAB, Dispaccio, 9 de maio de 1846, Cx. 22, fasc. 97, f. 8r-8v.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 325

em antecedência, todos os documentos relativos à nomeação do novo


prefeito, para «evitare qualsiasi opposizione sia della parte del Governo
sia da quella ancora del Pe. Fedele da Montensano»466. Mons. Bedini
transmitiu tais documentos ao Governo que deu o seu placet em 28 de
novembro de 1846467. No entanto, Mons. Bedini, sendo contrário à
existência do placet, enviou uma nota ao Governo se lamentando do
mesmo. Porém, a polêmica acabou ali e os capuchinhos puderam continuar
a exercer sua missão468.
Posteriormente se criaram cinco vice-prefeituras: Goiás, Mato Grosso,
Paraná, São Paulo e Minas Gerais, bem como várias outras missões. As
atividades características dos capuchinhos durante o período imperial
foram: a evangelização dos índios, as missões populares e a formação
seminarística (São Paulo e Bahia). Neste sentido acabaram auxiliando
amplamente os bispos reformadores nas suas dioceses. Os frades também
colaboraram com o Governo Imperial, atuando como capelães do exercito
brasileiro na Guerra do Paraguai e como intermediários nos acordos de paz.
De certa forma, o Governo os quis recompensar com a nomeação do
capuchinho fr. Vital para bispo de Pernambuco em 1871469.

9.2. Lazaristas, uma escola ultramontana


Os padres da Congregação da Missão chegaram ao Brasil no século XIX,
chamados pelo monarca português D. João VI, que os solicitou para
dirigirem missões de evangelização indígena no Mato Grosso. Os dois
primeiros padres da Congregação a serem enviados ao Brasil foram:
Leandro Rebello Peixoto e Castro470 e o jovem Antônio Ferreira Viçoso,
que chegaram ao Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 1819471.

—————————–
466
ASV, NAB, Dispaccio, 9 de maio de 1846, Cx. 22, fasc. 97, f. 8r-8v.
467
ASV, NAB, Comunicação do beneplácito para a troca de prefeitos na prefeitura
do Rio, 28 de setembro de 1846, Cx. 22, fasc. 98, doc 32, f. 56r-56v.
468
ASV, NAB, Resposta do Ministério dos negócios Estrangeiros a nota de Mons.
Bedini de 28 de setembro de 1846, 16 de novembro de 1846, Cx. 22, fasc. 98, doc 33, f.
57r-66r.
469
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 160.
470
Nasceu em 1871, de acordo com uma carta de D. Viçoso, que lhe dá 56 anos em
1837. Seu pai era o «morgado» Belchior Rebello Peixoto e Castro, de uma das
primeiras famílias do Minho, e cuja casa «desfrutava 22 foros». Estudou no Seminário
arquiepiscopal de Braga, e foi aí que conheceu os lazaristas, por ocasião das retiros
espirituais, que estes pregavam durante as ordenações. [E. PASQUIER, Os primórdios da
Congregação da Missão no Brasil, 29 nota 23].
471
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 29-31.
326 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Depois de 18 dias no Brasil, em 25 de dezembro, o destino dos padres


mudou, e ao invés de irem ao Mato Grosso, foram enviados a Minas
Gerais, exatamente para a Serra do Caraça, com a missão de fundarem um
colégio e um Seminário para Congregação. Esta mudança de programa foi
devido ao testamento de doação das posses do Irmão Lourenço em favor de
D. João VI472.
Os padres partiram para o Caraça dois meses depois473, em fevereiro de
1820, e em 15 de abril daquele ano, chegaram ao local que lhes fora
destinado. Em julho iniciaram as «missões populares» em Catas Altas e
Barbacena. Essas missões de evangelização e ensinamento da doutrina
cristã se tornariam o traço característico da congregação no Brasil,
juntamente com os seus centros de formação e ensino. O Colégio do Caraça
iniciou suas atividades em janeiro de 1821474. Por ocasião da abertura do
educandário, já haviam chegado de Portugal os lazaristas: Jerônimo
Gonçalves de Macedo e José Joaquim de Moura Alves475.
Nos dois primeiros anos do colégio do Caraça a direção dos estudos,
disciplina e ensino foram confiados ao pe. Viçoso, que praticamente o
dirigiu, auxiliado por José Joaquim Alves de Moura, que posteriormente
virou padre da congregação. Em agosto de 1822, o Imperador D. Pedro I
ordenou que pe. Viçoso assumisse a direção do Seminário de Jacuecanga,

—————————–
472
O Irmão Lourenço, em seu testamento diz ser «natural da freguesia de Nagozelo,
termo de São João de Pesqueira, bispado de Lamego, Portugal. Filho legítimo de
Antônio Pereira e sua mulher Ama de Figueiredo, ambos já falecidos. Sobre si mesmo
disse: “Vivi sempre solteiro e nunca tive filhos”» [Testamento do Irmão Lourenço,
AECAM, livro H-5, f. 42-43, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Catas
Altas]. Segundo Trindade foi criado por um colono português e posteriormente se
tornou ermitão do Santuário que erigiu, fazendo-se chamar Irmão Lourenço de Nossa
Senhora. Ele chegou à Serra da Piedade por volta de 1760 e a capela de Nossa Senhora
da Piedade, na freguesia de Caeté, foi erigida por provisão de 30 de setembro de 1767.
Em 1797 recebeu da Santa Sé uma relíquia insigne – o corpo de São Pio Mártir. Por
toda vida requereu ao rei que ali se instalassem missionários que ele mesmo ajudaria no
sustento. Porém, «A 26 de outubro de 1819, contando noventa e cinco anos de idade e
cerca de cinqüenta de residência no Caraça, faleceu piedosamente, legando todos os
seus haveres a Dom João VI, com o ônus de estabelecer na casa de sua fundação os
religiosos com que sonhara» [R. O. TRINDADE; Arquidiocese de Mariana, II, 7-12].
473
Antes de partirem do Rio de Janeiro, os dois lazaritas, como informa D. Silvério,
tiveram ocasião de se encontrarem com D. Fr. José da Santíssima Trindade, novo bispo
de Mariana, que se achava então no Rio para receber a sagração episcopal. Foram
apresenta-se a ele, e só então partiram para o Caraça depois de terem recebido a sua
bênção [E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 37].
474
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 58-59.
475
R. O. TRINDADE; Arquidiocese de Mariana, II, 14.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 327

na Ilha Grande, Rio de Janeiro. Fê-lo atendendo ao pedido do seu fundador,


Irmão Joaquim do Livramento, um piedoso fiel que vivia uma espécie de
vida monástica laical. De 1822 a 1837, foi pe. Viçoso superior deste
Seminário, ficando dita casa de formação ligada à província lazarista. Em
1837, o pe. Viçoso foi substituído pelo pe. Manuel Joaquim de Miranda
Rego, que por volta de 1839, abandonou a congregação e o Seminário de
Jacuecanga foi fechado no final do mesmo ano476.
A expansão da Congregação continuou com a abertura das casas de
Campo Belo e Congonhas. A casa em Campo Belo, atual Campina Verde,
no Triângulo Mineiro (antigo Sertão da Farinha Podre), foi uma doação de
um casal sem filhos ou herdeiros aos padres da Missão. Tal doação
provavelmente foi motivada pela impressão positiva causada ao casal pelas
missões dos ditos padres realizadas naquelas paragens477.
A construção da casa e colégio de Campo Belo teve início em 1834,
terminando por volta de 1837. Essa casa foi de fundamental importância,
pois tornou-se a comunidade central de 1842 a 1854, período em que os
padres fugiram do Caraça devido à revolução em Minas e São Paulo em
1842478.
Outra comunidade ligada aos Lazaritas foi o Santuário e Irmandade do
Sr. Bom Jesus de Congonhas do Campo, também em Minas Gerais, cuja
direção passou às mãos dos padres da congregação em 1827. Foi enviado
para lá o pe. Leandro de Castro pelo então visitador, pe. Jerônimo
—————————–
476
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 69-74.176-
177.
477
«Andando o Padre Leandro em missões pelos sertões de Uberaba ou sertões de
Farinha Pobre, um piedoso casal sem filhos, João Batista de Siqueira e Bárbara Bueno
da Silva, lhes fazem doação de uma fazenda, denominada Campo Belo, para patrimônio
da Imperial Casa do Caraça. A doação, feita por escritura particular de 2 de julho de
1827 e confirmada por outra solene de 29 de outubro de 1830, fora subordinada às
clausulas de erigir ali a Imperial Casa, com uma capela onde se deveria manter um ou
mais sacerdotes para missas dominicais e de dias de preceito, de ter uma escola pública
de primeiras letras e, logo que fosse possível, de latim e de outras matérias a juízo do
Superior». [R. O. TRINDADE; Arquidiocese de Mariana, II, 15]. O pe. Pasquier nas suas
pesquisas chega à conclusão que muito provavelmente não tenha sido uma missão de
pe. Leandro a tocar a sensibilidade do casal, mas uma missão anterior, pois o único
registro de uma viagem deste padre àquelas paragens foi por ocasião das negociações da
doação em 1827. [E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil,
74-86]. José Evangelista de Souza, que consultou a pesquisa do pe. Pasquier, também
não arrisca precisar quem teria realizado tal missão, dizendo somente que o casal
paulista foi tocado por uma missão de um padre lazarista. [J. E. SOUZA, Província
Mineira da Congregação da Missão, 27].
478
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 74-86.
328 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Gonçalves de Macedo. Este Santuário remontava a 1757, com uma história


semelhante à do Caraça479. Os lazaristas criaram ali um colégio que obteve
certo êxito, formando muitos personagens importantes na história da Igreja
de Minas e do Brasil480.
A administração do santuário de Congonhas por parte dos lazaristas se
estendeu até 1855, e mesmo depois de se retirarem da direção do Santuário
e da Irmandade, os padres permaneceram naquela cidade até 1860, porém,
dedicados somente às missões e ao colégio. Em Congonhas se formou o
primeiro Arcebispo de Mariana, D. Silvério Gomes Pimenta, um mulato de
excepcional inteligência, que continuou a obra de D. Viçoso481.
A relação dos lazaristas com o poder secular foi muito estreita nas suas
primeiras décadas no Brasil. Essa ligação, se em certas circunstâncias
favoreceu a congregação, noutras a prejudicou. O Monarca D. João
conferiu ao Caraça o título de Casa Real, que posteriormente foi
transformado em Casa Imperial, por D. Pedro I. Este título significava não
só o prestigio e honraria, mas também isenção de impostos, isto é, não
precisavam pagar os dízimos dos produtos da terra. Todavia, segundo José
Evangelista de Sousa, «isto contrariava interesses de setores da sociedade
brasileira. Pois, não tardou a sair na imprensa denúncias contra os Padres
Lazaristas do Caraça, taxando-os de “Jesuítas disfarçados”»482.
Esta acusação era particularmente infamante no Brasil pós-pombal.
Além disso, como bem argumentou pe. Eugênio Pasquier, todo favor
político tem seu preço. Ele apontou como conseqüência principal disso a
dispersão e a crise que atingiu a congregação no fim da década de 1830,
resultando também nas ingerências políticas da Coroa na administração
interna da congregação. Assim se refere pe. Pasquier sobre o título de Casa
Imperial:
Este título de concessão trazia o germe do cisma que seria produzido 15
anos mais tarde. Lia-se, entretanto, na Portaria que concedia este favor, a
cláusula pela qual esta casa devia «finalmente ficar de todo independente e
desligada da subordinação ao superior-maior da Casa da Congregação em
Lisboa». Era um primeiro passo que demandava fatalmente outro; esta
independência devia estender-se até ao superior-geral da Congregação de
Paris, e provocar a separação de 1839483.

—————————–
479
J. E. SOUZA, Província Mineira da Congregação da Missão, 27.
480
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, II,14.
481
J. E. SOUZA, Província Mineira da Congregação da Missão, 27.
482
J. E. SOUZA, Província Mineira da Congregação da Missão, 25.
483
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 27-28.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 329

A isenção de alguns impostos, a título de casa real e o favorecimento dos


soberanos, criou não poucas dificuldades aos lazaristas após a
independência. O exaltado espírito patriótico ou xenófobo, atingiu também
a congregação que, em 5 de agosto de 1828, teve de assinar um Manifesto
no qual seus membros se declaravam alheios à política e obedientes ao
Soberano do Brasil484.
O Manifesto também defendia de forma veemente as missões:
Em nossas Missões, assim como nos Seminário, nos limitamos a ensinar a
doutrina cristã, a pregar o Evangelho de Jesus Cristo, de um modo acomodado
à capacidade de todos, sem nos metermos em cousas políticas, alheias à nossa
profissão, e em formas de governo, avançando só a invectiva contra os vícios
em geral, e inculcar a virtude, especificando o respeito e obediência a nosso
Augusto e amável Soberano [...] A favor disto podem depor com exatidão os
mais ouvintes, que de ordinário montam de 12 mil a mais485.
E do que se defendiam os lazaristas? Segundo o pe. Eugênio Pasquier,
deviam defender-se de muitas acusações: de serem estrangeiros; de serem
«jesuítas falsificados»; das doações feitas ao colégio do Caraça e
Congonhas, depois de se terem habilmente introduzidos na administração
das diferentes propriedades; de não prestarem contas de sua administração.
De acordo com estas acusações as propriedades dos lazaristas
representavam bens imensos que cresciam à vontade e sem controle e na
formação que administravam nos seus colégios os professores exerciam um
ensino defeituoso e a alimentação dos alunos era insuficiente. Na sua obra
missionária eram acusados de abusarem da simplicidade do povo e de
serem pouco reservados na linguagem usada contra os incrédulos e
libertinos486.
Logo após a independência, os lazaristas aceitaram a separação da
província brasileira daquela portuguesa e a mudança do título de Casa Real
para Casa Imperial, no sentido de demonstrarem sua adesão à emancipação
ocorrida. Isso, porém, não os poupou da hostilidade da opinião pública, por
parte dos liberais e nacionalistas, como ficou patente por ocasião da
abdicação de D. Pedro I, que poucos dias antes do ocorrido, em viagem
pela agitada província de Minas Gerais, visitou o Caraça juntamente com a
Imperatriz487.

—————————–
484
R. O. TRINDADE; Arquidiocese de Mariana, II, 16.
485
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 120.
486
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 123.
487
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 98.
330 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Como todas os demais religiosos, a congregação sofreu as conseqüências


dos artigos 79, 80 e 81 do Código Criminal de 1830. A indisposição dos
espíritos para com o regulares cresceu ainda mais durante a Regência, dada
a exasperação do sentimento nativista e da xenofobia, principalmente
contra os portugueses, como era o caso de alguns lazaristas. Daí originou-
se uma série de medidas legais, cerceando as relações de dependência que
existiam entre as famílias religiosas do Brasil e seus generalatos na
Europa488.
Os lazaristas por terem continuado a obedecer a casa mãe em Paris,
foram apresentados como em estado de rebelião contra a lei, recebendo
ameaças de denúncias até mesmo por parte dos próprios estudantes e
alguns congregados que abandonaram a ordem. De 1831 a 1836, os padres
receberam várias inquirições do governo provincial, que pedia informações
sobre os colégios, cópias de seus estatutos, número dos alunos, inventários
dos bens moveis e imóveis, orçamento, fontes de renda, históricos, direitos
à propriedade, ao mesmo tempo em que tentava cobrar dízimos sobre seus
bens patrimoniais, mesmo se eram isentos por haverem o título de Casa
Imperial. Seus superiores responderam prontamente a tais inquirições,
enviando todos os documentos e informações pedidas, e defendendo o
direito adquirido de não pagar os dízimos dos quais eram isentos. Segundo
Pasquier, o cuidado com que os lazaristas se esforçavam para demonstrar o
direito de propriedade sobre o colégio e a casa do Caraça, deixava claro
que temiam que fossem até mesmo espoliados. Foi certamente a fim de
guardar sua completa independência e dar ao Governo o mínimo possível
de oportunidade para intervir nos negócios da congregação, que
protestaram não querer nenhuma subvenção489.
O resultado de tudo isso foi a separação da congregação brasileira
daquela central em Paris, em 1838, depois que Jerônimo Macedo havia
transmitido o visitadoriado ao pe. Viçoso no ano precedente. Este, junto
com o pe. Leandro Rebello, defenderam a separação, pelo menos aparente,
como única forma de manter viva a congregação no Brasil490.

—————————–
488
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 126-127.
489
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 151-154.
490
R. O. TRINDADE, Arquidiocese de Mariana, II, 17. Mais informações sobre a
separação de Paris e todas as atas da Assembléia se encontram em: E PASQUIER, Os
primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 193-230.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 331

Pe. Viçoso foi o Superior-Maior de 1839491 a 30 de março de 1843,


quando recebeu a nomeação para bispo de Mariana, deixando o cargo de
substituto superior-maior ao pe. Jerônimo Gonçalves de Macedo. Este
último exerceu interinamente a função por mais ou menos seis meses, até
ser convocado à Assembléia Geral para fins de 1843, na qual foi eleito o
pe. Antônio Afonso de Moraes Torres, para Superior-Maior. A primeira
preocupação do novo superior foi a reunificação com Paris, que se deu no
seu primeiro ano de governo da Congregação do Brasil492.
A formação dos futuros padres e bispos alinhados com as diretrizes
romanas, a administração e o ensino seminarístico junto aos prelados
ultramontanos na segunda metade do século XIX, mais as missões
populares, foram as principais contribuições dos lazaristas para a reforma
eclesiástica, primeiro em Minas e depois em todo o Brasil. Outra
inestimável e fundamental contribuição que deram à causa ultramontana,
aconteceu por meio do lazarista D. Antônio Ferreira Viçoso, assim que ele
assumiu o bispado de Marina, a partir de 1844493.

9.3. A Companhia de Jesus: a sua fama a precede


Alguns jesuítas, expulsos da Espanha, foram para Argentina, de onde
também acabariam sendo obrigados a sair, por iniciativa do ditador Juan
Manuel de Rosas (1793-1877), em 22 de março de 1841. O superior deles,
Mariano Berdugo, foi para Montevidéu, porém, não conseguiu fixar
residência naquela cidade e partiu para o Rio de Janeiro. Chegando à
capital do Império, em 20 de dezembro de 1841, logo percebeu que o
ambiente era hostil aos padres da Companhia, já que os estereótipos
pombalinos ainda persistiam. No entanto, pe. Berdugo recebeu todo o apoio
e incentivo do Internúncio Mons. Ambrogio Campodonico494.

—————————–
491
AES, Br., Officio, 8 de janeiro de 1840, Fasc. 155, pos. 35, f. 6r-6v; ASV, AES,
Lettera di Leandro Rabello sulla elezione di Viçosos a superiore, 20 de dezembro de
1839, Fasc. 155, pos. 35, f. 7r-7v.
492
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 257-258.
493
E. PASQUIER, Os primórdios da Congregação da Missão no Brasil, 53
494
«Ambrósio Campodonico assumiu seu posto, no Rio de Janeiro, em 1841. Sua
vontade era trazer como secretário um padre jesuíta francês, porque a elite cultural do
Rio de Janeiro, e em geral do Brasil, tinha formação francesa. Para tanto, Campodonico
escreveu uma carta ao pe. Rootham. Foi indicado o pe. Clemente Boulanger, SI. Este,
porém, não pôde vir. Outro padre o Internúncio não conseguiu. A atitude do prelado
demonstra o apreço que tinha pela Companhia de Jesus» [A. BOHMEN – al., A atividade
dos jesuítas de São Leopoldo, 85 nota 2].
332 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Internúncio Apostólico conseguiu convencer o bispo do Rio de


Janeiro, D. Manuel do Monte Rodrigues Araújo, a acolher os jesuítas na
sua diocese. Esta tarefa não foi fácil, devido às influências da leitura de
Pascal sobre este prelado, que também estava influenciado pelos
preconceitos circundantes. Seus temores, no entanto, foram dissipados ao
ver o trabalho dos padres no hospital do Rio de Janeiro. Naquela época, a
província do Rio Grande do Sul ainda fazia parte da diocese do Rio, e vivia
em guerra com o Império, existindo inclusive um cisma de jurisdição,
como se viu no segundo capítulo. Foi então que o presidente da referida
província, Dr. Saturnino de Souza Oliveira Coutinho (1803-1848), solicitou
ao bispo o envio de padres para ajudar na cura das almas e na moralização
local. O prelado carioca, então, pediu os passaportes para enviar dois
missionários para as missões do sul, sem mencionar que eram jesuítas. Para
lá partiram os padres João Coris e José Sató, acompanhados pelos irmãos
Gabriel Fiol e Saracco495.
D. Manuel os recomendou ao pároco de Porto Alegre, cônego Tomé
Luiz de Sousa e ao Presidente da província, que naquele momento era o
Barão de Caxias, pois Saturnino de Oliveira havia se demitido em 27 de
julho de 1840. A Caxias, em carta de 18 de julho de 1842, comunicava que
já estavam a caminho para o sul os dois jesuítas mencionados.
Apresentava-os com estas palavras:
Pelo seu ministério, pela capacidade que os caracteriza e pelos poderes um
pouco amplos, que lhes comuniquei, espero na Divina Misericórdia, que
abençoando os seus trabalhos, em breve se vejam os melhores frutos deles em
benefício espiritual e temporal dessa Província, como V. Ex.a. tanto anela e eu
igualmente496.
Partiram os dois padres do Rio em meados de julho de 1842, e chegaram
a Porto Alegre em 15 de outubro do mesmo ano. A demora foi devido a
uma forte tempestade que danificou e quase naufragou o navio em que
viajavam, quando passavam por Santa Catarina. Tiveram de fazer um
atraco de emergência no porto do Desterro. Desta localidade os jesuítas
continuaram a pé até Porto Alegre, aonde chegaram após dois meses de
caminhada497.
O cônego Tomé os recebeu de braços abertos e os acomodou na sua
própria casa. Aos poucos, começaram seus ministérios. De início,
—————————–
495
J. A. LUTTERBECK, Jesuítas no sul do Brasil, 16-19; A. BOHMEN – al., A atividade
dos jesuítas de São Leopoldo, 86-87.
496
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 291
497
J. A. LUTTERBECK, Jesuítas no sul do Brasil, 20-21.
CAP. III: A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 333

pensavam em não usar o típico hábito jesuítico para não suscitar


estranheza, todavia o cônego Tomé pediu que o usassem e fez também
parte ao presidente Caxias498.
Os jesuítas, logo iniciaram as primeiras missões no interior da província
e, em 25 de março de 1843, fizeram a primeira missão em Porto Alegre. O
Superior Bertugo, dirigindo-se ao Rio Grande do Sul, fundou uma casa no
Desterro (atual Florianópolis), em junho de 1843, deixando ali três padres:
Cabeza (superior), José O. Vilá e Miguel V. Lopez. Abriram nesta
localidade um curso de latim e, em 1846, um internato. Em 1853, tiveram
de fechar o internato devido a uma epidemia de febre amarela que vitimou
também alguns padres e alunos. Neste mesmo ano, os jesuítas deixaram
Santa Catarina. Voltaram àquela província posteriormente e ali abriram um
colégio em 3 de fevereiro de 1865499.
No Rio Grande do Sul, continuaram as missões populares, ao que se
seguiu a abertura de uma escola de gramática latina ou Seminário menor,
em Porto Alegre, no ano de 1847. O trabalho junto aos indígenas teve
início dois anos mais tarde. Na recém-criada diocese de São Pedro do Rio
Grande do Sul, os jesuítas receberam o apoio tanto do primeiro bispo D.
Feliciano, quanto do seu sucessor, D. Laranjeiras. Este último, inclusive,
pediu aos jesuítas que assumissem a direção do Seminário, o que ocorreu
em 8 de agosto de 1861500.
Neste período, a missão jesuítica brasileira já estava passando da
jurisdição da província da Argentina para aquela italiana, que viria a se
concretizar em 1865. Em 1869, se tornaram duas: a germânica no Rio
Grande do Sul, e a romana, nas demais províncias do Império501.
Existindo no Rio Grande do Sul colônias de alemães, principalmente a
de São Leopoldo, foram mandados para lá, em 1849, três jesuítas que
conheciam a língua alemã: Agostinho Lipinsk (Polônia), João Sedlak
(Tcheco) e o irmão Antônio Sonntg (silesiano), que chegaram em Porto
Alegre em 14 de julho de 1849502.
Em 1859, um jesuíta de língua alemã, Bonifácio Kluber, foi nomeado
vigário provisório da paróquia de N. S. da Conceição (São Leopoldo) e, em
1860, fundou-se ali uma residência jesuíta com uma escolinha paroquial
anexa. Esta escola se desenvolveu e, em 1869, nasceu o Colégio Nossa
Senhora da Conceição, que deu origem ao Seminário Central Nossa
—————————–
498
A. RUBERT, História da Igreja no Rio Grande do Sul, II, 291-292.
499
J. A. LUTTERBECK, Jesuítas no sul do Brasil, 27-28.62.
500
J. A. LUTTERBECK, Jesuítas no sul do Brasil, 54.60-61.
501
P. A. MAIA, Crônica dos jesuítas do Brasil centro-leste, 26-27.
502
A. BOHMEN – al., A atividade dos jesuítas de São Leopoldo, 105-106.
334 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Senhora da Conceição, com cursos de filosofia e teologia, para a formação


do clero das províncias eclesiásticas de Porto Alegre, Curitiba e
Florianópolis. Os jesuítas ganharam ainda mais força entre os alemães com
o incremento do número de padres a partir de 1872, devido a Kulturkampf
implementada por Bismark503.
Em 1867, fundou-se o célebre Colégio São Luiz de Itu, na Província de
São Paulo e, em 1866, a pedido do bispo de Pernambuco, D. Manuel de
Medeiros, aceitaram os padres abrir uma casa também em Recife. Por
cautela, usaram o nome de Padres de São Francisco Xavier, instituindo ali
um colégio em 19 de março de 1867. Permaneceram lá por poucos anos,
pois durante a Questão Religiosa, foram expulsos da cidade. Em 1886
abriram o «Internato Anchieta» de Nova Friburgo. Mesmo assim, o
consolidado restabelecimento jesuítico no Brasil teve sempre de afrontar
intensa oposição dos regalistas que os acusavam de estarem
clandestinamente no país, já que não tinha sido expressamente abolido o
alvará de expulsão de 1759504.
Foram estes, de um modo geral, os principais ultramontanos do Segundo
Império. Eles não agiam sozinhos, tinham como aliados a Cúria Romana e
seus representantes no Brasil. Juntos ou em frontes separados combateram
contra as ingerências regalistas do poder civil, combate que levou ao
indiferentismo quase geral da Igreja em relação à sorte final do Império,
como será visto nos próximos capítulos.

—————————–
503
J. A. LUTTERBECK, Jesuítas no sul do Brasil, 64-65. Ver também: A. GRÈVE,
Subsídios para a história da Companhia de Jesus, no Brasil.
504
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 168.
Ver também: A. GRÈVE, Subsídios para a história da Companhia de Jesus, no Brasil.
CAPÍTULO IV

AS RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO DO


SEGUNDO IMPÉRIO

A Santa Sé, na condição de centro da ortodoxia Católica Apostólica


Romana, teve uma ação determinante durante o período que ora se analisa,
então nada mais natural do que buscar compreender quais eram as suas
aspirações e estratégias em relação ao Brasil. Para ver aplicados seus
princípios doutrinários e normas disciplinares no Império, a Santa Sé
contou, sobretudo, com a colaboração dos representantes pontifícios
presentes na Nunciatura do Rio de Janeiro, aos quais enviava pontualmente
detalhadas instruções e deles recebia informações várias sobre a realidade
nacional. Torna-se, então, indispensável analisar as relações dos ditos
representantes com a regalista monarquia brasileira, para melhor entender
muitos dos episódios da história religiosa do país. Neste proceder, deve-se
salientar que os enviados pontifícios eram sempre atentos à cautela
diplomática, dada a vigilância regalista que norteava o sistema imperial
brasileiro.
Recorda-se, entretanto, que malgrado as tentativas precedentes, a
afirmação e consolidação do ultramontanismo foi levada a cabo durante o
Segundo Império, ao tempo dos pontificados dos Papas Gregório XVI
(1831-1846), Pio IX (1846-1878) e Leão XIII (1878-1903). A eleição de
Gregório XVI (Mauro Cappellari) marcou a vitória do grupo dos cardeais
«zelantes» sobre os «politicantes», o que permitiu a chegada ao sólio
pontifício de um Papa que, segundo Klaus Schatz, era «inflexivelmente
reacionário» e seguidor de rígidos princípios eclesiásticos. Quem bem
incorporou a posição eclesiástica então dominante no papado foi o Cardeal
Luigi Lambruschini (1776-1854), Secretário de Estado a partir de 1836,
que se distinguiu pela oposição sistemática a todos os princípios liberais,
juntamente a um decidido apoio às correntes ultramontanas e de rigor
eclesiástico1. No entanto, Gregório XVI soube ler os tempos em relação às
atividades missionárias e à América meridional, motivo pelo qual

—————————–
1
K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III, 27.
336 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

gradualmente reconheceu os novos Estados independentes, como ressaltou


Giacomo Martina2.
Pio IX (Giovanni Mastai Ferretti), seu sucessor, teve o mais longo
pontificado do século XIX, destacando-se como administrador, porém, com
pouca índole política. Preocupado principalmente com o bem dos fieis e
com a liberdade da Igreja, «Pio IX se sentia e era essencialmente um
pastor», segundo Martina. Inicialmente saudado como um «Papa liberal»,
sucessivamente demonstrou-se um crítico do liberalismo e convicto
defensor do que acreditava serem os direitos da Igreja, manifestando tal
pensamento no elenco dos «erros modernos», o Syllabus, publicado
juntamente com a Encíclica Quanta Cura, em 8 de dezembro de 1864.
Estes documentos condenavam as ideologias do panteísmo, naturalismo,
racionalismo, indiferentismo, socialismo, comunismo, maçonaria, e várias
outras formas de liberalismo religioso e político, tidos por incompatíveis
com a fé católica3.
Além disso, em 8 de dezembro de 1854, Pio IX proclamou o dogma da
Imaculada Conceição da Virgem Maria, por meio da encíclica Ineffabilis
Deus e promoveu a devoção do Sagrado Coração de Jesus. Ele convocou o
Concílio Vaticano I em 1869, no qual seria definido o dogma da
Infalibilidade papal na sessão solene de 18 de julho de 1870, concluindo
um processo de centralização da Igreja em torno à figura do Papa. Seu
pontificado foi marcado ainda pelo fim do poder temporal pontifício, com a
tomada de Roma pelos exércitos piemonteses, em 20 de setembro de 1870.
O principal Secretário de Estado no período foi o Cardeal Giacomo
Antonelli (1806-1876), que se manteve ao lado do Pontífice de 1848 até o
ano de sua morte4.
O Papa seguinte foi Leão XIII (Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi
Pecci Prosperi Buzzi), que abriu novas perspectivas ao Catolicismo. Com a
encíclica Aeterni Patris, de 4 de agosto de 1879, ele declarou o pensamento
de Santo Tomás de Aquino filosofia oficial da Igreja, dando inicio ao
superamento de uma linha estritamente defensiva em relação ao mundo
moderno. Sempre nesta perspectiva, atento à realidade social emergente,
fez publicar, em 15 de maio de 1891, a encíclica Rerum Novarum, relativa
aos direitos e deveres do capital e do trabalho, marcando o início da
sistematização do pensamento social católico, comumente chamado de
Doutrina Social da Igreja. Dito documento influenciou fortemente a criação
—————————–
2
G. MARTINA, Storia della Chiesa, III, 228-229.
3
H. DENZINGER, Enchridion Symbolorum, 1025-1041.
4
G. MARTINA, Storia della Chiesa, III, 229-237.253-305; K. SCHATZ, Storia della
Chiesa, III, 27-30.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 337

do Corporativismo e da Democracia Cristã. Esta mesma sensibilidade


social levou o Pontífice a agraciar, no Brasil, a Princesa Isabel com a Rosa
d’Ouro, símbolo de generosidade pelo fim da escravidão no país por meio
da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 18885.

1. A ação dos Representantes pontifícios no Brasil


A propósito, recorda-se que, antes da Independência brasileira, dois
Núncios estiveram no Brasil: Mons. Lorenzo Caleppi (1808-1817) e Mons.
Giovanni Francesco Marefoschi (1817-1820). Ambos foram enviados junto
à Corte Portuguesa. O primeiro chegou por ocasião da transferência de D.
João VI e sua corte ao Rio de Janeiro, em 1808, devido à invasão dos
exércitos de Napoleão Bonaparte ao Reino de Portugal, e posteriormente
foi substituído pelo segundo. Após a Independência e seu posterior
reconhecimento em 1826, o primeiro Núncio enviado ao Brasil foi Mons.
Pietro Ostini6.
Antes de se instituir uma Nunciatura no Brasil muito se discutiu entre o
Governo e seus representantes em Roma e na Áustria, sobre a conveniência
ou menos de uma Nunciatura de primeira classe. Alguns, como era o caso
do enviado em Roma Mons. Francisco Correa Vidigal, defendiam a
instituição de uma Internunciatura, com jurisdição e faculdades menores, o
que, segundo ele, criaria menos inconvenientes ao Governo7.
No entanto, o Imperador D. Pedro I, não queria perder em prestígio e
comparação às outras potencias católicas européias. Exigiu, então, do seu
Encarregado em Roma, que conseguisse ao Brasil uma Nunciatura de
primeira classe8. Em 11 de maio de 1827, o Cardeal Secretário de Estado
—————————–
5
K. SCHATZ, Storia della Chiesa, III, 79-89.
6
H. ACCIOLY, Os primeiros Núncios no Brasil, 19-212.
7
Mons. Vidigal, era um dos que propunha para o Brasil a instituição de uma simples
representação pontifícia de segunda categoria. O marquês de Rezende, ministro
plenipotenciário junto à Corte da Áustria, ao contrário, defendia uma Nunciatura de
primeira classe, e indicava o Internúncio Apostólico então presente em Viena, Mons.
Ostini, para ser enviado como Núncio no Brasil. Hildebrando demonstrou que tal
Nunciatura interessava a Ostini, que almejava o cardinalato o mais rápido possível [H.
ACCIOLY, Os primeiros Núncios no Brasil, 213-215].
8
A diferenciação entre Pró-Núncio, Núncio, Internúncio e Encarregado Pontifício,
estava na qualificação, experiência e, por extensão, também idade dos enviados. O Pró-
Núncio normalmente era um Núncio que havia recebido o cardinalato, e
provisoriamente continuava na nunciatura a que tinha sido designado. O Núncio era um
representante pontifício experimentado, um Arcebispo que já tinha cumprido outras
missões como Encarregado Pontifício e Internúncio, correspondendo a um Ministro
Plenipotenciário dos governos regulares. O Internúncio, por sua vez, era um Arcebispo
338 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

comunicou a Mons. Vidigal, haver sua Santidade decidido pela criação de


uma Nunciatura de primeira classe, com todos os privilégios e todas as
faculdades dos Núncios Apostólicos residentes em Lisboa, inclusive a da
promoção à Sacra púrpura9.
Apresentou-se uma lista tríplice com três candidatos ao Imperador, que
deveria escolher um entre eles para Núncio, sendo o mais indicado, como
era o costume, o primeiro da lista, que nesse caso era Mons. Pietro Ostini,
Internúncio austríaco. Era costume que o Governo arcasse com uma
contrapartida financeira para manutenção da Nunciatura, «a exemplo do
que praticavam os príncipes da casa de Bragança», o que implicava
determinar certa quantia ao Núncio, «para o decoro do respectivo cargo»,
devido às dificuldades do Tesouro pontifício. Consultada a Câmara dos
Deputados, não houve aprovação da concessão de um auxílio ao
Representante pontifício. A Santa Sé, depois de ter sido informada por
Mons. Vidigal sobre tal decisão, mudou de idéia, dando outra destinação a
Mons. Ostini, Arcebispo de Tarso, que foi destinado à Nunciatura da
Confederação Suíça. Propôs, então, o envio de um Encarregado de
Negócios ao Brasil. O Governo Imperial se opôs veemente a tal idéia, e
ordenou que Mons. Vidigal procurasse sustentar a escolha que tinha sido
feita de se mandar Mons. Ostini. O encarregado brasileiro e seus sucessores
cumpriram as ordens, e afinal, o Mons. Ostini recebeu a nomeação de
Núncio Apostólico para o Brasil, por Breve de Pio VIII datado de 23 de
junho de 182910.
Em 31 de maio de 1830, Mons. Ostini chegou à destinação e apresentou
suas credenciais, sendo recebido praticamente como um chefe de Estado,
no dia 11 de junho de 1830. Nos dois anos que permaneceu no país, além
de ter vivido um momento político conturbado da história política nacional,
foi extremamente crítico e pouco afeiçoado ao Brasil. Desde os primeiros
dias se lamentava e pedia para ser reenviado à Europa, argumentando que o
clima quente e úmido estava minando sua saúde e que o levaria à morte.
Além disso, defendia ser inútil uma Nunciatura no país, opinando fossem
enviados, futuramente, somente Encarregados de Negócios ou

com média experiência. Enquanto o Encarregado Pontifício era um bispo ou um simples


sacerdote em sua primeira experiência de representação, normalmente interino,
substituindo o Internúncio ou o Núncio. [ Cf. H. ACCIOLY, Os primeiros Núncios no
Brasil].
9
H. ACCIOLY, Os primeiros Núncios no Brasil, 216.
10
Tinha ele na época 54 anos de idade [H. ACCIOLY, Os primeiros Núncios no Brasil,
217-225].
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 339

Internúncios. Tal antipatia e o desejo de regressar ao velho mundo eram


também o reflexo da sua pressa em receber o cardinalato11.
Mons. Ostini sugeriu a Santa Sé que após a sua partida, ao invés de se
mandar ulteriores Núncios ao Brasil, permanecesse o auditor da nunciatura,
Abade Fabbrini, como Encarregado Apostólico. Segundo ele, esta escolha
custaria muito menos aos cofres de Roma. Em uma reunião da Sagrada
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, em 11 de abril de
1831, na presença de Gregório XVI, se analisou o pedido de retorno do
Núncio, dando-se voto negativo. Segundo os cardeais, o auditor Fabbrini,
«embora dotado de ótimas qualidades», não poderia preencher o lugar de
Ostini, sendo ele demasiado jovem, sem experiência e «ouvia pouco».
Havia a preocupação com o vácuo que deixaria no Brasil a partida do
Núncio, e quais seriam as reações do Governo. No entanto, a amizade
existente entre o Papa e Mons. Ostini, que vinha desde antes de Gregório
XVI chegar ao papado, influenciou, afinal, a decisão pontifícia de aceitar o
pedido de transferência. Mons. Ostini acabou recebendo a permissão de
regressar à Europa, em 8 de setembro de 1831, e partiu em 4 de fevereiro
de 1832. Ficou no seu lugar Domenico Scipione Fabbrini, como
Encarregado de Negócios12.
Scipione Fabbrini continuou no país como Encarregado até 1841 e
somente naquele ano foi destinado um Internúncio para o Brasil, na pessoa
do Mons. Ambrogio Campodonico, que aqui ficou até 184513. Em 1852 a
Santa Sé decidiu novamente enviar um Núncio ao Império, e escolheu para
o cargo Mons. Gaetano Bedini, que já tinha sido Internúncio no Brasil de
1846 a 1847. Em 20 de outubro de 1852, foram redigidas minuciosas
Instruções que seriam entregues ao novo Núncio e o guiaria na sua missão.
A Santa Sé, pensando que o Governo não apresentaria oposição à indicação
de Mons. Bedini, fez sua nomeação em 1853, sem enviar a tradicional lista
tríplice ao Imperador, como era o costume. No entanto, o Governo não
aceitou a nomeação do modo que fora feita, pelo seguinte motivo:
[Uma] preterição de uma prerrogativa de que gozava a corte de Portugal, e que
se observava também no ano de 1827 por ocasião da nomeação do primeiro
Núncio que veio a este Império, a qual foi precedida de uma lista tríplice,
escolhendo dela S. M. D. Pedro I a monsenhor Ostini, apressou-se o governo
imperial a representar ao governo pontifício, por intermédio da legação

—————————–
11
H. ACCIOLY, Os primeiros Núncios no Brasil, 239-255.298-309.
12
H. ACCIOLY, Os primeiros Núncios no Brasil, 288-309.
13
ASV, NAB, Índice Geral dos Núncios desde 1808 a 1920.
340 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

imperial em Roma, para que se guardasse naquela nomeação os privilégios da


coroa brasileira14.
Mesmo não sendo enviado como Núncio, Mons. Gaetano Bedini foi
chamado, em 25 de janeiro de 1856, pela Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos Extraordinários, a dar um parecer sobre os negócios
eclesiásticos no Império, ao que ele respondeu em 16 de maio de 1856.
Com grande sinceridade, Bedini tentou demonstrar que a situação da Igreja
estava se degenerando devido à fraca representação da Santa Sé no Brasil.
Até aquele momento o Santo Padre tinha sido representado, na maior parte
do tempo, por Encarregados que não possuíam praticamente nenhuma
autoridade sobre os bispos, além de pouco prestigio junto ao Governo15.
No seu parecer, Mons. Gaetano Bedini dizia que os «males» do Brasil
eram graves e não eram novos para a Santa Sé, pois esta fora sempre
informada deles pelos seus representantes. Esses males eram o regalismo, a
ignorância do clero, o orgulho da nação que pensava ser auto-suficiente em
tudo, os ciúmes e suspeitas do Governo em relação a Roma, o crescente
número de protestantes alemães e ingleses; e por último, a maçonaria, «che
è stata di moda e di ambizione in quasi tutte le classi e che sebbene sia ora
in qualche decadenza, perché l’Imperatore non abbia voluto saperne, pure
ha lasciato tracce incancellabili, e funestissime»16.
A principal causa, no entanto, sempre segundo Mons. Bedini, era a
pouca atenção que a Santa Sé vinha tendo com a Nunciatura brasileira. O
ex-Internúncio admitia quase se arrepender de ter exprimido tal
pensamento e se explicava dizendo:
Ma prego che sia interpretata benignamente, perché io intendo di esprimere
quello stato che agli occhi degli altri apparisce [grifos do original], e che
produce analoghi effetti, non mai quello che è in realtà, mentre nessuno
meglio di me è conscio dell’immensa e continua sollecitudine che anima
questo Centro benedetto e Santo per il bene della Chiesa universale. Chiarirà
meglio il mio pensiero quello che dirò in seguito17.

—————————–
14
AES, Br., Relatório do Governo a Câmara do Deputados, Ministério do Exterior,
1856, Fasc. 172, pos. 117, f. 154v-155r.
15
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 89r-102v.
16
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f.90v-91r.
17
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 91r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 341

Mons. Bedini, argumentava chamando a atenção para a importância de


uma Nunciatura em um país jovem que se emancipara por meio da
«revolução». Este vigor de juventude trouxera consigo muitos perigos,
necessitando de uma prudente guia que o ajudasse na sua regeneração e
ressurgimento. Os princípios religiosos seriam o modelo perfeito para tal
intento, porém, como isso não vinha sendo feito por meio dos bispos e do
clero, era necessário que fosse energicamente manejado pela Santa Sé e
pelos seus representantes. A Nunciatura do Brasil, sendo o centro dos
assuntos religiosos de toda a América Latina, deveria servir de «coraggio
ai deboli, di direzione agli esitanti, e di qualche freno ai potenti, od ai
malvagi»18. Pois, quanto mais longe de Roma, maior deveria ser o prestigio
de quem a representava como competente autoridade. Foram exatamente
esses pensamentos que levaram a Santa Sé a enviar um Núncio ao Brasil.
No entanto, quando os problemas e as desordens cresceram, tanto no Brasil
quanto nas repúblicas espanholas, o Núncio foi retirado ficando um
«simples Encarregado Interino, que era quase a última pessoa do séqüito do
Núncio». Perguntava Mons. Bedini: «Poteva egli con sufficiente Autorità
lottare e imporre?»19.
Mons. Bedini salientava que o encarregado Fabbrini lutara, com zelo,
durante os onze anos que representou a Santa Sé, tendo obtido muito
sucesso, porém, devido à sua condição de «simples sacerdote Encarregado
Interino», não pudera realizar mais, além de diminuir muito o prestigio da
Nunciatura brasileira. Isso o levava a questionar:
[Poteva Fabbrini] secondo le occorrenze, ostruire, eccitare e talvolta ammonire
alcuni Vescovi, Capitoli e Conventi interni di regolari, che tutti per necessaria
e singolare eccezione facevano centro nella Nunziatura del Brasile? Essa era
sempre la depositaria di molte e rilevantissime facoltà, e conveniva egli che un
semplice sacerdote le dispensasse e le delegasse ancora, mentre ne erano privi
gli stessi Vescovi? E questi devono pur sempre sentir ripugnanza di chiederle
ad uno che in ordine gerarchico è pur di tanto loro inferiore. Il Governo ben si
arride d’una debole rappresentanza, e ne profitta20.
Após 11 anos, enviou-se um Internúncio, porém, depois de apenas três
anos ele foi retirado devido a pressões por parte Governo, que se

—————————–
18
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 93r.
19
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 93r.
20
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 93r-93v.
342 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

posicionou em defesa de um frade capuchinho, o qual não aceitava a


autoridade do Representante Pontifício sobre ele21.
Posteriormente foi enviado o autor do parecer, Mons. Bedini, que teve
como primeira dificuldade ser reconhecido pelas autoridades das repúblicas
espanholas, e depois, alguns conflitos com os protestantes da colônia alemã
de Petrópolis. Segundo o próprio Mons. Bedini, ele tentou incentivar a
formação catequética e religiosa, a educação da juventude, e chamou a
atenção sobre a grande vantagem de se trazer da Europa ordens femininas
como as Filhas da Caridade e as Irmãs do Sagrado Coração de Jesus22.
Porém, salientava:
Sul meglio però delle mie fatiche, e delle mie speranze fui richiamato, e vi
consumai due anni appena. Sono costretto a lasciarvi per Incaricato Interino un
vecchio sacerdote dello stesso paese, buono e santo, ma assai limitato nel
resto, che altro migliore colà non se ne offriva. Ma, quello che sarebbe stato
all’arrivo d’un altro, vi fu intento per anni ed anni, e l’importanza della
Nunziatura agli occhi dei religiosi seguitò a perdere immensamente23.
Existia ainda, sempre segundo Mons. Bedini, outro ponto que diminuía a
influência de Roma: as grandes faculdades de dispensas matrimoniais
concedidas aos bispos brasileiros por prazos de 25 anos, conhecido também
como Breve dos 25 anos ou Breve das Faculdades, que devido à sua
importância será visto separadamente mais adiante. Sobre tais concessões
se lamentaram os monsenhores Fabbrini, Campodonico e Bedini.
Defenderam eles a posição que deveriam ser muito mais limitadas, pois tal
situação diminuía no povo os recursos à Nunciatura e enfraquecia nos seus
«espíritos a idéia de Roma e da Santa Sé»24.
Após seis anos de representação por parte do sacerdote Antônio Vieira,
se tentou enviar novamente Bedini, porém desta vez como Núncio; mas,
sua nomeação não foi aceita, sendo enviado outro Encarregado na pessoa
de Mons. Marino Marini. Resumindo: em mais de 25 anos iniciais de

—————————–
21
No início dos anos de 1840, o Império brasileiro se interessou em trazer da Europa
missionários capuchinhos para empregá-los nas missões indígenas, no entanto, logo
entrou em conflito com os Internúncios e com a Propaganda Fide, devido ao desejo por
parte do Governo de ter controle sobre estes missionários dentro do território nacional
[ver capítulo precedente].
22
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 93r- 96v.
23
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 96r-96v.
24
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 96v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 343

representação pontifícia no Império do Brasil, com exceção de três anos


que ali esteve o primeiro Núncio, Mons. Pietro Ostini, e cinco anos em que
estiveram dois Internúncios, Mons. Campodonico e Bedini, no tempo
restante a Santa Sé foi representada por simples Encarregados Apostólicos,
que «per alcuni fu troppo breve, per alcuni altri troppo lunga, non per tutti
sempre ed opportunamente sostenuta, animata e difesa». Por isso, Mons.
Bedini insistia que a Nunciatura no Brasil se tornaria uma instituição
salutar, sobretudo se investida da devida autoridade hierárquica e
diplomática, o que aconteceria se o próximo Representante Pontifício
possuísse muitos meios e faculdades relativas às suas funções. Aí sim,
muito se poderia exigir e esperar dele, pois estaria em condições de aplicar
os devidos remédios que nasceriam das ações combinadas entre «Governo
e Núncio, Bispos e Núncio, Santa Sé e Núncio»25.
Mons. Bedini, desejava que fosse enviado um Núncio ao Brasil, porém,
isso aconteceria somente em 1905, já nos tempos da República. No entanto,
seu parecer surtiu algum efeito, pois nos 33 anos seguintes do Império
(1856-1889), somente por oito anos a Santa Sé foi representada por
Encarregados de Negócios; no período restante, predominaram os
Internúncios, ou seja, uma proporção inversa à etapa precedente (1829-
1856), como se pode notar no apêndice: TABELA 1 – Representantes
pontifícios na Nunciatura do Rio de Janeiro durante o Império.

1.1. As instruções aos Internúncios


A partir de 1852, quando se conjeturava de enviar Mons. Gaetano Bedini
como Núncio ao Rio de Janeiro, tornou-se recorrente a entrega de algumas
Instruções, nas quais se expunha a situação do país de destinação ao
nomeado, bem como os pontos mais importantes em que ele deveria
empenhar-se em resolver ou realizar. As Instruções dadas ao mencionado
Mons. Bedini, por exemplo, alertavam para todos os cuidados que se
deveria ter em um país onde vigorava o padroado herdado de Portugal e
confirmado pela bula Praeclara Portugalliae (a Secretaria de Estado da
Santa Sé ainda ignorava a rejeição da referida bula pela Câmera em ocasião
da redação das primeiras Instruções). Muitas vezes, contudo, na prática,
alguns pontos das Instruções não puderam ser implementados, devido a
variadas circunstancias, como se verá neste e no último capítulo, quando se

—————————–
25
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 97r-99r.
344 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

analisará detalhadamente a atuação dos enviados pontifícios frente a cada


uma das principais questões que ocuparam a Nunciatura brasileira26.
As Instruções para Mons. Gaetano Bedini, Arcebispo de Tebe, datavam
de 20 de outubro de 1852. Eram divididas em parágrafos numerados e
títulos temáticos, denominados Parágrafos no original. Os Parágrafos
eram dez, sendo cinco deles referentes ao Brasil e os demais às Repúblicas
hispano-americanas. No que concernia ao Brasil, somavam-se 32
parágrafos numerados, cujos temas eram os seguintes: 1 – Da reunião dos
Bispos; 2 – Das matérias a tratar nas conferências dos bispos brasileiros; 3
– Da Concordata; 4 – Da redução das Festas e do pedido de diminuição dos
canonicatos da Capela Imperial; 5 – Da ereção do bispado de São Pedro do
Rio Grande do Sul. As Instruções enviadas a Vincenzo Massoni em 1856,
além dos cinco temas precedentes, continham: 6 – Faculdades Teológicas;
7 – Seminário e Cabidos; 8 – Do abuso dos Católicos enviarem seus filhos
a escolas Protestantes; 9 – Da reforma do clero; 10 – Dos matrimônios
mistos27.
As Instruções elaboradas para serem entregues a Mons. Bedini, serviram
de base a outras dadas aos representantes pontifícios sucessivos, enviados
ao longo do Segundo Império. No entanto, a cada ocasião elas eram
enriquecidas com novos parágrafos e novos temas, contendo informações
atualizadas, com resultados alcançados ou não, e pelas medidas tomadas
pelos representantes anteriores. Quando era o caso, se suprimia um tema
que deixara de ser relevante ou se incluía outro relativo a novas questões
eclesiásticas. Foi o que aconteceu frente às pretensões do Governo de
placitar os Breves de faculdades dos representantes pontifícios a partir de
1856, ou o desejo do mesmo em converter os bens das ordens eclesiásticas
em cartelas do tesouro. Após a Questão Religiosa, as Instruções entregues
ao Internúncio Mons. Cesare Roncetti, tratavam dos seguintes temas: 1 –
Pretensão do Governo de antepor o Placet aos Breves dos Internúncios
Apostólicos; 2 – Elaborar uma relação sobre o estado em que se encontrava
a Igreja do Brasil e de enviá-la o mais rápido possível para a Santa Sé; 3 –
Insinuações que deveria fazer o Internúncio ao Governo no intuito de
demonstrá-lo que algumas de suas leis desfavoreciam a reforma da Igreja
no Brasil; 4 – Conferência dos Bispos; 5 – Corporações Religiosas, projeto
de converter os seus bens em cartelas públicas do Estado; 6 – Reforma dos
—————————–
26
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe p.i. Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f.42r-53r.
27
ASV, NAB, Istruzioni per Mons. Vincenzo Massoni Arcivescovo di Edessa p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 15 de outubro de 1856, Cx. 30, fasc.
133 único.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 345

Estatutos das Irmandades; 7 – Nomeação dos bispos; 8 – Seminário [latino]


Americano28.
Das Instruções entregues a Mons. Cesare Roncetti, até o fim do Império,
praticamente não houve mudanças significativas nos temas tratados,
somente atualizações. Nem todos os argumentos citados serão analisados
no presente trabalho, mas somente aqueles relevantes para o problema de
jurisdição entre os poderes espiritual e civil durante o Segundo Império29.

1.2. As tensões entre os Representantes Pontifícios


e o sistema político vigente no Brasil
A proposta do regalismo imperial, de realizar um projeto próprio de
reforma eclesiástica, estava naturalmente fadada a entrar em conflito, ou no
mínimo a criar sérias tensões, com a Santa Sé, ainda que também esta
estivesse interessada em efetuar mudanças na Igreja brasileira. Isso porque,
se o fortalecimento da autoridade e a moralização do clero eram almejados
por ambos, os objetivos dessa alteração não eram, e nem podiam ser, os
mesmos. O Estado procurava reformar a Igreja mantendo intacta a sujeição
da instituição eclesiástica ao Governo, além de fortalecer sua própria
autoridade por meio da autoridade daquela, para melhor estender seu
controle sobre as consciências dos súditos como visto nos capítulos
precedentes.
A Santa Sé, ao contrário, buscava aumentar sua liberdade e
independência em relação ao Estado, bem como afirmar a própria
autoridade sobre a toda a hierarquia católica e sobre os fieis, num processo
de centralização eclesiástico em torno à Cúria e ao Papa. Ou seja, queria
fortalecer a autoridade episcopal em vista da moralização e educação do
clero e do povo. Como as duas propostas eram inconciliáveis, a tensão era
constante, e isso se refletiu nas relações diplomáticas, como será visto neste
capítulo.
A primeira delas foi em relação às faculdades recebidas pelos enviados
pontifícios a Nunciatura do Rio de Janeiro. Seguindo o exemplo de
Portugal e de alguns outros países Católicos, que pretenderam estender o
Regio Exequatur ou Beneplácito aos Breves e bulas Apostólicas que
definiam quais eram as faculdades dos representantes pontifícios em seus
territórios, também o Brasil se aventurou nesta empresa. No entanto, o

—————————–
28
AES, Br., Istruzione a Mons. Cesare Roncetti Arcivescovo di Seleucia p. i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1876, Fasc. 188, pos. 164, f. 7r-23r.
29
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe p.i. Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f.42r-53r.
346 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Núncio Mons. Ostini e os Internúncios Campodonico e Bedini se negaram


peremptoriamente a apresentarem seus breves de faculdades ao Governo
brasileiro, mesmo que nunca tenham chegado a receber um pedido oficial.
Em 1856, Mons. Marino Marini, Encarregado de Negócios, também foi
convidado pelo Governo a informá-lo das faculdades de que era munido30.
O Ministro do Exterior José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio
Branco), seguindo ordens do Ministro da Justiça José Tomas Nabuco de
Araújo Filho, deveria exigir ao Encarregado de Negócios a apresentação
dos seus Breves de faculdade. No entanto, antes de cumprir a ordem, o
Ministro do Exterior convidou Mons. Marini a sua casa, no dia 21 de
janeiro de 1856, ocasião na qual o informou da ordem que recebera e se era
possível entrar em acordo31.
Referida proposta foi definida por Mons. Marini nestes termos:
Il Governo aveva risoluto di adottare la massima di non permettere in
avvenire ai Rappresentanti della Santa Sede l’uso delle loro facoltà se non
dopo che gli fosse stato da essi esibito il relativo Breve Apostolico come si
pratica nel Portogallo, non parendogli regolare di accordare il suo beneplacito
agli atti della Nunziatura senza sapere se questa era autorizzata a farli32.
Mons. Marini argumentou que um pedido oficial de apresentação de seus
breves o colocaria em situação difícil já que, até aquele momento, isto
nunca havia ocorrido no Brasil, e pareceria a todos como se ele tivesse
abusado dos seus poderes. O Ministro, então, perguntou ao Encarregado se
ele poderia ceder pelo menos uma cópia em forma confidencial. Mons.
Marini respondeu positivamente, provavelmente, devido às tensas relações
que estava vivenciando com o Governo, decorrentes da questão sobre a
execução dos Breves de criação dos bispados de Diamantina e Ceará. No
entanto, como ele mesmo informou à Santa Sé, entregou somente alguns
Breves e omitiu outros. Este implícito acordo entre o Ministro do Exterior e
Mons. Marini não satisfez ao Ministro da Justiça, que insistiu em querer os
Breves de forma oficial, mas que não o faria no mandato de Mons. Marini,
que já estava no final33.

—————————–
30
AES, Br., Istruzioni per Mons. Cesare Roncetti Arcivescovo di Seleucia in p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1876, Fasc. 188, pos. 164, f. 7r-7v.
31
AES, Br., Relazione di una Conferenza tenuta col Ministro degli Affari Esteri e
con quello della Giustizia, 12 de fevereiro de 1856, Fasc. 171, pos. 111, f. 60r.
32
AES, Br., Relazione di una Conferenza tenuta col Ministro degli Affari Esteri e
con quello della Giustizia, 12 de fevereiro de 1856, Fasc. 171, pos. 111, f. 69r-60v.
33
AES, Br., Relazione di una Conferenza tenuta col Ministro degli Affari Esteri e
con quello della Giustizia, 12 de fevereiro de 1856, Fasc. 171, pos. 111, f. 60v-62v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 347

Naquele mesmo ano de 1856, foi enviado ao Brasil um novo Internúncio,


Mons. Vincenzo Massoni. Quando ele ainda estava em Paris, foi informado
do pedido feito pelo Enviado brasileiro, Sr. Figueiredo, à Santa Sé, por
meio de um despacho de 22 de outubro de 1856, requerendo a apresentação
dos Breves de Faculdades dos Internúncios que fossem enviados ao Brasil e
da negativa por ele recebida. No despacho se dizia acreditar que o Governo
não insistiria, mas caso o fizesse, que Mons. Massoni deveria seguir os
passos do último enviado pontifício e insistir que a Santa Sé não poderia
permitir a previa apresentação dos breves concedidos aos seus
representantes34.
Mons. Massoni, depois de sua chegada ao Brasil, foi apresentado ao
Ministro do Exterior por Mons. Marini, no dia 28 de novembro de 1856.
Nesta ocasião o Ministro lhe pediu que apresentasse seus breves, recebendo
como resposta que ele não o podia fazer, pois não tinha nenhuma instrução
nesse sentido. O Ministrou insistiu, alegando que os breves deveriam ser
apresentados para ver se receberiam o Beneplácito Imperial total ou parcial
e, segundo relatou Mons. Sanguini, ver se neles «si racchiudesse per
ventura alcuna lesione delle Sovrane prerogative»35.
A resposta do Internúncio foi taxativa:
Sarebbe assurdo il supporre che la S. Sede possa riguardare un privilegio di
qualsiasi Corona l’esame e l’approvazione dei suoi Atti di natura religiosa ed
ecclesiastica, tanto più se partissero da supposizioni eguali a quelle prodotte
dal Sig. Ministro; che senza porre in discussione l’operato dei Nunzi di
Portogallo e di Spagna, poteva, tuttalpiù, dedursi da quello una tolleranza per
parte della S. Sede, motivata da gravissime circostanze, e giammai di Lei
adesione ad un attentato contro la propria autorità36.
No final, Mons. Massoni convenceu o Ministro que não entregaria os
Breves, declarando que as suas faculdades não se diferenciavam daquelas
de Mons. Marini, sendo estas já conhecidas pelo Ministro37. Em 1858, foi
enviado o Internúncio Mons. Mariano Falcinelli. Logo após sua chegada,
entrou em forte dissenso com o Governo, devido aos projetos que este tinha
apresentado na Câmara dos Deputados sobre o casamento civil. Talvez,
devido a este início de representação conturbado, ou devido à firme
negativa recebida pelo Representante brasileiro em Roma por parte da

—————————–
34
AES, Br., Dispaccio, 22 de outubro de 1856, Fasc. 175, pos. 119, f. 2r.
35
AES, Br., Officio, 28 de novembro de 1856, Fasc. 175, pos. 119, f. 6v.
36
AES, Br., Officio, 28 de novembro de 1856, Fasc. 175, pos. 119, f. 6v-7r.
37
AES, Br., Officio, 28 de novembro de 1856, Fasc. 175, pos. 119, f. 8r-8v.
348 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Santa Sé, o certo é que não foi mais pedido aos Representantes pontifícios
que apresentassem os seus Breves de faculdades38.
Este tema passou a fazer parte das Instruções dadas aos Representantes
pontifícios que eram enviados ao Brasil, aos quais, caso o Governo voltasse
a requerer a apresentação dos Breves, se ordenava:
Rispondere subito di non avere istruzioni in proposito, giacché la S. Sede
non poteva dargliele per essere stato i suoi Rappresentanti ricevuti
costantemente nel Brasile senza tal esigenza, la quale oltre all’essere
ingiuriosa alla S. Sede non servirebbe che ad indurre una pratica abusiva
contro di cui la S. Sede non ha cessato né cesserà giammai di reclamare e
protestare. Farà poi riflettere che la S. Sede non ha mai accordato a nessun
Governo sia europeo, sia americano il preteso privilegio di mettere il placet
nei Brevi e Bolle Apostoliche ed in altri atti della Curia Pontificia, come ne
fanno fede le continue proteste ed i reclami da essa dato solennemente ogni
qualvolta sì è tentato dai Governi di stabilire un simile deplorabile abuso39.
Se mesmo assim, o Governo exigisse a apresentação do Breve, segundo
as Instruções, o representante pontifício, por «estrema condescendência»
poderia enviar uma nota confidencial informando que as suas faculdades
eram iguais àquelas dadas aos Monsenhores Massoni, Falcinelli e Sanguini.
Os Internúncios recebiam a recomendação de procederem com muita
cautela e sigilo, para que «il giornalismo non abbia ad impadronirsene ed a
menarne strepito». No entanto, os Breves de faculdades dos representantes
pontifícios não foram mais pedidos pelo Governo Imperial40.

1.2.1. A descoberta da rejeição a bula Praeclara Portugalliae


e a estratégia adotada em relação às nomeações imperiais.
Mons. Marino Marini recebeu, em 13 de dezembro 1854, algumas
instruções sobre o uso das faculdades a ele conferidas para redigir os
processos canônicos dos sacerdotes indicados, pelo Imperador, para
ocuparem as sedes episcopais. Nestas instruções o Cardeal Giacomo
Antonelli, Secretário de Estado, fez explicita menção à bula Praeclara
Portugalliae de 1827, ressaltando que os privilégios de nomear e apresentar

—————————–
38
AES, Br., Istruzioni per Mons. Cesare Roncetti Arcivescovo di Seleucia in p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, Fasc. 188, pos. 164, f. 8v.
39
AES, Br., Istruzioni per Mons. Cesare Roncetti Arcivescovo di Seleucia in p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, Fasc. 188, pos. 164, f. 9r-9v.
40
AES, Br., Istruzioni per Mons. Cesare Roncetti Arcivescovo di Seleucia in p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1876, Fasc. 188, pos. 164, f. 9v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 349

bispos e canonicatos fossem prerrogativa pessoal do Soberano por


concessão pontifícia41.
Nas Instruções a Mons. Marini, no tema que tratava de uma possível
Concordata entre o Governo Imperial e a Santa Sé, vinha expressamente
dito que ao Imperador do Brasil competia o padroado sobre os benefícios
na qualidade de Grão-Mestre da Ordem de Cristo e, ainda, pedia ao
Internúncio que fizesse presente ao Governo que o padroado não era
inerente a Coroa, mas sim uma concessão da Santa Sé42.
Mons. Marini, ao chegar ao Brasil, encontrou um ambiente hostil,
demorando mais de dez meses para ser recebido pelo Ministro da Justiça e
Negócios Eclesiásticos, José Tomás Nabuco de Araújo Filho43. Para melhor
cumprir o que lhe foi instruído, o Internúncio realizou uma escrupulosa
pesquisa sobre a condição da Igreja no Brasil e da concepção que o
Governo tinha do padroado a ele concedido pela Santa Sé. Em 13 de junho
de 1855, ele informou à Secretaria de Estado sobre a posição oficial do
Governo, tomada na sessão 126 da Câmara dos Deputados do Império do
Brasil, em 10 de outubro de 1827, quando foi dado o parecer negativo à
bula Praeclara Portugalliae, negando-lhe o Beneplácito imperial.
Esclareceu que o placet não foi dado, porque a bula foi acusada de conter
proposições anticonstitucionais e que a Charta Magna, por si só, dava ao
Imperador o direito de nomear bispos44.
Exprimiu, então, a seguinte dúvida: como essa bula fora desaprovada e
rejeitada pelo Governo, como deveria proceder na redação dos processos
canônicos dos vescovandis e na execução das bulas de criação das dioceses
de Diamantina e Ceará? Refletiu ainda que, considerando a rejeição sofrida
pela bula Praeclara Portugalliae, os Imperadores do Brasil não tinham
nenhum direito de apresentar ou nomear para benefícios eclesiásticos e
nem mesmo para as sedes episcopais. Portanto, no processo canônico dos

—————————–
41
AES, Br., Sulla istruzione a dare a Mons. Marini sull’uso delle facoltà di redigere
i processi canonici dei promovendi al Vescovado, 13 de dezembro de 1854, Fasc. 171,
pos. 108, f. 3r-3v. Essas instruções foram ainda reforçadas em 29 de dezembro de 1854
[AES, Br., Sulla istruzione a dare a Mons. Marini sull’uso delle facoltà di redigere i
processi canonici dei promovendi al Vescovado, 29 de dezembro, Fasc. 171, pos. 108, f.
8r-10v].
42
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 49v.
43
AES, Br., Officio, 14 de outubro de 1854, Fasc. 176, pos. 125, f. 22r-22v.
44
AES, Br., Officio, 13 de junho de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f. 12r-13r; Officio
enviando os documento sobre a rejeição da Bula Praeclara Portugalliae de 1827, 14 de
outubro de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f. 18v-19r.
350 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

candidatos ao episcopado, por nenhuma razão se deveria figurar a


nomeação imperial, sendo privo D. Pedro II de tal direito45.
Marini pediu, então, instruções sobre como proceder. A resposta do
Cardeal Antonelli foi enviada em 6 de agosto de 1855. Ele instruía que
«nella formazione dei processi per la provvista dei Vescovandi medesimi,
potrà ella regolarsi in piena conformità alla stessa Bolla, richiamandola
espressamente come fondamento della nomina sovrana», e que se excluísse
qualquer «pretesa del Governo medesimo sulla indipendenza che esso
vanta nell’esercizio del gius patronato dalla Concessione Pontificia»46. A
Santa Sé perguntava a Mons. Marini se a rejeição da bula Praeclara
Portugalliae fora oficial, se existia um documento que provasse isso e
quais eram as prescrições não cumpridas da referida bula47.
Em 14 de outubro de 1855, Mons. Marini enviou as atas das sessões da
Câmara dos Deputados que comprovavam o que ele havia referido nos
ofícios precedentes. Nas atas das sessões 105, de 15 de setembro, e 126, de
10 de outubro de 1827, se encontrava o Parecer das comissões justificando
a negativa do placet à bula Praeclara Portugalliae; enquanto que na sessão
141, de 29 de outubro do mesmo ano, se questionava o porquê se pedira à
Santa Sé a referida bula. No ofício que enviou, juntamente aos documentos,
Mons. Marini disse que fora informado de que não se tornara a discutir, nas
Câmaras Legislativas, sobre esta questão e que o Imperador continuou
nomeando os bispos, canonicatos e paróquias vacantes. Dava ainda o
seguinte parecer sobre a posição do Imperador em tal assunto:
Se Egli, dopo l’accennata risoluzione della Camera dei Deputati, non avesse
espressamente dichiarato di fare le nomine per un diritto inerente alla
Sovranità48 ed indipendentemente dalle concessioni della S. Sede, si sarebbe
potuto supporre che, se le facesse in virtù del privilegio Pontificio, ad onta del
dissenso manifestato dalla Camera dei Deputati (ma resta esclusa questa
—————————–
45
AES, Br., Officio, 13 de junho de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f. 12r-13r; Officio
enviando os documento sobre a rejeição da Bula Praeclara Portugalliae de 1827, 14 de
outubro de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f. 18v-19r.
46
AES, Br., Dispaccio a Mons. Marini, 6 de agosto de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f.
16f-16v; 26v.
47
AES, Br., Dispaccio a Mons. Marini, 6 de agosto de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f.
16r-16v.
48
Como foi o caso do decreto imperial de 18 de agosto de 1854, placitando a bula de
criação da diocese de Diamantina, onde se declarou que o padroado era um direito
inerente ao Imperador: «... o Direito do Padroado, de que trata a referida Bula
[Gravissimum sollicitudinis] é por Mim exercido sem dependências de concessão
Pontifícia» [AES, Br., Beneplácito Imperial a Bula Gravissimum sollicitudinis, 18 de
Agosto de 1854, Fasc. 176, pos. 125, f. 29v].
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 351

supposizione o benigna interpretazione espressa dalla di Lui dichiarazione di


far nomine per un diritto nativo proprio della Sovranità), mi sembra che,
ammettendosi in questo caso le sue nomine, si riconoscerebbe implicitamente
quel falso principio, che nel Brasile è comunemente professato e dal Ministro
di Giustizia tenacemente sostenuto, o almeno si darebbe motivo agli incauti e
imprevisti di cadere in errore49.
Apesar das advertências de Mons. Marini, pelas Instruções dadas
posteriormente a Mons. Vincenzo Massoni, se pode notar que a posição
tomada pelo Secretário de Estado Cardeal Antonelli foi mantida. Nelas,
assim se instruía no parágrafo 29º:
Cade qui l’opportunità di notare come essendosi degnata Sua Santità di
accordare all’attuale Inviato interino della S. Sede in Rio Janeiro le speciali
facoltà, regolate però con analoghe istruzioni, di compilare i processi canonici
sulle qualità dei soggetti nominati da S. M. l’Imperatore per le sedi Vescovili
comprese nel territorio della sola Nunziatura Apostolica, lo stesso Incaricato
propose il dubbio se attesa la protesta emessa dalla Camera dei Deputati nella
tornata del 15 settembre 1827 di non accettarsi la sunnominata bolla di Leone
XII, per ragione dei pesi, onde gravava il Governo; ed attesa l’espressa
dichiarazione che suole inserirsi nelle nomine imperiali di procedere cioè S.
M. alla nomina per diritto nativo ed inerente alla Sovranità; venisse con
l’ammissione delle nomine medesime a riconoscersi implicitamente il falso
principio, ora indicato, e comunemente professato nel Brasile. Fu facile
peraltro rispondere ad un tal dubbio dichiarando a Mons. Incaricato che poteva
egli regolarsi in piena conformità alla ritrovata Bolla, richiamandola
espressamente nei singoli casi come fondamento della nomina Sovrana; con
che si escluderebbe qualunque pretensione sull’indipendenza dalla
Concessone pontificia. È quale linea di condotta dovrà osservare Mons.
Internunzio in somigliati occorrenze50.

1.2.2. A controvérsia do cerceamento dos regulares


A situação do clero regular era ainda mais alarmante que a do secular,
porque, entre outros entraves regalistas, seus bens estavam vinculados à lei
de «mão morta». Tal legislação se desenvolveu a partir das Ordenações e
leis do Reino de Portugal, Tomo II, Título XVIII, que instituía a
necessidade de uma licença real para que as ordens religiosas comprassem
—————————–
49
AES, Br., Officio enviando os documento sobre a rejeição da Bula Praeclara
Portugalliae de 1827, 14 de outubro de 1855, Fasc. 171, pos. 108, f. 17v-18v.
50
ASV, NAB, Istruzioni per Mons. Vincenzo Massoni Arcivescovo di Edessa p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 15 de outubro de 1856, Cx. 30, fasc.
133, doc. único, f. 9v-10r.
352 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

ou adquirissem bens, além de regular a sua posse. Por meio deste artifício,
toda ordem religiosa ou toda comunidade de religiosos, que por qualquer
motivo se extinguisse, teriam os seus haveres imediatamente incorporados
aos bens do Estado51.
Este sistema cerceador se intensificou nos tempos do Marquês de
Pombal, o qual, depois expulsar os jesuítas do Reino português em 1759,
fez com que, no ano seguinte, todos os regulares fossem subtraídos à
autoridade dos seus superiores gerais em Roma, ficando sob estreito
controle da Coroa lusitana. O Brasil independente deu continuidade a essa
política. A falta de uma disciplina clara e de uma resistência eficaz por
parte dos religiosos atingidos, levou as autônomas ordens «brasileiras» a
uma progressiva decadência. O pior foi que o mesmo relaxamento que as
contagiou, serviu de pretexto para que o Governo imperial obstruísse a
entrada de novas congregações de regulares no país, ao mesmo tempo em
que impedia a Santa Sé de proceder à restauração das antigas, além de
buscar que se separassem de seus superiores portugueses. Ou seja,
provocou uma «nacionalização» das ordens religiosas52.
A primeira ordem a se separar foi a dos beneditinos, que solicitou e
conseguiu do Papa a permissão, dada com a bula Inter gravissimas curas,
de 7 de julho de 1826. Entretanto, ao Governo não interessava a expansão
das corporações religiosas e as medidas para coibi-la se fizeram sentir. A
primeira aconteceu em 31 de janeiro de 1824, quando D. Pedro I, com a
decisão 36, enviou uma portaria aos bispos proibindo a admissão de
noviços até novas decisões, que vieram em 5 de fevereiro do mesmo ano,
com a medida imperial n.41, estabelecendo a necessidade de uma licença
governativa para a recepção de candidatos ao noviciado, devendo os bispos
vigiar sobre isso. Continuando a perseguição aos religiosos considerados
«estrangeiros», no dia 11 de março de 1824, o decreto 66 suprimiu as
ordens dos frades Terésios e dos Missionários Apostólicos italianos da
Bahia (agostinianos), considerando-os «inimigos do país, ao qual fizeram
guerra no campo de batalha, no púlpito e no confessionário»53.
As supressões se alargaram a outras ordens, em 9 de dezembro de 1830,
foi atingida a de São Felipe Néri em Pernambuco; em 25 de agosto de
—————————–
51
Ordenações e Leis do Reino de Portugal compiladas por mandado d’El-Rei D.
Filipe I, II, 28-31.
52
Tal tentativa começou já na primeira missão diplomática brasileira a Roma, onde
Vidigal, o enviado imperial, nas suas instruções, recebia ordens nesse sentido. No
entanto, tal idéia foi recusada pela Santa Sé. [J. C. M. CARNEIRO, O Catolicismo no
Brasil, 155].
53
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil de 1824, 25-26.28.49.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 353

1831, chegou à vez dos carmelitas descalços e dos capuchinhos italianos de


Pernambuco; em 8 de março de 1835, os carmelitas de Sergipe; em 2 de
julho de 1840, os carmelitas da Bahia pela lei provincial n. 129, do
presidente Thomaz Xavier Garcia de Almeida54.
A consolidação da «nacionalização» das ordens religiosas no Brasil,
separando-as dos seus superiores na Europa, veio em 1830, com a
aprovação do Código Criminal do Império do Brasil, cujos artigos 79 e 80,
estabeleciam:
Art. 79 – Reconhecer, o que for cidadão brasileiro, superior fora do Império,
prestando-lhe efetiva obediência. Penas – de prisão de quatro a seis meses.
Art. 80 – Se este crime for cometido por corporação, será esta dissolvida; e se
seus membros tornarem a se reunir debaixo da mesma, ou diversa
denominação, com a mesma ou diversas regras. Penas – aos chefes de prisão
de dois a oito anos, aos outros membros, de prisão de oito meses a três anos55.
Finalmente, já no Segundo Império, um aviso de 19 de maio de 185556,
do Ministro da Justiça, Joaquim Aurélio Thomaz Nabuco de Araújo,
determinou a proibição da entrada de noviços nas ordens religiosas, até que
fosse feita uma concordata com a Santa Sé, que o Governo proporia. O
problema é que a concordata nunca se realizou e essa circular acabou sendo
o golpe mortal contra as ordens regulares57.
—————————–
54
C. M. ALMEIDA, Direito civil eclesiástico brasileiro, I, parte II, 1105-1115.
55
Código Criminal do Império do Brasil, em Coleção das Leis do Império do Brasil,
1830, parte I, 155-156.
56
Aviso de 19 de maio de 1855: «Sua Majestade o Imperador há por bem cessar as
licenças concedidas para a entrada de Noviços nessa Ordem religiosa, até que seja
resolvida a Concordata que a Santa Sé vai ao Governo Imperial propor-lhe. Deus
Guarde a V. Pat. Revma. – José Thomas Nabuco de Araújo – ao Sr. Provincial dos
Religiosos Franciscanos da Corte». Estes avisos foram enviados a cada uma das ordens
existentes [AES, Br., Circular do Ministério da Justiça, 19 de maio de 1855, Fasc. 172,
pos. 115, f. 69r; J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 306].
57
A primeira notícia semi-oficial sobre a intenção do Governo imperial de concluir
um acordo com a Santa Sé veio no dia 14 de dezembro de 1854, por meio de um
colóquio havido entre o Encarregado Pontifício Mons. Marini e o Ministro da Justiça.
Entre os pontos discutidos pelo Governo brasileiro, estava o parágrafo 5º, sobre a
possibilidade da venda dos bens dos conventos vazios ou quase, cujo produto iria para o
tesouro do Império, enquanto que os conventos restantes ficariam submetidos à
autoridade dos bispos. Estas informações foram expedidas a Roma em 13 de fevereiro
de 1855, um dia antes da partida de Paolino de Souza Soares, Visconde do Uruguai para
Paris e posteriormente para Roma, com intuito de começar as negociações com a Santa
Sé. Porém, chegando a Roma o Visconde não recebeu as ordens do Ministro da Justiça,
Nabuco de Araújo, para abrir negociações, pressentindo, este último, ser perigoso tal
354 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Joaquim Nabuco, no livro Nabuco de Araújo, um estadista do Império,


defende as intenções do autor do Aviso, que era seu pai. Segundo ele,
Nabuco de Araújo estava «imbuído de espírito religioso» quando
suspendeu a entrada de noviços nas Ordens Religiosas com uma «medida
provisória» que, porém, «ficou definitiva», pois se sucederam «mais de
vinte gabinetes, nenhum a revogou, e somente com a separação da Igreja e
do Estado, no novo regime, reabriu-se o noviciado nos conventos». Sempre
segundo tal interpretação, o que Nabuco de Araújo buscava era uma
reforma dos regulares no sentido de: 1º. Serem eles, na parte espiritual,
sujeitos aos bispos, aos quais deveria competir a nomeação e demissão dos
prelados e superiores respectivos; 2º. Prestarem contas da administração
temporal ao juízo competente58.
No relatório do Ministério da Justiça entregue à Câmara em 1855,
Nabuco de Araújo traçava três pontos para a reforma das Ordens
Religiosas:
1º. Supressão dos conventos do interior, que não tiverem pelo menos quatro
religiosos e dos das capitais que não tiverem dez, para a celebração e exercício
do culto; devolução de seus edifícios e bens para os seminários. 2º. Reforma
ou regeneração dos outros em que há comunidades, ficando durante a reforma
e até sua conclusão sob a plena jurisdição dos bispos, que, aliás, devem ficar
ordinariamente investidos da autoridade de presidir as eleições capitulares e
anulá-las quando contrárias às constituições. Aplicação de uma parte de sua
renda liquida para os seminários. 3º. Conversão dos bens rurais e escravos dos
conventos em apólices da dívida pública dentro de dois anos, sob pena de

passo depois de ter tido conhecimento do conteúdo da Concordata assinada com a


Áustria, muito favoravel aos interesses da Igreja. O Governo brasileiro só abriu uma
negociação com a Santa Sé em 1858, por meio do Enviando Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário do Imperador do Brasil junto a Corte Britânica, Francisco Ignácio de
Carvalho Moreira, Barão de Penedo. As negociações não chegaram a um acordo,
declarando, a Santa Sé, em 25 de junho de 1858, que «na legislação brasileira existem
algumas leis que, estando em oposição com os princípios imutáveis da mesma Santa Sé,
impedem de alcançar o desejado escopo». No que concerne às ordens religiosas,
enquanto o Estado queria a venda dos seus bens, a Santa Sé desejava enviar visitadores
e regulares europeus de conduta exemplar para restabelecer a disciplina religiosa. [AES,
Br., Officio, 14 de dezembro de 1854, Fasc. 170, pos. 104, f. 36r-39r, AES, Br., Officio,
fevereiro de 1855, Fasc. 179, pos. 104, f. 63r-65r; AES, Br., Brasile, relazione sullo
stato delle cose religiose, 1857, Fasc. 177, pos. 130, f. 79r-79v; AES, Br., Resposta da
Santa Sé ao contra-projeto, 25 de junho de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 82r -84r; AES,
Br., Brasile – Progetto di Concordata, 1858, Fasc. 180, pos. 133, f. 40r. Cf. E. ISTVÁN,
A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861, 40-47].
58
J. NABUCO, Um estadista do Império, I, 304-305.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 355

comisso59 a bem dos seminários. A administração, desses bens distrai os


religiosos de sua missão sagrada e espiritual e os tornam aferrados aos
interesses temporais60.
Joaquim Nabuco defende que seu pai nunca quis realizar esta reforma
sem o consentimento da Santa Sé, uma vez que desejava celebrar uma
Concordata com a mesma. Ele insiste em dizer que Nabuco de Araújo agia
em consonância com o pensamento de Inocêncio X, que defendia a
supressão dos pequenos conventos, e de acordo com as respostas que os
bispos deram a uma sua circular confidencial de outubro de 1853, na qual
defendiam uma maior autoridade, para si mesmos, sobre os regulares. A
resposta de D. Antônio Joaquim de Mello, bispo de São Paulo, era no
sentido de uma secularização dos regulares que existiam no Brasil e que
seus conventos fossem ocupados por novos religiosos vindos da Europa,
como os redentoristas, os dominicanos, os lazaristas, os de São Felipe Néri,
e outros mais que pudessem servir de mestres para os Seminários. A
preocupação deste bispo era fundamentalmente com os Seminários,
defendendo que os bens das Ordens fossem investidos neles: «O concílio
de Trento autoriza os bispos para cotizar os bens dos religiosos a benefício
dos Seminários diocesanos, mas como hoje tudo esta debaixo da inspeção
do Poder Temporal nada podemos fazer sobre eles»61.
Os prelados do Pará, do Maranhão, de Cuiabá, de Goiás e o Arcebispo
da Bahia, concordavam com a necessidade da reforma sob a intervenção e
jurisdição dos bispos, mas somente com prévia autorização da Santa Sé. O
Ordinário de Pernambuco, D. João da Purificação Marques Perdigão,
defendia a instituição de reformadores idôneos, enquanto o bispo do Rio
Grande do Sul desejava a união de cada ordem em um único convento para
cada uma delas e que o restante dos bens fossem usados para a criação de
uma Universidade teológica62.
Por sua vez, o experimentado bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira
Viçoso, apesar de apoiar a boa intenção do Ministro, compreendia as
dificuldades e perigos. A citação de um trecho de sua resposta, a seguir,
ilustra bem a sua perspicácia:
Mas isto que se diz em duas palavras, que dificuldades não sofrerá! Quanto
aos regulares, quase lhes perco a esperança! Fui mandado reformar os
Carmelitas da Bahia, quase não achei quem nomear para prelado, e entregues

—————————–
59
Comisso é a perda do domínio útil por inadimplemento das obrigações [ndr.]
60
J. NABUCO, Um estadista do Império, I, 306.
61
J. NABUCO, Um estadista do Império, I, 307-308.
62
J. NABUCO, Um estadista do Império, I, 308-312.
356 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

eles a si, tudo ficaria como antes. Parece, pois, acertado o pensamento de V.
Ex.a., mas por que lhe chamo eu quase impossível? Porque os bispos, em
dioceses tão extensas, têm muito que fazer; nem todos foram noviços de
corporações reformadas; se acham apoio em V. Ex.a., talvez não o acharão em
outros: as astúcias dos relaxados, com a liberdade de imprensa, os recursos ao
governo que não for do mesmo parecer, e mil outras coisas, fazem perder o
ânimo e a esperança. O Sr. Arcebispo me disse que lhe davam mais que fazer
três ou quatro conventos de freiras que todo o resto do bispado. Santa Teresa,
no meio do século XVI, com todo o seu ânimo e prudência mais que varonil
obteve reformar os Carmelitas, mas como? Fundando novas casas e recebendo
novos sujeitos, não tomando dos velhos senão dois que achou dos seus
sentimentos. Lembro-me que se o governo pedisse ao Santo Padre doze
religiosos dos mais reformados da Ordem, que se naturalizassem no Brasil,
que com o seu exemplo e luzes edificassem os nossos, talvez obter-se-ia
alguma vantagem juntamente com o projeto de V. Exa. Outra lembrança: os
Carmelitas e Franciscanos estão divididos no Brasil em diversas províncias
com o seu provincial, mas cada uma com poucos religiosos, uns poucos nas
capitais e o resto dos conventos com um só, que é o prelado dos escravos; que
fará o prior? Anda pelas fazendas governando escravos. E o guardião? Nada,
ou ganhando dinheiro para se secularizar. Isso não é Ordem religiosa, nem
nada. Talvez será melhor juntar todas as províncias de cada Ordem em uma
só, para haver mais sujeitos para escolher prelados e a comunicação é fácil por
mar, junto ao qual quase todos tem seus conventos.
Mas, Ex.mo Sr., tudo isso me parece paliativo. O nó cortava-se de um
golpe, não acabando com estas corporações tão úteis quando reformadas,
como eram em seus melhores dias, mas juntando-as em um ou dois conventos,
com uma total e indispensável proibição de receber noviços, enquanto não
melhorasse a conduta (que, torno a dizer, me parece impossível) e chamar
algumas das corporações que abundam na França, v. g. Ligoristas, Lazaristas,
Trapistas, da Doutrina Cristã. Estes homens edificam e são úteis à França, tão
dedicados ao bem público, civil e religioso, tão estimados como V. Exa. vê
que o são as Irmãs da Caridade no Rio. Que clero não apresenta hoje a França
educada com estes homens! Juntos os nossos religiosos em poucos conventos,
sobejavam belos e espaçosos edifícios para acomodar as novas corporações
que logo, pela admissão de candidatos brasileiros, se tornavam nacionais,
contanto que se lhes desse toda a liberdade de observarem suas regras e a
união com a suas cabeças onde quer que estivessem. [...] Quanto ganhariam
esses pobres índios, se houvesse quem preenchesse o vácuo que deixou aquela
corporação cujos membros eram o padre Nóbrega e Anchieta63.
Pelas respostas que deram os bispos se constata que o Governo colocou
em ação somente os pontos que lhe interessavam. Agindo antes de um
—————————–
63
J. NABUCO, Um estadista do Império, I, 311.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 357

prévio acordo com a Santa Sé, proibiu a entrada de noviços e buscou


apoderar-se dos bens das ordens religiosas. O aviso de 19 de maio de 1855,
apenas serviu para esvaziar os conventos. Malgrado diversas ordens de
regulares tenham solicitado posteriormente ao Governo dispensa para
receberem noviços, a todas elas foi negado64.
Os beneditinos tentaram uma estratégia diferente, que também foi
frustrada. Eles mandaram três jovens brasileiros aos seus mosteiros na
Europa, levados pelo fr. João de Santa Gertrudes, com a intenção que
regressassem depois de efetuada a profissão65. O Governo, porém, tomou
conhecimento do fato, e fez publicar outro aviso em 27 de outubro de 1870,
do seguinte teor:
Consta oficialmente ao Governo Imperial, que apresentou-se em Roma fr.
João de Santa Gertrudes, do mosteiro desta Corte, acompanhado de três jovens
brasileiros, chamados Francisco José Vilhaça, José Tomás de Faria e
Hermenegildo de Araújo Sampaio, os quais entraram como noviços na Ordem
dos Beneditinos, sendo por conta do referido mosteiro as despesas que eles se
farão. Não pode o Governo Imperial nem deseja, impedir que os súditos
brasileiros, dirigindo-se a países estrangeiros, professem nas ordens religiosas
que existem, se a legislação respectiva o permita; mas devo declarar a Vossa
Exª. Reverendíssima que, estando anuladas com a circular de 19 de maio de
1855, as licenças concedidas às ordens religiosas do Império, seria
completamente revogada, se fosse lícito aos brasileiros que professem em
ordens religiosas estrangeiras de fazer parte das comunidades existentes no
Brasil. Portanto, Sua Majestade o Imperador ordena que se declare a V. Exª.
que tais brasileiros que fizerem profissão em Roma na Ordem Beneditina não
poderão, voltando ao império, fazer parte do mosteiro do qual V. Exª. é
abade66.

—————————–
64
Sobre tais tentativas ver M. M. CALAZANS, A Missão de Monsenhor Francesco
Spolverini, 23; D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no
Brasil, 154-156.
65
Existe uma carta sem data do fr. João de Santa Gertrudes no AES, Br., mas que
seguramente foi escrita por volta de meados de 1870, devidos as informações que dá.
Ele comunica que acaba de chegar a Roma trazendo três jovens para iniciarem o
noviciado e é informado que ali se encontrava um encarregado do Governo Imperial
para tratar com a Santa Sé a respeito das Ordens Religiosas (se tratava do pe. Pinto de
Campos) com a intenção de converter seus bens em títulos da dívida pública. Nesta
carta ele defendia a sua ordem e pedia a proteção ao Santo Padre [AES, Br., Carta de fr.
João de Santa Gertrudes ao Papa, sem data, Fasc. 1, pos. 171, p. 31r-33r].
66
ASV, NAB, Aviso do Ministério do Império ao Abade Geral da Ordem
Beneditina, 27 de outubro de 1879, Cx. 71, fasc. 345, doc. 8, f. 64.
358 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Em 11 de maio de 1889, o Governo Imperial deu uma interpretação


diferente do aviso de 1855, desta vez favorável à admissão de noviços na
ordem dos capuchinhos. Naquele momento tal decisão era conveniente para
o Estado, interessado em que estes religiosos pudessem formar
missionários para a catequese e «civilização» dos índios, como se pode
verificar por esta tradução para o italiano, do aviso de 1889, enviada a
Santa Sé pelo seu representante:
Eccellenza Revma,
Ho l’onore di rimettere con somma soddisfazione a V. Ecc. Revma. copia
della lettera ministeriale di Rio de Janeiro, nella quale si dichiarano liberi gli
Ordini Religiosi di avere Noviziati nel Brasile [...]
Traduzione dal Portoghese. Gabinetto Ministero degli Affari dell’Impero.
Rio de Janeiro 11/05/1889, al P. Prefetto dei Missionari Cappuccini nel
Brasile.
Tengo presente l’Officio nel quale V. P., mostrando le difficoltà con cui
lotta l’Ordine dei Cappuccini per attendere al servizio delle Missioni nel
Brasile, ricorda la convenienza di stabilire Collegi nelle Province del Sud che
siano destinati a formare, per mezzo del noviziato, missionari per gli indigeni,
revocato l’Avviso che a ciò si oppone.
Non esiste alcun atto legislativo che limiti o ristringa la facoltà che hanno
gli Ordini Regolari di ammettere alla professione della loro Regola i Novizi
che sentano vocazione per osservarla. L’ammissione dei novizi in tali
circostanze, non solo è un diritto degli Ordini stabiliti nell’Impero, ma anche
una necessità affine di perpetuare i detti Istituti. La proibizione equivarrebbe
all’estinzione degli ordini, il che non è d’accordo con la legislazione vigente.
Lo Stato può, se lo giudica conveniente, stabilire in proposito condizioni per
mezzo delle quali garantisca i servigi che gli devono come cittadini quelli che
professano; ma non può impedire che professino quando siano liberati o
redenti da tali incarichi.
Ancorché fosse permesso allargare l’autorità dello Stato fino al punto di
toccare e comprimere la libertà delle vocazioni oneste e pie, come quella di
entrare in un Ordine Religioso, e perfezionarsi per l’osservanza della sua santa
Regola, è certo che il legislatore brasiliano ha mantenuto inalterabile il diritto
antico e mai contraddetto della libera professione, e che non è di competenza
del potere Esecutivo fare in ciò innovazione che lo alteri o sopprima.
Contro questa dottrina fondamentale sarebbe vano opporre l’impedimento
occasionale dell’Avviso dei 19 Maggio 1855, e anzi deve prevalere la
Consulta della Sezione degli Affari della Giustizia del Consiglio di Stato dei
18 Settembre 1857, che dichiarò necessaria l’ammissione dei novizi in
numero ragionevole, senza dubbio perché considerò i rilevanti servizi prestati
alla Chiesa e allo Stato dagli Ordini Religiosi, notandosi che le condizioni del
voto sopra il quale la riferita Consulta fece giuste osservazioni sono alterate
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 359

dal Decreto di Pio IX del 1859, nel senso di assicurare la loro libertà, e nulla
osta che il Governo Imperiale intraprenda la riforma già consigliata dalla
stessa Consulta.
I servigi dei Cappuccini nel Brasile sono stati di tal valore, che il Governo
non cessa d’instare per la venuta di nuovi Missionari, non esita di fare le spese
necessarie, e di mantenere i rispettivi Ospizi, ed è certo, che senza di codesti
Religiosi sarà impossibile continuare le quasi abbandonate Missioni degli
Indigeni.
Così m’incombe dichiarare a V. P. che nel Brasile non vi è legge che abbia
alterato o revocato il diritto che hanno gli Ordini Religiosi di ammettere
novizi, e questi di professare la Regola per la quale sentano vocazione, e
finalmente che non stia nella competenza del Governo fare alterazione in
questa materia. Dio guarde V.P. – A. Ferreira Viana [todos os grifos são do
original]67.
Na ocasião, o Ministro Antônio Ferreira Viana (1833-1903) esclareceu
que não existia nenhum ato proibitivo no legislativo contra a liberdade das
vocações garantida por lei. Ele argumentava que ao aviso de 1855, devia
antes prevalecer a Consulta da Seção dos Negócios da Justiça do Conselho
de Estado de 18 de setembro de 1857, declarando que se admitissem
noviços em número conveniente, além de se buscar a reforma das mesmas
ordens. Esta interpretação praticamente anulava a proibição anterior.
Porém, de 1855 até 1889, enquanto vigorava a proibição do noviciado, o
Estado fez vários esforços para se apoderar dos bens das corporações
religiosas, dando a entender que a referida proibição era uma tentativa de
esvaziá-las, e assim se apoderar dos seus patrimônios. Tal estratégia
governativa foi chamada por Dilermando Ramos Vieira de: «supressão
branca das antigas ordens religiosas remanescentes», devido aos
mecanismos utilizados para chegar a tal fim68.
O interesse do Estado pelos bens das ordens religiosas tinha suas origens
no Reino português. A primeira medida do Governo brasileiro em relação a
elas veio em 9 de dezembro de 1830, declarando «nulos e de nenhum efeito
os contratos onerosos e alienações feitas pelas Ordens Regulares sem
preceder licença do Governo». A partir desta lei, as congregações religiosas

—————————–
67
AES, Br., Lettera di Fr. Bruno da Vinay, Prov. e Com. Gen. Cap., a Mons. Mario
Mocenni, Sostituto della Segreteria di Ststo, 13 de julho 1889, Fasc. 23, pos. 293, f. 2r-
3v.
68
Título do sub-título referente às medidas governamentais contra as ordens
religiosas no segundo capítulo do seu livro [D. R. VIEIRA, O processo de reforma e
reorganização da Igreja no Brasil, 153].
360 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

estavam proibidas de negociarem os seus bens sem uma prévia licença


governativa, como se pode notar pela transcrição da mesma abaixo:
D. Pedro Primeiro por Graça de Deus, e Unânime Aclamação dos povos,
Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil. Fazemos saber a
todos os Nossos súditos que a Assembléia Geral decretou, e Nós Queremos a
Lei seguinte:
Artigo Único. São nulos e de nenhum efeito em Juízo, ou fora dele, todas as
alienações e contratos onerosos, feitos pelas Ordens Regulares, sobre bens
moveis, imóveis e semoventes, de seu patrimônio; uma vez que não haja
precedido expressa licença do Governo, para celebrarem tais contratos69.
No Segundo Império, esta linha política foi confirmada pela Lei n. 369,
de setembro de 1845, fixando a despesa e orçamento para os anos de 1845-
1846. No seu artigo 44 definia: «É permitido a quaisquer Corporações de
mão morta permutar seus bens de raiz por Apólices da dívida interna
fundada, as quais serão intransferíveis, ficando-lhes, desde já, concebido
um abatimento de metade da sisa devida pelas ditas permutações»70.
Em 1830, as ordens foram limitadas no seu direito de propriedade e, em
1845, lhes foram dada «liberdade» de trocar seus bens por títulos do
Estado. O decreto n. 655, de 28 de novembro de 1849, deu o regulamento
para a execução da lei de 9 de dezembro de 1830 e do artigo 44 da lei n.
369, traçando os devidos tramites burocráticos para a obtenção das licenças
para os contratos onerosos e alienações71.
De fato, em 15 de março de 1853, pelo aviso n. 81, o Governo
demonstrou sua vigilância sobre o patrimônio dos regulares, embargando a
venda de uma escrava por parte dos religiosos do convento de Nossa
Senhora do Carmo. Neste documento, as autoridades governativas
deixaram claro que consideravam as ordens religiosas simples
administradoras dos bens que, no seu entender, pertenciam à Fazenda
Nacional:
Joaquim José Rodrigues Torres, Presidente do Tribunal do Tesouro
Nacional, em resposta ao Oficio do Sr. Inspetor da Tesouraria de Fazenda do
Espírito Santo de 17 de Fevereiro último, sob nº. 18, lhe declara que foi curial
o procedimento do Procurador Fiscal da mesma Tesouraria, mandando
proceder ao embargo de uma escrava dos Religiosos do Convento de Nossa
Senhora do Carmo dessa Cidade, qual foi vendida sem previa licença do
Governo; por enquanto é ele competente para obstar às alienações dos bens
—————————–
69
Coleção das leis do Império do Brasil, 1830, parte I, 84-85.
70
Coleção das leis do Império do Brasil, 1845, VII, parte I, 71.
71
Coleção das leis do Império do Brasil, 1849, XII, parte 2, 210-211.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 361

das Ordens religiosas, e promover a nulidade das mesmas alienações, pelo


interesse que tem a Fazenda Nacional na conservação de tais bens, de que as
Ordens são apenas administradoras, e que se hão de devolver ao domínio
Nacional, quando elas por qualquer forma deixarem de existir. Tesouro
Nacional em 15 de Março de 1853 – Joaquim José Rodrigues Torres72.
Em 16 de julho de 1863, o Internúncio Mons. Sanguini, em um ofício
«reservado», enviado a Secretaria de Estado da Santa Sé, informava sobre
uma conferência tida com o Imperador. Entre os vários assuntos que
discutiram, D. Pedro II exprimiu seu pensamento sobre as Ordens
Religiosas. Durante o colóquio, o Imperador teria feito a seguinte
afirmação:
Solo il buon clero secolare può rendere oggi degli utili servigi, e da questo
si riferiva l’idea di volere educato il clero ad una somma obbedienza ai
vescovi, e tale da poterli surrogare ai Religiosi anche per le missioni. Tale
educazione poi si otterrebbe con maggior facilità, quando i molti beni di quelle
corporazioni fossero distribuiti ai Seminari, ed altri utili stabilimenti73.
A tal argumentação o Internúncio ponderou:
La vista di educare il clero ad un’obbedienza simile a quella che i Religiosi
professano per voto, è un bello ideale irrealizzabile, per restare col dubbio se
si avranno in genere buoni Sacerdoti. Lo stesso si avrebbe con i beni, i quali
scomparirebbero per non appartenere né ai religiosi, né ai seminari74.
No entanto, suas ponderações não convenceram D. Pedro, que se
manteve firme na sua idéia. Percebendo o que isso podia significar, o
Internúncio tratou de enviar outro oficio à Secretaria de Estado, em 16 de
setembro de 1863, depois de pedir informações aos bispos da Bahia e do
Maranhão sobre as ordens religiosas. A resposta que obteve foi
desalentadora, principalmente sobre os carmelitas da Bahia, que se
—————————–
72
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, Tomo XVI, 1853, p. 76.
Dilermando Ramos Vieira, citando Otávio Cirillo Botoluzzi, faz uma afirmação que não
é exata. Declara ser o aviso 81 «uma proibição aos conventos» de se desfazerem dos
seus bens. Porém, na verdade, se tratava de uma sentença do Tribunal do Tesouro
Nacional confirmando o embargo, feito por um inspetor, relativo à venda de uma
escrava realizada por uma ordem religiosa. Mesmo se na pratica era a confirmação de
que os conventos estavam proibidos de se desfazerem de qualquer bem sem licença
expressa do Governo, não era, contudo, uma proibição propriamente dita, já que esta
tinha sido feita pela lei de 9 de dezembro de 1830. [D. R. VIEIRA, O processo de reforma
e reorganização da Igreja no Brasil, 156].
73
AES, Br., Officio, 16 de julho de 1863, Fasc. 182, pos. 143, f. 93v-94r.
74
AES, Br., Officio, 16 de julho de 1863, Fasc. 182, pos. 143, f. 94r.
362 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

encontravam dispersos, sendo que muitos deles viviam administrando


engenhos de açúcar. Neste mesmo ofício, comunicou uma provável derrota
do Partido Conservador nas próximas eleições, aumentando os temores de
uma eventual venda de todos os bens das corporações religiosas para
convertê-los em títulos da dívida pública. Esta idéia havia sido já anunciada
pelo então Ministro do Império em seu relatório a Câmara. Naquele
documento foi declarado: «A conveniência de uma medida legislativa que
compelisse as ordens religiosas, dentro de um prazo determinado, a
converter em apólices da dívida pública, com a cláusula da
inalienabilidade, os bens de raiz e semoventes que possuem. Esta medida
parece-me digna da consideração da Assembléia Geral»75.
O Internúncio prosseguia dizendo que o Governo regularia o modo da
sua execução, atendendo à quantidade e valor dos bens existentes em cada
província, e às circunstâncias, a fim de evitar o seu depreciamento.
Estavam claras as intenções do Imperador e do Governo Imperial76.
A resposta a este ofício veio em 14 de outubro de 1863, e é exemplar
para entender o funcionamento e atuação da diplomacia vaticana no Brasil.
Ela se iniciava informando que o motivo da demora da mesma, fora devido
à importância e a complexidade do tema tratado, que havia requerido uma
atenta reflexão por parte da Santa Sé. Concordava com as dificuldades
existentes para a reforma das ordens e que uma ajuda do Estado para
realizá-la seria bem-vinda. Neste sentido, propunha três pontos para
atuação do Internúncio77.
O primeiro seria enviar uma nota ao Governo Imperial descrevendo o
estado de decadência das corporações religiosas, e motivando a causa desta
situação nas leis que proibiram o noviciado e impuseram a separação delas
dos seus centros europeus, bem como incentivar o Imperador a entrar em
negociação com a Santa Sé, para a realização de uma reforma verdadeira.
Tal atitude traria as seguintes vantagens: possibilidade que o Governo
mudasse de idéia em relação à supressão das ordens, ou caso contrário, se
essa se realizasse, o peso de tal decisão cairia toda sobre o mesmo
Governo; deixaria livre a Santa Sé para apresentar suas reclamações e na

—————————–
75
AES, Br., Relatório do Ministro do Império a Câmara, 1863, Fasc. 182, pos. 143,
f. 107r.
76
AES, Br., Officio, 16 de julho de 1863, Fasc. 182, pos. 143, f. 107r.
77
ASV, NAB, Dispaccio, de 14 de outubro de 1863, Cx. 39, fasc. 174, doc. 26, f.
60r-62r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 363

pior das hipóteses, salvar pelo menos uma parte do patrimônio dos
regulares78.
O segundo ponto seria que: o Internúncio escolhesse uma pessoa
influente e confiável, que propusesse ao Governo de pedir à Santa Sé a
substituição das ordens decadentes por outras dedicadas ao ensino e à
assistência aos doentes. Esta pessoa não poderia nunca revelar que agia em
nome da Internunciatura, para não criar nenhum embaraço a Santa Sé, que
ficaria livre para atuar como melhor acreditasse. Se o Governo aceitasse tal
proposta, seria de grande proveito para o Brasil, o qual receberia «bons e
edificantes» religiosos que afastariam a idéia de uma supressão. Para
fortalecer a argumentação do agente da internunciatura, este poderia citar o
caso da França: «La quale, sebbene in altri tempi favorì l’idea che ora
predomina nel Brasile, che cioè la società civile possa far senza delle
corporazioni religiose, col fatto poi si è ampiamente ricreduta agli ordini
religiosi da cui esperimenta ora i più grandi vantaggi»79.
O terceiro ponto era o seguinte: se por algum motivo não fosse possível
realizar nenhuma das duas propostas anteriores, ou caso elas fracassassem,
sendo a abolição das ordens eminente, dever-se-ia empenhar o episcopado
brasileiro a agir de comum acordo, no sentido de que a administração do
patrimônio dos regulares fosse dada aos bispos, para ser utilizado na
reforma do clero, especialmente nos Seminários diocesanos. Porém,
também neste caso, se deveria ocultar que a iniciativa provinha da
Internunciatura, mesmo se esta deveria dirigir a ação dos bispos, podendo
ficar livre para aumentar a pressão junto ao Governo com protestos e
reclamações que poderiam ser enviadas pela Santa Sé. Caso esta estratégia
surtisse efeito, o Internúncio seria munido de todas as faculdades
necessárias para realização de tal intento80.
Enquanto a diplomacia vaticana se movia, o Governo deferiu um outro
duro golpe ao direito de propriedade das ordens regulares. Foi o decreto n.
1.225, de 20 de agosto de 1864. Nele, ao mesmo tempo em que autorizava
o Governo a «conceder as corporações de mão morta licença para
adquirirem ou possuírem por qualquer título terrenos ou propriedades
necessárias para edificação de Igrejas, Capelas, Cemitérios extra-muros,
hospitais, casas de educação e de asilo, e quaisquer outros estabelecimentos
—————————–
78
ASV, NAB, Dispaccio, de 14 de outubro de 1863, Cx. 39, fasc. 174, doc. 26, f.
60r-62r.
79
ASV, NAB, Dispaccio, de 14 de outubro de 1863, Cx. 39, fasc. 174, doc. 26, f.
62r-62v.
80
ASV, NAB, Dispaccio, de 14 de outubro de 1863, Cx. 39, fasc. 174, doc. 26, f.
62v-63v.
364 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

públicos» (art. 1º.), impunha a conversão dos seus bens de raiz, que
tivessem sido adquiridos em conformidade com a Ordenação Liv. 2º, Tit.
18, §1º, em apólices da dívida pública81, como definia o art. 2º:
Os bens de raiz, adquiridos, pelas corporações de mão morta na conformidade
da Ordenação Liv. 2º, Tit. 18, §1º, serão, no prazo de seis meses contados de
sua entrega, alheados, e seu produto convertido em apólices da dívida pública
sob as penas da mesma Ordenação; excetuados os prédios e terrenos
necessários para o serviço das mesmas corporações, e os que até agora tiverem
constituído o seu patrimônio82.
Em 1865, com o início da Guerra do Paraguai, aumentaram as
dificuldades financeiras do Governo, o que correspondeu a um igual
aumento do seu interesse pelos bens eclesiásticos. O representante
pontifício no Brasil não deixou de comunicar tal situação. A resposta da
Santa Sé foi dada em 18 de novembro de 1865, na qual refletia que as
ponderações do Internúncio sobre a grande possibilidade que viesse
proposta a conversão dos bens das corporações religiosas em cartelas da
dívida pública, devido principalmente às despesas do Governo com a
Guerra do Paraguai, eram fundadas. Instruía Mons. Sanguini a procurar
impedir que tal proposta fosse feita, empenhando algum bom deputado para
que defendesse eficazmente os interesses da Santa Sé. Caso isso não
surtisse efeito, deveria agir do seguinte modo:
Sua Santità l’autorizza in tal caso a dichiarare all’Imperiale Governo che la S.
Sede penetrandosi all’aggravio cagionato alle finanze del paese dalle
—————————–
81
Assim versava o Liv. 2º. Tit. 18 §1º: «De muito longo tempo foi ordenado pelos
Reis nosso antecessores que nenhuma Igreja, nem Ordem pudesse comprar, nem haver
em pagamento de suas dívidas bens alguns de raiz, nem por outro título algum os
adquirir, nem possuir, sem especial licença dos ditos Reis, e adquirindo-se contra a dita
defesa, os ditos bens se perdessem para a Coroa. A qual Lei sempre até agora se usou,
praticou, e guardou nestes nossos Reinos sem contradição das Igrejas e Ordens, e Nós
assim mandamos que se guarde e cumpra daqui em diante. E qualquer pessoa secular da
nossa jurisdição, que alguns bens de raiz vender, ou em pagamento der as Igreja e
Ordens, por esse mesmo feito perca o preço, que por ele recebeu, ou a estimação da
dívida, por que os deu em pagamento. E bem assim se percam os ditos bens para nossa
Coroa.
§1 Porém deixando alguma pessoa alguns bens em sua vida, ou por morte a alguma
Igreja, Mosteiro, de qualquer Ordem e Religião que seja, ou havendo-os per sucessão,
podê-los-ão possuir um ano e dia, no qual tempo se tirará deles, não havendo nossa
Provisão para os poder possuir por mais tempo. E não se tirando deles no dito tempo,
nem havendo nossa Provisão, os perderá para Nós» [Ordenações e Leis do Reino de
Portugal compiladas por mandado d’El-Rei D. Filipe I, II,28-29].
82
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1864, XXIV, parte I, 51-52.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 365

sopraindicate spese e passività, e desiderando di far cosa grata a S. M.


l’Imperatore, ma volendo nel tempo stesso non recare alcun pregiudizio agli
interessi della Chiesa, non sarebbe aliena dall’entrare in trattative col
medesimo Governo per esaminare un progetto che avesse per scopo una
parziale conversione in cartelle del debito pubblico col vincolo d’inalienabilità
dei beni stabili e semoventi delle corporazioni religiose purché però in tale
commutazione si verificasse l’evidente utilità della Chiesa, e la relativa
operazione si facesse con l’autorità ecclesiastica a norma delle leggi
canoniche83.
A Santa Sé se propunha a negociar e, reconhecendo as necessidades
financeiras do Governo, já aceitava em parte a conversão de algumas
propriedades. No entanto, o Governo continuava com os seus planos em
relação aos bens dos religiosos. Em 8 de junho 1869, durante as discussões
do «orçamento da receita geral do Império», a Comissão de Finanças
propôs, em nome do Ministério, o seguinte artigo aditivo:
As ordens regulares pagarão:
1º. O imposto de 6% sobre a renda anual que o derem ou que poderiam dar
os prédios rústicos que possuírem, ainda os não aproveitados. O lançamento
deste imposto, que se elevará de mais de 3% em cada ano, far-se-á na forma
do regulamento que o governo expedir para sua arrecadação.
2º. Mais 3% anualmente sobre a renda anual dos prédios urbanos, elevando-
se o imposto na mesma razão em cada ano.
3º. Sobre os escravos maiores de 12 anos, que possuírem em qualquer lugar
do Império, a taxa de que tratou o art. 18 da lei de 1.507 de 26 de Setembro de
186784 e na mesma razão, conforme se acharem eles a serviço ou em quaisquer
estabelecimentos no município da corte, das capitais das províncias do Rio de
Janeiro, Bahia, Pernambuco, S. Paulo, S. Pedro, Maranhão, e Pará, e das
demais cidades, vilas e povoações; aumentado-se de 2$ em cada ano85.
—————————–
83
ASV, NAB, Dispaccio, 18 de novembro de 1865, Cx. 39, fasc. 174, doc. 32, f.
242r-243r.
84
Lei do Orçamento de 1864-1865:
Art. 18. A taxa dos escravos será:
1º. De 10§000 na corte.
2º. De 8§000 nas capitais das Províncias do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, S.
Paulo, S. Pedro, Maranhão e Pará.
3º. De 6§000 em todas as outras cidades.
4º. De 4§000 nas vilas e povoações.
5º. No distrito da légua além da demarcação a taxa será de 6§000.
§ Único. Proceder-se-á a matricula geral dos escravos, na forma dos regulamento que o
Governo expedir, podendo neles cominar multa até 200§000 [Coleção das Leis do
Império do Brasil, 1864, XXIV, parte I, 151].
85
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão de 8 de junho de 1869, II, p. 86.
366 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

No mesmo dia o deputado Tristão de Alencar Araripe (1821-1908),


propôs o seguinte artigo:
As ordens religiosas e demais corporações de mão-morta disporão dos seus
bens imóveis, desnecessários ao seu serviço, dentro do prazo de cinco anos; e
se, findo este prazo, não houverem satisfeito este preceito, o governo fará
vender as ditos bens em hasta pública.
2. O produto dos bens vendidos será empregado em apólices da dívida
publica intransferíveis em benefício dos respectivos proprietários.
3. O governo em regulamento providenciará sobre o modo e efetividade da
venda, afim de evitar fraudes e abusos sobre o preço da mesma venda86.
Os dois projetos tinham o mesmo fim, a alienação do patrimônio dos
regulares. Porém, no primeiro seria gradual, enquanto o segundo teria uma
execução mais imediata e direta. O Internúncio Domenico Sanguini, em um
ofício ao Secretário de Estado da Santa Sé, Cardeal Giacomo Antonelli
(1806-1876), em 20 de junho de 1869, era do parecer que estes projetos
eram o resultado da conhecida «ansietà del Governo d’impossessarvi dei
beni religiosi del Brasile e n’è prova la legge proibitiva dell’ammissione
dei novizi»87.
Mons. Sanguini declarava ter procurado os deputados Pinto de Campos,
Ferreira Viana, Bittencourt e Cândido Almeida, entre outros, para
defenderem a causa católica, e eles responderam ao chamado. O
Internúncio ficou realmente contente com o «vigor da eloqüência» de Pinto
de Campos, e «coi molti suoi lumi», descrevendo que «realmente nella
Camera vi furono dei discorsi bellissimi. Monsignor Pinto de Campos
polverizzò la Commissione di finanza ed il ministero, e l’avv. Viana ed altri
continuarono a dar loro il colpo di grazia». O Internúncio ainda chamou a
atenção ao fato que a Câmara era composta de conservadores que, segundo
ele: «si mostrò sino ad ora meno irreligiosi, e meno distruttori. E noti che
la Camera intera è di Conservatori, essendosi astenuti i liberali
dall’elezioni»88.
Enquanto continuava a discussão sobre os impostos e sobre a conversão
dos bens dos religiosos, os beneditinos publicaram um protesto, que
resultou numa maior discussão do caso na imprensa89. Outros discursos, na
Câmara dos Deputados, chamaram a atenção de Sanguini: de Cândido

—————————–
86
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão de 8 de junho de 1869, II, p. 86.
87
AES, Br., Officio, 20 de junho de 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 3v-4r.
88
AES, Br., Officio, 20 de junho de 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 4v-5v.
89
AES, Br., Officio, 20 de junho de 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 5r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 367

Mendes e de José Bernardino da Cunha Bittencourt. O Internúncio assim os


descreveu:
Rimarchevolissimo è il discorso [...] del Cav. di S. Gregorio Candido
Mendes, autore dell’eccellente opera in tre volumi di Diritto Ecclesiastico. Il
Mendes con tale discorso, che può dirsi per il Brasile monumentale, polverizzò
tutti gli argomenti contrari, e indusse anche il Ministro dell’Impero a far
dichiarazioni di sua ortodossia. Fu tale l’impressione che produsse quel
discorso, che Mons. Pinto de Campos non esitò dichiarare ad alta voce, come
vedesse impresso, che aveva parlato come S. Basilico d’Oriente. Non meno
degno di attenzione é altro bel discorso del Sig. Bittencourt, Commendatore di
S. Gregorio, per la franchezza, e crude verità che vi si contengono... [grifos do
original]90.
A ferrenha defesa, efetuada pela bancada católica, levou a várias
modificações nos projetos, algumas vezes retirando as taxas progressivas
ou as limitando a uma quota máxima, no entanto, o Ministério continuou
firme no seu intento, re-elaborando e reunindo os dois projetos em um
único e re-colocando as taxas progressivas. Apesar disso, não conseguiu
aprová-los definitivamente e ficaram parados nos tramites parlamentares91.
Frente às dificuldades que o Governo estava encontrando na aprovação
de seus projetos no Senado, em relação ao patrimônio dos regulares,
decidiu mandar a Roma Mons. Pinto de Campos, Prelado Doméstico de
Sua Santidade, para abrir uma negociação com a Santa Sé. Para auxiliá-lo,
o Ministério enviou também um Memorandum sobre a questão, que se
iniciava como se segue:
—————————–
90
AES, Br., Officio, 18 de agosoto de 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 9r-10r.
91
Os vários discursos, favoráveis ou contrários aos projetos de conversão dos bens
das ordens regulares em títulos da dívida pública, e as várias modificações que sofreram
ao longo das discussões, podem ser encontrados nos Anais do Parlamento Brasileiro,
1869, Tomos II, III e IV. Enquanto a maioria dos Internúncios eram tempestivos em
enviarem notícias sobre temas importantes como este, Mons. Sanguini enviou seus
ofícios (20 de junho e 18 de agosto) mais ou menos 15 dias depois que as discussões
tinham iniciado e com informações imprecisas, como por exemplo a sua versão do
projeto sobre as taxas progressivas, que segundo ele seriam:
«proponendo in aggiunto alle tasse, che esse pagano già duplicate, le seguenti:
1°. Una tassa del 12% sulle terre incolte, dalle quali non ricavano neppure un soldo.
2°. Un aumento di 2$000, cioè uno scudo, ogni anno, sopra la tassa che già pagano di
10$000, ossia scudi 5, per ogni schiavo maggiore di 12 anni.
3°. Un aumento progressivo all’infinito del 3% ogni anno alla tassa che attualmente
pagano del 21% sulle terre coltivate, e del 24 % di che sono gravate le loro case»
[AES, Br., Officio, 20 de junho de 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 3v-5v; AES, Br., Officio,
18 de agosoto de 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 9r-10r].
368 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Governo de S. M. o Imperador do Brasil, querendo dar um testemunho


não equivoco do quanto respeita e acata a autoridade da Santa Sé Apostólica
em tudo o que concerne à Igreja; querendo além disto, dissipar toda a idéia ou
suspeita de tendências usurpadoras da propriedade religiosa, cuja posse e
direitos aliás reconhece e garante em seus Estados; vem impetrar do Soberano
Pontífice um Breve de aprovação ao projeto de ser convertido em apólices da
dívida pública o produto dos bens das duas Ordens Religiosas Carmelitas e
Beneditinas, sob a clausula inviolável de ser ele aplicado como dotação dos
Seminários Episcopais, que não tiverem suficiente patrimônio, e bem assim
em beneficio dos Estabelecimentos de caridade, das missões e catequese92.
O Memorandum prosseguia declarando que o Governo não era contra as
corporações religiosas e, ao contrário, reconhecia os grandes serviços que
prestaram ao país, confiando mesmo a direção de «seus» Seminários aos
padres lazaristas, capuchinhos, «e o que é mais, aos próprios jesuítas, a
despeito das injuriosas prevenções geradas pelo filosofismo». Declarava
que a proibição de se admitirem noviços era provisória, não sendo uma
decisão do parlamento, e que refletia mais o desejo de melhorar as
condições das ordens do que destruí-las, pois a admissão de noviços só
dificultaria a reforma que se queria fazer. Dizia ainda ser uma vergonha
que as ordens ainda possuíssem escravos, que só ajudavam na decadência
moral dos religiosos93.
Na verdade, entregar a administração de alguns Seminários aos
religiosos, havia sido uma iniciativa dos bispos diocesanos que os
convidaram e, muitas vezes, sem o menor apoio do Governo. Isso,
inclusive, aconteceu em meio a grandes dificuldades, como foi o caso dos
capuchinhos do Seminário de São Paulo. O que o Governo queria era
convencer a Santa Sé de que sempre agira pensando no bem da Igreja.
Entretanto, a chegada de Mons. Pinto de Campos e do Memorandum,
coincidiu com o início dos trabalhos do Concilio Vaticano I. Em Roma se
encontravam vários bispos brasileiros. Antes de se pronunciar, a Santa Sé
pediu o parecer dos prelados do Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul,
Ceará e do Rio de Janeiro. Todos eles, em linhas gerais, concordavam com
a deplorável condição das corporações religiosas no Brasil e com o possível
benefício que poderia vir com a execução do projeto governamental.
Todavia, o bispo do Rio de Janeiro era contrário à aplicação do projeto aos
bens dos monastérios femininos94.
—————————–
92
AES, Br., Memorandum, 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 14r – 14v.
93
AES, Br., Memorandum, 1869, Fasc. 1, pos. 171, f. 14v-16r.
94
AES, Br., Resposta do Bispo do Pará, 15 de fevereiro de 1870, Fasc. 1, pos. 171,
f. 42r-44v; Resposta do Bispo de Pernambuco, 17 de fevereiro 1870, Fasc. 1, pos. 171,
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 369

Após ter conhecimento das opiniões dos prelados, a Santa Sé deu sua
resposta em um Pró-memória, de 28 de março de 1870, exigindo as
seguintes condições para aceitar o projeto do Governo imperial:
La S. Sede perché possa determinarsi a prendere in considerazione quanto é
richiesto nell’anzidetto Memorandum, ravvisa necessario di essere
preventivamente assicurata:
1°. Che la vendita dei Beni sopraindicati si farà all’asta in nome della Chiesa
da una o più commissioni composte di persone capaci da nominarsi in numero
eguale dall’Internunzio apostolico residente in Rio Janeiro, e dal Governo
Imperiale, le quali commissioni tutte dovranno essere presiedute dallo stesso
Internunzio o da un suo delegato.
2°. Che la conversione del prezzo dei medesimi Beni in polizze del debito
pubblico sarà eseguita dalla Commissione che si formerà in Rio di Janeiro e
che dalla stessa saranno distribuite le polizze ai conventi, che si
conserveranno, in quella quantità che da essa si giudicherà conveniente, ai
Seminari e all’altre ridette pie opere, ponendosi le polizze in loro nome.
3°. Che ai Religiosi i quali verranno secolarizzati, si assegnerà dalla
Commissione una congrua pensione vitalizia a carico dei Seminari o delle
altre summentovate pie opere a giudizio della Commissione medesima.
4°. Che i conventi i quali si conserveranno, saranno assoggettati alla riforma
nella maniera che stabilirà la S. Sede e quindi si riapriranno i noviziati95.
A resposta do Governo veio por meio de uma carta confidencial da
Legação Imperial do Brasil em Roma, ao Cardeal Secretário de Estado
Antonelli, em 7 de junho de 1870, nos seguintes termos:
Bases para um acordo:
1º. Que os Religiosos das Ordens Regulares Carmelita, Beneditina e
Franciscana, cujo irregular procedimento é notório, por não preencherem os
fins de sua Instituição, sejam secularizados.
2º. Que possuindo as Ordens Regulares Carmelita e Beneditina avultados
bens, de que já parte tem sido dissipada, convêm que as propriedades urbanas,
rurais e escravos que elas têm na Capital e nas Províncias sejam vendidas em
hasta pública, e convertido o seu produto em Apólices da Dívida Pública, cujo
rendimento liquido será exclusivamente [grifo do original] aplicado na
manutenção do Culto Católico e sustentação dos Seminários e de
Estabelecimentos Pios.

f. 46r-49r; Resposta do Bispo do Rio Grande do Sul, 17 de fevereiro de 1870, Fasc. 1,


pos. 171, f. 50r-50v; Resposta Bispos do Ceará, 28 de fevereiro de 1870, Fasc. 1, pos.
171, f. 51r-52v; Resposta do Bispo do Rio de Janeiro, 23 de março de 1870, Fasc. 1,
pos. 171, f. 53r-56v.
95
AES, Br., Pró-memória; 28 de abril de 1870, Fasc. 1, pos. 171, f. 73r-74r.
370 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

3º. Em quanto viverem os atuais Religiosos se abonará a cada um deles, até


que obtenham beneficio ou emprego eclesiástico, a quantia que for arbitrada
para sua decente subsistência.
Mencionando-se a palavra rendimento: isto é, os juros das Apólices, é para
evitar que trazendo elas a demarcação ao – Portador – podem ser vendidas ou
perdidas, se forem entregues diretamente aos Religiosos96.
A referida resposta nada trazia de novo. A Santa Sé já se manifestara de
acordo com algumas destas condições no Pró-Memória e, além do mais, a
carta em questão não respondia às exigências expressas neste último. Em
15 de junho de 1870, a Santa Sé ainda esperava uma resposta do Governo
aos quatro pontos do Pró-memória, e cobrava uma posição do enviado
brasileiro em Roma97.
No dia 21 daquele mês, enquanto aguardava, enviou ao Internúncio um
resumo das negociações feitas com o Mons. Pinto de Campos e uma cópia
do citado Pró-Memória98. Porém, mesmo sem dar uma resposta à Santa Sé,
o Governo, graças à aprovação parlamentar da Lei do Orçamento de 1870,
n. 1764, art. 18, incluiu, sem prévio acordo com a autoridade eclesiástica, o
que desejava:
Art. 18 – Os prédios rústicos e urbanos, terrenos e escravos que as ordens
religiosas possuem, serão convertidos, no prazo de dez anos [grifos do autor],
em apólices intransferíveis da dívida pública. Não se compreendem nesta
disposição os conventos e dependências dos conventos em que residirem às
comunidades, nem os escravos que as mesmas ordens libertarem sem cláusula,
ou com reserva de prestação de serviços não excedente de cinco anos, e as
escravas cujos filhos declararem que nascem livres. As alienações que se tem
de fazer para realização do disposto neste artigo, serão aliviadas de metade do
imposto de transmissão de propriedade. O Governo estabelecerá o modo
prático de efetuar-se a conversão no regulamento que expedir para execução
destas disposições. Feito isto, compromete-se o Governo Imperial a manter a
subsistência dos religiosos atuais até que sejam secularizados ou colocados em
benefícios eclesiásticos; sendo desnecessário declarar que em todos os seus
atos relativos a este assunto o Governo Imperial não prescindirá do concurso e
acordo dos Bispos do Império, de alguns dos quais já tem pareceres assas
explícitos em sentido favorável a sobredita conversão. A providência que ora

—————————–
96
AES, Br., Carta da Legação do Brasil, Confidencial, ao Cardeal Antonelli, 7 de
junho de 1870, Fasc. 1, pos. 171, f. 75r-76v.
97
AES, Br., Dispaccio al Sig. Ministro Del Brasile presso la S. Sede, 15 de junho de
1870, Fasc. 1, pos. 171, f. 78r-79r.
98
AES, Br., Dispaccio al Internunzio, 21 de junho de 1870, Fasc. 1, pos. 171, f. 80r-
80v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 371

se reclama não tem outro fim, que o de acautelar o futuro desses bens, já são
dissipados, e lhes dar um destino não alheio aos intuitos de seus piedosos
doadores99.
Mons. Sanguini, enviou um Protesto ao Governo, datado de 27 de junho
de 1870, mas obteve como resposta que a instituição governativa estava
agindo de acordo com as decisões do corpo legislativo, na convicção de
que o Estado não estava invadindo as atribuições nem os «pretensos»
direitos da Igreja, razão pela qual não aceitava o referido Protesto. Em 3 de
setembro de 1870, o Internúncio informou a Santa Sé que o regulamento
para a venda dos bens ainda não tinha sido publicado e assegurava que o
Governo nada revelara a ele sobre as negociações e tampouco que enviara
um encarregado a Roma. Informava também que o projeto de conversão
estava caindo no esquecimento e assim ficou até 1883100.
Em 1882, Mons. Di Pietro, ex-Internúncio Apostólico no Brasil,
entregou uma relação sobre a Igreja no Império à Secretaria de Estado. No
item 3º, tratava das condições das ordens religiosas. Começava a relação
fazendo um histórico das medidas do Governo contra as corporações de
regulares e continuava descrevendo o estado de decadência em que estas se
encontravam101.
—————————–
99
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1870, XXX, parte I, 15.
100
AES, Br, Officio, 3 de setembro de 1870, Fasc. 1, pos. 171, 81r-82r.
101
Di Pietro assim descrevia a condição dos religiosos no Brasil: «Gli Ordini
Religiosi del Brasile sono quelli dei Mercedari, Francescani, Carmelitani, e
Benedittini. Dei Mercedari già non si parla più esistendone uno soltanto nella diocesi
di S. Luigi del Maragnone, non so se con l’abito della Religione o di Sacerdote
secolare. I Francescani sono divisi in due province colla totale indipendenza dell’una
dall’altra, quella di Rio Janeiro con 13 Conventi e ridotta al cosi detto provinciale,
uomo scaltro e attivo, ad un vecchio più che settuagenario, e ad un altro religioso
infermiccio [sic.]; quella di Bahia con altrettanti conventi conta tuttora una trentina di
frati sparsi qua e la. I Carmelitani parimenti sono divisi in due province indipendenti,
l’una di Rio di Janeiro con vari conventi, di primitivo istituto, e composta di un priore
sordo, di un religioso quasi cieco, e di un terzo di complessione malsana, soggetti ad un
Visitatore Apostolico nominato (se non prendo equivoco) dall’Internunzio Mons.
Sanguini nella persona del Vicario Generale della diocesi di Rio Janeiro Mons. Felice
Freitas de Albuquerque; l’altra di Pernambuco, dell’Istituto Carmelitano riformato, è
ristretta a sette o otto religiosi. I Benedettini finalmente sono circa 30, e i loro
principali monasteri sono quello di Bahia, dove risiede l’Abate Generale, e quello di
Rio di Janeiro. I più giovani di tutti questi Religiosi non hanno meno di 45 o 50 anni;
ma la maggior parte sono di età molto già avanzata. È perciò evidente, che
prescindendo anche da altre eventualità, gli Ordini religiosi scompariranno nel Brasile
in un tempo non troppo lontano. E questo probabilmente aspetta il Governo per
impossessarsi dei loro beni, senza bisogno di eseguire la legge della conversione in
372 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Relatava que entre os políticos, principalmente entre os senadores,


existiam aqueles interessados em uma real reforma das ordens religiosas,
enquanto outros, entre eles alguns bispos, pensavam que seria melhor
suprimir todas. Mons. Di Pietro era da opinião que a reforma não seria mais
aplicável a algumas ordens, como os carmelitanos e franciscanos do Rio de
Janeiro, e que àquelas reformáveis seria interessante mandar muitos bons
religiosos europeus, «in ciascun convento da soverchiare gli indegni e
ridurli ad essere soltanto tollerati». Segundo ele, apenas os beneditinos
gozavam de alguma credibilidade, por se dedicarem à educação da
juventude, relatando também a tentativa que fizeram, em 1870, de driblar a
proibição do noviciado. Terminava dizendo que nem mesmo entre estes
últimos reinava um verdadeiro espírito religioso102.
Em 6 de junho de 1882, o Encarregado Pontifício, Mons. Adriano Felice,
foi informado que o francês Visconde de Goussencourt103 entregara um
projeto de conversão dos bens das ordens religiosas a Ferreira Viana. Nesta
mesma ocasião, comunicava também que tivera um encontro com o
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Filipe Franco de Sá, na qual
discutiram sobre a possível conversão dos bens dos religiosos. Chegaram à
conclusão que não era o momento para se realizar tal projeto, já que os
ânimos ainda estavam agitados depois da Questão Religiosa. O Internúncio
aconselhou ao Ministro que, caso o Governo insistisse na conversão,
deveria entrar em negociações com a Santa Sé e aceitar as quatro condições
exigidas no Pro-memoria de 1870104.
No dia 28 do mesmo mês, Mons. Adriano Felice informou que o
governador eclesiástico da diocese da Bahia, já que o bispo estava fora da
sede, recebeu um oficio «urgente» do Governo, pedindo uma relação
detalhada da administração dos bens e da conduta dos regulares naquela

cartelle di Consolidato. Sarebbe pertanto a vedersi, se sia espediente di restare nel


silenzio come il Governo, o piuttosto di entrare in trattative con esso per salvare in ogni
pessimo caso tanti Conventi colle Chiese annesse, e tutto ciò che si può del loro
patrimonio abbastanza considerevole». [AES, Br., Rapporto di Mons. Di Pietro intorno
alla condizione della Chiesa nel Brasile, 18 febbraio 1882, Fasc. 11, pos. 209, f. 18v-
19r].
102
AES, Br., Rapporto di Mons. Di Pietro intorno alla condizione della Chiesa nel
Brasile, 18 febbraio 1882, Fasc. 11, pos. 209, f. 18v a 29r.
103
Não foram encontradas muitas informações sobre o Visconde de Goussencourt,
somente algumas leis que davam a sua companhia o privilégio para a construção da
estrada de ferro entre a Bahia de S. Francisco no litoral da Província de Santa Catarina e
a vila do Rio Negro do Paraná [«Decreto (do executivo) n. 9256», 2 de agosto de 1884,
em Coleções das Leis do Império do Brasil, XXXI, parte I – XLVII, parte II, 386].
104
AES, Br., Officio, 10 de junho de 1882, Fasc, 11, pos. 213, f. 52r-52v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 373

diocese, com intuito de se preparar uma relação, caso o Ministério fosse


interpelado pela Câmara. O Encarregado instruiu ao referido governador a
responder que não tinha jurisdição para fazer tal inspeção nas ordens
religiosas e que acharia melhor que fosse feito pelo Arcebispo quando este
retornasse a sua sede105.
Em 19 de maio de 1883, Mons. Felice comunicou que o Governo vinha
tentando se apoderar dos bens dos religiosos franciscanos menores no
Maranhão, devido ao falecimento de todos os religiosos daquele convento,
mesmo se eles haviam deixado a sua propriedade para usufruto do
Seminário episcopal. Informava que o Governo também estava de olho nos
bens dos frades mercedários da mesma diocese, os quais ainda restavam
vivos dois membros, sendo que somente um vivia no convento, enquanto o
outro se dizia estar em Pernambuco vivendo com a sua família106.
No entanto, foi no mês de outubro que o Mons. Felice conseguiu dados
seguros do que estava por vir, graças à informação obtida de uma pessoa
próxima ao Governo, cujo nome ele não revelou:
Persona degna di fede, e che per il suo officio trovasi tutto dì in contatto
con il Governo, segretamente mi ha assicurato, che il Ministero si sta
adoperando per vendere i pochi beni dei Conventi e così riparare il deficit
Governativo. Mi si é ancora detto che il Ministro dell’Impero e quello delle
Finanze hanno, di continuo, sessioni segrete con alcuni capitalisti di questa
piazza, i quali si sono compromessi di presentarsi come compratori. La stessa
persona mi ha presentato un memorandum, quale tradotto in Italiano lo
sottometto al savio giudizio dell’Eminenza Vostra Reverendissima107.
Tal informante secreto tinha razão, pois dois meses depois foi publicado
o Regulamento para a conversão dos bens das ordens em apólices da dívida
pública. O Memorandum dizia que o plano do Governo remontava à
proibição da entrada de noviços e, passando pelos demais avisos e decretos
já vistos anteriormente, declarava ser tal legislação uma «vera spada di
Damocle sempre sospesa e minacciante il patrimonio degli Ordini
Religiosi»108. Ele tentava indicar também quais seriam as dificuldades
financeiras que estavam levando o Governo a ressuscitar tal idéia:
Però è da temere che il Governo in tempo non remoto accolga questo
espediente, attese le gravi difficoltà in cui si troverà fra breve, sia per le
—————————–
105
AES, Br., Officio, 10 de junho de 1882, Fasc, 11, pos. 213, f. 53r-54r.
106
AES, Br., Officio, 29 de maio de 1883, Fasc. 14, pos. 232, f. 2r-3r.
107
AES, Br., Officio, 10 de outubro de 1883, Fasc. 14, pos. 232, f. 5r.
108
AES, Br., Memória do informante secreto de Adriano Felice, 1883, Fasc. 14, pos.
232, f. 6r-7r.
374 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

circostanze critiche dello Stato che vede annualmente aumentare i deficit nei
bilanci, attingendo ora a diecimila conti, e infallantemente dovrà aumentare di
molto per i compromessi con le strade ferrate, sia in ragione
dell’emancipazione degli schiavi, sia per il quasi annichilamento della
produzione del caffè, genere si può dir unico d’esportazione in questo paese.
Pertanto, sotto tutti i rapporti, lo scioglimento critico della questione dei beni
Religiosi nel Brasile si può ritenere come imminente109.
Em resposta a este ofício, a Secretária de Estado pediu que Mons. Felice
se informasse sobre a veracidade das informações e procurasse persuadir o
Governo a entrar em negociações com a Santa Sé. O Encarregado, numa
tentativa de fazer o Governo mudar direção, nomeou dois visitadores
apostólicos, um para os carmelitas, em 5 de outubro de 1883, e outro para
os franciscanos fluminenses, em 5 de novembro, um mês antes da
publicação do Regulamento110.
Os breves de nomeação dos visitadores receberam o beneplácito imperial
e, em 12 de dezembro de 1883, eles receberam a seguinte ordem do
Governo, enviada pelo Ministro Francisco Antunes Maciel:
Ministério dos negócios do Império – 2º Diretoria – Rio de Janeiro, 12 de
Dezembro de 1883.
Precisando o governo conhecer o estado e as condições de administração do
patrimônio das ordens religiosas, sirva-se V.S. de informar com a possível
brevidade:
1º. Quais os bens imóveis pertencentes a essa província, com indicação de sua
situação e todos os esclarecimentos convenientes para julgar-se do seu valor;
2º. Quais os escravos que a província possui, com a declaração do sexo, idade,
cor e lugar de residência; 3º. Quais os contratos, que ainda subsistem de
aforamento e arrendamento de prédios, assim rústicos como urbanos,
vantagem de cada um deles, que escravos compreendem, se foram celebrados
com a necessária licença do governo e se as suas condições tem sido
devidamente cumpridas111.
Aos visitadores apostólicos foi dada a instrução, por parte do
Encarregado Apostólico, de não enviarem tais informações ou de
retardarem seu envio ao máximo possível. Esta atitude levou o Governo a
revogar os breves dos visitadores, com um decreto de 22 de dezembro de
1883. O fato foi comunicado a Santa Sé com um telegrama enviado por
—————————–
109
AES, Br., Memória do informante secreto de Adriano Felice, 1883, Fasc. 14, pos.
232, f. 6v.
110
AES, Br., Officio, 13 de janeiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 38r.
111
AES, Br., Aviso governativo aos Visitadores, 12 de dezembro de 1883, Fasc. 14,
pos. 232, f. 10v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 375

Mons. Felice nos seguintes termos: «Revocati beneplaciti ai visitatori, tutto


precipita, onore della S. Sede esige protesta o Nunzio ritirato. Risposta
immediata»112.
Fora também com um telegrama, em 31 de dezembro de 1883, que a
Secretaria de Estado foi informada do Regulamento. Tal comunicação
continha o seguinte dizer: «Decretato regolamento conversione beni senza
partecipazione, sollecito sospensione. Non ottenendo, devo protestare?»113.
Mesmo se Mons. Felice se propunha a retirar-se do Brasil como forma
de protesto, a Santa Sé não levou esta proposta em consideração e, por
meio de outro telegrama enviado três dias depois, em 4 de fevereiro de
1884, ordenou que fosse feito um protesto formal ao Governo, tomando
como base aquele anteriormente feito por Mons. Sanguini em 1870114.
No dia 31 de dezembro de 1884, o Encarregado Apostólico enviou um
ofício a Santa Sé no qual insinuava que a decisão de publicar o
Regulamento viera da maçonaria e que o Imperador não faria nada em
contrário:
Ora qualche persona che a mia insinuazione ha potuto parlare col Ministro
dell’Interno su questo argomento, ne ha avuto per risposta che esso aveva
ricevuto ordini da autorità superiore (cioè dalla Massoneria, come sono stato
assicurato da un parente del medesimo ministro). Se ne parlasse con
l’Imperatore (che da qualche giorno sta leggermente malato) certamente egli
direbbe che chi governa sono le Camere e i Ministri, e questi più volte hanno
dato prova di dire una cosa e fare un altro115.
Sobre o envolvimento da maçonaria não se encontraram provas, e estas
«ordens da autoridade superior», poderiam muito bem se referirem ao
Imperador. O Encarregado Mons. Felice teve oportunidade de ouvi-lo da
boca do próprio D. Pedro II, em duas ocasiões. A primeira aconteceu
durante o recebimento que o Soberano reservava ao corpo diplomático,
todo primeiro dia do ano. Nessa ocasião, ao comunicar ao Imperador a
angústia que sentia a causa do regulamento para a conversão dos bens dos
regulares, D. Pedro lhe deu a seguinte resposta, como narra o próprio
enviado pontifício:
Egli allora con sovrano cinismo mi rispose – i beni dei Religiosi aver
aumentato l’immoralità nell’Impero, e servire a sostenerla, ed essere sua

—————————–
112
AES, Br., Telegrama, 1 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 30r.
113
AES, Br., Officio, 31 de dezembro de 1883, Fasc. 14, pos. 232, f. 9r.
114
AES, Br., Telegrama, 4 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 31r.
115
AES, Br., Officio, 31 de dezembro de 1883, Fasc. 14, pos. 232, f. 10r.
376 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

assoluta volontà [grifo do original] che siano convertiti in cartelle del debito
pubblico intrasferibile; aggiunse essere stata questa legge emanata da molti
anni, ed aver Egli tollerato con suo dispiacere che i passati ministri non
l’abbiano eseguita –. Risposi, che tuttavia sperava dalla sua rettitudine e
benevolenza, che avrebbe dato istruzioni al suo Governo di prendere i dovuti
accordi colla Santa Sede. A ciò mi rispose, che non prestassi fede alle
promesse dei ministri; Egli parlami franco e sincero – è mia assoluta volontà
che abbia effetto la legge, non volere però che i compratori avessero a
prendere i beni, come suole dirsi, in regalo, ma si sarebbero fatte le cose
assennatamente116.
A segunda vez foi numa audiência, pelo Encarregado requerida, em 4 de
fevereiro de 1884. Ali, enquanto ele transmitia o pedido de Sua Santidade
para que fosse suspenso o processo de conversão dos bens eclesiásticos, D.
Pedro o interrompeu e disse «No, non posso». O Encarregado, no seu ofício
narrou os fatos usando muitos verbos no infinitivo (como também na
citação precedente), em um texto pouco elaborado, como se tivesse sido
escrito às pressas, talvez, numa tentativa de não perder importantes
detalhes contidos na sua memória:
La conversione dei beni avere Egli ordinato, e volere che si effettui, credere
Egli a tutti i dogmi, non potere però assoggettare le cose civili del suo Impero
(e la conversione dei beni dei religiosi essere una cosa civile) alla disciplina
ecclesiastica. Aggiunse inoltre: io sono cattolico per educazione e per
convinzione, però liberale; e ripete questo concetto per tre volte. Si allargò poi
in altre considerazioni che qui trascrivo: «Sua Santità governa la Chiesa in
un’epoca in cui deve tollerare rivoluzioni provvidenziali; nel Brasile l’è finita
pei monaci; si deve pensare all’educazione dei Seminari, arricchendoli di
buoni gabinetti e di eccellenti professori all’altura dei tempi: il paese ha
bisogno di un clero nazionale, amante della patria, ed affezionato al suo
regime, e non di un clero forestiero e scandaloso, nominando specialmente i
preti portoghesi e italiani che pensano solo a far denari, danno ogni sorta di
scandali; il ministro è delle sue stesse idee: il ministro è responsabile e doveva
io intendermi con esse su tutto». [...] oltre di che lo stesso Imperatore,
m’ingiunse di trasmettere fedelmente a Sua Santità la nostra conversazione,
sicuro che Egli personalmente avesse potuto parlare con Sua Santità l’avrebbe
convinto [grifos do original]117.
O Regulamento, sobre a conversão dos bens das ordens religiosas, foi
publicado com três anos de atraso em relação ao prazo máximo de 10 anos
estipulado pela lei de 1870, que venceu em 1880, já que o seu decreto, n.º
—————————–
116
AES, Br., Officio, 14 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 14v.
117
AES, Br., Officio, 14 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 14v-15r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 377

9094, datava de 22 de dezembro de 1883. Ele estabelecia a conversão dos


bens das ordens religiosas em apólices intransferíveis da dívida pública
interna fundada, estipulando um prazo de 10 anos para a sua execução,
como definia o art. 1º: «Os prédios rústicos e urbanos, e os terrenos que as
Ordens religiosas possuem serão desamortizados durante o prazo máximo e
improrrogável de 10 anos, a contar da data deste Regulamento, e
convertidos em apólices da dívida pública interna fundada, que serão
intransferíveis»118.
No art. 3º, foram definidas quais ordens religiosas seriam atingidas pela
nova legislação:
Art. 3º. Nas Ordens religiosas, cujos bens devem ser desamortizados, nos
termos do art. 18 da Lei n. 1764 de 28 de Junho de 1870, estão
compreendidas:
I. As de clérigos regulares ou seculares de qualquer denominação ou regra
monástica;
II. As freiras, professas ou não, de qualquer denominação ou regra monástica;
III. As de congregados e congregadas de qualquer denominação, que vivam
em comunidade claustral119.
Apesar das negociações feitas em 1870, por Mons. Pinto de Campos, nas
quais a Santa Sé exigiu, para aceitar as conversões, os quatro pontos
citados anteriormente, declarando que nas comissões deveriam ter
membros escolhidos pelo Internúncio e pelo Governo, este,
unilateralmente, decidiu que todas as comissões seriam escolhidas pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, sem nem mesmo
uma consulta a Internunciatura. Dizia o texto do decreto:
Art. 5º. Todos os trabalhos relativos a desamortização dos bens das Ordens
religiosas serão executados por uma comissão de três membros, nomeados
pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, a qual terá a
sua sede nesta Corte e funcionará em uma das salas da Secretaria de Estado
dos Negócios do Império.
Nos municípios, fora da capital do Império, onde as Ordens religiosas tiverem
bens, esses trabalhos serão executados por delegações de três membros,
nomeados pelo Ministério do Império120.
No art. 7º, do Capitulo II, que tratava do inventário dos bens, se
estipulava o prazo de apenas 15 dias para que as ordens apresentassem uma

—————————–
118
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 504.
119
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 505.
120
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 505.
378 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

descrição detalhada do patrimônio a ser inventariado, além dos documentos


e títulos comprobatórios da sua posse. Deveriam, também, indicar quatro
avaliadores que atuariam juntos a outros que seriam indicados pelas
comissões:
Art. 7º. Constituída a comissão na conformidade do disposto do art. 5º,
convidará ela, por anúncios nos jornais e por ofícios registrados na Repartição
dos Correios, os representantes das Ordens religiosas a apresentarem-se, no
prazo de 15 dias, sob pena de seqüestro, e darem a descrever, para serem
inventariados, os bens das mesmas Ordens, devendo exibir os livros de
tombamento e quaisquer outros livros, documentos e títulos comprobatórios
do domínio ou posse dos ditos bens. Na mesma ocasião, deverão indicar
quatro pessoas idôneas para, entre elas, serem escolhidos os avaliadores121.
Se por acaso, o representante de alguma das ordens não cumprisse com
qualquer disposição do regulamento, seus bens estariam sujeitos a
seqüestro pelas comissões ou delegações, além da imposição de um
representante estranho a elas:
Art. 15. Se o representante de alguma das Ordens religiosas deixar de
apresentar-se no prazo marcado no art. 7º, ou deixar de cumprir as demais
obrigações que lhe são impostas no presente regulamento, a comissão ou as
delegações ordenarão o seqüestro dos bens das Ordens, e nomeação para eles
de administrador idôneo, o qual fará, perante a comissão ou as delegações, às
vezes do representante da Ordem, e prestará contas de sua administração,
quando e como for resolvido pela comissão ou delegações.
Parágrafo único. Destes seqüestros, a que se procederá administrativamente,
poderão as Ordens recorrer, no prazo de 19 dias depois de realizados, na Corte
para o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, e nas
províncias para os respectivos Presidentes, os quais darão ou negarão
provimento, depois de ouvirem a comissão ou as delegações, e submeteram o
seu ato à aprovação do Governo. Estes recursos não têm efeito suspensivo122.
Nem todos os bens, contudo, seriam desarmonizados. Tanto parte do art.
1º, quanto todo o Capítulo III da lei, tratavam dos bens que seriam
excetuados, a saber: os conventos com mais de três professos que
passassem ali a maior parte do tempo; os cemitérios que foram feitos de
acordos com as posturas das câmaras municipais, os hospitais, os
orfanotórios, asilos de inválidos, de mendigos, de infância desvalida, e
outros estabelecimentos de caridade ou de educação, devendo estar dotados
de patrimônio suficiente para sua sustentação. Porém, no momento que
—————————–
121
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 506.
122
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 508.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 379

estes bens deixassem de ter tais funções estariam sujeitos a desamortização.


Já o Capítulo IV, regulava a arrematação dos bens, o V as despesas123 e,
finalmente, o VI, regulava a conversão dos bens em apólices da dívida
pública, nos seguintes termos:
Art. 37. No fim de cada ano financeiro serão emitidas tantas apólices da dívida
pública interna fundada, com a expressa declaração de inalienáveis, quantas
forem equivalentes ao produto líquido arrecadado dos bens das Ordens
religiosas. As referidas apólices serão entregues aos representantes das
mesmas Ordens, na proporção do que a cada uma pertencer124.
Nas negociações que tiveram lugar em 1870, a Santa Sé se dispusera a
converter alguns bens das ordens religiosas em título da dívida pública,
compreendendo inclusive o momento de dificuldade financeira do país
devido à guerra com o Paraguai. Pedia somente, a participação por igual
nas comissões que realizariam a venda, que fossem presididas pelo
Internúncio ou um seu delegado, que os títulos fossem entregue as ordens,
que os religiosos secularizados recebessem uma pensão do Governo, que as
congregações que restassem pudessem ser reformadas pela Santa Sé e que
se reabrissem os noviciados. Exceto a pensão aos religiosos e a promessa
de utilizar o dinheiro em proveito da própria religião nos Seminários e
obras pias, o Governo não quis cumprir às demais exigências feitas, pois
seu intento era o de controlar totalmente a venda dos bens, sem
participação da Cúria, já que considerava a questão um assunto interno, por
ser o patrimônio das ordens regulares «bens nacionais», que pertenciam ao
Governo, sendo os religiosos simples administradores125.
A situação era muito desfavorável ao Encarregado da Santa Sé, Adriano
Felice, pois ele tinha contra si o Imperador e o Ministro. Em ofício enviado
em 14 de fevereiro de 1884, comunicou pesaroso:
Il Governo ha anche nominato bibliotecario del Convento di S. Antonio il
deputato Ferreira Viana. Questi ad onta della stampa cattolica, che gli ha fatto
comprendere che incorreva nella scomunica, ha accettato: vuole però far
credere che cerca servire allo Stato ed alla Chiesa. All’ultima ora il Governo
ha proceduto con le biblioteche del Carmine e di S. Bento, come riguardo a

—————————–
123
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 505.508-
511.
124
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1883, XLVI, parte II, vol. II, 511.
125
AES, Br., Resposta do Ministro dos Negócios do Império ao Protesto do
Incaricato Adriano Felice, 18 de fevereiro de 1884; Fasc.14, pos. 232, f. 46r-49v.
380 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

quella di S. Antonio. Già si annunzia un’esposizione degli oggetti d’arte e


manoscritti che saranno rinvenuti nelle case religiose126.
Tentou-se, então, abrir uma negociação, enviando uma nota ao Ministro
do Império, em 31 de dezembro de 1883127, que ficou sem resposta.
Expediu-se outra nota em 24 de fevereiro de 1884, solicitando informação
sobre do porquê não teve resposta à sua nota anterior128.
Na primeira nota, o Encarregado pedia uma comunicação oficial do
Governo sobre a sua decisão de converter os bens, já que ele não a tinha
recebido. A resposta do Ministro dos Negócios Exteriores, Francisco de
Carvalho Soares Brandão (1839-1899), veio em 29 de janeiro de 1884.
Começava explicando que o atraso na resposta foi porque lhe transmitiram
as notas somente em 25 daquele mês. Ele agradecia o respeito que prestou
o Encarregado ao Governo e lhe fazia a comunicação oficial transmitindo
uma cópia do Regulamento129.
No mesmo dia 29, Mons. Felice recebeu uma nota do mesmo ministério
avisando que a Santa Sé tinha pedido ao Encarregado Brasileiro que
requeresse ao Governo imperial a suspensão da conversão dos bens das
Ordens até a chegada do novo Internúncio e que o Governo havia
respondido não ser possível130.
O Encarregado, seguindo as instruções recebidas, enviou um Protesto
em 8 de fevereiro de 1884. Ele recebeu uma dura resposta do Ministro em 8
de fevereiro de 1884. No seu protesto Mons. Felice fazia referimento ao
precedente protesto enviado por Mons. Sanguini, em 27 de junho de 1870.
Felice argumentou: que já se tinham vencido os 10 anos que o decreto de
1870 dava de tempo para sua execução; que o Governo tinha impedido a
reforma das ordens retirando o beneplácito dos Visitadores Apostólicos
nomeados pela Internunciatura um mês antes; e lembrou ao Ministro que o
Concílio de Trento na Sessão 22, capitulo 11, fulminava com excomunhão
reservada ao Santo Pontífice, todos aqueles, seja qual fosse à dignidade de

—————————–
126
AES, Br., Officio, 14 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 16r.
127
AES, Br., Officio, 30 de janeiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 32v.
128
AES, Br., Segunda Nota do Internúncio, 24 de janeiro de 1884, Fasc. 14, pos.
232, f. 34r.
129
AES, Br., Resposta do Ministério dos Negócios Exteriores as notas do
Internúncio, 29 de janeiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 39r.
130
O Governo foi avisado por seu Encarregado por um telegrama enviado em 13 de
janeiro de 1884 [AES, Br., Nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros, 29 de janeiro
de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 40r]
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 381

que eram revestidos, que dispusessem de qualquer modo dos bens


eclesiásticos131.
A resposta que obteve do Ministério dos Negócios do Império foi à
mesma que recebera Mons. Sanguini, ou seja, que o Governo não admitia o
protesto. A resposta é longa e inicia contestando juridicamente o referido
protesto, dizendo ser novidade no Brasil a Internunciatura querer dizer o
que seria juridicamente legal ou ilegal no proceder do Governo brasileiro,
declarando uma lei «caduca»; que antes mesmo de publicar o Regulamento
sabia que ele seria «explorado como repasto para argúcias jurídicas de
todos os timbres e para ostentação ou irrupções de melindres religiosos».
Dizia não aceitar o protesto por ser ele «atentatório dos direitos e respeito
devidos à soberania nacional, manifestada por uma lei contra a qual não há
direitos persistentes e, portanto, não pode haver protesto com fundamento
aceitável». Contra a argumentação do direito de propriedade levantado por
Mons. Felice, respondeu que a propriedade de mão morta não é a mesma
da propriedade pessoal, sendo somente uma propriedade de usufruto:
O Estado, desde a legislação portuguesa, que a brasileira explicou e
consolidou, tem domínio eminente sobre os bens das ordens religiosas, os
quais, vindo elas a extinguir-se por qualquer modo, ipso facto ed jure se
devolvem e são incorporados ao patrimônio nacional.
Várias vezes isso se tem dado, quer extinguindo-se uma ordem por faltar-
lhe pessoal ou ser este insuficiente, quer por ato legislativo, geral ou
provincial, decretando a extinção.
Esses bens incorporados ao domínio do Estado tem sido transferidos a
particulares, e ainda não houve quem, como sucessor da ordem respectiva,
viesse reivindicá-los ou contestar a legitimidade da transferência operada pelo
Estado132.
No que se refere à caduquice da lei de 28 de junho de 1870, o Ministro
respondia que a Lei Nº 2670, de 20 de outubro de 1875, no seu art. 15,
reordenava a conversão, deste modo, os 10 anos terminariam em 1885133. A
carta do ministro era muito clara: o Governo considerava o patrimônio das
—————————–
131
AES, Br., Protesta al Governo, 8 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 41r-
42r.
132
AES, Br., Resposta ao Protesto, 18 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f.
47r-47v.
133
Artigo 15: «São excetuadas, a juízo do Governo, da conversão a que se refere o
artigo 18 da Lei N°. 1764 d 28 de junho de 1870, as terras que pelas Ordens religiosas
forem distribuídas gratuitamente, ou mediante ônus razoável, e os escravos libertados
pelas mesmas ordens» [Coleção das Leis do Império do Brasil, 1875, XXIV, partes I e
II, vol. I, 140].
382 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

ordens «bens nacionais», herdando esta concepção do Reino português.


Deste modo, a propriedade dada às corporações era de mão morta, o que
não permitia alienação, permuta, locação, ou contrato algum sem licença do
mesmo Governo. Os proprietários destes bens não seriam mais do que
administradores de bens nacionais e, sendo assim, a conversão de tal
patrimônio em títulos da dívida pública, no entender do Governo, era uma
questão totalmente nacional, não tendo sobre ela, a Santa Sé, nenhum
direito de participação. No entanto, uma resposta deste gênero não poderia
ser dada aos protestos e ações judiciais das Ordens «brasileiras», dos bispos
do Império e da opinião pública. Esta última não se manifestou somente
pelos jornais, mas chegou inclusive a formar uma comissão de 12
advogados com intuito de defender as corporações, argumentando que já
haviam passado 10 anos da publicação da lei e que o Governo não poderia
agir com o Parlamento fechado134.
Em um ofício, de 13 de fevereiro de 1884, se tem noticia da identidade
de pelo menos um dos advogados, e pasmem, era Joaquim Saldanha
Marinho, grão-mestre maçom e um dos maiores propagandistas da
separação entre a Igreja e o Estado no Brasil. Sua atuação vem descrita
pelo Internúncio do seguinte modo:
Si è sviluppata certa reazione, e la stampa non tace. Il Governo è
impopolare, e si vocifera la ritirata del Ministro dell’Impero.
Fu pubblicato, giorni orsono, un parere del Consigliere Saldanha Marinho
favorevole ai religiosi. Costui, come ognun sa, è quello stesso che sotto lo
pseudonimo di Ganganelli scrisse, insultò, e oltraggiò infamemente la Chiesa,
il Papa, i Vescovi, i preti e tutto. Egli gode, e meritatamente, la fama di buon
giureconsulto. Ora il suo parere è un monumento non solo per le ragioni
giuridiche addotte, ma perché non sospetto di clericalismo, ed anzi argomenta
col solo diritto civile, negando che la cosa debba ventilarsi con diritto
canonico, perché egli dice, è tutta temporale. Per tutto ciò il suo parere è stato
di molto peso. Si annunzia che se ne pubblicheranno altri, di altri sommi
avvocati135.
Os bispos do Rio de Janeiro e de São Paulo, este último acompanhado
com a assinatura de 29 clérigos, mandaram seus protestos ao Governo e os
publicaram nos jornais. O prelado do Rio o fez no jornal O Apostolo de 20
de fevereiro de 1884, e o de São Paulo em O Thabor136. Todas as Ordens

—————————–
134
AES, Br., Officio, 30 de janeiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 32v.
135
AES, Br., Oficio, 13 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 38r-38v.
136
Os recortes dos dois artigos foram mandados pelo Internúncio à Secretaria de
Estado da Santa Sé, sendo que aquela do jornal O Thabor não continha a data da
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 383

religiosas também enviaram protestos, exceto a dos franciscanos


(representados pelo vigário provincial fr. Giovanni d’Amor Divino) e o
comissário de Terra Santa, ao qual o Governo garantiu não ser interessado
pelo decreto de 1870. Os regulares não se contentaram somente em
protestar: os monges beneditinos e os religiosos carmelitas, juntamente
com o bispo do Rio, representando as monjas dos conventos da Ajuda e de
Santa Teresa, entraram com ações de manutenção de posse contra o
procurador da Coroa e o chefe da comissão de desamortização137.
Num ofício de 29 de março de 1884, o Internúncio Mons. Rocco
Cocchia, que substituiu o Encarregado Mons. Felice, comunicou que o
parecer do juiz substituto fora favorável aos religiosos e contra as ações de
seqüestro, mas que esta ainda deveria passar pela aprovação do juiz
proprietário138. O Dr. Lopes Diniz que defendeu as monjas do Mosteiro do
Carmo, foi tão convincente que, em 24 de abril de 1884, o juiz Miguel
Calmon du Pine Almeida lhes deu ganho de causa, e condenou o Governo a
pagar as despesas do processo. Segundo Dilermando Ramos Vieira, «a
derrota provocou a queda do Gabinete em exercício»139.
O certo é que o Governo, em finais do mês de março de 1884, não se
sentia mais tão seguro da sua posição, apesar de ter iniciado os seqüestros,
intimando aos inquilinos dos bens das ordens a depositar os alugueis nos
cofres do Tesouro e ameaçando de obrigá-los judicialmente caso não
cumprissem a ordem. O primeiro sinal de fraqueza veio por parte do
Ministro do Império que, vendo o Mons. Felice passando em frente a sua
casa, o convidou a entrar e o propôs um acordo. O ocorrido foi assim
narrado pelo Encarregado Apostólico em um ofício de 29 de março de
1884:
La scorsa settimana, passando io avanti alla casa del Ministro dell’Impero,
che era alla finestra, lo salutai con la debita cortesia, alla quale esso corrispose,
anzi mi invitò ad entrare. Era il primo incontro dopo la protesta. Naturalmente
si entrò nel merito della vertenza dei Religiosi, mostrandosi esso disposto a
venire ad un accordo, in riguardo alla Conversione, ma condiziona
l’applicazione dicendo doversi però intendere previamente coi suoi colleghi, al

publicação. AES, Br., Oficio do Internúncio, 28 de fevereiro de 1884, Fasc. 14, pos.
232, f. 54r-57v.
137
AES, Br., Officio, 13 de março de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 59r.
138
AES, Br., Officio, 29 de março de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 61r.
139
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 157.
Cf. L. LASAGNA, Epistolário, II, 18-19.
384 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

qual fine mi domandò una copia del Memorandum presentato da Monsignor


Pinto de Campos nel 1870, ed io gliene inviai nel giorno stesso140.
Este fato causou muito estupor na imprensa e várias críticas foram feitas
ao Ministro e ao Encarregado, como ele mesmo relata:
L’essere io entrato in casa del Ministro fornì subito assunto per aggredire il
Governo, come V. Eminenza Reverendissima potrà vedere nella striscia del
giornale, che accludo. Questa notizia corre mondo, ed è creduta, quantunque
falsissima e senza il minimo fondamento. Ciò però che più m’incresce, si è
che l’Apostolo, periodico religioso, l’abbia riprodotto con qualche commento,
quantunque non dica di crederla. La stampa, anche la cattolica, delle volte
crede rendere servigio mentre accade il contrario. In generale si crede che io
sia stato insultato, e lo desumo da ciò che nessuno me ne ha parlato, ad
eccezione dell’Incaricato d’Italia, il quale se ne mostrò risentito, come di
offesa rivertente contro la nazione italiana. Quantunque mi fosse lecito
smentire la trottola, neppure potrei farlo, poiché quella frazione di cattolici che
dicono essere io un ammazza frati, ed essere io d’accordo col Governo, ne
ricaverebbero argomento per proclamare la mia intelligenza col Governo
stesso. È propriamente ciò che si chiama trovarsi fra l’incudine ed il martello
[grifos do original]141.
Terminava seu ofício dizendo terem sido escritos artigos belos e eruditos
em defesa dos direitos dos religiosos, mas que ele não sabia qual proveito
se poderia tirar disso, e que tudo era motivo para criar escândalos, como a
falsa notícia que o confessor do Imperador tinha se demitido em defesa dos
regulares. Nesse mesmo artigo, segundo o Internúncio, se dizia que o
Ministro do Império respondeu duramente a ele, negando qualquer
negociação, chegando o autor do artigo a chamar Maciel de «Pombaleto», e
que este «já esta entaipando os frades brasileiros, e acabará por entaipar o
próprio rei, se este respingar»142.
Em outro ofício, datado de 25 de abril de 1884, o Encarregado
comunicou que o Ministro do Império retrocedera em fazer um acordo com
a Santa Sé, mesmo se, em uma das últimas conferencias que haviam tido, o
Ministro havia chegado ao ponto de insinuar um suborno à Cúria para que
aceitasse a conversão, como narrou o Encarregado:
In una delle ultime conferenze che ebbi con il ministro sull’oggetto, mi
suggeriva l’idea d’influire con i religiosi perché bonariamente ricevessero le
cartelle, che il Governo vuole loro consegnare, ed in pari tempo obbligarli a
—————————–
140
AES, Br., Officio, 29 de março de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 61r-61v.
141
AES, Br., Officio, 29 de março de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 61r-61v.
142
AES, Br., Officio, 29 de março de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 62r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 385

rilasciare alla S. Sede una parte delle rendite provenienti da dette Cartelle per
uso delle Missioni, o per qualche altro fine a cui la S. Sede volesse applicarle;
restando però stabilito che se i religiosi si fossero ricusati alla cessione, e
avessero avanzato reclamo al governo, questo avrebbe sostenuto i religiosi.
Aggiunse inoltre che, con l’estinzione dei Conventi, le cartelle sarebbero di
pieno diritto ricadute al Governo, senza che la S. Sede potesse mai avanzare
pretese sopra le rendite delle medesime. A tanto cinismo risposi, che avendo il
Governo ordinato la conversione senza l’intervento della S. Sede, io non
potevo, ne volevo influire sull’animo dei religiosi, ne ammettere consigli lesivi
ai diritti di proprietà!143
O Gabinete de Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917), provavelmente
influenciado tanto pela forte oposição que sofreu em relação à sua política
eclesiástica, quanto pela derrota na tentativa da conversão dos bens das
ordens religiosas em títulos da dívida pública, caiu em princípios de junho
de 1884. A principal causa da sua queda, contudo, deveu-se a fatores
relacionados à chamada Questão Militar. Mais ou menos um mês antes da
queda do Gabinete Lafayette, Mons. Cocchia, num ofício de 9 de maio de
1884, informou que por ocasião da Fala do Trono na Câmara, não foi
mencionada a conversão dos bens dos religiosos, porém, se falou do
casamento civil. Advertia a Santa Sé, que o Gabinete estava sendo
fortemente atacado por seus opositores, mas que ainda contava com uma
pequena maioria. Informava, ainda, que os religiosos haviam conseguido
uma sentença favorável à manutenção da posse e terminava relatando que
existiam vozes que diziam que: após a saída de Lafayette seria chamado
João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu (1810-1907) para compor um novo
Gabinete. No entanto, essa última previsão do Internúncio não se verificou,
pois foi chamado o Liberal Manuel Pinto de Souza Dantas (1831-1894)144.
Na sessão da Câmara dos Deputados de 10 de junho de 1884, Andrade
Figueira apresentou uma interpelação ao novo Ministro do Império,
senador Felipe Franco de Sá (1841-1907), nos seguintes termos: «Mantêm
o gabinete atual todos os atos do seu antecessor sobre a desamortização dos
bens das ordens religiosas, e pretende prosseguir na integral execução do
regulamento expedido para execução da lei de 28 de junho de 1870?»145.
Na sessão do dia 19 do mesmo mês, ele justificou sua interpelação e o
Ministro do Império a respondeu, não apresentando, nenhuma das duas,
argumentos novos. A fala do interpelante foi em favor das ordens e a do

—————————–
143
AES, Br., Officio, 25 de abril de 1884, Fasc. 14, pos. 232, 63r.
144
AES, Br., Officio, 9 de maio de 1884, Fasc. 14, pos. 232, f. 54r-65r.
145
Anais do Parlamento Brasileiro, Histórico 1884, II, 7.
386 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

novo Ministro em defesa do antigo Gabinete, do qual ele também fazia


parte, sustentando as medidas adotadas até então. No entanto, o Ministro
declarou que desejava que tudo fosse feito em paz, que sinceramente
almejava remover os embaraços existentes e, neste intuito, usaria de toda a
firmeza, mas ao mesmo tempo, de toda a moderação e até de benevolência
em relação às ordens. Declarou que, com a mudança do ministério, houve
como que um apaziguamento dos ânimos e assomou a esperança de que
seria possível encaminhar os negócios sem deploráveis lutas. O resultado
foi que a execução do Regulamento ficou estacionária até o fim do Período
Imperial146.

1.2.3. A definitiva configuração das dioceses durante o Segundo Império


Uma das primeiras crises entre o Governo e a Santa Sé no Segundo
Império foi em relação à criação das dioceses de Diamantina e Ceará e ao
beneplácito imperial dado às bulas Gravissimos Sollicitudinis e Pro
Animarum Salute, de 7 de junho de 1854, que as criaram respectivamente.
Esta questão é praticamente ausente dos estudos sobre o Brasil Imperial,
tocando a Eördögh István o primado de a haver analisado, no estudo de sua
autoria, intitulado A crise Religiosa no Brasil no período 1852-1861 e as
tendências de reforma de Dom Antônio Joaquim de Mello, Bispo de São
Paulo, tema da tese de doutorado que apresentou à Pontifícia Universidade
Gregoriana em 1993147.
A crise mencionada teve sua origem por ocasião da criação da diocese
do Rio Grande do Sul, em 1848, com a bula Ad oves dominicas. Nos
acordos com a Santa Sé, o Governo prometeu a edificação de uma catedral
e de um Seminário, além da instituição de um cabido. A Cúria, nas
Instruções que redigiu, em 20 de outubro de 1852, para o Núncio Mons.
Gaetano Bedini, que pretendia enviar ao Brasil, deu precisas ordens em
relação a vigiar e informar sobre a correta execução da bula de criação da
referida diocese148.
O Título 5º das Instruções, tratava da ereção do bispado de São Pedro do
Rio Grande do Sul. O Internúncio era informado que naquela ocasião o
—————————–
146
Anais do Parlamento Brasileiro, Histórico 1884, 7-9.
147
Cf., E. ISTVÁN, A crise Religiosa no Brasil. Este estrato de tese é interessante
porque aborda um período da história eclesiástica brasileira ainda pouco analisado;
porém, o autor cometeu inúmeros erros de citação dos documentos pesquisados no ASV
e AES, equívocos estes que vão da indicação da folha até mesmo à indicações de
posições e datas [ndr.].
148
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini, 20 de outubro de 1852, Fasc.
166, pos. 89, f. 51v-53f.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 387

cabido e o Seminário da diocese de Cuiabá ainda não tinham sido criados e


dotados pelo Governo, e que a bula de Leão XII, de 13 de julho de 1826,
não recebera o beneplácito na sua totalidade, mas somente na parte em que
criava a nova jurisdição diocesana. Tal situação ocasionou um pedido, ao
Ministro brasileiro em Roma, de uma declaração oficial prometendo que se
erigiria contemporaneamente ao bispado do Rio Grande do Sul um
Seminário e se instituiria um cabido, como condições para a sua criação.
Esta declaração foi dada pelo Governo, por meio de um Ofício da
Secretaria e Estado do Brasil, em 21 de março de 1848149.
Em 12 de agosto de 1852, o bispo nomeado para a diocese do Rio
Grande do Sul, D. Feliciano José Rodrigues de Araújo Prates, informou
sobre a execução parcial da bula Ad oves dominicas, mas não fazia
referimento à ereção e dotação de um cabido e de um Seminário. Portanto,
nas Instruções foi ordenado a Mons. Bedini que, apenas chegasse à
destinação, verificasse ditas ereções e dotações. Caso não tivessem
ocorrido, ele deveria tomar as devidas providencias em tal sentido e manter
a Santa Sé bem informada de tudo150.
Mons. Bedini não foi enviado ao Brasil e as Instruções deixaram de ser
colocadas em prática, até o envio do Encarregado de Negócios Mons.
Marino Marini em 1854. Entretanto, no dia 13 de maio do ano precedente,
o deputado Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos (1812-1863),
propusera a ereção de um bispado em Diamantina, cujo projeto formal,
apesar do seu art. 3º autorizar o Governo a impetrar junto à Santa Sé a
criação do novo bispado, foi concebido e defendido pelo seu autor em
termos fortemente regalistas, o que provocou a oposição de muitos
deputados na Câmara151.
Em 22 de junho de 1853, o mesmo Vasconcelos propôs uma emenda
substitutiva e aditiva ao seu projeto. O que precedentemente era o art. 3º,
transformou-se em art. 1º, e se inseriu no art. 2º a criação de um mais
bispado no Ceará152.
Durante as discussões desse projeto na Câmara, delinearam-se dois
grupos: um defendendo a opinião que a criação de bispados devia ser
decidida conjuntamente entre os poderes secular e espiritual (Vasconcelos,
—————————–
149
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini, 20 de outubro de 1852, Fasc.
166, pos. 89, f. 51v-52v.
150
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini, 20 de outubro de 1852, Fasc.
166, pos. 89, f. 52v-53r.
151
Anais do Paramento Brasileiro, 1853, I, 189-190 e II, 49.
152
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 22 de junho de 1853, I, 2ª. Sessão,
276.
388 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Jaguaribe, Ignácio Barbosa e pe. Pinto de Campos), e outro que a ereção de


dioceses era de exclusiva competência da Santa Sé (Lindolfo José Corrêa
das Neves). Na mesma sessão de 22 de junho, o Ministro da Justiça
declarou que o Gabinete era totalmente favorável à criação das duas novas
dioceses e que, assim que fosse autorizado, iria coligir tudo o necessário
para motivar o pedido à Santa Sé153.
O projeto foi então aprovado com todas as suas emendas na sessão de 28
de junho de 1853154, e publicado pela Lei n. 693, de 10 de agosto de 1853.
Seu art. 1º, sustentava o seguinte: «Fica autorizado o Governo para
impetrar da Santa Sé as Bulas de criação de dois Bispados, um na província
de Minas Gerais, e outro na do Ceará». Os demais artigos e parágrafos
definiam suas fronteiras e os desmembramentos de outras dioceses que
derivariam da nova criação155.
Contemporaneamente ao projeto de instituição dos bispados de Ceará e
Diamantina, se discutia na Câmara a criação de um cabido na diocese do
Rio Grande do Sul, com pessoal, ordenados e gratificações iguais à Sé de
São Paulo. Este projeto foi apresentado em 27 de maio de 1853, pelo
deputado Luís Alves Leite de Oliveira Bello (1817-1865)156.
Na sessão de 16 de junho de 1853, Oliveira Bello justificou seu projeto
dizendo que na bula que erigiu o bispado de São Pedro do Rio Grande do
Sul, se previa também um cabido junto à sua Sé e que o decreto imperial,
que concedeu o beneplácito a ela, declarou que o estabelecimento do
mencionado cabido se efetuaria depois que o Poder Legislativo assim o
resolvesse. Neste sentido, a criação de tal corporação dependia da
resolução da Assembléia Geral. O projeto foi logo aprovado em primeira
discussão157.
Em 19 de maio de 1854, entrou em segunda discussão, na qual o
deputado Antônio Gabriel de Paula Fonseca (1821-1875), pediu para ser
ouvido o Ministro da Justiça, questionando que nos projetos aprovados para
a criação de bispados em Diamantina e Ceará não se fazia menção a criação
de cabidos. O Sr. Nabuco, Ministro da Justiça, respondeu:

—————————–
153
Anais do Paramento Brasileiro, várias sessões de 1853, I, 2ª. Sessão, 49.276-
279.287-292.299-304.318-322.
154
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão de 28 de junho de 1853, I, 2ª. Sessão,
322.
155
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1853, XIV, parte I, 37-38.
156
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 27 de maio de 1853, I, 1ª. Sessão, 297.
157
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 16 de junho de 1853, I, 2ª. Sessão,
214.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 389

O nobre deputado pela província de Minas Gerais inquire qual o meu voto a
respeito do projeto que se discute: a criação do cabido da diocese do Rio
Grande do Sul é uma condição imposta pela bula que criou esse bispado, a
qual o governo imperial concedeu o seu beneplácito, e em conseqüência eu
votaria desde já pelo projeto se me não parecesse conveniente que ele fosse
remetido à Comissão de Negócios Eclesiásticos, afim de que a organização do
cabido, que no art. 2º é assemelhada a do cabido de S. Paulo, fosse
estabelecida de conforme com a mesma bula, a qual determina o número de
dignidades que devem compor o mesmo cabido. A apresentação dos cônegos e
dignidades é direito do padroado; pertence também ao poder temporal a
fixação das côngruas, mas a instituição canônica do cabido, isto é, seu número
e dignidades, competem ao poder espiritual; convém, pois, proceder de
conforme com a bula, para esse fim deve o negócio ser remetido à
comissão158.
Em 25 de junho de 1854, foi enviada à Comissão Eclesiástica a bula de
criação do bispado do Rio Grande do Sul159. Em 30 de agosto de 1854, o
projeto foi aprovado em segunda discussão com a seguinte emenda das
Comissões Reunidas de Fazenda e Negócios Eclesiásticos:
O seu pessoal constará de um arcediago e dez cônegos, inclusive o cônego
teólogo e o penitenciário; dez capelães, inclusive o mestre de cerimônias e o
sub-chantre; um sacristão-mór, quatro moços de coro; um porteiro da massa; e
um organista. Sendo os ordenados e gratificações de todas estas dignidades
iguais aos ordenados e gratificações do cabido da Sé de São Paulo160.
Em 5 de setembro de 1854, o projeto foi acolhido favoravelmente, sem
debate, em terceira discussão161. Porém, não foi publicado, indicando que
não havia sido aprovado, ou mandado em discussão no Senado. Somente
em 26 de setembro de 1857, através da lei n. 939, art. 3º, que se deu
finalmente a dotação do cabido no Rio Grande do Sul, depois de muita
pressão por parte do bispo diocesano e da Santa Sé162.
Além dos projetos de criação dos bispados de Diamantina e Ceará, e da
instituição do cabido no Rio Grande do Sul, durante os anos de 1853-55,

—————————–
158
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 19 de maio de 1854 , I, 1ª. Sessão,
81-82.
159
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 25 de junho de 1854, II, 3ª. Sessão,
248.
160
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 30 de agosto de 1854, II, 4ª. Sessão,
310-311.
161
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 5 de setembro de 1854, II, 4ª. Sessão,
376.
162
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1854, XVIII, parte I, 40.
390 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

foram apresentados vários projetos para criação de dioceses nas seguintes


províncias: Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí163, Amazonas164,
Alagoas165 e Sergipe166, porém, todas sem sucesso.
Como previa o projeto de criação das dioceses de Diamantina e Ceará, o
Governo impetrou junto à Santa Sé um pedido de ereção das mesmas por
meio de uma carta do Imperador ao Santo Padre, datada de 16 de janeiro de
1854167. A demora na ereção e dotação do cabido e do Seminário no Rio
Grande do Sul, somados aos precedentes por ocasião da criação das
dioceses de Cuiabá e Goiás, compreensivelmente deixou a Santa Sé
preocupada e desconfiada. Ela, então, exigiu que o Governo se
comprometesse a erigir os cabidos e Seminários tanto no Rio Grande do
Sul quanto nas novas dioceses. No intuito de conseguir seu intento, o
Ministro da Justiça, em um ofício de 8 de janeiro de 1854, deu tais
garantias168.
Em 7 de junho de 1854, o Papa Pio IX concedeu as bulas Gravissimos
Sollicitudinis e Pro Animarum Salute criando as dioceses de Diamantina e
Ceará, respectivamente. No entanto, na Santa Sé crescia a desconfiança,
devido principalmente a dois acontecimentos: 1º. O decreto n. 798 de 16 de
setembro de 1854, criando uma paróquia à qual o Governo dava nome e
marcava-lhe território, «ouvidos os bispos diocesanos», o que para a Cúria
romana não era o procedimento justo, pois eram os bispos que deveriam
criar paróquias ouvindo o Governo, e não o contrário169; 2º. O
comportamento ambíguo do Ministro da Justiça para com o encarregado de
Negócios da Santa Sé, Mons. Marino Marini, que mesmo tendo chegado ao
Brasil em 11 de dezembro de 1853, só foi recebido por ele em 1 de outubro
de 1854170.
Nas bulas de criação das ditas dioceses, foram exigidas do Governo
Imperial que:
1°. L’esecutore delle Bolle scelga una Chiesa adatta per la Cattedrale;
—————————–
163
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 15 de julho de 1853, II, 3ª. Sessão,
218.
164
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 2 de junho de 1854, I, 2ª. Sessão, 12.
165
Anais do Paramento Brasileiro, Sessão em 9 de setembro de 1854, II, 4ª. Sessão,
p. 403.
166
Anais do Paramento Brasileiro Sessão em 21 de maio de 1855, I, 1ª. Sessão, p.
52.
167
AES, Br., Carta do Imperador ao Santo Padre pedindo a criação dos Bispados de
Diamantina e Ceará, 16 de janeiro de 1854, Fasc. 176, pos. 125, f. 27r.
168
E. ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil no período 1852 – 1861, 13.
169
AES, Br., Officio n.56, 14 de outubro de 1854, Fasc. 169, pos. 97, f. 68r-69r.
170
AES, Br., Officio n.55, 14 de outubro de 1854, Fasc. 176, pos. 125, f. 22r-22v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 391

2°. Dagli archivi delle diocesi, dalle quali deve dismembrarsi quella di
Diamantina, si estraggano gli strumenti e titoli di cause pie, che dovranno
appartenere alla medesima e si trasportino nell’archivio della nuova Curia;
3°. Si dovrà erigere quanto prima il Capitolo composto della dignità di
arcidiacono e di altri 10 canonici almeno, e di alcuni mansionieri e ministri
inferiori, secondo le opportunità. Dei detti canonici uno dovrà essere il
Teologo l’altro il penitenziere;
4°. Mantenimento e decoro delle nuove sedi;
5°. Si dovrà osservare tutto ciò che è necessario per le dette nuove erezioni in
conformità a quanto fu praticato per gli altri Vescovati esistenti nel Brasile e
specialmente per quello di S. Pietro eretto nel 1848.
6°. Dovrà quanto prima esser pronto l’edificio del Seminario, ed avendo
promesso il Governo di somministrare le sue dotazioni e le altre occorrenti per
l’erezione del nuovo Vescovato a norma di quanto si stabili per la sede
Vescovile di S. Pietro. Si dice ancora che debba esservi la dotazione per la
fabbrica della Chiesa e del culto divino.
L’esecuzione delle bolle venne affidata a Mons. Marini Incaricato Interino
della Santa Sede in quell’Impero171.
A bula Gravissimum sollicitudinis foi publicada e teve o beneplácito
parcial do Governo, que aprovou uma porção do seu conteúdo por meio do
decreto de 18 de agosto de 1854. Sem cumprir as promessas feitas
anteriormente, o Governo placitou a bula:
na parte tão somente em que manda criar na província de Minas Gerais, o
Bispado de Diamantina, em conformidade com a Carta de Lei de dez de
agosto do ano próximo passado, por ficar dependendo da aprovação da
Assembléia Geral o que diz respeito ao estabelecimento de um Cabido com
dignidades, e Cônegos próprios de tais Corporações, e com a declaração
expressa, de que o direito do Padroado, de que trata a referida Bula, é por Mim
exercido sem dependência de Concessão Pontifícia172.
A bula era aprovada somente na parte que estava de acordo com a Carta
de lei de 10 de agosto de 1853, que desconhecia o dever de fundar ou dotar
Seminários e cabidos. O Governo, já tinha agido assim por ocasião da bula
Ad oves dominicas que erigira a diocese do Rio Grande do Sul. Segundo
—————————–
171
Estes pontos foram retirados dos seguintes documentos: Bula Gravissimum
Sollicitudinis, 6 de junho de 1853, Fasc. 176, pos. 125, f. 28r-29r; AES, Br.,
Memorandum – Brasile, vescovadi di Ceará e Diamantina, 1860, Fasc. 182, pos. 138, f.
45r-45v e Condizione Expresse nel Breve, 1855, Fasc. 176, pos. 125, f. 32r-32v;
172
AES, BR., Beneplácito Imperial a Bula Gravissimum sollicitudinis, 18 de agosto
de 1854, Fasc. 176, pos. 125, f. 29v. Eördögh István, na sua nota 16 da p. 14 cita
erroneamente a folha 19v [E. ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil no período 1852 –
1861, 14 nota 16].
392 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

István, «vê-se assim, ainda uma vez, o soberano Pontífice iludido na sua
confiança pelo Governo brasileiro e, conseqüentemente, tem inicio uma
crise religiosa entre o Império e a Igreja»173.
Em 28 de junho e 6 de agosto de 1855, Mons. Marini recebeu algumas
instruções do Cardeal Antonelli, Secretario de Estado da Santa Sé. Na
primeira, o Cardeal estava intencionado a evitar uma ruptura com o
Governo brasileiro e convidava Mons. Marini a agir com diplomacia e dar
execução às bulas, depois de haver apresentando ao Governo Imperial uma
nota, a qual deveria conter os seguintes pontos: protesto contra o
Exequator; afirmação que o decreto estava em contradição com a bula
Gravissimum Sollicitudinis; e que o condicionamento da ereção do
Seminário e do cabido pela Assembléia Geral trazia como conseqüência,
por parte da Santa Sé, o condicionamento da execução das bulas174.
As instruções de 6 de agosto de 1855, eram mais exigentes. Para se
executar a bula seria necessário:
allorquando questa le verrà presentata, potrà pure prestarvisi, esigendo peraltro
in antecedenza che sia del Governo chiaramente dimostrato il pieno
adempimento di quanto nella stessa Bolla si prescrive, in cui facendo
menzione del privilegio di nomina imperiale al nuovo Vescovo, non mancherà
di dichiarare espressamente competere esso a Sua Maestà l’Imperatore in forza
della concessione Pontificia fattagli colla ricordata Bolla Gravissimum. Per ciò
che spetta all’exequatur apposto, ed alle condizioni e dichiarazioni in esso
espresse, non se ne avrà da lei per ora alcun riguardo, come se nulla di tutto
ciò avesse avuto luogo, riservandomi qualora occorra a comunicarle in
appresso ulteriori istruzioni [...] La stessa linea di condotta fin qui indicata
potrà ancora da Lei tenersi rispetto all’altra nuova sede vescovile da erigersi in
Ceará, esistendo per essa medesima ragione e circostanza, che per quella di
Diamantina...175
O endurecimento da posição da Santa Sé provinha de várias razões,
algumas delas já vistas, sendo particularmente sentido o envio de alguns
documentos por parte de Mons. Marini à Secretaria de Estado do Vaticano,
em 13 de junho de 1855, em que se demonstrava que a bula Praeclara
Portugalliae não recebera um parecer positivo na Câmara dos Deputados e
que esta posição tinha sido confirmada pelo Imperador em outros
documentos de seu Governo. Tais informações deixaram claro à Santa Sé o
—————————–
173
E. ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861, 14.
174
AES, Br., Despachos de: 28 de junho e 6 de agosto de 1855, Fasc. 176, pos. 125, f.
30r-31r, 33r-33v.
175
AES, Br., Dispaccio a Mons. Marini, 6 de agosto de 1855, Fasc. 176, pos. 125 f.
33r-33v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 393

teor do regalismo do Governo brasileiro e a urgente necessidade de correr


ao reparo176.
Mons. Marini cumpriu as instruções enviadas pela secretaria de Estado
do Vaticano, não executando as bulas antes que a Câmara Legislativa
tivesse aprovado as exigências nelas contidas. A adoção desta linha
diplomática inflexível, por parte da Internunciatura, surpreendeu e
provocou uma série de irritações ao Governo, sendo porta-voz dessas o
Ministro Thomaz Nabuco de Araújo, que procurou passar por cima da
autoridade de Mons. Marini. Sem entregar ao Encarregado de Negócios,
que era o executor das bulas, uma cópia das mesmas com os seus
respectivos exequatures, o Ministro da Justiça, em 22 de fevereiro de 1856,
apresentou a Mons. Marini, em nome do Imperador, a nomeação do pe.
Marcos Cardoso de Paiva para bispo da diocese de Diamantina. Requeria o
Ministro que se formasse imediatamente o processo canônico do novo
nomeado. O Encarregado de Negócios respondeu-lhe que não o poderia
fazer por terem sido ignoradas as exigências feitas pela Santa Sé177.
Em 8 de maio de 1856, o Ministro da Justiça mandou as cópias das bulas
com seus respectivos exequatures dados pelo Governo, solicitou que se
desse execução às referidas bulas e se iniciasse o processo canônico do
sacerdote nomeado para a diocese de Diamantina. A resposta de Mons.
Marino ao Ministro foi enviada em 20 de junho, repetindo que não poderia
fazê-lo se não fossem enviados os documentos que comprovassem o
cumprimento dos requisitos para a ereção dos bispados, os quais tinham
sido prometidos pelo Governo a Santa Sé, ou seja, dotá-los de residência
para o bispo, chancelaria eclesiástica, catedral, Seminário e o cabido, como
vinha indicado nas bulas178.
Percebendo o intricado jogo diplomático em que estavam envolvidos os
negócios eclesiásticos no Império brasileiro, a Santa Sé decidiu substituir o
mais rápido possível o Encarregado por um Internúncio. Em 19 de
setembro de 1856, a Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários requereu à Sagrada Congregação Concistorial de investir
Mons. Vincenzo Massoni, novo Internúncio no Brasil, da faculdade de
executor das bulas de criação das dioceses de Diamantina e Ceará. Ele as

—————————–
176
Ver Capítulo IV, sub-título 1.2.1.
177
AES, Br., Officio, 13 de março de 1856, Fasc. 176, pos. 125, f. 38r-39r e Cartas
trocadas entre Mons. Marini e o Ministro da Justiça, Fasc. 176, pos. 125, f. 51r-58r.
178
AES, Br., Memorandum apresentado pelo Governo a Santa Sé, 19 de março de
1857, Fasc. 176 pos. 125, f. 65v – 66r.
394 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

recebeu em 24 de setembro e, em 15 de outubro, lhe foi dada suas


Instruções179.
Enquanto isso, no Brasil, a troca de correspondências entre Mons. Marini
e o Ministro José Thomaz Nabuco de Araújo, assumiam tons mais ásperos.
No dia 2 de outubro de 1856, o Ministro mandou outra carta à
Internunciatura do Rio de Janeiro pedindo a execução das bulas sem
atender às exigências da Santa Sé, que segundo o Governo, seriam inúteis
sem ser o bispo nomeado consultado e sem a formação de sacerdotes
competentes para ocuparem tais cargos. Menosprezando as exigências de
Roma, ele culpava o Internúncio de atrasar a execução por motivos
«poucos plausíveis»180.
A resposta de Mons. Marini, em 16 de outubro de 1856, foi uma prova
de que a Santa Sé não se sujeitaria às imposições e pretensões de controle
das autoridades governamentais. Ele declarou categoricamente que a
nomeação do novo bispo devia ser posterior à execução das Letras
Apostólicas para a ereção do bispado e que ele, o Executor das mesmas, era
quem devia averiguar se as condições tinham ou não sido cumpridas e dar o
decreto executório. Afirmava ainda que as razões para adiar as conclusões
do processo canônico do recém-eleito não eram «pouco plausíveis», mas
sim, muito legítimas. Esclarecia que não pretendeu, com a sua carta
anterior, que a fundação dos cabidos e Seminários, das novas dioceses,
precedessem à execução das Letras Apostólicas, mas sim, ser informado se
o Governo Imperial tinha decretado as dotações convenientes em
conformidade com as promessas feitas a Santa Sé, enviando, em caso
afirmativo, os documentos relativos181.
Esclareceu de maneira sincera que o motivo deste pedido foi: «por saber
que as dioceses de Mato Grosso, de Goiás, e do Rio Grande do Sul não têm
ainda Cabido nem Seminário, porque, não obstante o Governo Imperial ter
prometido assinar para isso o dote congruente quando solicitou da Santa Sé

—————————–
179
AES, Br., Requerimentos e comunicações internas, Fasc. 176, pos. 125, f. 40r-
44r; Nestas instruções Mons. Massoni era chamado a seguir a mesma «linea di condotta
tenuta in ciò da Mons. Marini». [AES, Br., Istruzioni per Mons. Vincenzo Massoni
Arcivescovo di Edessa p.i. Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 15 de
outubro de 1856, Fasc.174, pos. 118, f. 2r-19r].
180
AES, Br., Carta do Ministro da Justiça ao Mons. Marini, 2 de outubro de 1856,
Fasc. 176, pos. 125, f. 54v-55v.
181
AES, Br., Carta de Mons. Marini ao Ministro da Justiça, 16 de outubro de 1856,
Fasc. 176, pos. 125, f. 56r-57v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 395

a ereção daquelas dioceses, ainda não o fez»182. Terminava sua carta com o
mesmo tom direto, afirmando que:
Só é responsável quem é omisso no cumprimento de seus deveres,
podendo-os cumprir. [...] pois, que não tendo eu podido dar a devida execução
as Letras Apostólicas sobre a criação do Bispado de Diamantina, por não ter
ainda o Governo Imperial satisfeito às condições nelas prescritas, fiquei por
conseguinte impedido de concluir o Processo. Mas peço a V. Ex. licença para
observar ainda que no caso de eu ter sido negligente ou desarrazoado em
demorar a conclusão do dito Processo, só a Santa Sé é quem me poderia
chamar a responsabilidade183.
Era clara a crise entre os dois poderes. O Estado brasileiro desejava
manter intactas suas práticas regalistas, enquanto a Santa Sé queria afirmar
sua autoridade junto ao Governo e à Igreja no Brasil. No entanto, era difícil
para a Santa Sé manter tal impasse, pois havia algo mais urgente a ser
resolvido: a questão pastoral. Enquanto a situação estivesse entravada, a
cura das almas e a propagação da fé nas dioceses envolvidas ficavam
praticamente paralisadas. Após a chegada do novo Internúncio Mons.
Vincenzo Massoni, o Governo lhe apresentou, em 19 de março de 1857,
um Memorandum resumindo toda a polêmica que tivera com o Mons.
Marini184.
Mons. Vincenzo Massoni atuou no Brasil de 16 de setembro de 1856 até
3 de junho de 1857, quando morreu de febre amarela. Apesar do pouco
tempo, percebeu a triste situação em que se encontrava a Igreja no Brasil,
optando por privilegiar as razões pastorais e a posicionar-se pela execução
das bulas. Em um ofício enviado à Santa Sé, no dia 1 de abril de 1857, ele
dizia que seguindo as Instruções e a linha de ação do seu antecessor, não
podia deixar de resistir às primeiras investidas do Ministro da Justiça.
Informou que o Governo apresentava tal impasse como uma questão de
desconfiança da Santa Sé para com ele, colocando a autoridade governativa
na posição de ofendida. Mons. Massoni decidiu, então, acreditar no
Governo, que no seu entendimento, desta vez fazia «per scritto promesse
tanto esplicite e solenni, che giammai altra volta». Ressaltava também o
—————————–
182
AES, Br., Carta de Mons. Marini ao Ministro da Justiça, 16 de outubro de 1856,
Fasc. 176, pos. 125, f. 57v.
183
AES, Br., Carta de Mons. Marini ao Ministro da Justiça, 16 de outubro de 1856,
Fasc. 176, pos. 125, f. 57v-58r.
184
O Memorandum é uma narração cronológica da polêmica decorrida entre o
Governo e Mons. Marini e é uma repetição escrita das promessas feitas verbalmente
durante a reunião acima citada. [AES, Br., Memorandum apresentado pelo Governo a
Santa Sé, 19 de março de 1857, Fasc. 176, pos. 125, f. 65r-67v].
396 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

fato que nenhum executor, antes de Mons. Marini, tinha feito presente ao
Governo as exigências da Santa Sé para a execução das bulas. Terminava
seu ofício falando sobre a necessidade de novos bispados para um Império
tão extenso e das dificuldades causadas pelas grandes dimensões das
dioceses e do seu baixo número, sendo até aquele momento somente dez185.
Em 13 de abril de 1857, em outro ofício, Mons. Massoni, ao descrever a
crítica situação das dioceses no Império, informou que o sacerdote Marcos
Cardoso de Paiva recusara a nomeação a bispo de Diamantina, que o bispo
do Pará, José Alfonso de Morais Torres renunciara oficialmente, tendo o
Governo aceitado a renúncia com o decreto imperial de 19 de março de
1857, e que agora pediria o indispensável Beneplácito Pontifício para
efetivar a renúncia. A diocese de Goiás estava vacante desde 12 de agosto
de 1854, e na de Pernambuco, o ancião bispo João Marques Perdigão,
encontrava-se praticamente sem autoridade sobre seu clero e pedia em
continuação a nomeação de um coadjutor. Mons. Massoni tentava, desta
maneira, demonstrar que a situação brasileira era trágica, com três dioceses
paralisadas entre as dez existentes, e as duas últimas instituídas esperando a
execução de suas bulas186.
Após a reabertura das Câmaras, em 3 de maio de 1857, foi formado um
novo Ministério, desta vez do partido conservador, recebendo Vasconcellos
o cargo de Ministro da Justiça e dos Negócios Eclesiásticos e o Sr.
Visconde de Maranguape o dos Negócios Exteriores. A nova situação,
segundo o Internúncio, deveria ser aproveitada «para resolver alguns
problemas mais graves». Mons. Massoni entrou em negociações com o
Presidente do novo Gabinete, o Marquês de Olinda, no entanto, o
Internúncio faleceu antes de concluir qualquer coisa. Em 30 de outubro de
1857, foi feito um novo pedido de execução das bulas ao Cardeal
Antonelli, pelo Enviado brasileiro em Roma, no qual era informado que a
Lei nº 938, de 26 de setembro de 1857, que regulava o Orçamento para o
ano de 1858-1859, havia decretado os fundos para os Seminários em
162.200$000. No entanto, para a Santa Sé, do texto da lei não resultava que
fossem fixadas as somas necessárias para os Seminários de Ceará e de
Diamantina, recebendo o Governo uma resposta negativa, em 21 de
dezembro de 1857: «perché venisse in precedenza destinata la Chiesa
Cattedrale, fissata la residenza del Vescovo, la fabbrica pel Seminario, e
quant’altro potesse occorrere per la normale erezione delle diocesi»187.

—————————–
185
AES, Br., Officio, 1 de abril de 1857, Fasc. 176, pos. 127, f. 63r-69v.
186
AES, Br., Officio, 13 d abril de 1857, Fasc. 176, pos. 127, f. 99r-100r.
187
AES, Br., Brasile, vescovadi di Ceará e Diamantina, Fasc. 182, pos. 138, f. 46r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 397

O seguinte Internúncio, enviado ao Brasil, foi Mons. Mariano Falcinelli.


Ele seguiu os passos do seu antecessor em relação à execução das bulas de
criação das dioceses de Diamantina e Ceará, tendo percebido os graves
danos pastorais que a ausência de bispos estava causando. Tomou um
posicionamento favorável à execução das bulas e ao fim da polêmica com o
Governo Imperial. Com intuito de demonstrar a Santa Sé que o atual
Governo era favorável a Igreja, enviou um ofício em 8 de março de 1859,
no qual comunicava que o cônego, de tendência ultramontana, Luís
Antônio dos Santos (1817-1891), fora nomeado para a sede do bispado do
Ceará, demonstrando estupor por tal nomeação:
Dai pubblici fogli, e da una lettera particolare del Sacerdote Sig. Santos,
Canonico di Minas ho appreso aver l’Imperatore nominato Vescovo di Ceará
il detto Sig. Canonico. È difficile poter determinare con sicurezza i motivi che
hanno indotto S. M. a scegliere un soggetto che ha avuto il coraggio
Evangelico di pubblicare colla stampa un opuscolo188 contro il preteso
patronato dell’Imperatore e di condannare con non comune franchezza lo stato
di schiavitù a cui è ridotto la Chiesa nel Brasile189.
Os motivos do Governo não eram difíceis de serem respondidos. As
províncias pressionavam para haverem um bispo, vários negócios
eclesiásticos estavam parados, com várias dioceses sem pastores, inclusive
as causas matrimoniais que tanto interessavam o Governo. Todos os
Ministérios que se passaram, desde o início sofreram fortes pressões por
não terem concluído as negociações com a Santa Sé e não haverem
conseguido executar a decisão do legislativo, que havia criado dois novos
bispados no Império. Neste sentido, muito provavelmente, com intuito de
convencer a Santa Sé das boas intenções do Governo, decidiu-se pela
continuidade da política de se nomear somente sacerdotes integralmente
ultramontanos para ocuparem a sedes episcopais. Em 20 de junho de 1859,
o Internúncio Mons. Falcinelli enviou um ofício com o qual foi
comunicado oficialmente a nomeação do cônego Antônio dos Santos190.

—————————–
188
O opúsculo ao qual se refere o Internúncio é: L. A. DOS SANTOS, Direito do
padroado no Brasil ou reflexões sobre os pareceres do procurador da Coroa e da seção
do Conselho de Estado, de 18 de janeiro e 10 de março de 1856, por um padre da
província do Rio de Janeiro [era carioca]. Publicado em 1858. [Um cópia se encontra
em ASV, SS, 1858, Rub. 251, fascículo único, f. 59]
189
ASV, SS, 1859, Officio, 8 de março de 1859, Rub. 251, fasc. 3, f. 44r-44v.
190
ASV, SS, 1859, «Allegato A – Comunicação Oficial da nomeação de Luís
Antônio dos Santos bispo de Diamantina (18-06-1859)», em Officio, 20 de junho de
1859, Rub. 251, fasc. 3, f. 63r.
398 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Com a morte de D. Feliciano José Rodrigues de Araújo Prates, bispo do


Rio Grande do Sul, em 27 de maio de 1858, passaram a ser seis as dioceses
paralisadas, três sedes vacantes, uma com um bispo quase incapacitado
pela idade e falta de autoridade, e duas com bulas de criação não
executadas. Deste modo, a metade das 12 dioceses do Brasil ao final dos
anos cinqüenta, estavam privadas da assistência episcopal. Mons.
Falcinelli, avaliando a penúria em que se encontrava a província
eclesiástica do Brasil, tomou como linha de ação a reconciliação, como ele
mesmo narrou em um documento que entregou após findar sua missão no
Brasil, denominado Brevi cenni sulla missioni di Mons. Falcinelli
Arcivescovo di Atene in Brasile. Dizia o seguinte:
Trovai al mio giungere tre diocesi vacanti da più e più anni, e le due nuove
Diocesi del Ceará e Diamantina create, ma non instituite, mancando alla loro
piena istituzione il Decreto esecutoriale delle rispettive Bolle. Era già dai miei
Predecessori molto discusso coll’I. Governo senza venirne mai a capo, e la
questione agitavasi da sette anni191 con grave detrimento delle anime, che
quantunque affidate ai Vescovi già esistenti, pure per l’immensa distanza che
da essi le separava, non potevano godere della benefica influenza delle loro
cure. Era ben doloroso per me il loro stato, e considerando che un Vescovo in
mezzo al suo gregge può sempre fare un gran bene; che il Brasile essendo un
paese ancor nuovo non può soddisfare scrupolosamente a tutte le prescrizioni
rigorose del diritto canonico relativamente alle Cattedrali, ai palazzi Vescovili,
ai Capitoli, ai Seminari e di più che essendo assolutamente necessario
l’accrescere nel Brasile il numero dei Vescovi, (i quali al presente in quel
vastissimo Impero non sono più che dodici), é quindi oltre maniera
indispensabile eliminare le difficoltà anzi che moltiplicarle nell’erezione di
nuove Diocesi, non esitai un momento nel domandare al S. Padre più ampie
facoltà, che mi furono benignamente concesse, e così mi fu dato di por fine a
quella lunghissima questione192.
O Parlamento brasileiro informou à Santa Sé que com a Lei do
Orçamento de 14 de setembro de 1859, parágrafos 9 e 10 do art. 3º, havia
decretado a quantia de 1.010.875$500 para as despesas dos bispos,
catedrais e Seminários do Império, inclusive para as novas dioceses
criadas. O Governo deu ainda garantias que se empenharia para conseguir a
edificação dos Seminários de Goiás e Cuiabá e, ainda, que no Banco

—————————–
191
Na verdade a crise durou seis anos de 1854 a 1860 [ndr.].
192
AES, Br., Brevi cenni sulla missioni di Mons. Falcinelli Arcivescovo di Attene al
Brasile, 20 de agosto de 1963, Fasc. 182, pos. 142, 73r-73v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 399

Provincial do Rio Grande do Sul fora depositado uma soma suficiente para
poder terminar a inacabada construção do Seminário diocesano193.
Na verdade assim definia os §§ 9 e 10 do art. 3º da lei do orçamento:
9º. Bispos, Catedrais, &c., e Párocos incluídos 3:600$000 como côngrua ao
Bispo Resignatário194 do Pará, 10:000$ para reedificação do Palácio episcopal
do Maranhão; e 30:00$ pata a edificação, ou aquisição e preparo de um
Palácio Episcopal na Cidade de Diamantina; 4:000$ para reparos da Sé da
Bahia ............................................................................................ 848:675$500.
10º. Seminários Episcopais, sendo 40:000$ para a edificação do Seminário
Episcopal de Diamantina; 6:000$ para o auxilio do Seminário Episcopal do
Amazonas; 7:500$ para pagamento do aumento de vencimento que tiveram os
Lentes de Liturgia e Canto gregoriano; e 10:000$ para pagamento dos
vencimento dos Lentes do Seminário Episcopal de S. Paulo
....................................................................................................162:200$000195.
Mons. Falcinelli se reuniu com o Ministro da Justiça, Paranaguá, no dia
29 de março de 1860, mandando em seguida um ofício ao Cardeal
Antonelli, no intuito de convencê-lo a permitir a execução das bulas.
Informava, o Internúncio, sobre as boas intenções do Ministro da Justiça,
que prometia a apresentação de três ótimos nomes para as dioceses
vacantes. E para dar mais peso a esta promessa, informava, Mons.
Falcinelli, que: «L’indifferenza dell’Imperatore, sia effetto di legge
Costituzionale, sia di propria incuria per tutto ciò che riguarda le nomine
dei Vescovi; poiché Egli sottoscrive qualunque proposta gli venga fatta,
essendo per legge il Ministro responsabile». Pedia também a concessão das
faculdades necessárias para dar início aos processos de habilitação dos
bispos que seriam apresentados para as três sedes vacantes196.
Pesando fortemente a escolha de candidatos ultramontanos para as novas
dioceses, a promessa de novas nomeações de padres dessa tendência para
as sedes vacantes e a lamentável situação de um considerável número de
sedes ainda sem pastores, o Cardeal Secretário de Estado Antonelli, em
nome do Santo Padre, acabou dando a ordem a Mons. Falcinelli, no dia 24
de maio de 1860, que: tendo ele a garantia moral sobre a realização das
promessas do Ministro da Justiça, desse execução às bulas e nomeações.
Terminou deste modo uma crise aberta havia seis anos e que, apesar de ter
aumentado a autoridade da Santa Sé junto ao Governo e ter garantido a
—————————–
193
AES, Br., Brasile, vescovadi di Ceará e Diamantina, Fasc. 182, pos. 138, f. 47v-
48v.
194
Bispo resignatário: o que renunciou ao governo de uma diocese [ndr.]
195
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1859, XX, parte I, 20-21.
196
ASV, SS, 1860, Officio, 1 de abril de 1860, Rub. 251, Fasc. 2, f. 106r-108v.
400 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

continuidade das nomeações ultramontanas, provocou inúmeras chagas na


vida da Igreja no Brasil: dioceses sem bispos, fiéis sem pastores e sua cura,
falta de formação eclesiástica e catequética e, principalmente, uma
paralisação de todos os projetos de criação de novas dioceses no Império.
Além disso, depois das duas dioceses citadas, não houve nenhum outro
pedido do Governo à Santa Sé para se criar novos bispados, mesmo se
vários outros projetos foram apresentados à Câmara dos Deputados durante
o Segundo Império197.
Deste modo, um dos problemas mais importantes para a Igreja durante o
Império continuou sendo o baixo número de dioceses, insuficientes para o
atendimento espiritual dos fiéis. A partir de 1860, passaram a ser 12 os
bispados no Brasil e assim restaram até a Proclamação da República: 1.
Santa Maria de Belém do Pará, que compreendia as províncias de Pará e
Amazonas; 2. São Luís do Maranhão, englobando as províncias do
Maranhão e Piauí; 3. Assunta do Ceará (província do Ceará); 4. São
Salvador de Olinda (províncias de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio
Grande do Norte); 5. São Salvador da Bahia (província da Bahia); 6. Santo
Antônio de Diamantina (na parte mais extensa de Minas Gerais); 7. Nossa
Senhora do Carmo de Mariana (parte de Minas Gerais); 8. São Sebastião do
Rio de Janeiro (províncias do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa
Catarina, parte da província de Minas Gerias); 9. Assunta de São Paulo
(províncias de São Paulo, Paraná e parte do sul de Minas Gerais); 10. Santa
Anna de Goiás (província de Goiás e parte de Minas Gerais); 11. Bom
Jesus de Cuiabá (província do Mato Grosso) e; 12. São Pedro de Rio
Grande do Sul (província do Rio Grande do Sul), como se pode ver no
mapa apresentado no segundo capítulo198.

2. O matrimônio: uma questão de Estado


Como se viu no primeiro capítulo, o matrimônio era importante para o
regalismo pombalino, tanto no sentido de dar maior autonomia aos bispos
em relação à Santa Sé, quanto para se realizarem alianças políticas por
meio das uniões conjugais. No Segundo Império do Brasil, o casamento
continuava sendo uma preocupação para o Estado, porém, por outros
motivos, ainda que o desejo de eliminar a influência da Cúria romana
continuasse presente.
O Governo Imperial procurava organizar a sociedade brasileira para
melhor exercer sua autoridade e, com esse objetivo, um dos instrumentos
—————————–
197
ASV, SS, 1860, Dispaccio, 24 de maio de 1860, Rub. 251, Fasc. 2, f. 110r-110v.
198
M. M. CALAZANS, A Missão de Monsenhor Francesco Spolverini, 42 nota 78.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 401

era a organização dos núcleos familiares em vista do adequado


conhecimento estatístico da população. Assim, no decorrer do século XIX,
para o Estado se tornou igualmente interessante regular as uniões
celebradas pelas minorias não católicas, devido principalmente ao
incremento da imigração protestante, que, aliás, era incentivada. Tal
situação acabou criando um problema jurídico. Segundo a legislação
brasileira, herdada da tradição lusitana, o casamento regia-se de acordo
com os seguintes preceitos: Concílio Tridentino, Sessão 14, Capítulo I, De
Reformatione matrimonii; Constituição do Arcebispado da Bahia, Livro I,
Tit. 62-72, de 21 de junho de 1707; Ordenações do Reino Livro 4º, Tit. 46,
§ 1; Lei de 19 de junho de 1775; Lei de 19 de novembro de 1775 e Lei de 6
de outubro de 1785199.
Já as principais leis e decretos promulgados após a independência,
relativas ao casamento, foram: Lei de 3 de novembro de 1827; Código
Criminal de 16 de dezembro de 1830, arts. 247 e 248; decreto de 13 de
julho de 1832; decreto de 11 de julho de 1838; Lei de 11 de setembro de
1861; Lei de 17 de abril de 1863 e de 25 de abril de 1874200.
A preocupação do Estado, no entanto, era puramente prática, enquanto
que para a Igreja, o fundamental era a celebração do matrimônio como
sacramento, o que pressupunha o combate ao concubinato e à
promiscuidade. Isso, é claro, associado à educação religiosa, evangelização
e moralização da população brasileira, confirmando os fiéis na fé Católica,
em vista da salvação das suas almas. Neste sentido, todos os sacramentos
(batismo, confirmação eucaristia, penitência, estrema-unção, ordem e
matrimônio) haviam sido amplamente definidos a partir das Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia, segundo as disposições tridentinas201.
Estas Constituições foram aplicadas em todo o território brasileiro e
vigoraram até o fim do Período Imperial. A parte relativa ao matrimônio
estava contida no Tit. LXII, parágrafos 259 e 260, nos seguintes termos:
259 – O último Sacramento dos sete instituídos por Cristo nosso Senhor é o do
Matrimonio. Sendo ao principio um contrato com vinculo perpetuo, e
indissolúvel, pelo qual o homem, e a mulher se entregam um ao outro, o
mesmo Cristo Senhor nosso levantou com a excelência do Sacramento,
significando a união, que há entre o mesmo Senhor, e a sua Igreja, por cuja
—————————–
199
J. SCAMPINI, A liberdade religiosa nas constituições brasileiras, 33-34; S. M.
VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 107-129.
200
Coleção das Leis do Império do Brasil:1827, parte I, 83; 1830, parte I, 188; 1832,
parte I, 30-31; 1838, I, parte I, 15; 1861, XXIV, parte I, 21; 1863, XXVI, II, 85-97;
1874, XXXVII, parte II, 434-449.
201
S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 10-12.
402 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

razão confere graça aos que dignamente o recebem. A matéria deste


Sacramento o domínio dos corpos, que mutuamente fazem os casados, quando
se recebem, explicado por palavras, ou sinais, que declarem o consentimento
mutuo, que de presente tem. A forma são as palavras, ou sinais do
consentimento, em quanto significação a mutua aceitação. Os Ministros são os
mesmos contraentes.
260 – Foi o Matrimônio ordenado principalmente para três fins, e são três
bens, que nele se encerram. O primeiro é o da propagação humana, ordenada
para o culto, e honra de Deus. O segundo é a fé, e lealdade, que os casados
devem guardar mutuamente. O terceiro é da inseparabilidade dos mesmos
casados, significativa da união de Cristo Senhor nosso com a Igreja Católica.
Além destes fins é também remédio da concupiscência, e assim S. Paulo o
aconselha como tal aos que não podem ser continentes202.
No Tít. LXIV, parágrafo 267, se definiam as idades mínimas dos
contraentes, 14 anos completos para o homem e 12 completos para a
mulher. O parágrafo 269, versava sobre as denunciações para averiguar
eventuais impedimentos. Isso deveria ser feito em três domingos, «ou dias
santos de guarda contínuos a estação da Missa do dia»203. O Tít. LXVII,
continha os impedimentos ao matrimônio, que eram: 1 – Erro de pessoa
(podendo ocorrer nos casamentos arranjados, nos quais os noivos não se
conheceram previamente); 2 – Condição, quando um é obrigado a casar
sem que o outro tenha consciência disto; 3 – Voto, se algum dos dois tenha
feito votos solenes ou tenha Ordens Sacras; 4 – Cognação:
É esta de três matérias, natural, espiritual, e legal. Natural, se os contraentes
são parentes por consangüinidade dentro do quarto grau. Espiritual, que se
contrai nos Sacramentos do Batismo, e da Confirmação, entre o que batiza, e o
batizado, e seu pai e mãe; e entre os padrinhos, e o batizado, e seu pai e mãe; e
na mesma maneira no Sacramento da Confirmação. Legal, que provem da
perfeita adoção, e se contrai este parentesco ente o perfilhante, e o perfilhado,
e os filhos do mesmo, que perfilha, enquanto estão debaixo do mesmo poder,
ou dura a perfilhação. É bem assim entre a mulher do adotado, e adotante, e
entre a mulher do adotante, e adotado204.
5 – Crime, quando algum dos noivos, ou ambos «maquinou com efeito a
morte» do cônjuge precedente para se casarem, com ou sem adultério
prévio, «ou quando os contraentes sendo um deles casado, cometeram
adultério, e se fizeram externa promessa de casar, se a mulher, ou marido
do contraente morresse primeiro, ou se casaram de fato, sendo ela viva»; 6
—————————–
202
S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 107.
203
S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 110.
204
S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 116-117.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 403

– Disparidade da Religião, «porque nenhum infiel pode contrair


Matrimonio com pessoa fiel, e contraindo-o é nulo, e de nenhum efeito»; 7
– Força, ou medo, «quando os contraentes, ou algum deles foi constrangido
a casar por medo, tal, que pudesse cair em varão constante»; 8 – Ordem,
tenha Ordens Sagradas, ainda que fosse somente de Subdiácono; 9 –
Ligame, «quer dizer, que se algum dos contraentes é casado por palavras de
presente com outra mulher, ou marido, ainda que o Matrimonio seja
somente rato, e não consumado, vivendo o tal marido, ou mulher, não pode
contrair Matrimonio com outrem, e se de fato contrair é nulo»; 10 – Pública
honestidade, se refere à antiga prática do desponsório ou promessas de
casamento, práticas que vinham caindo em desuso durante o Segundo
Império; 11 – Afinidade:
Convêm saber, que marido pelo Matrimônio consumado contrai afinidade com
todos os consangüíneos de sua mulher até o quarto grau, e assim, morta ela,
não pode contrair Matrimônio com alguma sua consangüínea dentro dos ditos
graus. E da mesma maneira a mulher contrai afinidade com todos os
consangüíneos de seu marido até o quarto grau. Também a contrai aquele que
tiver cópula ilícita perfeita, e natural com alguma mulher, ou mulher com
algum varão; e por esta causa não pode contrair Matrimônio com parente do
outro por consangüinidade dentro do segundo grau205.
12 – Impotência, entendia-se de procriar ou de copular; 13 – Rapto, raptar e
forçar o outro ao casamento; 13 – Ausência do pároco, e duas testemunhas,
porque conforme o Sagrado Concilio Tridentino não era valido o
matrimônio, se não fosse contraído em presença do pároco, ou outro
sacerdote, e de duas testemunhas ao menos206.
Alguns destes impedimentos poderiam ser superados por meio de
dispensas que se solicitavam aos bispos, ao Papa ou seus representantes,
dependendo da gravidade que tivessem. Entre os reservados à dispensa do
Santo Padre, estavam aqueles de consangüinidade, afinidade e disparidade
de religião; no entanto, no caso dos bispos brasileiros, o Sumo Pontífice
concedera amplas faculdades de dispensá-los, por um breve que ficou
conhecido como o Breve dos 25 anos, que se verá a seguir.

2.1. O Breve dos 25 anos


Pio VI (1717-1799), em 1796, deu aos prelados brasileiros um Breve,
com duração de 25 anos, no qual lhes concedia certas faculdades de
dispensar de alguns impedimentos matrimoniais, tais como alguns graus
—————————–
205
S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 118.
206
S. M. VIDE, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, 118-119.
404 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

parentesco, de afinidade e a de mista religião. Ele o fez porque as


comunicações entre o Vaticano e a então colônia portuguesa, que já eram
difíceis, se complicaram ainda mais com as guerras napoleônicas que
envolviam a Europa. Em 4 de outubro de 1822, Pio VII (1742-1823),
renovou as concessões dadas pelo seu predecessor, desta vez devido à
particular situação em que se encontrava o continente americano, envolvido
em um processo de emancipação política das suas ex-metrópoles ibéricas,
como era o caso do Brasil. Naquele ano de 1822, não havia nenhum
represente pontifício em território brasileiro, já que não fora enviado um
substituto a Compagnoni Marefoschi, depois do retorno da família real para
Portugal e da conseqüente proclamação da independência207.
Outras questões também influíram sobre a renovação das concessões,
entre as quais o fato do território brasileiro ser pouco povoado, existindo,
naturalmente, muitos casamentos entre parentes e, praticamente, não
havendo outra religião além da católica. O Breve acabou no ano de 1847,
durante o Segundo Império, quando as condições eram muito diferentes das
de 1822. Estava presente no Brasil um representante pontifício, residindo
estavelmente no Rio de Janeiro, a população havia crescido e iniciava-se
um progressivo aumento de imigrantes europeus protestantes208.
Em 12 de novembro de 1845, o representante brasileiro em Roma,
Comendador Moutinho, requereu a Gregório XVI, a renovação e ampliação
das faculdades dadas pelo Breve dos 25 anos, ou das Concessões como
também ficou conhecido. Pedia-se que fossem renovadas por tempo
ilimitado, as faculdades extraordinárias, principalmente, as de dispensa
matrimonial. A resposta a Moutinho veio em 17 de junho de 1846, e foi a
seguinte:
l’Eccellenza Vostra ben vede che nello Stato attuale delle cose non sussisteva
più quel grave motivo onde Pio VI e Pio VII poterono essere indotti alle
suddette straordinarie concessioni. Nondimeno il prelodato Gregorio XVI,
animato come era da sentimenti di paterna particolare benevolenza verso S. M.
l’Imperatore del Brasile, come pure dal desiderio di favorire i Prelati, ed i
fedeli di quell’illustre nazione, si determinò di ordinare un nuovo Breve, col
quale si rinnovasse, con alcune modificazioni, e per lo spazio di quindici anni,
la concessione fatta come sopra nel 1822.

—————————–
207
AES, Br., Segreteria dei Affari Ecclesiastici Straordinari, Brasile-Concessione di
Facoltà di Dispense Matrimoniale ai Vescovi, 1846, Fasc. 160, pos. 68, 47r-60v; ASV,
NAB, Dispaccio, 18 de setembro de 1846, Cx. 22, fasc. 97, f. 24r-28r.
208
AES, Br., Segreteria dei Affari Ecclesiastici Straordinari, Brasile-Concessione di
Facoltà di Dispense Matrimoniale ai Vescovi, 1846, Fasc. 160, pos. 68, 47r-60v; ASV,
NAB, Dispaccio, 18 de setembro de 1846, Cx. 22, fasc. 97, f. 24r-28r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 405

La morte che sopravenne del suddetto Sommo Pontefice fu causa che


restasse sospesa la spedizione di quel Breve. Peraltro la Santità di N. S. Papa
Pio IX felicemente regnante, cui si è fatta nuova relazione di tutto l’affare si è
degnata di prenderlo sollecitamente in considerazione ed animata dai
medesimi sentimenti del suo glorioso predecessore verso S. M. l’Imperiale, e
verso i Prelati e Popolo Brasiliano ha benignamente annuito ad ordinare la
spedizione della concessione anzidetta [...] limitata peraltro allo spazio di
quindici anni, e con alcune modificazioni che riguardano principalmente la
facoltà di dispensare nel 1º grado d’affinità trasversale ex copula licita che
viene omessa del tutto; come pure la facoltà pel primo in secondo grado di
consanguineità e la facoltà pei matrimoni misti, che vengono l’una, e l’altra
ristretta ad un determinato numero di casi209.
Os casos restringidos foram às faculdades de dispensar em 1º grau de
consangüinidade misto com o 2º, e o de mista religião. O primeiro a 50
casos e o segundo a 20, durante o decorrer dos quinze anos de duração do
Breve. O Governo brasileiro não ficou satisfeito e continuou pressionando
por maiores concessões, resultando no Breve de 17 de março de 1848. Este
tinha novamente a duração de 25 anos e se concedia as faculdades de
dispensar em 25 casos, somente de urgente necessidade, do 1º grau de
afinidade e ex copula licita em linha transversal; 150 casos do 1º misto ao
2º grau de consangüinidade nos matrimônios contraídos ou por contrair
durante os 25 anos; e 30 casos de matrimônios mistos, contraídos e por
contrair, também pelo decorrer dos 25 anos210.
Em 22 de janeiro de 1850, a Secretária de Estado da Santa Sé recebeu
uma carta do Sr. Lodovico Stranazzi, informando que o Governo
interpretara como sendo anuais as concessões dadas para serem usadas ao
largo de 25 anos211. Em um relatório da repartição dos Negócios da Justiça
apresentado a Câmara dos Deputados em 1850, pelo Ministro e Secretário
de Estado Eusébio de Queirós Coutinho Mattoso Câmara (1812-1868), na
parte referente aos Negócios Eclesiásticos, assim informava sobre o Breve
dos 25 anos concedido por Pio IX:
Por diligência do Ministro do Brasil em Roma, mandou S. Santidade Pio IX
expedir o novo Breve das faculdades, concedendo aos reverendos Bispos do
Brasil autorização para dispensar anualmente por espaço de 25 anos, em 25

—————————–
209
ASV, NAB, Nota della Secretaria di Stato al Sig. Comm. Moutinho, em
Dispaccio, 18 de setembro de 1846, Cx. 22, fasc. 97, f. 26v-28r.
210
AES, Br., Elenco delle facoltà concesse ai Vescovi del Brasile col Breve dei 17
Marzo 1848, Fasc. 168, pos. 91, f. 63r-63v.
211
AES, Br., Carta do Sr. Ludovico Stranazzi, 22 de janeiro de 1850, Fasc. 163, pos.
76, f. 29r.
406 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

casos de 1º grau de afinidade, e somente em 150 casos os de 1º e 2º de


consangüinidade, e finalmente em 30 casamentos mistos. Quis S. Santidade
diminuir as faculdades tanto em número como em tempo; e, apesar dos
esforços empregados pelo Ministro do Brasil junto a Santa Sé, não foi possível
demover a Cúria Romana de seu propósito212.
Nos anos de 1850, surgiram vários impasses entre o Governo e a Santa
Sé em relação: aos noviciados das ordens regulares; quanto à execução das
bulas de criação dos bispados de Diamantina e Ceará; na tentativa de se
celebrar uma concordata; e divergentes definições sobre o direito de
padroado. Também o matrimônio foi tema de discussão e discórdias,
principalmente no tocante aos casamentos mistos com acatólicos. Começou
também nesta década a pressão de alguns segmentos da sociedade pela
instituição do casamento civil no Brasil, o que levou o Governo a
pressionar a Santa Sé para conseguir maiores concessões matrimoniais para
os bispos no país213.
Em 1848, um acontecimento em especial incendiou a opinião pública
nacional em relação ao matrimônio e as famílias protestantes. Uma colona
alemã de Petrópolis, Catharina Scheid, de 22 anos, protestante, casou-se em
26 de dezembro de 1847, com Francisco Fagundes, português, católico. O
rito matrimonial foi o acatólico, sem intervenção e licença da autoridade
eclesiástica. Depois de um ano de casamento, Catharina foi abandonada
pelo seu marido e pediu ao Governo uma providencia para a dissolução da
sua união, conforme era permitido pela sua religião. No Brasil, porém, tal
união era considerada concubinato, sem nenhuma garantia de direitos214.
Este caso levou o bispo do Rio de Janeiro a escrever uma Carta Pastoral
sobre o sacramento do matrimônio, que segundo o Internúncio Mons.
Gaetano Bedini, estava em perfeita harmonia com o Breve dos 25 anos215.
O relatório da repartição dos Negócios da Justiça, apresentado em 1855,
continha entre os assuntos tratados, o seguinte título: Casamentos Mistos e
Evangélicos. Nele se encontrava a posição do Governo sobre o tema.
Segundo o documento, devido ao aumento progressivo da colonização,
aumentava-se também o número da população protestante no Império,

—————————–
212
Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça, 56-57. Uma cópia de tal
Relatório encontra-se também em: AES, Br., Fasc. 163, pos. 76, em um envelope na f.
30r.
213
A questão do casamento civil vai ser tratada ainda neste capítulo [ndr.].
214
AES, Br., Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça, 1850, Fasc. 172, pos.
115, f. 8r-8v; J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 294.
215
AES, Br., Parere Confidenziale di Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
Fasc. 172, pos. 115, f. 100r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 407

devendo-se garantir os direitos das uniões e das famílias destes colonos.


Sobre os casamentos mistos assim se exprimia o relatório:
Quanto aos mistos, sendo, como são fáceis pela parte acatólica e difíceis
pela parte católica em razão da dispensa do impedimento – Cultus disparitas –
acontece que verificados por uma parte e não pela outra, nulos por
conseqüência, ficam reduzidos as condições de concubinatos sem efeitos civis
para os esposos e para os filhos que são tidos por não legítimos.
Sabeis que a Igreja Católica tem como impedimento a disparidade do Culto,
e que pelo Breve das Faculdades concedidas pelo Sumo Pontífice Pio 9º aos
Bispos do Império nos vinte cinco anos correntes, só há trinta casos de
dispensas do impedimento216 – Cultus disparitas – e com a condição de ser
Católica a educação da prole: daí a grande dificuldade da questão217.
Ainda segundo o relatório a solução seria um contrato civil:
O remédio do mal é plainar a dificuldade e tornar fáceis esses casamentos.
Assim não conseguindo-se da Santa Sé dispensa infinita e não limitada no
impedimento – cultos disparitas – como exige o interesse da colonização que
é vital para nós, a providencia que cumpre tomar é a seguinte – distinguir o
casamento Evangélico e o misto como civil e religioso, para que aquele
preceda a este, e seja logo seguida de direitos civis, ainda que se não verifique
o religioso, sendo todavia indissolúvel pela parte Católica.
Se não acede ou sobrevém o casamento religioso, existe ao menos um
contrato, há um elemento legítimo, os esposos e os filhos conservam os seus
direitos civis...218
Era clara a posição do Governo: ou se conseguia maiores concessões da
Santa Sé ou se tentaria aprovar uma lei de contrato civil para o matrimônio
misto e, logicamente, também para os acatólicos. Em 1857, outro fato
trouxe novamente a questão dos casamentos mistos à tona e, dessa vez, por
uma atitude controvertida do bispo do Rio de Janeiro, que no caso de 1848
tinha agido em um modo que agradara ao Internúncio da época. Tal
acontecimento ficou conhecido como Questão Kerth, e rapidamente ganhou
a imprensa nacional219.

—————————–
216
Observe-se que neste documento o erro de interpretação contido no Relatório de
1850, já tinha sido corrigido [ndr.].
217
AES, Br., Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça, 1850, Fasc. 172, pos.
115, f. 8r.
218
AES, Br., Relatório da Repartição dos Negócios da Justiça, 1850, Fasc. 172, pos.
115, f. 8v.
219
AES, Br., Artigo do Jornal A Semana, 24 de novembro de 1857, Fasc. 178, pos.
131, f. 7v.
408 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

A colona Margarida Kerth, protestante, casou-se, em 15 de novembro de


1845, com o também protestante João Schop, no rito de sua religião.
Posteriormente ela abandonou o marido e abraçou o Catolicismo,
recorrendo ao bispo do Rio de Janeiro, que a acolheu e anuiu a sua
retratação do erro e conversão, segundo o uso da Igreja Católica Apostólica
Romana. A convertida Kerth requereu, então, permissão para se casar com
o Sr. Franklin Brasileiro Jansen Lima, Católico. O bispo concedeu a
permissão com um decreto em 27 de janeiro de 1857, declarando nulo o
casamento precedente celebrado contra a forma do Concilio Tridentino220.
Este caso logo foi publicado em artigos nos jornais Correio da Tarde,
Correio Mercantil e Jornal do Comércio, todos criticando a ausência de
segurança nas uniões e famílias protestantes e defendendo, por conseguinte,
a instituição de um contrato matrimonial civil, uma vez que, na opinião
destes quotidianos, a falta deste estava dificultando a colonização. A
resposta a estes artigos foi feita pelo jornal A Semana, no qual se defendeu
o bispo e o matrimônio Católico. O autor do artigo posicionou-se em favor
da imigração para a colonização do território, mas não desejava que «essa
colonização influa na nacionalidade, na integridade, no espírito público de
uma grande nação, como tem de ser o Brasil, então urge tomar por ponto de
partida a unidade, a integridade, a nacionalidade e o espírito benéfico da
religião católica». Continuava dizendo que o bispo «obrou segundo o
direito da Igreja e segundo as suas conveniências», que era a de favorecer a
imigração de católicos e não de acatólicos. Encerrava dizendo ser «mais
impolítico e perigoso levantar uma celeuma contra o direito da religião do
Estado e faculdades dos seus ministros, julgando nulo um matrimônio
clandestino do que a aplicação dessas leis a um fato isolado, e sem
conseqüência, de que possa recear-se»221.
Todos acreditaram que o artigo do A Semana fora ditado ou inspirado
pelo bispo do Rio, porém, o Internúncio teve conhecimento que, não só não
partiu dele a iniciativa de tal artigo, como nem mesmo o agradou. Mas,
sempre na opinião do Internúncio, uma coisa era segura, tal acontecimento
despertara a questão matrimonial e o desejo da instituição do matrimônio
civil. Pedia, então, instruções a Santa Sé222.

—————————–
220
AES, Br., Atestado de conversão, nulidade de casamento e casamento Católico
de Margarida Kerth dada pelo Bispo do Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1857, Fasc.
178, pos. 131, f. 16r.
221
AES, Br., Artigo do Jornal A Semana, 24 de novembro de 1857, Fasc. 178, pos.
131, f. 7v-9r.
222
AES, Br., Officio, 28 de fevereiro de 1857, Fasc. 178, pos. 131, f. 15r-15v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 409

Em fevereiro de 1858, se reuniram os Cardeais da Sagrada Congregação


do Santo Ofício, para discutirem sobre um parecer do Rev. Antônio Maria
Panebianco da Ordem dos Menores Conventuais e consultor do Santo
Ofício, sobre os casamentos mistos e acatólicos no Brasil. Deveriam
responder aos seguintes quesitos: 1º. Se fosse expediente estender a
Beneditina223 ao Império do Brasil; 2º. Se nas dispensas de matrimônios
mistos, que se poderiam conceder da Santa Sé àquele Império, fosse
conveniente modificar as cláusulas e as condições prescritas da formula
geral224.
Sobre a primeira questão, o parecer de Panebinaco era o seguinte: no
Brasil foi publicado o Concílio de Trento, por meio da lei herdada de
Portugal. Segundo a lei deste Concílio, no decreto Tametsi225, os
casamentos contraídos sem a presença do pároco e das testemunhas eram
considerados nulos. Então, para ele não havia dúvida que os matrimônios
dos protestantes contraídos sem seguir a forma descrita não eram válidos.
Era necessário então examinar se existiam no Brasil razões que
permitissem suplicar a Santa Sé, ou de estender a Beneditina ou de emanar
uma declaração que, debaixo de outra forma, produzisse substancialmente
os mesmos efeitos226.
O documento salientava que a Santa Sé sempre recomendara aos bispos
de absterem-se de proferirem juízos, aliás, até mesmo de questionarem
—————————–
223
O Decreto Beneditino, ou de Bento XIV, era uma derrogação da lei do Concílio
Tridentino sobre o matrimônio aplicado a alguns lugares específicos, e por
conseqüência, uma dispensa ou privilégio local. Foi aplicado aos matrimônios
acatólicos das províncias da Holanda, pois, quando esta estava sob o domínio espanhol
os decretos do Concílio tridentino foram ali publicadas. Onde era valido o matrimônio
«clandestino» dos protestantes entre eles, era valido o matrimônio misto [AES, Br.,
Sacra Congregazione del S. Uffizio, voto con sommario del Rmo P. M. Antonio Maria
Panebianco dell’Ordine dei Minori Conventuali consultore del S. Uffizio, fevereiro de
1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 52v; f. 53v].
224
AES, Br., Sacra Congregazione del S. Offizio, voto con sommario del Rmo P. M.
Antonio Maria Panebianco dell’Ordine dei Minori Conventuali consultore del S.
Uffizio, fevereiro de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 46r-64v.
225
O intuito deste decreto tridentino era de acabar com as desordens derivadas dos
matrimônios clandestinos e teria vigor depois de trinta dias da publicação dos decretos
do Concílio na diocese. [AES, Br., Sacra Congregazione del S. Uffizio, voto con
sommario del Rmo P. M. Antonio Maria Panebianco dell’Ordine dei Minori
Conventuali consultore del S. Uffizio, fevereiro de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 48r-
48v].
226
AES, Br., Sacra Congregazione del S. Uffizio, voto con sommario del Rmo P. M.
Antonio Maria Panebianco dell’Ordine dei Minori Conventuali consultore del S.
Uffizio, fevereiro de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 48r.
410 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

sobre a validade ou nulidade dos matrimônios dos acatólicos entre eles. O


bispo do Rio deveria ter agido com «maior circunspeção», evitando
promulgar uma sentença, que, por mais que fosse fundamentada, não era
necessária. O favorecimento do Governo aos protestantes dando-lhes
grandes liberdades, com intuito de incentivar a imigração para o Império,
não justificava a extensão da Beneditina ao Brasil, pelos seguintes motivos:
I protestanti, che da poco in qua vanno a stabilirsi, non godono certamente
dei diritti civili e religiosi dei cattolici, non hanno una società legalmente
riconosciuta dalla Costituzione, ma solo il favore del Governo; vi ha per loro
una tolleranza oltre i limiti prescritti dalla legge fondamentale, una libertà che,
col variar delle circostanze, può essere repressa e ridotta ai termini della legge.
Se dunque abbiamo argomenti irrefutabili per giudicare della nullità del
matrimonio dei protestanti tra loro celebrato in Francia e Germania, ove gli
acattolici godono di una società legalmente riconosciuta dalle leggi civili, con
più ragione deve conchiudersi altrettanto di quelli celebrati nel Brasile non
osservata la forma prescritta dal Tridentino227.
Segundo o documento, se a extensão da Beneditina resolveria a questão
do matrimônio entre os protestantes, ao mesmo tempo aumentaria o
número dos matrimônios mistos, além do que, não acabaria com a ameaça
de se aprovar uma lei que instituísse o matrimônio civil. Então, o parecer
final de Panebianco era o seguinte:
Dovendo dunque manifestare il mio parere sull’estensione della
Benedettina nel Brasile, direi:
Dilata et ad mentem. La mente sarebbe di dare tutte le necessarie istruzioni al
novello Monsig. Internunzio, acciocché giunto al suo destino, esaminasse
accuratamente le ragioni ed i veri bisogni religiosi e civili di quell’Impero;
conferisse con quei Vescovi – con alcuni dei quali potrà parlare personalmente
– per meglio conoscere le disposizioni, i bisogni, i pericoli in che trovansi le
rispettive diocesi. I Vescovi dopo di ciò potranno rivolgersi direttamente alla
S. Sede, esponendo le ragioni e il parere sia sopra i matrimoni misti, sia sopra
qualunque altro provvedimento straordinario provocato da vera necessità; e
intanto Monsig. Internunzio non lascerà di richiamare alla loro memoria la
sapiente economia usata dalla S. Sede qualora si è trattato di decidere sulla
nullità o validità del matrimonio dei protestanti, e quanta circospezione

—————————–
227
AES, Br., Sacra Congregazione del S. Uffizio, voto con sommario del Rmo P. M.
Antonio Maria Panebianco dell’Ordine dei Minori Conventuali consultore del S.
Uffizio, fevereiro de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 54r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 411

bisogni usare anche nel caso della conversione dell’uno dei coniugi al
cattolicismo228.
Sobre o segundo quesito, Panebianco era do parecer que as condições do
Brasil não possuíam analogias com as das regiões germânicas e acatólicas
(em que haviam sido travadas violentas guerras de religião) ou mesmo à
França, onde os protestantes gozavam dos mesmos direitos dos católicos,
as uniões conjugais mistas eram freqüentes e há tempos fora legitimado o
matrimônio civil. Partindo desse pressuposto, ele apresentava a seguinte
argumentação:
Intorno dunque al secondo Quesito di Monsig. Massoni, di modificare cioè per
l’Impero del Brasile «le clausole e le condizioni solite apporsi nei Rescritti dei
matrimoni misti» opinerei rispondere: Generation non expedire, et ad mentem.
La mente sarebbe di far osservare al novello Monsig. Internunzio la gran
differenza che passa tra lo stato del Brasile e la condizione religiosa delle
provincie germaniche, per le quali, a evitare mali maggiori, furono dati dalla
S. Sede straordinari provvedimenti chiesti concordemente dall’Episcopato di
quelle provincie. Intanto si potrebbe supplicare il S. Padre di autorizzare
Monsig. Internunzio (se non si troverà provveduto di tale facoltà) a poter
dispensare, per un discreto numero, nei matrimoni misti, previa l’esistenza di
giuste cause e l’osservanza delle condizioni prescritte nella formula generale.
Se poi occorresse una qualche cosa di straordinario, potrà Monsig.
Internunzio, potranno i Vescovi, ricorrere alla S. Sede esponendo nei casi
particolari le ragioni del desiderato provimento229.
Em 13 de março de 1858, iniciaram-se as negociações entre Francisco
Ignácio de Carvalho Moreira, Barão de Penedo (1815-1906) e Mons.
Ferrari, Sub-Secretário da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários, com intuito de celebrar uma Concordata entre o Brasil e a
S. Sé. Na segunda reunião entre os dois, em 16 de março, o tema foi o
matrimônio. O Barão de Penedo e o Ministro brasileiro em Roma, Sr.
Figueiredo, queriam que as faculdades para os matrimônios mistos dados
em 1848, por 25 anos, fossem perpétuas e que aquelas referidas à dispensa
do 1º grau misto com 2º de consangüinidade e do 1º de afinidade, não
ficassem limitadas a um número restrito de casos. Desejavam que tudo
fosse feito por meio de uma Concordata. Expressaram, também, que o
—————————–
228
AES, Br., Sacra Congregazione del S. Uffizio, voto con sommario del Rmo P. M.
Antonio Maria Panebianco dell’Ordine dei Minori Conventuali consultore del S.
Uffizio, fevereiro de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 57v.
229
AES, Br., Sacra Congregazione del S. Uffizio, voto con sommario del Rmo P. M.
Antonio Maria Panebianco dell’Ordine dei Minori Conventuali consultore del S.
Uffizio, fevereiro de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 74r-64v.
412 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

desejo do Estado era de regulamentar civilmente os matrimônios dos


protestantes e mistos230.
Sobre as concessões dadas aos bispos em 1848, Mons. Ferrari preferiu
não discutir naquela ocasião e sobre o matrimônio civil respondeu que,
para a Igreja, ele seria considerado verdadeiro concubinato se fosse
celebrado sem a presença de um pároco. Além disso, ele ressaltava que as
disposições matrimoniais do Concilio de Trento haviam sido publicadas
como lei do Império e que os católicos tinham a obrigatoriedade de cumpri-
las, até mesmo por lei civil. Respondendo a Mons. Ferrari, o Barão de
Penedo argumentou que em todas as dioceses já se encontravam
protestantes, mas não nas mesmas proporções231.
Mons. Ferrari esclareceu que uma delegação de faculdades perpétuas não
existia, ainda mais em casos tão graves que o Papa reservava para si, e que
tais faculdades dadas aos bispos brasileiros já chegavam aos «graus
maiores extremos». Se porventura exaurissem os números de concessões,
os bispos podiam recorrer à Internunciatura ou à Santa Sé para
conseguirem outra pequena quantidade de casos. Explicou, que somente
aos prelados diocesanos do Brasil tais concessões eram dadas por 25 anos,
enquanto para os outros países latino-americanos, de 20 anos haviam sido
reduzidas para 10, com números limitados de casos, e que nenhum destes
países havia se lamentado, chegando as faculdades dos bispos brasileiros
nos casos maiores a serem superiores a todas aquelas concedidos na
Europa232.
O Barão de Penedo contra-argumentou que no breve de 1822 não havia
limitações a número de casos, ao que respondeu Mons. Ferrari que naquele
tempo não existia representação pontifícia no Império e esclareceu-lhe que
as dispensas, especialmente nos casos maiores, deveriam ser raríssimas e
por motivos gravíssimos, ou se não comprometeriam a moral e a
honestidade pública. O último argumento tentado pelo Barão de Penedo foi
que houve grande aumento da população e recebeu como resposta que tais
concessões eram dadas em razão inversa da população, pois já que se tinha

—————————–
230
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f.
6r.
231
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133,
pos. 133, f. 7r-7v.
232
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133,
pos. 133, f. 7r-7v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 413

maior número de indivíduos, menor era a necessidade de existirem


casamentos entre parentes233.
Vendo que Mons. Ferrari não cedia, o Barão de Penedo propôs então: 1º
que a Santa Sé concedesse outro Breve mais amplo por 25 anos começando
em 1873; 2º que as faculdades limitadas a número de casos fossem
delegadas ao Arcebispo da Bahia sem limitação, e que este as repassasse
aos bispos a cada ano. Mons. Ferrari respondeu ser o primeiro ponto
impossível e o segundo improvável já que existia um representante
pontifício no Brasil, parecendo, deste modo, querer o Governo emancipar-
se do Internúncio, pois os mesmos problemas de distância que se poderiam
ter com este, continuariam os mesmos com o Arcebispo. O enviado
brasileiro terminou perguntando se era possível ter outro Breve de 25 anos
começando agora, e obteve como resposta que não era impossível, «a
dipendere dalla volontà del S. Padre»234.
Mons. Panebianco, consultor do Santo Ofício, elaborou, então, um
parecer sobre a questão, que foi aprovado pelos Inquisidores Gerais235 e
posteriormente apresentado aos Cardiais da Sacra Congregação dos
Negócios Eclesiásticos Extraordinários, em 30 de março de 1858236, para
deliberar sobre os pedidos feitos pelo Governo brasileiro em relação às
dispensas matrimoniais. Numa posterior reunião para a negociação entre o
Barão de Penedo e Mons. Ferrari, acontecida no dia 13 de abril de 1858, o
enviado brasileiro foi informado que a Santa Sé estava disposta a conceder
um novo Breve aumentando o número de casos para dispensar nos
matrimônios mistos que começaria a partir de janeiro de 1859 e terminaria
junto ao Breve de 1848, isto é em março de 1873, e que os bispos
receberiam um decreto pontifício autorizando-os a dispensar um
determinado número de casos nos meses restantes de 1858. Mons. Ferrari
chamou a atenção do Barão de Penedo sobre o erro de interpretação do
Ministro da Justiça brasileiro em 1848, no qual se acreditava que os
números de casos eram anuais e não por toda a duração dos 25 anos,
pedindo que o Governo retificasse o erro237.
—————————–
233
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133,
pos. 133, f. 7r-7v.
234
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f.
8r-8v.
235
AES, Br., Parere dei Inquisitori della Sacra Congregazione del Santo Uffizio, 25
de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 41r-42r.
236
AES, Br., Minuta del Rapporto della Sessione 346 della S. Congreg. Aff. Ecc., 30
de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 25r-33v.
237
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133,
f.18v-19f.
414 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

As mudanças no Breve de 1848 foram feitas pelo Breve Faecipuis


gravilasque causis, de 15 de março de 1859, e foram as seguintes: 1º. Um
aumento do número de casos de dispensa para o matrimônio misto,
concedendo 30 casos por ano para cada bispo, não acumulável para o ano
posterior; 2º. Manter o número de 150 casos da dispensa de 2º misto com 1º
grau de consangüinidade; 3º. Aumentar de 25 casos, na duração dos 25
anos, para 20 casos por ano, as dispensas de 1º grau de afinidade, para cada
bispo. Aos bispos de Goiás e Cuiabá foi dado o direito de dispensar por
ano, em 18 casos de mista religião e em 30 casos do 1º grau de afinidade.
Este Breve duraria até 16 de março de 1873238.
Em 1872, o Governo brasileiro fez novo pedido de renovação do Breve
dos 25 anos. O Santo Padre acolheu o pedido em 24 de fevereiro de 1874.
O novo Breve foi redigido nos termos e forma daquele de 1848, com as
seguintes modificações: 1º. Dispensa do impedimento de afinidade em 1º
grau ex copula licita in linea trasversale, 15 casos por ano; 2º. 10 casos por
ano em impedimento de consangüinidade em 2º misto com 1º grau; 3º. Em
20 casos de dispensa de mista religião por ano. Este breve deveria durar até
1898239.
Em 4 de julho de 1888, já as vésperas do fim do Império, o Governo,
enviou à Santa Sé um pedido de ulteriores casos de dispensa de mista
religião. Tal requerimento foi feito por meio de uma nota enviada pelo
Ministro brasileiro em Roma. A referida nota começava expondo o
continuo aumento de pessoas que não professavam a religião Católica,
dizendo ser inconveniente tanto para o Estado quanto para a Igreja as
dificuldades de se dispensar em tais casos. Requeriam-se então maiores
faculdades aos bispos, para as dispensas de mista religião, além daquelas
dadas em 24 de fevereiro de 1874240.
A Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos, em 12 de julho de
1888, enviou um despacho ao Mons. Assessor do Santo Ofício, pedindo um
parecer241. Em 18 de julho de 1888, os Inquisidores Gerais se pronunciaram
no sentido de aumentar para 50 casos por ano as concessões de mista
religião pelo tempo restante do Breve de 24 de fevereiro de 1874, através
de faculdades que seriam enviadas pelo S. Padre ao Mons. Internúncio
Apostólico, o qual as moderaria segundo as necessidades de cada
—————————–
238
AES, Br., Facoltà per i Vescovi del Brasile, 1872, Fasc. 184, pos. 154, f. 53r.
239
AES, Br., Facoltà per i Vescovi del Brasile, 1872, Fasc. 184, pos. 154, f. 53v-54r.
240
AES, Br., Nota da Legação Brasileira, 4 de julho de 1888, Fasc. 22, pos. 288, f.
11r-11v.
241
AES, Br., Dispaccio al Santo Officio , 12 de julho de 1888, Fasc. 22, pos. 288, f.
12v-13v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 415

diocese242. Esta decisão foi comunicada ao enviado brasileiro em 21 de


julho de 1888, e na mesma data foram enviadas às necessárias instruções ao
Internúncio Francesco Spolverini243.
Em 5 de maio de 1889, Mons. Spolverini redigiu um ofício à Santa Sé,
no qual inicialmente lembrou que já havia feito referimento à necessidade
de novas concessões em matérias matrimoniais, chegando mesmo a discutir
tal tema com o Ministro do Império, que afirmou que: se em algumas
dioceses o número de casos de mista religião concedido era demasiado, em
outras eram poucos e ainda alertava que nestas condições seria difícil
impedir uma lei sobre o matrimônio civil. Na opinião de Mons. Spolverini,
o regalismo brasileiro era pior que o português, «perché più ignorante», a
ponto de se placitar o Breve no qual fora concedida a prorrogação das
faculdades dadas aos bispos brasileiros, informando que neste documento
chegava-se a dizer que o Papa era o atual «Presidente Universal da Igreja
de Deus»244.
Mons. Spolverini elaborou, então, uma proposta que muito se
assemelhava àquela feita por Panebianco em 1858. Se caso não fosse mais
conveniente e oportuno, para a liberdade da Igreja no Brasil, que o aumento
das faculdades de dispensa matrimonial fosse feito do seguinte modo:
Non in seguito della domanda dell’Imperatore, come si è fatto fin qui e come
dicesi nel Breve delle facoltà date, ma della domanda dell’Internunzio, che il
Santo Padre tiene nel Brasile precisamente per conoscere i bisogni di questa
Chiesa; e ciò non per mezzo di un Breve ai Vescovi, ma per una lettera di
Vostra Eminenza all’Internunzio la quale trasmetterebbe le facoltà ai Vescovi,
precisamente come ho fatto per l’aumento dei casi di dispensa da mista
religione, in seguito del dispaccio di Vostra Eminenza, no. 76781. Ivi mi si
diceva «....rimettendo all’uopo le necessarie facoltà alla prudenza della S. V.
Illma la quale modererà l’implorata estensione secondo i bisogni delle varie
diocesi». Oppure di autorizzare l’Internunzio di aumentare il numero delle
facoltà pel tempo, che la S. Sede stabilirà, e partecipare ai Vescovi secondo le
chiederanno, o a tempo opportuno, la degnazione della S. Sede. Così il
Governo non entra per nulla in una concessione di facoltà esclusivamente
spirituali, né un Breve Pontificio sarà più sottoposto al placet imperiale. Non
esiste nel Brasile né una legge, né un diritto qualunque, né consuetudine, che

—————————–
242
AES, Br., Nota sul parere del Rev.mo Inq. Genli, 20 de julho de 1888, Fasc. 22,
pos. 288, f. 14r.
243
AES, Br., Comunicazione al Ministro del Brasile, 21 de junho de 188, Fasc. 22,
pos. 288, f. 15r; AES, Br., Dispaccio, 31 de julho de 1888, Fasc. 22, pos. 288, f. 16r-
16v.
244
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 17r - 18r.
416 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

costringa a sottoporre al placet una concessione fatta dall’Internunzio [grifos


do original]245.
Para tentar evitar interferências e ameaças do Governo, o Internúncio
defendia que os requerimentos de faculdades deveriam vir diretamente dos
bispos ou da Internunciatura, e neste sentido, havia dirigido uma circular
aos prelados em 11 de março de 1889, com os seguintes quesitos:
Sinat Exc°. S. Rma, ut ab cadem beneficium postulem respondendi ad quaesita
sequentia.
1°. Ultrum in anno exhaurias numerum dispensationum matrimonialium a S.
Sede pro unoquoque anno sibi concessum.
2°. In casu affirmativo, an recursus ad hanc Internuntiaturam pro
dispensationibus, quid dammi spiritualis, ratione morae pro distantia
interponedae, in casibus, causa sit.
3°. An bono spirituali animarum satius providentur locorum Ordinariis
dispensationum matrimonialium numerum augendo et in casu affirmativo in
quanam quantitate et a quibus impedimentis246.
Após receber a resposta de 7 diocesanos e ter conferido pessoalmente
com o bispo do Pará, Mons. Spolverini enviou um ofício à Santa Sé. D.
Antônio de Macedo Costa defendia a necessidade de um aumento das
faculdades, especialmente para sua diocese que era muito distante do Rio
de Janeiro. Sobre o Rio de Janeiro, o próprio Mons. Spolverini deu um
parecer, tendo conhecimento de causa. Referiu que certa quantidade de
pedidos de dispensas, que a ele eram feitas, vinham desta diocese, no
entanto, ela tinha menor necessidade de aumento de faculdades pela
facilidade de recorrer a Internunciatura. Porém, não lhe pareceria justo
excluir este prelado da ampliação que se concederia aos outros. Ainda não
tinha as repostas das dioceses de Goiás, Diamantina e Cuiabá, o que, na sua
opinião, era devido à distancia e, talvez, por este mesmo motivo nunca
tinha recebido pedidos de dispensa de tais lugares. Para Mons. Spolverini o
fato de não terem respondido podia ser, também, um sinal de que o número
de faculdades era suficiente247.
Ao primeiro quesito, os bispos de Pernambuco, Maranhão e Mariana,
disseram terem se esgotado os casos de 1º grau de afinidade e de 1º misto
com 2º grau de consangüinidade. O prelado da Bahia tinha esgotado
somente o de 1º grau de afinidade. Os do Ceará e São Paulo tinham
esgotado todos os casos, enquanto o do Rio Grande do Sul dizia que eram
—————————–
245
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 18r-18v.
246
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 18v-19r.
247
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 21v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 417

insuficientes os números de concessões dados ao caso de mista religião, já


que na sua diocese existia grande imigração, principalmente de alemães,
porém, com o recente aumento dado pelo S. Padre ele pensava ser, agora,
suficiente248.
Ao segundo quesito, os bispos do Ceará, Maranhão e Rio Grande do Sul
responderam que o recurso à Internunciatura não trazia danos espirituais. Já
os da Bahia, Pernambuco, São Paulo e Mariana responderam que o referido
recurso trazia aqueles danos, devido às longas distâncias e aos atrasos,
favorecendo assim os concubinatos e as desistências de se casar249.
O prelado de São Paulo foi aquele que entrou em maiores detalhes,
respondendo que:
Il ritardo specialmente nell’interruzione pel cambiamento degli Internunzi,
che sempre vengono nel Brasile senza le facoltà necessarie, è causa di molti
inconvenienti e danni spirituali. Questi si verificano anche all’esterno, quando
l’impedimento si scopre dopo le denunzie e dopo aver fissato il giorno del
matrimonio, quando si è costretti a domandare la dispensa per telegrafo,
quando si tratta di concubinari, o di quelli che sono in pericolo, o
d’incontinenza, o di diffamazione, e ciò, o in visita o fuor di visita, nei casi di
gente povera da quale, benché riceva gratis [grifo original] la dispensa
dall’Internunziatura, è costretta a pagare 20 mila reis e più assai per l’Agente
che la procura250.
Ao terceiro quesito responderam: Bahia – seria necessário elevar a pelo
menos 90 o número de casos do 1º grau de afinidade e a 60 do 1º misto
com 2º grau de consangüinidade; Pernambuco – acreditava que seriam
necessários 100 casos de 1º grau de afinidade e de 50 casos de 1º misto
com 2º grau de consangüinidade e que tais casos deveriam ser duplicados
nas ocasiões das visitas pastorais; Ceará – que era necessário aumentar os
casos de 1º grau de afinidade e 1º misto com 2º grau de consangüinidade, já
que a província do Ceará estava sofrendo uma diminuição populacional
devido à seca; Maranhão – que os casos concedidos eram quase suficientes
por ano, podendo aumentar para 40 o numero de casos dos impedimentos
de 1º de afinidade e 1º misto com 2º grau consangüinidade; São Paulo –
disse somente que era necessário aumentar o numero de casos; Mariana –
que se deveria aumentar para 100 os casos de 1º de afinidade e 1º misto
com 2º grau consangüinidade; Rio Grande do Sul – suficientes com a
última concessão aumentando o número de casos de mista religião251.
—————————–
248
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f.18v-21r.
249
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f.18v-21r.
250
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 20v-21r.
251
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f.18v-21r.
418 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Mons. Spolverini ainda refletia que um aumento das concessões


resultaria em uma menor entrada de verbas para Internunciatura e era
destas taxas que retirava todo seu sustento, enviando o restante
pontualmente à Santa Sé. Baseando-se nas instruções dadas a Mons.
Falcinelli propôs, então, que metade das taxas cobradas, ou ofertas feitas
pelos fieis aos bispos, nos casos de dispensas matrimonias concedidas pelo
Breve dos 25 anos, fossem repassadas à Internunciatura252.
Em 10 de junho de 1889, Mons. Spolverini enviou um ofício contendo a
interessantíssima resposta do bispo de Goiás, D. Cláudio José Gonçalves
Ponce de Leão. Como a maioria dos outros prelados ele exaurira o número
de casos para as dispensas de 1º grau de afinidade e de 1º misto com 2º de
consangüinidade. Expôs que o recurso a Internunciatura era inconveniente
pelo atraso que acarretava, principalmente em vista dos matrimônios
protestantes que estavam se introduzindo em todos os lugares, além da
ameaça constante do matrimônio civil. O aumento das dispensas seria,
então, uma possível solução. No caso da sua diocese, bastaria o dobro. A
carta do bispo de Goiás não terminava aqui, e segundo ele: «sarebbe bene
che la S. Sede conoscesse le ragioni che danno luogo ad unioni tanto
frequenti tra prossimi parenti». A explanação de D. Cláudio explicando
tais motivos é esclarecedora sobre a situação da família e principalmente
sobre as mulheres das zonas rurais no século XIX, mostrando-se sensível à
violência social a qual elas podiam estar submetidas253.
Segundo o prelado, a primeira e principal razão era que no interior do
Brasil, longe dos grandes centros, as famílias viviam mais ou menos
isoladas nas suas fazendas. Este isolamento levava os pais a terem um
excesso de cautela para com suas filhas, acontecendo que a maioria delas
acabava não tendo contato com pessoas estranhas à própria família e,
conseqüentemente, não recebiam pedidos de casamento. Querendo ser
ainda mais claro dizia o bispo: «parlerò più chiaro, nell’interno del Brasile
gli estranei non vedono neppure una donna, quando passano per le
fazendas, sebbene siano accolti con generosa ospitalità»254.
Isso ocorria porque, segundo o costume da época, as moças na fazenda
não podiam ter nenhum contato com os hóspedes. Outra razão era a
distinção étnica, pois família alguma desejava que a sua filha se casasse
com pessoas consideradas de «raça inferior», e isso ocorria até mesmo nas
classes mais humildes. Havia, ainda, uma terceira razão muito significativa:

—————————–
252
AES, Br., Officio, 5 de maio de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 22r-22v.
253
AES, Br., Officio, 10 de junho de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 23r-24r.
254
AES, Br., Officio, 10 de junho de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 24r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 419

Alle suddette ragioni si aggiungono i molti difetti della nostra educazione


ancora molto arretrata, i quali aggravano tutti gli inconvenienti
dell’isolamento. La mancanza di educazione fa prevalere nell’uomo i
sentimenti brutali che non gli lasciano rispettare la donna e dall’altra parte le
donne, particolarmente le giovani, non hanno forza sufficiente per resistere
alle violenze degli uomini. Perfino nelle Chiese e durante le cerimonie
religiose si manifestano molto comunemente [grifo do original] le perverse
passioni. Ciò accade anche nei più grandi centri, come in Rio de Janeiro,
Bahia, Pernambuco [...] La pessima educazione produce la corruzione dei
giovani fin dalla più tenera età e l’uomo corrotto non vuol sapere del giogo
della famiglia, perché possa sfogare le sue passioni. Nella donna la mancanza
di educazione produce la mancanza delle virtù necessarie alle madri e le
giovani generalmente son cresciute in mezzo alle soddisfazioni dei loro
capricci. Non solamente dal pulpito, ma in ogni occasione favorevole, io ho
sempre combattuto tali abusi, nondimeno mi vedo obbligato a facilitare le
dispense per evitare mali maggiori255.
Esta foi à última resposta que o Internúncio recebeu, e ela chegou depois
que a S. Sé já tinha concedido maiores números de casos de dispensas por
meio de um despacho enviado cinco dias antes, acolhendo as sugestões do
Internúncio. Dispunha que, por meio dele e segundo as necessidades de
cada diocese, seriam autorizados os bispos, pelo tempo de que ainda
restava do Breve de 24 de fevereiro de 1874, a dispensar, a cada ano, 50
casos do impedimento do 1º grau de afinidade ex licita e também de 50
anuais de 1º misto com 2º de consangüinidade e, finalmente, de 100 casos
de mista religião. Ao mesmo tempo, Mons. Spolverini deveria comunicar a
cada bispo que «in vista specialmente delle ristrettezze finanziarie in cui
versa la S. Sede, la metà dei proventi derivanti dalle dispense che
accorderanno in forza della concessa estensione sia inviata a codesta
Internunziatura per versarsi nella cassa dell’obolo di S. Pietro»256. Não
houve tempo de saber quais foram às repercussões de tal concessão, e nem
seus resultados, sendo Proclamada a República meses depois.

2.2. As tentativas de instituição do casamento civil


O desejo de aumentar a imigração para o Brasil, somado à existência de
algumas minorias protestantes já estabelecidas em territorial nacional,
serviram de pretexto para que os legisladores apresentassem propostas de
instituição do matrimônio civil. Tudo isso, obviamente, utilizando a
argumentação de que era necessário dar garantias legais às famílias
—————————–
255
AES, Br., Officio, 10 de junho de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 24v.
256
AES, Br., Dispaccio, 5 de junho de 1889, Fasc. 22, pos. 288, f. 25r-25v.
420 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

acatólicas ou mistas. Esta idéia começou a ser defendida ainda em 1829,


pelo senador Nicolau de Campos Vergueiro, que ressaltou a ausência de
leis que legitimassem os casamentos entre os imigrantes acatólicos, já que
pelo decreto de 3 de novembro de 1827, a celebração das núpcias
restringia-se somente aos que tinham condições de cumprir as formalidades
exigidas pela Igreja Católica257.
A primeira proposta do gênero apresentada à Câmara dos Deputados,
durante o Segundo Império, aconteceu em 7 de agosto de 1847, por
iniciativa do Barão de Cotegipe, João Maurício Wanderley (1815-1889)258.
Seu projeto constava de 12 artigos, definindo que o casamento entre os
católicos continuaria a ser celebrado na conformidade do concílio
tridentino e mais disposições canônicas aprovadas pelas leis do Império,
sendo os tabeliães de notas e escrivães competentes para lavrar os atos do
estado civil. Regulava a afixação dos editais, tempos para a apresentação de
impedimentos, como deveria proceder o tabelião, sendo necessárias quatro
testemunhas para o lavramento das atas e a promessa de somente «celebrar
seu casamento a face da igreja segundo as formulas prescritas pelo concílio
tridentino e mais leis canônicas aprovadas pelo império»259.
Este projeto definia ainda que, se não fossem preenchidas as
formalidades citadas, os casamentos não produziriam efeitos civis, e o
padre deveria disso avisar os fieis. O artigo 8º, regulava como deveria
proceder o casal, qualquer que fosse sua religião, devendo ser as
declarações e editais afixados na porta do edifício que servisse de culto. O
—————————–
257
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1827, Parte I, p. 83. Como bem lembrou
Maria da Conceição Silva, e isso deve ser ressaltado, existe uma grande ausência de
pesquisas sobre o desenvolvimento do casamento civil tanto na América portuguesa
quanto na espanhola, durante o século XIX. Tal situação impõe a necessidade da
realização de pesquisas que investiguem «os projetos apresentados e debatidos, por qual
grupo político e o porquê», além de pesquisas comparativas que «cruzem informações
de casamento civil com fontes eclesiásticas e laicas». [M. C. SILVA, Catolicismo e
casamento civil em Goiás, 75-76]. Este último ponto é o que o presente subtítulo se
propõe a fazer, porém, como esta dissertação tem um caráter geral, não trata o
argumento de forma detalhada, em senso estrito. O assunto, portanto, merece um
profundo estudo histórico eclesiástico e legislativo à parte, em vista de uma melhor
compreensão da problemática do matrimônio no período imperial [ndr.].
258
Magistrado baiano, nascido em 23 de outubro de 1815 e falecido 1 de novembro
de 1889. Foi deputado nas legislaturas 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª. Senador de 1856 a 1889 e
presidente do Senado de 1882 a 1886, ocupou ainda os cargos de Presidente da
província da Bahia, Ministro da Marinha, Fazenda, Estrangeiros, Justiça e Império e
Presidente do Conselho de Ministro de 1885 a 1888 [O. NOGUEIRA, Parlamentares do
Império, 444-445].
259
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de agosto de 1847, II, 710.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 421

art. 9º, estipulava multas aos párocos ou ministros de culto que


contrariassem a lei, indo de 100$ a 300$. O art. 10º dizia que a anulação do
casamento no religioso não retirava os direitos civis dos esposos e filhos
que preencheram as formalidades prescritas pela lei civil. O projeto dava as
garantias civis ao casamento religioso, de qualquer culto, porém, seguindo
a legislação do Império que reconhecia somente o matrimônio tridentino.
Este projeto, entretanto, caiu no esquecimento, mesmo com a polêmica do
caso Catharina Scheid que chamou a atenção da opinião pública para a
questão matrimonial dos acatólicos260.
Em 27 de abril de 1854, uma consulta do Conselho de Estado deu nova
evidência ao caso Scheid. A Seção de Justiça constatou que pela Lei
brasileira, Francisco Fagundes, católico que tinha se casado com Catarina
Scheid segundo o rito protestante, não era casado. Já Catharina, que era
protestante, não era contemplada pela lei, nem tinha onde recorrer pedindo
uma declaração de adultério. No Conselho de Estado, Paulino José Soares
de Souza (Visconde do Uruguai), Miguel Calmon du Pin e Almeida
(Marques de Abrantes) e Caetano Maria Lopes Gama (Visconde de
Maranguape) defenderam que os acatólicos no Império viviam, em relação
aos seus casamentos, uma situação desagradável e incerta, considerando o
país ainda restrito «à antiga e intolerante legislação portuguesa, onde o
casamento civil se prova pela certidão do pároco católico, e quem não foi
casado ou batizado por ele não tem prova legal», não bastando a
«intolerância com que a Constituição exclui o brasileiro que não for
católico do direito de ser deputado»261.
A Seção de Justiça do Conselho de Estado, no entanto, julgou não ser
conveniente propor o matrimônio civil, pelo país ainda «não estar
preparado». Propuseram então as seguintes medidas: 1 – Regular os
casamentos dos protestantes entre si ou com católicos, dando-lhes os
mesmo efeitos civis; 2 – Regular o registro e a prova desses casamentos,
bem como dos nascimentos dos indivíduos não católicos; 3 – Regular o
exercício e a administração dos cultos tolerados262.
O então Ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, não ficou satisfeito com
este parecer, pois para ele se deveria declarar os tribunais e juízes do
Império aptos para julgar as causas matrimoniais acatólicas. Ele declarou
sua insatisfação no Relatório Anual do Ministro da Justiça de 1855.
Argumentou: «à medida que a colonização progressivamente aumenta e
—————————–
260
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de agosto de 1847, III, 710. Sobre o
caso Catharina Scheid consultar o subtítulo anterior [ndr.].
261
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 295-296.
262
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 295-297.
422 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

com ela a população protestante, ocorrem e se multiplicam os casos que


reclamam solução urgente», sendo imperioso dar-se o registro às uniões
protestantes, produzindo os direitos civis. Quanto aos mistos, expunha que
eram fáceis pela parte acatólica e difíceis pela católica, que tinha como
impedimento ao matrimônio o culto disparitas. Segundo ele, as famílias
deveriam ter as garantias legais, sendo necessário, «conferir aos
casamentos mistos e protestantes os mesmo efeitos civis que competem ao
casamento celebrado conforme o costume do Império». Dever-se-ia, então,
em relação aos matrimônios dos protestantes e o misto, distinguir o
contrato do sacramento, tornando-os sucessivos «para que aquele preceda a
este, e seja logo seguido de direitos civis»263.
O Encarregado de Negócios, Mons. Marino Marini, informou a Santa Sé
sobre o que vinha ocorrendo no Brasil e enviou cópia do relatório em 13 de
junho de 1855, declarando não acreditar que se teria tempo de discutir este
tema naquela legislatura264.
Nabuco de Araújo decidiu, então, redigir um projeto de casamento civil e
submetê-lo à analise do Conselho de Estado, entregando-o a Honório
Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná. O Projeto era o seguinte:
Art. 1º. O casamento evangélico e o misto entre católicos e protestantes
considera-se distinto, como civil e religioso:
§ 1º. O civil precede ao religioso; este não pode ser celebrado senão depois
daquele, sob as penas estabelecidas no art. 147 do Código Criminal.
§ 2º. Verificado o contrato pela forma determinada no Regulamento do
governo, o casamento ainda mesmo não seguido do ato religioso, surtirá todos
os efeitos civis que resultam do casamento contraído conforme o costume do
Império.
§ 3º. São competentes os tribunais e juízes do Império para decidirem as
questões da dissolução ou nulidade dos casamentos evangélicos e mistos,
quanto aos protestantes somente.
§ 4º. Nos casamentos mistos os casos de divórcio serão regulados pelo direito
canônico a respeito de ambas as partes, e o divórcio não imporá nunca
dissolução do contrato de casamento pela parte evangélica.
§ 5º. O Juízo Eclesiástico do Império julgará como até hoje a nulidade do
casamento e o divórcio da parte católica.
§ 6º. A nulidade do contrato, no casamento misto, só pode ser pronunciada
pelos juízes e tribunais civis.
Art. 2º. É o governo autorizado:

—————————–
263
AES, Br., Relatório do Ministro da Justiça, 1855, Fasc. 172, pos. 115, f. 8r-8v; J.
NABUCO, Um Estadista no Império, I, 297-299.
264
AES, Br., Officio, 13 de junho de 1855, Fasc. 172, pos. 115, f. 3v-4r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 423

1º. Para organizar e regular o registro dos referidos casamentos, assim como
dos nascimentos que deles provierem.
2º. Para permitir a instituição de consistórios, sínodos, presbitérios e pastores
evangélicos, assim como as regras de fiscalização e inspeção a que ficam
sujeitos265.
O projeto visava à instituição do casamento civil: para o casamento de
católicos com protestantes e de protestantes entre si, além de aumentar a
liberdade dos acatólicos, dando-lhes o direito de instituir consistórios e
sínodos, no entanto, também os sujeitariam a «inspeção» do Governo. No
relatório de 1856, o Ministro informou estar trabalhando em um projeto de
casamento civil, porém, usando de toda cautela e prudência:
Conforme as idéias emitidas no ano passado, organizei um projeto regulando
os casamentos mistos e os das outras Religiões: para proceder, porém, com o
tempo e prudência que esta matéria por sua gravidade exige, consultei sobre
ela a Seção de Justiça do Conselho de Estado, sendo Relator o Conselheiro
Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara, cujo parecer profundo e
luminoso está pendente do Conselho de Estado. É possível ainda que no
decurso da Sessão, depois de ouvido esse corpo ilustrado e digno de todos os
respeitos e reconhecimento público, alguma medida vos seja presente sobre
este objeto da mais alta importância, atento a colonização e ao principio
constitucional da tolerância Religiosa266.
A Seção de Justiça do Conselho de Estado analisou e discutiu então o
parecer sobre o projeto apresentado por Eusébio de Queiros, que estava
substituindo o Visconde do Uruguai. Após sua apresentação, o Visconde de
Maranguape opôs-lhe um voto em separado. Nas discussões ficou claro que
o Conselho não tinha nada contra a instituição do casamento civil para os
não católicos, não o querendo, porém, para a «massa da população que é
católica». A seção concluiu oferecendo um projeto substitutivo, no qual
estabelecia o casamento civil para todos os que não professassem a religião
católica, além de admitir que o casamento misto continuasse a ter, caso os
noivos o desejassem, a forma exclusivamente religiosa. Nos papeis de
Nabuco de Araújo, segundo Joaquim Nabuco, encontra-se uma cópia de
algumas opiniões do Imperador sobre o caso, nas quais declarava que:
A única doutrina, que me parece lógica em todas as suas partes, é a do
Código civil francês, que só dá efeitos civis ao contrato civil de casamento, e
por conseqüência faz preceder o casamento religioso por aquele, separando

—————————–
265
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 298.
266
AES, Br., Relatório do Ministro da Justiça, 1856, Fasc. 172, pos. 117, f. 135r.
424 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

assim o que compete ao poder regular do que compete ao foro da consciência


individual267.
O Imperador, no entanto, considerava que o «estado da civilização»
brasileira não permitia que se estabelecesse o conceito francês, aceitando o
parecer da Seção de Justiça do Conselho de Estado. O Marquês de Olinda
foi o principal opositor ao parecer de Eusébio. Aceitava o casamento civil
somente para as pessoas que não professassem a religião católica, e a razão
que dava era: por não se poder exigir delas o matrimônio religioso, pois
«seria isto dar caráter de culto púbico às suas comunhões». Ele não queria
inovações nos casamentos mistos e se fosse preciso alguma, que fosse por
intermédio da Santa Sé268.
Apoiaram-no o Visconde de Maranguape, João de Souza Mello e Alvim,
Antônio Paulino Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté), Joaquim
Rodrigues Torres (Visconde de Taboraí) e João Paulo dos Santos Barreto.
Eusébio inicialmente defendeu isolado seu parecer, porém, acabou
concordando com o Marquês de Olinda, em que era preciso requerer da
Santa Sé as devidas dispensas canônicas, admitindo por exceção o
casamento civil como um mal menor, um mal necessário. Praticamente, o
Conselho de Estado foi unânime em que se preferisse a intervenção do
Papa. A Nabuco de Araújo e ao Governo, frente a esse parecer, não restava
outra opção que procurar negociar com Roma uma ampliação das
faculdades de dispensas matrimoniais concedidas aos bispos do Brasil por
meio do Breve dos 25 anos269.
No Relatório do Ministério da Justiça de 1857, o Governo informou a
Câmara a respeito da nova disposição:
A respeito dos casamentos mistos tem o governo imperial a intenção de
reclamar de Sua Santidade as concessões indispensáveis para que sejam eles
facilitados pela parte católica. A respeito, porém, das pessoas que professam
as outras religiões, são urgentes as essenciais providências legislativas para
que sejam eles recebidos no Império, para que tenham todos os efeitos civis
que pela nossa legislação competem ao casamento católico, tendo eles como
este a cláusula de indissolúveis270.
A «Questão Kerth» em 1857, vista anteriormente, acentuou a discussão e
a polêmica, forçando até mesmo a Santa Sé a analisar o caso brasileiro, por

—————————–
267
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 300.
268
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 301-302.
269
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 301-302.
270
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 303.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 425

meio da Sagrada Congregação do Santo Ofício271. Em 31 de março de


1857, o Internúncio Mons. Massoni, mandou um ofício reservado, no qual
o objeto era os «temores relativos a uma lei sobre os matrimônios civis».
Referia que, em um colóquio com o Ministro da Justiça José Tomás
Nabuco de Araújo Filho272, entrou-se na Questão Kerth e no decreto do
bispo do Rio de Janeiro273.
O Ministro defendeu a necessidade de regulamentar os matrimônios
entre protestantes e de mista religião, no sentido de favorecer a imigração,
por motivo da abolição do trafico negreiro em 1850, e da necessidade de se
colonizar o interior do Brasil. Para ele, o fato do casamento entre acatólicos
poder ser declarado nulo pela autoridade eclesiástica, quando algum dos
cônjuges passasse ao Catolicismo, e devido à obrigação imposta pela Igreja
de se educar a prole na religião Católica, em caso de casamentos mistos,
dificultavam a vinda de imigrantes protestantes274.
Invocando o exemplo da França, o Ministro dizia ter confiança que a
Santa Sé usaria da mesma condescendência, entendendo as graves
circunstancia em que se achava o país e também devido à grande celeuma
criada no jornalismo e na opinião pública. Explicou ao Internúncio Mons.
Vincenzo Massoni que, uma vez que o projeto entrasse em discussão na
Câmara, nada impediria que os deputados modificassem o mesmo, no
sentido de envolver também os matrimônios entre católicos275.
A resposta dada por Mons. Massoni refletia a posição da Igreja nesta
questão. Relembrando uma conhecida carta que o Papa enviara ao Rei do
Piemonte, em 19 de setembro de 1852, chamou a atenção do Ministro
brasileiro sobre dois pontos fundamentais para a Igreja em relação ao
casamento:
1°. Che non esiste matrimonio fra i Cristiani se non in quanto è Sacramento, e
in conseguenza ove non vi è Sacramento non vi è matrimonio, ma
concubinato; 2°. Che spetta esclusivamente alla Chiesa di determinare la
—————————–
271
Sobre o «Caso Kerth» e o parecer do Santo Oficio ver o subtítulo anterior [ndr.].
272
Magistrado e conselheiro de Estado, nasceu na Bahia em 14 de agosto de 1818 e
faleceu aos 10 de março de 1878. Deputado nas legislaturas 5ª, 8ª, 9ª, 10ª, senador de
1858 a 1978, foi também Presidente da província de São Paulo e Ministro da Justiça por
três vezes, 1851-1852; 1853-1857, 1858-1859, 1865-1866. [O. NOGUEIRA,
Parlamentares do Império, 69].
273
AES, Br., Officio (Riservato), 31 de março de 1857, Fasc. 178, pos. 131, f. 19r-
19v.
274
AES, Br., Officio (Riservato), 31 de março de 1857, Fasc. 178, pos. 131, f. 19r-
19v.
275
AES, Br., Officio (Riservato), 31 de março de 1857, Fasc. 178, pos. 131, f. 19r-
19v.
426 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

validità dei matrimoni fra Cristiani, salvo al Governo di regolare, se così


piaccia, gli effetti civili, sempre però in armonia colla validità, o invalidità del
Matrimonio come sia determinata dalla Chiesa276.
Sobre a possibilidade de se instituir o casamento civil também para os
Católicos, dizia que isso só poderia se originar: «1°. Da uno spirito
sistematico d’indipendenza del Potere Civile dell’Autorità della Chiesa; 2°.
Dalla tacita mira di contestare in qualunque modo dinnanzi al Pubblico il
concubinato, che prevale in quasi tutte le classi di questa società»277.
O Conselho de Estado, após analisar e discutir o projeto de Nabuco de
Araújo, elaborou um projeto substitutivo que foi apresentado a Câmara dos
Deputados na sessão de 2 de julho de 1858, pelo Ministro da Justiça de
então, Diogo Pereira de Vasconcelos278, num Gabinete presidido pelo
Marquês de Olinda. Na apresentação do mesmo, ele argumentou que
baseando-se nos princípios de liberdade de consciência e da tolerância dos
cultos, presentes na Constituição, e garantindo que o Governo
acompanhava a nação em seus sentimentos religiosos e obediência a Igreja,
«no respeito aos direito incontestáveis do poder espiritual; e reconhecendo
sua independência, não pode, por isso mesmo, deixar de pugnar pelo livre
exercício das atribuições do poder temporal», e como outros países
católicos o Brasil poderia «estabelecer o matrimônio civil, e legitimá-lo em
todos os seus efeitos». Repetiu, também, as já notas argumentações da
necessidade da imigração e da segurança das famílias acatólicas e mistas279.
Segundo Vasconcelos, a matéria exigia prudência, meditação e profundo
exame, por ser muito delicada. Por isso, foi submetido ao exame da Seção
de Justiça do Conselho de Estado e de S. M. o Imperador que se conformou
com as idéias do seguinte projeto:
Art. 1º. Os casamentos entre pessoas que não professem a religião católica,
apostólica romana, serão feitos por contrato civil, podendo seguir-se o ato
religioso, se este não tiver sido celebrado antes.
Art. 2º. O casamento civil também poderá ser contraído quando um dos
contraentes for católico e o outro não. Fica, porém, entendido que se nessa
—————————–
276
AES, Br., Officio Riservato, 31 de março de 1857, Fasc. 178, pos. 131, f. 19v-20r.
277
AES, Br., Officio Riservato, 31 de março de 1857, Fasc. 178, pos. 131, f. 20r-20v.
278
Magistrado nascido em Minas Gerais em 28 de dezembro de 1812 e morto em 31
de março de 1863. Deputado pelas Legislações 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª,10ª, senador de 1858 a
1863, por duas vezes se tornou Presidente da província de Minas Gerais e uma da de S.
Paulo. Foi também Ministro Justiça de 1857 a 1858. [O. NOGUEIRA, Parlamentares do
Império, 428-429].
279
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 2 de julho de 1858, III, 186; J.
NABUCO, Um Estadista no Império, I, 303.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 427

hipótese preferirem celebrar o casamento religioso ante a igreja católica, o


poderão fazer independentemente de contrato civil, produzindo o religioso,
além do vínculo espiritual para o católico, todos os efeitos civis para ambos,
tão completamente como se tivesse havido contrato civil.
Art. 3º. O contrato civil, seguido da comunicação dos esposos, assim na
hipótese do art. 1º como do art. 2º, torna o matrimonio indissolúvel e produz
todos os efeitos civis que resultam do que é contraído segundo as leis e
costumes do Império.
Art. 4º. Os casamentos mistos, ou entre pessoas estranhas a igreja católica,
bona fide, contraídos antes da publicação da presente lei, por escritura pública,
ou celebrados na forma de alguma religião tolerada, se consideram ipso facto
ratificados para os efeitos civis, como se tivessem sido contraídos ou
celebrados na forma prescrita para os casamentos civis, uma vez que a isso se
não oponham impedimentos tais que os devam embaraçar, segundo o que
houver regulado o governo em conformidade do § 1º do art. 6º.
§ único. Dentro, porém, de um ano, contado da publicação da lei, será livre
dissolvê-los, quando o permita a religião, segundo a qual se tiver celebrado a
cerimônia religiosa. Passada este período, ficarão sendo indissolúveis.
Art. 5º. São reconhecidos válidos, e produzirão todos os efeitos civis, os
casamentos celebrados fora do Império, segundo as leis do país onde tiverem
sido contraídos.
Art. 6º. É o governo autorizado:
§1º. Para regular os impedimento, nulidades, divórcios quoad thorum e forma
de celebração dos referidos casamentos como contratos civis.
§2º. Para organizar e regular registro dos mesmos casamentos, assim como dos
nascimentos que deles provierem280.
Na sessão de 13 de agosto de 1858, o deputado Viriato Bandeira
Duarte281 pediu que as Comissões de Justiça e Eclesiástica, as quais foi
enviado o projeto do executivo, se apressassem a reenviá-lo a Câmara para
a discussão, pois os jornais católicos estavam «desvirtuando» a questão282.
Na sessão de 15 de agosto de 1858, o pe. Joaquim Pinto de Campos283
defendeu a liberdade de expressão dos jornais católicos e o proceder das
comissões. Enquanto ele discursava, o Sr. Viriato deu um aparte no qual

—————————–
280
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 2 de julho de 1858, III, 186
281
Magistrado, deputado nas Legislaturas 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, [O. NOGUEIRA,
Parlamentares do Império,168].
282
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 13 de agosto de 1858, IV, 127.
283
Eclesiástico, nascido em Pernambuco em 4 de abril de 1819 e falecido em 5 de
dezembro de 1887, deputado nas Legislaturas 9ª, 10ª, 11ª, 14ª, 15ª, 16ª.[O. NOGUEIRA,
Parlamentares do Império, 118].
428 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

dizia não querer que «na América se inoculem idéias ultramontanas» como
as de Pinto de Campos. Este respondeu ter muito prazer em sustentá-las284.
A Santa Sé estava sendo informada de tudo pelo Internúncio Mons.
Falcinelli, que substituíra Mons. Massoni. Em 4 de agosto, ele enviou um
ofício ao Secretário de Estado Cardeal Antonelli, informando sobre o
projeto apresentado pelo Ministro da Justiça. Transmitiu uma cópia e a
tradução do mesmo, alguns artigos de jornal, um Protesto que enviou ao
Governo e a Resposta que recebeu. Mons. Falcinelli iniciava o ofício com a
seguinte frase: «La tempesta che da molti anni minacciava comincia a
scoppiare»285.
Neste documento, ele disse erroneamente que o projeto fora apresentado
no dia 19 de julho de 1858, dois dias depois que ele havia apresentado suas
credenciais, e que de nada fora informado. Porém, como se viu, na verdade
o projeto foi apresentado dia 2. Segundo Mons. Facinelli:
L’essersi stata procrastinata la proposta sino al giorno susseguente la
presentazione delle Credenziali, lascia luogo a dedurre o che il Governo voglia
far credere alla popolazione che la S. Sede sia con lui d’accordo nella detta
proposta, ovvero che abbia voluto gettare il guanto per distaccarsi
decisivamente da Roma. Lascio all’E. V. R. decidere su questo, ma Le posso
assicurare essere questa un’interpretazione non solamente mia, ma ancora di
altre persone savie e prudenti286.
Comunicava ainda, que no dia 21 de julho de 1858, havia enviado um
Protesto ao Ministro do Interior e da Justiça, declarando a oposição da
Santa Sé a tal projeto, pois ia contra os Santos Cânones, a Igreja e o desejo
do Santo Padre287. Logo depois escreveu ao Arcebispo da Bahia D.
Romualdo Antônio de Seixas, incentivando-o a protestar e a usar a sua
influência sobre a Câmara dos Deputados para que votassem contra o
projeto, além de incentivar os outros bispos a fazerem o mesmo288.
Mons. Falcinelli informava que tinha dado o mesmo conselho ao prelado
do Rio de Janeiro, mas sem sucesso. Ele também havia entrado em contato
com aqueles que ele chamava de «buoni», sendo estes as pessoas que
apoiavam a causa da Igreja, tanto deputados quanto indivíduos que tinham
influência na Câmara. Alguns deles garantiram ao Internúncio que a lei não
—————————–
284
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 15 de agosto de 1858, IV, 129.
285
AES, Br., Officio, 4 de agosto de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 20r.
286
AES, Br., Officio, 4 de agosto de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 20r.
287
AES, Br., Protesto, 21 de julho de 1858 Fasc. 181, pos. 134, f. 26r-26v.
288
D. Antônio Joaquim de Mello respondeu a este pedido enviando um protesto ao
Governo em 18 de Novembro de 1858. [Cópia deste documento encontra-se em E. G.
FONTOURA, Vida do Ex.mo. e Rev.mo. Senhor D. Antônio Joaquim de Mello, 292-300].
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 429

seria proposta naquele ano, enquanto outros afirmavam que todas as


propostas do Governo vinham sendo aprovadas pela Câmara e que o
«Governo dall’insieme delle cose da a conoscere che voglia mantenere con
Roma soli rapporti esteriori, essendogli necessaria l’ombra di Roma per
timore delle Provincie, le quali sono assolutamente cattoliche»289.
Entre os «bons» estava o pe. deputado Joaquim Pinto de Campos, a
quem o Internúncio garantia ter conquistado à causa da Santa Sé. Dizia ele
que Pinto de Campos deveria ser um dos redatores da lei do matrimônio
civil, por pertencer à Comissão Eclesiástica, e que este já estava «scrivendo
la sua relazione per opporsi alla legge» e que «quotidianamente io lo vedo,
e sebbene sembra animato da molto zelo ed impegno per la buona causa,
io non cesso mai di incoraggiarlo ed eccitarlo di vantaggio»290.
No dia 8 de agosto de 1858, Mons. Falcinelli teve um colóquio com D.
Pedro II, e entre outros temas teve a oportunidade de escutar a posição dele
sobre a questão do matrimônio civil. Disse o Imperador, que acreditava que
o casamento, enquanto contrato civil, dependia somente do poder temporal,
e que ele aprovava o projeto analisado pelo Conselho de Estado e o achava
conforme as doutrinas da Igreja. Argumentou que o Concílio de Trento
modificou o contrato de casamento, que a França instituiu o matrimônio
civil sem algum protesto por parte da Santa Sé e que Bento XIV acordou a
faculdade de contrair matrimônios mistos na Bélgica e na Holanda, sem
opor condição. O Internúncio respondeu que o Concílio de Trento não
modificou o contrato, mas somente definiu que a cerimônia deveria ser
feita perante um pároco e duas testemunhas para impedir certos abusos; que
o matrimônio civil na França nasceu em época de «terrível revolução» e
que mesmo assim nunca foi aprovado pela Santa Sé; e que as decisões de
Bento XIV foram para prover a paz dos Católicos que viviam em países
protestantes e sob governo protestante, expostos a muitas dificuldades291.
A resposta dada pelo Imperador definiu claramente sua posição, sem
deixar dúvidas:
S. M. ha detto di conoscere il giudizio già dato in proposito da Pio IX nella
lettera al Re di Piemonte, ma ha dichiarato di non ammettere l’infallibilità del
Papa, e di riguardare il giudizio di Pio IX come quello di qualunque privato
dottore. Nei casi gravi ha soggiunto, il Papa deve convocare il Concilio,
perché alla Chiesa, e non a Lui è promessa l’infallibilità. E qui S. M. si è data
a interpretare a modo suo quei passi scritturali, che alludono all’infallibilità del
Successore di S. Pietro. Ha poi parlato di Gregorio VII qualificandolo per
—————————–
289
AES, Br., Officio, 4 de agosto de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 20v-21r.
290
AES, Br., Officio, 4 de agosto de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 21r.
291
AES, Br., Officio, 12 de agosto de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 46v-47r.
430 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

invasore dei diritti del potere civile, e perturbatore della pace sociale. Ha
disapprovato francamente il Concordato fatto con l’Austria perché disse, vi
sono degli articoli che favoriscono troppo la Chiesa a scapito del potere civile.
Finalmente conchiuse esser molto tempo che desiderava di far conoscere al
Papa questi suoi sentimenti, e che intanto sperava che il Papa avrebbe
condisceso alla soppressione dei Religiosi, e avrebbe tollerato la legge sui
matrimoni misti [grifo do original]. Merita qualche attenzione la frase ripetuta
più volte nel discorso da S. M. «la troppa durezza di Roma serve talora a
giustificare il governo, che opera da sé»292.
A Santa Sé respondeu por meio de um despacho enviado em 15 de
setembro de 1858, criticando as circunstâncias em que o projeto fora
apresentado. Defendia que mesmo se fosse somente para casamentos
acatólicos e mistos, ele não deixaria de ser «anticatólico», podendo ser o
primeiro passo para se ir mais além no futuro. Continuava afirmando que
pertencia somente à Igreja o direito de regular a validade ou invalidade do
casamento, não sendo o matrimônio civil outra coisa que «rendere
legittimo dinanzi alla legge il concubinato»293.
Instruía Mons. Falcinelli a advertir o clero de se usar muita prudência em
relação aos matrimônios contraídos pelos protestantes, e evitar dar um
parecer sobre a sua validade. Deveria o Internúncio demonstrar o abuso que
se fazia do conceito de liberdade de consciência, indo o Governo contra a
consciência dos católicos, e de mostrar que a Santa Sé condenava a idéia
que separava o contrato do sacramento. Encerrava o despacho,
demonstrando com que surpresa havia recebido, o Santo Padre, a notícia de
tal projeto, logo no momento em que se negociava uma Concordata em
Roma entre os dois poderes e quando o Ministro Plenipotenciário
brasileiro, Barão de Penedo, tinha conseguido que a Santa Sé concedesse a
todos os bispos do Brasil maior número de casos para se dispensar do
impedimento de mista religião294.
Em outro despacho de 22 de maio, a Santa Sé declarou que o que mais
chamou a atenção no discurso do Imperador foi à questão da infalibilidade
e as opiniões de D. Pedro II sobre o casamento civil, que se surpreendeu
em ser acusada de dureza enquanto estava aberta a negociação de uma
Concordata e condescendente aos pedidos de mais concessões aos
matrimônios mistos295.

—————————–
292
AES, Br., Officio, 12 de agosto de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 47r.
293
AES, Br., Dispaccio, 25 de setembro de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 38r-43r.
294
AES, Br., Dispaccio, 25 de setembro de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 38r-43r.
295
AES, Br., Dispaccio, 22 de outubro de 1858, Fasc. 181, pos. 134, f. 49r-52v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 431

Na Fala do Trono, abrindo a legislatura de 1859, o Imperador fez


referimento à necessidade de se instituir o casamento civil, dizendo que «a
moral pública e o futuro da colonização exigem providencias sobre os
efeitos dos casamentos não regulados pela atual legislação». Estando o
Internúncio em Petrópolis, foi convidado o Cônsul Pontifício no Brasil a
assistir a sessão de abertura, ele imediatamente informou a Santa Sé das
palavras de D. Pedro II296.
Mons. Falcinelli, sabendo da eminente apresentação do projeto às
Câmaras, vinha trabalhando junto aos deputados para combatê-lo ou pelo
menos amenizá-lo. Neste sentido, convocou à sua causa dois padres
deputados pertencentes à Comissão Eclesiástica e com eles teve várias
reuniões secretas, apresentando-lhes algumas emendas no sentido de
resguardar a integridade dos direitos e da disciplina da Igreja. Assim
narrava Mons. Falcinelli, no seu ofício do dia 2 de agosto de 1859:
Tutto ciò si è operato segretamente e confidenzialmente fra me e due
Deputati Sacerdoti della Commissione Ecclesiastica: questi hanno approvato
totalmente le mie ammende; ed hanno protestato che essi due unitamente ad
un terzo loro compagno Sacerdote non sottoscriveranno il progetto, se non
colle ammende da me fatte, le quali essi presenteranno al Ministero come cosa
loro. Peraltro la Commissione essendo composta di sei individui, tre di questi,
che sono secolari, non trovando cosa contraria alla Religione nel nuovo
progetto presentato dal Ministero, mi si dice che le sottoscriveranno, ma nello
stesso tempo i tre Ecclesiastici presenteranno il loro emendato. Questo è lo
stato della questione fino al momento presente, ed è tutto quello che con molte
difficoltà ho potuto ottenere297.
O próprio Internúncio informava quem era um dos padres e dava sobre
ele sua opinião. Tratava-se de Joaquim Pinto de Campos, que segundo ele,
«sembra avere molta influenza nella Camera; e per questo viene
continuamente accarezzato dal Ministro ma in ciò che riguarda il noto
progetto, egli non si lascia allucinare ne aggirare dalle mire
Ministeriali»298.
O outro padre que pertencia a Comissão Eclesiástica era Hermógenes
Casimiro de Araújo Brunswick299, o terceiro que se uniu aos dois foi,

—————————–
296
AES, Br., Lettera del Consolato Pontifício nel Brasile, 10 de maio de 1859, Fasc.
182, pos. 136.
297
AES, Br., Officio, 2 de agosto de 1859, Fasc. 182, pos. 137, f. 21r-21v.
298
AES, Br., Officio, 2 de agosto de 1859, Fasc. 182, pos. 137, f. 21v.
299
Padre, nascido em Minas Gerais (?) e falecido aos 26 de setembro de 1861,
Deputado na 10ª Legislatura. [O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 108-109].
432 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

provavelmente, Antônio Pinto de Mendonça300, que durante as discussões


de 11 de agosto de 1860, fez um aditivo a um requerimento apresentado
por Jerônimo Vilela de Castro Tavares, pedindo que o projeto substitutivo
fosse mandado ao Arcebispo, para que este desse um parecer. No seu
aditivo, Mendonça pedia que fossem ouvidos todos os bispos do Império301.
Na sessão de 8 de agosto de 1859, foi apresentada à Câmara o parecer
das Comissões reunidas de Justiça e Eclesiástica sobre o projeto de
matrimônio civil apresentado pelo executivo. O parecer iniciava
descrevendo o nascimento da necessidade de se legalizar os casamentos
acatólicos, depois dizia não ser o momento de se regularizar os casamentos
mistos, pois ainda não havia nascido às exigências para uma lei nesse
sentido, ainda mais quando a Igreja dava concessões aos bispos para
realizá-los, podendo no máximo regulamentar os casamentos mistos já
existentes. Para defender esta posição, recordava-se as decisões de Bento
XIV em relação à Bélgica e à Holanda no século XVII. Discordavam da
possibilidade de se dissolver o casamento no prazo de um ano após a sua
realização, dizendo ser contra «os costumes e crenças nacionais»302.
A Comissão apresentou, então, o seguinte projeto substitutivo:
Art. 1º. Os efeitos civis dos casamentos celebrados na forma das leis do
Império serão extensivos:
§1º. Aos casamentos que se fizerem por contrato civil entre pessoas que não
professem a religião católica apostólica romana, guardadas as solenidades de
que trata o artigo 4º.
§2º. Aos casamentos feitos no Império bona fide antes da publicação da
presente lei por simples contrato, ou perante pastores de religiões admitidas,
não havendo entre as partes impedimento que, segundo as leis em vigor, deva
obstar ao matrimônio.
§3º. Aos casamentos que se contraírem fora do Império com solenidades
admitidas nos respectivos países e conforme as leis a que os contraentes
estejam sujeitos.
Art. 2º. Os casamentos mencionados no art. 1º serão indissolúveis quanto aos
efeitos civis, desde que haja comunicação entre os esposos.
Art. 3º. Os impedimentos aos casamentos entre pessoas que não professam a
religião católica apostólica romana, e de que trata o § 1º do art. 1º, as
—————————–
300
Padre, nasceu no Ceará por volta de março/abril de 1803 (foi batizado aos 4 de
abril de 1803, faleceu aos 15 de abril de 1872. Foi deputado pelas legislaturas: 3ª, 5ª, 6ª,
10ª, 12ª e foi eleito senador em 16 de maio de 1868, tendo porém sua eleição anulada
pelo Senado em 17 de maio de 1868. [O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 284-
185].
301
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 11 de agosto de 1860, III, 141-145.
302
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 8 de agosto de 1859, IV, 56-60.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 433

dispensas, os casos em que as mesmas são admissíveis, a separação dos


cônjuges, educação da prole e mais obrigações dos cônjuges se regularão pelo
direito em vigor em tudo o que for aplicável.
§ 1º. As dispensas dependerão da autoridade civil.
§ 2ª. As questões que suscitarem acerca dos casamentos a que esta lei confere
efeitos civis serão da competência das justiças ordinárias.
Art. 4º. O governo marcará as formulas e solenidades com que devam
celebrar-se, a fim de produzirem efeitos civis, os casamentos de que trata o §1º
do art. 1º e regulará o seu registro, e o dos nascimentos e óbitos, bem como a
prova de existência dos casamentos mencionados nos §§2º e 3º do mesmo art.
1º303.
As discussões na Câmara se prolongaram por todo o ano de 1860, foram
animadas e contaram com alguns discursos bem articulados de ambas as
partes. Nos debates se distinguiram três grupos: o dos que eram contra o
projeto, o dos favoráveis à proposta original do Conselho de Estado, e o
daqueles que preferiam o projeto substitutivo redigido pelas comissões. Os
deputados ultramontanos se dividiram entre aqueles que se opunham a
qualquer lei sobre o casamento civil como era o caso do professor de
direito da Faculdade de Recife, Jerônimo Vilela de Castro Tavares304, feroz
opositor a qualquer lei civil sobre matrimônio, e o grupo daqueles dispostos
a algum compromisso305.
Dois famosos ultramontanos participaram da redação do projeto
substitutivo e o defenderam, foram Pinto de Campos e Cândido Mendes de
Almeida, que continuaram ainda a apresentar outras emendas no sentido de
torná-lo mais conforme ao pensamento católico. O Ministro da Justiça, o
Sr. Paranaguá, na tentativa de se aprovar o matrimônio civil, pelo menos
aos acatólicos, afirmou que o Governo era favorável ao projeto
substitutivo. Desse modo conseguiu que ele fosse aprovado nas primeiras
discussões306.
Após acirradas discussões na Câmara e no Senado, o que se conseguiu,
pela Lei n. 1.144 de 11 de setembro de 1861, foi instituir o registro civil
dos casamentos, nascimentos e óbitos das pessoas que professassem
religião diferente da do Estado, tornando extensivos, os efeitos civis dos
—————————–
303
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 8 de agosto em 1859, IV, 56-60.
304
Professor de direito, nascido em Pernambuco em 8 de outubro de 1815 e falecido
em 25 de abril 1869. Deputados pelas Legislaturas 6ª, 7ª, 10ª e 11ª. [O. NOGUEIRA,
Parlamentares do Império, 417-418].
305
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessões em: 11, 13, 14, 21 e 24 de agosto de
1860, III, 141-157.159-164.230-233.254-256.
306
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessões em: 11, 13, 14, 21 e 24 de agosto de
1860, III, 141-157.159-164.230-233.254-256.
434 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

casamentos celebrados na forma das Leis do Império, aos das pessoas que
professassem religião diferente da Católica, dando também condições para
que os pastores de religiões toleradas pudessem praticar atos que
produzissem efeitos civis. Permaneciam os impedimentos, no que fosse
aplicável, os mesmo da religião Católica e ficava a cargo do Governo
regular o registro e as provas dos casamentos, nascimentos e óbitos dos que
não professavam o catolicismo307. Tal regulamento veio com o decreto
número 3.069 de 17 de abril de 1863, ficando responsáveis por eles os
Escrivães e Juízes de Paz308.
A burocracia do Império, porém, não estava preparada para tais registros,
razão pela qual a sua não execução levou a reproposição desses registros na
lei do recenseamento, n. 1829 de 9 de setembro 1870, que no seu art. 2º
incumbia o Governo de organizar o registro dos nascimentos, casamentos e
óbitos por meio de um regulamento sujeito à aprovação da Assembléia
Geral309. O regulamento foi aprovado e publicado com o decreto n. 5604,
de 25 de abril de 1874, que também delegava a execução dos registros civis
aos Juizados de Paz. Tais decretos, entretanto, ficaram sem execução na
maioria do Império até a proclamação da República310.
Em 31 de março de 1866, o Internúncio Mons. Domenico Sanguini,
informou à Santa Sé que a impressa recomeçara o alarde em relação ao
matrimônio civil, influenciada, principalmente, pelas recentes medidas
tomadas em Piemonte e em Portugal, e pela maçonaria brasileira. Na
Câmara também se faziam requerimentos pressionando o Ministro Marquês
de Olinda a retomar a discussão, e este, mesmo tendo prometido a Mons.
Sanguini que não o faria, o fez. Devido à fraqueza política em que se
encontrava, anuiu às pressões e respondeu à Câmara que entendia discutir o
assunto311.
Nabuco de Araújo chegou inclusive a preparar um projeto que anunciou
no plenário da Câmara em 23 de março de 1866. Sua proposta tinha como
idéia base que «o casamento, sendo um dos contraentes católicos e o outro
não, pode ser contraídos por meio de escritura pública». Tratava-se de um
casamento civil misto: o casamento civil do católico com o acatólico. A
intenção era oferecer uma alternativa ao casamento misto religioso, quando
a dificuldade das dispensas da Igreja na disparidade de culto fosse
invencível. O Imperador desejava mais, e algumas notas que ele lançou à
—————————–
307
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1861, 21-22.
308
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1863, XXVI, parte II, 85-97.
309
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1870, XXX, parte I, 89-90.
310
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1874, XXXVIII, parte II, 434-449.
311
AES, Br., Officio, 31 de março de 1866, Fasc. 183, pos. 145, f. 26r-29v
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 435

margem do projeto original de Nabuco eram todas no espírito de alargá-las,


equiparando a religião católica a qualquer outra312.
Nabuco pediu o conselho de Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883),
um eminente jurisconsulto, mas este não aceitava o casamento sem religião
e defendia um meio termo que seria «precisamente dar efeitos civis a todas
as espécies de casamentos, aceitando-os tais quais são realmente, tais quais
se fazem, em seu inseparável elemento religioso». Nabuco anunciou seu
projeto, mas não o apresentou, principalmente devido às ameaças do
Marquês de Olinda, presidente do Conselho dos Ministros, de abandonar o
Gabinete caso um projeto neste sentido fosse apresentado, mantendo, de
certo modo, a promessa feita precedentemente a Mons. Sanguini, mesmo se
frente a Câmara tinha admitido a possibilidade de discutir o casamento
civil313.
No entanto, no ano seguinte, o maçom Aureliano Cândido Tavares
Bastos314, na sessão de 19 de julho de 1867, apresentou um projeto para
realização de matrimônios mistos e de acatólicos por meio de escritura
pública. O casamento misto poderia ser realizado ou por escritura ou por
celebração Católica, impetrando a dispensa da disparidade de culto. Todos
eles com os mesmo efeitos civis. Os matrimônios já realizados bona fide
antes da lei seriam retificados. O projeto autorizava o Governo a regular a
forma de celebração, enquanto que, para os impedimentos, nulidades e
competência dos tribunais civis para o julgamento das respectivas questões,
seriam aplicadas as decisões do Capitulo 2º do decreto n. 3.069315.
Na sessão de 22 de junho de 1870, foi apresentado outro projeto assinado
por vários deputados, no qual todos os casamentos dos acatólicos deveriam
ser sempre efetuados por ato civil, podendo também nos casamentos
mistos, os contraentes escolherem entre o civil e o religioso. Dava seis
meses ao Governo, depois que fosse promulgada esta lei, para regular o
modo que se efetuariam. Estes dois projetos foram para as devidas
comissões parlamentares e não voltaram316.

—————————–
312
J. NABUCO, Um Estadista no Império, II, 58-59.
313
J. NABUCO, Um Estadista no Império, I, 303, nota 2 e II, 360-362.
314
Doutor em direito, nascido em Alagoas em 24 de abril de 1839 e falecido em 3 de
dezembro de 1875. Deputado pelas Legislaturas: 11ª, 12ª, 13ª. [O. NOGUEIRA,
Parlamentares do Império, 91].
315
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 19 de julho de 1867, III, 284-285.
316
Este projeto foi assinado por L. A. da Silva Nunes, J. M. Pereira da Silva, J. Dias
da Rocha, A. Figueira, Antônio Prado, Diogo Velho, Rodrigo da Silva, L.A. Vieira da
Silva, Mateus de Araújo Lima Arnaud, J. P. de Mendonça, F. Belisário, Barão da Vila
da Barra, José Jansen do Paço, M. P. Ferreira Lage, A.S. Carneiro da Cunha, Leonel M.
436 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Com o estourar da Questão Religiosa, que ocupou as discussões da


Câmara a partir de 1873, o projeto de 1870 foi cobrado por um dos seus
assinantes, João Manuel Pereira da Silva317, em um requerimento no qual
pedia que a Comissão Eclesiástica desse logo o seu parecer sobre o
projeto318.
Em 17 de junho de 1875, Tristão de Alencar Araripe319, apresentou mais
um projeto que instituía o contrato civil do matrimônio, depois da
celebração de qualquer rito religioso, além de impor multas de até 100$000
aos sacerdotes que se recusassem a celebrar um casamento depois de os
nubentes terem sido habilitados pelo poder civil. Proclamava que os
impedimentos seriam da competência do poder temporal que deveria
instituí-los320.
Na sessão de 19 de fevereiro de 1879, o grão-mestre maçom Joaquim
Saldanha Marinho321, apresentou um extenso projeto sobre o casamento
civil, dividido nos seguintes capítulos: Disposições Preliminares, Da
Contratação do Casamento, Das Formalidades do Casamento, Da
Convenção dos Contraentes quanto aos bens, Da Nulidade do Casamento,
do Divórcio, Disposições Gerais. Por meio desta proposta se instituía por
inteiro o casamento civil, pois sequer se fazia referimento à religião. Nesse
sentido, já no primeiro artigo se dizia que «o casamento é um contrato
celebrado entre duas pessoas de sexo diferente com o fim de constituir a
família», ou seja, se separava o contrato do sacramento322.

de Alencar [Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 30 de setembro de 1870, V,


116].
317
Bacharel em Direito e Historiador; Conselheiro de Estado. Deputado pelas
Legislaturas: 5ª, 7ª, 8ª, 9ª, 13ª, 14ª, 15ª, 16ª, 18ª, 20ª. Senador de 1888 a 1889. [O.
NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 388]
318
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 19 de maio de 1873, I, 119-120.
319
Magistrado, nasceu no Ceará em 7 de outubro de 1821 e faleceu em 3 de julho de
1908. Foi deputado nas Legislaturas: 14ª, 15ª, 16ª, 20ª. Presidente da província do Rio
Grande do Sul e da Paraíba. [O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 64-65]
320
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão 17 de junho de 1875, II, 133-134.
321
Bacharel em direito, nascido em Pernambuco em 4 de maio de 1816 e falecido em
27 de maio de 1895. Deputados pelas Legislaturas: 7ª, 11ª, 12ª, 13ª, 17ª. Eleito senador
em 15 de maio de 1868 teve sua eleição anulada pelo senado em 17 de maio de 1869.
Foi Presidente província de Minas e de São Paulo. [O. NOGUEIRA, Parlamentares do
Império, 260-261].
322
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 19 de fevereiro 1879, III, 21.
Saldanha Marinho era um forte opositor ao que ele mesmo chamava de «poder clerical»,
desejando legitimar uma forma de casamento que se constituiria de normas jurídicas,
sob a responsabilidade de funcionários do Estado. E não parou ai: ele propôs também
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 437

Como o projeto de Saldanha Marinho não deu em nada, no ano de 1882,


Joaquim Felício Santos (1828-1895)323, apresentou nova proposta através
do seu projeto de Código Civil. A parte referente ao casamento estava
dividida em cinco Seções: Disposições Gerais, Do Casamento Religioso,
Do Casamento Civil, Disposições comuns ao casamento civil e religioso
(Sub-Seções: Da promessa de casamento, Dos impedimentos de
casamento, Do casamento dos menores, Direitos e obrigações dos
cônjuges), Do Divórcio. Ao contrário do de Saldanha, este projeto dava os
direitos civis tanto às pessoas que se casassem conforme o rito de sua
religião ou pela forma estabelecida na lei civil324.
Em 7 de maio de 1884, o executivo voltou a apresentar um projeto de
casamento civil. Dessa vez foi o Ministro do Império Francisco Antunes
Maciel, Barão de Cacequi325. O seu projeto era extenso, com 35 artigos,
porém, menor que aquele apresentado por Saldanha Marinho. O art. 1º
definia o casamento civil nestes termos:
Produzirá todos os efeitos civis que decorriam do matrimônio contraído na
forma do Concílio de Trento o casamento que, de acordo com as disposições
da presente lei, for celebrado por meio de escritura pública, lavrada por oficial
do registro civil e assinada pelos contraentes e duas testemunhas pelo menos,
ambas varões.
O casamento assim celebrado será indissolúvel, salvo o caso de nulidade326.
No art. 3º eram definidos os impedimentos:
Art. 3 º Não é permitido o casamento:
1 º Aos impúberes;
2 º Aos loucos;
3 º Aos parentes por consangüinidade ou afinidade em linha reta, ou em linha
colateral até ao 2 º grau, contado conforme o direito civil;
4 º Entre o cônjuge condenado por adultério e o seu cúmplice.

um projeto de separação da Igreja e Estado [Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em


28 de fevereiro de 1879, 129-133].
323
Bacharel em direito e historiador, nasceu em Minas Gerais em 1828 e faleceu em
21 de outubro de 1895. Foi deputado na 12ª Legislatura. [O. NOGUEIRA, Parlamentares
do Império, p. 375].
324
Anais do Parlamento Brasileiro, 1881/1882, Anexo: Projeto do Código Civil
Brasileiro, III, p. 29-34.
325
Bacharel em direito e conselheiro de Estado, nascido no Rio Grande do Sul (?) e
falecido em 13 de agosto de 1917. Deputado pelas Legislaturas 17ª, 18ª, 19ª, 20ª.
Ministro do Império em 1883/84. [O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 243].
326
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de maio 1884, I, 43.
438 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

5 º Entre pessoas das quais uma houver atentado contra a vida do cônjuge da
outra.
6 º As pessoas ligadas por qualquer vínculo matrimonial, religioso ou civil,
não dissolvido327.
Enquanto o art. 6º definia:
Os que pretendem contrair casamento farão constar a sua intenção ao oficial
competente por meio de declaração escrita, por ambos assinadas, e que
conterá:
1º Os nomes, idades, profissão e residência dos nubentes;
2º Os nomes, profissão e residência de seus pais;
§ 1º Na mesma ocasião deverão apresentar: certidão de idade dos nubentes;
documento que prove o consentimento paterno, quando algum dos nubentes
for menor, ou o do tutor e a autorização do juiz, se for órfão; certidão de óbito,
quando algum dos nubentes for viúvo.
§ 2º Se os nubentes forem domiciliados em outro lugar, far-se-á igual
declaração, acompanhada dos mesmos documentos, no domicilio de cada um
deles, designando-se o lugar onde terá de celebrar-se o casamento.
§ 3º quando algum ou ambos os nubentes houverem sido domiciliados fora do
Império, ou da província onde pretendem casar, deverá ser exibida justificação
judicial que prove não existir entre eles impedimento matrimonial328.
Os artigos três e seis eram também necessários para a realização do
registro dos casamentos daqueles que professassem a religião Católica, que
teriam os mesmos direitos do matrimônio celebrado em conformidade com
o art. 1º. Era necessário, também, designar ao oficial do registro o local e a
hora em que seria celebrado o matrimônio pelo pároco. Terminado o ato
religioso, o oficial do registro que tivesse assistido à cerimônia, certificaria
a celebração do casamento por meio de um termo que deveria ser assinado
pelo sacerdote celebrante e quatro testemunhas329.
Como havia acontecido em 1858, quando o executivo apresentara um
projeto sobre matrimônio civil, também desta vez tal proposta causou
preocupação ao Encarregado de Negócios da Santa Sé, que em 10 de maio
de 1884, enviou um ofício com uma cópia do projeto ministerial. Neste
documento, Mons. Adriano Felice declarava que o projeto tinha sido
entregue à Câmara por «ordine di Sua Maestà l’Imperatore», e que da
leitura do mesmo se perceberia as «maneiras malignas com que era atacada

—————————–
327
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de maio 1884, I, 43.
328
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de maio de 1884, I, 43.
329
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de maio de 1884, I, 44.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 439

a Igreja», e como se procurava enganar os Católicos e as contradições


internas contidas no mesmo330.
Ainda segundo o enviado pontifício, os liberais, apesar de serem
oposição, eram maioria na Câmara e atacariam o projeto e se negariam a
aprová-lo, dando, assim, esperanças que nada seria decidido naquele ano,
«sebbene sia voce generale che S. M. l’Imperatore non solo lo desidera ma
lo vuole». Esta oposição liberal, a principio poderia parecer contraditória,
mas na verdade era uma oposição à política conservadora, cuja intenção era
esvaziar o programa dos liberais. Neste contexto, o Encarregado solicitou a
Mons. João Esberard, Camariere Segreto de Sua Santidade e futuro
Arcebispo do Rio de Janeiro, que publicasse um opúsculo para ser
divulgado entre a opinião pública e uma representação à Câmara, que seria
apresentada no momento oportuno331.
Mons. Felice exprimiu a seguinte opinião sobre Mons. Esberard:
La dottrina, lo stile e lo spirito ecclesiastico predicati che possiede
Monsignor Esberard in grado elevatissimo, mi fanno supporre che niuno
potrebbe in questo paese fare meglio, espero io, l’ho impegnato a prestare
l’opera sua, egli ne ha accettato volentieri l’incarico, né altro era da sperare da
questo virtuoso e distinto Sacerdote332.
Em 14 de junho de 1884, Mons. Felice avisou a Santa Sé que o Gabinete
de Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917) havia apresentado sua
demissão no dia 4 daquele mesmo mês. Conversando com o novo Ministro
do Exterior, João da Mata Machado333, este lhe disse que provavelmente
naquele ano não teria tempo de se discutir sobre o matrimônio civil, porque
era urgente uma decisão sobre a abolição da escravidão334.
Na sessão em 3 de junho de 1885, a Comissão Eclesiástica deu um
parecer alterando alguns artigos do projeto e fazendo algumas pequenas
modificações de estilo e conteúdo. Entre os membros da comissão que
assinaram o parecer e as emendas, estava o pe. Olímpio de Souza

—————————–
330
AES, Br., Officio, 10 de maio de 1884, Fasc. 15, pos. 238, f 21r-21v.
331
AES, Br., Officio, 10 de maio de 1884, Fasc. 15, pos. 238, f 21r-21v.
332
AES, Br., Officio, 10 de maio de 1884, Fasc. 15, pos. 238, f. 21r.
333
Doutor em medicina e bacharel em humanidades, nascido em Minas Gerais em 14
de novembro de 1850 e morto em 6 de fevereiro de 1901. Deputado pelas legislaturas
18ª e 20ª. Ministro dos Estrangeiros em 1884 [O. NOGUEIRA, Parlamentares do Império,
251].
334
AES, Br., Officio, 14 de junho de 1884, Fasc. 15, pos. 238, f. 24r-25v.
440 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Campos335, que vencido ao interno da mesma, dava um voto em separado


contrário ao projeto336.
Em um ofício de 4 de agosto de 1885, o Internúncio Mons. Rocco, que
substituíra o Encarregado de Negócios Mons. Felice, depois de refletir que
seria difícil impedir o casamento civil em um país de imigração, informava
que no dia 3 de junho, quatro deputados tinham entregado novo projeto a
respeito. No entanto, como foi visto, na verdade se tratava apenas do
parecer da Comissão Eclesiástica. O Internúncio dizia que, apesar de tudo,
via nele algo positivo: «il progetto é come tutti gli altri, ma ha questo di
particolare che riconosce il matrimonio puramente religioso dei cattolici in
tutti i suoi effetti civili, sotto talune formalità»337.
Mons. Rocco informou, ainda, que das suas conversas com os ministros,
percebeu que o mais importante agora era a discussão sobre a abolição da
escravidão e sobre o orçamento, por estes motivos muito provavelmente
não se trataria do casamento civil naquele ano. E terminava dizendo que o
deputado pe. Pinto de Campos dera um parecer em contrário ao projeto e se
colocara à disposição dele. Mons. Rocco ainda informou que estava sendo
auxiliado também pelo Vigário Geral do Rio de Janeiro e pelo Comissário
dos capuchinhos, o Pe. Fedele d’Orda338.
O último projeto sobre o matrimônio civil proposto durante o Império foi
apresentado em 24 de maio de 1887. Seu autor era o deputado João da
Mata Machado e se assemelhava aos precedentes, porém dava aos
casamentos celebrados pela religião do Estado ou pelas confissões
reconhecidas no Brasil, validade civil, previa comunicação ao oficial
público ou escrivão de paz, indicando hora e lugar para que ele
comparecesse para lavrar o ato contendo nomes, filiações, idade dos
contraentes e testemunhas339.
Neste mesmo ano o senador Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle,
Visconde de Taunay340, fazia pressão no Senado pela aplicação da lei dos
registros civis de casamento, nascimento e morte, aprovada desde 1861,
—————————–
335
Padre, nascido em Sergipe em 25 de julho de 1852 e falecido (assassinado) em 9
de novembro de 1906. Deputado pelas legislaturas: 19ª e 20ª. [O. NOGUEIRA,
Parlamentares do Império, p. 120].
336
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 3 de julho de 1885, II, 134-135.
337
AES, Br., Officio, 4 de agosto de 1885, Fasc. 16, pos. 247, f. 20r-20v.
338
AES, Br., Officio, 4 de agosto de 1885, Fasc. 16, pos. 247, f. 20r-20v.
339
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 24 de maio de 1887, I, 121.
340
Oficial do exercito, nascido no Rio de Janeiro em 22 de fevereiro de 1843 e
falecido em 25 de janeiro de 1899. Deputado pelas Legislaturas 15ª, 16ª, 18ª, 20ª.
Senador de 1886 a 1889. Presidente das províncias de Santa Catarina e Paraná [O.
NOGUEIRA, Parlamentares do Império, 416-417].
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 441

mais ainda não executada. Esta pressão preocupou o Internúncio, mas,


como ele mesmo dizia em um ofício à Santa Sé, tudo o que o Ministério
não queria era um conflito com a Igreja naquele momento, pois existiam
vários e graves problemas para serem resolvidos, como a epidemia de
cólera, a Questão Militar, a doença do Imperador e uma possível regência.
No entanto, apesar de tantos projetos e pressões, o Período Imperial
terminou sem a aprovação do matrimônio civil e a execução dos registros
civis de casamento, óbito e nascimento. Isso só se realizaria logo após a
proclamação da República, cujo decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890,
estabeleceu a instituição civil do matrimônio341.

3. As medidas adotadas pela Santa Sé


para viabilizar a reforma do Clero
A situação da Igreja no Brasil, sob o regime do padroado regalista do
Governo Imperial, sempre permanecera como um constante motivo de
preocupação para a Santa Sé. Roma estava consciente da urgência de se
realizar uma reforma que partisse dos bispos e chegasse até o povo, num
movimento que tivesse a força e a capacidade de sensibilizar a opinião
pública e os políticos, no sentido de conseguir alterar os empecilhos à
implantação das reformas necessárias. Com este objetivo, foram traçadas
estratégias em relação aos regulares com intuito de reformá-los e de
defender os seus bens contra as investidas do Governo, tentou-se celebrar
uma Concordata com o Império, buscou-se ampliar a autoridade da
Nunciatura do Rio de Janeiro, procurou moralizar o clero e o povo, além de
instituirem-se centros de formação para a criação de um clero reformado, o
que aconteceu por meio dos Seminários diocesanos e de uma casa de
formação em Roma para o clero latino-americano342.
Acabar com o concubinato, tanto no clero como no povo, era uma das
principais reformas almejadas pela Santa Sé, sendo que nas Instruções aos
Internúncios, se tentou elaborar maneiras para combater a facilidade com
que a lei brasileira reconhecia a paternidade dos filhos sacrílegos dos
sacerdotes amancebados. Em relação aos rebentos dos padres
prevaricadores, existia ainda outro fato: eram, sem grande relutância, até
meados do século XIX, facilmente ordenados pelos bispos. Isto se tornara
possível graças às faculdades Decenais concedidas aos prelados brasileiros,

—————————–
341
AES, Br., Officio, 30 de maio de 1887, Fasc. 19, pos. 264, f. 20r-21r.
342
Algumas destas questões já foram analisadas, outras ainda o serão. [ndr.]
442 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

que lhes davam o direito de dispensarem os ordenandos de qualquer


irregularidade343.
O principal meio que a Santa Sé recomendava para se combater o clero
concubinário, eram os exercícios espirituais, principalmente aqueles de
Santo Inácio de Loyola. Para alcançar tal fim, a presença de missionários
europeus capacitados era indispensável, já que as comunidades de regulares
«brasileiras» estavam minguando devido às políticas governativas que
almejavam tomar-lhes os bens. Porém, este objetivo batia de frente com as
dificuldades colocadas pelo Governo em admitir novos regulares no
Brasil344.
A solução mais plausível seria incentivar o crescimento dos Padres da
Missão, ou lazaristas, que depois das dificuldades que enfrentaram durante
a primeira metade do século XIX, estavam passando por um período de
crescimento, devido em grande parte ao Seminário de Mariana, que lhes
fora confiado pelo bispo D. Viçoso. Outras duas possibilidades eram os
capuchinhos, que eram muito bem quistos pelo Governo, e os jesuítas, que
apesar de todos o preconceitos contra eles, estavam conseguindo se
estabelecer no país. Através destes ou de outros missionários europeus, a
meta visada era aquela de introduzir a prática dos exercícios espirituais
entre o clero brasileiro345.
Além do clero, a reforma dos costumes do povo também era tida como
prioritária, sem se esquecer que, nesse contesto, a maçonaria era um mal
que afligia tanto os fiéis quanto os eclesiásticos346.

3.1. O projeto de reunir os bispos brasileiros em conferência


Reunir os bispos brasileiros em um Sínodo Provincial foi matéria de
grande interesse para a Santa Sé. Entretanto, malgrado ela o tenha desejado
durante todo o Segundo Império, jamais pôde realizá-lo. Em 1851, foi
apresentado à Câmara dos Deputados um projeto em tal sentido, como

—————————–
343
ASV, NAB, Istruzione per Mons. Vincenzo Massoni Arcivescovo de Edessa
Internunzio Apostólico nell’Impero del Brasile, 15 de outubro de 1856, Cx. 30, fasc.
133, doc. único, f. 17v.
344
ASV, NAB, Istruzione per Mons. Vincenzo Massoni Arcivescovo de Edessa
Internunzio Apostólico nell’Impero del Brasile, 15 de outubro de 1856, Cx. 30, fasc.
133, doc. único, f. 17v.
345
ASV, NAB, Istruzione per Mons. Vincenzo Massoni Arcivescovo de Edessa
Internunzio Apostólico nell’Impero del Brasile, 15 de outubro de 1856, Cx. 30, fasc.
133, doc. único, f. 17v.
346
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 47v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 443

meio para viabilizar a reforma eclesiástica, mas a proposta não obteve o


número necessário de votos para ser aprovada. Esta iniciativa chamou a
atenção da Santa Sé, que vislumbrava na ação conjunta dos bispos, um bom
meio para agilizar as reformas que pretendia. No entanto, a Cúria romana
era consciente das dificuldades que encontraria por parte do Governo, para
superá-las pensou, então, em realizar uma conferência conforme o modelo
da reunião dos prelados alemães em Würzburg, em 1848347.
Em 20 de outubro de 1852, foram redigidas as Instruções ao Núncio
Gaetano Bedini, nas quais pela primeira vez este tema foi amplamente
tratado pela Secretária de Estado. Nas Instruções posteriores, entregues aos
outros Internúncios, o tema da conferência dos prelados do Império foi
sempre recorrente e as mudanças no seu conteúdo foram mínimas e
circunstanciais, pelo menos até 1878, quando foram reformuladas em
muitos pontos devido à Questão Religiosa348.
O primeiro parágrafo das Instruções a Mons. Bedini é esclarecedor sobre
a necessidade da reunião desejada pela Santa Sé:
1°. Sono ben noti a Mons. Nunzio i gravissimi abusi e disordini che dominano
sia nel Clero che nel Popolo delle Chiese che politicamente costituiscono
l’Impero del Brasile. Per ravvivare la fede, per riformare i costumi, e per
avvisare ai mezzi onde conseguire tale intento sarebbe desiderabile la
celebrazione di un Sinodo provinciale nella forma prescritta dal sacrosanto
concilio di Trento349.
Os motivos não poderiam ser outros senão o estado lamentável em que
se encontrava a Igreja no Brasil, dominada pelo «abuso e desordem», sendo
necessário «reavivar» a fé. Neste mesmo parágrafo, se fazia também
referência à realização de um Sínodo na forma prescrita pelo Concílio de
Trento; porém, esse era somente um ideal, que a mesma Santa Sé sabia ser
impraticável no país, pois um Sínodo teria o poder de ditar leis para toda a
província brasileira, o que dificilmente seria aceito pelo Governo. Foi
exatamente por este motivo, que no segundo parágrafo, era indicado o que
realmente se desejava: uma Conferência ao estilo daquela supracitada, ou
seja, a alemã de Würzburg em 1848, pelas seguintes razões:

—————————–
347
Sobre a Conferência de Würzburg ver Capítulo III, nota 5 na página 196.
348
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 42r-
53r; AES, Br., Istruzioni per Mons. Mario Moceni, Arcivescovo tit. di Eliopoli
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1882, Fasc. 11, pos. 210, f. 23r-35r.
349
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 42r.
444 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Una delle principali ragioni per cui deve preferirsi la riunione dei Vescovi in
conferenze alla celebrazione del Sinodo provinciale si è che per togliere molti
degli abusi è necessaria la cooperazione efficace del Governo, la quale
conviene procurare per mezzo di un’ossequiosa, ma insieme energica
rappresentanza del Ven. Ceto Episcopale al trono di Sua Maestà Imperiale.
Ora il prepararne e redigere una ragionata rappresentanza per reclamare alla
Chiesa il libero esercizio dei suoi diritti, e della sua autorità, meglio si addice
ad una adunanza di Vescovi non congregati a forma di Sinodo in cui essi
dovrebbero dettare leggi350.
A reunião dos bispos em conferência daria mais liberdade de ação ao
episcopado, diminuindo a possibilidade de ingerência do Governo, além de
permitir a elaboração de uma representação de protesto contra as condições
da Igreja no Brasil, bem como a defesa da liberdade de ação para exercer
suas funções. Continua o documento, supondo que não se deveriam
encontrar dificuldades materiais insuperáveis em relação às distancias e
estradas ruins, devendo o Internúncio procurar os meios mais adequados
para alcançar o objetivo desejado. Ele deveria ainda organizar tudo, em
modo que parecesse que não fosse preciso a permissão do Governo para
realização da citada conferência. Os parágrafos quarto e quinto regulavam
como o Representante pontifício deveria proceder, caso ela viesse a se
realizar:
4°. Qualora si riesca a riunire in conferenza i Vescovi Brasiliani Mons. Nunzio
non dovrà offrirsi d’intervenire alle loro sessioni per non dar sospetto che
voglia a essi togliere colla sua presenza la necessaria libertà, e quando anche
ne fosse invitato dovrà gentilmente ricusarsi, altrimenti il Governo facilmente
s’indurrebbe a credere che le rimostranze dei Vescovi per rivendicare i diritti e
la libertà della Chiesa fossero suggerite e insinuate da Mons. Nunzio, e in tal
guisa si verrebbe a indebolire l’azione di quei Prelati e s’indisporrebbe il
Governo con pregiudizio alla causa della stessa Chiesa.
5°. Mentre però Mons. Nunzio deve astenersi dal prendere alcuna parte
pubblica e formale alle ridette conferenze dovrà nello stesso tempo con molta
avvedutezza e prudenza dar loro le opportune direzioni. Essendo necessari
molti lavori preparatori dai quali in gran parte dipende il buon risultato delle
conferenze, si procurerà egli destramente il modo per mezzo di qualche
Prelato, o di altra persona di sua fiducia, d’influirvi in guisa da regolare la

—————————–
350
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de futuro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f.42v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 445

scelta delle materie da trattarsi, l’ordine da tenersi, e le provvidenze da


prendersi nell’Assemblea Vescovile351.
O Internúncio deveria reunir os bispos, mas não poderia de nenhum
modo participar da conferência, para que o Governo não suspeitasse do
envolvimento da Santa Sé, o que tiraria o crédito de tal acontecimento. Isto
também era importante para não inibir a «necessária liberdade» dos
prelados. Porém, a não participação do Internúncio seria somente pública e
formal, pois participaria «ocultamente» fazendo os trabalhos preparatórios
e escolhendo um ou mais bispos de sua confiança para tentar ter alguma
influência sobre as providências e decisões que a Assembléia tomaria. As
Instruções prosseguiam tratando das matérias que deveriam interessar os
bispos, indicando três temas principais:
7°. Il primo deve comprendere tutte quelle cose nelle quali i Vescovi non
hanno bisogno del concorso del Governo, ma possono provvedere e agire da
loro stessi: a questa categoria appartengono tutti quegli abusi che non
dipendono dalla legislatura civile, e riguardo a ciò dovranno i Vescovi
concertare gli opportuni rimedi. Sempre però analogamente alle prescrizioni
canoniche, e d’applicarsi con uniformità quando gli abusi fossero comuni,
ciascuno però nella propria diocesi [...]
8°. Il secondo caso è riferibile a tutte quelle cose, cui non si può apporre
rimedio senza l’azione e l’intervento del Governo, e queste si dovranno
esporre dettagliatamente nella Memoria da presentarsi all’Imperatore
sottoscritta da tutti i Vescovi.
9°. In fine il terzo Capo conterrà quelle cose che sono oggetto di esortazione
per ravvivare la fede ed eccitare a riformare i costumi secondo la legge del
Vangelo, e le prescrizioni dei Canoni della Chiesa. Questo lavoro preparerà la
materia a due lettere Pastorali da dirigersi una al Clero, e altra al popolo in
nome di tutti i Vescovi congregati come fecero quelli di Germania adunati a
Würzburg nel 1849 [a data corretta é 1848]. Tali pastorali debbono essere
condotte in modo da produrre una forte e salutare impressione352.
Em primeiro lugar, os bispos deveriam tratar dos problemas de sua
exclusiva competência e tomar uma decisão uniforme de ação que seria
levada a cada diocese. Em segundo lugar, escreveriam uma Memória ao
Governo assinada por todos eles, pedindo remédio aos males, que
—————————–
351
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f.43r-
43v.
352
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 43v-
44v.
446 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

dependiam também deste para terem uma solução e, por último, duas letras
pastorais para exortar o clero e o povo a reformarem seus costumes de
acordo com Evangelho. Quando tratassem da primeira parte, o Internúncio
deveria garantir que alguns pontos entrassem em discussão, eram eles: 1º.
O concubinato; 2º. A ignorância do Clero; 3º. A enorme diferença
disciplinar nas diversas dioceses; 4º. A ignorância do povo nas coisas da
religião católica; 5º. A grande facilidade em conseguir dispensas
matrimoniais, até mesmo nos graus maiores, devido às faculdades
concedidas pela Santa Sé353.
Sobre o concubinato, dizia que seria interessante chamar os padres,
secretamente, a obedecerem às prescrições do Concilio de Trento, Sessão
XXIV, Capítulo VIII e Sessão XXII, Capítulo I, De vita et honestate
spirituali, e especialmente introduzir o louvável costume dos Exercícios
Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Contra a ignorância do clero dever-
se-ia erigir bons Seminários, com rigorosos exames para admissão ao
sacerdócio, para acabar com a falta de uniformidade disciplinar e, daí,
procurar prover eficazmente a instrução religiosa do povo. Na concessão de
licenças matrimoniais, os prelados diocesanos deveriam, de comum acordo,
determinar as causas graves, segundo os Sacros Cânones, para serem
uniformes no modo e quando conceder as dispensas matrimoniais, para que
«le facoltà affidate ai Vescovi dalla S. Sede in edificationem non siano
usate in destructionem»[grifos originais]354.
Sobre a licença para a celebração de matrimônios mistos, o Internúncio
foi informado que receberia instruções do Santo Ofício, e que tal tema não
poderia ser matéria da Conferência, a não ser que fosse para promover a
observação das prescrições gerais da Igreja, recordando todas as cautelas
que se deveria ter antes de concedê-la355.
Sobre o clero regular, instruía que os prelados se dirigissem à Santa Sé
pedindo uma Visita Apostólica para reformá-los. Deveriam eles, em
relação aos institutos femininos que normalmente estavam sob sua
jurisdição, ocuparem-se seriamente em acabar com todos os abusos e impor
a observância das respectivas regras monásticas, ressuscitando a verdadeira
vocação. Ordenava ao Internúncio que tivesse todo o cuidado em propor à

—————————–
353
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Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 44v-
45v.
355
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Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 45v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 447

Santa Sé um prelado realmente idôneo em tão «escabroso» ofício de


Visitador e procurasse um bom religioso, instruído, prudente e zeloso para
coadjutor de tal empresa. Caso não o conseguisse encontrar, que sugerisse a
Santa Sé como proceder. Ele deveria também negociar com o Governo para
que as Visitas não fossem por ele impedidas356.
Sobre a Memória a ser entregue ao Governo, os bispos deveriam
protestar pedindo liberdade para a Igreja e o livre exercício de seus sacros
direitos, além requerer a ab-rogação das leis que a isso se opunham,
principalmente:
1°. La parte che loro conviene nel pubblico insegnamento sia diretta ed
esclusiva nell’istruzione catechistica, e nell’esercizio degli atti di Religione,
sia di sorveglianza nella scelta dei libri, e nel costume santo dei maestri che
degli scolari; 2°. Il foro Ecclesiastico ora ristretto alle sole materie spirituali;
3°. Contro l’abuso dall’autorità civile, che erige, smembra e circoscrive le
Parrocchie, rimuove, sospende e dimette i Parroci. Esporranno inoltre la
necessità di aumentare le Diocesi e di dotare congruamente gli esistenti; di
erigere in alcune Chiese, in altre di completare i Capitoli Cattedrali; di erigere
similmente ove mancano i Seminari; di accrescere le congrue parrocchiali.
Infine invocheranno tutte quelle altre cose relative al governo spirituale della
Chiesa e nelle quali si richieda il concorso dell’autorità civile, avvertendo
peraltro che la rappresentanza da farsi sia dignitosa, e che non venga
pregiudicato nelle espressioni o nei concetti alcun principio della libertà
ecclesiastica e dei diritti della Chiesa357.
As Instruções salientavam ainda, referindo-se as ingerências estatais, que
em setembro de 1848, Mons. Antônio Vieira comunicara que na Câmara se
tentara aprovar um projeto sobre ereção, supressão e circunspeção de
paróquias, e que o bispo de Pernambuco, apoiado pelo Metropolitano da
Bahia, não aceitara proceder de acordo com algumas disposições da
Assembléia Legislativa. Sobre o terceiro ponto que deveria ser tratado, ou
seja, as Cartas Pastorais ao clero e ao povo, assim se instruía:
Cosi per inculcare fortemente la continenza nel Clero e nel Popolo, l’obbligo
in questo di farsi istruire nelle cose della S. Religione, e in quello il dovere
d’insegnarle. Nelle Pastorali potranno i Vescovi ammonire i fedeli a non
aggregarsi ad alcuna Società Segreta facendo loro conoscere che le medesime
—————————–
356
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 45v-
46r.
357
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 46v-
47r.
448 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

sono state già risolutamente condannate dalla Chiesa, che chi vi si inscrive
commette un grave peccato, e incorre nelle pene comminate dai Sommi
Pontefici, richiamando sommariamente alla memoria le Costituzioni
Apostoliche, e segnatamente quella di Leone XII, Quo Graviora, del 13 marzo
1825 in cui vengono per disteso riportate le precedenti358.
As pastorais deveriam chamar a atenção sobre três aspectos
fundamentais: o celibato clerical, a continência do povo e a proibição ao
católico de participar das sociedades secretas. Em 1852 a Santa Sé já se
preocupava com as referidas sociedades no Brasil e com os católicos que
nelas se inscreviam. Por isso, pedia que na conferência dos bispos, que se
intentava organizar, se tratasse do tema e se fizesse uma pastoral. Foi
exatamente a maçonaria o estopim da Questão Religiosa de 1873359.
O Núncio Mons. Gaetano Bedini, a quem foi redigida estas Instruções,
acabou não sendo enviado ao Brasil, e em seu lugar foi mandado um
Encarregado de Negócios, Mons. Marino Marini. Tais Instruções
permaneceram sem execução até serem enviadas a este último em 3 de
agosto de 1854, junto de uma ordem para que se empenhasse em organizar
a reunião dos bispos em conferência. Mais ou menos um ano antes da sua
chegada, em 31 de março de 1853, o Papa Pio IX já preparava o terreno
enviando uma Encíclica, De universi Dominici gregis, aos prelados
exortando-os a realizarem a reforma geral da Igreja brasileira360.
Em 13 de novembro de 1854, Mons. Marini comunicou a Santa Sé que
havia preparado uma Circular aos prelados, pedindo o parecer deles sobre
a possibilidade de se promover uma reunião nacional. Em 12 de novembro
de 1854, ele a enviou a todos os bispos brasileiros. Mons. Marini,
consciente das dificuldades de conseguir tal intento, não quis comprometer
o Santo Padre, deixando claro no seu ofício que:
Mi è sembrato pure prudente di non dire chiaramente desiderare il S. Padre
che i Vescovi si riuniscano in conferenze, a ciò la sua Suprema autorità non
resti minimamente compromessa, qualora la riunione non si effettuasse. Lo
scopo della Circolare è d’indagare come pensano i Vescovi intorno alla
riunione che viene ad essi suggerita e poter quindi prender norma dalle sue
—————————–
358
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 47v.
359
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, Fasc. 166, pos. 89, f. 47v.
360
Eördögh István na obra tese A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861,
coloca a data de 13 de março, o que não corresponde à data contida no Breve original,
disponível no AES, Br., Encíclica De universi Dominici gregis, 31 de março de 1853,
Fasc. 167, pos. 89, f. 66r-69v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 449

risposte per determinare ciò che dovrà farsi in seguito e decidere specialmente
se sarà meglio che essi stessi trattino col Governo della loro riunione o che ne
faccia la proposta la Nunziatura. La quale peraltro è sempre sospetta al
Governo e ora è poco curata. Saranno per molte le difficoltà che
s’incontreranno e non saranno le minor quelle che si opporranno dal Governo,
che fra altre sue stravaganze pretende che i Vescovi non si assentino dalle loro
Diocesi senza il suo permesso...361
Na Circular o Encarregado expunha aos bispos quais eram os objetivos
de tal reunião, os benefícios que dela poderiam resultar, o porque se
preferia uma Conferência a um Concílio Provincial, ao mesmo tempo em
que se esclarecia que a referida conferência não prejudicaria a futura
realização deste, ao contrário, constituiria um precedente muito propício,
além de se realizar trabalhos preparatórios para a subseqüente celebração
conciliar quando se julgasse conveniente362.
No dia 14 de dezembro de 1854, Mons. Marini mandou um relatório
mencionando o colóquio tido com o Ministro da Justiça. Nessa ocasião ele
perguntou se o Governo apoiaria uma reunião dos bispos que teria por
objetivo dar as linhas mestras para a realização de um reforma eclesiástica
no Brasil. O Ministro respondeu que, não só aprovava, como, também, o
Governo coadjuvaria e protegeria tal reunião363.
A Santa Sé, em resposta ao Encarregado, declarou que tais palavras
davam boas esperanças, no entanto, chamava a atenção de Mons. Marini
para prevenir-se de que a proteção que o Governo prometia não
ultrapassasse os «justos confins», podendo ser um pretexto para que o
poder secular interferisse em modo indevido364.
Em 16 de março de 1855, o Encarregado Pontifício informou à
Secretaria de Estado da Santa Sé que ainda não mandara as respostas dos
bispos à Circular, por estarem faltando três, as dos prelados de Cuiabá,
Goiás e Rio de Janeiro. Lamentava-se muito deste último, dizendo não
haver ele motivo para tanta demora, já que residia na mesma cidade onde
se encontrava a Nunciatura. Relatou que este bispo sequer respondera às
exortações que lhe foram enviadas. Em 13 de abril de 1855, finalmente, o
Encarregado Pontifício transmitiu as respostas, mesmo faltando aquelas do
bispo de Cuiabá e do Vigário Geral de Goiás. Mons. Marini iniciava este
ofício lamentando-se novamente do prelado do Rio de Janeiro, D. Manuel
—————————–
361
AES, Br., Officio, 13 novembro 1854, Fasc. 170, pos. 103, f. 31v-32v.
362
AES, Br., Circular aos Bispos brasileiros, 12 novembro 1854, Fasc. 170, pos.
103, f. 34r-34v.
363
AES, Br., Officio, 14 dezembro 1854, Fasc. 170, pos. 103, f. 37r.
364
AES, Br., Dispaccio, 8 fevereiro 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 43r.
450 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

do Monte Rodrigues de Araújo, pela dificuldade que tivera em conseguir


que ele respondesse, chegando mesmo a enviar um funcionário da
Internunciatura para pressioná-lo em tal sentido. O parecer dos diocesanos
foram os seguintes:
– D. Romualdo Antonio de Seixas, Arcebispo da Bahia: dizia-se
inteiramente de acordo em reunir os bispos em conferencia, mas salientava
que os tempos ainda não eram maduros para a realização de um sínodo,
tendo inclusive trocado correspondência sobre tal matéria com o prelado do
Pará. No entanto, advertia sobre a necessidade do apoio do Governo365.
– D. Manuel do Monte Rodrigues, Bispo do Rio de Janeiro: apesar da
demora, enviou uma longa resposta com reflexões interessantes. Iniciava
dando sua adesão a tal projeto, porém, esperava ele que a iniciativa partisse
de uma autoridade superior que, não só colocasse os bispos de acordo sobre
as matérias a serem tratadas, como também desse as regras de tal
conferência e força às suas decisões. Levantava duas hipóteses de como
essa poderia se realizar: 1º. que os bispos se reunissem todos em um
mesmo lugar para conferir; 2º. que ficassem nas respectivas dioceses,
tratassem separadamente daquilo que formaria o objeto da conferência e
mandassem cada um o seu voto ao superior que iniciou a reunião, que as
analisaria e publicaria a deliberação em carta coletiva em nome do
Arcebispo e bispos da província Eclesiástica do Brasil. Sobre a primeira
hipótese ele era pessimista, informando que provavelmente se encontrariam
muitos obstáculos, como a intervenção governativa, o dever de informá-lo
dos fins e das matérias que seriam tratadas, das decisões e dos votos dos
bispos, em conseguir a licença para que os diocesanos saíssem de suas
sedes e, provavelmente, o Governo iria querer dar o seu placet as decisões
tomadas. A idéia de um sínodo provincial que tinha sido proposto na
Câmara legislativa, segundo o bispo, não parecia uma idéia interessante,
pois provavelmente seria dirigido pelo Governo e causaria mais danos que
vantagens. Já a segunda hipótese conseguiria driblar tais inconvenientes366.
– D. Antônio Joaquim de Mello, Bispo de São Paulo: ele também enviou
uma longa resposta na qual descrevia as difíceis condições da Igreja no
Brasil e especialmente em São Paulo, com especial atenção à usurpação
dos poderes dos bispos pelo Governo e as dificuldades de se encontrar bons
professores para seu Seminário no clero nacional. Ele defendia a grande
necessidade que os prelados se reunissem e que unidos protestassem,
—————————–
365
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 52r.
366
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 52r-53v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 451

lamentassem, denunciassem contra as invasões por parte do poder civil.


Apesar de apoiar a conferência ele questionava: onde? A Bahia seria longe
para os anciãos como ele, que poderiam até morrer ao empreender tal
viagem. E ainda, quem arcaria com as despesas? Sendo os bispos pobres e
ele o mais pobre entre eles. Para D. Antônio seria mais fácil se a
conferência fosse realizada no Rio de Janeiro, porém, acreditava que
dificilmente o Arcebispo aceitaria que a conferência fosse realizada
naquela cidade, por não ser D. Romualdo «amigo do prelado do Rio»367.
– D. Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana: disse ele que seria o
primeiro a comparecer à conferência, mesmo com seus 70 anos de idade.
Porém, ponderava, que tal reunião seria quase impossível devido às
grandes distancias e às más condições das estradas. Como seu colega de
São Paulo, lamenta-se da falta de condição financeira por parte do
episcopado para tal evento. Terminava refletindo sobre a importância de
criar bons Seminários para conseguir reformar o clero, de preferência
dirigidos pelos jesuítas, lazaristas ou outros como eles, só assim a Igreja no
Brasil se reformaria368.
– D. João Marques Perdigão, bispo de Pernambuco: colocava-se a total
disposição, e declarava que caso se conseguisse superar os obstáculos a tal
conferência, ela seria de grande auxílio para a reforma da Igreja do
Brasil369.
– D. Manuel Joaquim da Silveira, bispo do Maranhão: dizia que a circular
lhe causara imenso prazer, pois coincidia com um seu antigo pensamento,
já confidencialmente declarado por correspondência a alguns amigos e
colegas. Disse que os atuais esforços para reformar as respectivas dioceses
ficavam sem efeito se não fossem uniformes, mútuos e contemporâneos.
Da sua parte a Internunciatura poderia contar com a sua franca, decidida e
leal cooperação, não apenas fossem estabelecidos o lugar e a data370.
– D. José Alfonso de Moraes Torres, bispo do Pará: declarava que o
projeto de reunir os bispos em conferência estava em total harmonia com

—————————–
367
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 53v-54v.
368
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 55r-55v.
369
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 55v.
370
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 55v-56r.
452 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

seu modo de pensar, sendo este o único meio de conseguir, com sucesso, a
reforma dos costumes e o melhoramento do clero371.
– D. Feliciano José Rodrigues Prates, o octogenário bispo do Rio Grande
Do Sul: declarou a sua adesão quanto à utilidade e à necessidade da
conferência, mas pediu compreensão por não ter condições físicas para
poder participar, devido à longa viagem que deveria empreender até o local
da reunião372.
Diante das respostas dadas, em que quase todos os prelados
concordavam com algumas dificuldades que influiriam negativamente na
realização da conferência, tais como: as distâncias, o custo da viagem, a
permissão do Governo para se afastarem das respectivas dioceses, a
indisponibilidade de saúde de alguns deles, percebeu-se que o momento
não era adequado para realização de tal projeto. Em 16 de maio de 1856, o
Mons. Gaetano Bedini, em um Parecer Confidencial, respondendo a alguns
quesitos que lhe foram apresentados pela Secretaria de Estado da Santa Sé,
sobre os negócios eclesiásticos no Brasil, se demonstrou pessimista. Assim
se exprimiu ele sobre as possibilidades de uma conferência:
Il raduno dei Vescovi in conferenze lo credo anch’io troppo difficile per le
enormi distanze, per la scarsezza dei mezzi, pei sospetti del Governo, per lo
scarsissimo numero dei medesimi. D’altronde non vi sono differenze
d’opinioni da conciliare, condizioni diverse da studiare, difficili provvedimenti
da proporre. Tutte le Diocesi somigliano nei terribili loro mali, tutti i Vescovi
fortunatamente hanno uguali opinioni, ed anche ottime volontà, e i
provvedimenti non troveranno ostacoli che nel Governo e nel Clero. Per
imporre all’uno e all’altro poco o nulla farà il raduno di 8 o 10 Vescovi nella
Capitale. L’abilità e l’autorità del Nunzio potranno assai più, e secondo
l’efficacia delle sue premure, e le consulte o i concerti che per scritto avrà
preso coi Vescovi stessi, giunte le cose a maturità sarà bene che li faccia
radunar tutti in vero e solenne Sinodo. Allora l’effetto sarà molto pel popolo,
pel Clero, e pel Governo373.
Nem mesmo um ex-Internúncio como Mons. Gaetano Bedini, com certa
experiência nas questões eclesiásticas brasileiras era otimista em relação à
Conferência dos bispos. Outro ponto que chamava atenção no seu parecer
era a coincidência de opinião com a resposta dada pelo bispo do Rio a
—————————–
371
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 56r-56v.
372
AES, Br., Respostas dos Bispos a Circular sobre a Conferencia episcopal, 13 de
abril de 1855, Fasc. 170, pos. 103, f. 56v-57r.
373
AES, Br., Parere Confidenziale, 16 de maio de 1858, Faz. 172, pos. 115, f. 99v-
110r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 453

circular de Mons. Marino Marini: que tudo partisse de uma autoridade


superior e que os prelados fossem consultados por escrito. O Internúncio,
Mons. Vincenzo Massoni, após sua chegada ao Brasil, continuou buscando
o apoio dos bispos para realizar a pretendida reunião. Em 13 de novembro
de 1856, informou a Santa Sé do seu encontro com o Arcebispo da Bahia,
com quem tocou no tema, o mesmo lhe assegurou que não fugiria à sua
responsabilidade em tomar todos os cuidados para a realização de tal
reunião, garantindo, inclusive, que já tinha a adesão segura de quatro
bispos. No entanto, a proposta de se realizar uma conferência dos bispos do
Brasil começou a cair no esquecimento374.
Em visita à diocese de Pernambuco, relatada em um ofício de 23 de
novembro de 1856, Mons. Massoni, ao interrogar o prelado local sobre
uma possível reunião dos bispos do Brasil, recebeu como resposta: ser ele
velho e não possuir autoridade sobre o seu clero para poder realizar a
reforma, pedindo para que lhe fosse concedido um bispo coadjutor com
futura sucessão para auxiliá-lo375.
A Questão Religiosa e os problemas da Igreja brasileira que ela
evidenciou, fizeram, novamente, a Santa Sé sentir a necessidade de reunir
os prelados do Império. Com o despacho número 27522, de 9 de junho de
1878, ela enviou algumas instruções do Santo Ofício e da Sacra
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários ao Encarregado
de Negócios Mons. Luigi Matera, nas quais vinham especificadas as
medidas que deveriam ser tomadas em relação às irmandades e aos maçons
nelas inscritos376.
O tema central da conferência passou a ser então o combate à maçonaria,
a reforma das confrarias e como se comportar em relação aos sacramentos
e enterros a serem dados aos maçons. Neste sentido, a Santa Sé ordenou à
Mons. Matera que buscasse reunir os bispos. No entanto, o Encarregado
deu um parecer contrário à realização da conferência e explicou suas razões
em um ofício à Secretaria de Estado, enviado em 22 de novembro de 1878.
Eram elas: 1º. Pelo alarme que se suscitaria em todo o país; 2º. Pela
desconfiança que provocaria no Governo com prejuízo dos bispos e do
Encarregado dos Negócios, que seria julgado como portador de instruções
secretas; 3º. Pelas pressões que faria o Governo para conhecer o assunto
que se trataria na reunião; 4º. Pela reação raivosa das seitas; 5º. Pelas
enormes distâncias que separavam as sedes dos bispados; 6º. Pela
—————————–
374
AES, Br., Officio, 13 de dezembro de 1856, Fasc. 175, pos. 122, f. 117r.
375
AES, Br., Officio, 23 de novembro de 1856, pos. 120, f. 22r-22v.
376
Tais instruções serão vistas no próximo capítulo. AES, Br., Dispaccio 27522, 9 e
junho de 1878, Fasc. 2, pos. 172, f. 11r-16r.
454 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

obrigação que cada bispo tinha de pedir permissão ao Ministro do Império


para ausentar-se, ainda que por poucos dias da própria sede. Crendo ser
melhor chamar um a um os prelados a internunciatura e verbalmente passar
as instruções da Secretaria de Estado e do Santo Ofício em relação à
reforma do clero, a maçonaria e as confrarias377.
Mons. Luigi Matera conferiu com quase todos os bispos do Império, ou
com quem lhes representava, de novembro de 1878 a maio de 1879. Com
alguns deles se encontrou mais de uma vez, como foi o caso dos de Ceará,
Rio de Janeiro, Pará e o Arcebispo da Bahia. Os outros que encontrou
foram os prelados de São Paulo, de Mariana, de Cuiabá, do Rio Grande do
Sul, do Maranhão e o Vigário capitular de Olinda. A aplicação das
instruções em relação à maçonaria, e conseqüentemente a realização da
Conferência para tratar desse ponto, dividiu o episcopado brasileiro378.
A princípio, exceto o bispo do Rio D. Lacerda, todos se demonstraram
solícitos a se reunirem em conferência, mas no decorrer dos encontros a
situação foi mudando. Enquanto D. Macedo Costa, com certo apoio do
bispo do Maranhão D. Antônio Cândido de Alvarenga379, era a favor da
imediata realização da Conferência e implementação das medidas contidas
nas instruções, o restante do episcopado, tendo a frente o Arcebispo D.
Joaquim Gonçalves de Azevedo e os bispos do Rio de Janeiro e do Ceará,
D. Pedro Maria Lacerda e D. Luís Antônio dos Santos, eram contrários a
sua realização e a favor de uma aplicação gradual e prudente das instruções

—————————–
377
A tradução dos seis pontos aqui utilizada é aquela feita por Mylene Mitaini
Calazans, no seu estudo sobre a Missão de Mons. Fancesco Spolverini (M. M.
CALAZANS, A missão de Monsenhor Francesco Spolverini, p. 48). O original se
encontra no AES, Br., Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé de um Oficio do
Mons. Monsenhor Matera, 22 de novembro de 1878, Fasc. 7, pos. 189, f. 2r-2v.
378
AES, Br., Resumos da Secretaria de Estado da Santa Sé dos Ofícios do Mons.
Monsenhor Matera sobre seus encontros com os Prelados do Brasil, datados: 28 de
Novembro de 1878; 17 de dezembro de 1878; 21 dezembro de 1878; 28 de dezembro de
1878; 23 de janeiro de 1879; 23 de janeiro de 1879; 29 de janeiro 1879; 27 de março de
1879, Fasc. 7, pos. 189, f. 3r-11r; f. 21r-25v; e Officio, 26 de maio de 1879, Fasc. 8,
pos. 189, f. 20r-20v.
379
«Questo Prelato è stato forse l'unico, dopo il vescovo del Pará, che siasi mostrato
fermo e deciso di entrare in campo. Riconobbe le istruzioni giustissime, deplorò la
disunione dell’Episcopato, ed il modo col quale erano state accolte dal Metropolitano e
dai Vescovi di S. Paolo, di Rio Janeiro, e di Ceará le premure e le insistenze di Mons.
Incaricato, e si dichiarò pronto ad eseguire gli ordini del S. Uffizio» [AES, Br., Officio,
26 de maio de 1879, Fasc. 8, pos. 189, f. 20r-20v].
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 455

sobre as irmandades e os maçons, evitando um confronto direto e frontal


com o Governo380.
D. Macedo defendia que a reunião do episcopado só não era possível
devido à falta de energia e influência do Arcebispo sobre os seus colegas.
Foi o bispo do Pará, segundo Mons. Matera, quem demonstrou melhor
disposição para seguir as orientações da Santa Sé381.
O prelado do Rio de Janeiro, desde o primeiro encontro com o
Encarregado, em 28 de dezembro de 1878, apresentou grande resistência às
instruções da Cúria romana; mas, depois se retratou em outra conferência
de acordo com um ofício de Mons. Matera, enviado em 29 de janeiro de
1879382.
O bispo do Rio, o do Ceará e o Arcebispo asseguraram ao Internúncio
que todo o episcopado concordava com a posição deles, exceto o prelado
do Pará, porém, se a Internunciatura ou a Santa Sé enviasse uma ordem
expressa para que se reunissem em conferência eles a obedeceriam, mesmo
se lhes custasse à prisão ou o exílio. Os bispos queriam que as autoridades
superiores a eles assumissem a responsabilidade sobre a conferência, e o
Encarregado transferiu a responsabilidade de tal decisão a Sacra
Congregação dos Negócios Eclesiásticos, enviando um ofício pedindo
instruções sobre como proceder383.
Em 24 de abril de 1879, o Encarregado Mons. Matera, informou sobre
uma conferência tida com o Ministro do Império, João Lins Vieira
Cansanção de Sinimbu. Entre outras coisas eles entraram no tema da
reunião dos bispos. Mons. Matera disse ao Ministro que esta reunião seria
—————————–
380
AES, Br., Resumos da Secretaria de Estado da Santa Sé dos Ofícios do Mons.
Monsenhor Matera sobre seus encontros com os Prelados do Brasil, datados: 28 de
Novembro de 1878; 17 de dezembro de 1878; 21 dezembro de 1878; 28 de dezembro de
1878; 23 de janeiro de 1879; 23 de janeiro de 1879; 29 de janeiro 1879; 27 de março de
1879, Fasc. 7, pos. 189, f. 3r-11r; f. 21r-25v; e Officio, 26 de maio de 1879, Fasc. 8,
pos. 189, f. 20r-20v.
381
AES, Br., Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé de um Oficio do Mons.
Monsenhor Matera, 21 de dezembro de 1878, Fasc. 7, pos. 189, f. 6r-6v.
382
AES, Br., Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé de um Oficio do Mons.
Monsenhor Matera, 28 de dezembro de 1878, Fasc. 7, pos. 189, f. 7r-7v; AES, Br.,
Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé de um Oficio do Mons. Monsenhor
Matera, 29 de janeiro de 1879, Fasc. 7, pos. 189, f. 11r.
383
AES, Br., Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé do Ofício do Mons.
Monsenhor Matera sobre seu encontro com o Arcebispos e os Prelados de Ceará e Rio
de Janeiro, 27 de abril de 1879, Fasc. 7, pos. 189, f. 21r-21v; e AES, Br., Rapporto di
Mons. Incaricato d’Affari, 12 maggio 1879, in Brasile – Conferenza dei Vescovi per
eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni, Fasc. 8, pos. 189,
fascicolo inserito p. 59.
456 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

interessante para que o episcopado junto e de comum acordo, tomasse as


justas medidas para realizar uma reforma da Igreja brasileira e uma
reorganização das Confrarias. Sinimbu respondeu-lhe ter muito apreço a
tais observações e se declarou disposto a entender-se com a Santa Sé
quanto a reunir os bispos em congresso384. Porém, em 12 de maio de 1879,
Mons. Matera informou que o Ministro do Império havia retirado a sua
palavra em relação a um possível apoio à conferência385.
Em 27 de maio de 1879, Mons. Matera enviou algumas informações
sobre a resistência que opunham o Arcebispo e o bispo do Rio do Janeiro,
em relação à aplicação das instruções da Santa Sé e a realização de uma
conferência episcopal. Dizia, também, terem sido eles que influenciaram a
mudança de posição do Governo. O Encarregado acusava o bispo D. Pedro
Maria de Lacerda de sabotar as conferências dele com os outros prelados
do Império. No seu ofício dizia de D. Lacerda: «mi raffredda e mi guasta
tutti i Prelati che vengono alla Capitale per abboccarsi con me»386.
Já a acusação contra o Arcebispo foi um pouco mais grave, pois o
culpava diretamente pela mudança de idéia do ministério sobre o prometido
apoio à conferência dos bispos, referindo que o Arcebispo:
Non ha sostenuto col Ministro dell’Impero la mia proposta di un congresso;
facendogliene con destrezza rilevare la convenienza e i vantaggi, invece mi ha
fatto scrivere da monsignor Lacerda, che il Ministro non voleva riunione, che
il Governo gli si raccomandava di non far chiasso – che io non avevo bene
inteso il Ministro – che io mi ero ingannato387.
Os Cardeais da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos, na
sessão 475 de 10 de julho de 1879, definiram quais seriam as novas
instruções a serem dadas ao Encarregado. A decisão foi de dar uma ordem
clara e expressa aos bispos brasileiros, já que estes esperavam uma decisão
superior para agir388.
Instruiu-se ao Encarregado que enviasse uma circular a todos eles
dizendo que era desejo do Santo Padre que se reunissem em conferência e

—————————–
384
AES, Br., Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé de um Oficio do Mons.
Monsenhor Matera, 24 de abril de 1879, Fasc. 7, pos. 189, f. 20r-20v.
385
AES, Br., AES, Br., Resumo da Secretaria de Estado da Santa Sé de um Oficio do
Mons. Monsenhor Matera, 12 de maio de 1879, Fasc. 7, pos. 189, f. 34r.
386
AES, Br., Officio, 27 de maio de 1879, Fasc. 8, pos. 189, f. 24r.
387
AES, Br., Officio, 27 de maio de 1879, Fasc. 8, pos. 189, f. 24r-24v.
388
AES, Br., Sessão 475 da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários, 10 de julho de 1879, Fasc. 8, Pos. 189, f.33r – 38r.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 457

aplicassem uniformemente as instruções em relação à maçonaria389.


Deveriam se reunir no Rio de Janeiro e, exatamente por esse motivo, foi
enviada uma carta ao bispo daquela cidade, informando-o dessa decisão390.
Também ao novo Internúncio, que estava a caminho do Brasil, Mons.
Angelo Di Pietro, se expediram algumas instruções a respeito391. O
despacho com as instruções à Mons. Matera chegou em setembro, quando a
situação, na opinião do Encarregado, não era mais favorável a uma
conferência, como ele mesmo explicou em um ofício enviado em 24 de
janeiro de 1880. O motivo era que o Governo, devido às pressões de
Saldanha Marinho, tinha declarado, antes do fechamento da Câmara dos
Deputados, que: «Alla prima voce di movimento qualsiasi dei Vescovi
avrebbe dato gli ordini più severi per non lasciarli partire dalle loro Sedi;
e non ne avrebbe giammai permesso la riunione in qualsiasi luogo e molto
meno nella Capitale»392.
A morte do Arcebispo, D. Joaquim Gonçalves de Azevedo, em 6 de
novembro de 1879, deixando o episcopado acéfalo, também criava ainda
mais dificuldades à realização da Conferência393. Em 8 de abril de 1880, o
novo Internúncio Mons. Di Pietro, comunicou à Santa Sé que houvera uma
mudança de Gabinete, entrando José Antônio Saraiva (1823-1895) no lugar
de Sinimbu. Porém, ponderava, continuando o Governo nas mãos dos
liberais, significava que muito provavelmente, diretamente ou
indiretamente, se impediria a conferência394.
Outro problema era o desencorajamento dos bispos em relação à
conferência, devido à deplorável conduta de parte do clero, sendo muitos
deles inscritos nas seitas secretas, os quais provavelmente desafiariam a
autoridade dos prelados buscando a proteção do Estado. Mons. Di Pietro
propunha, então, de pacientar-se esperando um momento mais oportuno
para se reunir os bispos395.
Em 1882, a Santa Sé teve uma posição oficial do Imperador em relação a
uma reunião dos bispos do Império, e foi negativa. Mons. Mocenni, depois
de consultar os arquivos da Nunciatura do Rio, percebeu o empenho que se
—————————–
389
AES, Br., Despacho 356533 a Mons. Luigi Matera, 6 de agosto de 1879, Fasc. 8,
pos. 189, f. 47v-48v.
390
AES, Br., Despacho 36055 a D. Pedro Maria Lacerda, 28 de julho de 1879, Fasc.
8, pos. 189, f. 39v-40v.
391
AES, Br., Despacho 36062 a Mons. Angelo Di Pietro, 1 de agosto de 1879, Fasc.
8, pos. 189, f. 45r-45v.
392
AES, Br., Officio, 24 de janeiro de 1880, Fasc. 8, pos. 189, f. 50r-50v.
393
AES, Br., Officio, 24 de janeiro de 1880, Fasc. 8, pos. 189, f. 50r-51v.
394
AES, Br., Officio, 8 de abril de 1880, Fasc. 8, pos. 189, f. 53v-54r.
395
AES, Br., Officio, 8 de abril de 1880, Fasc. 8, pos. 189, f. 52r-56v.
458 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

vinha tendo para a realização de uma conferência episcopal e da


necessidade de se conseguir o apoio do Governo. Nesse sentido pediu uma
audiência com o Imperador:
Al quale nel miglior modo possibile espose la necessità di tali conferenze dei
Vescovi per prendere e fissare norme generali intorno ai Seminari, educazione
del Clero, estirpare o modificare la piaga del Concubinato nel Clero e nel
popolo, sulle dispense matrimoniali, essendo grande la divergenza fra i
Vescovi sulla facilità e difficoltà nell’accordare le dispense e simili altre cose.
Aggiunsi a Sua Maestà che i Governi acattolici di Alemagna e Inghilterra non
hanno posto alcuna difficoltà a tali conferenze ecc., ecc., ecc. E sua Maestà mi
rispose che egli era assolutamente contrario a tali conferenze e volle darmene
le seguenti ragioni: 1º. Che egli conosceva bene i suoi Vescovi ed era certo
che nemmeno due di essi sarebbero convenuti in prendere disposizioni
generali; 2º. Che nel caso che le conferenze potessero giungere a fissare regole
generali, non si sarebbe osservate dai singoli Vescovi; 3º. Che era ben difficile
ancora a fissare coscienziosamente siffatte regole, per l’eterogeneità, diversità
di carattere, abitudini, educazione, costumi e cultura degli abitanti in cui si
dividono le Diocesi; 4º. Che in qualunque città dell’Impero si fossero adunate
tali conferenze la cosa non potrebbe mai rimanere occulta, la pubblica
opinione colla stampa entrerebbe in rissa; e sebbene il Governo volesse
proteggere ciò, non impedirebbe che la stampa libera ne entrasse in
discussione; che conservare il segreto sarebbe impossibile, e perciò sarebbero
prese in disanima le diverse opinioni e tendenze dei vescovi, ciò che
produrrebbe uno scandalo tanto nel clero che nel popolo, e finalmente che
alzandosi le passioni come avviene in questo paese, si presenterebbe un
pretesto ad un altro conflitto di religione. Per la qual cosa credete opportuno
non insistere oltre396.
Antes de terminar o colóquio, o Imperador ainda entrou mais uma vez no
tema da conferência, dizendo ser imprudente reuni-los, porém, confessou
que as razões expressas pelo Internúncio para tal reunião eram dignas de
considerações, mas que, segundo ele, para eliminar e corrigir os
inconvenientes enumerados por Mons. Mocenni, este deveria mandar
circulares e chamar a atenção de todos os bispos. Caso não pudesse fazê-lo,
que o fizesse a Santa Sé. Esta negativa desencorajou a Cúria, pelo menos
até o fim do Império. No entanto, em certo modo, o Imperador expressou a
mesma opinião do bispo do Rio de Janeiro D. Manuel do Monte Rodrigues
e de Mons. Gaetano Bedini, que a ação uniforme dos prelados se poderia

—————————–
396
AES, Br., Colloqui coll’Imperatore (Confidenziale), 10 de agosto de 1882, Fasc.
12, pos. 216, f. 2r-2v.
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 459

conseguir por meio de cartas e circulares mandadas por uma


Internunciatura atuante e forte397.

3.2. A influência do Seminário Pio latino-americano


A dificuldade encontrada pela Santa Sé nos países latino-americanos
após a independência, em se tratando do estabelecimento de Seminários
afinados com suas diretrizes, levou o Papa Pio IX a criar uma instituição de
ensino das «Sacras Ciências» em Roma, na qual os prelados daquela parte
do mundo pudessem enviar jovens promessas a concluírem os seus
processos formativos. O desejo papal tomou forma em 21 de novembro de
1858, com a inauguração do Pontifício Colégio Pio latino-americano. A
partir do ano seguinte, foi crescente o número de brasileiros naquela
instituição, e muitos deles, posteriormente, ocupariam posições de relevo
na Igreja nacional. Os bispos do Brasil apoiavam a iniciativa, cuja
articulação começara alguns anos antes. Já em 1856, D. Antônio Joaquim
de Mello, prelado de São Paulo, enviou ao Papa Pio IX uma carta, datada
de 27 de maio daquele ano, em que, segundo o próprio destinatário, se
planejava a abertura de um «Seminário Americano» em Roma. O prelado
não se fez de rogado e se comprometeu a prover o mais rápido possível um
jovem para começar uma tão «honrável e lisonjeira carreira»398.
D. Antônio informava ainda quais eram os requisitos requeridos para
ingressar na referida instituição: 1 – O candidato devia ser filho legítimo e
de boa família, já instruído nas letras, e que já desse esperanças de um bom
resultado, além de prestar juramento antes de partir que retornaria à sua
diocese e que se emprenharia no serviço a que fosse designado pelo
respectivo bispo; 2 – O custo seria de 600 francos para a manutenção,
estudos e a viagem de ida e volta; 3 – Os prelados que enviassem três
alunos teriam direito a mandar um quarto sem custos. O Santo Padre pedia
encarecidamente que os bispos se empenhassem no sucesso de tal
projeto399.
Em fevereiro de 1858, foram dadas ao Internúncio Mons. Mariano
Falcinelli uma cópia das Instruções entregues anteriormente a Mons.
Marino Marini, juntamente com um apêndice que as atualizavam em alguns
pontos. Entre eles, constava a necessidade de conscientizar os bispos
—————————–
397
AES, Br., Colloqui coll’Imperatore (Confidenziale), 10 de agosto de 1882, Fasc.
12, pos. 216, f. 3r.
398
AES, Br., Lettera di Antonio Vescovo di São Paulo al Papa, 27 de maio de 1856,
Fasc. 175, pos. 121, f. 35r-38v.
399
AES, Br., Lettera di Antonio Vescovo di São Paulo al Papa, 27 de maio de 1856,
Fasc. 175, pos. 121, f. 35r-38v.
460 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

brasileiros sobre a importância do novo Seminário que se abriria em Roma,


para a formação de sacerdotes latinos americanos. Pedia-se ainda a ajuda
dos prelados e dos fieis, além de declarar que o custo seria de 150 escudos
romanos para cada um, não incluindo a viagem400.
Após a inauguração, a direção da casa, tanto material quanto espiritual,
ficou a cargo dos jesuítas, sendo que o primeiro reitor foi o espanhol Pe.
José Fonda. Os estudos eram assim distribuídos: humanidades, que se
cursava dentro do próprio colégio, filosofia e teologia, que se estudavam no
Colégio Romano (rebatizado a partir de 1873 como Pontifícia Universidade
Gregoriana)401.
No primeiro ano, o Pio Latino contou com dezessete formandos, nenhum
dos quais brasileiros, já no segundo ano (1859) se matricularam quatro
alunos provindos do Brasil402. Nos anos sucessivos o número dos
brasileiros cresceu em proporção geométrica e, segundo o estudo feito por
Pedro Maina, dos cento e cinqüenta e nove formandos que por ali
passaram, da fundação até 1869, oitenta e quatro eram provenientes do
Brasil403.
Nem todos os formandos seriam considerados aptos para o estado
eclesiástico, e também houve os que desistiram por iniciativa própria; mas,
a contínua chegada de brasileiros não diminuiu. Percebe-se isso claramente
do «quadro sinótico» preparado pelo pe. Tommaso Ghetti, reitor da
instituição, no qual se atestou que outros 51 jovens provenientes da
província eclesiástica do Brasil tinham passado por lá, entre os anos de
1872 a 1882404.
Em 1876, praticamente todos os bispos do Brasil já haviam enviado
algum jovem sacerdote a esta instituição, exceto o prelado do Rio de
Janeiro, D. Pedro de Maria Lacerda. Este fato não escapou aos olhos do

—————————–
400
AES, Br., Appendici all’Istruzione già date al Mons. Vincenzo Massoni di servire
per Mons. Falcinelli per processore nell’Internunziatura Apostolica del Brasile, Fasc.
178, pos. 132, f. 101r-105r.
401
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 117; L.
P. RAJA GABAGLIA, O Cardeal Leme, 16.
402
Os quatro primeiros brasileiros presentes no Pio-latino foram: João Batista Fialho
(Rio Grande do Sul), Francisco Herculano (Bahia, morto de febre antes de concluir os
estudos), Tibério Rio de Contas (Bahia), e José Raimundo da Cunha (Maranhão) [D. R.
VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 118].
403
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 118.
404
25 de Olinda, 6 de Fortaleza, 6 da Bahia, 3 do Rio Grande do Sul, 3 de São Paulo,
1 de Mariana, 5 do Rio de Janeiro, 1 do Pará e 1 de Goiás. [AES, Br., Exposição do pe.
Tommaso Ghetti S.I. ao Papa Leão XIII – Quadro Sinótico, 1882, Fasc. 13, pos. 225, f.
22r-23r].
CAP. IV: RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO 461

Santo Padre e dos diretores do Colégio Pio Latino Americano. Nas


Instruções entregues ao Internúncio Cesare Roncetti era expressamente
recomendado o seguinte:
Alla penetrazione di Monsig. Internunzio non istruisco certamente i grandi
vantaggi che derivano al giovane clero brasiliano dall’educazione scientifica e
morale che esso riceve nel Collegio Pio-latino americano stabilitosi in Roma.
Sarebbe desiderabile che tutti i Vescovi dell’Impero mandassero un maggior
numero di giovani di belle speranze per essere quivi educati, e in modo
speciale che il Vescovo di Rio de Janeiro ve ne inviasse qualcuno, essendo il
solo Prelato, per quanto si assicura, che fino ora non ha mandato nessun
giovane della sua Diocesi. Monsig. Roncetti pertanto profitterà della prima
occasione per insinuare al medesimo d’imitare almeno l’esempio dei suoi
venerabili fratelli inviando più giovani che potrà in detto collegio per esservi
educati405.
Laurita Pessoa Raja Gabaglia, escrevendo sobre a formação do Cardeal
Leme neste Seminário, relata que lá «era um mundo novo que se abria aos
recém-chegados», podendo-se imaginar qual era «o primeiro choque de
desambientação produzido naqueles brasileirinhos de província pela terra,
língua, mestres e costumes europeus». Os próprios colegas hispano-
americanos com o seu «linguajar a um tempo irmão e diverso do nosso, os
seus hábitos e temperamento diferentes não contribuíam para criar, de
entrada, um clima de família». De outra feita, enquanto certos Seminários
europeus, naquela época, «distinguiam-se por uma rigidez e um formalismo
que se chocavam com a sensibilidade brasileira e chegavam a criar
recalques difíceis de reparar», o Pio Latino-Americano, pelo contrário,
mesmo aplicando a formação ascética dos jesuítas, essencialmente austera
no que diz respeito «às tendências desordenadas da natureza e, de modo
especial, com os apegos excessivos de família», no que se referia à parte de
escolaridade, mantinha «muito da bonomia romana e um largo campo era
ali deixado à expansão juvenil e aos pendores, artísticos e outros, de cada
um»406.
O importante é que o Colégio Pio Americano foi fiel ao seu propósito de
elevar o nível do clero latino-americano. Dele saíram alguns dos nomes
mais célebres da reforma e reestruturação eclesial brasileira, tanto no
—————————–
405
AES, Br., Istruzione a Mons. Cesare Roncetti Arcivescovo di Seleucia p. i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1876, Fasc. 188, pos. 164, f. 22v-23r.
406
Laurita descreve algumas brincadeiras entre os estudantes e o ambiente vivo e
juvenil do Colégio Pio Latino, porém, também chama a atenção para a rigorosa
formação ascética do Seminário que batia muito na tecla da renúncia e do desapego. [L.
P. RAJA GABAGLIA, O Cardeal Leme, 16-25]
462 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Império quanto na primeira República. Dentre eles merecem ser citados o


Cardeal Arcoverde e o Cardeal Leme, além de bispos como D. Jerônimo
Tomé da Silva (titular de Belém e depois Primaz do Brasil) e D. Eduardo
Duarte Silva (bispo de Goiás), entre outros407.

—————————–
407
L. M. ASCENSIO, História del Colégio Pio Latino Americano, 74.81.
CAPÍTULO V

O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO

A Igreja Católica, durante o século XIX, defendeu constantemente a


manutenção dos Estados confessionais, ou seja, a união Igreja-Estado. O
Syllabus errorum, publicado por Pio IX, em 8 de dezembro de 1864,
afirmava ser um erro moderno defender a separação entre os dois poderes e
o Papa sucessivo, Leão XIII, na encíclica Immortale Dei – Da constituição
cristã dos estados, datada de 1º de novembro de 1885, confirmou tal
princípio. Inspirando-se nos antigos Estados cristãos, mas sem pretender
propor um anacrônico retorno àquele passado, Leão XIII afirmava que os
poderes espiritual e temporal eram soberanos no seu gênero, todavia,
exerciam sua autoridade sobre os mesmos súditos e era a divina
Providência que estabelecia o caminho que deveria regular os seus
governos1.
Porém o discurso muitas vezes se distanciava dos fatos e das posturas
particulares, devido às circunstâncias históricas de cada país. No caso do
Brasil, os paradoxos em que se apoiavam a referida união e,
principalmente, os prejuízos que traziam à liberdade e desenvolvimento do
Catolicismo, levou o episcopado a tomar uma postura mais flexível a
respeito do Estado confessional. Esse sentimento se reforçou ao se
constatar que os limites da referida união não poderiam ser superados,
devido ao fracasso da única tentativa real de se celebrar uma Concordata,
na década de 1850. Segundo Dilermando Ramos Vieira, «era uma
fatalidade histórica: uma Igreja “ortodoxa”, para ser fiel a si mesma, teria
por força de colidir com o aparato regalista do Brasil»2.
O distanciamento foi gradual: além do fracasso da tentativa
concordatária, como se verá em seguida, a pretensão governamental de
interferir na gestão dos Seminários durante as décadas de 1860 e 1870,
—————————–
1
LEÃO XIII, Immortale Dei – Carta Encíclica Da Constituição cristã dos Estados,
13-22.
2
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 213.
464 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

seguida da traumática Questão Religiosa e da conseqüente reforma das


irmandades católicas, evidenciaram a fragilidade do modelo de Estado
confecional existente no Brasil. Foi assim que, do inicial desejo de se
chegar a um acordo, os católicos nacionais passaram à política defensiva, a
qual, com o tempo, assumiu um comportamento mais incisivo. Isso levou,
inclusive, alguns dos seus setores a proporem a renúncia aos auxílios
governamentais para resguardar a liberdade da Igreja. Esta opção,
previsivelmente, colocou em cheque o inteiro sistema político vigente
como será visto.
A Santa Sé, após um posicionamento oficial dos princípios regalistas que
regiam o Segundo Império, por ocasião das negociações para celebração de
uma Concordata, e consciente das insuperáveis dificuldades que o Estado
brasileiro criava para Igreja, passou a esperar uma mudança no Governo.
Ela nunca se declarou favorável à laicização, esperando, quiçá, negociar
uma Concordata num eventual Terceiro Império, que se iniciaria sob o
governo da pia Princesa Isabel, sucessora de D. Pedro II. Todavia, não
tomou posição frente à significativa porção de ultramontanos, entre eles
bispos e clérigos, que em diferentes graus se tornavam reticentes ao Estado
«católico» brasileiro. O silêncio da Santa Sé, de certo modo, era um sinal
de condescendência. Por fim, junto ao episcopado, assistiu com indiferença
ao fim da monarquia e aceitou com facilidade a República laica, como será
demonstrado neste capítulo.

1. Definição de posições:
O fracasso das negociações em vista de uma Concordata
Na década de 1850, houve importantes Concordatas com as quais a
Santa Sé procurou lutar contra a laicização da sociedade do século XIX.
Isso produziu acordos com significativo número de países, tanto na Europa
quanto na América Latina. No Brasil Imperial, porém, tal tentativa foi
infeliz, encontrando grandes diferenças entre os princípios defendidos pela
Cúria romana e as leis do Império, rigidamente regalistas. Neste período, o
Brasil se encontrava em verdadeira crise religiosa, envolvendo questões
várias: que iam dos casamentos mistos à tentativa do Governo de se
apoderar dos bens das ordens religiosas. A isso se somavam problemas
diplomáticos envolvendo os enviados pontifícios, bem como a questão da
execução das bulas de criação dos bispados do Ceará e Diamantina, e a
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 465

descoberta, por parte da Santa Sé, que a bula Praeclara Portugalliae nunca
havia recebido o placet no Brasil3.
As tentativas de Concordatas entre o Governo brasileiro e a Santa Sé
antes da década de 1850 foram três, todas sem êxito. Em 1824, por ocasião
da independência, em 1827, por meio de uma proposta de Bernardo Pereira
de Vasconcelos que, porém, foi duramente combatida por D. Romualdo
Antônio de Seixas, devido aos seus princípios fortemente regalistas. Uma
outra tentativa aconteceu em 1837, quando Francisco Gê Acaiaba de
Montezuma (Visconde de Jequitinhonha), Ministro da Justiça e do Exterior,
apresentou ao pe. Scipione Domenico Fabbrini, Encarregado dos Negócios
da Santa Sé, um projeto de Concordata, do qual somente em 1839, foi
mandada uma cópia para Roma, mas que não obteve, porém, nenhum
resultado. O objeto principal deste último projeto era resolver a questão da
confirmação do bispo nomeado para o Rio, pe. Antônio Maria de Moura,
de modo a evitar, no futuro, outras contestações às nomeações imperiais4.
O Governo almejava regulamentar os direitos do Papa quanto à
confirmação dos bispos, definir quais as doutrinas que podiam ser
consideradas impedimento canônico para o candidato e criar três
arquidioceses. O projeto ainda previa que os metropolitanos teriam o
direito de confirmar os bispos quando o Papa, passado um ano, recusasse a
confirmação, e de prover os benefícios quando os bispos, seus sufragâneos,
passados três meses se recusassem a fazê-lo. Já os bispos ficariam
autorizados a dispensar em todos os impedimentos matrimoniais e os
bispos-eleitos teriam o pleno governo do bispado antes de serem
confirmados pelo Romano Pontífice. Para Joaquim Nabuco, esta era uma
Concordata que pretendia «a abolição do Primado do Sumo Pontífice no
Brasil, a pretexto de reconhecê-lo»5.
Segundo Eördögh István, «todos estes projetos nasceram dentro de uma
concepção de josefismo, jansenismo e galicanismo, revelando o espírito
dos principais partidos da época». Por estes motivos, sequer foram tidos em
consideração pela Santa Sé6.
A Cúria romana estava consciente do desejo do Governo imperial de
celebrar uma concordata e esperava conseguir, com isso, alguma vantagem
para a Igreja no Brasil. Em 20 de outubro de 1852, passou precisas
—————————–
3
Sobre a crise religiosa existente no Brasil nos anos cinqüenta consultar os capítulos
precedentes e também: E. ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil.
4
J. NABUCO, Um Estadista do Império, I, 317-318; E. ISTVÁN, A crise religiosa no
Brasil no período 1852-1861, 40-41.
5
J. NABUCO, Um Estadista do Império, I, 317-318.
6
E. ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861, 40-41.
466 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Instruções a Mons. Gaetano Bedini, que deveria partir como Núncio para o
Brasil. Os motivos de tal desejo foram expressos no parágrafo 18º:
La condizione deplorabile in cui trovansi le cose religiose nell’Imperio del
Brasile, e la necessità del concorso della S. Sede, onde apporvi rimedio, può
far nascere il desiderio di celebrare un Concordato. Quando ciò tornasse utile
alla nostra S. Religione non s’incontrerà difficoltà da parte della medesima S.
Sede. Peraltro bene intende M. Nunzio che non conviene alla stessa S. Sede di
prendere l’iniziativa in quest’affare, che anzi ne deve essere istantemente
pregata. Quindi è che i Vescovi riuniti nelle Conferenze potrebbero [...]
insinuare al governo la necessità di rivolgersi alla Sede Apostolica affinché le
due potestà di comune accordo vengano in soccorso dei bisogni spirituali di
quelle Chiese fissando stabilmente una regolare sistemazione agli Affari
Ecclesiastici di quell’Impero7.
A motivação para a celebração de uma Concordata com o Império do
Brasil era a mesma para a realização de uma assembléia dos bispos, tanto
desejada pela Santa Sé durante todo o Segundo Império e que foi
longamente tratada nessas mesmas Instruções, ou seja, se queria encontrar
a solução para a deplorável condição do clero brasileiro. No entanto, o
representante pontifício tinha de conseguir que a iniciativa partisse do
Governo, mesmo se por meio de uma insinuação feita pelos bispos em
conferência. Neste sentido, se os bispos produzissem uma Memória para
entregar ao Governo, esta seria um bom termômetro para medir as
disposições deste em relação à Igreja, que de algum modo tentaria prever
qual poderia ser o resultado de futuras negociações para a celebração de
uma Concordata. O Internúncio teria de prestar ainda mais cuidado em se
tratando de um governo representativo, com o qual era muito mais difícil
de se chegar a «uma feliz conclusão». A solução melhor seria que o poder
legislativo conferisse a um Ministro Plenipotenciário imperial todas as
faculdades necessárias, o que, porém, não seria de se esperar8.
Nas Instruções recomendava-se que: se o Governo procurasse o
Internúncio para abrir negociações, ele poderia informar que a Santa Sé não
era estranha a este desejo, desde que as propostas fossem moderadas e que
as negociações não encontrassem dificuldades por parte do poder
legislativo. Todavia, o encarregado pontifício deveria ser claro em
demonstrar que as concordatas se negociavam em Roma, onde se deveria
—————————–
7
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, fasc. 166, pos. 89, f. 48r.
8
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, fasc. 166, pos. 89, f. 48r-
48v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 467

enviar um ministro plenipotenciário. As Instruções também autorizavam o


Internúncio a preparar as matérias que seriam tratadas nas negociações da
Concordata, usando de todo seu conhecimento e experiência para que
fossem combatidas todas as desordens que nasciam do abuso do poder
civil. Além disso, se buscava:
[Che il] Governo desse una congrua indipendente, e una decorosa dotazione
dei Vescovati, tanto eretti che da erigersi, del culto religioso, dei Seminari, e
delle Parrocchie, [...] dovranno pure far parte del Concordato il punto delle
elezioni per i Vicari Capitolari non fatte a forma del S. Concilio di Trento;
l’abuso delle cosiddette amministrazioni capitolari dai nominati alle Chiese
vacanti dal Sovrano prima dell’istituzione canonica, ed il ristabilimento del
Tribunale della Nunziatura, per regolarizzare i giudizi ecclesiastici che finora
si fermino colla seconda istanza. Dovrà anche Mons. Nunzio somministrare a
suo tempo alla S. Sede tutte quelle notizie che potranno essere necessarie ed
utili per l’oggetto di cui si tratta...9
Seriam entregues ao Internúncio uma cópia da Concordata celebrada
com a Espanha, e uma daquela ainda não ratificada feita com a Bolívia,
além de uma cópia da bula de Leão XII, de 15 de maio de 1827, Praeclara
Portugalliae:
Questa Bolla è interessantissima perché colla medesima si dimostra che
all’Imperatore del Brasile compete il patronato sui Benefici, e le nomine a
Vescovo nella qualifica di Gran Maestro dell’Ordine di Cristo, e che
nell’esercizio del privilegio, e diritto patronato debba operare Egli, le
prescrizioni degli SS. Canoni e particolarmente del Sacrosanto Concilio di
Trento nella sessione XXIV. Mons. Nunzio se ne potrà giovare specialmente
riguardo alla nomina o presentazione dei Parroci, facendo in pari tempo
osservare che il patronato non è inerente alla Corona, ma che è stato concesso,
dalla S. Sede Apostolica, alla persona dell’Imperatore come Gran Maestro di
un Ordine Religioso cui sono ammessi i benefizi eccelsi all’ordine medesimo
appartenenti, per conseguenza l’esercizio dello stesso patronato non può in
alcun modo spettare al potere legislativo o ad altre persone fuori che al lodato
Gran Maestro dell’Ordine di Cristo10.
Posteriormente, estas mesmas Instruções foram dadas a Mons. Marino
Marini, Encarregado de Negócios Eclesiásticos Extraordinários, pois Mons.
Bedini não foi aceito pelo Governo como Núncio. No dia 14 de dezembro

—————————–
9
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, fasc. 166, pos. 89, f. 49r
10
AES, Br., Istruzione per Mons. Gaetano Bedini Arcivescovo di Tebe Nunzio
Apostolico nell’Impero del Brasile, 20 de outubro de 1852, fasc. 166, pos. 89, f. 49v.
468 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

de 1854, em um ofício à Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos


Extraordinários, Mons. Marini informou sobre um colóquio que teve com o
Ministro da Justiça. Nesta reunião, Mons. Marini recebeu a primeira notícia
confiável da intenção do Governo de estabelecer uma Concordata com a
Santa Sé. Discutindo sobre algumas declarações feitas pelo Ministro na
Câmara, em que se poderia entender que a reforma do clero seria da
competência do Governo, o Encarregado exprimiu sua posição, defendendo
que a competência para realizar tal reforma era da Santa Sé e que o
Governo poderia somente auxiliá-la. Em meio à discussão, o Ministro
informou que nesse sentido seria enviado, no prazo de um ano, o Senhor
Paulino José de Souza Soares (1807-1866), Visconde do Uruguai, como
Ministro Plenipotenciário na França, e que passaria também por Roma,
onde deveria discutir com Sua Santidade uma Concordata11.
A opinião expressa por Mons. Marini no seu oficio era que,
provavelmente, se trataria de uma proposta de Concordata parcial, o que
não resolveria os problemas da Igreja no Brasil. Discutiram ainda, na
referida reunião, sobre o declínio das ordens religiosas, se seria possível
reunir os regulares remanescentes em poucos conventos e vender os bens
daqueles que restassem vazios, para serem reinvestidos e administrados
pelo Estado. O Encarregado presumiu que esta questão provavelmente seria
tratada em uma futura proposta de concordata12.
Em 13 de fevereiro de 1855, Mons. Marino Marini relatava uma outra
conferência tida com o Ministro da Justiça, na qual fora informado que o
Visconde do Uruguai passaria por Londres e Paris chegando em Roma,
provavelmente, por volta de agosto ou setembro. Desse encontro, o
Encarregado entreviu sete pontos principais que certamente seriam tratados
pelo Visconde nas discussões para se celebrar uma Concordata, a saber:
1°. Nell’implorare dalla S. Sede il padronato per il Brasile come ne godevano i
Re di Portogallo; 2°. La divisione dei Vescovati esistenti in due province
ecclesiastiche ed il titolo di Primate all’Arcivescovo di Bahia; 3°. Le facoltà a
tutti i Vescovi, o almeno ai più lontani dalla Capitale, per dispensare dagli
impedimenti matrimoniali che di solito dispensa la S. Sede; 4°. La
facilitazione della dispensa dell’impedimento di mista religione; 5°. La
soppressione dei piccoli Conventi, e la soggezione degli altri agli Ordinari; 6°.
—————————–
11
AES, Br., Officio, 14 de dezembro de 1854, fasc. 170, pos. 104, f. 36r-39r. No seu
estrato de tese A crise religiosa no Brasil no período 1852 – 1861, Eördögh István na
nota 7 da página 42 indica de forma equivocada este documento como estando no fasc.
170, pos. 140. Tal posição, porém, não se encontra no fascículo citado, que abrange as
pos. 102 a 107. O documento de que se trata está na pos. 104.
12
AES, Br., Officio, 14 de dezembro de 1854, fasc. 170, pos. 104, f. 36r-39r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 469

La vendita dei beni dei Conventi da sopprimersi con l’inversione del prezzo in
biglietti di credito sul tesoro; 7°. Un Regolamento per le missioni agli
infedeli13.
Mons. Marini informou ainda que o Ministro prometera aumentar as
côngruas dos bispados; dar uma indenização a Santa Sé se esta cedesse
permanentemente as faculdades de dispensa matrimonial aos bispos; e de
conceder a estes maiores possibilidades de punição sobre os religiosos,
inclusive punições corporais, já que «le pene spirituali al presente siano
poco efficaci». O Encarregado exprimiu a opinião de que o Ministro da
Justiça e o Visconde do Uruguai seriam «regalistas moderados», o que
favoreceria uma negociação14.
Este relatório foi enviado um dia antes da partida do Visconde do
Uruguai que, depois de tratar com o Governo francês, deveria ir tratar com
a Santa Sé. Porém a espera foi em vão. Chegando o Ministro em Roma, não
recebeu ordem do Governo imperial para abrir as negociações, já que o
Ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, considerava o momento perigoso e
desvantajoso, tendo a Santa Sé concluído uma vantajosa Concordata com a
Áustria e temendo-se que o mesmo modelo fosse proposto ao Brasil15.
Em outubro de 1856, foram redigidas as Instruções a serem entregues ao
Mons. Vincenzo Massoni. Como as anteriores, nelas se tratava também da
questão de uma possível Concordata com o Governo Imperial, historiando
o que até aquele momento havia ocorrido. Nelas também se davam
algumas explicações sobre as questões que surgiram em torno à execução
das bulas de criação dos novos bispados de Ceará e Diamantina e da
descoberta da rejeição da bula de Leão XII, de 15 de setembro de 182716.
Todavia, dois acontecimentos deixaram a Santa Sé receosa sobre as
verdadeiras intenções do Governo imperial: 1º. A circular do Ministério da
Justiça, de 19 de maio de 1855, proibindo a entrada de noviços nas ordens
regulares sem prévia autorização, até quando fosse celebrada uma
concordata com a Santa Sé; 2º. O projeto de Estatutos para as faculdades de
—————————–
13
AES, Br., Brasile, relazione sullo stato delle cose Religiose, 1857, fasc. 177, pos.
130, f. 79v. Estes mesmos sete pontos e a narração da ida do Visconde do Uruguai a
Roma, se encontram nas Instruções ao Mons. Vincenzo Massoni: ASV, NAB, Cx. 30,
fasc. 133, f. 7r-10r.
14
AES, Br., Officio, 14 de dezembro de 1854, Fasc. 170, pos. 105, f. 64r-65r.
15
«…essendosi concluso il Concordato Austriaco, temé il Ministro di Grazia e
Giustizia che la S. Sede lo proponesse all’Inviato per modello»[AES, Brasile -
relazione sullo stato delle cose Religiose; 1857 Fasc. 177, pos. 130, f. 79r-79v].
16
ASV, NAB, Istruzioni per Mons. Vincenzo Massoni Arcivescovo di Edessa p.i.
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 15 ottobre 1856, Cx. 30, fasc. 133, f.
6v-10r.
470 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

teologia que se queria criar, no qual o Governo desejava intervir na escolha


dos professores e dos compêndios17.
Depois de tais informações, em 25 de janeiro de 1856, a Sacra
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários pediu a Mons.
Gaetano Bedini, que fora Internúncio no Brasil, um parecer completo sobre
os negócios eclesiásticos no Império. Enviaram-lhe os ofícios do
Internúncio Mons. Massoni, nos quais os fatos expostos precedentemente
foram comunicados. Quatro meses depois, em 16 de maio de 1856, Mons.
Bedini entregou um Parecer Confidencial, em que dava um quadro
autêntico da realidade dos principais problemas da Igreja no Brasil.
Segundo Eördögh István, as observações do Mons. Bedini, justificadas pelo
tempo, «foram uma contribuição determinante para as futuras negociações
com o Governo regalista do Império, salvaguardando a Santa Sé de erros
irremediáveis» e também um «testemunho de autocrítica da atividade
político-eclesiástico na Nunciatura do Rio de Janeiro», que «até a data
deste Parecer, não fora capaz de poder representar os interesses da Santa
Sé»18.
Mons. Bedini era do parecer que a concordata seria muito útil, «ma se un
abile ed autorevole Nunzio non istruisce Ministri e Deputati, e non li
predispone convenientemente, non si arriverà da parte del Governo, che ad
aver mere concessioni, e non farne nessuna». Tal previsão se demonstraria
correta19.
Em 1857, foi entregue aos Cardeais da Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos Extraordinários uma Relazione sullo stato delle cose
Religiose no Brasil, para que elaborassem as Instruções para o próximo
Internúncio que deveria ser enviado ao Império. Esta Relação iniciava-se
com algumas considerações sobre os negócios eclesiásticos brasileiros e
depois eram anexados três relatos informativos sobre a condição da Igreja
no Império. Estes foram enviados respectivamente por: Mons. Marino
Marini, Encarregado dos Negócios da Santa Sé no Brasil, em 10 de março
de 1857; Sr. Sonnleitner, representante da Áustria no Brasil, (seu relatório
foi mandado ao Governo do seu país em 16 de março de 1857, e
transmitido confidencialmente a Secretaria de Estado da Santa Sé); Cav.
Ignácio Massoni, irmão do Internúncio Vincenzo Massoni, que enviou
algumas anotações sobre as condições religiosas no Brasil, em novembro
—————————–
17
AES, Br., Ofícios de: 13 de junho de 1855 e 13 de julho de 1855, fasc. 172, pos.
115, f. 69r, 73r-80v.
18
E. ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861, 43.
19
AES, Br., Parecer confidencial de Mons. Gaetano Bedini, 16 de maio de 1856,
fasc. 172, pos.115, f. 99r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 471

de 1857. Na mencionada Relazione, a Santa Sé se mostrava devidamente


informada e consciente da situação da Igreja no Brasil e das verdadeiras
intenções do Governo quanto ao desejo de se celebrar uma Concordata. Por
isso, esclarecia aos Cardeais que provavelmente a Igreja não conseguiria
tirar nenhuma vantagem20.
O Sr. Sonnleitner, que já contava com 13 anos de serviço no Brasil, foi
extremante realista e preciso na sua opinião sobre uma possível
Concordata. Discorrendo sobre as possibilidades de reformar o clero
brasileiro, dizia:
Ovvero può pensarsi alla conclusione di un Concordato, che è stato già più
volte menzionato, finché lo Stato è fermamente risoluto di tenere la Chiesa in
una stretta dipendenza, d’impedire la comunicazione con Roma, di annullare
la sua libertà nell’insegnamento, e nella giurisdizione, di esporla ad ogni
attacco di una stampa sfrenata, e di adoperarla per docile strumento delle
elezioni? Sì, il Brasile desidera un Concordato, ma ne desidera uno nel suo
senso mondano, che approvi i suoi abusi, i suoi attacchi ai diritti della Chiesa,
esso desidera che Roma, poiché egli non può cambiare questo stato che atterra
la Chiesa, gli dia la sua sanzione; il che Roma non può concedere senza
abbandonare la sua santa vocazione – che però il Brasile da se stesso ponga in
opera riforme ecclesiastiche in senso cattolico e così ci spiani la strada ad una
pace durevole con Roma è parimenti appena da supporsi, poiché sarebbero
necessarie misure risolutissime, che potrebbero solo prendersi dalle Camere
stesse. In queste però non siede né partito cattolico, e nemmeno un partito
credente21.
Quando a Santa Sé menos esperava, foi prevenida pelo Cardeal inglês
Nicholas Patrick Stephen Wiseman (1802-1865), da eminente chegada,
vindo de Londres, do Comendador Francisco Inácio de Carvalho Moreira
(1816-1906), Barão de Penedo, Enviado Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário de Sua Majestade o Imperador do Brasil na Corte
Britânica22.
Após a sua chegada a Roma, Carvalho Moreira apresentou
primeiramente um Memorandum e depois um suplemento ao Memorandum
sobre as condições da Igreja no Brasil23. Tais documentos se referiam a

—————————–
20
AES, Br., Brasile - relazione sullo stato delle cose Religiose; 1857 fasc. 177, pos.
130, f. 78r-107r.
21
AES, Br., Brasile - relazione sullo stato delle cose Religiose, 1857 fasc. 177, pos.
130, f. 99r-99v.
22
AES, Br., Brasile - Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 40r.
23
AES, Br., Memorandum, fasc. 179, pos. 133, f. 103r-107r; Suplemento del
Memorandum,Fasc. 179, pos. 133, f. 109r-120r.
472 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

temas diferentes, o que se poderia considerar um projeto de Concordata


«parcial não convencional», sendo na sua maioria matérias de «graça
pontifícia», enquanto outros poderiam fazer parte de uma Concordata
geral24.
Os principais pontos que tratavam estes documentos eram: a
confirmação dos privilégios de padroado ao Imperador do Brasil e seus
descendentes; a reforma e supressão das ordens regulares e a conversão dos
seus bens em apólices do tesouro público, em beneficio dos Seminários; a
instituição de duas faculdades de teologia; e faculdades mais amplas aos
bispos brasileiros nas dispensas matrimoniais, principalmente de mista
religião25.
Em 13 de março de 1858, iniciaram-se as negociações entre o Barão de
Penedo e Mons. Ferrari, Sub-Secretário da Sagrada Congregação dos
Negócios Eclesiásticos Extraordinários. Nessa ocasião o enviado brasileiro
«getta qualche parola sulla necessità di un concordato generale colla
Corte brasiliana»26. Todavia, a Santa Sé já estava bem informada sobre as
intenções e limites do Governo brasileiro em relação a um documento
concordatário e «peraltro si sapeva segretamente che il Signor Moreira era
autorizzato dal suo Governo ad assumere le trattative anche per pieno
Concordato»27.
As negociações prolongaram-se do dia 13 de março até 14 de abril de
1858, participando também, em algumas das reuniões, o Sr. Figueiredo,
Enviado Brasileiro junto a Santa Sé. Em 26 de março de 1858, Mons.
Ferrari apresentou um projeto de Concordata. Este projeto foi discutido
entre os dois em quatro reuniões, até que o Barão de Penedo apresentou um
contra-projeto, no dia 9 de abril de 1858. Depois disso se encontram outras
duas vezes e discutiram o contra-projeto, realizando algumas modificações.
Na última reunião, no dia 14 de abril de 1858, o Barão de Penedo
comunicou que dia 19 apresentaria suas credenciais e que no dia 20 partiria
para Londres, pedindo a Mons. Ferrari que as observações ao contra-
projeto, que seriam feitas pelo Santo Padre, fossem entregue ao Sr.
Figueiredo, que se encarregaria de enviá-las ao Governo brasileiro. O

—————————–
24
AES, Br., Brasile - Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 40r.
25
AES, Br., Osservazioni al Memorandum, sem data, fasc. 179, pos. 133, f. 122r-
122v.
26
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março de 1858, fasc. 179, pos. 133, f.
6r.
27
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 40v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 473

Barão de Penedo afirmou que assim que tivesse ordem voltaria a Roma
para concluir a Concordata28.
Uma atenta análise comparativa entre a proposta apresentada por Mons.
Ferrari e o contra-projeto do Barão de Penedo, permite evidenciar a
impossibilidade de se chegar a um consenso. O projeto apresentado por
Mons. Ferrari constava de 24 artigos29, enquanto aquele apresentado pelo
Ministro Moreira continha 26; mas, a verdadeira diferença estava no
conteúdo30.
O artigo primeiro de ambos os projetos abordava a questão do padroado
exercido pelo Imperador do Brasil. O de Mons. Ferrari assim o definia: «La
religione Cattolica Apostolica Romana, continua ad essere la sola
religione dello Stato e della nazione del Brasile, e sarà conservata nei
domini di Sua Maestà con tutte le prerogative, di che deve godere secondo
la legge di Dio ed i sacri Canoni»31.
O enviado brasileiro não quis admitir a expressão «la sola», pois,
segundo ele, ia contra o art. 5 da Constituição, que instituía que todas as
outras religiões eram permitidas com seu culto domestico. Ao invés de
«Stato e nazione del Brasile», ele modificou para «l’Impero del Brasile». O
restante continuou igual, mesmo se nas conferências, o Barão de Penedo
teve dificuldade em aceitar a parte que dizia segundo «i sacri Canoni»32.

—————————–
28
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 13 de março a 14 de abril de 1858, fasc. 179,
pos. 133, f. 6r-20r.
29
Na sua tese, Eördögh István faz várias confusões com os documentos do AES, por
exemplo, dizendo que as negociações da concordata iniciam-se somente depois da
entrega das credenciais do enviado brasileiro no dia 16 de abril de 1858, sendo que
nesta ocasião ele as estava entregando para deixar Roma. Mais grave ainda é que ele
coloca as 20 dúvidas apresentadas para serem respondidas pelos Cardeais da Sacra
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, em 1857, como sendo o
projeto de Concordata apresentado pela Secretaria de Estado por meio do Mons. Ferrari,
que foi redigido um ano depois! Na verdade o que ele apresenta são quesitos que
deveriam ser respondidos pelos Cardeais indicando às medidas mais adequadas para
reformar a Igreja no Brasil, com intuito de se redigir as Instruções ao Internúncio [E.
ISTVÁN, A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861, 45 nota 25].
30
Toda esta analise dos projetos está baseadas nos documentos: Brasile – Progetto di
Concordato, no qual os dois projetos vem colocados lado a lado e analisados pelos
Cardeais, e nos Verbali delle Conferenze [AES, Br., Brasile – Progetto di
Concordato,1858, Fasc. 180, pos. 133, f. 39r-59v; AES, Br., Verbali delle Conferenze,
13 de março a 14 de abril de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 6r-20r].
31
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato,1858, fasc. 180, pos. 133, f. 41r-41v.
32
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato,1858, fasc. 180, pos. 133, f. 41v; AES,
Br., Verbali delle Conferenze, 27 de março de 1858, fasc. 179, pos. 133, f.14v-15v.
474 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Os artigos 2, 3, 4 do projeto de Mons. Ferrari, tratavam da educação


católica no Império, enquanto no contra-projeto do Barão de Penedo tal
tema vinha tratado no art. 4. No projeto da Santa Sé, a instrução da
juventude nas escolas e colégios, tanto públicos como privados, deveriam
estar conformes à doutrina católica, não podendo os bispos e os curas
serem impedidos de exercitarem seu dever de vigiar sobre o ensino.
Deveriam, os bispos, ser auxiliados pelo poder público quando fosse
necessário remover algum professor que tentasse «pervertire le menti dei
giovani, o corrompere i loro costumi». O art. 3 dizia que ninguém poderia
ensinar teologia sem a prévia autorização dos diocesanos e o art. 4 definia
que todas as escolas elementares seriam sujeitas à inspeção do bispo, sendo
ele quem estabeleceria o Catecismo e daria o nulla osta aos candidatos a
professor33.
O Barão de Penedo, no seu contra-projeto, eliminou o art. 3,
argumentando que não tinha utilidade prática no Brasil, já que a teologia só
era ensinada nos Seminários diocesanos e o seriam também nas faculdades
de teologia que se queria instituir. Os artigos 2 e 4, foram fundidos e
viraram o art. 4 no contra-projeto, restringindo-os apenas ao ensino nas
escolas católicas publicas ou privadas, na tentativa de não contrariar as leis
e regulamentos das províncias sobre as escolas. Assim era a redação de tal
artigo no contra-projeto:
L’insegnamento morale e religioso nei collegi e scuole cattoliche pubbliche o
private, sarà pienamente conforme alla dottrina della Chiesa. Per cui i Vescovi
ai quali compete di vigilare sopra la purezza della fede e della dottrina, non
saranno imbarazzati nell’esercizio del loro dovere; anzi avranno a tal fine da
S. M. l’Imperatore tutto l’appoggio e tutta la protezione di che avranno
bisogno per l’esecuzione di questa loro sorveglianza; e potranno a questo fine
deputare persona ecclesiastica competente. Appartiene poi ai Vescovi lo
stabilire il Testo del Catechismo; ed i maestri delle scuole elementari saranno
sempre persone di buon comportamento morale34.
Percebe-se que a faculdade de controle dos bispos foi notavelmente
restringida, limitando-se a definir o catecismo, mas sem poder decidir os
professores que seriam idôneos moralmente e doutrinariamente. O art. 5 do
projeto de Mons. Ferrari autorizaria os bispos e ordinários a condenar e
proibir aos fieis a leitura de livros «perniciosi alla Religione, ed alla onestà
dei costumi», enquanto o Governo, da sua parte, deveria tentar impedir que
tais livros fossem divulgados. O artigo correspondente do contra-projeto
—————————–
33
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 41v-42r.
34
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 41v-42r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 475

era o 6º. Dizia ele que os bispos poderiam proibir a leitura desses livros aos
fieis e condená-los segundo as leis canônicas, sendo que a autoridade
responsável tentaria impedir a difusão de tais livros, não podendo, porém, o
Estado colocar «censura previa», já que a Constituição a aboliu, sendo a
impressão e o comercio de qualquer livro livre no Brasil35.
O art. 6º do projeto da Santa Sé não teve correspondente no contra-
projeto do enviado brasileiro, já que ele não o aceitou por ser contrário ao
art. 102 §14 da constituição do Império, na qual vinha sancionado o direto
de placet do Imperador sobre bulas e cartas apostólicas. O art. 6º definia:
Avendo il Romano Pontefice per diritto divino il Primato d’onore e
giurisdizione sulla Chiesa universale, è libera la mutua comunicazione dei
Vescovi, Clero, e Popolo colla S. Sede nelle cose spirituali e negli affari
ecclesiastici: similmente é libera la mutua comunicazione dei Vescovi col
rispettivo Clero e Popolo diocesano36.
Os artigos 7º de ambos os projetos eram referentes ao livre exercício da
autoridade dos bispos e ordinários, dotados de seis letras ou comas: a)
liberdade para constituírem e escolherem vigários gerais e cooperadores; b)
liberdade para assumirem ao estado clerical e promover às Ordens Sacras
aqueles que julgassem necessários ou úteis as suas dioceses; c) que fossem
livres para punir, com as penas estabelecidas pelos Sagrados Cânones, os
clérigos que agissem contra os mesmos (somente nesta letra houve
divergência, Mons. Ferrari incluiu no seu projeto o direito dos bispos de
prenderem os clérigos em conventos e Seminários, o que, segundo o Barão
de Penedo, era contra a liberdade pessoal garantida pela Constituição do
Brasil); d) liberdade para censurarem os fieis transgressores das leis
eclesiásticas e dos Sagrados Cânones; e) com Collatis consiliis com a
autoridade civil, instituírem, dividirem e unirem paróquias; f) convocarem
e celebrarem, a norma dos SS. Cânones, os Conselhos Provinciais e os
Sínodos Diocesanos e publicarem os seus atos37.
O artigo 8º de ambos os projetos se referiam ao dever do Estado e seus
funcionários de impedirem qualquer ofensa, ataque ou desprezo a Igreja, a
seus ministros, à doutrina da fé e à disciplina eclesiástica, devendo dar
apoio às sentenças dos bispos contra os clérigos que se esquecessem dos
seus deveres. Neste ponto, praticamente não existiu divergência entre os
dois projetos38.
—————————–
35
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 42v-43r.
36
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato,1858, fasc. 180, pos. 133, f. 43r-v.
37
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 43v-44v.
38
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 44v-45r.
476 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O art. 9º do projeto de Mons. Ferrari correspondia ao art. 20º daquele do


Barão, e também não apresentava divergência. Tratava: 1º. Que todas as
causas eclesiásticas referentes à fé, aos sacramentos, às sagradas funções e
aos ofícios e direitos ligados ao ministério sagrado pertenceriam
unicamente ao foro da Igreja e seriam julgados segundo a forma dos
Sagrados Cânones e do Sacrossanto Concílio de Trento; 2º. Que as causas
matrimoniais, nos seus efeitos civis, seriam julgadas por um juiz secular,
enquanto o restante seria da competência da Igreja39.
O art. 10 e seu correspondente no contra-projeto, o art. 21, consentiam
que os clérigos fossem julgados por tribunais seculares nas causas
meramente civis. O artigo 11 do projeto pontifício, cujo correspondente no
contra-projeto era o 22, foi o que causou maior discussão entre os
negociantes. Neste artigo, a Santa Sé queria que nos julgamentos civis dos
clérigos, os bispos fossem imediatamente avisados; que entre os juízes dos
tribunais de segunda e última instancias se contasse com pelos menos dois
eclesiásticos; que os julgamentos não fossem públicos; e que caso os
clérigos fossem condenados a penas capitais, os bispos fossem
antecipadamente avisados para realização da degradação. Queria-se
também que as prisões fossem cumpridas em monastérios ou casas
eclesiásticas e que fosse excluído deste artigo às causas maiores, ou seja,
contra os bispos, que deveriam ser julgadas pela Santa Sé40.
O enviado brasileiro aceitou somente que os bispos fossem comunicados
antes da execução da pena capital, para que pudessem fazer a degradação
do clérigo à norma dos Sagrados Cânones, sendo o restante contrário ao art.
179 §17 da Constituição do Império, que aboliu o foro privilegiado e as
comissões especiais nas causas civis ou criminais, e ao Código do Processo
Criminal, que nos seus artigos 8 e 324, restringiu o privilégio de foro dos
clérigos e dos militares somente a causas puramente espirituais ou
militares. Os bispos não poderiam intervir no julgamento, pois ofenderiam
o art. 179 §12 da Constituição, atacando a independência do poder
judiciário que, de acordo com o art. 151, era um dos Poderes Soberanos do
Estado. Ainda segundo o Barão de Penedo, a Constituição não permitia

—————————–
39
O Barão de Penedo queria que ao invés de «cause ecclesiastiche» fosse colocado
«cause spirituali», porque assim se exprimia a Constituição. No final ele aceitou os
argumentos de Mons. Ferrari exigindo somente que fosse redigido «cause puramente
ecclesiastiche» [AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, Fasc. 180, pos. 133,
f. 45r-45v].
40
AES,Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 45v-47r;
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 31 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 16v-
17v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 477

segredo no julgamento das causas civis e criminais, e nem mesmo se


poderia mandar os clérigos condenados a descontarem as penas em
monastérios ou casas religiosas, pois isso ia contra o art. 179 §13. Já as
causas maiores, segundo as leis brasileiras, não eram reservadas à Santa Sé,
mas sim, ao Supremo Tribunal de Justiça41.
O art. 12 do projeto da Santa Sé correspondia ao art. 9º do contra-projeto
do enviado brasileiro. No primeiro se instituía que os Seminários
diocesanos deveriam receber uma dotação adequada e que os bispos seriam
livres para definirem o ordenamento e a doutrina, seriam responsáveis pelo
governo e a administração deles, além de nomear os reitores e professores.
No respectivo artigo do contra-projeto, instituía-se que os professores e os
compêndios seriam «come nel presente» definidos pelos bispos com o
acordo do Governo imperial42.
No projeto de Mons. Ferrari não se encontrava um artigo correspondente
ao art. 10 do contra-projeto. Este artigo se referia à intenção do Governo
em estabelecer duas grandes faculdades de teologia nos dois maiores
Seminários do Império ou em outros locais. Caso fosse nos Seminários,
segundo o Governo, seria sem o prejuízo da disciplina interna, a qual
deveria continuar a ser rigorosamente observada. Os prelados das
respectivas dioceses seriam os diretores das respectivas faculdades e o
vice-diretor, secretário e professores seriam pelos mesmos nomeados com
uma prévia aprovação do Governo Imperial43.
O art. 13 do projeto e seu corresponde no contra-projeto, o art. 3º, apesar
de também terem causado muita discussão entre os negociantes, acabaram
sendo redigidos sem divergência entre ambos. Definia que a Santa Sé seria
livre, prévio acordo com o Governo, de erigir dioceses, definir nova
circunspeção a elas, além de criar e dividir províncias eclesiásticas quando
o bem dos fieis exigisse, sendo o Governo obrigado a dotá-las com sede,
cabido e Seminário44.
O art. 14 do projeto da Santa Sé e seus correspondentes no contra-
projeto, os artigos 2 e 4, versavam sobre a polêmica questão dos direitos do
padroado. Na íntegra estabeleciam quanto segue:
Projeto: Art. 14. Sua Santità in vista dell’utilità, la quale dimana da questa
convenzione, a Sua Maestà Imperiale Pietro II ed ai suoi successori Cattolici
—————————–
41
AES,Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 45v-47r;
AES, Br., Verbali delle Conferenze, 31 de março de 1858, Fasc. 179, pos. 133, f. 16v-
17v.
42
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 47v-48v.
43
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 48v-49r
44
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 49r.
478 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

per lettere Apostoliche da spedirsi subito dopo la ratifica della presente


convenzione concederà l’indulto di nominare in perpetuo alle Chiese vacanti,
siano Arciepiscopali siano Episcopali, dell’Impero Brasiliano, degni ed idonei
ecclesiastici, ornati di quelle doti che richiedono i Sacri Canoni. A tali
ecclesiastici Sua Santità darà l’istituzione canonica secondo le forme consuete.
Prima però che i medesimi non abbiano ottenuto le lettere Apostoliche di
questa canonica istituzione, non potranno in alcun modo assumere il titolo,
mischiarsi nel regime e nell’amministrazione delle rispettive Chiese, alle quali
sono stati designati, siccome è stabilito dai Sacri Canoni. Sua Maestà poi non
procederà alla nomina dei detti soggetti più tardi di sei mesi dal giorno della
vacanza45.

Contra-projeto: Art. II. Sua Santità, in conformità alle concessioni fatte dai
Suoi Predecessori, ed in vista del bene che deriva alla Chiesa dalla presente
convenzione, continua a riconoscere, e conferma il diritto di Patronato nella
Persona di S. M. L’Imperatore, trasmissibile in perpetuo ai suoi eredi e
successori nella Corona del Brasile, di nominare, e presentare, come fin’ora si
è praticato, ai Vescovati, non che di presentare a tutti i Benefici ecclesiastici
dell’Impero, degni, ed idonei Ecclesiastici a forma dei Sacri Canoni, e nel
modo che verrà indicato appresso46.
Art. IV. All’Arcivescovo e vescovi nominati e presentati da S. M. darà S. S.
l’istituzione canonica secondo la forma consueta. Prima però che tali Prelati
non abbiano ottenuto le Lettere Apostoliche della loro canonica istituzione non
potranno né assumere il titolo, né ingerirsi nel regime e nell’amministrazione
delle rispettive Chiese alle quali furono nominati com’è stabilito dai Sacri
Canoni.
Ritiene S. S. che S.M. l’Imperatore, attendendo al bene spirituale dei suoi
sudditi, continuerà come per il passato a nominare e presentare alla S. Sede
per essere confermati nelle Sedi che vacheranno per l’Arcivescovo e Vescovi
con quella brevità che sia compatibile con le circostanze dei luoghi e del
tempo47.
O Barão de Penedo foi a Roma devendo, como um dos objetivos
principais, conseguir um ato solene da Santa Sé confirmando o padroado, já
exercido pelo Imperador e seus antecessores, com todos os seus privilégios
e prerrogativas. Mons. Ferrari respondeu que o Imperador já possuía o
padroado pela bula de 15 de maio de 1827, de Leão XII, Praeclara
Portugalliae, que lhe havia concedido, e a seus descendentes, o Grão
Mestrado da Ordem de Cristo. O Barão de Penedo respondeu que seu
—————————–
45
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 49v.
46
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 49v.
47
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 49v-50r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 479

Governo já gozava do padroado, reconhecido pela Santa Sé, antes mesmo


do envio da citada bula, «onde l’Imperatore non poté accettarlo come
inerente al titolo di gran Maestro dell’Ordine di Cristo, il quale Ordine,
come si asseriva, nel Brasile non possiede un palmo di terra». No decorrer
da discussão, Mons. Ferrari entendeu que o Governo brasileiro considerava
em 1826/7 o padroado como sendo pertencente ao Rei enquanto Rei, e não
enquanto Grão Maestro da Ordem de Cristo, pois os bispados no Brasil
foram fundados pelo Rei de Portugal, tendo eles, então, o direito de
apresentar os bispos. O Senhor Vidigal buscava, em 1826, a «giurisdizione
spirituale» concedida pelos Sumos Pontífices à Ordem de Cristo. Tal
posição também foi defendida pelo voto de Mons. Albertino Bellenghi
(1757-1839) em 1827, em consulta a Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos Extraordinários48.
Mons. Ferrari, no entanto, rejeitava as causas e motivação da não
admissão da bula pela Câmara Legislativa:
Un falso principio, il quale domina quasi in tutte le Repubbliche dell’America
una volta soggetta alla Spagna, cioè che il padronato medesimo sia di diritto
inerente alla Corona ossia alla Sovranità, così ho procurato che il Signor
Moreira ammettesse nel suo articolo le espressioni: «in conformità alle
concessioni fatte dai suoi Predecessori, ed in vista del bene che deriva alla
Chiesa dalla presente convenzione»49.
Mons. Ferrari buscava uma nova instituição do padroado em seu artigo,
no qual fosse clara a concessão Pontifícia, já que a bula leonina não tinha
sido aceita pelo Governo brasileiro. Perseguindo esse objetivo, buscou
convencer o Barão de Penedo a colocar no seu artigo a frase inicial em que
se dizia ser o padroado: em conformidade com as concessões dos
predecessores de Sua Santidade50.
O art. 15 do projeto de Mons. Ferrari e seu correspondente, o art. 21 do
contra-projeto, explanavam sobre a eleição do vigário capitular pelo cabido

—————————–
48
Este voto foi elaborado por Mons. Bellenghi por ocasião do exame do pedido do
padroado feito pelo Imperador D. Pedro I e examinado pelo Sacra Congregação dos
Negócios Eclesiásticos Extraordinários. Depois do exame dos cardeais da referida
Congregação, a bula Praeclara Portugalliae foi concebida em posição contrária ao
parecer de Bellenghi [AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos.
133, f. 50v].
49
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f.50r-53r;
AES, Verbali delle Conferenze, 17 de março de 1858, fasc. 179, pos. 133, f. 10r-11v.
50
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 53r.
480 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

das dioceses, segundo o Concílio de Trento, não existindo discordância


entre as duas propostas51.
Por sua vez, o art. 16 e seu correspondente, o art. 12, tratavam da
nomeação das dignidades nas dioceses. No seu projeto, a Santa Sé almejava
que a nomeação da primeira dignidade fosse feita pelo Santo Padre e as
outras por meio de uma terna apresentada pelos bispos para que o
Imperador escolhesse um entre eles. Porém, o Barão de Penedo não aceitou
que a primeira dignidade fosse conferida pelo S. Padre, já que era de
nomeação direta do Imperador. Sobre a prebenda teológica, os dois foram
da mesma opinião, que fosse nomeado pelo bispo. O «Penitenziere»,
segundo Mons. Ferrari, também deveria ser nomeado pelos bispos, no
entanto, ele foi informado por Penedo, que no Brasil esta função não existia
e por isso não foi citado no respectivo artigo do contra-projeto52.
O art. 17 do projeto e seu correspondente no contra-projeto, o art. 13,
tratavam das nomeações dos párocos. Ambos estavam de acordo em manter
o modo tradicional, ou seja, a apresentação pelo bispo de uma terna ao
Imperador, que nomearia um deles. No art. 17 do projeto, se pedia um
aumento da côngrua, o que não foi aceito pelo enviado brasileiro que
alegou que no ano anterior haviam sido elas dobradas de valor53.
O art. 18 e seu correspondente, o art. 15, versavam sobre os Regulares.
No projeto de Mons. Ferrari se definia: 1º. Que os Regulares seriam
sujeitos aos seus superiores gerais segundo suas constituições; 2º.
Liberdade de comunicação entre os superiores gerais e seus súditos em
tudo que concernisse ao ministério deles; 3º. Os regulares, sem obstáculos,
observariam as suas respectivas regras e, segundo os Sagrados Cânones,
admitiriam candidatos ao noviciado e a profissão religiosa; 4º. Tudo isso
seria também observado pelas freiras. No terceiro ponto houve uma
divergência entre os projetos, já que naquele apresentado pelo Barão de
Penedo era declarado que os noviços só seriam aceitos após prévio acordo
com o poder civil54.
O art. 19 e seu correspondente, o art. 14, abordavam a constituição de
novas ordens religiosas. O projeto definia que o Arcebispo e os bispos
seriam livres de constituir nas próprias dioceses, segundo os Sagrados
Cânones, as Ordens e Congregações religiosas de ambos os sexos,
principalmente aquelas que tinham por objetivo a instrução e educação da
juventude e a assistência aos doentes. Porém, no contra-projeto do Barão de
—————————–
51
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 53r.
52
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 53v-54r.
53
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 54r-54v.
54
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 54v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 481

Penedo, veio anteposto que elas seriam constituídas «callatis consiliis col
potere civili», ou seja, com prévio acordo com os poderes civis55.
Os artigos 16 e 17 do contra-projeto do Barão de Penedo, não possuíam
correspondentes no projeto apresentado pelo Mons. Ferrari. Propunham:
Art. XVI. Avuto riguardo alle circostanze alla S. Sede di sopra lo stato attuale
di alcuni Conventi d’Ordini religiosi nel Brasile, trovandosi alcuni, o
abbandonati, o senza un numero sufficiente di Religiosi per la dovuta
celebrazione di culto ed osservanza delle rispettive regole, S. S. non si oppone,
anzi desidera che a questo stato di cose si ponga un rimedio, ed a tal fine
procedendo a forma dei S. Canoni, prenderà d’accordo col Governo imperiale
le misure convenienti per la soppressione di quei Conventi che si troveranno in
circostanze di richiederla, applicandosi gli edifici ed i beni dei soppressi in
beneficio dei piccoli seminari, od in altri fini religiosi, o d’istruzione pubblica
generale56.
Art. XVII. Quanto alla riforma e riorganizzazione degli altri Conventi, saranno
prese, d’accordo col Governo, le stesse misure convenienti; e nei luoghi in cui
non vi sarà alcuna persona idonea fra i Regolari a presiedere alle elezioni
Capitolari, il S. Padre autorizzerà i rispettivi Vescovi per un tempo
determinato a presiedere ai menzionati Capitoli57.
A maioria e os principais pontos do Memorandum entregue pelo Barão
de Penedo, antes de iniciarem as negociações, versavam sobre a questão
dos regulares, sendo um dos maiores interesses do Governo brasileiro.
Mons. Ferrari tentou convencer Penedo que este tema não era matéria para
uma concordata, porquanto necessário o envio de visitadores e de religiosos
europeus com espírito de reforma. Questionou também, Mons. Ferrari, que
a dotação dos Seminários era um dever do Governo, que havia assumido
esta obrigação, inerente ao padroado. O Barão contra argumentou que o
Governo estava sem condições financeiras necessárias para tais dotações.
Já o artigo 17º era considerado por Mons. Ferrari próprio de uma
concordata, por não ser uma matéria transitória, porém, não constava de um
artigo correspondente no seu projeto58.
O art. 20 do projeto de Mons. Ferrari era relativo à prerrogativa da Igreja
de adquirir e comprar bens imóveis, possuindo o direito de propriedade
inviolável como os demais cidadãos, não podendo o Governo suprimir ou
unir as antigas e novas fundações eclesiásticas sem a intervenção da Santa

—————————–
55
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 54v-55v.
56
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 55v.
57
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 56r.
58
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 56r-58r.
482 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Sé, salvo as faculdades conferidas aos bispos pelo Concílio de Trento. O


artigo correspondente a este no contra-projeto era o 19º, nele o Barão de
Penedo não aceitava a idéia expressa por Mons. Ferrari no seu projeto, e
declarava que os bens da Igreja eram adquiridos segundo as leis do
Império, ou seja, pela lei de mão morta ou amortização, porém, declarava
que mesmo assim «godranno della stessa protezione dovuta alla proprietà
dei particolari»59.
O art. 21 do projeto e seu correspondente, o art. 18 do contra-projeto,
não divergiam. Conferiam a administração dos bens eclesiásticos àqueles a
quem pertencessem. O art. 22 e seu correspondente, o art. 24, definiam que
tudo o que não fosse definido pela concordata em questão seria dirigido e
administrado segundo a doutrina da Igreja, e a sua disciplina vigente e
aprovada pela Santa Sé60.
O art. 23 e seu correspondente, o art. 25, ab-rogavam as leis brasileiras
em contrário. Enquanto no projeto de Mons. Ferrari, vinha declarado que a
concordata teria vigor no Império como lei de Estado, esse ponto não
constava no contra-projeto61. Já o último artigo, o 24 do projeto de Mons.
Ferrari e seu correspondente, o art. 26 do contra-projeto de Penedo,
definiam os tempos para a ratifica, depois que se chegasse a um acordo62.
Os dois projetos e as observações e objeções do Ministro
Plenipotenciário brasileiro, Barão de Penedo, foram enviadas aos Cardeais
da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, com a
seguinte pergunta: «Se, e con quali modificazioni, aggiunte ed osservazioni
si possono ammettere tutti e singoli gli articoli proposti dal Signor Moreira
nel suo contro-progetto, avendo presente la Costituzione brasiliana?»63.
Em 27 de maio de 1858, se reuniram os cardeais Patrizi, Ferretti, Altieri,
Reisach, Barnabò, Antonelli, Santucci, o Secretário Cannella e o sub-
secretário Ferrari, estando ausente o Cardeal Recanati por motivos de
saúde. A resposta deles à pergunta resultou numa negativa frente à
possibilidade de se celebrar uma Concordata com Império do Brasil, devido
a incompatibilidades com a Constituição brasileira64.
A Santa Sé tinha agora total consciência da posição oficial do Governo
nos mais importantes assuntos eclesiásticos do Brasil. A decisão tomada

—————————–
59
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 58r-58v.
60
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 59r.
61
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 59r-59v.
62
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 59v.
63
AES, Br., Brasile – Progetto di Concordato, 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 59v.
64
AES, Br., Sessione 348 della Sacra Congregazione degli Affari Ecclesiastici
Straordinari, 27 de maio de 1858, fasc. 180, pos. 133, f. 105r-107v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 483

pelos Cardeais foi entregue ao Encarregado brasileiro junto a Santa Sé, Sr.
Figueiredo, no dia 25 de junho de 1858, sendo esta a última palavra sobre
esse tema. Nela se encontravam todas as incompatibilidades entre a posição
oficial do Governo e os princípios da Santa Sé, que seriam, também, causa
de futuros grandes conflitos durante o Segundo Império:
La S. Sede desiderosa di veder sistemare tutte le cose religiose nell’Impero
del Brasile aveva di buon grado consentito ad iniziare le trattative per un
Concordato. Però, esaminato il contro-progetto colle analoghe osservazioni
presentato dal Sig. Commendatore Moreira, ha appreso con vero dispiacere
che nella legislatura brasiliana esistono alcune leggi, le quali essendo in
opposizione con i principi immutabili della stessa S. Sede, impediscono di
raggiungere il desiderato scopo. Non s’ignora che gli ostacoli non provengono
dagli attuali governanti, i quali, anzi sono animati dallo spirito di promuovere
il bene della nostra Santa Religione, nondimeno sta il fatto che tali ostacoli
non si possono rimuovere da parte della S. Sede. I punti principali sono i
seguenti:
1°. La libera e mutua comunicazione colla S. Sede dei Vescovi, Clero, e
Popolo, la quale nasce da Somma del Primato d’onore e giurisdizione del
Sommo Pontefice sopra tutta la Chiesa; 2°. La piena indipendenza dei
Seminari diocesani, anche per ciò che riguarda la scelta dei libri, la
deputazione dei Maestri e Professori, non che la loro amministrazione a forma
del Sacrosanto Concilio di Trento; 3°. Il libero diritto della Chiesa di
acquistare, possedere ed amministrare i suoi beni, diritto consentito ai giusti
principi di ragione ed inalienabile; 4. L’immunità personale dei Vescovi i
quali nelle cause maggiori non possono essere giudicati secondo il lodato
Concilio di Trento che dal Papa e dai giudici da esso delegati, come pure il
diritto dei Vescovi di conoscere i processi criminali operando essi a forma dei
Sacri Canoni debbano applicare la pena della degradazione la qual cosa è
conforme a tutti i principi di giustizia, non potendosi coscienziosamente
applicare una pena se non a causa cognita. 5°. La libertà delle professioni
religiose, le quali, di loro natura, non possono dipendere dall’autorità laicale.
Peraltro la S. Sede se vede non conciliabili con i suoi principi, le leggi o
disposizioni che vi si oppongono, non per queste intende di essere dalle sue
paterne cure, che anzi desidera vivamente che l’Imperiale Governo dia dal
canto suo la mano per preparare un clero migliore tanto secolare che regolare.
Intorno al primo è indispensabile che in tutte le diocesi siano eretti i Seminari
a forma del Concilio tridentino, e dotati in modo da riunirne un certo numero
d’alunni proporzionato ai bisogni delle rispettive Chiese, sia provveduto ai
buoni studi, e ad una severa disciplina.
In riguardo al secondo, cioè ai Regolari, si rende necessario che la S. Sede
mandi i suoi Visitatori ed anche un numero di religiosi di specchiata condotta
per ristabilire la disciplina regolare, ed affinché i Vescovi abbiano idonei
484 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

soggetti da impiegarli nell’opera del ministero e nell’istruzione del giovane


clero e del popolo.
Del resto quali siano gli altri punti e desideri della S. Sede l’Imperiale
Governo potrà facilmente conoscere dal progetto di Concordato offerto al Sig.
Commendatore Moreira da Monsig. Ferrari65.

2. A evolução conflitual: da divergência de postura à querela aberta


O fracasso em celebrar uma concordata entre a Santa Sé e o Governo
imperial não produziu uma ruptura, mas evidenciou a impossibilidade de se
chegar a um acordo, devido às inconciliáveis diferenças existentes entre
ambos. No entanto, come é fácil de se presumir, tais diferenças mais cedo
ou mais tarde levariam a um conflito aberto e franco. O Governo e a Santa
Sé continuaram as negociações, porém, somente em pontos particulares que
surgiram no decorrer dos anos, como se viu no capítulo precedente. Foi
exatamente nestes casos que a Santa Sé e a Igreja no Brasil aceitaram a
evidência que o regalismo imperial tendia a sufocar qualquer tentativa de
livre ação e de desenvolvimento do Catolicismo no Império.
Por outro lado, a expansão do ultramontanismo de uma parte e a
sedimentação do regalismo doutra, provocou uma radicalização das
posições, estabelecendo as bases de um confronto não só político, jurídico e
religioso, mas também cultural. Isto porque, a tradicional mentalidade
regalista da dinastia dos Bragança, aliada ao complexo aparato jurídico
impostado nas décadas precedentes, passou a ser visto como algo normal
por grande parte das elites políticas imperiais e também por parte do clero.
Com o episcopado ultramontano acontecia o oposto: como muitos dos
bispos haviam estudado na Europa, «concebiam a Igreja e suas relações
com o Estado numa ótica até então inédita para amplos setores da política
do país»66. Era apenas questão de tempo para que das divergências se
passasse a uma querela aberta.
2.1. As tentativas do Governo de interferir nos Seminários
e a reação do episcopado e da Santa Sé
No Relatório anual apresentado pelo Ministro da Justiça à Câmara dos
Deputados em 1855, no ítem referente aos Seminários, alguns pontos
chamaram a atenção do Encarregado pontifício, Mons. Marino Marini: 1º –
Que para se construírem Seminários nas dioceses onde não existiam era
—————————–
65
AES, Br., Fogli consegnati brevi manu al Sig. Incaricato del Brasile a nome del
Sott. Seg. della S.C., 25 de junho de 1858, fasc. 179, pos. 133, f. 81r-85v.
66
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 244-
245.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 485

necessário utilizar recursos vindos da devolução dos edifícios e bens dos


conventos que o Governo queria suprimir; 2º – Informava que estavam
sendo aprovados os compêndios dos Seminários e nomeados os professores
indicados pelos bispos; 3º – Que convinha regular com uniformidade o
ensino nos grandes e pequenos Seminários, nas dioceses em que haveria de
ter ou não faculdades teológicas. Estes três pontos foram temas de várias
discussões entre a Santa Sé e o Governo, principalmente por ocasião das
negociações de uma concordata em 1858, mas sem chegar a qualquer
acordo67.
Em 22 de abril de 1863, o Governo baixou o decreto n. 3.973,
estabelecendo a uniformidade das cadeiras dos Seminários episcopais que
fossem subsidiados pelo Estado. Nele, estabeleciam-se as matérias que
deveriam ser ensinadas: latim, francês, retórica e eloqüência sagrada,
filosofia racional e moral, história sagrada eclesiástica, teologia dogmática,
teologia moral, instituições canônicas, liturgia e canto gregoriano. Estas
matérias seriam subsidiadas pelo Governo, porém, os bispos eram livres
para instituírem outras com recursos próprios68.
Os artigos 2, 3 e 4 estavam entre aqueles que provocaram maior
preocupação para Igreja. Eles regulavam a escolha dos professores, que
seriam indicados pelos bispos mediante concurso e apresentados ao
Governo, para o devido pagamento do respectivo subsídio. Com intuito de
se estabelecerem as regras dos concursos, era requerido aos bispos que
enviassem propostas e, a partir delas, o Governo estabeleceria um
regulamento uniforme. Provisoriamente, o art. 4º regulava o concurso, que
seria presidido por uma comissão composta de um delegado nomeado pelo
respectivo bispo, como presidente, do Reitor do Seminário e de três
examinadores nomeados também pelo bispo. Como se pode ver, não era
uma exclusão dos bispos na nomeação dos professores, eles continuariam a
ter grande influência sobre ela, pois escolheriam praticamente todos os
membros da comissão julgadora. Porém, este decreto retirava a nomeação
direta e sem interferência externa feita pelos prelados, direito que tinha sido
garantido pelo Concílio Tridentino e era respeitado em todos os países
católicos ou mesmo por aqueles protestantes69.
O bispo só poderia nomear diretamente o professor, no caso em que por
duas vezes não se apresentasse nenhum candidato ao concurso, se isso
acontecesse poderia admitir até mesmo estrangeiros, prévia aprovação do
Governo. Os prelados diocesanos manteriam o direito de demissão dos
—————————–
67
AES, Br., Relatório anual do Ministro da Justiça, 1855, fasc. 172, pos. 115, f. 7r.
68
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1863, XXVI, parte II, 103.
69
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1863, XXVI, parte II, 104-105.
486 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

professores, mas, o mesmo direito era reservado também ao Estado. Outro


artigo que preocupava a Igreja era o 14º, que estabelecia que: «A adoção
dos compêndios, que os professores deverão seguir nas preleções, será da
escolha dos bispos; os quais deverão comunicar ao Governo os que
houverem adotado». Ou seja, os diocesanos continuavam a escolher os
compêndios, devendo, porém, dar participação disso ao Governo. Tais
decisões eram referentes somente às cadeiras dos Seminários que recebiam
subsídio do Estado, aqueles que se mantinham com as próprias rendas ou
com o subsídio das províncias estavam excluídos deste decreto70.
Em 3 de junho de 1863, o Internúncio Domenico Sanguini, em um ofício
ao Secretário de Estado Cardeal Antonelli, informou sobre o decreto de 22
de abril de 1863. Referia-lhe que a iniciativa partira do Presidente do
Conselho dos Ministros, o Marquês de Olinda, apoiado pelo Ministro
responsável pelos Negócios Eclesiásticos. Indicava no seu ofício, alguns
motivos que levaram o Governo a baixar tal decreto: suprimir algumas
cátedras para economizar dinheiro do Tesouro e reinvesti-los nos estudos
de artilharia e náutica, dar liberdade aos bispos de aumentar as cátedras às
próprias custas e aumentar a ingerência do Estado. O Internúncio temia que
esta medida pudesse gerar graves lesões aos «Sagrados Direitos dos
bispos», porém, segundo o mesmo, «fortunatamente però le prerogative
dei Prelati sono state quasi nella massima parte rispettate». O fato de ter
sido conservado o direito dos bispos de escolherem os compêndios foi para
Mons. Sanguini de grande alívio, já que era do seu conhecimento «esservi
stata assai animata discussione per eliminare il parere di quei che
intendevano trasferirlo in tutto od in parte al Governo». Mesmo assim,
pedia ao Arcebispo da Bahia que junto ao restante dos bispos protestassem
contra as inovações deste decreto71.
Em 13 de julho de 1863, a Santa Sé pediu ao Internúncio que
recomendasse prudência aos bispos e ao mesmo tempo os incentivassem a
defenderem a sua liberdade na administração dos Seminários72. No entanto,
um Aviso Circular Confidencial, de 12 de maio de 1863, «a cerca das
habilitações dos aspirantes as ordens sacras, e a benefícios eclesiásticos,
aditamento ao que dispôs o Decreto n. 3.073 de 22 de abril do mesmo ano»,
veio aumentar ainda mais a ingerência do Estado sobre os Seminários
diocesanos. Definia ele:
—————————–
70
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1863, XXVI, parte II, 105-106.
71
AES, Br., Officio con note per Dispaccio di risposta, 3 de abril de 1863; notas de
13 de junho de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 83r-85r.
72
AES, Br., Officio con note per Dispaccio di risposta, 3 de abril de 1863; notas de
13 de junho de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 83r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 487

1º. Que não ordene de ordens sacras a algum estudante que não tenha ao
menos sido examinado e aprovado publicamente do curso de filosofia na
forma dos estatutos do dito Seminário.
2º. Que não ordene de presbítero algum que não tenha sido examinado e
aprovado publicamente do curso teológico, na forma dos ditos estatutos, sem
que tenha residido ao menos por um ano dentro do dito seminário, para dar
provas de mais perto do seu comportamento.
3º. Que não admita a concurso de benefício, principalmente de cura d’almas a
algum que não tenha sido examinado e aprovado de todas as disciplinas
determinadas nos ditos estatutos73.
Neste aviso aos bispos, o Governo declarava que tomava como base para
fazer tais propostas, «as disposições do Revmo. bispo de Pernambuco D.
José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho, nos estatutos, que deu, com
aprovação régia, para o seminário de Olinda» e que agora desejava ouvir os
pareceres dos bispos que naquele momento ocupavam as dioceses, pedindo
que enviassem seus pareceres confidencialmente74.
Em 11 de julho de 1863, o Ministro do Império enviou uma circular ao
octogenário bispo de Mariana, pedindo informações sobre os negócios
eclesiásticos de sua diocese, com indicações suas para se promover o bem
espiritual. D. Viçoso respondeu em 8 de setembro do mesmo ano, enviando
também uma cópia ao Internúncio Mons. Sanguini. A resposta do bispo
indicava os meios para se conseguir a reforma do clero. Segundo D.
Viçoso, era indispensável um melhoramento nas fábricas das Igrejas,
responsáveis pela sua manutenção e esplendor. Era fundamental, para ele, o
melhoramento dos Seminários e que fossem dirigidos por ordens religiosas,
como os lazaristas, sulpicianos, maristas e jesuítas, chamando à memória
do Ministro, para dar força as suas argumentações, dois documentos:
a) o Relatório às Câmaras, apresentado por Joaquim Nabuco em 1856,
no qual se propunha que os Seminários fossem dirigidos pelos lazaristas e
que estes internatos se tornassem um «muro de bronze» separando o novo
clero do antigo clero. Defendia ainda a participação de estrangeiros na
reforma dos Seminários: «em toda a parte o ensino e a predica foram

—————————–
73
AES, Br., Aviso Circular de 12 de maio de 1863 acerca das habilitações dos
aspirantes às ordens sacras, e a benefícios eclesiásticos, em aditamento ao que dispôs o
decreto n. 3.073 de 22 de abril de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 135f.
74
AES, Br., Aviso Circular de 12 de maio de 1863 acerca das habilitações dos
aspirantes às ordens sacras, e a benefícios eclesiásticos, em aditamento ao que dispôs o
decreto n. 3.073 de 22 de abril de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 135f.
488 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

sempre acessíveis ao estrangeiro, porque o Evangelho é universal, e a sua


difusão não deve encontrar limites, ou restrições em todo o orbe»75;
b) a seguinte citação do Arcebispo da Bahia, D. Romualdo Seixas:
A educação clerical hoje mais que nunca reclamada pela Religião e Santidade
é uma das obras que demanda habilitações especiais, que só podem ser
adquiridas por um tirocínio apropriado e prática do regime de tais
estabelecimentos. Ora estas qualidades certamente mui raras, acham-se
principalmente nos Padres da Missão, que professam o admirável Instituto de
S. Vicente de Paulo, que se dedicou especialmente a reforma dos Seminários,
como o meio mais poderoso e eficaz para a regeneração do clero, e com tão
feliz êxito, que aos Seminários Episcopais, confiados pelos Bispos aos
discípulos e sucessores desse grande homem deve a França a gloria de possuir
o Clero mais ilustrado, e o mais bem morigerado da Europa. Muitos Bispos da
Itália seguiram este exemplo com igual sucesso, e o Bispo de Mariana lhes
entregou o regime de seu Seminário e se mostrou satisfeito76.
Continuava na sua resposta, D. Viçoso, pedindo ao Governo que
facilitasse os meios e ajudasse a vinda destas corporações religiosas.
Declarava abertamente que o decreto e o aviso para a uniformização dos
Seminários eram inúteis:
Não será então necessário o cuidado que se esta tendo sobre a escolha dos
Mestres, e sobre concursos, porque é da atribuição dos Prelados maiores
daquelas Corporações a escolha dos Diretores e Mestres, mediante uma soma
que o Governo dá aos Bispos para repartir pelos Professores. Lembre-se o
Governo que nenhum país apresenta um Episcopado e um Clero mais ilustrado
e respeitável que a França, pela regularidade de seus Seminários. Se queremos
os fins lancemos mão dos meios77.
Terminava sua carta com uma série de interrogações, sinceras e diretas,
inquirindo o Governo sobre o porque ele cerceava a liberdade da Igreja e
perseguia a autoridade de Roma:
Porque se há de privar a Igreja da liberdade que lhe deu seu Divino
Fundador, fazendo-a inteiramente independente o seu Governo do Governo
secular? Porque se há de embaraçar que um súdito do Supremo Chefe da
Igreja acuda a Ele quando lhe for necessário ou conveniente? Quando foi

—————————–
75
AES, Br., Resposta a Circular do Ministro do Império de 11 de julho de 1863, 8
de setembro de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 114r-115v.
76
AES, Br., Resposta a Circular do Ministro do Império de 11 de julho de 1863, 8
de setembro de 1863, fasc. 182, pos. 143, f.115v-116r.
77
AES, Br., Resposta a Circular do Ministro do Império de 11 de julho de 1863, 8
de setembro de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 117r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 489

crime que um vassalo acudisse ao Chefe do Império Civil? Quando tanto se


está escrevendo pelos canonistas Alemães e Franceses sobre a liberdade da
Igreja ainda nós estamos medrosos das pretensões Romanas, palavra
jansenistas com a qual se pretende por abaixo peremptoriamente todos os
argumentos a favor da Igreja de Jesus Cristo? Será infeliz a Igreja do Império
da Áustria pela sua Concordata com a Santa Sé de 25 de Setembro de 1855?
Será infeliz a República do Equador pela sua de 17 de Abril de 1863? Ambas
vão juntas e outra vez oferecidas à consideração do Governo de Sua
Majestade...78
No mesmo mês de setembro, o jovem prelado D. Antônio de Macedo
Costa, bispo do Pará, respondeu ao Governo dando sua opinião sobre as
medidas tomadas em relação aos Seminários. Sua resposta veio por meio
de um documento que ficou célebre e teve repercussão internacional, a
Memória79.
Nela, o bispo do Pará já demonstrava as qualidades que marcariam todo
o seu episcopado: coragem, sinceridade, erudição, grande capacidade de
expressão e brio. Dizia ele a respeito do mencionado decreto:
Decreto que, inspirado sem dúvida pelos desejos mais puros de favorecer a
Igreja, abre infelizmente uma nova brecha em sua disciplina, infligi-lhe novas
humilhações e aperta cada vez mais as cadeias com que se acha ela oprimida
[...] de há muito Senhor, os Bispos do Brasil como contristados com Avisos e
Decretos restritivos da liberdade e independência de nosso sagrado ministério;
de há muito notamos com mágoa a funesta tendência do governo a ingerir-se
na economia da Igreja como se procurasse reduzi-la pouco a pouco à condição
de um estabelecimento humano, a um mero ramo de administração civil.
Parecem não ser mais os Bispos que funcionários públicos, sujeitos a conselho
de Estado, que, à imitação da celebre Mesa de Consciência e Ordens, decide
em última instância as questões mais graves do direito canônico e da

—————————–
78
AES, Br., Resposta a Circular do Ministro do Império de 11 de julho de 1863, 8
de setembro de 1863, fasc. 182, pos. 143, f. 117r-117v.
79
Este título, como o próprio autor informa, se inspira na Memória dirigida pelo
episcopado francês ao seu rei sobre os Seminários em 1828. A repercussão internacional
resultou do fato do prelado ter escrito a vários bispos estrangeiros para saber que
relações existiam em seus países entre o Governo e a Igreja no tocante aos Seminários,
enviando também uma cópia da sua Memória. Recebeu resposta e aprovação dos bispos
de Orleans, de Arras, de Angers, do canonista Boux, do Marquês do Lavradio, do
literato João de Lemos e do teólogo P. Perrone, disse este: «Eu não sei que governo
algum europeu tenha até o presente levado tão longe suas pretensões a ponto de querer
regular o ensino nos seminários». O Jornal Le Monde, de Paris publicou a Memória e
iniciou uma série de artigos sobre o tema dos Seminários [A. MACEDO COSTA,
«Memória» em A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 53.109].
490 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

administração eclesiástica, apenas dignando-se às vezes consultar os Prelados


como meros informantes80.
D. Macedo citava várias decisões governamentais que prejudicavam a
autoridade, liberdade e independência dos bispos e declarava que, devido à
posição do episcopado dentro da Igreja Católica, eles não poderiam «ficar
mudos sem trair» o seu «dever». No documento o prelado desenvolveu três
proposições: a primeira era que o decreto em questão ofendia os direitos e a
dignidade do episcopado e perturbava «aquele feliz acordo e harmonia que
deve reinar entre os dois poderes». A medida do Governo era também uma
invasão do poder espiritual da Igreja, uma vez que o decreto implicitamente
se baseava num inaceitável principio:
Que ao poder civil compete legislar sobre Seminários sem a menor
contemplação e inteligência com a autoridade Eclesiástica; supõe o Decreto
que ao Governo civil cabe o direito de instituir e reformar os Seminários,
mudar o programa dos estudos; (art. 1º.) regular as condições de admissão dos
professores; (art. 2º., 3º., 4º., 5º.) demiti-los quando bem lhe aprouver; (art. 8º.)
inspecionar os compêndios por que lecionam, (art. 14) o que equivale pouco
mais ou menos a secularizar estes estabelecimentos, e sujeitá-los ao contraste e
direção dos poder civil, sem a menor atenção à jurisdição do Episcopado, que
sofre destarte, contra as intenções do Governo Católico de Vossa Majestade
Imperial, mais um golpe em seus sagrados direitos, mais uma ofensa em suas
dignidade81.
D. Macedo deixava claro que ao Governo não cabia reformar os
Seminários, mas somente fornecer aos bispos os meios materiais para essas
reformas. Para ele, no fundo, o que estava em questão não era
«precisamente os Seminários: é a liberdade da Igreja» e que esta «alavanca
de demolição empregada contra a autoridade eclesiástica» não tardaria a
voltar-se contra toda a autoridade instituída82.
A segunda proposição do prelado era que o decreto não fazia jus aos
intuitos de favorecer a Igreja, proclamados pelo alvará de 10 de maio de
1805, que instituía que fosse respeitada e adotada a legislação do Concílio
Ecumênico de Trento em relação aos Seminários episcopais. No
desenvolver dessa proposição criticava duramente as modificações no
currículo dos Seminários feitas pelo Governo, e a «liberdade» que se dava
aos bispos de abrir novas cadeiras com a «minguada côngrua de $300 por
mês», côngrua, que segundo D. Macedo, «era inferior aos ordenados e
—————————–
80
A. MACEDO COSTA, «Memória» em A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 51-52.
81
A. MACEDO COSTA, «Memória» em A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 60.
82
A. MACEDO COSTA, «Memória» em A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 61-62.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 491

emolumentos de muitos empregados subalternos das Repartições do


Estado». Defendia uma conveniente dotação dos Seminários, que não podia
estar «senão a cargo do Estado». Para isso propunha inclusive a utilização,
e até mesmo a conversão em apólices da dívida pública, de «uma parte dos
bens de algumas Congregações religiosas», mediante Concordata com a
Santa Sé83.
A terceira proposição era que o decreto feria e humilhava os clérigos
professores dos Seminários:
Fere-o e humilha-o, primeiramente porque, sendo esses professores pela
natureza mesma de seu ministério empregados eclesiásticos escolhidos e
nomeados pelos seus Prelados entre os membros mais conspícuos do clero
para dirigirem, sob os olhos dos mesmos Prelados, a obra mais importante,
mais capital que se acha a cargo da solicitude pastoral, são pelo Decreto
resvalados à condição de meros empregados públicos ou funcionários do
Estado, sujeitos como os empregados das Alfândegas e das Secretarias à
jurisdição imediata do governo, e podendo ser por ele destituídos
imediatamente por uma simples comunicação feita aos Prelados de que não
convêm continuem a lecionar, como vem expresso no art. 8º do Decreto. Fere-
o e humilha-o porque priva o ensino religioso da liberdade e independência
que deve ter em um país católico e livre84.
Em 24 de outubro de 1863, o Marquês de Olinda respondeu ao prelado
do Pará por meio de um aviso, enviando também cópias de outros avisos
dirigidos a outros dois bispos. Quem informa sobre isso é o próprio D.
Macedo em sua resposta ao aviso citado, sem, contudo, informar quais
fossem os outros dois prelados. Muito provavelmente, um deles era D.
Viçoso, bispo de Mariana. O Marquês de Olinda acusava o bispo do Pará
de ter feito uma imputação gratuita, «uma acusação tão grave e quanto
injusta». Segundo o Marquês, o Governo não tinha a «sacrílega pretensão
de ingerir-se no ensino dos seminários, no Governo da Igreja», que a Igreja
no Brasil não estava e nunca esteve sujeita ao Governo e que, com o
decreto, não se queria «intrometer-se na administração dos seminários».
Defendia que era um direito do Estado inspecionar tais casas de formação
para garantir que não tivessem disposições contrárias as leis85.
D. Macedo Costa não deixou de responder a este aviso e o fez em 10 de
janeiro de 1864. Às afirmações do Ministro de que o Governo não se
ingeria no governo da Igreja deu, como prova contrária, várias citações de
D. Romualdo Seixas, antigo Arcebispo da Bahia e homem público muito
—————————–
83
A. MACEDO COSTA, «Memória» em A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 67-70.
84
A. MACEDO COSTA, «Memória» em A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 70-71.
85
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 88-106.
492 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

respeitado, tanto pela Igreja quanto pelo Estado. Depois fez uma breve
relação de várias decisões do Governo que feriam a liberdade e
independência da Igreja, do placet ilimitado (disciplinar e dogmático), e a
proibição da entrada de noviços nos conventos. Questionou o amplo direito
que se queria dar à inspeção do Estado nos Seminários e, ante a afirmação
que o Governo não queria intrometer-se na administração desses institutos,
ironicamente exclamava:
Como pode o Governo examinar os compêndios teológicos e canônicos dos
Seminários, marcar a maneira de escolher os professores dos Seminários,
julgar da conveniência ou inconveniência das doutrinas ensinadas nos
Seminários, prescrever a duração do tirocínio e os estatutos que para cada uma
das ordens devem fazer os alunos dos Seminários, como pode o governo, digo,
fazer isto e por depois a mão na consciência e dizer muito tranqüilo: Eu não
me intrometo nos Seminários!
Não, Exmo. Sr., não é possível; ou então fora mister renunciar à linguagem
humana; fora mister dizer que os termos têm perdido todo o seu valor lógico e
que não há mais meio de nos entendermos uns aos outros86.
A conclusão de D. Macedo, depois de suas argumentações, não podia ser
outra senão a seguinte: «Esse decreto nos oprime, Sr. Ministro, sim, nos
oprime, porque reduz-nos à necessidade, não de resistir, mas de ficar
inativos e opor a um governo a quem amamos aquela sempre penosa ainda
que muitas vezes necessária palavra dos Apóstolos: Non possumus»87.
Em 27 de janeiro de 1864, D. Macedo Costa escreveu uma carta à Santa
Sé, referindo as intenções do Governo em relação à administração dos
Seminários e informando sobre a Memória, que enviara ao Monarca
defendendo a liberdade episcopal na administração das casas formativas
diocesanas88.
Tal carta levou a Santa Sé a pedir ao Internúncio um relatório completo
sobre a situação, com o envio dos respectivos documentos relevantes89.
Mons. Sanguini cumpriu as ordens e, em 23 de junho de 1863, mandou
cópias do decreto n. 3.073 e da circular do Ministro do Império de 12 de
maio de 186390.
—————————–
86
A. MACEDO COSTA, «Resposta ao Marquês de Olinda», em A. A. LUSTOSA, Dom
Macedo Costa, 88-106.102.
87
A. MACEDO COSTA, «Resposta ao Marquês de Olinda», em A. A. LUSTOSA, Dom
Macedo Costa, 106.
88
AES, Br., Carta de D. Antônio Macedo Costa, 27 de janeiro de 1864, fasc. 182,
pos. 143, f. 125r-126v.
89
AES, Br., Dispaccio, 30 de maio de 1864, fasc. 182, pos. 143, f. 128r-128v.
90
AES, Br., Officio, 23 de julho de 1864, fasc. 182, pos. 143, f. 133r-135r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 493

Em um ofício de 19 de abril de 1865, Mons. Sanguini informou sobre


outro documento, que ele chamava de Memórias, e que foi redigido em
comum acordo entre os bispos do Pará e Rio Grande do Sul na sua
residência de Petrópolis, e sucessivamente entregue ao Imperador. Dizia ter
recebido uma cópia que fora enviada por D. Macedo depois da sua chegada
à respectiva sede episcopal e que agora enviava uma tradução da mesma à
Secretaria de Estado. Comunicava ainda, que a situação em relação às
medidas governamentais para com os Seminários estava parada devido aos
«ataques injustos» sofridos pelo Brasil por parte da República do
Paraguai91.
Nas Memórias, os bispos defendiam que era impossível a existência de
moral e religião onde não existisse um clero moralizado e instruído, e que
para se ter um bom clero eram necessários bons Seminários, fundamentais
para a «regeneração» da Igreja brasileira. Esclareciam que com exceção de
dois ou três desses institutos de formação, os demais estavam longe de
realizar as «pias intenções da Igreja». Os defeitos estavam na organização
de tais casas formativas, nos métodos empregados para a educação do
clero, sendo o maior deles o magistério externo. Argumentavam que era
necessário que fossem administrados por um certo número de «homens,
cheios do Espírito do Senhor», totalmente dedicados a tais instituições,
morando no próprio estabelecimento e acompanhando, uniformemente, a
formação «intelectual, moral e material» dos seminaristas. Asseguravam ao
Governo que os bispos não conseguiriam encontrar na Europa bons reitores
e diretores para os Seminários se não se garantisse as condições de
encarregá-los de nomear bons professores para as cátedras que fossem
ficando vagas, não vislumbrando, por conseguinte, outro meio de reformar
tais instituições, senão dando o Governo total liberdade aos bispos para
introduzirem os melhoramentos referidos92.
Os prelados propunham que fosse estabelecido, por meio de decreto,
uma soma de 10.000$000 – que era o que normalmente se passava as casas
de formação diocesanas, como no caso do de São Paulo – a qual ficaria a
total disposição dos bispos, para a dotação dos seus Seminários. Estes
teriam a obrigação de prestar contas, ou no lugar deles o reitor,
demonstrando anualmente como tinha sido empregado o dinheiro. Deste
modo, os prelados, prudentemente e «docemente», na medida que fossem
ficando vagas às cátedras, estabeleceriam professores internos. O
magistério interno possibilitaria uma economia de fundos que poderiam ser
—————————–
91
AES, Br., Officio, 19 de abril de 1865, fasc. 182, pos. 143, f. 148r-149r.
92
AES, Br., Tradução da Carta de D. Macedo ao Núncio e das Memórias, 12 de
março de 1865, fasc. 182, pos. 143, f. 151r -153r.
494 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

usados para aumentar o número de cátedras, restaurar os edifícios e manter


alguns alunos pobres93.
Este último ponto, segundo o documento, merecia especial atenção do
Governo, pois: «Per avere un numero d’alunni nei nostri Seminari in
relazione ai bisogni delle nostre Diocesi, fa mestieri dare l’entrata gratuita
ai molti giovanetti poveri, poiché tra noi principalmente nell’attuale stato
della società, la vocazione al Sacerdozio si trova in detta classe»94.
O decreto 3.073, como muitos outros decretos imperiais, caiu no
esquecimento. No entanto, após os anos conturbados da Questão Religiosa,
e com o progressivo desgaste das relações entre parte do episcopado,
(principalmente em relação a D. Macedo Costa) e o Governo, este último
acabou ordenando, em 23 de novembro de 1877, a execução do decreto
sobre a uniformização dos Seminários, dando o espaço de seis meses para
que se abrissem concursos para o provimento às cátedras subsidiadas pelo
Governo95.
O Arcebispo D. Joaquim Gonçalves de Azevedo, em 9 de janeiro de
1878, enviou uma carta ao Internúncio, consultando-o sobre como agir.
Ele pedia que fosse requerida à Santa Sé um parecer sobre os seguintes
quesitos que propunha: 1º. Se, devido ao subsídio estatal, o Governo tinha
o direito de impor condições sobre o modo de provir às cátedras e se os
bispos poderiam aceitar tais condições ou recusá-las, mesmo correndo o
risco de perder o subsídio; 2º. Se o decreto 3.073 continha alguma
disposição que poderia estar oposta aos Sagrados Cânones e à disciplina
eclesiástica; 3º. Se caso as respostas aos dois quesitos anteriores estivessem
a favor do Governo, não seria prudente e necessário, para se defender a
independência da Igreja, confirmar o decreto com uma lei diocesana que
lhe desse legitimidade96.
O Arcebispo escreveu novamente ao Internúncio em 15 de janeiro de
1878, perguntando como ele deveria se comportar até que chegasse a
resposta de Roma97. O representante pontifício respondeu, em 3 de
fevereiro, informando-o que já havia tido uma conferência com o Ministro
do Império, Carlos Leôncio de Carvalho (1847-1912), em que lhe declarara

—————————–
93
AES, Br., Tradução da Carta de D. Macedo ao Núncio e das Memórias, 12 de
março de 1865, fasc. 182, pos. 143, f. 153v.
94
AES, Br., Tradução da Carta de D. Macedo ao Núncio e das Memórias, 12 de
março de 1865, fasc. 182, pos. 143, f. 153v-154.
95
AES, Br., Cópia da Circular de 23 de novembro de 1877, fasc. 3, pos. 174, f. 12r-
12v.
96
AES, Br., Officio, 13 de março de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 7r-8r.
97
AES, Br., Officio, 13 de março de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 8r-8v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 495

que os Seminários eram da competência exclusiva dos bispos, além de


pedir que ele se «esquecesse» da circular de 23 de novembro de 1877, e
deixasse os prelados em total liberdade neste assunto. O Ministro prometeu
analisar a questão com a devida consideração98.
O Internúncio ordenou, então, ao Arcebispo, que esperasse o prazo de
seis meses dado pela circular, após o que, se não houvesse um recuo na
decisão governativa, nos últimos dias do prazo deveriam os bispos escrever
ao Governo comunicando que não podiam cumprir com o que dispunha a
Circular e argumentar que faltando a subvenção estatal eles enfrentariam
grandes dificuldades para conservarem abertos os Seminários e que as
dioceses e o Império muito perderiam se os prelados fossem obrigados a
fechar tais casas formativas, despedir os professores e mandar retirar os
alunos, sendo muitos deles paupérrimos. Instruía, também, ao Primaz de
terminar o referido documento pedindo que, além da revogação do decreto,
fosse entregue aos prelados diocesanos uma soma anual suficiente para se
pagar os professores das cátedras que julgassem oportuno criarem-se nos
respectivos Seminários, prometendo em contrapartida aceitar um certo
número de alunos pobres que estudariam gratuitamente99.
Esta questão foi submetida à Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos Extraordinários100, que se reuniu em Sessão n. 451, em 23 de
maio de 1878, nas acomodações do Secretário de Estado Mons. Alessandro
Franchi. Estavam também presentes os cardeais De Luca, Ledochowski,
Partolini, Franzelin, Consolini, Nina, Czacki, Asquini e Panebianco. Eles
deram o seguinte parecer: 1º. Aprovaram as instruções dadas pelo
Internúncio ao Arcebispo; 2º. Responderam negativamente aos quesitos
apresentados pelo Arcebispo; 3º. O Internúncio deveria procurar: a) que o
episcopado fosse compacto em não executar a lei; b) que tentasse explicar
ao Governo a razão da resistência dos bispos; c) caso o Governo não
cedesse, que o Internúncio tentasse convencê-lo a entrar em negociações
com Roma, mantendo o «principio que as leis pront jacet» não podiam ser
executadas; 4º. Se o Governo cortasse o subsídio, que os bispos não
fechassem os Seminários, mas procurassem o socorro dos fieis para manter
pelo menos as cátedras indispensáveis, e se caso não fosse possível que
todos eles continuassem abertos, «ne salvino quanti se ne potranno salvare
—————————–
98
AES, Br., Carta do Internúncio ao Arcebispo, 3 de fevereiro de 1878, fasc. 3, pos.
174, f. 15r-15v.
99
AES, Br., Carta do Internúncio ao Arcebispo, 3 de fevereiro de 1878, fasc. 3, pos.
174, f. 15v-16v.
100
AES, Br., Relazione Brasile: Decreto e Circolare del Governo Imperiale sulle
Cattedre dei Seminari da Lui Sussidiate, 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 20r-25v.
496 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

– Meglio sarebbe di averne meno, ma liberi dalla Schiavitù in cui si vuole


assoggettarli»101.
Estas instruções foram enviadas por um despacho ao Internúncio Mons.
Cesare Roncetti, que estava para deixar o país e outra cópia a Mons.
Andrea Aiuti, o Encarregado que estava a caminho do Brasil. A este
também foi enviado um resumo da questão até aquele momento,
instruindo-o que receberia mais informações ao se encontrar com Mons.
Roncetti no Rio de Janeiro. Ao receber o despacho da Santa Sé, Mons.
Roncetti informou ao Arcebispo a respeito das instruções que recebera e
pediu que ele informasse aos bispos que resistissem ao decreto «compactos
e unidos». Foi, também, imediatamente explicar ao Governo o porque da
oposição do episcopado ao decreto102.
Após o vencimento do prazo de seis meses, o Encarregado Mons.
Andrea Aiuti, recebeu a notícia que os presidentes das províncias do Pará e
do Ceará tinham se negado a repassar a verba destinada às cátedras
subsidiadas pelo Governo por não se terem dado excussão, por parte dos
bispos, à Circular de 23 de novembro de 1877. O representante pontifício
procurou imediatamente o Ministro do Império, que ao vê-lo entrou
diretamente no assunto. O enviado pontifício tentou de todas as maneiras
convencer o Ministro da impossibilidade material de se por em execução o
decreto, não existindo pessoal adequado para a realização dos concursos
exigidos e que os bispos nunca poderiam aceitar uma Circular pront jacet,
que era lesiva a autoridade diocesana nos seguintes pontos: 1 – Com a
desculpa de querer uniformizar o ensino nos Seminários, o Governo
interferia no ensinamento, designando as cátedras que deveriam ser
subsidiadas sem um prévio acordo com os bispos, que conheciam e
deveriam determinar as matérias necessárias; 2 – Mesmo deixando aos
bispos o direito de nomear professores, queria regular as regras do
concurso, porém, neste caso com prévia consulta aos diocesanos; 3 – O
direito do Estado de interferir demitindo, ou cortando o pagamento, de
professores das cátedras subsidiadas103.
O Ministro respondeu com outras duas observações: 1 – Que mesmo
parecendo, pelo que dizia o enviado pontifício, que os bispos tinham razão
em refutar o decreto, não se podia negar que o Governo, gastando uma
considerável soma para sustentar algumas cátedras dos Seminários, tinha o
direito de verificar que o emprego de tal verba estava correspondendo ao
—————————–
101
AES, Br., Sess. N. 451 della S. Congregazione degli Affari Ecclesiastici
Straordinari, 23 de maio de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 27r-33v.
102
AES, Br., Officio, 1 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 37r-37v.
103
AES, Br., Officio, 1 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 38r-39v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 497

que tinha sido designado; 2 – Que se deveria reconhecer que as cátedras


escolhidas pelo decreto eram ótimas e necessárias, que também as eram as
regras do decreto e que, em algumas circunstâncias, seria conveniente à
expulsão de algum professor104.
Logicamente, Mons. Aiuti não deixou o Ministro sem resposta,
argumentando que não se negava ao Governo o direito de se assegurar do
correto emprego do seu dinheiro, mas não do modo que estava sendo feito,
pois significava uma usurpação dos direitos da Igreja. Tal humilhação não
poderia ser paga com miseras côngruas, além do mais, estas eram
provenientes dos dízimos que no Brasil eram pagas ao Estado e não à
Igreja. Contra-argumentou ainda que não se discutia a necessidade e a
conveniência de tais intenções do Governo com o decreto, se contestava o
direito de agir do mesmo, impondo e operando unilateralmente. Os bispos
deveriam agir como regulava o Concílio de Trento, que os obrigavam em
consciência a resistir à execução do decreto. Terminou insinuando ao
Ministro que negociasse com Roma e garantindo que os bispos fariam de
tudo para manter os Seminários, mesmo sem os subsídios do Governo, pois
pediriam ajuda aos fieis. O Internúncio repetiu ao Ministro do Exterior os
mesmos argumentos, quando se reuniu com ele105.
Alguns dias depois, o Governo, na tentativa de confundir Mons. Andrea
Aiuti, publicou no Jornal do Comércio um despacho no qual o Ministro do
Império Leôncio de Carvalho respondia a algumas dúvidas do Presidente
da Província de Mato Grosso. As dúvidas eram: 1º – Se o tesouro
provincial deveria continuar dando o subsídio e 2º – Que as cadeiras de
filosofia racional e moral tinham sido preenchidas em 1873, pelo antigo
bispo, com concurso conforme a lei. Perguntava se estas duas cadeiras
deveriam continuar recebendo o subsídio. A resposta do Ministro foi que se
continuasse pagando a subvenção governativa não só para as duas cátedras
concursadas, mas também para as outras. O Internúncio, apesar de ter
achado este despacho «ridículo e contraditório», informou a Santa Sé que
ele poderia ser uma tentativa de dar aos bispos um exemplo e, para ele, um
prova de que «basta un atto qualunque di soggezione e obbedienza da
parte dei Vescovi perché senz’altro il Governo ordini il pagamento delle
Cattedre sussidiate»106.
No mesmo ofício informava que se encontrara com o Presidente dos
Ministros, e que ele ironicamente lhe disse «sorrindo» que não tinha outro
remédio para a questão senão recorrer a Roma, e perguntou: «mas como é
—————————–
104
AES, Br., Officio, 1 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 39v-43v.
105
AES, Br., Officio, 1 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 39v-43v.
106
AES, Br., Officio, 10 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 44r-46v.
498 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

que o bispo de Cuiabá fez os concursos para as cátedras? Ele agiu mal e
contra os S.S. Cânones?». O Internúncio respondeu que não era sua função
julgar o operato do defunto bispo de Cuiabá, mas sim demonstrar ao
Governo a razão porque o episcopado atual estava se opondo a execução do
decreto. O Ministro, depois de dizer que as observações do Internúncio
eram justas, revelou quem o ministério realmente queria atingir com a
circular de 13 de novembro de 1877107.
O Ministro iniciou a fazer duras críticas à D. Antônio Macedo Costa e a
descrever as «gravíssimas» acusações levadas ao ministério contra referido
prelado, como: excitar o partido conservador contra o liberal; buscar votos
para a cadeira vaga de senador pela província de Amazonas, com o objetivo
de hostilizar o Governo no Senado; dirigir constantemente duras críticas ao
Governo e, especialmente, ao atual Gabinete. Segundo Mons. Aiuti o
Ministro «assicurò che tutto ciò era stata l’unica e vera causa per cui il
Governo fino ad ora aveva insistito nel volere eseguire la Circolare»108.
O ministério queria atingir os bispos que não recuavam na defesa da
liberdade da Igreja perante o Estado. O Ministro pediu ao Internúncio que
alguma autoridade superior a D. Macedo lhe recomendasse calma e
prudência, inclusive para evitar os «molti e gravi mali ai quali va
incontro». O Encarregado defendeu o bispo do Pará e declarou que não
tinha autoridade para escrever-lhe uma carta em tal sentido. No entanto,
preocupado com as acusações contra o prelado paraense, interrogou o
Padre Giuseppe dell’Orto di Dolce Acqua, Comissário da Terra Santa na
capital, que recentemente tinha voltado da província amazônica, onde havia
se encontrado com D. Macedo, empenhado em uma visita pastoral naquela
região. O pe. Giuseppe afirmou que várias das informações eram
verdadeiras e que ele mesmo havia presenciado, ou ouvido de pessoas
«dignas», os fatos relatados pelo Ministro109.
O Internúncio pediu instruções à Santa Sé, indagando se deveria chamar
o bispo à prudência110. Recebeu como resposta que o ministério já mostrava
sinais de abertura, com intenção de resolver a situação. Afirmava que a
Santa Sé teria prazer em resolver esta situação, mas que só pediria aos
bispos para acalmarem a sua oposição ao Governo se a circular fosse
anulada111.

—————————–
107
AES, Br., Officio, 10 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 46v-47r.
108
AES, Br., Officio, 10 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 46v-47r.
109
AES, Br., Officio, 10 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 47v-48v.
110
AES, Br., Officio, 10 de agosto de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 48r.
111
AES, Br., Dispaccio, 16 de setembro de 1878, fasc. 3, pos. 174, f. 50r-51r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 499

Enquanto a Santa Sé mantinha a esperança de que o Governo abrisse


uma negociação direta com ela, o Encarregado continuou a encontrar-se
com o Ministro do Império na tentativa de resolver a situação112. O
Governo acabou cedendo e, por volta de abril de 1879, os ordenados dos
professores dos Seminários voltaram a ser pagos. A mudança aconteceu
devido à firmeza dos bispos, da Santa Sé e do enviado pontifício, que
mantiveram suas posições frente ao Estado. A notícia sobre a retomada do
pagamento dos subsídios dos professores chegou ao Encarregado de
Negócios, Mons. Luigi Matera, por meio de uma carta enviada pelo bispo
D. Macedo, em 25 de abril de 1879, na qual logo no início ele comunicava
as «boas e agradáveis novas»:
Acaba enfim de enviar-me o Sr. Ministro um Aviso comunicando-me que
S. M. o Imperador mandou que se propusessem os Lentes, para se mandarem
fazer efetivos os pagamentos de seus vencimentos, não obstante não se ter
feito o concurso. O documento veio sob o epigrafe – Reservado – mas como
esta reserva é só em relação a Ganganelli [Saldanha Marinho], eu aqui envio a
V. Exma uma cópia para seu governo. As coisas aqui estão calmas e parecem
querer entrar em melhor caminho113.
Neste caso a Igreja e os bispos conseguiram uma vitória e ela veio por
meio da resistência passiva. Os prelados resistiram, com o apoio da Santa
Sé, mesmo sendo privados dos subsídios as cátedras de alguns Seminários.
Valeu: o Governo recuou e tudo voltou ao normal, ficando os diocesanos
livres na administração e escolha dos professores. No entanto, a Igreja
mandou o claro sinal: era melhor ser livre e pobre que subsidiada e servil.

2.2. A grande ruptura


A extensa historiografia sobre a Questão Religiosa, muitas vezes
condicionada pela escola do autor ou pelas circunstâncias em que foi
interpretada, não raro se desenvolveu privilegiando certos aspectos em
detrimento de outros. Inicialmente, os personagens de tal acontecimento e
suas testemunhas contaram a historia defendendo os próprios
posicionamentos na querela. Este tipo de interpretação continuou ainda por
décadas posteriores ao fato. Em seguida, os pontos de vistas variaram de
acordo com os interesses de quem fazia os questionamentos históricos,
dando relevância a aspectos diversos, tais como: políticos, eclesiásticos,
jurídicos ou diplomáticos. Estranhamente, a corrente marxista, tão
—————————–
112
AES, Br., Officio, 27 de abril de 1879, fasc. 4, pos. 177, f. 70v-71r.
113
AES, Br., Carta de D. Macedo ao Internúncio Luigi Matera, 25 de abril de 1879,
fasc. 7, pos. 189, 43r.
500 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

interessada nos processos econômicos da história, não produziu um


trabalho que analisasse este particular da Questão Religiosa, que
certamente existiu, como se verá por meio de alguns indícios que serão
aqui apresentados. Esta omissão provavelmente resulta da prevenção que
muitos deles sentiam em relação à história eclesiástica. É importante,
também, ressaltar a interpretação feita a partir dos protestantes, apresentada
por David Gueiros Vieira114.
Pode-se afirmar que o conflito mencionado foi fruto de uma conjuntura
histórica em que pesaram elementos vários, vindo a envolver praticamente
todos os aspectos da sociedade imperial da segunda metade do século XIX.
Mesmo os estratos mais profundos sentiram os reflexos de uma querela
político-jurídico-religiosa, que superou a intelectualidade ultramontana,
regalista, maçônica e liberal. O regalismo, como se viu anteriormente, criou
empecilhos vários para o desenvolvimento da Igreja no Império, tendo
encontrado seu contraponto no ultramontanismo, que, superando
dificuldades de todo gênero, impôs uma outra orientação ao clero e às
associações laicais católicas no Brasil. A impossibilidade de conciliar
modelos eclesiais tão contrastantes, redundaria no embate entre a Igreja e o
Estado, mas contaram também motivos outros que, malgrado não sejam
omitidos, normalmente se reduzem a meros acenos na maioria das obras
sobre o tema.
Como foi analisado sucintamente ao longo do segundo capítulo, no
tocante ao desenvolvimento político-eclesiástico do Império, eram os
grupos oligárquicos, de prestígio religioso ou intelectuais que influíam
diretamente no Governo Imperial. Entretanto, no mesmo capítulo ficou
demonstrado que no início da década de 1870, aconteceram profundas
transformações em tais grupos. Para ser mais preciso, o divisor de águas

—————————–
114
Cf. A. MACEDO COSTA, A questão religiosa perante a Santa Sé; IDEM, Direito
contra Direito; V. M. G. DE OLIVEIRA, Abrégé historique de la question religieuse du
Brésil; F. GUERRA, A questão religiosa do Segundo Império; J. SALDANHA MARINHO, A
Igreja e o Estado; ID., O julgamento do bispo de Olinda; J. NABUCO, O partido
Ultramontano, suas incursões, seus órgãos e seu futuro; ID., A invasão ultramontana; J.
MONTE CARMELO, O Brasil mistificado na questão religiosa; ID., O Brasil e a Cúria
Romana ou análise e refutação do Direito contra direito; D. G. VIEIRA, O
Protestantismo a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil; A. M. REIS, O bispo de
Olinda Perante a História, A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa; J. LEMOS, D. Pedro de
Maria Lacerda; E. V. MORAIS, O Gabinete Caxias e a anistia aos bispos na «questão
religiosa»; A. C. VILLAÇA, História da Questão Religiosa; R. OLIVEIRA, O conflito
maçônico-religioso; J. CASTELLANI, Os maçons e a questão religiosa, N. PEREIRA, Dom
Vital e a questão religiosa no Brasil. Outras indicações bibliográficas serão
apresentadas durante a exposição do tema ou na bibliografia final [ndr].
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 501

apontado foi o Gabinete do Visconde do Rio Branco, sob o qual,


coincidentemente, eclodiu a Questão Religiosa115.
Todas as mudanças advindas na segunda metade do século XIX, criaram
demandas que a Coroa não era capaz de suprir. A Questão Militar, gerada
após a Guerra do Paraguai, a insatisfação dos latifundiários ante a gradual
abolição da escravidão, abalaram as bases de sustentação do sistema
imperial no Brasil. A busca de uma ampliação da representatividade por
parte dos bacharéis e dos profissionais liberais em detrimento dos
magistrados também gerou uma rediscussão e reorganização partidária. Foi
então que, em 3 de dezembro de 1870, um grupo de políticos, duvidando da
possibilidade de realizar reformas dentro do velho regime, lançou o
Manifesto Republicano, clamando pela mudança do sistema político
brasileiro. As discussões, no entanto, não ocorriam somente a nível
partidário. O borbulhar de idéias e demandas sociais favoreceu, em
particular, uma instituição, que ganhou evidência: a Maçonaria. Isso
aconteceu, sobretudo, quando um dos seus líderes, que não era outro senão
o citado Visconde do Rio Branco, assumiu a presidência do Conselho de
Ministros do Império. Paradoxalmente, a instituição maçônica que o
sistema imperial estava para privilegiar no embate com a Igreja, era
justamente aquela na qual muitos dos seus membros tramavam pela queda
do Trono116.

2.2.1. A maçonaria no Brasil


A sociedade secreta maçônica granjeou grande influência no Brasil, a
começar por alguns dos vultos pro-independência. Para angariar status,
com maior ou menor convicção pelo seu ideário, inúmeras personalidades
da política, das forças armadas, das classes produtoras, da cultura e mesmo
—————————–
115
Sobre estes pontos da questão se convida o leitor a consultar os capítulos
precedentes [ndr].
116
O primeiro signatário do famoso Manifesto Republicano acima mencionado foi
justamente o grão-mestre Joaquim Saldanha Marinho. Outros 57 personagens
conhecidos também o firmaram e, dentre eles, a presença de membros das «grandes
lojas» era vistosa. Entretanto, dito documento sofreria severas críticas de estudiosos
posteriores. José Maria Bello, por exemplo, deixou sobre ele um parecer nada generoso:
«É um documento sem grande vibração emocional. O problema básico da escravatura,
essência do Império, é cuidadosamente evitado, decerto para não irritar os escravocratas
paulistas e fluminenses. Talvez por isso mesmo, mostra-se medíocre a capacidade de
proselitismo dos republicanos. São elementos muitos precários de propaganda os
pequenos e quase sempre insignificantes jornais e clubes republicanos que se fundam
por todo o país. Não se destacam os primeiros deputados republicanos que chegam ao
parlamento» (J. M. BELLO, História da República, 15).
502 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

do clero filiaram-se a ela. É lícito supor, contudo, que nem todos os


membros das «grandes lojas» partilhavam do antagonismo básico que, no
ideário da maçonaria, existia a respeito da concepção de Deus e da doutrina
católica. Do mesmo modo, tampouco boa parte deles estaria suficiente ou
essencialmente instruídos na doutrina pregada pela Igreja e, muito menos,
seriam considerados praticantes117.
A maçonaria, como todas as principais instituições existentes na
monarquia, foi influenciada e influenciou os reveses políticos e sociais da
história imperial. No início da Regência, os maçons se dividiram em dois
setores: um restaurador, dirigido pelo tutor de D. Pedro II, José Bonifácio,
denominado Grande Oriente do Brasil118, e o outro, o Grande Oriente
Nacional Brasileiro, liderado pelo senador Nicolau Vergueiro119, que foi
pró-abdicação de D. Pedro I e opositor de Bonifácio. As divergências entre
as duas Obediências acabaram por estabelecer um quadro de generalizada
confusão na estrutura organizacional maçônica e a fundação de várias lojas
sem qualquer controle. Contudo, foi justamente em meio a essa turbulência
que o Grande Oriente do Brasil adquiriu uma estrutura administrativa
própria, processo que culminou com a elaboração da Constituição
Maçônica de 1855. Por essa constituição, o Grande Oriente do Brasil se
definia como o único centro da autoridade maçônica e supremo legislador e
regulador da Ordem no Império, admitindo todos os ritos maçônicos
reconhecidos que não se afastassem dos princípios gerais da Ordem120. Ou
seja, o Grande Oriente decidiu estabelecer o monopólio do movimento
maçônico no Império, tendo razoável sucesso até 1863121.
A medida que alguns membros da maçonaria iam chegando aos postos
de governo, passavam a defender uma posição «apolítica» para a
instituição. Entre eles pode-se citar Honório Hermeto Carneiro Leão,
Miguel Calmon, Antônio Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque,
Alves Branco, José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco) e
Joaquim José Rodrigues Torres. A efervescência partidária ao final dos
anos cinqüenta e nos sessenta, trazendo para a cena política novos grupos e
novas demandas políticas e sociais, refletiu na maçonaria, que em 1863,
quando estava sob o grão-mestrado do Visconde de Cairu, se dividiu

—————————–
117
M. C. LIMA, Breve História da Igreja no Brasil, 127-128.
118
Cf. Manifesto do G:. O:. B:. a todos os GG:. OO:. GG:. LL:. LL:. RR:. e MM.: de
todo o mundo.
119
Cf. Manifesto que a todos os sap.:. GG:. OO:., AA:. LL:. e Resp:. MM:. dos dois
mundos dirigi o Gr:. Or:. Brasileiro ao Vale do Passeio no Rio de Janeiro.
120
Constituição do Grande oriente do Brasil, 1855, art. 1º.
121
A. M. BARATA, Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira, 65-67.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 503

novamente. Sete lojas, com aproximadamente mil e quinhentos membros,


formaram uma nova Obediência, o Grande Oriente [da rua] dos
Beneditinos, e elegeram para grão-maestro Joaquim Saldanha Marinho,
político e jornalista bastante conhecido por suas posições anticlericais e
pela defesa do regime republicano. A outra facção passou a ser conhecida
como Grande Oriente [da rua] do Lavradio e reunia no seu seio
principalmente conservadores moderados, liberais moderados e regalistas
convictos122.
O Grande Oriente dos Beneditinos recebia grande influência da
maçonaria francesa e não aceitava a idéia que identificava a Maçonaria
exclusivamente com a filantropia, razão pela qual advogava uma atuação
mais vigorosa e política dos seus membros em defesa do racionalismo, da
liberdade de consciência, do casamento civil, do ensino laico e, enfim, dos
principio caros à «modernidade». O Grande Oriente do Lavradio estava
identificado com a corrente inglesa e, em dezembro de 1871, sob o grão-
mestrado do Visconde do Rio Branco, foi publicado no Boletim do Grande
Oriente do Brasil, uma resolução na qual se estabelecia o fechamento de
todos os templos a maçons do Grande Oriente da França, ou daqueles que
reconhecessem a supremacia deste123.
Apesar das divergências, as duas obediências se uniram para enfrentar
um inimigo comum: o ultramontanismo. Esta união ocorreu de fato, por um
período breve, de maio a setembro de 1872, fundindo-se os dois Orientes
no Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil. No entanto, as
diferenças políticas entre os dois grupos e a derrota do Visconde do Rio
Branco no pleito para a escolha do Grão-Mestre da nova Obediência
unificada, provocou o fim da efêmera união. Somente em 1883 a maçonaria
brasileira se unificaria novamente124.
Apesar do seu caráter secreto-fechado, a maçonaria acabou por refletir
suas intenções pela conjuntura e pelos interesses vividos pelos filiados que
tinha. Baseando-se nisso, se pode perceber, no início dos anos de 1870, a
diferença entre as duas Obediências, pelas diferenças entre seus líderes.
Saldanha Marinho foi um dos signatários do Manifesto Republicano de
1870, enquanto Rio Branco ocupava a Presidência do Conselho de
Ministros e foi considerado, por alguns historiadores, como o principal
responsável pela recuperação do prestígio da Monarquia, após os abalos
sofridos com a Guerra do Paraguai. A Questão Religiosa deu sim, à
maçonaria, uma maior união contra o inimigo comum, contribuindo para
—————————–
122
A. M. BARATA, Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira, 67-70.
123
Boletim do Grande Oriente do Brasil ao vale do Lavradio, dez., 1871 (1), 15.
124
A. M. BARATA, Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira, 69-71.
504 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

uma mobilização mais efetiva de toda a organização maçônica, por meio do


Parlamento e da imprensa, porém, não eliminou a diferença no discurso dos
seus grãos-mestres125.
Do ponto de vista de Rio Branco, a sociedade maçônica se apresentava
como «apolítica», fundamentalmente filantrópica e, diversamente de suas
congêneres européias, não avessa à religião. Para ele a Questão Religiosa
teria se resumido ao antagonismo entre maçonaria e ultramontanismo,
sendo que este último veio interromper a «harmonia» que antes reinava
entre as duas instituições126.
Segundo Alexandre Mansur Barata: «na realidade, ao se destacar o
caráter apolítico e beneficente da Ordem maçônica e a sua relação
“harmoniosa” com o Estado e com a Igreja, procurava-se fortalecer as
concepções regalistas que encontravam aprovação da maioria dos membros
do Conselho de Estado e do Imperador»127.
Joaquim Saldanha Marinho, por sua vez, tinha um pensamento mais
próximo ao liberalismo clássico, defendendo que a liberdade de
consciência era incompatível com o regime confessional de governo.
Contraditoriamente, porém, atacou impavidamente a liberdade de
consciência dos católicos, ao tempo em que procurava demonstrar a
necessidade da maçonaria lutar pela laicização da vida pública. Segundo
ele, a maçonaria não podia permanecer indiferente aos interesses que
contribuiriam para «o bem estar geral da humanidade» e, partindo desse
pressuposto, defendia a liberdade do ensino, o casamento civil, a
secularização dos cemitérios e a liberdade de cultos. Daí os projetos que
enviou ao Parlamento em favor de tais inovações, por considerá-las
instrumentos necessários para a posterior secularização do Estado128.

2.2.2. As condenações da Igreja à maçonaria


O caráter secreto da maçonaria e o seu envolvimento em várias
revoluções e movimentos anticlericais na Europa, resultou em uma série de
condenações por parte da Igreja Católica. No entanto, era uma razão
—————————–
125
A. M. BARATA, Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira, 71-72.91.96.
126
Cf. Defesa da Maçonaria no Parlamento brasileiro, pelos srs. visconde do Rio
Branco (presidente do Conselho de Ministros) e Alencar Araripe (membro da Câmara
Temporária), 1873.
127
A. M. BARATA, Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira, 96-97.
128
Ver: Anais do Parlamento Brasileiro, anos 1878-1881; Boletim do Grande
Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil, fev.-mar., 1873, 2 (2-3), 103 e abr.-jun.,
1873, 2(4-6), 251;A. M. BARATA, Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira, 98-
100.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 505

religiosa essencial que tornava Catolicismo e maçonaria inconciliáveis por


princípio: a maçonaria era deista. Portanto, ao negar a possibilidade de
Deus se revelar aos homens e por extensão a divindade de Cristo, os
maçons rejeitavam o centro da fé cristã. Clemente XII anatematizou a
maçonaria na encíclica in Eminent (28-04-1738); Bento XIV por meio da
Providas Romanorum (18-03-1751); Pio VII por meio da Ecclesiam a Iesu
Christo (13-09-1821); Leão XII na bula Quod Graviora (13-03-1825); Pio
VIII com a encíclica Traditi Humiliati (21-05-1829); Gregório XVI com a
encíclica Mirari Vos (15-08-1832); Pio IX com vários documentos, entre os
quais a encíclica Qui Pluribus (09-11-1846), a alocução Quibus
Quantisque (20-4-1849), a alocução Singulari Quadam (09-12-1854), na
encíclica Quanto Conficiamur Moerore (10-08-1863), na encíclica Quanta
Cura (08-12-1864) e no Syllabus errorum que a acompanhava, e ainda, na
Constituição Apostolicae Sedis (12-10-1869)129.
Após a publicação das encíclicas Quanto Conficiamur Moerore (10-08-
1863) e Quanta Cura (08-12-1864), do Syllabus errorum e da alocução
Multiplices Inter Machinationes, pronunciada pelo Papa Pio IX durante o
Consistório de 25 de setembro 1865, a atenção da Santa Sé se voltou
também ao Brasil, desejosa de saber qual era a situação em relação às
sociedades secretas no Império e, principalmente, se além da maçonaria
existiam outras, quais eram e a força que tinham. O interesse nasceu devido
a um ofício do Internúncio Mons. Sanguini, informando que a maçonaria
fazia «grandes progressos» na Corte. A Secretaria de Estado da Santa Sé
enviou, então, alguns decretos do Santo Ofício relativos a tal sociedade
secreta e algumas instruções ao Internúncio, em 2 de julho de 1865,
pedindo que expedisse uma circular a todos os bispos para que
informassem sobre a situação em cada diocese, se haviam nascido novas
sociedades do gênero e, em caso afirmativo, solicitava que fossem
transmitidos os atos, os estatutos e que se notificasse tudo o que
conseguissem saber sobre elas130.
No Arquivo Secreto Vaticano, fundo Nunciatura Apostólica – Brasil,
foram encontradas as respostas de seis bispos, enviadas pelo Internúncio à
Santa Sé, nas seguintes datas: D. João Antônio dos Santos, Diamantina (31-
10-1865)131; D. fr. Luis da C. Saraiva, Maranhão (02-11-1865)132; D. Luis

—————————–
129
H. B. ARAÚJO, Pastoral – Centenário do Apostolado da oração, devoção à
Santíssima Virgem, centenário de Dom Vital, 25.
130
ASV, NAB, Dispaccio, 2 de julho de 1865, Cx. 44, fasc. 202, doc. 25, f. 99r.
131
ASV, NAB, Officio, 31 de outubro de 1865, Cx. 44, fasc. 202, doc. 29, f. 105r.
132
ASV, NAB, Officio, 2 de novembro de 1865, Cx. 44, fasc. 202, doc. 30, f. 107r.
506 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Antônio do Santos, Ceará (29-12-1865)133; D. Manuel Joaquim da Silveira,


Bahia (23-02-1866)134; e D. Antônio de Macedo Costa, Pará (16-4-1867).135
Os prelados informavam que não existiam novas sociedades secretas e
somente alguns maçons que, segundo eles, eram filiados a lojas que não se
encontravam nas suas respectivas dioceses. D. Macedo Costa, que depois
de poucos anos seria um dos protagonistas da Questão Religiosa, deu a
seguinte resposta: «depois de maduro exame que tenho feito estou
convencido que não há na diocese sociedade alguma de que se possa
duvidar se é secreta ou não»136.
Já D. Manuel Joaquim Silveira, após informar que não existiam novas
sociedades secretas na sua diocese, assim se referia à maçonaria:
A maçonaria, porém, trabalha sem rebuço, e a não ser que ainda faz as suas
reuniões de noite, não podia mais caber o título de Sociedade Secreta, seus
estatutos, regulamento, instruções, etc., são públicos, seus livros correm pelas
mãos de todos, e se vendem nas lojas de livros como quaisquer outros com o
maior prejuízo da Religião, e o que Mons. Bouvier refere acerca dos casados,
que impedem a geração, dá-se com os maços, não se confessam, e afrontam
assim as penas canônicas, e as mais sábias medidas de prevenção da Igreja. E
o pior é que o mal aumenta e não se limita já às classes mais elevadas, já tem
penetrado nas baixas137.
Ante a solicitação da Santa Sé, como em outras circunstâncias, a
Internunciatura do Brasil respondeu com presteza, comportamento este que
o tempo mostraria ser absolutamente pertinente. Foi assim que o
Internúncio transmitiu as informações disponíveis, as quais priorizavam o
aspecto político e o envolvimento das classes dirigentes com as «grandes
lojas». Todavia, elas não destacavam o envolvimento de maçons com as
irmandades. Apesar desta lacuna nas informações envidas pelos
Internúncios, era muito provável que a maçonaria já tivesse enorme
ingerência em tais associações, como será evidenciado pelos bispos a partir
de 1872.

—————————–
133
ASV, NAB, Officio, 29 de dezembro de 1865, Cx. 44, fasc. 202, doc. 27, f. 103r.
134
ASV, NAB, Officio, 23 de fevereiro de 1866, Cx. 44, fasc. 202, doc. 28, f. 104r-
104v.
135
ASV, NAB, Officio, 16 de abril de 1867, Cx. 44, fasc. 202, doc. 26, f. 101r.
136
ASV, NAB, Officio, 16 de abril de 1867, Cx. 44, fasc. 202, doc. 26, f. 101r.
137
ASV, NAB, Officio, 23 de fevereiro de 1866, Cx. 44, fasc. 202, doc. 28, f. 104r-
104v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 507

2.2.3. A Questão Religiosa


Os fatos anteriormente citados eram sinais premonitórios da eclosão de
uma querela aberta, coisa que realmente aconteceu após a Guerra do
Paraguai, e que veio a provocar a maior crise até então registrada entre a
Igreja e o Estado no Brasil. A bibliografia sobre o tema é vasta, mas a
pesquisa longe está de se exaurir. Saliente-se, contudo, que os defensores
do Estado e da maçonaria se colocaram em uma posição defensiva, devido
à farta documentação histórica que legitima a atuação da Igreja no conflito.
Nesse sentido, sucintamente se pode dizer que a mudança de postura do
clero, com o progressivo avanço da reforma católica levada a cabo pelos
ultramontanos, não passou despercebida aos maçons de ambos os
«Orientes», habituados a uma Igreja submissa. O mesmo sentimento passou
a ser manifestado pelos regalistas e pelo próprio Imperador D. Pedro II,
razão pela qual, na sessão de 19 de maio de 1873, o deputado Francisco
Pinheiro Guimarães (1832-1877), deixou bem claro como percebiam a
situação:
Os horizontes do país estão muito negros; a sociedade acha-se
profundamente abalada; o ultramontanismo tomou posse da terra da Santa
Cruz, e como sempre acende o facho atroz das lutas intestinas. [...] E de mais,
Sr. Presidente, esta questão [refere-se à Questão Religiosa] não é uma obra
fortuita do acaso, filha de circunstancias imprevistas, é o resultado do
comportamento pouco previdente dos diversos governos que o país tem tido.
[...] Infelizmente, Sr. Presidente, uma errônea doutrina dominou, de tempos a
esta parte, os nossos estadistas; chegou-se a acreditar que o clero nacional era
corrompido e incapaz de prestar os serviços que dele se deviam esperar.
Aproveitaram-se alguns de fatos da vida particular, que se dão em todos os
cleros do mundo (apartes), para assim tratar com profundo menosprezo esta
parte importante da sociedade brasileira. O clero brasileiro podia ter pecados,
podia ter mesmo mais de uma falta [...] mas tinha uma grande virtude: nunca
fizera do corpo sangrento de Cristo, bandeira política. (apartes)
Envolvia-se nas nossas lutas eleitorais, é verdade, mas pondo sempre a
salvo os seus deveres sacerdotais [...] eles, os membros do clero brasileiro, nas
contendas públicas tomavam parte ativa, mas combatiam ou pelos princípios
liberais ou pelos princípios conservadores, porém combatiam como brasileiros
e não como soldados do Papado. [...] Os nosso governo, tomou-se a
deliberação de escolher para os cargos episcopais somente aqueles sacerdotes
educados nos seminários jesuíticos da cidade eterna. (não apoiado)
O Sr. Pinto de Campos: Posso asseverar a V. Ex. sob minha palavra de
honra, que não há um só dos nossos bispos educados no colégio dos jesuítas.
Os nossos bispos, em grande parte, foram educados no colégio de S. Sulpício,
onde deixaram grande reputação. [...]
508 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Sr. Pinheiro Guimarães: Peço atenção a V. Ex. Revma., acaba de dar


sua palavra de honra de que não há um só dos nossos diocesanos educado em
colégio de jesuítas? E não são S. Sulpício e o colégio americano viveiros de
jesuítas? A verdade é que a vinda desses moços para o Império e a entrega que
lhes fez das cadeiras episcopais [...] coincidiu com esta agitação religiosa, que
se manifesta no país.
Todo mundo estava habituado a ver erguer as cadeiras altamente
respeitáveis do episcopado brasileiro, homens conhecidos no país pelas suas
virtudes, coroados pela ilustração e pela neve dos anos. [...] Hoje essas
cadeiras são dadas a sacerdotes no verdor dos anos, ardentes propagandistas,
sem prudência nem reflexão (interrupções), e que ambicionam a luta a todo o
transe e com todas as armas. Não querem ser bispos a Myriel, bonônio
benzedor, como o chamou no senado o arauto do ultramontanismo [refere-se a
Cândido Mendes de Almeida]; mas sim bispos combatentes a antiga moda, de
espada a cinta e facho na mão138.
Este discurso redundante e nostálgico, evidencia a preferência do seu
autor, Pinheiro Guimarães, pelo clero do velho modelo, envolvido na
política partidária e subserviente aos interesses dos partidos e do Governo.
Daí a insinuação de que a fonte de toda a questão era o clérigo fiel ao Papa,
que ele chamava de ultramontano. Ao mesmo tempo, também se torna
explícito que a realidade histórica que consentiu uma convivência
«harmoniosa» entre a maçonaria e a Igreja no Brasil, não mais existia. Por
esta razão, a maçonaria, antes mesmo que os bispos tomassem qualquer
medida contra os seus membros, iniciou a externar sua insatisfação pela
imprensa, deixando clara a ruptura. Vários jornais maçônicos se fundaram
e demonstraram, nas suas páginas, o anticlericalismo que professavam: A
família no Rio de Janeiro; A Família Universal e A Verdade, no Recife; O
pelicano no Pará; A Fraternidade no Ceará; A Luz, no Rio Grande do
Norte; O Lábaro, em Alagoas; e O Maçom, no Rio Grande do Sul139.
O estopim que levou o conflito às vias de fato aconteceu logo após a
promulgação da lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, pelo
Gabinete presidido pelo grão-mestre da maçonaria, o Visconde do Rio
Branco. A satisfação foi geral, incluindo vastas camadas da sociedade
brasileira que lutavam pela emancipação dos escravos, inclusive uma
significativa parcela da hierarquia e dos católicos brasileiros. O Grande
Oriente do Lavradio, em 2 de março de 1872, querendo festejar a nova lei e
—————————–
138
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 19 de maio de 1873, I, 133-134.
139
V. M. G. DE OLIVEIRA, «Carta do Exmo. e Rev.mo. Sr. Bispo de Olinda D. Fr.
Vital Maria Gonçalves de Oliveira ao Exmo. e Revmo. Sr. D. Frederico Aneiros
Arcebispo de Buenos-Aires», 2 de agosto de 1874, em: A. M. REIS, O Bispo de Olinda
perante a História, I, 110.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 509

seu grão-mestre, organizou concorrida cerimônia, e nesta, um padre


maçom, o português José Luís de Almeida Martins, pronunciou um
discurso em louvor ao mencionado Visconde. Não satisfeito, o pe. Almeida
Martins publicou o referido discurso no Jornal do Comércio do dia
seguinte e o assinou na qualidade de sacerdote. D. Pedro Maria de Lacerda,
bispo do Rio de Janeiro, não fazendo caso a ausência do placet imperial aos
documentos papais anti-maçônicos e fiel ao Syllabus errorum e à alocução
Multíplices Inter Machinationes, suspendeu das ordens o mencionado
sacerdote140.
Foi um rebuliço: a maçonaria não estava habituada a críticas, e reagiu de
forma violenta. Entre arroubos de superioridade, Saldanha Marinho
desafiou:
Provocar tão bruscamente, como foi provocada a Maçonaria Brasileira pelo
Rev.mo Diocesano [do Rio], é desacatar a parte mais nobre da nossa
sociedade. E não se pode fazer isso impunemente. O inimigo se mostrou a
descoberto, a Maçonaria se lhe opõe franca e lealmente. [...] Os padres, os
bispos, os papas temporais morrem; a Maçonaria é eterna, tanto quanto for o
mundo141.
As críticas e ofensas ao bispo partiram de todos os jornais maçons e as
duas Obediências se uniram para combatê-lo, e a todos os bispos
ultramontanos. Apesar das palavras de encorajamento enviadas por D.
Viçoso, bispo de Mariana, a D. Lacerda, nas quais também lhe oferecia
para publicação um folheto redigido por ele próprio, intitulado Juízo sobre
a Maçonaria, e do apoio dado pelo pupilo do bispo de Mariana, o pe.
Silvério Pimenta, publicando um opúsculo refutando as críticas maçônicas
contra D. Lacerda142, o bispo do Rio preferiu atender à recomendação de
prudência e paciência do Internúncio Domenico Sanguini. Assim, evitou a
polêmica e se calou143.
No dia 9 de maio de 1872, os maçons convidaram os filiados do Grande
Oriente a participarem de uma missa que seria celebrada na Igreja de Bom
Jesus, com óbvia intenção de provocar a reação do bispo carioca, visto que
o anúncio proclamava: «A loja manda celebrar amanhã uma missa na igreja
do Bom Jesus, apesar de todas as iras dos ultramontanos, apesar de todas as

—————————–
140
Para maiores detalhes sobre o Pe. Almeida Martins e sua suspensão de ordens
consultar: J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 149-159.194-199.
141
J. SALDANHA MARINHO, Discurso proferido na abertura dos trabalhos da
Assembléia Geral do povo maçônico brasileiro em 27 de abril de 1872, 4-6.
142
Cf. S. G. PIMENTA, Resposta ao discurso do Sr. Conselheiro Saldanha Marinho.
143
J. LEMOS, D. Pedro Maria de Lacerda, 194-195.
510 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

proibições do bispo, a igreja transbordará de gente. É este o ultimatum da


maçonaria do Rio ao bispo Lacerda»144.
Diante da afronta, D. Lacerda chamou o vigário indicado para oficiar tal
celebração e o proibiu de fazê-lo, sob pena de suspensão. O padre
desobedeceu e, diversamente do que ocorrera antes, não recebeu nenhuma
punição. Foi uma verdadeira derrota moral do prelado e um triunfo para os
maçons145.
Sentindo-se mais seguros, os maçons publicaram um opúsculo intitulado
O ponto negro146, no qual além de se fazer a apoteose da maçonaria,
atacava ferozmente o episcopado e a Santa Sé. Todavia, o mais
significativo foi terem individuado os bispos-alvos que deveriam ser
combatidos pelos membros das «grandes lojas», eram os prelados do Rio,
do Pará, do Rio Grande do Sul, do Ceará e o recém-nomeado bispo de
Pernambuco, D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira. D. Vital, aliás, ainda se
encontrava em São Paulo, depois de receber a sagração episcopal pelas
próprias mãos de D. Lacerda, que havia a pouco iniciado a Questão
Religiosa147.
A maçonaria levou a cabo, então, um ataque aos bispos ultramontanos
em várias províncias do país, degenerando-se logo em ofensas a Igreja
Católica como um todo e a seus dogmas. A Verdade negou a divindade de
Cristo; A Família Universal, a Santíssima Trindade; O Pelicano, a
Eucaristia; e em quatro edições, A Verdade, numa segunda investida,
escarneceu a virgindade de Maria148.
Em Pernambuco os conflitos que já vinham acontecendo entre liberais,
republicanos e regalistas contra os bispos da diocese, se acirraram com o
novo clima criado pelo conflito entre a maçonaria e os prelados. Enquanto
a Questão Religiosa estourava na Corte, o jovem D. Vital fazia a entrada
solene na sua diocese, acompanhado pelo bispo do Pará, D. Macedo Costa,
que já vinha combatendo ferrenhamente o regalismo imperial havia uma
década. É de se notar que os três principais bispos envolvidos na Questão
Religiosa se tenham encontrado logo no início do conflito149.
—————————–
144
A. MACEDO COSTA, A questão religiosa perante a Santa Sé, 72.
145
F. GUERRA, A questão religiosa do Segundo Império, 52.
146
Cf. O ponto negro: considerações a propósito do recente ato do Bispo do Rio de
Janeiro.
147
V. M. G. DE OLIVEIRA «Carta do Exmo. e Rev.mo. Sr. Bispo de Olinda D. Fr. Vital
Maria Gonçalves de Oliveira ao Exmo. e Rev.mo. Sr. D. Frederico Aneiros Arcebispo
de Buenos-Aires», 2 de agosto de 1874, em A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante a
História, I, 110-111.
148
V. M. G. DE OLIVEIRA, Abrégé historique de la question religiuese, 9.
149
A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante a História, I, 12.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 511

Foi em Pernambuco que a crise atingiu o seu ápice e a causa disso está
diretamente relacionada com as associações laicais católicas, popularmente
conhecidas como «irmandades» ou «confrarias». Muitas delas, sobretudo
as que se compunham de membros brancos e de melhor nível social,
haviam se integrado ao jurisdicionalismo institucional, o que não era
conciliável com a proposta reformadora dos novos bispos, desejosos de
recuperar a autoridade clerical e de estreitar os laços com a Santa Sé. Ora,
aproximar-se de Roma implicava adotar suas orientações pastorais e
doutrinárias e, logo, a negligência até então existente em relação aos
maçons infiltrados nas referidas associações foi colocada em cheque. O
parecer de D. Vital, prelado de Olinda, a respeito, ajuda a entender porque
tal postura não foi gratuita ou puramente sentimental:
A direção [das irmandades] é geralmente confiada aos veneráveis das lojas,
ou ao menos a maçons graduados, notórios, e algumas vezes, blasfemadores
públicos. Tudo isso é feito à vista e ao conhecimento de todo mundo.
O venerável (ou o grão-mestre, como sucede no Rio de Janeiro), si faz
eleger presidente da confraria B; o cura ou o capelão sobe à cátedra e o
anuncia ao povo. […] É este presidente que determina quais são as festas que
se devem fazer, por fim, a festa paroquial e a forma desta, e os padres que
devem servir ou pregar, sem nunca fazer caso do cura, o qual é quase sempre
deixado de lado.
Este mesmo presidente muda sem a permissão da autoridade eclesiástica a
destinação das ofertas consagradas às festas e aos sufrágios dos confrades
falecidos, e utiliza o dinheiro em edifícios ou em outras coisas totalmente
estranhas ao objetivo das confrarias.
Sem o consentimento deste presidente, o pároco não pode fazer nada na sua
igreja paroquial; e, se deseja levar o viático aos moribundos, realizar um
batizado, celebrar a Santa Missa necessita ir pedir a chave do tabernáculo, os
paramentos a este presidente, ou a alguém delegado por ele para esta função.
No caso de uma negativa, é obrigado a ir buscar o santo viático à capela
episcopal ou às igrejas dos religiosos150.
Vários interesses cercavam as irmandades, pois, além de associações
pias, o eram também de mútua ajuda, previdenciárias, assistenciais e
organizavam as festas religiosas aos santos patronos. Nessa atividade
recebiam também vários dividendos por meio dos vários comércios que
eram realizados pelas «barraquinhas» e «festeiros» durante as festas, e
também por meio da administração das doações recebidas pelos fieis que
freqüentavam as igrejas que estavam sob a sua responsabilidade. Os
—————————–
150
V. M. G. DE OLIVEIRA, Ábrégé historique de la question religieuse du Brésil, 56-
58.
512 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

sacerdotes eram praticamente assalariados das irmandades. Os membros


das «grandes lojas», que tinham integrantes em grande número em tais
associações, muitas vezes delas se aproveitavam, tanto para exercer seu
poder sobre os sacerdotes e fieis, quanto para arrecadar fundos para as
próprias lojas (ou para si mesmos). Os maçons se sentiam ainda mais
protegidos contra as penas canônicas, devido aos mecanismos legais
criados pelo Governo imperial para tentar impedir o clero de alterar a
situação vigente. Um desses artifícios foi o decreto n.º 2.711, de 19 de
dezembro de 1860, expedido para a execução da lei n.º 1.083, de 22 de
agosto precedente, cujo capítulo IX tratava das «associações religiosas,
políticas e outras». Por meio desta medida, ditas associações adquiriram
um caráter quase que inteiramente civil, reduzindo a precedência da
aprovação dos bispos apenas à parte espiritual151.
Como seria dito depois, o prelado diocesano que se insurgisse contra
isso, não teria exercido uma função própria do seu ministério pastoral, mas
invadido o Poder Temporal, envolvendo-se naquilo «que não estava dentro
do círculo das suas atribuições»152.
Tinham, portanto, os maçons, todo interesse em manter o caráter
«nacional» da Igreja, com sua conseqüente submissão ao poder constituído.
Mesmo Joaquim Saldanha Marinho, que combatia pela separação entre
Igreja e Estado, manifestava preferência por uma Igreja servil, enquanto tal
separação não se realizasse:
Reduzir o poder de Roma à sua própria esfera, e opor barreira inacessível
aos desatinos do clero que pretende, solapando as verdadeiras crenças, exigir
em bases firmes o seu poder e a sua tirania. E exigir por meio legal do governo
do Estado o respeito dos direitos nacionais contra as usurpações do
Pontificado Romano, e para que não tenham no Brasil valor os decretos da
Roma estrangeira, sem que o nosso poder legislativo os adote153.
D. Vital suportou, mas sem se sujeitar, aos insultos e provocações da
maçonaria. No entanto, um fato determinaria uma ação mais enérgica: o
jornal A Verdade, além de provocá-lo em várias ocasiões, convidando-o a
«sair dos bastidores, a ter coragem e tomar a responsabilidade pública de
seus atos, declarar se era bispo brasileiro ou bispo ultramontano,
empregado do Governo do país ou agente da Cúria Romana», chegou ao
—————————–
151
Coleção das leis do Império do Brasil de 1860, II, 1134-1135.
152
ASV, NAB, Consulta da Seção dos Negócios do Império do Conselho de Estado
sobre o recurso interposto pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja matriz
da freguesia de Santo Antônio da cidade do Recife, contra o ato pelo qual o Reverendo
Bispo de Olinda a declarou interdita, Cx. 45, fasc. 208, f. 105b-106.
153
U. A. FONTOURA, Saldanha Marinho – esboço biográfico, 88.150.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 513

ponto de publicar os nomes dos beneméritos, vigilantes, secretários e


demais oficiais das lojas maçônicas inscritos nas irmandades e confrarias
religiosas. Muitos deles ocupavam posições importantes dentro das
mesmas, como juízes, tesoureiros e secretários. Uma vez que os nomes dos
membros da maçonaria eram conhecidos, o bispo era obrigado a tomar uma
providencia, senão seria uma falta grave com o seu dever, já que ser
maçom incorria em pena de excomunhão154.
D. Vital obteve primeiro que praticamente todos os sacerdotes, com
exceção de dois que foram suspensos, se desligassem publicamente da
maçonaria. Passou, então, a esclarecer aos fieis sobre as condenações que
tal sociedade secreta havia sofrido pela Igreja e da incompatibilidade de ser
ao mesmo tempo maçom e católico. Chamou a si vários maçons que
pertenciam a cargos importantes dentro das irmandades e os convidou a
abjurarem, esclarecendo que os maçons não poderiam pertencer às
associações de fieis católicos. Todavia, tal atitude foi inútil. Enviou, então,
circulares aos párocos a partir de 28 de dezembro de 1872, sendo o
primeiro notificado, o pároco da matriz S. Antônio, em Recife, onde
funcionava a irmandade do Santíssimo Sacramento. Nesta circular,
ordenava ao pároco de S. Antônio de avisar aos superiores da irmandade,
que procurassem persuadir os membros maçons a abjurarem da seita
secreta e expulsassem do grêmio da associação aqueles que se recusassem a
abandoná-la155.
Os superiores da irmandade de S. Sacramento resistiram e enviaram um
ofício ao bispo dizendo que seus estatutos não davam o direito de
expelirem um irmão por ser maçom. D. Vital enviou um outro ofício ao
pároco no dia 9 de janeiro de 1873, no qual, lamentando-se da obstinação
dos maçons em não abjurarem e a desobediência da irmandade em não
expulsá-los, ordenava que o referido pároco insistisse por uma última vez,
antes de serem aplicadas às penas canônicas156.
No dia 13 de janeiro de 1873, o prelado ainda enviou outro ofício
fixando um prazo máximo de quatro dias para que a irmandade se

—————————–
154
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, Fasc. 185, pos. 156, f. 35v; V. M. G. DE
OLIVEIRA «Carta do Exmo. e Rev.mo. Sr. Bispo de Olinda D. Fr. Vital Maria Gonçalves
de Oliveira ao Exmo. e Rev.mo. Sr. D. Frederico Aneiros Arcebispo de Buenos-Aires»,
2 de agosto de 1874, em A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante a História, I, 112-114.
155
AES, Br., Circular do bispo ao pároco da matriz de Santo Antônio de Recife, 28
de dezembro de 1872, Fasc. 184, pos. 156, f. 76r.
156
AES, Br., Oficio do bispo ao pároco da matriz de Santo Antônio de Recife, 13 de
janeiro de 1873, Fasc. 184, pos. 156, f. 77r.
514 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

pronunciasse157. No dia 19, o juiz da irmandade respondeu afirmando que


não podia mudar de convicção, e que ao fazê-lo pensava cumprir um
«sagrado dever»158.
Poucas horas depois de receber a resposta da irmandade, D. Vital, sem
pestanejar, enviou a sentença de interdito à irmandade recalcitrante. Era
datada do dia 16 de janeiro de 1873, data em que vencia o prazo de quatro
dias. A sentença declarava formalmente interditada, na parte espiritual, a
irmandade do S. Sacramento, e que a pena deveria durar até que os maçons
se retratassem ou se retirassem da mesma. Tenha-se presente que referido
interdito não influía em nada no caráter civil da irmandade, ou seja, nas
partes assistenciais, previdenciárias, etc159.
Para esclarecer sua posição e alertar os católicos, D. Vital publicou uma
carta pastoral em 2 de fevereiro de 1873, na qual condenava a propaganda
anticatólica e o regalismo que a apoiava, além de repetir aos párocos a
ordem de eliminar do seio das irmandades e confrarias os que
permanecessem em sua obstinação, e que estes sofressem as conseqüências
da excomunhão maior em que incorreriam ipso facto. Somente duas
irmandades advertidas se submeteram, enquanto o bispo continuou
interditando outras durante o decorrer da Questão Religiosa160.
Baseando-se no decreto de 28 de março de 1857, sobre o recurso à coroa,
a irmandade do S. Sacramento interpôs recurso em 28 de janeiro de 1873,
recorrendo ao presidente da Província como definia o referido decreto. Em
15 de fevereiro, o Ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira
(1835-1915) enviou uma carta a D. Vital, para adverti-lo, mas este lhe
contestou secamente no dia 27 do mesmo mês:
Não fui perturbar os maçons em suas oficinas, Ex.mo Sr., não saí do recinto
da Igreja em que sou chefe. Não questiono diretamente com os maçons, porém
sim com as irmandades. [...] Desejo tão somente que elas realizem o fim para
que foram criadas. Entretanto parece-me que a maçonaria deveria ser mais
conseqüente. Já que ela não reconhece a autoridade da Igreja, brade muito

—————————–
157
AES, Br., Circular do bispo ao pároco da matriz de Santo Antônio de Recife, 28
de dezembro de 1872, Fasc. 184, pos. 156, f. 76r.
158
AES, Br., Reunião da Confraternidade do S. Sacramento da paróquia de S.
Antônio do Recife, 19 de janeiro 1873, Fasc. 184, pos. 156, f. 78r-79v; AES, Brasile –
conflitto insorto tra monsig. Vescovo di Olinda o Pernambuco e il Governo Imperiale
del Brasile, 1873, Fasc. 185, pos. 156, f. 35v-36r.
159
AES, Br., Sentença de Interdição, 28 de dezembro de 1872, Fasc. 184, pos. 156,
f. 79v, 81r.
160
V. M. G. DE OLIVEIRA, Ábrégé historique de la question religieuse du Brésil,
22.40-41; A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante a História, I, 128-131.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 515

embora contra a Igreja, mas abandone-a, deixe-a àqueles que se prezam de


filhos obedientes161.
No dia 12 de março de 1873, D. Vital escreveu uma carta ao Papa
descrevendo todos os ataques que a Igreja sofria por parte da maçonaria,
informando que as irmandades estavam cheias de maçons e que ele tinha
interditado algumas delas que não quiseram expulsar os seus membros
inscritos nas «grandes lojas». Pedia, enfim, faculdades para obrigar as
irmandades a cumprirem com sua finalidade espiritual e a autorização para
proceder do mesmo modo contra as Ordens Terceiras de São Francisco e
do Carmo162.
Enquanto isso, em Belém, a situação tomava um rumo parecido.
Publicaram-se também nos jornais de lá, os nomes dos inscritos na
maçonaria e, em 25 de março de 1873, D. Antônio editou uma instrução
pastoral contra a maçonaria. Naquele documento, o bispo impôs que só
poderiam fazer parte das confrarias e irmandades aqueles maçons que
declarassem por escrito que não queriam mais pertencer a tal sociedade
secreta. Cerca um mês mais tarde, em 30 de maio de 1873, o prelado do
Pará dirigiu ao Imperador uma firme e erudita Memória contra o recurso à
Coroa. Três confrarias se recusaram a obedecer à decisão episcopal e, no
dia 4 de abril 1873, o prelado lançou o interdito contra elas. Seguindo o
exemplo das irmandades pernambucanas, também as do Pará impetraram
recurso à Coroa163.
Em 29 de maio, o Papa Pio IX respondendo a D. Vital, firmou o Breve
Quanquam Dolores, louvando os bispos do Brasil e animando-os a
combaterem as sociedades secretas. Recomendava, porém, misericórdia,
tendo presente que muitos estavam na maçonaria «ingannati dal velo
misterioso, che ne nasconde lo scopo perverso, e dall’aspetto di onestà e di
beneficenza che apparentemente presentano». Neste sentido, suspendia por
um ano as reservas pontifícias para absolver os excomungados por
pertencerem à maçonaria e concedia esta faculdade a qualquer confessor
aprovado pelos bispos. Ao mesmo tempo, autorizava D. Vital a proceder de
acordo com as leis eclesiásticas contra as irmandades «infectadas pela
maçonaria» e, se fosse preciso, poderia dissolvê-las e criar outras novas.

—————————–
161
A. MACEDO COSTA, A questão religiosa perante a Santa Sé, 119-121.
162
AES, Br., Carta de D. Vital ao Papa Pio IX, 12 de março de 1873, fasc. 184, pos.
156, f. 92r-97r, 98v.
163
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 133-138.
516 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Enfim, pedia que ele comunicasse o Breve ao restante do episcopado


brasileiro164.
Estes fatos causaram grande celeuma, já que o Governo imperial e a
maçonaria não estavam acostumados a bispos combativos e reativos.
Nasceu uma grande discussão na imprensa, no parlamento e não faltaram
defensores da causa da Igreja, que passaram a criticar principalmente a
incompatibilidade do Presidente do Conselho de um Império Católico ser
ao mesmo tempo grão-maestro da maçonaria. O acontecimento deflagrou
uma luta intensa, que foi além da agressão jornalística, pois, durante o mês
de maio de 1873, ocorreu o ataque e empastelamento do jornal católico A
União, de Recife, que defendia a posição episcopal. Também ocorreu a
invasão e parcial destruição do colégio dos jesuítas na mesma cidade. Os
maçons passaram a culpar os jesuítas pelo que estava ocorrendo em
Pernambuco, ocasionando a expulsão dos religiosos da Companhia de
Jesus daquela província, em 29 de dezembro de 1874165.
Entrementes, no dia 3 de junho de 1873, o Conselho de Estado, no qual a
maioria dos membros também pertencia à maçonaria, aprovou, quase que
por unanimidade de votos, o recurso à Coroa apresentado pela irmandade
do S. Sacramento de Recife166. Segundo a Santa Sé, «la relazione poi sulla
quale è basato il parere del detto Consiglio può in vero dirsi un’ampia e
minuta difesa in favore della Massoneria e del Regalismo». O Conselho foi
do parecer que o prelado de Pernambuco havia «usurpado» a jurisdição do
poder civil e abusado da sua autoridade espiritual, tanto por meio das
interdições das irmandades quanto por meio da publicação da pastoral de 2
de fevereiro de 1873, na qual promulgava doutrinas contrarias à
Constituição e excomungava maçons invocando bulas não placitadas no
Império167.
Com a aprovação do Imperador, o Ministro do Império João Alfredo,
com um ofício do dia 12 de junho de 1873, intimou D. Vital a suspender as
penalidades que estabelecera e a não mais questionar o jurisdicionalismo

—————————–
164
AES, Br., Breve Quanquam dolores, (minuta manuscrita) 29 de maio de 187, fasc.
184, pos. 156, f. 100r-104v; AES, «Breve Quanquam Dolores» (stampato) em Brasile –
conflitto insorto tra monsig. Vescovo di Olinda o Pernambuco e il Governo Imperiale
del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 52r-53v.
165
V. M. G. DE OLIVEIRA, Ábrégé historique de la question religieuse du Brésil, 46 ;
N. PEREIRA, Dom Vital e a questão religiosa no Brasil, 55-56.
166
P. CALMON, Prefácio as Atas do Conselho de Estado 1868-1873, 2.
167
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 40v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 517

régio168. Enquanto isso, o parecer do Conselho foi acolhido pela maçonaria


como uma vitória. Todavia as manifestações foram limitadas, devido a uma
circular do grão-mestre Rio Branco as lojas subalternas, recomendando
que, em vista da gravidade da questão, se abstivessem de qualquer
manifestação pública em respeito das autoridades religiosas e da Religião
de Estado169.
D. Vital, nesse ínterim, recebeu de Pio IX o Breve Quamquam Dolores,
datado de 29 de maio de 1873, referido pouco antes, e o publicou, sem o
beneplácito, em uma pastoral no dia 2 de julho. Esta atitude foi seguida por
quase todos os bispos do Império, que publicaram nas suas dioceses o
documento pontifício, sendo os primeiros a fazê-lo os prelados da Bahia,
Rio de Janeiro, Belém, Diamantina e Mariana170.
D. Vital recebeu, pelas mãos do Presidente da província, Barão de
Lucena, no dia 22 junho de 1873, o aviso do Governo intimando-o a retirar
os interditos. Todavia, encorajado pela carta pontifícia, ele publicou pela
imprensa uma sua resposta ao Ministro do Interno, redigida dia 6 de julho
de 1873, na qual refutava a decisão do Governo e ordenava aos párocos,
sob pena de suspensão, que não cumprissem a decisão do poder civil, não
celebrando nas igrejas interditadas ou perante as irmandades nas mesmas
condições. Vendo a resistência do bispo, o Presidente da província enviou
um ofício ao procurador da Coroa, no dia 8 de julho, denunciando sua
resistência em obedecer às ordens governamentais e de ter publicado um
Breve pontifício sem o placet imperial171.
No dia 26 de julho, o Conselho de Estado se reuniu novamente para
discutir o caso do bispo de Belém e chegou ao mesmo veredicto que tomara
em relação ao prelado de Pernambuco. Em 9 de agosto de 1873, João
Alfredo lhe enviou a ordem do Governo imperial para suspender os
interditos em 15 dias. Como fizera D. Vital, D. Antônio não se submeteu e,
numa carta reservada a D. Viçoso, datada de 7 de novembro de 1873,
—————————–
168
AES, Br., Oficio do Ministro do Império João Alfredo a D. Vital, 12 de junho de
1873, fasc. 184, pos. 156, f. 84r-86r.
169
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 41r.
170
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 42v.
171
O Presidente, no dia 8 de julho de 1873, enviou uma nota avisando o procurador
da Coroa, Francisco Domingos da Silva, que D. Vital havia publicado um breve
Pontifício sem o placet imperial, no jornal União, número 80 do dia 2 de julho, e lhe
pedia medidas legais contra o bispo, devido à sua «usurpação do poder temporal» [AES,
Br., Ofício de Lucena a Domingos da Silva, 8 de julho de 1873, Fasc. 184, pos. 156, f.
122r].
518 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

manifestou sua intenção de partilhar do mesmo destino do colega de


Olinda, sugerindo ainda que o episcopado brasileiro inteiro resistisse até o
fim172.
Em Pernambuco, no dia 13 de agosto de 1873, todos os interditos foram
declarados levantados por um edital do Dr. Joaquim Corrêa de Oliveira,
juiz substituto da provedoria de capelas do Recife, que declarou «nulas e
como se não existissem as censuras» sobre as irmandades173. No entanto, a
população católica, já prevenida, e os sacerdotes, na sua quase totalidade
fieis ao bispo, não acataram as ordens do juiz civil. O Barão de Lucena
convocou os párocos e por meio de promessas, para não dizer tentativas de
suborno e ameaças de serem cortadas as suas côngruas, lhes ordenou que
cumprissem a ordem do Governo. Corajosamente os párocos resistiram e
publicaram um veemente protesto na imprensa174.
O Ministro do Império, João Alfredo, então, por meio de ofício de 27 de
setembro de 1873, remeteu ao procurador da Coroa, conselheiro Francisco
Baltazar da Silveira (membro do supremo conselho do Grande Oriente), os
documentos necessários, ordenando-lhe que iniciasse o processo perante o
—————————–
172
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 244. D.
Viçoso, com quase 90 anos, escreveu duas pastorais por ocasião da Questão Religiosa: a
primeira em 20 de julho de 1872, e a segunda em 9 de agosto de 1873. Além disso
redigiu ainda um corajoso protesto enviado ao Imperador um ano antes da sua morte,
em 10 de janeiro de 1874. Com este gesto se associou a igual protesto lançado pelo
Arcebispo da Bahia, após a prisão do bispo de Pernambuco. Na ocasião ele afirmou que
não temeria a prisão [S. G. PIMENTA, Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, 213-222.235-
238].
173
Este documento foi lido pelo deputado Ignácio Martins em sessão plenária na
Câmara dos Deputados em 20 de março de 1875 [Anais do Parlamento Brasileiro,
Sessão extraordinária de 1875, Sessão em 20 de março de 1875, 49]. Estranhamente, no
AES existem alguns recortes do Jornal Oficial, do dia 1 de agosto, onde se informa que,
em conformidade com as ordens do Governo Imperial, se mandava abrir as portas dos
oito templos que há mais de 6 meses estavam fechados em virtude do interdito lançado
sobre as irmandades pelo bispos. Provavelmente houve editais diferentes, onde se
levantava o interdito de diferentes Igrejas [AES, Br., Diário Oficial, 1 de agosto de
1873, fasc. 184, pos. 156, f. 133r-134r, 136r].
174
No AES, em um recorte do Diário Oficial, de 9 de agosto de 1873, há um artigo
informando que tendo o presidente da província de Pernambuco mandado chamar ao
palácio os vigário do Recife, para saber previamente deles se estavam prontos a
conformarem-se com a ordem do Governo Imperial, mandando levantar a interdição
lançadas sobre as Igrejas, abrir as portas dos templos e continuar o culto interrompido.
Neste mesmo recorte se fala de um oficio de D. Vital, de 24 de julho de 1873, se
lamentado das ameaças do governo provincial contra os párocos e pedindo que qualquer
castigo caísse exclusivamente sobre ele, bispo diocesano [AES, Br., Diário Oficial, 9 de
agosto de 1873, fasc. 184, pos. 156, f. 133r-134r, 136r].
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 519

Supremo Tribunal de Justiça, acusando D. Vital de haver cometido


«usurpação de jurisdição»175.
A denúncia foi entregue no dia 10 de outubro176, e no dia 18 foi expedida
a D. Vital um pedido de resposta às denúncias. No dia 21 seguinte, o
prelado, no lugar de se defender, impugnou a competência do Supremo
Tribunal para julgá-lo, declarando que se tratava de matéria puramente
espiritual e, como tal, isenta da jurisdição do poder civil177.
No dia 17 de dezembro de 1873, foi formulada oficialmente a denúncia
contra D. Vital, com base no artigo 96 do Código Criminal, que estabelecia
pena de dois a seis anos a quem obstasse ou impedisse de qualquer maneira
o efeito das determinações dos Poderes Moderador e Executivo que
estivessem conformes à Constituição e às leis. No mesmo dia, o Supremo
Tribunal confirmou a ordem de prisão, publicada em portaria do dia 22 do
mesmo mês, quando também foi expedido o mandado de prisão. Nela, o
conselheiro Joaquim Marcelino de Brito, presidente do Supremo Tribunal
de Justiça178, determinava ao juiz da 1ª vara cível do Recife que ele deveria
prender o bispo diocesano, visto ser o crime inafiançável, e providenciar o
seu transporte para a Corte, mediante entendimento com o presidente da
província179.
Em 17 de dezembro de 1873, foi D. Macedo Costa quem recebeu a
intimação do Supremo Tribunal de Justiça, para proceder à suspensão dos
interditos. Em resposta, em 24 de janeiro de 1874, negou a competência
dos tribunais civis para julgar semelhante matéria. No dia 24 de abril, foi
pronunciado, sendo sua prisão ordenada em 28 de abril seguinte180.
Ao mesmo tempo em que D. Vital era denunciado ao Supremo Tribunal
de Justiça, o Governo acionava igualmente os meios diplomáticos. Em 18
de outubro de 1873, enviou a Roma, Francisco Inácio de Carvalho Moreira,
Barão de Penedo (que também era maçom), representante brasileiro em
Londres. Ele foi mandado em missão especial junto à Santa Sé, com o
—————————–
175
ASV, NAB, Aviso do Procurador da Coroa para promover a acusação do Bispo
de Olinda, 27 de setembro de 1873, Cx. 45, fasc. 208, f. 127b-128. Este aviso também
se encontra publicado em: A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante a História, II, parte I,
8-12.
176
Uma cópia desta denuncia se encontra em: A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante
a História, II, parte I, 5-8.
177
ASV, NAB, Resposta do denunciado, Cx. 45, fasc. 208, f. 131.
178
Filiado ao Grande Oriente do vale dos Beneditinos, segundo consta do Boletim do
Grande Oriente do Brasil, Circulo Beneditinos, n. 4 (mar.), 102.
179
O despacho de pronúncia, a portaria e o mandado de prisão, encontram-se
publicados em: A. M. REIS, O Bispo de Olinda perante a História, II, parte I, 142-144.
180
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 136.234-42.
520 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

intuito de obter uma censura papal contra os bispos. Nas suas instruções
estava claramente explicitado que o Governo não cederia em nada para
conseguir seu intento, o que o obrigou a escamotear os fatos e fazer falsas
promessas para conseguir algum documento pontifício no sentido
desejado181.
Assim, com nota oficial de 29 de outubro, Penedo transmitiu um
Memorandum ao Secretário de Estado, Cardeal Giacomo Antonelli. Este
documento foi elaborado para demonstrar que o conflito surgido no Brasil
tinha sido provocado exclusivamente pelo comportamento excessivamente
zeloso de D. Vital, o qual era acusado de ter interditado ilegalmente as
irmandades, de não reconhecer o recurso à Coroa e nem a legitimidade do
placet, de ter respondido com uma desobediência às ordens do Governo e
de ter publicado o breve Quamquam Dolores sem o referido beneplácito.
Pedia, então, a Santa Sé de exprimir suas «verdadeiras intenções» para por
fim ao conflito e evitar que se repetissem no futuro182.
A Secretaria dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários reuniu o
Memorandum e vários outros documentos referentes ao caso enviados pelo
Internúncio Mons. Sanguini, os imprimiu juntamente com um resumo do
que se sabia da Questão até aquele momento, e apresentou aos Cardeais da
referida congregação, que se reuniram em 6 de dezembro de 1873. Estavam
presentes: Antonelli, Patrizi, Penebianco, Di Pietro, Berardi e o Mons.
Marini, pró-secretário da congregação. Baseando-se na documentação eles
deveriam responder ao seguinte quesito: «Quale riposta convenga dare alla
domanda del Governo del Brasile espressa nella conclusione del
Memorandum [grifo original] presentato alla S. Sede?»183.
Os Cardeais decidiram que o Secretário de Estado deveria dirigir uma
nota em resposta ao Memorandum, contendo o seguinte:
Mentre si deplorasse il grave conflitto insorto nel Brasile fra i due Poteri
ecclesiastico e civile, i motivi e le circostanze che lo hanno provocato, e le
infauste conseguenze che ne sono derivate e che potrebbero derivarne, si
manifestasse la soddisfazione che il Governo in omaggio al Capo Supremo
della Chiesa ed in prova di attaccamento alla Religione Cattolica si è rivolto
alla S. Sede, invocando la sua autorità per far cessare il lamentato conflitto, e
sicuramente ad un tempo si vuole mantenere tra i due poteri la buona armonia
—————————–
181
Instruções publicadas em: A. MACEDO COSTA, A questão religiosa perante a
Santa Sé, apêndice, 44-47.
182
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 59v-63r.
183
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 35r-63r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 521

tanto necessaria per la prosperità della Chiesa e dello Stato. Si dicesse più che
in vista di tutto ciò e temendo essere presente la risposta pontificia diretta il 29
maggio del corrente anno a Monsignor Vescovo d’Olinda, il S. Padre è
disposto a giovarsi di quei mezzi che nell’alta sua sapienza e nella paterna sua
benevolenza per i cattolici brasiliani ravviserebbe opportuni, onde porne un
termine al deplorato conflitto, confidando però che il Governo concorrerebbe
dal canto suo a rimuovere tutti gli ostacoli che potrebbero intralciare il pronto
ristabilimento della desiderata concordia, ed a coadiuvare in tal guisa le
benigne disposizioni della S. Sede. Si aggiungesse infine che si crede
superfluo di fare delle osservazioni su quanto si è detto nel Memorandum
intorno al beneplacito, al quale da alcuni Governi sono sottoposti i decreti dei
Concili, le Lettere Apostoliche ed ogni altra Costituzione ecclesiastica, come
anche intorno al ricorso alla Corona, essendo ben noti i principi della S. Sede
sull’uno e l’altro argomento184.
Os Cardeais, porém, também decidiram que o Secretário de Estado
escreveria uma carta ao bispo de Pernambuco, contendo os seguintes
quesitos:
1°. Che il Vescovo senza attendere la risposta del S. Padre ha provveduto ad
atti di eccessiva severità contro le confraternite.
2°. Che dopo aver ricevuto la stessa risposta non si è uniformato ai consigli di
mansuetudine e di clemenza suggeritigli da Sua Santità, continuando a
procedere colla stessa severità contro altre confraternite.
3°. Che ha pubblicato la risposta pontificia senza esserne stato
preventivamente autorizzato, e prima che trascorresse l’anno dopo il quale
soltanto poteva far uso delle concessegli facoltà.
4°. Che avendo il Governo col mezzo d’una speciale missione implorato
l’intervento dalla S. Sede per far cessare un conflitto fecondo di gravi
conseguenze per la Chiesa, in vista di quest’atto di deferenza del Governo
verso la S. Sede e cui vista anche delle anzidette circostanze si esorti il
Vescovo a trovare un mezzo che mentre valga a salvare la sua convenienza,
renda inefficaci le misure prese contro le confraternite185.
A documentação apresentada pela Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos Extraordinários aos Cardeais continha informações
suficientemente completas sobre os fatos ocorridos, inclusive sobre as
provocações e ofensas feitas pela maçonaria brasileira, por meio da
imprensa, aos bispos e ao Catolicismo. Todavia, decidiram favorecer, de

—————————–
184
AES, Br., Sessione n. 409 della Congregazione degli Affari Ecclesiastici
Straordinari, 6 de dezembro de 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 170r-171v.
185
AES, Br., Sessione n. 409 della Congregazione degli Affari Ecclesiastici
Straordinari, 6 de dezembro de 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 170r-171v.
522 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

certo modo, o pedido do Governo, esperando evitar fatos piores, que


seriam: a prisão do bispo com o conseqüente atentado à imunidade
eclesiástica do mesmo e a expulsão do Internúncio do Brasil. Este último
fato causava extrema preocupação a Antonelli e Sanguini, podendo, muitos
dos seus atos e decisões, terem sido influenciados por tal temor186.
O Cardeal Antonelli foi acusado pelos católicos brasileiros, a começar do
próprio bispo D. Macedo Costa187, de ter sido o mentor e único responsável
pela carta mencionada, mas como foi apresentado acima, se tratou de uma
decisão da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários188. Além disso, tal decisão e um esboço da carta foram
apresentados ao Papa Pio IX que, depois de algumas modificações, a
aprovou189. Portanto, cumprindo a decisão tomada, o Cardeal Antonelli, no
dia 18 de dezembro de 1873, redigiu tanto a nota em resposta ao enviado
brasileiro quanto à carta ao bispo de Pernambuco190.
Ao se entregar a nota ao Barão de Penedo, informaram-lhe do envio de
uma carta a D. Vital por parte do Cardeal Antonelli, e não se exclui a
possibilidade que lhe tenham consentido uma rápida leitura da mesma. O
certo é que Penedo enviou um ofício ao Visconde de Caravelas afirmando
que havia conseguido cumprir o encargo que lhe fora confiado, do modo
mais satisfatório possível, pois conseguira uma censura pontifícia ao
procedimento do bispo de Pernambuco, na qual lhe era ordenado de
suspender os interditos. O mesmo ofício fornecia ainda um detalhe que
daria fama à referida carta, ao sustentar que esta se iniciava com a seguinte
sentença: Gesta tua non laudantur (os seus feitos não são louváveis). Além
disso, para garantir que seu suposto triunfo fosse logo conhecido no Brasil,
em meados de janeiro, quando estava de passagem pela França em direção

—————————–
186
AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra mons. Vescovo di Olinda o Pernambuco e
il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 41v-43v.
187
A. MACEDO COSTA, A questão religiosa perante a Santa Sé, 154-162.
188
Isso não exclui a possibilidade de Antonelli haver quiçá servido da sua relevância
para influenciar as decisões dos Cardeais. Fá-lo supor o fato que, dentre os documentos
a respeito, disponíveis no AES, referentes a dita reunião dos purpurados, existe um sem
data e sem assinatura, escrito a lápis e intitulado Voto, que pode ter sido o voto de um
dos cardeais apresentado por escrito. Se tal voto pertenceu a Antonelli, poderia ser uma
prova do suposto acima. Cópia do documento em questão se encontra nos anexos deste
estudo [AES, Br., Voto, anônimo e sem data, fasc. 185, pos. 156, f. 64r-66r].
189
AES, Br., Brasile – Quesiti proposti al Santo Padre dal Vescovo di Olinda o
Pernambuco, 1874, fasc. 186, pos. 158, f. 22r.
190
ASV, NAB, Nota colla quelle si rispose al Memoradum del Governo brasiliano e
Lettera dell’Em. Si. Cardinale Segretario di Stato al Vescovo di Pernambuco, 18 de
dezembro de 1873, Cx. 39, fasc. 178, f. 62r-63r, 64r-65r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 523

a Londres, Penedo enviou um telegrama ao Governo assegurando que a


missão havia sido um sucesso, telegrama este que foi logo publicado nos
jornais191.
D. Vital foi preso no dia 2 de janeiro de 1874, e levado ao Rio de
Janeiro. Lá chegou no dia 13, sendo recolhido ao arsenal da marinha. De
todos os lugares chegavam os apoios ao bispo prisioneiro. Os jornais
católicos ganharam uma popularidade jamais vista, e novos periódicos
confessionais eram fundados. Católicos que estavam no indiferentismo
retomavam a sua fé, e muitos fiéis que haviam entrado para maçonaria a
abjuravam publicamente por todo o Brasil. Vários párocos começavam
negar os sacramentos aos maçons e não aceitá-los como padrinhos192.
Nas várias visitas que recebeu na prisão, D. Vital foi informado dos
boatos da missão Penedo e, com certeza, seu coração se agitou. Os ofícios
enviados da Europa ao Governo e ao Internúncio Mons. Sanguini chegaram
em meados de janeiro. Sanguini, antes de entregar a carta de Antonelli a D.
Vital, procurou o Governo, pois sabia que, quando a referida missiva fora
redigida, a Santa Sé ainda não tinha sido informada da eminente prisão do
prelado de Olinda. Esperava, Mons. Sanguini, que o Governo, tendo
conseguido uma ordem para que se retirassem as interdições das
irmandades, soltaria D. Vital e colocaria fim ao conflito. No entanto, o
Governo se negou a liberar o prelado de Pernambuco, alegando que não
tinha feito promessa alguma à Santa Sé193.
—————————–
191
D. R. VIEIRA, O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil, 251-
253; AES, Br., «Monsignor Internunzio Apostolico a Rio di Janeiro rende conto della
conferenza avuta col Ministro degli esteri e col Presidente del Consiglio dei Ministri
prima di consegnare la lettera al Vescovo di Pernambuco», 22 de janeiro de 1874, em
Brasile – Quesiti proposti al Santo Padre dal Vescovo di Olinda o Pernambuco, 1874,
Fasc. 186, pos. 158, f. 27v-30v.
192
Sobre este ponto em particular é importante ressaltar alguns fatos. O bispo de São
Paulo, D. Deodato, escreveu ao Internúncio Sanguini dizendo que se fosse vontade da
Santa Sé que ele tomasse as mesmas medidas que tomou D. Vital em relação às
irmandades com membros maçons, teria ele preferido pedir a sua exoneração do
bispado. Malgrado isso, ele mesmo informava ao Internúncio que parte do seu clero
voluntariamente começou a negar os sacramentos aos maçons públicos e a não aceitá-
los como padrinhos [AES, Br., Brasile – conflitto insorto tra monsig. Vescovo di Olinda
o Pernambuco e il Governo Imperiale del Brasile, 1873, fasc. 185, pos. 156, f. 42v;
AES, Br., Officio (Riservato), 18 de março de 1874, Fasc. 186, pos. 158, f. 13v].
193
AES, Br., «Monsignor Internunzio Apostolico a Rio di Janeiro rende conto della
conferenza avuta col Ministro degli affari esteri e col Presidente del Consiglio dei
Ministri prima de consegnare la lettera al Vescovo di Pernambuco», 22 de janeiro de
1874, em Brasile – Quesiti proposti al Santo Padre dal Vescovo di Olinda o
Pernambuco, 1874, fasc. 186, pos. 158, f. 27v-30v.
524 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O Imperador D. Pedro II assim agia por tomar o ocorrido como um


desrespeito à sua autoridade, prerrogativas regalistas e direitos de
padroado. Sentindo-se ofendido, apoiou o Presidente do Conselho de
Ministros, Visconde do Rio Branco, e lhe deu a coragem que
eventualmente lhe poderia vir a faltar. Sobre o fato assim se exprimiu
Joaquim Nabuco:
O sentimento dos nossos estadistas era todo regalista; não era assim preciso
a sugestão do Imperador para o presidente do Conselho deliberar o processo
dos bispos; mas, por tudo que se sabe do caráter político e dos métodos de Rio
Branco, pode-se afirmar que, sem o apoio enérgico, voluntarioso, do
Imperador, ele teria transigido, teria ficado mais na missão a Roma do que de
uma condenação jurídica, teria deixado intervir a anistia, de que logo lança
mão seu sucessor, ou não teria, pelo menos, conservado durante o conflito a
qualidade de grão-mestre194.
Tal aliança entre o Poder Moderador e o Poder Executivo, permitiu que
vários atos ilegais fossem cometidos durante o processo, o julgamento e a
condenação dos bispos, evidenciando um aspecto autoritário da
personalidade de D. Pedro II. Sobre isso, o político liberal, Francisco de
Paula da Silveira Lobo (1826-1886), em um discurso no Senado em 1874,
argumentou que fora permitido que se cometesse um ato atentatório contra
a liberdade de consciência, contra a independência do Poder Judiciário e
contra a Constituição:
O Snr. Silveira Lobo: Senhores, a causa dos direitos dos bispos é a causa
dos direitos do povo brasileiro, é a causa da Constituição, no que há nela de
mais importante e sagrado...
O Snr. Mendes de Almeida: A constituição nada vale em favor dos Bispos.
O Snr. Silveira Lobo: ... é a grande causa do liberalismo, em uma só
palavra. O governo, o conselho de Estado, o Supremo Tribunal, cometeram
atentado. [...]
E é, Snr. Presidente, nesse estado de coisas que o governo enceta e
prossegue na senda dos mais desvairados despropósitos, das mais atrozes
iniqüidades, para humilhar e abater a religião do Estado, nas pessoas dos seus
ministros (apoiados); sem inquietar-se por levar assim de rojo a único baluarte
de estabilidade que em nossa sociedade restava por abalar (apoiados)195.
D. Pedro II por várias vezes proclamou aos Internúncios quais eram seus
pensamentos em relação à Igreja, demonstrando-se contrário aos «novos
—————————–
194
J. NABUCO, Nabuco de Araújo, um Estadista do Império, III, 356.
195
O discurso em questão, pronunciado no Senado em 1874, encontra-se também
transcrito em: A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 149-219.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 525

caminhos» que esta tomava. Posicionava-se, sobretudo, contra a


infalibilidade pontifícia, a oposição da Igreja ao casamento civil e a
secularização dos bens das ordens religiosas. Nada a admirar, portanto, que
o Imperador brasileiro, após a tomada de Roma em 1870, advinda durante
o processo final da unificação italiana, minimizando a importância do fato,
tenha tentado se fazer de intermediário entre o Rei Vitor Emanuel de
Savóia (1820-1878) e o Papa Pio IX, acreditando ser possível um acordo
entre os dois. Pio IX, entretanto, recusou categórico seus argumentos, o que
muito aborreceu ao Soberano brasileiro. Outro fato, no mínimo curioso e
inédito, é que D. Pedro, em 7 de julho de 1872, quando a Questão Religiosa
já chegara às vias de fato, tentou condecorar o Papa conferindo-lhe a Grã-
Cruz da Ordem Imperial do Cruzeiro196.
A resposta da Santa Sé a uma tão exótica forma de apreço ao Sumo
Pontífice, ou seja, querer conferir-lhe uma ordem cavalheiresca, foi a
seguinte:
Il Santo Padre è rimasto compreso di sincera gratitudine nell’apprendere il
grazioso pensiero che volle darsi S. M. nell’offrirgli la Gran Croce dell’Ordine
Imperiale della Croce del Sud. Si presenta peraltro un insuperabile
impedimento in questo tratto d’amorevolezza, imperocché nel Suo Augusto
carattere di Capo Supremo della Chiesa Cattolica, non è in grado di assumere
Onorificenze Cavalleresche. Ne abbi esempio che i Romani Pontefici abbiano
ricevuto somiglianti insegne, le quali sono ben lontana dalla Sublime
Rappresentanza di Vicario di G. C. venire quindi pregato di far note alla M. I.
siffatte ragioni che si oppongono a veder effettuato un sì obbligante
divisamento dello stesso Monarca, al Quale la Santità Sua non cessa di
essergli grandemente riconoscente197.
Voltando ao tema da carta de Antonelli, como se viu, Mons. Sanguini
não conseguiu convencer o Governo a liberar o bispo encarcerado, e
tampouco teve a coragem de entregar a D. Vital a carta quando foi visitá-lo.
Pediu então que o fizesse o bispo do Rio, D. Lacerda, solicitando-lhe,
também, de consolar D. Vital neste momento de dificuldade. Ao ler a carta,
o bispo de Pernambuco percebeu que ela tinha sido concebida antes da sua
efetiva prisão, o que mudava todo o contexto, criando inclusive um
problema prático: como aplicar tais instruções se ele estava encarcerado?
Tendo consciência das graves conseqüências que surgiriam para a Igreja se
fossem retirados os interditos naquela situação, em 24 de janeiro de 1874,

—————————–
196
ASV, NAB, Ofício da Sessão Central do Ministério dos Negócios Estrangeiros, 7
de julho de 1872, Cx. 44, fasc. 201, doc. 33, f. 73r.
197
ASV, NAB, Dispaccio, 17 de agosto de 1872, Cx. 39, fasc. 177, doc. 32, f. 184v.
526 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

escreveu uma carta ao Papa Pio IX com alguns quesitos, mesmo diante das
insistências do Internúncio para que cumprisse o mais rápido possível as
ordens expressas na missiva de Antonelli. A preocupação do Internúncio
derivava do fato que começavam a circular rumores, na imprensa, que tal
carta nunca existira, o que comprometeria Mons. Sanguini, já que tinha
garantido ao Governo que a havia entregado a D. Vital198.
Entre os dias 18 e 21 de fevereiro, D. Vital foi levado a julgamento. O
prelado não querendo se defender por considerar o tribunal incompetente
para julgá-lo, teve como defensores espontâneos dois eminentes políticos e
juristas, Zacarias de Góis e Candido Mendes. Mesmo diante da brilhante
defesa apresentada, o bispo foi condenado a quatro anos de prisão com
trabalho forçado. O mesmo ocorreu com D. Macedo Costa, bispo do Pará,
que já se vira condenado antes mesmo de ser julgado, pela Fala do Trono
de 5 de maio de 1874199. Ele foi efetivamente sentenciado a quatro anos de
prisão com trabalhos forçados, no dia 22 de julho de 1874, depois de ser
defendido espontaneamente por Zacarias de Góis e Ferreira Viana. Ambos
prelados foram julgados, por juízes quase todos maçons, e terminaram
condenados com a acusação de «obstar ou impedir o efeito das
determinações do poder Moderador e Executivo, conforme a Constituição e
as leis»200.
A falta de idoneidade do maçom Visconde do Rio Branco para estar a
frente do Governo, em um processo contra bispos que queriam a retirada
dos maçons das irmandades católicas, torna-se mais que evidente numa
carta sua a D. Pedro II, datada de 28 de fevereiro de 1874, em que afirmava
sem pudor: «Da maior importância é para mim [a punição dos bispos], que
aceitarei todas as conseqüências, inclusive a dissolução do ministério»201.
Na Santa Sé, a Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários, reuniu-se, no dia 28 de março de 1874, para responder aos
quesitos enviados por D. Vital e analisar os últimos relatórios enviados
pelo Internúncio. D. Vital, primeiro perguntava se deveria retirar a
interdição mesmo após sua prisão e a violação da imunidade eclesiástica,
em seguida, após expor todas as tentativas que fez para retirar os maçons
das irmandades, perguntava:

—————————–
198
AES, Br., Brasile – Quesiti proposti al Santo Padre dal Vescovo di Olinda o
Pernambuco, 1874, fasc. 186, pos. 158, f. 21r-36v.
199
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão Imperial de abertura da Assembléia Geral
Legislativa, 5 de maio de 1874, I, 7-8.
200
J. NABUCO, Um Estadista do Império, III, 351-352.
201
H. LYRA, História de Dom Pedro II, II, 339.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 527

1. Che debbo io fare per mettere a capo di queste Confraternite uomini


prudenti e di conosciuta probità.
2. Che debbo io fare per mettere fuori delle Confraternite i frammassoni
ostinati, o per meglio dire quasi tutti i suoi membri attuali, i quali sono
frammassoni notoriamente conosciuti come tali?
3. Che debbo io fare colle Confraternite che non vogliono assolutamente
eliminare i suoi membri frammassoni che non hanno fatto la loro abiura?
4. Che debbo io fare coi frammassoni che sono entrati nelle Confraternite
durante l’interdetto i quali nonostante la nullità della loro ammissione
pretendono avere tutti i diritti e tutte le regalie come se fossero veri
confratelli?
5. Che debbo io fare coi confratelli notoriamente conosciuti come
frammassoni terribili? Debbo, o non debbo io acconsentire che questi si
rivestano di tutte le insegna proprie, religiose, ed al tempo stesso possano essi
inservire, nonostante la scomunica, fare da padrini di battesimo e di cresima, e
ricevere ancora i sacramenti non avendo essi fatto conoscere pubblicamente la
loro abiura?
6. Che debbo io fare coi sacerdoti e Beneficiati pubblici frammassoni, e che
per ciò stesso ora si trovano sospesi dagli ordini?202
Os Cardeais deveriam responder à seguinte questão: «Quale risposta
dare ai quesiti proposti al Santo Padre dal Vescovo di Pernambuco?». Os
purpurados Patrizi, Panebianco, Di Pietro, Berardi, Antonelli e o pro-
secretário Mons. Marini, chegaram à conclusão que seria muito difícil e
perigoso responder, naquele momento, aos quesitos de D. Vital. Todavia,
se o Santo Padre decidisse responder a carta, deveria, depois de deplorar a
violência sofrida pelo bispo, ressaltar o seu «nobile e fermo contegno,
quanto per la sua piena sommissione ai voleri del S. Padre». Como
resposta aos quesitos, o Pontífice deveria dizer que, com a sua prisão,
aquelas instruções enviadas no dia 18 de dezembro de 1873, tinham se
tornado inoportunas, já que exigiam a presença do prelado na sua diocese
para a implementação203.
Os Cardeais decidiram também que o Secretário de Estado deveria
enviar uma nota ao representante brasileiro junto à Santa Sé contra a prisão
de D. Vital e informá-lo que, por este motivo, não seria possível executar
as disposições passadas anteriormente ao prelado de Olinda. Por último,
pedia-se que a cópia da carta de Antonelli que estava com D. Vital fosse
—————————–
202
AES, Br., «Lettera che il Vescovo di Pernambuco ha diretto al S. Padre», 24 de
janeiro de 1874, em Brasile – Quesiti proposti al Santo Padre dal Vescovo di Olinda o
Pernambuco, 1874, fasc. 186, pos. 158, f. 31r-33v.
203
AES, Br., Sessione n. 413 della Sagra Congregazione degli Affari Ecclesiastici
Straordinario, 28 de março de 1874, fasc. 186, pos. 158, f. 37r-38v.
528 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

devolvida ao Internúncio, devido às insistências do Governo Imperial para


ter uma cópia da mesma, evitando, assim, que lhe fosse retirada à força. Se
deveria, também, ordenar a D. Macedo que não desse publicidade à cópia
da carta de Antonelli que lhe fora enviada204.
O Papa Pio IX respondeu ao bispo de Pernambuco em 26 de agosto de
1874. D. Vital, ao receber a resposta do Pontífice, e após ter conhecimento
destas decisões, decidiu queimar a carta de Antonelli, ao invés de entregá-
la ao Internúncio205.
Estes fatos condenaram a Missão Penedo ao total fracasso, pois a
missiva de Antonelli foi constantemente questionada pela imprensa e pelos
políticos católicos. O Governo não pôde provar sua existência, a não ser
vários anos depois, quando D. Macedo Costa a publicou no seu livro A
Questão Religiosa perante a Santa Sé, e se pôde constatar que a frase
referida por Penedo, Gesta tua no laudantur, não existia206.
Ao contrário do que poderiam imaginar a maçonaria e o Imperador, a
Igreja não reviu sua posição e o desgaste político provocado pela questão
foi enorme. Os governadores dos bispados de Pernambuco e Pará,
nomeados pelos seus prelados, também resistiram às ofensivas do poder
civil e terminaram igualmente presos. A opinião pública, não só católica,
cada vez mais dava apoio aos prelados prisioneiros. O Papa Pio IX
escreveu, em 9 de fevereiro de 1875, ao Imperador D. Pedro II, pedindo
que os bispos fossem libertados e prometendo que, após a soltura, daria
ordem para a imediata suspensão dos interditos às Igrejas207. O Imperador,
todavia, obstinado na sua decisão, nem mesmo respondeu à carta pontifícia,
somente mandou dizer aos seus ministros que «o poder moderador não
transige»208.
Após a queda de Rio Branco, foi chamado o Duque de Caxias para
presidir o novo Gabinete. Apesar da oposição do Soberano a conceder
anistia aos bispos, Caxias impôs como condição prévia para assumir o
cargo, o perdão da pena contra os prelados reclusos. O Imperador cedeu e,

—————————–
204
AES, Br., Sessione n. 413 della Sagra Congregazione degli Affari Ecclesiastici
Straordinario, 28 de março de 1874, fasc. 186, pos. 158, f. 37r-38v.
205
AES, Br., Brasile – Memoriale Presentato alla S. Sede da Mons. Gonçalves
vescovo di Olinda o Pernambuco sula Questione Religiosa, 1876, fasc. 187, pos. 162, f.
50r-51r.
206
A. MACEDO COSTA, A questão religiosa perante a Santa Sé, 154-162.
207
AES, Br., A sua Maestà Pietro II Imperatore del Brasile, 9 de fevereiro de 1875,
fasc. 186, pos. 158, f. 62r-65v.
208
J. NABUCO, Nabuco de Araújo, um Estadista do Império, III, 356.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 529

com o apoio da Princesa Isabel, Caxias conseguiu que em 17 de setembro


de 1875, ambos os prelados fossem anistiados209.
Após a anistia, o Papa Pio IX decidiu que as interdições das Igrejas, não
as das irmandades, deveriam ser retiradas, como havia prometido ao
Imperador com a carta enviada em 9 de fevereiro. A Secretaria de Estado
do Vaticano decidiu executar tal decisão reenviando a carta de Antonelli
aos bispos D. Vital e D. Macedo. Quando isto foi feito, D. Vital estava em
viagem para Roma, com intuito de esclarecer sua posição perante a Santa
Sé, e o fez por meio um Memorial redigido em 27 de novembro de 1875210.
Por esta razão, a carta foi enviada ao governador do bispado de
Pernambuco, que retirou imediatamente as interdições tanto das Igrejas,
quanto das Irmandades. D. Macedo recebeu a carta quando estava na
Bahia, assistindo seu pai no leito de morte, e ordenou ao seu governador
que retirasse somente as interdições das Igrejas211.
Além disso, no dia 29 de abril 1876, Pio IX enviou ao episcopado
brasileiro a encíclica Exorta in ista ditione, com normas precisas para se
iniciar uma reforma das irmandades religiosas212. Na verdade, a partir deste
documento o tema da Questão Religiosa se dividiu em dois campos: de um
lado, a questão em si mesma prosseguia, com os conflitos entre o bispo do
Pará e as irmandades interditadas. Em contrapartida, com a encíclica
Exorta in ista ditione, inicia-se uma conseqüência da questão, ou seja, o
processo de reforma das irmandades religiosas e a relação da Igreja com a
maçonaria, que será vista no próximo subtítulo.
A referida encíclica originou-se após uma sessão dos Cardeais da Sacra
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinário, na qual
procuraram responder de formar satisfatória aos quesitos anteriormente
levantados por D. Vital e ao seu Memorial213.
—————————–
209
Para detalhes sobre o Gabinete Caxias e a anistia dos bispos D. Vital e D. Macedo
consultar a obra: E. V. MORAIS, O Gabinete Caxias e a anistia aos bispos na «Questão
Religiosa».
210
AES, Br., Memoriale presentato alla S. Sede da Mons. Gonçalves, Vescovo di
Olinda o Pernambuco, sua Questione Religiosa, 27 de novembro de 1875, fasc. 187,
pos. 162, f. 8r-14r, existem outras copias também nas folhas: 16r-25r, 26r-35r54r-59v.
211
ASV, NAB, Portaria do governador do bispado de Belém, cônego Sebastião
Borges de Castilho, 26 de novembro de 1875, Cx. 48, fasc. 222, doc. 9, f. 68r.
212
AES, Br. Lettera Enciclica di Pio IX a tutti vescovi del Brasile: Exorta in ista
ditione, 29 de abril de 1876, fasc. 187, pos. 162, f. 74r-77v.
213
AES, Br., Sessione n. 427 da Sagra Congregazione degli Affari ecclesiastici
Straordinari, 11 de fevereiro de 1876, fasc. 187, pos. 162, f. 65r-69v, 71r-72r. Até o
presente momento, essa distinção não havia sido considerada pelos estudiosos da
problemática das irmandades e dos maçons no Brasil. Entretanto, ela é necessária, pois,
530 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

O conflito seguiu avante, ainda que de uma forma mais discreta. A Igreja
não recuou e tampouco o fez a maçonaria. Em 1877, esta última recebeu o
apoio de Rui Barbosa, que, após a promessa – não cumprida – de uma
polpuda ajuda da parte de Saldanha Marinho, resolveu publicar a tradução
que fizera da obra de Johann Joseph Ignaz von Döllinger, O Papa e o
Concílio. Acrescentou, porém, como se viu anteriormente, uma enorme
introdução, em que ironizava as mudanças eclesiais acontecidas no Brasil,
cunhando o termo «romanização», com o qual qualificava o que entendia
ser a indevida absorção das distintas igrejas pelo papado214.
Pouco depois, em 14 de julho de 1878, D. Vital faleceu em Paris, e seu
sucessor, D. José Pereira da Silva Barros, sagrado em 1881, logo procurou
resgatar o termo «romano», afirmando que «dizer-se católico, mas não
romano, é rejeitar o centro da unidade e afirmar simplesmente um
absurdo»215. Assim, como as polêmicas apenas mudaram de tom sem se
extinguirem totalmente, colaboraram para o enfraquecimento da já
combalida Coroa. D. Pedro II, apesar de não ser maçom, apoiou as
«grandes lojas» por razões próprias: como se viu, ele sentira que a atitude
dos bispos atentava contra seus «direitos» (padroado, beneplácito). No
entanto, nenhuma gratidão obteve, pois os maçons bandeariam em peso
para a república e, além disso, fez o trono perder o apoio de muitos
católicos. Como diria Pandiá Calógeras, a intransigência do Imperador foi
o «mais grave erro político cometido no segundo reinado»216.
No Pará a interdição das irmandades e o conflito entre o bispo D.
Macedo e os maçons continuaram até os inícios da década de 1880. Após a
anistia, a Questão Religiosa no Pará tomou características provinciais, com
um grande envolvimento das autoridades governamentais locais em apoio e
defesa dos maçons. Houve, inclusive, várias prisões de padres. A situação
se degenerou quando a confraria de Nazaré, desativada a várias décadas, foi
tomada pelos maçons, que ocuparam também a ermida de N. S. de Nazaré.
Para complicar a situação, uma das festas religiosa mais importantes da
província era realizada próprio naquela Igreja e com a imagem ali presente

enquanto a Questão Religiosa, em si, tornou-se extremamente política, a reforma das


irmandades ganhou novo impulso após o período agudo do conflito, tendo se tornado
um tema relevante no processo de reforma interna da Igreja no país. O fato tampouco
excluiu certas implicações políticas, como era previsível que sucedesse, a causa dos
nomes dos leigos envolvidos [ndr.].
214
R. BARBOSA, O Papa e o Concílio, 167.
215
J. P. S. BARROS, Carta Pastoral do Bispo de Olinda saudando aos seus
diocesanos depois de sua sagração, 18.
216
J. P. CALÓGERAS, Estudos Históricos e Políticos, 34.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 531

de N. S. de Nazaré. Esta festa existe ainda hoje e é conhecida como: Círio


de Nazareth217.
Devido a algumas desordens ocorridas no Círio de 1878, organizado pela
confraria de Nazaré, a festa, na sua parte religiosa, passou a ser realizada
sem a permissão do bispo e sem a participação do clero até 1880, como se
fosse um rito de ordem civil. Todavia continuaram, sob a proteção do
governo provincial, a utilizarem a imagem de Nossa Senhora de Nazaré,
que era um símbolo sagrado para os católicos. Este fato serviu como
exemplo e estimulou a invasão de várias igrejas na província e a celebração
de diversos «ritos civis» em várias paróquias, inclusive batismos,
casamento e funerais218.
D. Macedo e seu clero resistiram e, entre 1880 e 1881, a confraria de
Nazareth e as ordens terceiras interditadas durante a Questão Religiosa se
submeteram, expelindo os maçons que não quiseram abjurar219. Estes fatos
ocorriam ao mesmo tempo em que se tentava implementar a reforma das
irmandades, confrarias e ordens terceiras em todo o país.

2.3. Irmandades, confrarias e ordens terceiras:


a difícil implementação da reforma anti-maçônica
A maçonaria brasileira já era uma preocupação da Santa Sé desde as
Instruções elaboradas para serem entregues ao Núncio Mons. Bedini em
1852. Nelas se tratava desse tema na parte em que se referia às reformas a
serem realizadas no clero e no povo, começando por uma Carta Apostólica
que seria escrita pelos bispos reunidos em conferência. No entanto, ofícios
precedentes de alguns encarregados pontifícios, já haviam feito menção à
sociedade secreta maçônica, na maioria das vezes, se referindo a eventos
políticos. Isso mudou somente depois da Questão Religiosa, que deixou
evidente para a Santa Sé o grau de influência que a maçonaria detinha nas
irmandades leigas, nas ordens terceiras e, conseqüentemente, sobre
algumas igrejas e párocos.
—————————–
217
O Círio era a festa na qual a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, num dia, pela
parte da tarde, era transportada solenemente da capela do Colégio do Amparo para a
capela do palácio do Governo. No outro dia, dali era levada para a ermida de N. S. de
Nazaré. O Círio era o fim da festa popular que durava 15 dias. [A. A. LUSTOSA, Dom
Macedo Costa, 397-398].
218
AES, Br., Officio, 2 de junho de 1880, fasc. 10, pos. 200, f. 11r-13r, ver também:
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, p. 397-493.
219
AES, Br., Ofícios sobre a submissão das ordens e irmandades, 30 de novembro
de 1880, 20 de janeiro de 1881, fasc. 10, pos. 200, f. 16r-28r; A. A. LUSTOSA, Dom
Macedo Costa, 486-488.
532 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Após a anistia dos bispos envolvidos na Questão, buscaram-se maiores


detalhes do que havia ocorrido, por meio de vários relatórios e Memoriais,
que foram enviados à Santa Sé pelos seus representantes e pelos prelados
interessados. Daí para frente organizou-se um plano para reformar as
confrarias e ordens terceiras. O primeiro ato da Santa Sé neste sentido foi a
supracitada Carta Encíclica de Pio IX, Exorta in ista ditione, datada de 29
de abril de 1876. Ela era dirigida aos bispos brasileiros e, entre outras
coisas, os incitava a reformar as irmandades220.
Na Exorta in ista ditione, depois de elogiar e aprovar a ação dos bispos
D. Vital e D. Macedo na Questão Religiosa, explicava:
Somos ainda forçados a deplorar o abuso de poder da parte daqueles que
presidem às referidas irmandades, pois, como chegou ao Nosso conhecimento,
tomando eles tudo à sua conta, atrevem-se a usurpar um direito indébito sobre
as coisas e pessoas sagradas, e sobre o que é de origem espiritual, de modo
que os Sacerdotes e os próprios Párocos, no exercício de suas funções, ficam
totalmente sujeitos ao poder deles. Fato este que não só se opõe às leis
eclesiásticas, senão à própria ordem constituída em sua Igreja por Nosso
Senhor Jesus Cristo; pois não foram os leigos postos por Jesus Cristo para
reitores das cousas eclesiásticas, mas devem por sua utilidade e salvação estar
sujeitos a seus legítimos Pastores, limitando-se cada um, conforme seu estado,
a coadjuvar o Clero, sendo-lhe vedado ingerir-se naquelas coisas que foram
por Jesus Cristo confiadas aos sagrados Pastores.
Assim, pois, nada reconhecemos mais necessário do que reformarem-se
devidamente os estatutos das ditas irmandades, e que tudo o que nelas há de
irregular e incongruente nesta parte se conforme convenientemente às leis da
Igreja e à disciplina canônica221.
No mesmo ano foram entregues as Instruções ao Internúncio Cesare
Roncetti. Nelas, a questão da reforma das irmandades era abordada nos
parágrafos 31 ao 35. O primeiro objetivo seria negociar com o Governo no
sentido de: 1º. Liberar as Confrarias da «peste do maçonismo»; 2º. Definir
as relações convenientes entre os párocos e as confrarias; 3º. Estabelecer
uma maior autoridade e jurisdição dos Ordinários sobre as mesmas.
Almejando este objetivo, se deveriam dissolver as irmandades envolvidas
na Questão Religiosa, reformar os estatutos das remanescentes e se
refazerem, pelos Ordinários, novos estatutos para aquelas que fossem

—————————–
220
AES, Br., Minuta della Lettera Enciclica di Pio IX a tutti i Vescovi del Brasile
sulla massoneria, 29 de abril de 1876, fasc. 187, pos. 162, f. 74r-77v.
221
Tradução da Exorta in ista ditione em A. MACEDO COSTA, A questão religiosa
perante a Santa Sé, 303.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 533

dissolvidas. Caso não se conseguisse que se dissolvessem as ditas


confrarias, se deveria buscar impor a elas um Visitador222.
A reforma dos estatutos das confrarias atingiria três pontos: 1º. A
inclusão de um artigo sobre a admissão e expulsão dos membros,
declarando-se, expressamente, que não poderia fazer parte da confraria
nenhum indivíduo inscrito na maçonaria, ou em qualquer outra seita
condenada pela Igreja. Os maçons que nelas existissem deveriam ser
expulsos ou se retratarem renunciando à seita; 2º. Definir as relações que
deveriam existir entre os párocos e as confrarias, e que estas fossem
erigidas nas igrejas, capelas ou oratórios, dentro dos limites das respectivas
paróquias, para se diminuir a ingerência das confrarias sobre as funções
sacerdotais. As suas relações com os párocos deveriam se regular pelo
decreto Urbis et Orbis, emanado em 10 de dezembro de 1703, pela Sacra
Congregação dos Ritos; 3º. Os estatutos deveriam definir que as confrarias
dependeriam do ordinário, tanto no espiritual quanto no temporal, dando
aos bispos o direito de: corrigir e reformar os estatutos, de visitar as
confrarias e de pedir prestação de contas aos seus administradores. Caso as
negociações com o Governo para aplicação destas reformas resultassem
infrutíferas, o Internúncio poderia declarar que a Santa Sé «seria
constrangida a tirar delas o seu caráter religioso e considerá-las como
meras associações civis»223.
É fácil perceber que tais instruções eram impraticáveis, pois o Governo
imperial jamais aceitaria que as confrarias passassem a depender
exclusivamente do ordinário, ainda mais após os conflitos da Questão
Religiosa. No entanto, o Internúncio não perdeu tempo e, poucos dias após
sua chegada, se encontrou com o Ministro das Relações Exteriores, João
Maurício Wanderley, barão de Cotegipe. Foi o Ministro a entrar na questão
dos maçons, para se lamentar que D. Vital tinha publicado a Carta
Encíclica Exorta in ista ditione, sem o placet, declarando que para o Estado
esta questão era «gravíssima». Aproveitando a deixa, o Internúncio
respondeu que para a Santa Sé era muito simples: «non potendosi
permettere che nelle confraternite approvate dalla Chiesa vi siano coloro
che fanno parte di altre società condannate dalla Chiesa»224.
O Ministro explicou ao Internúncio que havia dificuldade na aplicação
dos princípios expostos no caso das confrarias brasileiras. Pediu, então, que
—————————–
222
AES, Br., Instruções per Mons. Cesare Roncetti, Arcivescovo di Seleucia in p.i.,
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1876, fasc. 188, pos. 164, f. 7r-23r.
223
AES, Br., Instruções per Mons. Cesare Roncetti, Arcivescovo di Seleucia in p.i.,
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile, 1876, fasc. 188, pos. 164, f. 7r-23r.
224
AES, Br., Officio, 4 de setembro de 1876, fasc. 190, pos. 170, f. 8r-9v.
534 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

aguardasse o fim das eleições que aconteceriam no primeiro domingo de


outubro, pois os maçons poderiam se aproveitar disso para embaraçar o
Governo em exercício. Mons. Roncetti respondeu que se poderia esperar,
mas preveniu que, para a Santa Sé, era uma questão de princípios e não
poderia transigir. Informava ainda que caso não se chegasse a um acordo,
se retiraria a aprovação canônica dada às irmandades que possuíam
membros maçons225.
Passaram-se as eleições, o Internúncio e o Governo não retomaram as
negociações, mesmo se alguma coisa favorável aos projetos da Santa Sé
havia acontecido. Em 13 de abril de 1877, Mons. Roncetti informou que o
Ministro do Império comunicara que em todos os estatutos de irmandades
que o Governo vinha aprovando, após a Carta Encíclica, foram incluídos
um artigo que declarava que não poderiam fazer parte delas aqueles que
estavam sujeitos a censuras eclesiásticas226.
No entanto, a Santa Sé não ficou satisfeita e, em 12 de outubro de 1877,
enviou um telegrama ao Mons. Roncetti pedindo imediatas informações
sobre a execução do parágrafo 31 a 36 das instruções. O Internúncio
respondeu que não havia nenhuma novidade227.
Foi enviado, então, um despacho a Mons. Roncetti, no qual lhe era
cobrada uma ação da sua parte, já que as eleições tinham passado e as
negociações não haviam sido retomadas. Pediam-se novas informações
para que se pudesse completar uma relação a ser apresentada aos Cardeais
da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, para
que se pronunciassem. Ordenava que Mons. Roncetti procurasse um
colóquio com o Ministro dos Negócios Exteriores, para buscar os devidos
acordos a fim de resolver a questão da retirada dos maçons das irmandades.
Isto posto, insistia:
Tornare a ripetere al Sig. Ministro che l’attuale controversia è una di quelle
questioni di principio, su cui la S. Sede non può in nessun modo transigere, e
che se non si farà ragione alle sue giuste domande questa si vedrà costretta,
suo malgrado, anzi col più vivo dolore di ritirare l’approvazione concessa alle
confraternite228.
Mons. Roncetti agiu com presteza e enviou uma carta ao Ministro Diogo
Velho Cavalcanti, em 21 de novembro de 1877, conforme as indicações do
despacho. No entanto, a situação tinha mudado e o ministério era outro,
—————————–
225
AES, Br., Officio, 4 de setembro de 1876, fasc. 190, pos. 170, f. 9v-10r.
226
AES, Br., Officio, 13 de abril de 1877, fasc. 190, pos. 170, f. 12r-15v.
227
AES, Br., Officio, 14 de outubro de 1877, fasc. 190, pos. 170, f. 72r-73v.
228
AES, Br., Dispaccio, 19 de outubro de 1877, fasc. 190, pos. 170, f. 74r-75v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 535

menos favorável à Igreja. Na referida carta, o Internúncio fez referência às


negociações tidas com o ministro anterior, o Barão de Cotegipe, e
continuou explicando que para Santa Sé era uma questão de princípio não
negociável, e que, se não chegassem a um acordo, seriam retiradas às
aprovações canônicas das confrarias. Mons. Roncetti deixava claro que a
preferência era por um acordo e que reconhecia que o Governo já tinha se
mostrado disposto a isso incluindo um artigo, nos novos estatutos das
confrarias por ele aprovado, no qual se declarava que as pessoas que
tivessem censuras eclesiásticas não poderiam participar229.
A pressa da Santa Sé em resolver esta questão das irmandades com o
Governo residia no temor que se a situação se conservasse igual àquela
anterior a Questão Religiosa, desencorajaria «i buoni e ferventi cattolici»,
dando maior força e audácia aos «malvados», fazendo crer que a Santa Sé,
depois de ter renovado «com tanta solenidade as condenações e censuras
pontifícias contra a maçonaria brasileira, quisesse retroceder, como se
tivesse sido persuadida daquilo que se glorificam os maçons» do Brasil, ou
seja, que não eram hostis a Igreja230.
A reposta do Ministro Diogo Velho veio em 4 de dezembro de 1877, e
com certeza não foi àquela esperada pelo Internúncio e pela Santa Sé. De
forma clara e direta respondia o Ministro:
Nestas circunstâncias, quando o país luta com serias e notáveis dificuldades
internas, anuncia V. Ex.ma que a Santa Sé não pode mais temporizar, pede em
seu nome a solução de um negócio que ela considera como questão de
princípio sobre a qual é impossível transigir, e declara que se as suas
reclamações não forem atendidas, retirará a autorização eclesiástica
concedida às confrarias! [grifo original] Assim se vai atear o mal extinto
incêndio da chamada questão religiosa231.
O Ministro continuava sua resposta dizendo que o Internúncio, com
certeza, desconhecia as relações das confrarias com o poder civil e o dever
que o Governo tinha de garantir os direitos dos seus membros. Concordava
que o Governo não podia ficar indiferente aos «legítimos interesses» da
Religião de Estado, mas que os efeitos dos mesmos eram danosos à
tranqüilidade pública. Esclarecia que a administração civil não se envolvia
«no que é puramente espiritual» e a prova disso era a aprovação dos

—————————–
229
AES, Br.,Carta ao Ministério sobre a reforma das irmandades, 21 de novembro
de 1877, fasc. 190, pos. 170, f. 78r-79r.
230
AES, Br., Dispaccio, 11 de novembro e 1877, fasc. 190, pos. 170, f. 81r-81v.
231
AES, Br., Reposta do Ministro a carta enviada pelo Internúncio sobre a reforma
das irmandades, 14 de dezembro de 1877, fasc. 191, pos. 170, f. 53r.
536 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

estatutos com a causa «introduzida pelos Diocesanos e não pelo governo,


como V. Ex.ma crê», de não aceitarem indivíduos que estiverem sob
censura eclesiástica. Sendo, segundo o Ministro, «este meio brando e
eficaz, posto que demorados em seus resultados». Acusava o Internúncio
de não se satisfazer com tal medida, mas pretender uma reforma de todas as
confrarias com a intervenção civil que, mesmo se a achasse conveniente,
ainda deveria obter as faculdades para sua execução do Poder
Legislativo232.
O Ministro terminava sua carta de forma dura e com explícita defesa do
o padroado segundo a versão regalista imperial:
Se a exclusão dos maçons das confrarias é questão de principio de tal ordem
que por amor dela se vão sacrificar outros muitos e importantes interesses da
Igreja em suas relações com o Estado, a este corre o indeclinável dever de
manter a própria independência e os direitos do Padroado, por quanto se para
semelhante exclusão a Santa Sé invocará as Bulas Pontifícias que a
prescreveram, o Estado alega que tais Bulas nunca foram placitadas pelo poder
civil, condição sem a qual não tem força obrigatória na parte que não for
puramente espiritual. Eis a barreira invencível que V. Ex.ma levanta contra
qualquer acordo sobre um assunto antes disciplinar que de principio.
Em semelhante condição nada há que resolver, e sinto dizer a V. Ex.ma que
seriam inúteis os bons ofícios e a meditação que de mim solicita para obter a
realização dos desejos expressados em sua carta. Entretanto se V. Ex.ma tem
instruções da Santa Sé para propor alguma coisa ao Governo Imperial, acredite
que este não escusara de ouvi-lo, mas então sirva-se formular suas proposições
por escrito e oficialmente.
Usando da mesma franqueza de V. Ex.ma, não concluirei sem declarar-lhe
que julgo da maior inconveniência para os interesses reais da Religião
Católica, [...] renovar ainda essa desgraçada questão da maçonaria. Não se
iluda V. Ex.ma as disposições do espírito público em todo o Brasil são
infensas a novos conflitos entre a Igreja e o Estado, e a luta contra o poder
civil repugna a maioria dos católicos esclarecidos e sinceros. Contra os
adversários da própria fé os meios profícuos são outros, como V. Ex.ma bem
sabe; a persuasão, o conselho e o ensino. Regenere-se o Clero católico,
cumpra a sua santa missão, doutrine com a palavra e ainda melhor com o
exemplo. Eis o que a Sana Sé deve recomendar aos Bispos, que neste
empenho tem encontrado e encontrarão sempre o mais franco e decidido apoio
do Governo Imperial. Se apesar de tudo novas provocações surgirem, o
Governo Imperial reagirá com energia, e sabe Deus quantas tristezas virão
enlutar os corações dos bons filhos desta terra de Santa Cruz, onde só depois
—————————–
232
AES, Br., Reposta do Ministro a carta enviada pelo Internúncio sobre a reforma
das irmandades, 14 de dezembro de 1877, fasc. 191, pos. 170, f. 53r-53v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 537

dos interditos lançados por D. Frei Vital desenvolveu-se a propaganda contra a


Santa Sé233.
O Internúncio Mons. Cesare Roncetti, recebeu essa resposta como uma
recusa do Governo, em termos «duri ed anche ostili ad accogliere le
domande della S. Sede»234. A Santa Sé decidiu, então, mudar de estratégia e
atuar a reforma por meio da ação dos bispos. A primeira medida neste
sentido foi responder a um pedido de instruções feitas por Mons. Roncetti,
em 19 de fevereiro de 1877. Percebendo, o Internúncio, as desigualdades
que existiam no Império em relação à administração dos sacramentos aos
maçons, onde nem os bispos e nem o clero agiam uniformemente, pediu à
Santa Sé que desse aos prelados brasileiros linhas precisas, para traçar uma
regra uniforme para que o clero observasse, principalmente em relação à
administração dos sacramentos do Batismo, Crisma e Matrimônio235. Este
pedido foi atenciosamente examinado pelo Supremo Tribunal do Santo
Ofício que, em 3 de junho de 1878, elaborou algumas instruções aos
prelados do Império do Brasil sobre o referido tema236.
As Instruções da Inquisição podem ser resumidas nos seguintes pontos
principais: 1º – O padre, não conseguindo impedir os matrimônios dos
maçons com os católicos, deveria advertir o bispo, ao qual era dada a
faculdade de permitir ao pároco somente a assistência passiva, porém,
tendo neste assunto sempre às devidas precauções; 2º – Os bispos deveriam
ordenar aos confessores, em nome da Santa Sé, de advertir os penitentes a
não se inscreverem nas sociedades dos maçons, e de negarem a absolvição
dos pecados aos pertinazes; 3º – Os maçons notoriamente conhecidos não
deveriam ser aceitos como padrinho de batizado e crisma; 4º – Aos mesmos
—————————–
233
AES, Br., Reposta do Ministro a carta enviada pelo Internúncio sobre a reforma
das irmandades, 14 de dezembro de 1877, fasc. 191, pos. 170, f. 53v-54r. Esclareça-se
que muitas das argumentações do Ministro não correspondiam à realidade dos fatos,
como visto anteriormente, principalmente ao dizer que somente depois dos interditos
lançados por D. Vital se desenvolveu a propaganda contra a Santa Sé. Esta propaganda
vinha desde muito tempo e se intensificou após o Syllabus, a encíclica Quanta Cura e a
definição do dogma da infalibilidade papal [ndr.].
234
AES, Br., Officio, 30 de dezembro de 1877, fasc. 191, pos. 170, f. 68v.
235
AES, Br., Nota di Mons. Angelo Giacobini Assessore del Santo Padre, 19 de abril
de 1878, fasc. 2, pos. 172, f. 7f
236
AES, Br., Instructio ad Rmos Ordinarios Imperii Brasiliani de modo se gerendi
cum assectis Sectae Massonicae quoad administrationem Sacramentorum, et
sepulturam ecclesiastieam, em Dispaccio 27522, 9 de julho de 1878, fasc. 2, pos. 172, f.
9f-10v; o mesmo documento se encontra em: AES, Br., Brasile – Conferenza dei
Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni- Sommario
Num. I, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 45-48.
538 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

não se deveria dar a sepultura eclesiástica, senão depois de terem se


retratado e com a absolvição estivessem reconciliados com a Igreja. Caso
não tivessem tido tempo de se reconciliarem antes de morrer, porém,
tivessem dado sinais de arrependimento, se poderia dar a sepultura
eclesiástica, no entanto, sem a solenidade das exéquias; 5º – Caso algum
impedimento de sepultura eclesiástica produzisse alguma desordem, nem o
pároco ou um seu enviado deveriam concorrer de nenhum modo; 6º – De
nenhum modo se deveria permitir aos maçons assistirem à missa e a outras
funções eclesiásticas oficiais e se deveria proibir aos eclesiásticos de
celebrarem missa ou outras funções sagradas por ordem ou pedido de
maçons, ou ainda, quando por eles anunciado e publicado nos convites ou
na imprensa237.
Estas instruções foram mandadas ao Encarregado Mons. Matera, com o
despacho 27522, de 9 de junho de 1878, juntamente a outras
«reservadíssimas» redigidas pela Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos Extraordinários, traçando uma norma comum de ação, com o
intuito de render uniforme a conduta prática em relação à reforma das
confrarias que possuíam membros maçons. Seus pontos principais eram:
1°. Che il Santo Padre onde purgare le confraternite dalla peste del
massonismo ha ordinato si diano ai Prelati opportune istruzioni; 2°. A
quest’intento quando si scopre che una Confraternita n’è infetta, e ogni altro
mezzo torna inutile a purgarla, il Santo Padre autorizza gli Ordinari a ritirare
l’istituzione canonica, e ad affidarne il regime a commissari interini nominati
dagli Ordinari; 3°. È vietato ai Vescovi approvare gli statuti di nuove
Confraternite nella forma consueta, ma vi sostituiscano delle pie unioni
dipendenti unicamente dall’Ordinario; 4°. Gli stessi provvedimenti a più forte
ragione dovranno prendersi pei Terzi Ordini infetti di massoneria; 5°. Il S.
Padre accorda ai Vescovi le facoltà necessarie per assolvere quei massoni che
si convertano; 6°. Esorta i Vescovi all’unione, e li assicura che la Santa Sede
non mai intese censurare quelli che hanno combattuto per la Chiesa; 7°. A
ottenere meglio quest’unione il Santo Padre giudica espediente che i Vescovi
si riuniscano in conferenza; 8°. Che in essa dovrà pure trattarsi della circolare
—————————–
237
AES, Br., Instructio ad Rmos Ordinarios Imperii Brasiliani de modo se gerendi
cum assectis Sectae Massonicae quoad administrationem Sacramentorum, et
sepulturam ecclesiastieam, em Dispaccio 27522, 9 de julho de 1878, fasc. 2, pos. 172, f.
9f-10v; o mesmo documento se encontra em: AES, Br., Sommario Num. I, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni- fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 45-48; AES, Br., Voto del Revmo P.
G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile – Conferenza dei Vescovi per eseguire le
istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni-, fasc. 8, pos. 189, fascicolo
inserito, 10-11.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 539

governativa sulla provvista delle cattedre nei Seminari. Di questa conferenza


si darà poi relazione alla Santa Sede238.
Precedentemente foi visto como a idéia de reunir os bispos em
conferência havia sido frustrada e como se preferira que o representante
pontifício encontrasse os prelados um a um e lhes passasse as instruções do
Santo Ofício e da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários. O Encarregado de Negócios, Mons. Luigi Matera, conferiu
com quase todos os bispos do Império, de novembro de 1878 a abril de
1879, com alguns deles mais de uma vez, como foi o caso dos prelados de
Ceará, Rio de Janeiro, do Pará e o Arcebispo da Bahia. Nestas ocasiões
passou as referidas instruções e pressionou pela sua execução. O resultado
foi a quase total oposição do episcopado brasileiro, exceto D. Macedo
Costa, «sempre combativo e pronto a seguir as ordens da internunciatura».
Os demais eram da opinião que, depois da Questão Religiosa, os interesses
da religião estavam melhorando, que se deveria agir com calma e prudência
e que a Santa Sé não conhecia bem a situação brasileira. No entanto
estavam prontos a «appiccar fuoco alla miccia», assim que fosse ordenado
pelo Encarregado. Este, não querendo assumir a responsabilidade de tal
ordem e suas possíveis conseqüências, pediu novas instruções à Santa
Sé239.
Foi requerido, então, ao consultor dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários, pe. Giuseppe Maria Granniello (1834-1896), Procurador
Geral dos Barnabitas, o seu Voto, apresentando os pontos que deveriam ser
discutidos pelos Cardeais da Sacra Congregação a qual ele pertencia. Em
tal documento, ele começava questionando três pontos: 1º – Qual era este
«segnale» que os bispos esperavam, depois de terem recebido precisas
instruções do Santo Ofício e dos Negócios Eclesiásticos, sendo que nelas
fora claramente declarada que era por ordem do Santo Padre; 2º – Era
necessário averiguar se era verdade o que o Metropolitano e os dois bispos,
do Ceará e do Rio de Janeiro, garantiam, ou seja, que depois da última luta
se tinha melhorado muito o estado da Igreja. Outras informações mandadas
—————————–
238
Este resumo das instruções foi extraído do AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M.
Granniello de’Barnabiti, em Brasile – Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni
date dalla S. Sede intorno ai frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fasc. inserido p. 10-11. O
Despacho 27.522 com as instruções se encontra em: AES, Dispaccio 27522, 9 e junho
de 1878, fasc. 2, pos. 172, f. 11r-16r
239
AES, Br., Officio, 27 de abril de 1879, fasc. 7, pos. 189, f. 21r-21v; AES, Voto del
Rev.mo P. G. M. Granniello dei Barnabiti, em Brasile – Conferenza dei Vescovi per
eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni, fasc. 8, pos. 189,
fascicolo inserito, 12-13.56].
540 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

pelo bispo do Pará e obtidas pelos relatórios dos encontros entre o


Encarregado e os Ministros indicavam o contrário; 3º – Se realmente, como
garantiam os bispos, a execução completa das instruções seria inoportuna e
nociva, e se afirmativo, o que se deveria esperar. A estes três
questionamentos respondia: 1º – Que não faltam provas para demonstrar o
«gravíssimo» estado da Igreja no Brasil; 2º – Que os problemas não só
continuavam, mas aumentavam; 3º – Que as afrontas a Santa Sé recebidas
do Governo e a resistência dos bispos em obedecer às instruções, poderiam,
não só contribuir a uma vitória maçônica, mas desacreditar a autoridade da
Santa Sé e seus representantes no Brasil240.
Mons. Granniello também apresentou alguns argumentos favoráveis às
posições dos bispos contrários a aplicação das instruções: 1º – O perigo
próximo de uma lei sobre o matrimônio civil e de outras leis hostis a Igreja,
como a liberdade de cultos. A implementação das instruções do Santo
Ofício, no ponto que concernia aos matrimônios dos maçons, poderia se
tornar um pretexto a mais aos ministros para apresentarem na Câmara o
projeto relativo ao matrimônio civil; 2º – O principal motivo que poderia
justificar alguma demora, era o temor que o Governo impedisse a
conferência dos bispos, sendo ela fundamental para a união episcopal.
Mons. Granniello, apoiando-se nas informações do bispo do Pará, era do
parecer que a causa primeira e principal de todas as desgraças do Brasil
seria a inércia e a fraqueza quase geral do episcopado. Quando os bispos
agiam unidos o Governo cedia, como foi o caso da publicação do Breve de
Pio IX, Quamquam Dolores, realizada pelo bispo de Olinda. O Ministro
João Alfredo quis processar o bispo por ter publicado um Breve sem o
placet, porém, quando o restante do Episcopado imitou seu ato, o Governo
retrocedeu. Exatamente por este motivo, o Governo faria de tudo para
impedir a conferência episcopal prevista241.
O Encarregado Mons. Matera, em 12 de maio de 1879, enviou um ofício
informando que já tinha se encontrado com todos os bispos e dava o
seguinte parecer:
Tutti ho trovato concordi, mirabilmente disposti ad obbedire al più lieve
cenno di Sua Santità, dovesse loro costare l’esilio e la vita. Non vogliono,
però, l’iniziativa di qualsiasi misura, che credono presentemente inopportuna,
—————————–
240
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 9-16.
241
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 16-20.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 541

pericolosa, nocivissima. Pretendono, ed aspettano dal S. Padre e dalla


Nunziatura ingiunzioni formali; che io mi sono negato di dare; bastando per
ora quelle del S. Uffizio e le altre di Segreteria da me loro verbalmente
comunicate e lette242.
A única exceção era D. Macedo Costa, que segundo o Encarregado,
vinha agindo energicamente. Mons. Matera chegou a ser tratado duramente
pelo Arcebispo de Salvador e pelos bispos de São Paulo e Ceará, que
«mancarono perfino alla convenienza». O bispo do Rio de Janeiro referiu
que trancara as instruções do Santo Oficio em uma gaveta para que
ninguém as visse. Em 24 de abril de 1879, o enviado pontifício informou
que em uma reunião com o Ministro do Império, este tinha se
comprometido a apoiar a realização de uma conferência dos bispos; no
entanto, no ofício de 12 e maio, informou que o Ministério retirara sua
palavra em relação a um possível apóio à referida reunião. Parecia, ao
enviado pontifício, necessário que o Santo Padre desse uma ordem expressa
e formal para que os bispos realizassem a desejada conferência e
reconhecessem a autoridade que não reconheciam na sua representação
provisória e interina243.
Estas novas informações, que chegaram à Santa Sé enquanto Mons.
Granniello redigia o seu Voto, foram a ele passadas, resultando nas seguinte
conclusõe: era necessário enviar aos prelados a requerida ordem expressa e
formal do Santo Padre e que se recolhessem em conferência. Que a
principal dificuldade a tal conferência apresentada pelos seus opositores
não procedia, não sendo necessária uma permissão do Governo para se
ausentarem da diocese, segundo os relatos anteriormente entregues por D.
Macedo e por D. Vital, mas somente que avisassem que se ausentariam.
Mons. Granniello baseou sua posição nos seguintes argumentos: a) a
suprema necessidade de se realizar o congresso; b) as disposições
favoráveis dos bispos que declararam que a qualquer sinal do Santo Padre
obedeceriam, mesmo se custasse o exílio e a vida; c) a necessidade de
reforçar a autoridade da Santa Sé; d) que o bem que se alcançaria com a
conferência seria muito superior a qualquer mal que ela poderia ocasionar.

—————————–
242
AES, Br., Rapporto di Mons. Incaricato d’Affari, 12 maggio 1879, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 59.
243
AES, Br., Rapporto di Mons. Incaricato d’Affari, 12 maggio 1879, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 58-60.
542 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Principalmente, porque o zelo e a coragem dos pastores se comunicaria ao


clero e ao povo244.
Para Mons. Granniello os bispos deveriam seguir o modelo de D.
Antônio Macedo Costa, devido principalmente aos resultados que
começava a alcançar, como foi informado pelo ofício de 12 de maio,
mandado pelo Encarregado, que assim dizia: «Il solo monsignor Macedo
opera energicamente da se, senza compromettere la mia rappresentanza,
temuto dagli stessi suoi avversari, che sono costretto perfino nel
Parlamento a riconoscere il suo merito, e dal Governo che cerca o di
blandirlo o di allontanarlo»245.
Acreditava Mons. Granniello que:
Or bene una volta che dalla voce del Sommo Pontefice siano destati gli altri
Vescovi, non sono io così semplice da dire che tutti emuleranno Monsignor
Macedo, o saranno così fortunati da cogliere dalle loro fatiche un frutto
eguale, ma senza fallo avrà non pochi imitatori, i quali non solo saranno
rispettati anche essi, ma per la stretta unione coi loro confratelli renderanno
rispettabile tutto l’Episcopato246.
Os dois pontos apresentados anteriormente por Mons. Granniello em
defesa da posição dos bispos que eram contrários, não mais procediam.
Pois, depois dos últimos ofícios que recebeu, estava claro, na sua opinião,
que os bispos não teriam força para impedir possíveis leis hostis a Igreja, e
o Ministério, voltando atrás, se declarara contrário a Conferência. Assim,
encerrava afirmando:
Qualunque sia la condotta dell’autorità ecclesiastica presto saranno sancite
quelle sacrileghe leggi tante volte minacciate: che se resta ancora qualche
speranza, essa é da riportarsi solo in una pronta e vigorosa resistenza, e dirò
così nel prendere l’offensiva, piuttosto che aspettare a difendersi; imperocchè
una delle due, o il contegno risoluto dell’Episcopato verrà a sconcertare il

—————————–
244
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 21-25.
245
AES, Br., Rapporto di Mons. Incaricato d’Affari, 12 maggio 1879, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 59.
246
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 25.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 543

piano degli empi, o almeno ridestando lo zelo nel clero e la fede nel popolo,
renderà meno perniciosa l’applicazione pratica di quelle leggi247.
Por esse motivo, concluía Mons. Granniello, era necessário que se
expedisse uma ordem expressa e formal aos bispos de reunirem-se em
congresso, observando às instruções ao pé da letra. Esta ordem poderia ser
feita de duas maneiras, ou por meio de um Breve ou Carta do Papa aos
bispos, ou por meio de uma carta circular enviada pela Nunciatura do Rio
de Janeiro. Para Granniello, a primeira opção parecia ser desnecessária, já
que os bispos disseram que essa poderia vir da Nunciatura, preferindo
conseqüentemente a segunda. Ambas as opções comprometeriam a
Nunciatura e a Santa Sé, ao contrário do que se queria anteriormente,
quando se mandou as Instruções a Mons. Bedini em 1852 para a realização
da conferência, explicando que a participação do enviado pontifício seria
«oculta», parecendo partir a iniciativa dos bispos. No entanto, o que
importava era a união dos prelados, pois segundo Mons. Granniello, o
Governo cederia «all’azione unita dell’Episcopato»248.
Mons. Granniello terminava seu Voto apresentando os seguintes pontos
para discussão:
1º. Conviene che il Santo Padre comandi espressamente e formalmente i
Vescovi del Brasile di tenere un congresso e di eseguire le istruzioni? 2°.
Conviene fare qualche eccezione o temperare maggiormente dette istruzioni?
3°. In qual modo convenga dare questi ordini, se direttamente ai Prelati, o per
mezzo della Nunziatura? 4°. Quali disposizioni bisogna prendere in ordine ad
altre particolarità del congresso? Cioè 1) la segretezza della circolare; 2) il
tempo; 3) le parti di Mons. Incaricato d’Affari, ecc.249
Em 23 de junho de 1879, Mons. Granniello entregou um Appendice ao
seu Voto. Ele foi elaborado depois que lhe foram enviados outros ofícios do
Encarregado de Negócios, datados de 27 de abril e 16 de maio de 1879.
Estes ofícios traziam vários anexos com cartas e recortes de jornais,
referentes, em sua maioria, às desordens ocorridas na diocese do Pará, onde
as autoridades civis estavam afrontando o bispo e realizando cerimônias e
—————————–
247
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 26.
248
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 26-27.29.31-32.
249
AES, Br., Voto del Rev.mo P. G. M. Granniello de’Barnabiti, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 34.
544 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

«festas civis» dentro das igrejas. Além dos discursos de Saldanha Marinho
e Tito Franco contra D. Macedo e a resposta deste aos ditos deputados.
Outro fato importante foi o apoio do Senado a D. Macedo250, contra ditas
provocações. Estas eram organizadas por autoridades civis em desafio às
autoridades eclesiásticas, conforme denúncia apresentada por meio de uma
carta do diocesano e entregue ao Senado pelo senador Paranaguá251.
A carta citada provocou grande discussão, mesmo se já tinha sido
trocado o Presidente da província e o novo havia sido nomeado com
expressas recomendações de não entrar em conflito com o diocesano. Tais
acontecimentos foram considerados por Mons. Granniello como uma
vitória do Prelado do Pará. Dizia ele: «Le lodi nel Senato e proteste ivi fatte
in favore della Religione non sono né l’unico né il principale dei frutti
raccolti da Mons. Macedo; e di altri egli informò Mons. Incaricato in una
lettera del 25 aprile»252.
Os outros sucessos eram: o aviso que mandava pagar aos professores do
Seminário, mesmo não tendo realizado os concursos; a troca de um redator
do jornal Liberal, que fazia ferrenhas críticas ao bispo e defendia as
«cerimônias civis»; e que as ordens por ele interditadas, em 1873,
começavam a ceder. Mons. Granniello concluía mantendo o seu parecer
anterior, aliás, reforçando-o frente aos acontecimentos do Pará, que para ele
demonstravam: a força que possuía a maçonaria, a força de D. Macedo, a
fraqueza dos outros bispos e o liberalismo da Câmara dos Deputados.
Outro ponto que reforçava sua posição eram as informações dadas pelo

—————————–
250
No ofício de 10 de maio de 1879, o Encarregado informa sobre as diferenças entre
o Senado e a Câmara dos Deputados, reforçando o que se viu no segundo capítulo, ou
seja, a crescente representação dos bacharéis que entravam por meio da Câmara e a
lenta mudança do Senado que permanecia mais conservador. Tal fato assim é narrado
pelo Encarregado: «Una scissione profonda va ogni giorno più dichiarandosi fra la
Camera temporanea composta tutta di liberali e legata nella maggior parte al
gabinetto, e il Senato, quasi interamente conservatore, minacciato anch’egli di
riforma.» [AES, Br., Rapporto di Mons. Incaricato d’affari, 10 Maggio 1879, em
Brasile – Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 65].
251
AES, Br., Appendice al voto precedente, em Brasile – Conferenza dei Vescovi per
eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni, fasc. 8, pos. 189,
fascicolo inserito, 35-39.
252
AES, Br., Appendice al voto precedente, em Brasile – Conferenza dei Vescovi per
eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni, fasc. 8, pos. 189,
fascicolo inserito, 40.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 545

Encarregado, no ofício de 16 de maio, garantindo que «il tempo per


muoversi è oportuníssimo, e perduto non ritornerà più per ora»253.
O Encarregado defendia que aquele era o momento justo, porque o
Senado e a Câmara se encontravam em desacordo e, dentro do partido
Liberal, que estava no Governo, havia se formado um núcleo de oposição
ao Gabinete Sinimbú. Então, se o episcopado «abrisse os olhos», era a hora
oportuna para «um golpe decisivo» que liberaria o Brasil da julgo
maçônico, ou pelo menos diminuiria as suas forças. E mais, chegava a
garantir que o episcopado teria forças para derrubar o Gabinete:
Il più lieve movimento dell’episcopato dell’impero fatto d’unanime accordo
e con unanime azione sgominerebbe l’attuale Gabinetto; i Prelati avrebbero
l’appoggio di tutti i conservatori cattolici e liberali; dei primi (che grazie alla
Provvidenza ancora ve ne sono, e che prenderebbero coraggio) per sentimento
religioso; degli altri per spirito di partito; e costringerebbero il Governo di
venire con loro ad un accordo, o almeno a rivolgersi definitivamente alla S.
Sede254.
Em outro ofício de Mons. Matera, do dia 26 de maio, ao mesmo tempo
em que confirmava o isolamento do bispo do Pará frente aos seus colegas,
demonstrava que o prelado não estava totalmente sozinho, pois concordava
com ele o diocesano do Maranhão D. Antônio Candido de Alvarenga. A
conferência tida com este bispo foi assim narrada:
Questo Prelato è stato forse l’unico, dopo il Vescovo del Pará, che si sia
mostrato fermo e deciso di entrare in campo. Riconobbe le istruzioni
giustissime, deplorò la disunione dell’Episcopato, ed il modo col quale erano
state accolte dal Metropolitano e dai Vescovi di S. Paolo, di Rio Janeiro, e di
Ceará le premure e le insistenze di Mons. Incaricato, e si dichiarò pronto ad
eseguire gli ordini del S. Uffizio.
Avendo peraltro fatto osservare, che trovandosi nella sua Diocesi, limitrofa
a quella del Pará, ben atto potenti logge massoniche, al primo movimento
d’azione scoppierebbe senza dubbio qualche serio conflitto, nel quale, ove non
potesse contare sul forte e sicuro appoggio dei suoi Colleghi, si troverebbe
isolato, come Mons. Vescovo del Pará, ed esposto probabilissimamente al

—————————–
253
AES, Br., Appendice al voto precedente, em Brasile – Conferenza dei Vescovi per
eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai frammassoni, fasc. 8, pos. 189,
fascicolo inserito, 40-43.
254
AES, Br., Rapporto di Mons. Incaricato d’affari, 10 Maggio 1879, em Brasile –
Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S. Sede intorno ai
frammassoni, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 67.
546 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

malcontento degli altri Prelati, Mons. Incaricato lo consigliò di attendere


finché non giungessero le nuove istruzioni della S. Sede255.
Em um ofício de 27 de maio de 1879, enviado juntamente à já citada
carta de D. Macedo Costa do dia 25 de abril, Mons. Matera argumentava
que a missiva do prelado do Pará dava várias demonstrações:
1°. Che il Governo imperiale cede dinanzi alla fermezza di un Prelato, il quale
sostiene i diritti della Chiesa; 2°. Che l’attuale Gabinetto teme e cerca perciò
di evitare un conflitto religioso; 3°. Che come mostrasi dispostissimo per fini
politici di venire a condizioni con Monsignor Macedo, lo sarebbe certamente
cogli altri Vescovi, principalmente se li vedesse uniti e compatti; 4°. Che il
Senato in aperta scissura col ministero liberale e la Camera bassa, sosterrebbe
l’episcopato se non per convinzione religiosa, almeno per spirito di parte; 5°.
Che monsignor di Pará non é disgraziatamente appoggiato dai suoi Colleghi i
quali anzi s’illudono e sostengono, senza voleserne accorgere e persuadere, un
partito che colle sue proclamate riforme infliggerà piaghe irrimediabili alla
Chiesa Cattolica nel paese256.
Importantíssimas, também, foram as informações que passou sobre o
comportamento, ou melhor, resistência do Arcebispo e do bispo do Rio de
Janeiro, à aplicação das instruções da Santa Sé. O bispo D. Lacerda era
acusado por Mons. Matera de negligenciar no seu jornal O Apóstolo as
notícias sobre o que vinha ocorrendo no Pará e, principalmente, de
«sabotar» as conferências do Encarregado com os outros bispos do
Império257.
Já a acusação contra o Arcebispo era um pouco mais grave, pois o
culpava de ter feito o Ministério mudar de idéia sobre o prometido apoio à
conferência dos bispos:
[L’Arcivescovo] non ha sostenuto col Ministro dell’Impero la mia proposta di
un congresso; facendogliene con destrezza rilevare la convenienza e i
vantaggi: invece mi ha fatto scrivere da monsignor Lacerda, che il Ministro
non voleva riunione: – che il Governo gli si raccomandava di non far chiasso;
– che io non avevo bene inteso il Ministro; – che io mi ero ingannato.
Monsignor Arcivescovo ciò nonostante sapeva bene, che nell’ultima mia
conferenza col lodato Ministro dell’Impero, questi non solo non aveva
rigettato la mia idea di un congresso dei Vescovi ripetutagli ad arte per due
volte, ma che l’avevo ritrovata adatta allo scopo di mettersi gli Ordinari
—————————–
255
AES, Br., Officio, 26 de maio de 1879, fasc. 8, pos. 189, f. 20r-20v.
256
AES, Br., Officio, 27 de maio de 1879, fasc. 8, pos. 189, f. 23r-23v.
257
Diz ele no seu ofício: «[il vescovo di Rio] mi raffredda e mi guasta tutti i Prelati
che vengono alla Capitale per abboccarsi con me» [AES, Br., Officio, 27 de maio de
1879, fasc. 8, pos. 189, f. 24r].
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 547

d’accordo nel loro modo di agire. Forse il Sig. Ministro quando parlò con me
ebbe l’intenzione di costringere per tal modo il Vescovo di Parà ad
uniformarsi a ciò che avrebbero stabilito i suoi Colleghi, di non muover cioè
paglia e lasciar correre le cose. Ma io n’ebbi un’altra, che, rimosse le difficoltà
per una riunione, l’episcopato brasiliano aderisse unanime alle istruzioni della
S. Sede; appoggiando così la condotta del Prelato di Parà258.
Depois de incluídas todas as novas informações, os quesitos
apresentados no relatório aos Cardeais da Sacra Congregação dos Negócios
Eclesiásticos foram:
1º. Se ed in qual modo convenga ingiungere ai vescovi del Brasile di adunarsi
in conferenza per intendersi sulla maniera di eseguire le istruzioni della S.
Sede riguardo ai frammassoni?; 2º. Et quatenus affirmative, se sia espediente
di precisare l’epoca in cui detta conferenza debba aver luogo?; 3°. Se e qual
parte vi possa prendere l’Incaricato d’affari della S. Sede?; 4º. Se sia
opportuno di temperare maggiormente le date istruzioni?; 5°. Qual
provvedimento debba adottarsi sulla supplica del Vescovo del Pará [pedindo o
envio de missionários]?259
Em 5 de junho de 1879, foi agregado um resumo dos últimos ofícios
enviados pelo Encarregado para que fossem analisados pelos Cardeais da
Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos. Propôs-se, então, outra
questão:
Conviene osservare ancora che se l’episcopato si riunisse in conferenza
indipendentemente da qualsiasi intesa col Governo potrebbe risultarne un
conflitto e da questo il grave pericolo d’una rottura di relazioni tra la S. Sede
ed il Governo Imperiale, tanto più che la Nunziatura Apostolica a Rio Janeiro
ha molti nemici potenti che ne vedrebbero con piacere la cessazione. Sono
quindi pregati gli Em. PP. a voler risolvere oltre ai dubbi proposti nella
Relazione a stampa anche il seguente:
Se ed in qual modo convenga alla S. Sede fare delle pratiche presso il
Governo Imperiale per facilitare la conferenza dei Vescovi?260
O Voto de Mons. Granniello e o resumo dos ofícios foram analisados
pelos Cardeais da Sacra Congregação de Negócios Eclesiásticos na sessão
475, de 10 de julho de 1879, que decidiram pelo envio, por parte da
Nunciatura, de uma circular aos bispos do Brasil para que se reunissem em

—————————–
258
AES, Br., Officio, 27 de maio de 1879, fasc. 8, pos. 189, f. 24r-24v.
259
AES, Br., Brasile – Conferenza dei Vescovi per eseguire le istruzioni date dalla S.
Sede intorno ai frammassoni, 1879, fasc. 8, pos. 189, fascicolo inserito, 6-7.
260
AES, Br., Rapporto n.53,55,56, 5 de julho de 1879, fasc. 8, pos. 189, f. 31r.
548 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

conferência e atuassem uniformemente na aplicação das instruções em


relação à maçonaria261.
Tal decisão foi comunicada ao Encarregado de Negócios e ao bispo do
Rio de Janeiro D. Pedro Maria Lacerda. A carta ao prelado do Rio não
deixava a menor dúvida sobre a decisão dos Cardeais e a vontade do Santo
Padre:
Ora, avendo Sua Santità portato nuovamente la più accurata attenzione sullo
stesso argomento ha visto che gli interessi della Chiesa brasiliana reclamano
una pronta e fedele esecuzione di quelle istruzioni: ed è perciò che mi ha
ordinato di commettere a Mons. Incaricato d’Affari di diramare ai Vescovi
dell’Impero una circolare riservata per notificare loro essere volontà espressa
di Sua Beatitudine che gli stessi Prelati si raccolgono quanto prima in
Conferenza a Rio de Janeiro per determinare di comune accordo un linea
uniforme di condotta onde dar cargo all’istruzioni in parola.
Sua Santità conosce abbastanza le belle qualità d’animo delle quali la S.V. è
fornita soprattutto la profonda devozione ed il sincero attaccamento a questa
cattedra di Verità [...] Ond’è che fa pieno assegnamento sul di Lei zelo e sulla
di Lei operosità in guisa da non potere in nessun caso dubitare che Ella non
solo prenderà parte alla Conferenza suddetta ma entrando perfettamente nelle
viste della S. Sede si darà viva premura per accogliere con i dovuti riguardi i
suoi Venerabili Colleghi...262
Uma longa exposição sobre o tema foi também enviada a Mons. Angelo
Di Pietro, que estava sendo enviado ao Brasil como Internúncio
Apostólico, na qual se lhe informava das ordens que seriam dadas ao
Encarregado Mons. Matera, que eram as seguintes:
Diramare una circolare segreta ai singoli Vescovi per notificar loro in termini
quanto cortesi, altrettanto precisi essere volontà espressa del S. Padre che al
più presto possibile si raccolgano insieme a Rio de Janeiro per mettere in
pratica le ricevute istruzioni. Egli è stato in pari tempo prevenuto di dar corso
alla stessa circolare se non dopo aver preso colla S. V. gli opportuni concerti,
dovendo la diramazione della medesima por termine alla di lui interinale
gestione. Ella quindi si compiacerà di annunziargli l’epoca approssimativa del
suo arrivo in quella capitale acciò possa egli compiere l’affidatogli incarico263.

—————————–
261
AES, Br., Sessão 475 da Sacra Congregação dos Negócios Eclesiásticos
Extraordinários, 10 de julho de 1879, fasc. 8, pos. 189, f.33r – 38r.
262
AES, Br., Despacho 36055 a D. Pedro Maria Lacerda, 28 de julho de 1879, fasc.
8, pos. 189, f. 39v-40v.
263
AES, Br., Despacho 36062 a Mons. Angelo Di Pietro, 1 de agosto de 1879, fasc.
8, pos. 189, f. 45r-45v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 549

Estas instruções terminavam explanando sobre qual seria a participação


do Internúncio na conferência, as quais, nesse ponto, substancialmente não
diferiam daquelas que foram entregues ao Encarregado Mons. Marino
Marini, em 1854, vistas no capítulo precedente. Somente em 6 de agosto de
1879, ditas instruções foram enviadas ao Mons. Matera264. Elas eram
similares àquelas expedidas a D. Lacerda e a Mons. Di Pietro, no entanto,
ao contrário das demais, especificava como deveria ser a circular, a qual
deveria conter: 1º. Um resumo das instruções contidas no despacho 27522,
chamando a atenção sobre o ponto 7º que falava sobre a necessidade de
uma conferência; 2º. Explicar aos bispos que o Governo legalmente não
poderia impedir uma simples reunião em forma de conferência, não sendo
proibido pelas leis do país; 3º. Que para conseguir a permissão que se
costumava pedir para deixar a diocese, deveria o Encarregado sugerir uma
justificativa que não comprometesse tal objetivo, avisando aos bispos que
deveriam se abster de revelar que se reuniam para deliberar sobre as
medidas relacionadas aos maçons265.
Este despacho chegou em setembro, quando a situação que era antes
favorável já havia passado, como explicaria o Encarregado em um ofício de
24 de janeiro de 1880:
Il governo liberale sostenuto dalla Camera dei Deputati e dalla fiducia del
Sovrano si è mantenuto, sebbene in lotta sempre coi Conservatori del Senato,
fermo e vittorioso – per non essere imbarazzato nella sua politica esso stesso
prima della chiusura del Parlamento ha eliminato e sopito le questioni che sui
punti ecclesiastici venivano di quando in quando suscitate nella Camara bassa
del celebre massone Saldanha Marinho e da qualche altro – alla prima voce di
movimento qualsiasi dei Vescovi avrebbe dato gli ordini più severi per non
lasciarli partire dalle loro Sedi; e non ne avrebbe giammai permesso la
riunione in qualsiasi luogo e molto meno nella Capitale. Ci saremmo trovati
tutti nei più seri imbarazzi266.
Outro acontecimento tornara a conferência desaconselhável: a morte do
Arcebispo D. Joaquim Gonçalves de Azevedo (1814-1879). A Mons.
Matera, deste modo, pareceu que a reunião ficaria acéfala. Aos fatos
citados somou-se ainda, a oposição do episcopado e os rumores que

—————————–
264
A primeira instrução foi mandada ao bispo do Rio aos 28 de julho de 1879, depois
ao Internúncio que estava sendo mandado a mesma capital, Mons. Angelo Di Pietro, no
dia 1 de agosto, e, somente em 6 de agosto ao Mons. Matera [ndr.].
265
AES, Br., Despacho 356533 a Mons. Luigi Matera, 6 de agosto de 1879, fasc. 8,
pos. 189, f. 47v-48v
266
AES, Br., Officio, 24 de janeiro de 1880, Fasc. 8, pos. 189, f. 50r-50v.
550 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

começavam a circular na imprensa sobre instruções secretas enviadas à


Internunciatura e notas de ameaça do Governo à Santa Sé267.
O ambiente havia se tornado de «grande suspeita e desconfiança».
Nestas condições o Encarregado decidiu não enviar a Circular,
principalmente para não comprometer o Internúncio que tinha acabado de
chegar à corte, evitando que «dai primi giorni trovasse maggiori difficoltà
ed imbarazzi senza speranza di conseguire pel momento l’intento della
desiderata riunione dell’episcopato»268.
O novo Internúncio, Mons. Di Pietro, logo teve oportunidade de
conhecer as dificuldades que encontraria na execução das instruções sobre
a reforma das irmandades. Isso aconteceu após dois encontros que teve
com Imperador, em 24 e 27 de janeiro de 1880, o qual lhe afirmou ser
liberal, mas Católico, e que sempre sustentaria o placet e o exequatur. D.
Pedro II disse ainda, a Mons. Di Pietro, que seguisse o exemplo dos
Internúncios Sanguini e Falcinelli, todos dois muito bem quistos no Brasil.
Disse que o segundo, ao celebrar os sacramentos nunca tinha dado atenção
se os fieis eram ou não maçons. O Imperador insistiu em dizer que a
maçonaria brasileira «não era má», só fazia beneficência e «não era hostil»
à religião. Confirmava não ser maçom e ter aconselhado seu genro a não
sê-lo, não porque ele acreditasse que a maçonaria fosse incompatível com a
religião, mas sim, porque «às vezes querem entrar em política». A resposta
de Mons. Di Pietro foi que, se Mons. Falcinelli admitiu maçons nos
sacramentos e como padrinhos nos batizados e crismas era porque estas
pessoas não eram conhecidas publicamente como tais, o que poderia

—————————–
267
Outra referência a este fato se encontra em um ofício enviado por Mons. Di Pietro
em 9 de fevereiro de 1880, onde ele informava que os jornais estavam divulgando
telegramas, correspondências e artigos de periódicos estrangeiros que diziam que o
Secretário de Estado tinha dado ordens para que o Internúncio chamasse fortemente a
atenção do Governo sobre o estado da Igreja brasileira e, não obtendo resultado
imediato, rompesse relações e voltasse a Roma. Dizia também que após a entrega das
credenciais ao Imperador, tais artigos não foram mais publicados. Porém, ele ainda foi
interrogado sobre tal tema pelo Ministro dos Estrangeiros. Mons. Di Pietro assim narrou
o fato: «Fattasi da lui (o Ministro) allusione ai telegrammi suddetti, mostrai di non
prendere sul serio una cosa, che appariva evidentemente inverosimile. Quindi volendo
tastare il terreno e volgendo a mio vantaggio l’allusione, gli disse “la Santa Sede é ben
lungi dal credere che non possa giungersi ad un accordo col Governo intorno alle cose
religiose dell’Impero: tutto sta a prendere la via diritta”. E noi la prenderemo, mi
rispose il Ministro» [AES, Br., Ofício, 9 de fevereiro de 1880, fasc. 9, pos. 191, f. 4r-
5v].
268
AES, Br., Officio, 24 de janeiro de 1880, fasc. 8, pos. 189, f. 50r-51v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 551

acontecer até mesmo com ele. Defendeu que a maçonaria era a mesma em
todos os lugares e que era condenada pela Igreja269.
Mons. Di Pietro, em 8 de abril, enviou a Santa Sé seu parecer sobre a
situação. Comunicou que, mesmo com a mudança Ministério, entrando
Saraiva no lugar de Sinimbù, eram os liberais que governavam. Nestas
condições, muito provavelmente o Governo, diretamente ou indiretamente,
impediria a conferência. No entanto, na opinião do Internúncio, existia
ainda um agravante, a pré-disposição contrária do episcopado:
La giudicano per ora inopportuna, obbedirebbero sì ad un comando, ma senza
alacrità, con freddezza, e con poca o niuna fiducia di buon risultato. Colle
quali disposizioni d’animo sarebbe pure a temersi che cedessero e
indietreggiassero facilmente al primo ostacolo per dire poi: vedete, noi lo
dicevamo, non era opportuno, la S. Sede non è bene informata (solito ed
ingiusto lagno in queste contrade) delle cose d’America. Che se di più la stessa
persona dovesse ordinare in nome della S. Sede la riunione e quindi sostenere
le conseguenze in qualunque eventualità, s’intende di leggeri, in quanto
pericolosa condizione si collocherebbe verso il Governo e l’Episcopato,
qualora ambedue, quantunque con mire diverse, seguissero a mostrarsele non
favorevoli270.
Justificava o desencorajamento dos bispos pela deplorável conduta de
parte do clero, sendo que muitos padres poderiam estar inscritos nas seitas
secretas, e pelo poder financeiro das irmandades, que mesmo se perdessem
a permissão eclesiástica, continuariam a ser associações civis reconhecidas
pelo Estado, com posse da sua riqueza e controlando a sua Igreja. O pior,
segundo ele, era que haviam alguns padres «corruptos» prontos a oficiar
naquelas Igrejas desafiando a autoridade dos bispos, protegidos pela
autoridade do Estado. Mons. Di Pietro propôs então: 1º. Não abandonar a
idéia da conferência dos bispos, mas ter paciência; 2º. Tentar entrar em um
acordo com o Governo em pontos precisos que possibilitassem uma
melhoria gradual, e para isso, estar sempre atento em aproveitar as
oportunidades para conseguir tais acordos; 3º. Com tal objetivo seria
necessário incentivar o episcopado a promover a execução das instruções, o
zelo deles na formação de um novo clero nos Seminários, no qual os
mesmos «vanno già mostrando molto impegno»271.
Em julho de 1880, o Internúncio começou a perceber algumas mudanças
positivas. A publicação de dois decretos aprovando a existência legal de

—————————–
269
AES, Br., Officio, 13 de fevereiro de 1880, fasc. 9, pos. 192, f. 8r-9v.
270
AES, Br., Officio, 8 de abril de 1880, fasc. 8, pos. 189, f. 53v-54r.
271
AES, Br., Officio, 8 de abril de 1880, fasc. 8, pos. 189, f. 52r-56v.
552 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

duas associações femininas dependentes exclusivamente dos bispos, a


Associação das Servas do Senhor e a Associação Fluminense do Sagrado
Coração de Jesus. Esta última era empenhada na educação das jovens de
famílias pobres, tendo como sede o colégio das Filhas da Caridade e como
capelão um sacerdote dos Padres da Missão. Um ponto ainda mais
significativo foi a adesão do bispo do Rio de Janeiro, que em visita pastoral
ao Espírito Santo, combateu a maçonaria nas suas predicações, chamou os
fieis a não se inscreverem em tais sociedades e não aceitou maçons
públicos como padrinho de crisma272.
O bispo do Ceará, em inícios de 1881, teve uma iniciativa que agradou o
Internúncio, mais como visto anteriormente não era nova. Para aprovar
uma confraria ele exigiu que se colocasse um artigo proibindo a entrada de
excomungados, pertencentes a sociedades secretas, e, especialmente e
expressamente, a maçonaria. O fato causou polêmica, como informou o
Internúncio, mas o bispo se manteve firme na sua posição273.
Em 18 de fevereiro de 1882, Mons. Angelo Di Pietro, após o fim de sua
missão no Brasil, entregou um relatório sobre as condições da Igreja no
Império. Sobre o segundo ponto das instruções dadas pela Sacra
Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, que mandava
retirar a instituição canônica das irmandades «infectadas» pela maçonaria e
que fossem nomeadas comissões pelos bispos, com a função reformá-las,
Mons. Di Pietro questionava: «quem aceitaria tal cargo de comissários das
mãos do bispo? E, sobretudo, quem reconheceria a autoridade deste
comissário?». Propunha, então, para a melhor execução das instruções, os
seguintes pontos:
1°. Quando si tratta di erigere nuove Confraternite e Pie Unioni e approvarne
gli statuti, esigano i Vescovi che vi sia inserito un articolo in questi o altri
termini equivalenti – «Non potranno farne parte gli scomunicati, e gli altri
affiliati alle sette segrete condannate dalla S. Sede, in specie la Massoneria» –
altrimenti si ricusino decisamente di erigerla. Lo ha fatto recentemente il
Vescovo di Marianna, e non ha incontrato opposizione. Neppure il Governo
(al quale ancora sogliono presentarsi gli statuti per le temporalità) trovò nulla a
ridire. Lo ha fatto anche il Vescovo di Ceará, oggi Arcivescovo di Bahia; e
avendo incontrato alcuni oppositori dichiarò, che giammai senza quell’articolo

—————————–
272
AES, Br., Officio, 31 de junho de 1880, fasc. 9, pos. 198, f. 26v-27r.
273
AES, Br., Officio, 20 de janeiro de 1881, fasc. 10, pos. 200, f. 18v. Nas
negociações de Mons. Matera com o Ministro do Exterior em 1877, este informou ao
Encarregado que alguns prelados já vinham colocando tal artigo nos estatutos a serem
aprovados pelo Governo, que os vinha aprovando, mas não especificou quais foram
estes prelados [ndr.].
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 553

si sarebbe indotto alla canonica erezione. In questo modo, oltre al preservarsi


dall’infezione massonica nelle nuove Confraternite, si da un avviso indiretto
alle vecchie, e si andrà generalizzando l’opinione, che i Massoni devono
esserne esclusi; 2°. Procurino i Vescovi di erigere altre Pie Unioni dipendenti
da se soli, e composte dei migliori Cattolici. Già qualcosa si va facendo a
questo riguardo, massime, colla fondazione delle Conferenze di S. Vincenzo
di Paoli nelle singole Parrocchie. Queste però non sono riconosciute dal
Governo; ma potrebbero esserlo, se nei regolamenti non si facesse parola di
quella che si suole chiamare dipendenza straniera, ossia dell’unione che hanno
col Consiglio Generale di tali Conferenze in Francia; 3°. In ordine alla
Confraternite infette di massonismo si eserciti con tutto lo zelo dai Vescovi,
Parroci, e direttori spirituali delle medesime un’azione costante e paziente per
procurare di purgargliene coi mezzi persuasivi. Questi, considerate le
circostanze del Brasile e l’indole del popolo, sembrano preferibili. Del resto la
Massoneria in quell’Impero comincia a cadere in discredito, e non mostra più
quella forza che ostentava 10 anni addietro. Ciò deve animare i Vescovi e la
stampa cattolica a seguire a combatterla e premunirne i fedeli274.
A previsão de Mons. Di Pietro sobre a perda de influência da maçonaria
estava correta, e isso se acentuaria ainda mais com a Proclamação da
República. De qualquer modo, as sugestões dadas foram aceitas pela Santa
Sé, exceto no que se referiam às Conferências de São Vicente de Paula, que
não eram aprovadas pelo Governo. Por este mister, as sugestões citadas
acabaram sendo incluídas nas Instruções a Mario Moceni, enviado ao
Brasil em 1882, nos parágrafos que se referiam à reforma275.

3. O advento da República laica: a separação entre Igreja e Estado


A impossibilidade de se conseguir a liberdade da Igreja no Brasil
Imperial já vinha sendo denunciada desde a primeira geração de bispos
integralmente ultramontanos. D. Antônio Joaquim de Mello, como se viu
no terceiro capítulo, ainda na década de 1850, denunciou claramente a
contradição de princípios que existia no estabelecimento da união entre o
Trono e o Altar no país: «Os legisladores do Governo do Brasil são ímpios
e indiferentes [...] São mais hereges que jansenistas e galicanos»276.
Progressivamente o número de bispos que desconfiavam do modelo de
estado confessional brasileiro foi aumentando e ganhando o apóio de
—————————–
274
AES, Br., Rapporto di Mons. Di Pietro intorno alla condizione della Chiesa nel
Brasile, 18 de fevereiro de 1882, fasc. 11, pos. 209, f. 17v-18r
275
AES, Br., Istruzioni per Mons. Mario Moceni, Arcivescovo tit. di Eliopoli
Internunzio Apostolico nell’Impero del Brasile,fasc. 11, pos. 210, f. 23r-35r
276
ASV, NAB, Memória, 1856, Cx. 29, fasc. 131, doc. 16, f. 34.
554 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

muitos leigos ultramontanos «comprometidos». Soriano de Souza, em


1867, publicou um folheto intitulado A Religião do Estado e a Liberdade
de Cultos, no qual dizia que não bastava que uma nação inscrevesse em sua
«Constituição a religião católica como sua, mas é sobretudo necessário que
o Estado a respeite e considere em todos os seus atos: honre, proteja e
garanta as convicções religiosas dos cidadãos»277. Constatando que isso não
ocorria no Brasil, chegava a augurar a plena liberdade religiosa como único
modo de libertar a Igreja do domínio do Estado: «O dano que com esse
desleal procedimento causa o Governo à religião, induz certos católicos,
aliás de muito boa fé, a desejarem plena liberdade de religião, dizendo que
a concorrência das diversas religiões servirá para acrisolar nossa fé, e
animar o culto católico»278.
Candido Mendes de Almeida, no seu celebre livro Direito Civil
Eclesiástico Brasileiro, pedia uma firme tomada de posição do episcopado,
frente à condição da Igreja no Brasil:
Nós esperamos do nosso episcopado uma viril iniciativa [...] Aguardamos
essa iniciativa, sem temor de perseguição alguma, e quando voltassem esses
horrorosos tempos, ganharíamos mais resistindo, do que sujeitando-nos, pois o
fogo da perseguição e as lagrimas de dor retemperam as almas, e as
regeneram. O sopro das tempestades, como diz um celebre prelado, não
arrebata senão o que é morredouro nas instituições do passado; o principio
divino subsiste: sobre esta base sólida Deus edifica um novo futuro; e onde o
homem se perturba, o cristão, e com mais forte razão o Pontífice espera
sempre279.
Para ele, se o clero brasileiro continuasse na mesma situação: «terá a
sorte que lhe prognostica naquelas palavras o eminente Teatino Siciliano. É
mister curtir a pobreza na independência, do que a desfrutar opulências, ao
contrario misérias, na abjeção»280. A reação veio e o divisor de águas foi a
Questão Religiosa. A partir desse momento os vícios da união entre os
poderes civil e eclesiástico no Brasil começaram a ser abertamente
questionados pelos católicos. Leandro Bezerra Monteiro (1826-1911),
ferrenho defensor dos bispos na Questão Religiosa, denunciando no
parlamento que os regalistas defendiam a união entre os dois poderes
somente para poder dominar a Igreja, posicionou-se abertamente pela
separação:

—————————–
277
N. PEREIRA, Conflitos entre a Igreja e o Estrado no Brasil, 29
278
N. PEREIRA, Conflitos entre a Igreja e o Estrado no Brasil, 30
279
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 389.
280
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte I, 421.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 555

Se querem que a religião Católica Apostólica Romana seja a do Estado para


exercício de tão cruento despotismo, declaro solenemente que por mim
renuncio ao privilégio, que fere a consciências dos fieis, e prefiro a separação
da Igreja do Estado [...] A Igreja de Jesus Cristo não teme a liberdade, porque
foi ele quem a plantou no mundo, e regou-a com seu sangue, e com o sangue
de seus mártires281.
D. Vital, com toda a sinceridade de seu caráter que, aliás, o distinguia,
por várias vezes denunciou as contradições do Estado confessional
brasileiro e não hesitou em manifestá-lo. Ele assumiu esta postura de forma
clara na resposta que deu ao aviso do Governo de 12 de junho de 1873:
Se essa migalha que recebemos deve ser o preço de nossa traição aos
sagrados e inalienáveis direitos da Santa e Imaculada Esposa do Divino
Cordeiro, no-la tirem, muito embora. [...] Renunciamos de muito bom grado à
bandeira que tremula no mastro dos paquetes, quando embarcamos;
renunciamos ao rufar dos tambores; renunciamos ao toque do clarim;
renunciamos à salva de artilharia, em uma palavra, renunciamos a todas as
honras civis que nos dá o governo de Sua Majestade, contanto que nos
restituam a liberdade de poder dirigir e governar a porção do rebanho de
Nosso Senhor Jesus Cristo, que o Espírito Santo confiou aos nossos cuidados e
solicitudes, segundo o ensino da Santa Madre Igreja e os ditames da nossa
consciência282.
D. Macedo Costa, no seu livro Direito contra direito ou o Estado sobre
tudo, denunciava que o que existia não era união entre Igreja e Estado, mas
sim uma tentativa de se escravizar a Igreja sob o Estado:
Escravidão dura e ignominiosa escravidão é esse Estado de mitra e báculo,
governando a Igreja, levantando interditos, dirigindo irmandades,
encarcerando bispos por terem fulminado censuras; é uma reunião de
magistrados leigos, filhos as Santa Igreja, decidindo quais decisões dessa
Igreja devem ser abraçadas, quais não, [...] que os bispos e os católicos as
devem aceitar e pôr em pratica semper et pro semper, como leis sagradas,
como de direito absoluto, incontestável, ainda que opostas sejam aos dogmas e
à santidade da religião revelada por Deus! Isto que é escravidão ignóbil,
vergonhosíssima! [...] A solução da questão religiosa se resume numa só
palavra: Liberdade! Dai liberdade à Igreja de Jesus Cristo!283

—————————–
281
Anais do Parlamento Brasileiro, Sessão em 7 de junho de 1875, II, Apêndice,
229.
282
V. M. G. DE OLIVEIRA, Resposta do Bispo de Olinda ao Aviso de 12 de junho de
1873, 36-37.
283
A. MACEDO COSTA, Direito contra Direito, 87-88.238.
556 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Os católicos, almejando defender os direitos da Igreja e incentivar leis


em seu favor, tentaram instituir associações e um partido católico. Para a
fundação da organização político-partidária católica tentou-se criar as
Associações Católicas (diferentes das associações de piedade ou culto),
com objetivos eminentemente sociais e políticos. Estas associações
poderiam tornar-se a qualquer momento centro da arregimentação política
dos fiéis. Elas estavam sob o controle do clero facilitando a unificação das
orientações em período eleitoral. Em 1874, no Rio de Janeiro, tentou-se
criar um «diretório central», a Associação Católica Fluminense, sendo um
dos seus fundadores o ultramontano Manoel Antônio dos Reis. Dentre os
que a ela se filiaram estavam figuras importantes na política imperial e
ultramontanos convictos, como Leandro Bezerra, Tarquínio Bráulio de
Souza Amaranto, Zacarias de Góis e Vasconcelos e Cândido Mendes de
Almeida. Escolhida e instalada a mesa diretora, a Associação Católica
Fluminense foi logo bloqueada pelas autoridades civis na oficialização
pedida, recusando-lhe a personalidade jurídica. O Estado tinha mais receio
da Igreja do que dos republicanos que fundavam partidos e abriam
associações por todos os lugares. Apesar disso as associações católicas
regionais e locais se multiplicaram284.
A primeira organização partidária nasceu no Pará. Depois de uma
reunião do clero em 1 de novembro de 1874, quando seu bispo ainda estava
preso na Ilha das Cobras, decidiu-se lançar um manifesto: Manifesto ao
Clero e aos Católicos, no qual informavam os fiéis que haviam decido pela
fundação de um partido católico na Província e declaravam seus objetivos:
Se o Estado invade-lhe os domínios [da Igreja], ela tem direito de dizer que
a lei ou medida política do Estado é invasora de seus direitos, opressora da sua
liberdade, e como tal injusta. Assim se o Estado enriquece o público erário,
confiscando os bens eclesiásticos, a Igreja mestra do justo e do injusto, declara
que essa medida é iníqua [...] Mas a Igreja por si não trabalha oficialmente
para conquistar os postos do Estado, entrando ela mesma na luta ruidosa dos
partidos[...] O que a Igreja não pode fazer diretamente, podem e devem fazê-lo
os católicos [grifos do original]285.
Em 1876, foi a vez do clero cearense lançar o seu manifesto,
fundamentando seu programa no Syllabus286. Porém, o mais significativo
foi o Ensaio de Programa para o Partido Católico, lançando as bases

—————————–
284
O. F. LUSTOSA, Igreja e Política no Brasil, 10; D. R. VIEIRA, O processo de
Reforma e Reorganização da Igreja no Brasil, 278.
285
O. F. LUSTOSA, Igreja e Política no Brasil, 26-28.
286
O. F. LUSTOSA, Igreja e Política no Brasil, 31-36.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 557

doutrinais de uma almejada plataforma ideológica pelo jornal


pernambucano A União, em 30 de setembro de 1876287.
Este Ensaio foi obra do professor José Soriano de Souza, que a assinou
com o pseudônimo de Um Católico288. No entanto, os tempos ainda não
estavam maduros para a formação de um partido, ainda que as associações
tenham conseguido influenciar os eleitores católicos a votarem ou não em
certos candidatos289.
Malgrado a tentativa de se organizar um partido católico não tenha se
concretizado, a Igreja foi perdendo o interesse pelo futuro do Império.
Muitas vezes ficou indiferente às decisões do poder civil, mesmo quando
tocavam assuntos religiosos. Foi o que aconteceu em 1884, quando o
Ministério do Império baixou um decreto no qual impunha a suspensão da
côngrua e a perda do benefício aos párocos que não cumprissem com os
«seus deveres» nas paróquias a eles confiadas. Segundo o Encarregado
Adriano Felice, «i Vescovi con il loro silenzio hanno disprezzato questa
usurpazione». O único a protestar foi o bispo de Pernambuco D. José290.
Tal atitude de indiferença ou «desprezo» ficou ainda mais evidente
quando se tentou aprovar a liberdade de cultos. Em 1887 o Conselheiro
Silveira Martins apresentou no Senado um projeto em que dava liberdade
de culto público a todas as religiões. No entanto, somente em 16 de maio
de 1888, aconteceu a primeira discussão. O referido projeto passou
rapidamente pelas três discussões necessárias em 1888, e foi enviada à
Câmara dos Deputados. Durante toda a tramitação no Senado, praticamente
não houve manifestação contrária por parte dos católicos, a exceção do
jornal O Apostolo. As primeiras vozes importantes que se levantaram
contra o projeto foram as do jornalista Carlos Laet e de Mons. João
Esberard, que escreveram artigos nos jornais291.
Somente após estes artigos que começaram a se articular protestos contra
o projeto, principalmente das senhoras católicas do Império. Distinguiu-se,
neste particular, as fiéis do Rio de Janeiro, capitaneadas pela D. Maria
Eufrásia Lisboa, filha do Marquês de Tamandaré, e ainda em maior número
as senhoras da província de Minas Gerais. Vários deputados levaram estes

—————————–
287
O. F. LUSTOSA, Igreja e Política no Brasil, 36-40.
288
J. S. SOUZA, Ensaio de Programa para o Partido Católico, 1-4.95-96.
289
O. F. LUSTOSA, Igreja e Política no Brasil, 10-11; D. R. VIEIRA, O processo de
Reforma e Reorganização da Igreja no Brasil, 301-302.
290
AES, Br, Officio, fasc. 15, pos. 236, f. 16r-16v.
291
ASV, NAB, Analise do Pe. João Esberard a cerca do projeto de liberdade de
culto no Império, Cx. 68, fasc. 330, doc. 30, f. 83r; AES, Br, Sulla Libertà dei Culti, 12
de novembro de 1889, fasc. 23, pos. 296, f. 38r-41v.
558 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

abaixo-assinados contra a liberdade de culto à Câmara dos Deputados. A


repercussão não tardou: após essa manifestação espontânea dos católicos,
D. Macedo Costa decidiu intervir e enviou à Câmara uma Representação à
Assembléia Geral Legislativa, em 20 de agosto de 1888, criticando a
iniciativa em curso. O resultado foi que o projeto não foi levado a
discussão, sem, contudo, ser rejeitado. Ficou parado nos tramites
parlamentares imperiais até que a República veio proclamar a liberdade de
culto292.
O continuo ataque à religião oficial, que era uma das bases de
manutenção do sistema político vigente, preanunciava o fim do mesmo, e
os católicos perceberam-no. D. Macedo advertiu no Direito Contra Direito:
O mal, o verdadeiro mal, é deprimir o governo por este seu procedimento, o
elemento católico, essencialmente conservador da sociedade, quebrar-lhe as
forças, para dar importância e vigor ao elemento revolucionário. A onda que
se levanta espumante, ameaçadora, vai agora bater contra a Igreja; mas, no seu
refluxo, o que levará ela de rojo?293
E também D. Vital fez advertência semelhante na pastoral que escreveu
após sua anistia,
Inverteu-se a ordem das coisas, trocou-se-lhes o nome. [...] E que diremos
do Estado?... Esse, vai rolando precípite, pelo declive escorregadio de um
plano inclinado. Já tem descido muito; continua a descer, a descer sempre! Irá
certamente esboroar-se, no fundo do abismo, se na carreira vertiginosa em que
se despenha, não o detiver expressa a mão de Deus!294
Nos últimos meses do Império o Internúncio constantemente avisou a
Santa Sé da iminência da proclamação da República. Os primeiros ofícios
em que informava esta sua impressão, remontam a 5 meses antes da queda
do Império295. No dia 19 de julho de 1889, ainda informava que tinha sido
um padre do Rio Grande do Norte, de nome João Manoel de Carvalho
(1841-1899), o primeiro a dar vivas à República no parlamento brasileiro:

—————————–
292
ASV, NAB, Analise do Pe. João Esberard a cerca do projeto de liberdade de
culto no Império, Cx. 68, fasc. 330, doc. 30, f. 83r; AES, Br, Sulla Libertà dei Culti, 12
de novembro de 1889, fasc. 23, pos. 296, f. 38r-41v.
293
A. MACEDO COSTA, Direito Contra Direito, 185
294
V. M. G. DE OLIVEIRA, Carta Pastoral anunciando o termino da reclusão e a sua
próxima viagem ad limina Apostolorum, 7-8.
295
AES, Br, Ofícios avisando a eminente proclamação da Republica: 11 e 12 de
junho de 1889, fasc. 23, pos. 296, f. 26r-28r; 19 de julho de 1889, fasc. 23, pos. 296, f.
33r-34r.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 559

La seduta del 11 […] fu tumultuosa ed eguale ad un meeting in piazza


pubblica. L’eminenza Vostra potrà farsene una idea dal discorso violento d’un
deputato prete, João Manoel del partito conservatore, il quale si dichiarò
repubblicano. E così la prima volta che nel parlamento brasiliano fu inteso il
grido: abbasso la Monarchia, viva la Repubblica, esso partì dalla bocca d’un
prete! E ciò contro il giuramento da lui prestato di difendere le istituzioni
vigenti!296
No entanto, as constantes advertências do Internúncio não receberam
particular atenção por parte da Santa Sé, quiçá motivada pela esperança de
que uma mudança favorecesse a Igreja Católica. A mudança veio e foi a
proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Apesar de ser
esperada, a velocidade com que aconteceu e, sobretudo, o modo em que
ocorreu, causou espanto ao Internúncio Mons. Speolverini. O Internúncio,
passados apenas dois dias da queda monarquia, considerando já seu fim um
fato consumado, assim se manifestou a respeito: «Credo che sia solo il
Brasile che abbia adottata la forma repubblicana senza spargimento di
sangue ed abbia cosi distrutto l’ultimo vestigio della forma monarchica in
questa quarta parte del mondo»297.
Em ofício de 3 de dezembro de 1889, depois de um momento inicial de
incertezas e receios, ele emitiu a seguinte opinião: «La Repubblica degli
Stati Uniti del Brasile bene o male va innanzi mantenendo l’ordine e la
tranquillità in questo paese, facile del resto a governarsi, atteso il carattere
pacifico del brasiliano»298.
Em 18 de novembro, Mons. Spolverini pediu informações sobre como
proceder em relação ao novo Governo e informava que responderia a um
ofício do recém-nomeado Ministro do Exterior dos Estados Unidos do
Brasil, Quintino Bocaiúva, para não atirar suspeitas, o que ele fez em 21 de
novembro de 1889. Em meados de dezembro recebeu um telegrama da
Santa Sé que o autorizava «ad entrare in tratativa confidenziali con il
nuovo governo del Brasile»299.
Em pouco tempo e sem dificuldades, a Santa Sé acabou reconhecendo o
novo regime, graças, também, à receptividade do episcopado ao Governo
republicano. Os prelados brasileiros tampouco demonstraram qualquer
—————————–
296
AES, Br, Officio, 19 de julho de 1889, fasc. 23, pos. 296, f. 33r-34r.
297
ASV, SS, Officio, 17 de novembro de 1889, 1892, Rub. 251, fasc. 1, f. 33r.
298
AES, Br, Officio, 3 de dezembro de 1889, fasc. 24, pos. 298, f. 8r.
299
Foi encontrado um rascunho, sem data, do telegrama. Presume-se a data
aproximativa pelo tempo que normalmente levava um oficio enviado do Brasil para
chegar em Roma, que era de 20 a 30 dias. [AES, Br, Rascunho de telegrama sem data,
fasc. 24, pos. 298, f. 12r]
560 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

reação ante a República e aceitaram-na serenamente. Em 21 de novembro


de 1889, o Arcebispo D. Luís Antônio dos Santos saudava o novo regime e
seu chefe, o marechal Deodoro, num telegrama que foi publicado na
imprensa logo no dia seguinte. Mons. Francesco Spolverini, informando a
Santa Sé sobre o referido telegrama disse que ele se tratava «di saluto e di
adesione alla Repubblica»300. Após o exemplo do Arcebispo, o restante do
episcopado também aderiu à nova ordem estabelecida. Em 22 de dezembro,
D. Macedo Costa escreveu a Rui Barbosa, seu ex-aluno, e abriu
negociações com o novo Governo301.
O padroado chegou a seu termo em 7 de janeiro de 1890, quando foi
efetivada a separação entre a Igreja e o Estado com o decreto 119-A, que
assim versava:
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e Armada,
em nome da Nação, decreta:
Art. 1º. É proibido á autoridade federal, assim como á dos Estados
federados, expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo
alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país,
ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou
opiniões filosóficas ou religiosas.
Art. 2º. A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de
exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas
nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.
Art. 3º. A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos
individuais, senão também as igrejas, associações e institutos em que se
acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e
viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem
intervenção do poder público.
Art. 4º Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e
prerrogativas.
Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a
personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os
limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-
se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios
de culto.
Art. 6º O Governo Federal continua a prover á côngrua, sustentação dos
atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras
dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros
—————————–
300
ASV, SS, Officio, 22 de dezembro de 1889, 1892, Rub. 251, fasc. 1, f.64v.
301
ASV, NAB, Carta de D. Antônio de Macedo Costa a Rui Barbosa, 22 de
dezembro de 1889, Cx. 68, fasc. 330, doc. 23, f. 59r-59v.
CAP. V: O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 561

ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos


antecedentes.
Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario.
Sala das sessões do Governo Provisório, 7 de janeiro de 1890, 2° da
República.
Manoel Deodoro da Fonseca; Aristides da Silveira Lobo; Ruy Barbosa;
Benjamin Constant Botelho de Magalhães; Eduardo Wandenkolk; M. Ferraz
de Campos Salles; Demetrio Nunes Ribeiro; Q. Bocaiúva302.
Sem lamento, aboliu-se o padroado no Brasil, e conseqüentemente, o
regalismo que sobre ele se assentava. Eliminadas as peias do
jurisdicionalismo, triunfou de vez o ultramontanismo que continuou a ser
um dos marcos da instituição eclesiástica no país. A Igreja se viu, enfim,
livre para reorganizar-se como bem lhe aprouvesse nas primeiras décadas
republicanas. Daí a satisfação com que Francisco de Macedo Costa, irmão
de D. Antônio de Macedo Costa, assim se referia à nova realidade do
Catolicismo no país, ao chegar o ano de 1916:
Tínhamos doze bispos para as vinte duas vastíssimas províncias do Império.
[...] Erigir um bispado! Aumentar o numero destes combatentes favoráveis às
ambições da Cúria Romana! […] Agora não existem mais os bispos
submissos nos seus palácios, recebendo ordens dos secretários do Estado. São
bispos da Igreja de Jesus, sem algemas regalistas, solidários, fortes porque
unidos de coração e alma à Sé de Pedro. […] Poucos dias atrás se presenciou
na Bahia, com amoroso entusiasmo, o magnífico e mais animador dos
espetáculos, vendo reunidos na nossa igreja primacial todos os prelados do
norte. […] Nas regiões do sul reuniões iguais foram realizadas. […]
Certamente o amoroso Padroado não poderia consentir a reunião de tais
assembléias, atentatórias [come se dizia] à soberania da nação, por favorecer
as ambições da Cúria Romana.
Graças a Deus! Isso passou303.

—————————–
302
Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil,
1890, I, p. 10.
303
F. MACEDO COSTA, Lutas e Vitórias, 82-83.
CONCLUSÃO

O ultramontanismo no Brasil, em que pese todos os percalços da sua


trajetória, afinal triunfou sobre o regalismo institucional, consentido que a
Igreja, ao tempo da recém-instituída república laica, pudesse se reestruturar
segundo os cânones romanos. Como se viu, tratou-se de um processo
evolutivo complexo e, muitas vezes conflitivo, cujas raízes se encontram
nas concessões papais aos monarcas portugueses da primeira dinastia
(Borgonha), que, com acréscimos nos séculos sucessivos, possibilitaria a
consolidação de uma articulada legislação regalista, capaz de implementar
eficaz controle sobre a Igreja. Aumentou-se assim a ingerência estatal no
âmbito eclesiástico, política esta que teve seu apogeu sob o governo do
Marquês de Pombal.
No discurso regalista português, os privilégios do padroado espiritual
sobre as terras ultramarinas, derivadas da jurisdição espiritual da Ordem de
Cristo, eram parte fundamental do referido discurso. Dele derivavam os
direitos dos governantes de apresentarem os benefícios menores, enquanto
os maiores provinham do padroado real, garantindo, assim, um controle
quase absoluto das nomeações para cargos eclesiásticos estratégicos, dos
bispos, passando pelas dignidades dos cabidos, aos párocos colados.
O Império do Brasil, conservando um Imperador que descendia da
última dinastia portuguesa (Bragança), não rompeu totalmente com seu
passado colonial e com as heranças da ex-metrópole, porém, num afã de
modernidade, inseriu em sua legislação e no seu discurso legitimador um
certo nível de liberalismo político. Este amálgama entre passado português
e nova realidade de Estado independente, permitiu a implementação de
uma legislação por muitos versos contraditória. Eliminando do discurso
legitimador do regalismo imperial toda menção às antigas concessões
pontifícias e à Ordem de Cristo, apoiando-a no discurso liberal de
soberania popular ou nacional, pretendeu-se que o padroado fosse um
direito inerente à própria soberania.
Baseando-se neste princípio, o Estado brasileiro buscou uma maior
definição entre as esferas de atuação dos poderes espiritual e secular. O
resultado foi, ao invés, uma maior confusão, porque, apesar do discurso
564 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

«moderno», a legislação vigente era derivada de Portugal e seu discurso


legitimador era «antigo». No decorrer do Período Imperial se tentou mudar
as leis referentes ao padroado e ao regalismo, para adaptá-las à nova
realidade, mas sem nunca abandonar definitivamente o direito português,
resultando em uma «colcha de retalhos».
No processo de formação do Estado brasileiro, visto a partir da sua
relação com a Igreja Católica, percebe-se claramente que, ao início, a
administração a nível local se apoiou freqüentemente no aparato
eclesiástico, o único existente a nível capilar na sociedade brasileira nos
anos imediatamente posteriores à independência. Foi delegado aos párocos
uma série de funções civis que praticamente os integrou ao funcionalismo
público, ao mesmo tempo em que se lhes dava uma considerável influência
sobre as comunidades em que atuavam, devido, principalmente, à
importante função que desempenhavam no processo eleitoral.
No entanto, as diferenças de origem social e de formação entre o clero e
os altos escalões da política e da administração estatal, logo demonstrou os
riscos desse sistema. O clero, na sua maioria, educado no Brasil, recebeu
uma maior influência do iluminismo de matriz francesa o que o levou a
participar ativamente em vários movimentos revolucionários, ameaçando a
integridade mesma do Estado imperial.
O Governo foi, aos poucos, implementando uma própria burocracia a
nível local com o conseqüente alijamento do clero da mesma, mas sem
renunciar a sua política regalista de controle sobre a Igreja, com intuito de
manter um «controle sobre as consciências» dos seus súditos, aumentar a
sua autoridade e manter sua legitimidade. Nesse sentido, procurou
combater o clero «politizado» que ajudava a desestabilizar o sistema,
passando a nomear bispos de tendência ultramontana, avessos à política
partidária e defensores da ordem constituída. Este novo clero também tinha
formação e origem diferenciadas em relação aos altos escalões da política,
da intelectualidade e da burocracia imperial, sendo que, nas duas primeiras
décadas do Segundo Império, enquanto as influências da universidade de
Coimbra ainda eram percebidas na mentalidade dos ministros e
conselheiros de Estado, no episcopado era praticamente ausente.
Os bispos ultramontanos, investindo na formação seminarística,
fortalecimento da autoridade hierárquica e da disciplina eclesiástica,
passaram a reformar suas dioceses, iniciando pelo clero e passando,
posteriormente, à população católica. Essa nova tipologia de bispo
combateu o tradicional clero regalista, que buscava o apoio do Estado
numa tentativa de criar uma Igreja autocéfala, ainda que sem a pretensão de
se separar de Roma. Os bispos ultramontanos, ao invés, buscaram
CONCLUSÃO 565

fortalecer a autoridade pontifícia e integrar o catolicismo nacional ao


catolicismo universal, cujo centro era a Santa Sé. Associaram-se eles aos
pressupostos da Quanta Cura, do Syllabus e da infalibilidade do Papa.
De outra feita, o inicial apoio governativo aos ultramontanos e a
capacidade demonstrada por estes de se organizarem, favoreceu o
fortalecimento da autoridade e disciplina do clero, que foi gradualmente
aderindo ao projeto reformador em curso. O movimento reformador contou
ainda com o indispensável apoio de amplos setores do laicato fiel, cujas
consciências foram igualmente tocadas pela reforma. Isso conduziu, em
poucas décadas, ao triunfo do ultramontanismo em praticamente todas as
dioceses do Império.
A Santa Sé, atenta a tudo o que ocorria no Brasil, procurou influir,
direta e indiretamente, no processo de reforma da Igreja local, coisa que
fez, sobretudo, através dos seus enviados pontifícios e da atuação da
própria Cúria e do Papa. As estratégias que ela adotou para tanto, incluídas
as decisões que tomou para viabilizá-las, deixaram claro, pelos temas que
envolviam, que possuía notável conhecimento da sociedade brasileira e da
situação eclesial no país, além de um eficiente sistema de informação.
Percebe-se ainda que, ao longo dos 49 anos de duração do Segundo
Império, ocorreu um gradual distanciamento entre os poderes espiritual e
temporal. Enquanto inicialmente a Santa Sé buscou soluções harmônicas
entre os dois poderes para a reforma da Igreja no Brasil, insistindo na
colaboração do Estado, nos últimos anos, mesmo sem descartar tal
colaboração, deu prioridade aos seus representantes, aos bispos brasileiros
e às ordens religiosas reformadas ou recentemente vindas da Europa.
As diferenças de posições entre o Estado e a Igreja se evidenciaram de
vez após a fracassada tentativa de se celebrar uma Concordata em 1858.
Ato contínuo, a eclosão da Questão Religiosa, com a conseqüente proteção
do Governo à maçonaria, ao lado da punição dos bispos que ousaram
desobedecê-lo, fez tal evidência ganhar contornos de escândalo. O
distanciamento entre o Trono e o Altar ainda daria espaço a novas
controvérsias, a exemplo dos episódios de 1878, quando a Santa Sé instruiu
aos bispos a não observarem uma lei do Estado, desta vez em relação ao
regulamento que uniformizaria os Seminários. Os riscos de tais instruções
eram claros: o nascimento de uma nova Questão Religiosa ou o fim do
subsídio às casas formativas diocesanas. Não ocorreu nenhum dos dois
fatos, pois o Estado recuou; no entanto, a Santa Sé deixou clara sua
posição: era melhor uma Igreja livre sem subsídios do que uma Igreja
escrava e subsidiada.
566 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Ainda assim, deve-se ter presente que os prelados ultramontanos


inicialmente acreditavam e desejavam a prosperidade do Império; porém,
eram bastante perspicazes para perceber, depois de certo tempo, que o
regime entrara numa fase crepuscular. Instaram o Imperador e os membros
do Governo, no sentido que fosse realizada uma reorganização das bases
em que se assentava o Estado confessional no Brasil, para dar maior solidez
aos seus periclitantes alicerces. Com este fim redigiram diversas cartas,
representações e memórias ao Monarca e aos seus ministros. Foi o que fez
D. Romualdo, D. Viçoso, D. Antônio Joaquim de Mello, D. Feliciano, D.
Laranjeiras, D. Macedo Costa, D. Lacerda e outros bispos.
Fizeram-no não apenas por temerem, como então se dizia, a instauração
de um regime «laicista», mas também porque o respeito pela autoridade
constituída, no período em questão, era deveras um valor muito cultivado.
Baldados resultaram seus esforços: D. Pedro II, em que pese a sua
decantada erudição, carisma e os modos paternais, possuía igualmente um
perfil autoritário, e autoritárias eram suas convicções, viciadas pelo
arraigado regalismo bragantino que cultivava.
As palavras dos bispos ao monarca foram como o vento que soprava
sobre uma montanha inamovível e, com o tempo, no íntimo de suas
consciências, intuíram ser melhor que tal montanha ruísse, e abandonaram-
na ao seu inexorável destino. Não escavaram eles as bases da montanha
para que ela cedesse, mas também nada fizeram quando esta soçobrou. Sem
a montanha os ventos puderam seguir livremente seu curso, a procura de
um novo porvir.
APÊNDICES

TABELA 1: Representantes pontifícios na Nunciatura do Rio de Janeiro


durante o Império
TABELA 2: Bispos do Segundo Império
DOC. 1: Carta de D. fr. José da Santíssima Trindade pedindo o beneplácito
do Papa à sua nomeação (19-12-1818)
DOC. 2: Bula Praeclara Portugalliae Algarbiorumque Regum (Leo XII, 15-
5-1827)
DOC. 3: Lei extinguindo o Tribunal da Junta da Bula da Cruzada (20-9-
1828)
DOC. 4: Lei extinguindo a Mesa de Consciência e Ordens (22-9-1828)
DOC. 5: Regulamento para o Cobrança dos Dízimos (31-3-1832)
DOC. 6: Regulamento n.º 10: Prescrevendo o modo de interpor recurso das
autoridades eclesiásticas para as relações provinciais, e o seu
julgamento (19-2-1838)
DOC. 7: Decreto n.º 1911, regulando a competência, interposição, efeitos e
forma do julgamento dos recursos à Coroa (28-3-1857)
DOC. 8: Decreto n. 1.144, registro civil dos casamentos, nascimentos e
óbitos (11-9-1861)
DOC. 9: Decreto n. 3.073, uniformizando os estudos das cadeiras dos
seminários episcopais que são subsidiados pelo Estado (22-4-1863)
DOC. 10: Carta de D. Viçoso ao Ministro do Império sobre os negócios
eclesiásticos (8-9-1863)
DOC. 11: Resposta do Bispo do Pará ao Marquês de Olinda, Ministro e
Secretário dos Negócios do Império e Presidente do Conselho de
Ministros a cerca da questão dos Seminários (10-1-1864)
DOC. 12: Representação ou «Memórias» dos bispos do Pará e Rio Grande do
Sul ao Imperador (19-4-1865)
DOC. 13: Breve Quamquam Dolores (Pio IX, 29-5-1873)
568 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

DOC. 14: Voto (escrito a lápis) – Sessione n. 409 della Congregazione degli
Affari Ecclesiastici Straordinari (6-12-1873)
DOC.15: Exorta in ista ditione (29-4-1876)
DOC. 16: Relatório do Bispo de Goiás sobre a sua Diocese (4-9-1881).
APÊNDICES 569

TABELA 1: Representantes pontifícios na Nunciatura do Rio de Janeiro


durante o Império

Ostini Pietro Núncio 1829 – 1832

Fabbrini Scipione D. Encarregado 1832 – 1841

Campodonico Internúncio 1841 – 1845


Ambrogio

Bedini Gaetano Internúncio 1846 – 1847

Vieira Antonio Encarregado 1847 – 1853

Marini Marino Encarregado 1854 – 1856

Massoni Vincenzo Internúncio 1856 – 1857

Falcinelli Mariano Internúncio 1857 – 1863

Sanguini Domenico Internúncio 1863 – 1874

Ferrini Encarregado 1874 – 1875

Bruschetti Luigi Encarregado 1875 – 1876

Roncetti Cesare Internúncio 1876 – 1878

Aiuti Andréa Encarregado 1878

Matera Luigi Encarregado 1878 – 1880

Di Pietro Angelo Internúncio 1880 – 1881

Sabatucci Antonio Encarregado 1881 – 1882

Mocei Mario Internúncio 1882

Felice Adriano Encarregado 1882 – 1884

Cocchia Rocco Internúncio 1884 – 1887

Spolverini Francesco Internúncio 1887 – 1891

Fonte: ASV, NAB, Índice Geral dos Núncios desde 1808 a 1920.
570 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

TABELA 2: Bispos do Segundo Império


I - Pará D. Romualdo de Souza Coelho 1820-1841
D. José Afonso de Morais Torres 1844-1857
D. Antônio de Macedo Costa 1860-1890
II - Maranhão D. Marcos Antônio de Sousa 1827-1842
D. Fr. Carlos de São José e Souza 1844-1850
D. Manuel Joaquim da Silveira 1851-1861
D. Fr. Luís da Conceição Saraiva 1861-1876
D. Antônio Candido de Alvarenga 1876-1898
III - Ceará D. Luís Antônio dos Santos 1860-1879
D. Joaquim José Vieira 1883-1912
IV - Pernambuco D. Fr. João da Purificação Marques Perdigão 1831-1864
D. Manuel do Rego Medeiros 1865-1866
D. Fr. Francisco Ayres 1867-1870
D. Fr. Vital Maria Gonçalves de Oliveira 1871-1878
D. José Pereira da Silva Barros 1881-1891
V - Salvador -Arquidiocese D. Romualdo Antônio de Seixas 1827-1860
D. Manuel Joaquim Silveira 1861-1874
D. Joaquim Gonçalves de Azevedo 1876-1879
D. Luís Antônio dos Santos 1879-1890
VI - Diamantina D. João Antônio dos Santos 1863-1905
VII - Mariana D. Fr. José da Santíssima Trindade 1819-1835
D. Antônio Ferreira Viçoso 1844-1875
D. Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides 1877-1896
VIII - Rio de Janeiro D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo 1839-1863
D. Pedro de Maria Lacerda 1868-1890
IX - São Paulo D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade 1827-1847
D. Antônio Joaquim de Mello 1851-1861
D. Sebastião Pinto do Rego 1861-1868
D. Lino Deodato Rodrigues de Carvalho 1871-1894
X - Goiás D. Francisco Ferreira de Azevedo 1818-1854
D. Domingos Quirino de Souza 1861-1863
D. Joaquim Gonçalves de Azevedo 1864-1876
D. Cláudio José Gonçalves Ponce de Leão 1881-1890
XI - Cuiabá D. José Antônio dos Reis 1832-1876
D. Carlos Luiz D’Amour 1877-1921
XII - Rio Grande do Sul D. Feliciano José Rodrigues de Araújo Prates 1853-1858
D. Sebastião Dias Laranjeiras 1861-1888
APÊNDICES 571

DOC. 1: Carta de D. fr. José da Santíssima Trindade


pedindo o beneplácito do Papa a sua nomeação.
(Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1818)
Beatíssimo Padre, Tirando-me da obscuridade do claustro em que me achava
no Convento de São Francisco da Bahia, Sua Majestade Fidelíssima, Rei de
Portugal, do Brasil e dos Algarves, sem olhar para a nulidade de meus méritos e
debilidade de minhas forcas, fez-me bispo de Mariana, neste reino do Brasil.
Entre as obrigações que o novo cargo me impõe a principal é, desde já, postar-me
humildemente aos pés de Vossa Santidade e renovar a profissão de fé católica
que emiti, não há muito, perante o Núncio de Vossa Santidade, protestando-lhe
inteira submissão, e a obediência que devo ao Chefe Supremo da Igreja e vigário
de Deus e a qual, com o auxílio divino, serei fiel até a morte.
E aqui protesto de novo a Vossa Santidade que de nenhum modo aceitarei o
ônus do episcopado se minha nomeação não merecer seu inteiro beneplácito; e
em tal importância tenho a eleição de Vossa Santidade, que a sua denegação, não
confirmando a apresentação regia, fora para mim um beneficio, e uma garantia
do amor de V. Santidade para comigo. Mas se V. Santidade entender que deve
impor-me o episcopado, ônus de que recuam os mesmos anjos, peço me dispense
do defeito do grau do magistério, a que alias fora chamado, mas não o exerci,
porque a outras obrigações me impôs a Ordem a que pertenço. De joelhos aos pés
de V. Santidade, suplico a Santíssima Benção Apostólica, enquanto fico rogando
a Deus com maior fervor conserve incólume a vida a V. Santidade para o bem da
Igreja Universal.
Rio de Janeiro, 19 de Dezembro de 1818.
De V. Santidade, – humílimo, devotíssimo e obedientíssimo filho –
Frei José da SS. Trindade1.

DOC. 2: Bulla Praeclara Portugalliae Algarbiorumque Regum


(Leo XII, 15 maii 1827)
Extensio iurium, et privilegiorum a summis pontificibus concessorum regi
Portugalliae et Algarbiorum uti magno magistro Ordinis Iesus Christi favore
imperatoris Brasiliensis, eiusque pro tempore successorum.
Leo, Episcopus, Servus Servorum Dei.
Ad perpetuam rei momoriam.
§1. Praeclara Portugalliae Algarbiorumque regum et militum militiae ordinis
Iesu Christi facinora eorumque singularia in Christianam religionem promerita
Romanos pontifices praedecessores Nostros, quorum semper in more positum et
instituto fuit, catholicos principes quos in conterendis religionis hostibus et
divino cultu augendo studiosos videbant honoribus et privilegiis fovere

—————————–
1
R. TRINDADE, A Arquidiocese de Mariana, I, 182-183.
572 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

impulerunt, ut tam praefatos reges quam dicti ordinis milites mira liberalitate
prosequerentur.
§2. Sane tempore Dionysii Portugalliae et Algarbiorum regis anno scilicet
millesimo tercentesimo decimo nono cum faeda Saracenorum natio christiano
nomini inimica, hac illac discurrens innumera mala Christifidelibus inferret,
agros eorum vastaret, civitates et oppida incenderet, castra multa teneret, captivos
abduceret ex ipsius Dionysii eiusque sucessorum regum et militum dictae
militiae studio religionis ac virtute factum est, ut caesis fusisque eorum
exercitibus abire ipsi e christianorum locis quae occupaverant et intra fines suos
se recipere coacti fuerint, atque ita pax et securitas Christifidelibus fuerit
restituta. Haec, quae principio a dictis regibus, et militibus tanto cum
emolumento christianae religionis gesta fuerunt, praeclariora, ac utiliora deinceps
consecuta sunt. Nam Joannes Primus in Africam cum exercitu eiusdem militiae
ordinis Iesus Christi trajiciens anno millesimo quadringentesimo decimo sexto
septem civitatem, et multa alia loca e Saracenorum manibus eripuit, deinde
Henricus, Portugalliae infans, vestigiis ingrediens patris sui Joannis, et ab ineunte
aetate, zelo incensus salutis animarum fideique propagandae Saracenos ipsos
multis praeliis vicit, debellavitque eosque intra proprios fines persequutus a suis
locis sedibusque dejecit ac pene exterminavit, sacrilegis eorum fanis ac delubris
solo aequatis, templa vero Deo excitavit, fidemque Catholicam in eorum regiones
inducendam curavit. Neque hic finem fecit rerum pro religione gestarum, sed ad
majora exardescens, quod antea nemo hominum ausus fuerat, ad Oceani maris
meridionales, et occidentales plagas navigare ipse primum aggressus est, in qua
navigatione multis annis versatus nullis nec fractus laboribus, nec territus
periculis, oras, portus, insulas quamplures perlustravit, populos infideles subegit,
qui subinde sacra mysteria cura ejus edocti, et salutari abluti lavacro Catholicam
religionem professi sunt. Postremo pari virtute, et felicitate usus ad Guineam
contendens, eamdem totam a capite de Bojador ad caput usque de Nave
Portugalliae dominationi subegit, magno sane cum religionis christianae
incremento, quae apud illam gentem ipsius studio, et zelo disseminata fuit, ita ut
multi numero Guinei idolis relictis aut feda Mahumeti superstitione ejurata.
Christo nomen dederint.
§3. Quae omnia probe attendentes Romani pontifices eorum temporum,
perpendentesque munus esse apostolatus sui in curam Catholicae veritatis
dilatandae potissimum incumbere catholicis regibus qui vel in conterendis fidei
hostibus, vel in christianis ab infidelium captivitate vindicandis, aut infidelibus
ipsis ad evangelii veritatem adducendis operam, opesque suas impendebant, viam
a se muniendam et congrua auxilia, quibus tam utile ac Deo acceptum opus
prosequi possent addenda duxerunt; piisque tam dictorum Joannis et Henrici,
quam subsequentium Portugalliae regum qui eos imitati pari virtute, et studio
bene de religione merebantur coeptis et conatibus omni ope gratiisque
singularibus adfuerunt. Illos itaque quantum in ipsis fuit temporalibus primum
communiri praesidiis eorumque vires, quas tantis sumptibus, tantisque bellis cum
APÊNDICES 573

hostibus christianae religionis infensissimis, et potentissimis gerendis impares


intelligebant nunc bonis ordinis Templariorum apostolica auctoritate addictis,
nunc aliis eclesiasticis supressi reditibus concessis, apostolicis literis in id editis
augere studuerunt. Deinde tam dictos reges quam ordinem praefatae militiae
militum Iesu Christi mira spiritualium gratiarum liberalitate prosequuti fuerunt.
Qua in re et si illorum studio amplificandae religionis, laboribusque pro ea
exaltatis debitos honores et praemia deferre voluerunt, illud tamen maxime prae
oculis habuerunt, et fidei christianae, quae per ipsos in regionibus infidelium
quos bello devicerant, disseminabatur incremento et firmitati consulerent. Ad
utrumque magni referre intellexerunt, ut qui tantum tamque Deo acceptum opus
urgebant, multis, atque insignibus ornarentur privilegiis. Huic Romani pontifices
praedecessores Nostri Calixtus Tertius, Nicolaus Quintus et Sixtus Quartus
nullum pene gratiarum spiritualium genus praetermiserunt, quod dictis regibus et
ordini praefato militiae militum Iesus Christi liberaliter non indulserint, quae
posteris temporibus ab Alexandro quinto et Leone Decimo non modo confirmata
fuerunt, sed ad novas etiam detectas, ac subactas regiones productae, ac
facultates, quibus iure ordinario episcopi in suis pollent diocesibus, prioribus
dicti ordinis in subditos ipsis populos sunt attributatae.
§4. Facta deinde in oppido Thomar vicariatus institutione, ipsoque eius vicario
priore maiore dictae militiae renuntiato, tota, quae antea concessa fuerat potestas
per literas apostolicas Leonis Decimi incipientes – Dum fidei constantiam – ad
eumdem vicarium translata fuit, qui eam exinde eodem in oppido Thomar,
nullius dioecesis, characthere episcopali ab apostolica Sede insignitus totam
obtinuit atque exercuit.
§5. Verum haec spiritualis, et ordinaria potestas non diu in vicario oppidi,
Thomar mansit. Namque idem Leo Decimus, Emmanuelis regis supplicationibus
annuens eodem anno quo superiores literas alias apostolicas dedit incipientes –
Pro excellenti – quibus vicaria oppidi Thomar perpetuo supressa civitatem
Funchallam, in Insula Madeira, in mari Oceano sitam et a Lusitania versus
meridiem milliares circiter quingentes distantem in episcopatum erexit, facta regi
pro tempore Portugalliae facultate presentandi Romano Pontifici personam
idoneam in episcopum eiusdem civitatis deputandam; ad dignitates vero,
canonicatus et praebendas magistro pro tempore existenti militiae ordinis Iesu
Christi. In eumdem autem episcopum potestatem omnem ordinariam transferri
voluit, super locis quibuscumque et ubicumque vicario de Thomar subjectis et
quae de iure et privilegio et indulto apostolico subjici debeant.
§6. Huius episcopatus erectioni aliis postea accedentibus, ut Angrensis, Capitis
Viridis, Malagensis, Coccinensis, quas Romani Pontifices supplicationibus
eorumdem Portugalliae regum permoti sanxerunt, sensim episcopi Funchallensis
iurdisdictio fuit imminuta; eoque tamdem deventum est, ut aucto episcopatum
numero, et in totidem dioceses illo locorum et insularum spatio quod
Funchallensi episcopo subjectum erat, distributo ordinaria huius episcopi
574 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

iurisdictio quam illic necessitate temporum suadente obtinuerat, cessaverit


omnino atque intra limites suae diocesis fuerit conclusa.
§7. Haec omnia prae oculis habentes, revolventesque animo quantam curam,
quantumque studium Romani Pontifices Praedecessores Nostri posuerint ut reges
et principes optime de religione meritos, condignis favoribus et privilegiis
prosequerentur. Nos eorum vestigiis et exemplis inhaerentes parem animi
sollicitudinem ac propentionem gerentes erga reges et principes, pietate et studio
fidei ferventes, ad supplicationes Nobis a carissimo in Christo filio Nostro Petro
primo in regione Brasiliensi imperatore factas, valde inclinati sumus Exponi
siquidem nuper Nobis fecit per dilectum filium commendatorem Franciscum
Correa Vidigal, suum apud Nos, et Sedem Apostolicam ministrum
plenipotentiarum saeculo decimo quarto inclinante insulas quae in Atlantico mare
sunt per Portugallorum classem detectas, infanti regis Portugalliae Henrico, qui
totius militiae ordinis Iesu Christi magisterium obtinebat, donatas fuisse super
eisdem insulis amplissima eumdem ordinem sive eiusdem magistrum
iurisdictione usum fuisse vi Litterarum Apostolicarum ab Eugenio quarto anno
millesimo quadringentesimo quadragesimo secundo quarum initium – Etsi
suscepti cura – a Nicolao quinto millesimo quadringentesimo quinquagesimo
quarto – Romanus Pontifex – a Calixto Tertio – Inter coetera – anno millesimo
quadringentesimo quinquagesimo quinto editarum.
Hanc vero iurisdictionem quae viris ecclesiasticis ad formam Apostolicarum
earumdem litterarum ab Ordine sive eius Magistro demandabatur una cum
pluribus privilegiis a Leone decimo per litteras Apostolicas incipientes –
Praecelsae devotionis – anno millesimo quingentesimo decimo quarto ad
Regionem Brasiliensem, postea detectam, et ad alias Terras in posterum
detegendas, productam fuisse, consequenti deinde tempore idest anno millesimo
quingentesimo quinquagesimo primo evenisse, ut Iulius Tertius, supplicationibus
annuens Joannis Tertii Portugalliae regis apostolicas Litteras ediderit incipientes
– Praeclaram Charissimi – per quas tres ordines Militares in Portugalliae regno
existentes, idest, Ordo Sancti Jacobi a spata, Sancti Benedicti ab Avis, et Iesu
Christi in unum perpetuo coaluerint qui dicitur ordo Iesu Christi; idemque rex
ejusque successores magni eiusdem ordinis magistri et administratores in
praedictis Litteris Apostolicis renuntiati ab eo tempore ad hanc usque aetatem
illius magisterium obtinuerint semper et libere exercuerint.
Pergit idem minister plenipotentiarius, dicens ex nuperis pactis conventis ad
procurandam utriusque gentis Portugallorum scilicet et Brasiliensium felicitatem
utrumque regnum quod uni parebat regi, alterum ab altero fuisse divisum ita ut
suus Portugalliae sit rex, suusque sit Brasiliae princepes qui etiam imperatoris
titulo gaudeat ac praerogativa sua pariter utrumque regnum, distincta habet iura
atque privilegia eoque fieri iam sine magno incomodo ac difficultate non posse,
ut rex Portugalliae iura et privilegia quae tamquam magnus ordinis Iesu Christi
magister obtinuit in regione Brasiliensi atque exercuit hactenus obtineat in
posterum ac exerceat proinde imperatoris sui nomine apostolicas Nobis litteras
APÊNDICES 575

suppliciter petiit quarum vi majestas sua Petrus primus tamquam militiae ordinis
Iesu Christi magister omnibus potiri iuribus et privilegiis in Brasiliensibus
regionibus, possit ac valeat quae ad Portugalliae reges ex superius laudatis litteris
apostolicis ut predictorum ordinum sancti Jacobi a Spata, sancti Benedicti ab
Avis, et Iesu Christi magnos magistros pertinebant ipseque imperator in universo
Brasiliensi imperio magnum magisterium obtineat, et dictorum ordinum magister
sit, ac insuper qui in imperio eum substiturus erit, quique substituri erunt in
posterum, ii quoque eiusdem ordinis Iesu Christi Magisterii praerogativas, et iura
semper sint habituri, salvis tamem manentibus iuribus, privilegiisque omnibus
quae Romani pontifices praedecessores Nostri Portugalliae, et Algarbiroum
regibus tamquam ordinis dictae militiae magistris concesserant, intra fines earum
regionum exercendis, quae iisdem regibus subditae sunt.
§8. Nos igitur attendentes quanto dictus imperator, maiorum suorum sequens
exempla, flagret studio non solum conservandae Religionis, sed etiam
propagandae utpote qui idolatras et gentiles qui adhuc magno numero in ea
Regione reliqui sunt, ad Catholicam fidem omni ope adducendos curet
plurimumque confisi fore ut in eo consilio eademque erga hanc apostolicam
Sedem sit devotione perseveraturus supplicationes ipsius peculiari quadam
benevolentia amplectentes, praesentibus perpetuo valituris literis Petrum primum
et pro tempore existentem Brasiliensis regionis imperatorem magnum,
praedictorum ordinum simul unitorum, seu militiae ordinis Iesu Christi
magistrum declaramus, ita ut tam ipse Petrus quam qui in posterum Brasiliense
imperium obtinebunt; tamquam magistri et perpetui eiusdem ordinis
administratores eadem omnia privilegia, iuraque habeant, quae in ea regione
reges Portugalliae tanquam dicti ordinis magistri auctoritate praedecessorum
Nostrorum obtinebant, eaque excercere libere possint et valeant super ecclesiis et
beneficiis ad praedictum ordinem pertinentibus, super quibus praefati reges illa
exercere legitime poterant.
§9. Qua propter et ius praesentandi et nominandi ad episcopatus, et ad caetera
beneficia et praeceptores ad praecepetorias deputandi, et commendatores ad
commendas, et moderatores ad congragationes ordinis dirigendos ministros,
etiam ad rectam redituum procurationem atque erogationem haec aliaque quae
magno militiae ordinis Iesu Christi magistro reliqua fuerunt post editas a Leone
decimo bullas incipientes – Dum fidei constantiam et Pro excellenti – quaeque
post bullam unionis, per quam tres ordines in unum coaluerunt a Iulio tertio
latam incipientem – Praeclara charissimi – in reges Portugalliae transierunt; si
quae aut aliquando horum aut privilegiorum ipsis regibus in dicta Brasiliensi
regione exercita fuere, eadem omnia spectare ad imperatorem Petrum primum
eiusque in imperio successores ab iisdemque exerceri tanquam magnis ordinis
Iesus Christi magistris et perpetuis administratoribus posset declaramus.
§10. Quia vero fieri potest, ut aliqua beneficia, aut ecclesiae in regno
Portugalliae existentes, et ad ordinem Iesu Christi pertinentes ex reditibus dotatae
sint, aut fundis in imperio Brasiliensi existentibus, ne quid prejudicii eisdem per
576 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

presentes litteras Nostras inferatur, volumus et sancimus; ut justis


compensationibus ex fundis aut redditibus in Portugalliae regno existentibus,
Brasiliae imperator earumdem ecclesiarum, ac beneficiorum indemnitati
consulat.
§11. Et quoniam ad Ecclesiae bonum maxime interest, ut dignitates, et
beneficia, illa praecipue, quae cum animarum cura conjunguntur nonisi personis
conferantur pietate, doctrina et zelo animarum pollentibus, hinc eidem imperatori
in cujus caeteroquin religione ac pietate plane confidimus, ipsiusque in imperio
succesoribus supradicta iura ita concedimus, ut in praedictorum iurium exercitio,
maxime vero cum cura de episcoporum, aut parochorum nominatione, seu
praesentatione agitur sacratissimas Ecclesiae ordinationes, eas praecipue quae a
sacro Tridentino concilio sessione vicesima quarta praescriptae sunt, prae oculis
habeant, cum eisdem per praesentes nullo modo derogatum intelligamus, quas
immo omnino sartas tectasque servari jubemus.
§12. Praesentes autem literas ac in eis contenta quaecumque etiam ex eo quod
quilibet interesse habentes vel habere praetendentes vocafi et auditi non fuerint,
ac praemissis non consenserint nullo unquam tempore de subreptionis vel
obreptionis aut nullitatis vitio suae intentionis, Nostrae, vel quolibet alio etiam
substantiali defectu notari impugnari aut in controversiam vocari posse, sed eas
perpetuo validas, et efficaces existere et fore, suosque plenarios, et integros
effectus sortiri, et obtinere, atque ita ab omnibus ad quos spectatae inviolabiliter
observari debere decernimus.
§13. Non obstantibus de iure quaesito non tollendo, aliisque Nostris et
cancellariae apostolicae regulis aut specialibus vel generalibus editis
constitutionibus et ordinationibus apostolicis, caeterisque contrariis
quibuscumque.
§14. Volumus praeterea, ut harum literarum Nostrarum transumptis etiam
impressis manu tamen alicujus notarii publici, subscriptis, et sigillo personae in
ecclesiastica dignitate constitutae munitis eadem prorsus fides ubique adhibeatur
quae ipsis praesentibus adhiberetur, si forent exhibitae vel ostensae.
§15. Nulli ergo omnino hominum liceat paginam hanc Nostrarum
concessionis, declarationis, indulti, facultatis, mandati et voluntatis infringere,
vel ei ausu temerario contraire. Si quis autem hoc attentare praesumpserit
indignationem Omnipotentis Dei ac beatorum Petri et Pauli Apostolorum eius, se
noverit incursurum.
Datum Romae apud sanctum Petrum anno incarnationis Domini, millesimo
octingentesimo vicesimo septimo, idibus maii, pontificatus Nostri anno quarto.

Loco † Plumbi2.

—————————–
2
Bullarii Romani, XVII, 56-60
APÊNDICES 577

Bula Praeclara Portugalliae Algarvabiorunque Regum


(Tradução)
Papa Leão XII, 15 de maio de 1827
Para memória eterna.
As preclaras ações dos reis de Portugal e dos Algarves e dos soldados da
milícia da Ordem de Cristo, e dos seus bons e singulares ofícios em favor da
Religião Cristã, moveram os Pontífices Romanos nossos predecessores, cujo
costume e regra foi sempre favorecer com honras e privilégios os príncipes
católicos, que se mostravam empenhados na destruição dos inimigos da Religião
e no aumento do Culto Divino, a tratar com suma liberalidade tanto os
mencionados reis como os soldados da dita Ordem.
E na verdade, no tempo de Dom Diniz, Rei de Portugal e dos Algarves, isto é,
em 1319, quando a torpe nação Sarracena, inimiga do nome Cristão, divagando
aqui e ali causava inúmeros males aos fieis cristãos, devastando-lhes os campos,
incendiando cidades e vilas, tomando muitos castelos e levando consigo cativos,
veio a conseguir-se pelo zelo da Religião e valor do mesmo Dom Diniz e dos reis
seus sucessores, assim como dos soldados da referida milícia, que, derrotados e
mortos os exércitos inimigos, se ausentassem os Sarracenos do território cristão
que haviam ocupado, sendo obrigados a recolher-se dentro dos seus limites; de
maneira que foi restituída aos fiéis cristãos a paz e a segurança.
O que a princípio fizeram os reis e soldados da milícia de Cristo, foi seguido
de outras mais úteis e preclaras conquistas. Pois que Dom João I, passando à
África com um exército da mesma milícia da Ordem de Cristo, no ano de 1416,
arrancou cento e muitas praças das mãos dos Sarracenos. Depois, o infante Dom
Henrique, seguindo as pisadas de seu pai Dom João, e inflamado, desde a sua
juventude no zelo da salvação das almas e da propagação da Fé, venceu os
Sarracenos em muitos combates, repeliu-os para dentro dos seus próprios limites,
e quase os exterminou, e arrancando-lhes as mesquitas, consagrou templos ao
verdadeiro Deus, e procurou introduzir a fé Católica nas regiões dos infiéis.
Nem pararam nisto as suas empresas a favor da Religião, porque ardendo em
desejos de executar maiores cousas, a nenhum homem, antes dele, se havia
atrevido, acometeu às plagas meridionais e ocidentais do mar Oceano, em cuja
navegação empregou muitos anos; e sem que o rendessem os trabalhos ou
assustassem os perigos, visitou muitos portos e ilhas, e subjugou povos infiéis,
que doutrinados pelo seu cuidado nos sagrados Mistérios, e lavados na água
salutar do batismo, professaram a Religião Católica.
Finalmente, dirigindo-se com igual valor e felicidade para a Guiné, sujeitou-a
toda, desde o Cabo Bojador até o de Naon ao domínio português, com grande
aumento da Religião Cristã, que foi disseminada entre aquela gente com zelo e
cuidado; de maneira que muitos, abandonando os ídolos da Guiné, ou abjurando
a torpe superstição maometana, abraçaram a religião de Cristo.
578 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Ao que tudo atendendo os Pontífices Romanos daquela época, e considerando


que era um dever do seu Apostolado procurar dilatar o mais possível a verdadeira
Religião, julgaram que deviam prestar auxílio aos reis católicos, que
empregavam os seus esforços em debelar os inimigos da Fé, em resgatar os
cristãos do cativeiro dos infiéis, ou em reduzir os mesmos infiéis à verdade do
Evangelho, a fim de que os mesmos reis pudessem prosseguir em uma obra tão
útil e aceitável a Deus. Assim, assistiram com todos os meios e graças singulares
as suas empresas e tentativas tanto dos ditos reis Dom João e Dom Henrique,
como os subseqüentes reis de Portugal, que imitando-os na virtude e zelo, bem
mereciam da Religião.
E considerando primeiramente os presídios que eles tinham de estabelecer e a
influência das suas forças para tantas e tão dispendiosas guerras com os
intensíssimos e poderosos inimigos da Religião Cristã, ora aplicaram-lhes os
bens da Ordem dos Templários, suprimida por Autoridade Apostólica, ora
concederam-lhes outros rendimentos, e procuraram auxiliá-los por meio de
Letras Apostólicas para esse fim expedidas.
Em seguida, tanto os ditos reis, como a mencionada Ordem Militar de Cristo,
obtiveram singular liberdade de graças espirituais. E ainda que quiseram os
Romanos Pontífices dar as devidas honras e prêmios ao seu zelo e esforços em
dilatar a Religião, todavia tiveram sempre em vista que eles procurassem
promover o aumento e firmeza da fé Cristã, a qual ia se disseminando pelas
regiões dos infiéis, há pouco conquistadas.
Para uma e outra coisa entenderam que muito convinha que aqueles que
promoviam uma obra tão importante e tão aceita a Deus fossem revestidos de
muitos e insignes privilégios. Por isso, os mesmos Pontífices nossos
Predecessores Calisto III, Nicolau V, e Sisto IV, quase que não omitiram gênero
algum de graças espirituais que não concedessem literalmente aos ditos reis e à
mencionada Ordem militar de Cristo; as quais graças em tempos posteriores
foram não só confirmadas, mas tornadas extensivas às novas regiões descobertas
e subjugadas, e as faculdades e que por direito ordinário gozavam os bispos nas
suas dioceses foram-lhes outorgadas para com os povos submetidos.
Feitas depois na Vila de Tomar a instituição do Vicariato, e tendo sido o seu
Vigário nomeado Prior-Mor da dita Ordem, todo o poder que antes fora
concedido pelas Letras Apostólicas de Leão X que principiam – Dum fidei
constantiam – foi transferido para o mesmo Vigário, que na mesma vila de
Tomar, sem estar revestido de caráter episcopal pela Sé Apostólica, o exerceu
inteiramente. Porém, este poder espiritual e ordinário não permaneceu por muito
tempo no Vigário da dita vila, pois o mesmo Leão X, anuindo aos rogos do rei
Dom Manoel, no mesmo ano em que foram publicadas aquelas Letras, expediu
outras Apostólicas que principiam – Pro excellenti –, pelas quais ficando
perpetuamente supresso o Vicariato de Tomar, foi erigida em bispado a cidade de
Funchal, situada na Ilha da Madeira no mar oceano, cerca de 500 milhas ao sul
da Lusitânia; sendo outorgada ao rei de Portugal e seus sucessores, a faculdade
APÊNDICES 579

de apresentar ao Pontífice Romano, uma pessoa idônea para Bispo da mesma


cidade.
Quanto às dignidades, canonicatos e prebendas do mestrado existente da
Ordem Militar de Cristo, quis que fosse transferido para o mesmo bispo todo o
poder ordinário sobre todos os lugares sujeitos ao vigário de Tomar, e que por
direito, privilégio e indulto Apostólico devessem ficar sujeitos.
A criação deste bispado, seguiram-se outros como o de Angra, de Cabo Verde,
Malaca e Cochim, os quais, os Pontífices Romanos sancionaram a instâncias dos
mesmos reis de Portugal, e foi gradualmente cortada a jurisdição do bispo de
Funchal, até que, finalmente, aumentado o número de bispados, e distribuído em
outras tantas dioceses o espaço dos lugares e ilhas que estivera sujeito ao referido
bispo, cessou inteiramente e ficou contraída dentro dos limites de sua diocese a
jurisdição ordinária, que pela necessidade dos tempos lhe fora outorgada.
Tendo Nós diante dos olhos estas cousas, e revolvendo no ânimo quanto
cuidado e quanto zelo puseram os Romanos Pontífices nossos Predecessores em
fazer com que os reis e príncipes singularmente beneméritos da Religião, fossem
munidos de condignos favores e privilégios seguindo os seus vestígios e
exemplos, e nutrindo igual solicitude de ânimo e benevolência para que os reis e
príncipes que se mostravam fervorosos na piedade e zelo da fé, muito dispostos
estamos a anuir aos rogos do Nosso Caríssimo Filho em Cristo, Dom Pedro I.
E pois que ele, pelo dileto filho Comendador Francisco Corrêa Vidigal, seu
ministro plenipotenciário junto a Nós e a Sé Apostólica, nos fez representar que
no declinar do século décimo quarto, as ilhas do mar Atlântico, descobertas pela
armada portuguesa, foram doadas ao infante Dom Henrique de Portugal, que era
mestre de toda a Ordem Militar de Cristo sobre as quais ilhas a mesma Ordem ou
o mesmo mestre teve amplíssima jurisdição em virtude das Letras Apostólicas de
Eugênio IV, no ano de 1442, que começam – Elsi suscepit cura –, de Nicolau V,
no ano de 1454 – Romanus Pontifex –, Calisto III – Inter Coetera -, publicadas
no ano de 1455.
Que esta jurisdição, que na forma das mesmas Letras Apostólicas era
requerida pela Ordem ou pelo Mestre dela para os Varões Eclesiásticos,
juntamente com vários outros privilégios, foi, pelas Letras Apostólicas de Leão X
que começam – Praecelse devotinis -, expedidas no ano de 1514, tornada
extensiva à região brasílica, e a outras terras que posteriormente se descobrissem.
Que nos tempos posteriores, isto é, no ano de 1551, aconteceu que Júlio III,
anuindo às súplicas de Dom João III, rei de Portugal, expedisse as Letras
Apostólicas que começam – Praeclara charissimi – pelas quais as três Ordens
militares no Reino de Portugal, a saber, a Ordem de Santiago da Espada, de São
Bento de Avis, e de Cristo, se reunissem perpetuamente em uma só, com a
denominação de Ordem de Cristo.
Que o mesmo rei e seus sucessores declarados grão-mestres e administradores
da mesma Ordem pelas ditas Letras Apostólicas, desde aquele tempo até agora,
possuíram sempre e livremente o respectivo mestrado.
580 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

E prosseguindo o mesmo ministro plenipotenciário a expor que na


conformidade das últimas convenções celebradas para a felicidade de ambas as
nações portuguesa e brasileira, um e outro reino, que obedeciam a um só rei,
foram divididos entre si, de maneira que Portugal tenha o seu rei e o Brasil o seu
príncipe com o título de Imperador, ficando igualmente distintas as prerrogativas,
direitos, privilégios de ambos os reinos, não podendo já o rei de Portugal, sem
grande incômodo e dificuldade, continuar a possuir e exercer no Brasil os direitos
e privilégios que na qualidade de grão mestre da Ordem de Cristo até agora teve
e exerceu; por isso, em nome do seu Imperador, suplicou-nos que expedíssemos
Letras Apostólicas em virtude das quais sua Majestade Dom Pedro I, na
qualidade de mestre da Ordem Militar de Cristo, possa gozar e possuir nas
regiões brasílicas, todos os direitos e privilégios que pelas supra mencionadas
Letras Apostólicas pertenciam aos reis de Portugal, como os grãos mestres das
referidas ordens de Santiago da Espada, de São Bento de Avis e de Cristo; e que
o mesmo Imperador em todo o Império do Brasil tenha o grão mestrado, e seja
mestre das ditas ordens.
E que além disso, quem o substituir no Império, e os que para o futuro lhe
sucederem, também tenham sempre as prerrogativas e direitos de mestrado da
mesma Ordem de Cristo, salvos porém todos os direitos e privilégios que os
Pontífices Romanos nossos predecessores haviam concedido aos reis de Portugal
e dos Algarves, como mestres da dita Ordem, para exercerem dentro dos limites
dessas regiões sujeitas aos mesmos reis.
Portanto, atendendo Nós ao ardente zelo com que o dito Imperador, seguindo
o exemplo dos seus antepassados, procura não só manter, mas ainda propagar a
Religião como todo o empenho e trazer à fé Católica os idólatras e gentios que
em grande número ainda existem naquele país, e intimamente convencidos de
que ele há de perseverar nesta resolução e na mesma devoção para com esta Sé
Apostólica, recolhemos com peculiar benevolência as suas súplicas; e pelas
presentes Letras de perpétuo vigor, declaramos que Dom Pedro I, e a quem
existir como Imperador do Brasil, grão mestrado nas sobreditas ordens unidas ou
da Ordem Militar de Cristo; de modo que, tanto Dom Pedro, como aqueles que
para o futuro lhe sucederem no Império do Brasil como mestres perpétuos
administradores da mesma ordem, gozem de todos os privilégios e direitos que
por Autoridade dos Nossos Predecessores possuíam ali os reis de Portugal, na
qualidade de mestres da dita Ordem, e os possam livremente exercer sobre as
igrejas e benefícios pertencentes à dita Ordem, sobre os quais os mencionados
reis podiam legitimamente exercê-los.
Pela qual razão o direito de apresentação e nomeação aos bispados e outros
benefícios, de deputar preceptores para as preceptorias, comendadores para as
comendas, regedores para os conventos e congregações da Ordem, ministros para
a boa arrecadação e administração dos rendimentos, assim como outras
prerrogativas que foram deixadas ao grão mestre da Ordem Militar de Cristo,
depois de expedidas as bulas de Leão X, que principiam – Dum fidei constantiam
APÊNDICES 581

e Proexellenti – depois pela bula de União de Júlio III, que principia – Praeclara
charissimi – e reunidas em uma passaram para os reis de Portugal; e se estes
direitos ou privilégios foram alguma vez exercidos pelos mesmos reis da região
brasílica, declaramos que todos eles ficam pertencendo ao Imperador Dom Pedro
I, e aos seus sucessores no Império, e podem se exercidos por eles como grãos
mestres da Ordem de Cristo.
Como porém, pode acontecer, que alguns benefícios ou igrejas existentes no
reino de Portugal e pertencentes à Ordem de Cristo, possuam rendimentos ou
fundos do Império do Brasil, para que nenhum prejuízo lhes resulte destas
Nossas presentes Letras, queremos e sancionamos que feita a justa compensação
dos fundos ou rendimentos existentes, o Imperador do Brasil proveja a
indenização das mesmas igrejas e benefícios.
E por quanto muito convém para o bem da Igreja que os benefícios e
dignidades, principalmente com cura d’almas não sejam confiadas senão a
pessoas notáveis pela sua piedade, doutrina e zelo das almas, ao mesmo
Imperador em cuja Religião e piedade confiamos, e aos seus sucessores no
Império, concedemos os referidos direitos, para que, no exercício deles,
sobretudo tratando-se da apresentação dos bispos e párocos, tenham diante dos
olhos as sacratíssimas ordenações da Igreja, e principalmente, aquelas que são
prescritas pelo Sagrado Concílio de Trento, na sessão vigésima quarta, as quais,
pelas presentes, não entendemos derrogar, antes mandamos que se observem
inviolavelmente.
Decretamos que as presentes Letras e o seu conteúdo, sejam sempre válidas e
eficazes, e surtam os seus plenários e inteiros efeitos; e aqueles que tiverem ou
pretendam ter interesse, bem que não tenham sido chamados e ouvidos nem
hajam consentido nas premissas, não possam jamais impugná-las ou tachá-las de
vício de sub-repção ou abrepção ou nulidade ou de intenção Nossa, ou de
qualquer outro defeito substancial, nem convertê-las; e que por todos a quem
pertencer sejam inviolavelmente observadas, não obstante de jure quaesito non
tollendo, e outras Nossas regras Apostólicas e de Chancelaria, ou editos especiais
ou gerais, constituições e ordenações Apostólicas e outras quaisquer disposições
em contrário.
Queremos outrossim, que aos transuntos destas Nossas Letras, bem que
impressos, estando assinados por algum tabelião, e selados por pessoa constituída
em Dignidade Eclesiástica, se lhes dê em toda a parte, a mesma inteira fé que às
Presentes se daria, fossem exibidas ou mostradas.
Portanto, a nenhum homem seja lícito infringir ou temerariamente contrariar
esta Nossa Carta de concessão, declaração, indulto, faculdade, mandado e
vontade. Se alguém presumir fazê-lo, saiba que incorrerá na indignação de Deus
onipotente, e na dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.
582 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Dado em Roma, na Basílica de São Pedro, aos 15 de maio do ano da


encarnação do Senhor 1827, e quarto do Nosso Pontificado3.
Lugar † de chumbo.

DOC. 3: Lei extinguindo o Tribunal da Junta da Bula de Cruzada


(20 de setembro de 1828)
Dom Pedro, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos
súditos que a Assembléia Geral decretou, e Nós queremos a Lei seguinte:
Art. 1.º Fica extinto o tribunal da Bula de Cruzada e a distribuição e venda
desta.
Art. 2.º Os livros e todos os papéis que não forem processos relativos da
administração do mesmo Tribunal, sendo entregues e guardados no Tesouro
Público na capital, e nas repartições da Fazenda e nas províncias.
Art. 3.º Os processos findos e pendentes serão remetidos ao Juízo dos Feitos
da Fazenda, onde se guardarão os primeiros, e se continuarão a processar os
outros.
Art. 4.º As causas que de novo se moverem por ocasião da Bula, arrecadarão
do seu rendimento, dívidas, contratos, e quaisquer convenções, ou transações
feitas por sua causa, ou seja, ex-oficio por parte da Fazenda Pública em processo
ordinário; exceto somente o que for relativo à cobrança dos dinheiros recebidos
pelos tesoureiros, aos quais se ajustará a conta breve e sumariamente, à vista das
Bulas que tiverem recebido e das que deixarem de entregar; processando-se
contra eles pela quantia que se liquidar.
Art. 5.º Todos os empregados vitalícios do Tribunal da bula, que não tiverem
outro emprego, continuarão a vencer os seus ordenados, enquanto o Governo os
não empregar em qualquer serviço para que forem aptos.
Art. 6.º O Governo mandará rever todas as contas da receita e despesa do
Tribunal da Bula que se não tiverem prestado; e fará responsável por seus bens a
quem competir, no caso de achar que os dinheiros da Bula não têm sido
arrecadados e despendidos em forma devida.
Art. 7.º Ficam revogadas todas as leis, regimentos, alvarás, decretos e mais
resoluções em contrário.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam guardar tão
inteiramente como nela se contêm. O Secretário de Negócios de Estado da
Justiça a fará imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos
20 de setembro de 1828, 7.º da Independência e do Império.
Imperador com guarda4.

—————————–
3
C. M. ALMEIDA, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro, I, parte 2, 459-465.
4
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte 1, 45-46.
APÊNDICES 583

DOC. 4: Lei extinguindo a Mesa de Consciência e Ordens


(22 de setembro de 1828)
Dom Pedro, por Graça de Deus, e unânime aclamação dos povos, Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos
súditos que a Assembléia Geral decretou, e Nós queremos, a Lei seguinte:
Art. 1.º Ficam extintos os tribunais das Mesas do Desembargo do paço, e da
Consciência e Ordens.
Art. 2.º Os negócios, que eram da competência de ambos os tribunais extintos,
e que ficam subsistindo, serão expedidos pelas autoridades, e maneiras seguintes:
§1.º Aos juízes de primeira instância, precedendo as necessárias informações,
audiência dos interessados, havendo-as, e conforme o disposto no regulamento
dos desembargadores do Paço, e mais leis existentes com o recurso para a relação
do distrito, compete:
- Conceder cartas de legitimação a filhos ilegítimos, e confirmar as adoções;
- A insinuação de doações, que será pedida, e averbada no livro competente,
dentro de dois meses depois da data da escritura.
- A sub-rogação de bens, que são inalienáveis.
- Suprir o consentimento do marido para a mulher revogar em juízo a
alienação por ele feita, nos termos da Ord. Liv. 4.º, tit. 48, § 2.º
- Fazer tombos pertencentes a corporações ou pessoas particulares.
- Anular eleições de irmandades feitas contra os compromissos, e mandar
renová-las.
- Admitir caução de opere demoliendo.
- Conceder licença para uso de armas, verificando-se os requisitos legais.
- Conceder faculdade aos escrivães e tabeliães, para poder ter cada um seu
escrevente juramentado, que escreva nos casos, em que as leis o permitem.
§ 2.º Aos juízes criminais, que decretarem prisões ou as executarem, fica
pertencendo da mesma forma admitir fianças para os réus se livrarem soltos.
Servirá de escrivão destas fianças qualquer dos que servirem perante os
mesmos juízes, e se regulará pelo regimento do escrivão das fianças da Corte na
parte aplicável.
§ 3.º Aos juízes criminais pertence dispensar da residência por legítimo
impedimento, os réus e acusadores, que perante eles litigarem.
§ 4.º Aos juízes dos órfãos ficam pertencendo:
- As cartas de emancipação;
- Suprimentos de idade;
- Licenças a mulheres menores para venderem bens de raiz, consentindo os
maridos;
- Dar tutores em todos os casos marcados nas leis;
- Suprir o consentimento do pai ou tutor para casamento;
- A entrega de bens de órfãos a sua mãe, avós, tios, etc.;
- A entrega de bens de ausentes e seus parentes mais chegados;
584 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

- A entrega de bens de órfãs a seus maridos, quando casarem sem licença dos
mesmos juízes;
- A dispensa para os tutores obrigarem seus próprios bens à fiança das tutelas,
para que forem nomeados, ainda que os bens estejam fora do distrito, onde
contraírem a obrigação.
§ 5.º Aos juízes dos órfãos ficam também pertencendo as habilitações dos
herdeiros dos bens dos defuntos e ausentes, que dantes se faziam pelo Juízo de
Índia e Mina, com o recurso ex-ofício para a Mesa de Consciência e Ordens.
§ 6.º Às relações provinciais compete:
- Decidir os conflitos de jurisdição entre as autoridades, nos termos da lei de
20 de outubro de 1823;
- Julgar as questões de jurisdição que houverem com os Prelados e outras
autoridades eclesiásticas, de que até agora conhecia o extinto Tribunal do
Desembargo do Paço, ouvindo o procurador da Coroa e soberania nacional, e
observada a forma estabelecida para os recursos ao Juízo da Coroa, no decreto de
17 de maio de 1821, mandando observar pela lei de 20 de outubro de 1823.
- Prorrogar o tempo das cartas de seguro e das fianças, havendo impedimento
invencível, que inabilitasse os réus a se livrarem dentro dele.
- Conhecer os recursos dos juízes de ausentes, que até agora se interpunham
para a Mesa da Consciência.
- Prorrogar por seis meses o tempo do inventário, havendo impedimento
invencível, pelo qual se não pudesse fazer o termo da lei.
§ 7.º Aos presidentes das relações compete conceder licença para que advogue
homem, que não é formado, nos lugares onde houver falta de bacharéis
formados, que exerçam este ofício, precedendo para isso exame na sua presença.
§ 8.º Ao tesouro e às juntas de fazenda pertence:
- Tomar contas aos oficiais dos juízes ausentes;
- Impor as pensões, que os párocos devem pagar para a capela imperial.
§ 9.º Ao Supremo Tribunal de Justiça pertence:
- Conhecer dos recursos e mais objetos pertencentes ao ofício de Chanceler,
em que intervinha a Mesa do Desembargo do Paço, à exceção das glosas postas
às cartas, provisões e sentenças, que ficam abolidas.
- Os papeis que o Chanceler-mor não pode passar pela Chancelaria, conforme
a Ord. Liv. 1.º, tem. 2º, § 21, serão agora passados pelo Ministro mais antigo do
Supremo Tribunal.
§ 10. Além dos objetos da economia municipal, que até agora se expediam
pelo Tribunal do Desembargo do Paço, e das escusas aos oficiais da governança
nos casos de impedimento legítimo e permanente, que ficam a cargo das
câmaras, pertencerá mais a estas, precedendo as informações necessárias, e
dependendo da confirmação do conselho de governo da província:
- O aforamento dos bens do Conselho;
- Conceder ou aumentar partidos de médicos, cirurgiões, boticários e
contrastes pelos rendimentos do mesmo Conselho;
APÊNDICES 585

§ 11.º Ao Governo compete expedir, pelas Secretarias de Estado, a que


pertencer, e na conformidade das leis, o seguinte:
- Cartas aos magistrados;
- Cartas de apresentação de benefícios eclesiásticos sobre resposta aos
Prelados, na forma até aqui praticada;
- Licença aos desembargadores e juízes territoriais para saírem das relações
ou distritos, além de trinta dias contínuos, que uns e outros poderá conceder o
presidente da relação;
- Licença ao juiz de órfãos para casar com órfã da sua jurisdição;
- Alvarás e cartas dos ofícios da nomeação do Imperador, devendo ser
passadas as dos outros pelas mesmas autoridades, que os hão de prover;
- Licença para servir dois ofícios, verificadas as circunstâncias, em que as leis
o permitem;
- Decidir todos os mais negócios, sobre que até agora eram consultados os
tribunais extintos, e que forem da competência do mesmo Governo;
- Confirmar os compromissos de irmandades, depois de aprovados pelos
prelados na parte religiosa.
§ 12.º As autoridades para quem passam as concessões, do que se pagam
novos direitos, não as expedirão, sem constar que ficam pagos na estação
competente.
Art. 3.º Os membros dos dois tribunais extintos que não forem empregados,
serão aposentados no Tribunal Supremo da Justiça, com o tratamento, honras e
prerrogativas concedidas aos seus membros, e conservando ordenados que
venciam nos tribunais em que deixaram de servir.
Art. 4.º Os oficiais dos mesmos tribunais extintos vencerão seus ordenados por
inteiro, enquanto não forem novamente empregados. Se os novos ofícios em que
forem empregados, tiverem menor ordenado, continuarão a vencer o atual.
Art. 5º Ficam extintas todas e quaisquer propinas, e as ordinárias.
Art. 6º Os livros, autos e papéis das secretarias de ambos os tribunais passarão
para a do Supremo Tribunal de Justiça; e aí o presidente mandará fazer a divisão
dos mesmos, para as estações competentes.
Art. 7.º Ficam abolidas todas as atribuições que tinham os tribunais extintos, e
que não vão especificadas na presente lei, à exceção daquelas que já se acham
prevenidas na Constituição, e mais leis novíssimas.
Art. 8.º Ficam revogadas as leis, alvarás, decretos e mais resoluções em
contrário.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento, a
execução da referida lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão
inteiramente como nela se contêm. O Secretário de Estado dos Negócios da
Justiça a faça imprimir, publicar e correr. Dada no palácio do Rio de Janeiro, aos
22 dias do mês de setembro de 1828, 7º da independência e do Império5.

—————————–
5
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1828, parte 1, 47-51.
586 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

DOC. 5: Regulamento para o cobrança dos dízimos


(31 de março de 1832)
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Presidente do Tribunal do Tesouro Público
Nacional, ordena se observe o seguinte:
Art. 1º. Nas Províncias de Minas, e de S. Paulo, fica desde já encarregado os
Coletores, de que trata o Regulamento de 14 de Janeiro deste anno, a
fiscalização, e a cobrança dos dízimos: observando-se o que no dito regulamento
se dispões, e for aplicável, com o mais, que neste se determina.
Nas outras Províncias do Império os Presidentes em Conselho deliberarão se
convém observar este regulamento em todo, ou em parte; e farão executar o que
se julgar conveniente, participando imediatamente ao Presidente do Tesouro.
Art. 2º. Os dízimos hão de ser percebidos dos gêneros de cultura, e criação,
que atualmente estão sujeitos a esta prestação; sendo isentos dela as hortaliças,
verduras, frutas, aves, ovos, e todos os méis gêneros.
Art. 3º. A importância dos dízimos será toda paga a dinheiro; e a quota relativa
a cada um dos gêneros continuará a ser a mesma, que presentemente estiver em
uso em cada uma das Províncias.
Art. 4º. O pagamento será feito no ano posterior ao da colheita, em duas
prestações semestres, que se verificarão nos meses de Julho, e Dezembro, nos
lugares, que o Coletor Geral designar para cabeças das Coletorias, e residenciado
dos Coletores; e aos coletados, que forem exatos neste pagamento, se fará a
dedução de dez por cento na quantia, que deverem.
Art. 5º. Quando todos os pagamentos se não realizarem nos sobreditos meses,
os Coletores solicitarão a efetividade deles, ou por si, ou por cobradores, que
poderão nomear debaixo de sua responsabilidade; recorrendo aos meios judiciais,
quando de outra maneira os não consigam.
Art. 6º. Para se saber qual a quantia, que cada um dos coletores deverá pagar
do ano proximamente findo, farão os Coletores no principio de cada ano
financeiro um exato lançamento, que será concluído até o fim do mês de
Setembro pela maneira seguinte:
Art. 7º. Os Coletores, tendo anteriormente procurado haver todas as
informações circunstanciadas a respeito do estado das fazendas, lavouras e
criação de cada um dos habitantes do seu distrito, que as tiverem, e dos valores
dos gêneros sujeitos ao dízimo nos lugares, em que estiverem, irão pelas
habitações dos fazendeiros, lavradores, e criadores, tomar as declarações, e fazer
os arbitramentos, de que se há de apurar o lançamento.
Art. 8º. Com atenção às sobreditas informações, e ás circunstancias das
declarações que houverem de cada um dos coletados a respeito das produções do
ano anterior, arbitrarão os Coletores a quantia, que deverão pagar de dízimo;
fazendo-se especificada menção da quantidade dos gêneros sujeitos a esta
prestação, e só seu respectivo valor; e lançando-se imediatamente, em seguida à
APÊNDICES 587

esta conta, os termos de obrigação dos coletores, escritos pelo Escrivão, e


assinado pelos coletados, e duas testemunhas, na forma do modelo n.º 1.
Art. 9º. A conta será escrita dois papeis separados, e por baixo de cada um dos
exemplares se lavrará o termo de obrigação da quantia, que o coletado dever
pagar em um semestre, na conformidade do sobredito modelo n.º 1.
Art. 10. Quando algum dos fazendeiros, lavradores, ou criadores, se negar a
fazer as declarações dos produtores de suas fazendas, lavouras, e criações, para
se proceder ao arbitramento acima declarado, os Coletores com duas pessoas
idôneas de reconhecida probidade, a quem deferirão juramento, procederão ao
arbitramento, que então será reduzido a termo, escrito pelo Escrivão, e assinado
pelo Coletor, e louvados, na forma do modelo n.º 2. Este termo original, que
também será escrito em duplicado com o que for relativo à cada semestre,
substituirá a falta das contas, e obrigações, de que tratam os arts. 8, e 9.
Art. 11. Se os Coletados se sentirem prejudicados, poderá ter lugar à
reclamação, e o recurso na conformidade do que a respeito do lançamento da
décima se dispões no art. 8º. Da lei de 27 de Agosto de 1830, e no Decreto de 7
de Outubro de 1831.
Art. 12. Depois de concluídas as diligências mencionadas nos arts. 7, e
seguintes, e feitos os arbitramentos, do que deverem pagar os coletados, se
escreverá o lançamento em resumo no livro competente, na forma do modelo n.º
3. o qual será, logo que esteja concluído, enviado à respectiva Tesouraria
Provincial.
Art. 13. Os Coletores perceberão até 5 por cento das quantias, que forem pagas
pelos coletados, na forma do art. 4, sendo três por cento para eles, e dois para os
Escrivães. Quando for preciso promover a cobrança na forma do art. 5,
perceberão os Coletores mais dez por cento, no quais não terão parte os
Escrivães; salvo por convenção particular dos mesmos Coletores.
Art. 14. Quando alguns dos gêneros sujeitos ao pagamento de dízimos, forem
levados das Províncias, em que se puser em prática este método de arrecadação
deles, a quaisquer outras, em que hajam de ser exportados, serão acompanhadas
de guias, que critiquem serem os mesmo gêneros, ou aqueles, de que já se
pagaram os respectivos dízimos, eu dos que se acham incluídos nas obrigações
passadas pelos coletados; e à vista destas guias serão isentos na exportação de
outro algum pagamento a título de dízimos.
Art. 15. Estas guias serão passadas em nome dos Coletores dos distritos,
donde saírem os gêneros, e por eles assinadas, na forma do modelo n.º 4; e serão
lançadas em registro, de que extrairá uma relação para ser apresentada na
Tesourarias Provinciais na ocasião, em que Coletores prestarem as suas contas
anuais, e para se conferir com as guias originais, que as Mesas de Administração
de diversas rendas hão de remeter às mesmas Tesourarias.
Art. 16. Para o expediente da cobrança dos dízimos, haverão três livros: um do
laçando para o fim declarado no art. 12; outra para o registro das guias, de que
588 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

tratam os arts. 14, e 15; e o terceiro para se lançar à receita dos Coletores, e se
cortarem dele as quitações, que hão de dar aos coletores da maneira que se segue:
Art. 17. O livro da receita será formado de cadernos de talões, contendo de
dez, até trinta folhas cada um destes; e cada uma das folhas conterá, pelo menos,
dois recibos, lançados na forma do modelo n.º 5.
Art. 18. Na ocasião do pagamento dos dízimos o Escrivão respectivo encherá
os claros dos dois recibos da mesma folha, e depois de os fazer assinar pelo
Coletor, e pelo contribuinte, cortará o que fica da parte externa, e o entregará ao
mesmo contribuinte, ficando o da parte interna pegado ao livro.
Art. 19. No caso de haver algum erro no encher dos claros, e de ficar anulada
alguma folha dos recibos, o Escrivão não cortará dela algum, e continuará a
escrever na seguinte.
Art. 20. Os cadernos serão mandados fazer, e imprimir pelas Tesourarias das
províncias, e distribuídos pelos Coletores, depois de abertos, rubricados e
numerados na forma disposta no art. 28 do Regulamento de 14 de Janeiro deste
ano, pagando os mesmo Coletores as despesas deles.
Art. 21. O que fica disposto nos arts. 17, e seguintes a respeito da escrituração
da receita dos dízimos, se observará na escrituração da receita dos outros
impostos, em que puder ter aplicação; ficando em tal ficando em tal caso sem
efeito o que de outra maneira se ordena nos regulamentos respectivos.
Rio de Janeiro em 31 de Março de 1832
Bernardo Pereira de Vasconcelos6.

DOC. 6: Regulamento n.º 10: Prescrevendo o modo de interpor recurso


das autoridades eclesiásticas para as relações provinciais, e o seu
julgamento.
(19 de fevereiro de 1838)
O Regente interino, em nome do Imperador o Sr. D. Pedro II, Decreta.
Art. 1. Os Recursos que as partes intentarem das violências, injustiças, e
usurpação de jurisdição de Juízes e Autoridades Eclesiásticas serão interpostas
para as respectivas Relações de Distrito, em que estiverem esses Juízes e
Autoridades.
Art. 2. A interposição poderá ser feita em audiência, ou por despacho do Juiz,
ou Autoridade de que se recorrer, intimada a outra parte, se houver, ou o seu
Procurador.
Art. 3. Esta interposição será feita dentro do prazo improrrogável de dez dias,
contados do ato da publicação da sentença, ou despacho de que se recorrer; salvo
no caso de censura, pena eclesiástica ou violência notória, em que se poderá
interpor o recurso em qualquer tempo; enquanto se estiverem sofrendo a pena,
censura ou violência.

—————————–
6
Coleção das Decisões do Governo do Império do Brasil, 1832, 140-143.
APÊNDICES 589

Art. 4. O Recurso interposto na forma dos artigos antecedentes, terá sempre


efeito suspensivo.
Art. 5. Interposto o Recurso, o escrivão imediatamente dará vista aos autos ao
recorrente para minutar alegando todas as razões em que a funda; e logo depois
dará também vista à outra parte, se a houver, e ao Juiz, ou Autoridade de que se
recorrer, para responderem, e contestarem as razões do recurso.
Art. 6. Tanto a minuta do Recurso, como para a resposta e contestação dele,
será concluída a cada uma das partes, e ao Juiz, e Autoridade Eclesiástica, o
prazo improrrogável de dois dias, e o escrivão cobrará os autos, ex-ofício, do
poder das partes, ou do Juiz ou Autoridade Eclesiástica, logo que, findo o prazo,
no estado em que se acharem.
Art. 7. Se, findo o prazo de dois dias, o recorrente não tiver minutado o seu
Recurso, entender se há desistido dele, e não terá mais seguimento, salvo a
pretexto de restituição, sendo pessoa a quem o privilégio dela compita conforme
o direito: se a parte, ou o Juiz Autoridade Eclesiástica, não responder no
respectivo prazo, seguirá o Recurso sem a sua resposta.
Art. 8. Para o julgamento dos Recursos serão remetidos às relações os próprios
autos, e estes deverão ser apresentados aos secretários respectivos, dentro dos
prazos estabelecidos, para a apresentação das apelações crimes no artigo do
regulamento de 31 de janeiro de 1833, sendo a remessa feita aos escrivães dos
mesmos autos, e observando-se a respeito da expedição o disposto nos artigos 51
e 52 do citado regulamento.
Art. 9. Quando os recursos forem impetrados de Juízes e Autoridades
Eclesiásticas residentes fora do termo em que estiver a relação, ficarão nos juízos
os traslados dos recorrentes.
Art. 10. Recebidos os autos pelo secretário da Relação, e apresentados por ele
na primeira conferência para serem distribuídos; sem mais audiência das partes,
ouvido o Procurador da Coroa e soberania nacional, serão julgados pela forma
conhecida no artigo 61 do Regulamento de 31 de janeiro de 1833 para o
julgamento dos conflitos e jurisdição: e a sentença que se proferir poderá ser
embargada, na conformidade dos artigos 56, 57 e 58 do dito Regulamento.
Art. 11. Se a decisão do Recurso for a favor do recorrente, extraída a sentença
do processo, e passada pela chancelaria, será apresentada ao Juiz, ou Autoridade
Eclesiástica, de que se recorrera para lhe dar cumprimento; e no caso de recusar
cumpri-la, poderá o recorrente requerer a execução ao Juiz de Direito da
comarca.
Art. 12. O Juiz de Direito da comarca, sendo requerido, mandará cumprir as
sentenças, a que os Juízes e Autoridades Eclesiásticas não tiverem querido dar
execução, enquanto couber nos limites da sua jurisdição; se porém o negócio for
de natureza que os exceda, dará parte ao Presidente da Relação, que proferirá a
sentença, para dar as providências necessárias para tornar efetivo aquele
cumprimento.
590 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Art. 13. Cabe nos limites da jurisdição dos Juízes de Direito, o respeito do
cumprimento das sentenças mencionadas, declarar na forma delas, sem algum
efeito as censuras, e penas eclesiásticas que tiverem sido impostas aos
recorrentes providos pelas Relações; proibindo e obstando a que a pretexto delas
se lhes faça qualquer violência, ou cause prejuízo pessoal, ou real; metendo-os de
posse de quaisquer direitos e prerrogativas, ou reditos, de que houvessem sido
privados; e procedendo e responsabilizando na forma da lei os desobedientes, e
que recusarem a execução.
Art. 14. No caso de serem precisas as providências do Juiz de Direito, na
forma do artigo antecedente, além das intimações que se fizerem aos Juízes e
Autoridades Eclesiásticas, se anunciará todos os editais nos lugares públicos da
comarca.
Bernardo Pereira de Vasconcelos, do Conselho de Sua Majestade Imperial,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, assim o tenha
entendido, e faça executar com despachos necessários.
Palácio do Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de 1838, 17.º da Independência
e do Império.
Pedro de Araújo Lima
Bernardo Pereira de Vasconcelos7.

DOC. 7: Decreto n.º 1911, regulando a competência, interposição, efeitos e


forma do julgamento dos recursos à Coroa.
(28 de março de 1857)
Hei por bem, usando da autoridade que Me confere o artigo cento e dois do
parágrafo doze da Constituição, decretar o seguinte:
Art. 1.º Dá-se Recurso à Coroa:
§ 1.º Por usurpação de jurisdição e poder temporal.
§ 2.º Por qualquer censura contra empregados civis em razão de seu ofício.
§ 3.º Por notória violência no exercício da jurisdição e poder espiritual,
postergando-se o direito natural ou os cânones recebidos na Igreja Brasileira.
Art. 2.º Não há recursos à coroa:
§ 1.º Do procedimento dos Prelados Regulares – intra claustrum – contra
seus súditos em matéria correcional.
§ 2.º Das suspensões e interditos que os bispos, extra-judicialmente ou – ex
informata conscientia – impõem aos clérigos para sua emenda e correção.
§ 3.º É só competente para conhecer dos recursos à Coroa o Conselho de
Estado. Todavia, nos casos do artigo primeiro, parágrafos 1.º e 2º, podem os
presidentes das províncias, decidir provisoriamente as questões suscitadas como
defendem os conflitos de jurisdição.

—————————–
7
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1838, I, parte 2, 100-102.
APÊNDICES 591

§ 4.º É admissível o Recurso à Coroa de quaisquer atos em que se dê algum


dos casos do art. 1º, ou seja, despacho, sentença, mandamento, pastoral, ou seja,
Constituição, ato do Concílio Provincial, ou de visita.
Art. 5.º Não obsta à competência do Recurso que o gravame seja judicial ou
extrajudicial.
Art. 6.º Qualquer que seja a instância, cabe o Recurso à Coroa nos casos do
art. 1.º, parágrafo 1.º e 2.º.
Art. 7.º Não será porém admitido o Recurso à Coroa no caso do art. 1.º,
parágrafo 3.º, senão quando não houver ou não for provido o Recurso, que
competir para o superior eclesiástico.
Art. 8.º Compete o Recurso à Coroa não só ao secular, senão também ao
eclesiástico, salvo a disposição do art. 2º.
Art. 9.º Pode ser impetrado pela parte interessada.
Art. 10. Deve ser interposto pelo procurador da Coroa nos casos do art. 1.º,
parágrafos 1.º e 2º.
Art. 11. Interpõem-se das autoridades e juízes eclesiásticos de qualquer ordem
que sejam ordinários ou comissionários.
Art. 12. É suspensivo logo que se interpõem os casos do art. 1º, parágrafos 1.º
e 2º.
Art. 13. É porém devolutivo no caso do art. 1.º, parágrafo 3.º, se o despacho de
que recorre é interlocutório, salvo:
§ 1.º Se o gravame for tal que não posa ser reparado pela sentença
definitiva.
§ 2.º Se da sentença definitiva não houver apelação.
Art. 14. Também não é suspensivo no caso do art. 1.º, parágrafo 3.º dos atos
dos bispos em visita, salvo procedendo eles – por via de juízo.
Art. 15. O Recurso à Coroa deve ser interposto por petição documentada
perante o Ministro da Justiça, na corte e presidentes nas províncias, que decidirão
logo as questões que ocorrerem sobre a suspensão de recursos, e rejeitarão
aqueles que forem interpostos contra as disposições deste decreto.
Art. 16. Das decisões do Ministro da Justiça e presidentes das províncias, nos
casos previstos pelo artigo antecedente de suspensão e rejeição do recurso,
podem as partes recorrer do Ministro da Justiça para o Conselho de Estado, e
presidentes das províncias para o Ministro de Justiça.
Art. 17. Interposto o recurso, será logo intimado à autoridade ou juiz
eclesiástico, assinando-se-lhes o prazo de quinze dias para alegarem o que
convier.
Art. 18. Se o gravame for judicial, serão pelo juízo eclesiástico remetidos com
a sua resposta os autos respectivos: deles porém ficará traslado, salvo se o fato se
der na corte, e o recurso tiver efeito devolutivo.
Art. 19. Com a resposta do juiz eclesiástico ou sem ela, se não se der no prazo
assignado, ouvido o procurador da Coroa, e com informação do Presidente da
592 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

província, será o recurso remetido para o Conselho de Estado por intermédio do


Ministro da Justiça.
Art. 20. Não é ouvido sobre o recurso a parte recorrida.
Art. 21. O Recurso será instruído com os documentos e inquirições que a
autoridade, o juiz eclesiástico, o procurador da Coroa, presidente de província, e
Ministro da Justiça acharem convenientes para a decisão da questão.
Art. 22. Pode a autoridade ou juiz eclesiástico, à vista da petição do recorrente,
reparar a violência que fez, dando para esse fim os despachos necessários, e
participando ao Ministro da Justiça, ou ao Presidente da província a sua decisão
para ficar sem efeito o recurso interposto.
Art. 23. Decidido o recurso pelo Conselho de Estado, será por aviso do
ministério da justiça transmitida a resolução imperial ao juiz ou autoridade
eclesiástica, para fazê-la cumprir como nela se contiver, no prazo que o mesmo
aviso fixar na Corte, ou for fixado pelo presidente na província.
Art. 24. Se não obstante, o juiz ou autoridade eclesiástica não quiser
cumprir a imperial resolução, será ela com sentença judicial pelo juiz de direito
da comarca, que procederá como determinam os artigos 13 e 14 do decreto de 19
de fevereiro de 1838, o qual só nesta parte fica em vigor.
Art. 25. O recurso, no caso do art. 1.º, parágrafo 1.º, é recíproco, e pode ser
interposto quando algum juiz ou autoridade temporal usurpar jurisdição ou poder
espiritual. O recurso será interposto pelo bispo, e são aplicáveis a esse caso as
disposições deste decreto relativas ao art. 1.º, § 1.º.
José Thomaz Nabuco de Araújo, do meu Conselho, Ministro e Secretaria de
Estado dos Negócios da Justiça, assim o tenham entendido e faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro, em vinte oito de março de mil oitocentos e
cinqüenta e sete, trigésimo sexto da independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade, o Imperador.
José Thomaz Nabuco de Araújo.
Artigos do Regulamento n.º 10 de 19 de fevereiro de 1838, aos quais se
refere o decreto n.º 1.911 de 28 de março de 1857.
Art. 13. Cabe nos limites de jurisdição dos juízes de direito, a respeito do
cumprimento das sentenças mencionadas, declarar na forma delas, sem algum
efeito, censuras e penas eclesiásticas, que tiverem sido impostas aos recorrentes,
proibindo e obstando a que a pretexto delas se faça qualquer violência, ou cause
prejuízo pessoal ou real; metendo-os de posse de quaisquer direitos e
prerrogativas, ou reditos, de que houverem sido privados, e procedendo e
responsabilizando na forma da lei os desobedientes e que recusarem a execução.
Art. 14. No caso de serem precisas as providências, o juiz de direito, na forma
do artigo precedente, além das intimações que se fizerem aos juízes e autoridades
eclesiásticas, se anunciará tudo por editais nos lugares públicos da comarca8.
—————————–
8
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1857, XX, parte 2, 103-106.
APÊNDICES 593

DOC. 8: DECRETO N. 1.144: registro civil dos casamentos, nascimentos


e óbitos.
(11 de Setembro de 1861)
Faz extensivo os efeitos dos casamentos, celebrados na forma das leis do
Império, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e
determina que sejam regulados o registro e provas destes casamentos e dos
nascimento e óbitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para
que os Pastores de religiões toleradas possam praticar atos que produzam efeitos
civis.
Hei por bem Sancionar e Mandar que se execute a Resolução seguinte da
Assembléia Geral.
Art. 1º. Os efeitos civis dos casamentos celebrados na forma das Leis do
Império serão extensivos:
1º. Aos casamentos de pessoas que professam Religião diferente da do Estado
celebrados fora do Império segundo os ritos ou as Leis a que os contraentes
estejam sujeitos.
2º. Aos casamentos de pessoas que professarem Religião diferente da do
estado celebrados no Império, antes da publicação da presente Lei segundo o
costume ou as prescrições das Religiões respectivas, provadas por certidões nas
quais verifique-se a celebração do ato religioso.
3º. Aos casamentos de pessoas que professarem religião diferente da do
Estado, que da cata da presente Lei em diante forem celebrados no Império,
segundo o costume ou as prescrições das Religiões respectivas, com tanto que a
celebração do ato religioso seja provado pelo competente registro, e na forma que
determinado for em Regulamento.
4º. Tanto os casamentos de que trata o § 2º., como os precedentes não poderão
gozar do benefício desta Lei, se entre os contraentes se der impedimento que na
conformidade das Leis em vigor no Império, naquilo que lhes possa ser aplicado,
obste ao matrimônio Católico.
Art. 2º. O Governo regulará o registro e provas destes casamentos, e bem
assim o registro dos nascimentos e óbitos das pessoas que não professarem a
religião Católica, e as condições necessárias para que os Pastores de Religiões
toleradas possam necessárias para que os Pastores de Religiões toleradas possam
praticar atos que produzam efeitos civis.
Art. 3º. Ficam revogadas as disposições em contrário.
José Ildefonso de Souza Ramos, Senador do Império, do Meu Conselho,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, assim o tenha
entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em onze de Setembro de mil
oitocentos sessenta e um, quadragésimo da Independência e do Império.
Com a Rubrica de Sua Majestade o Imperador
José Ildefonso de Sousa Ramos e Francisco de Paula de Negreiro Saião Lobato9.
—————————–
9
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1861, 21.
594 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

DOC. 9: Decreto n. 3.073, uniformizando os estudos das cadeiras dos


seminários episcopais que são subsidiados pelo Estado.
(22 de abril de 1863)
Atendendo à conveniência de uniformizar nos seminários episcopais os
estudos das cadeiras subsidiadas pelo Estado, de modo que tão úteis
estabelecimentos satisfaçam aos fins para que foram instituídos; hei por bem
decretar o seguinte:
Art. 1.º Nos seminários episcopais haverá as seguintes cadeiras subsidiadas
pelo Governo:
- Latim;
- Francês;
- Retórica e eloqüência sagrada;
- Filosofia racional e moral;
- História sagrada e eclesiástica;
- Teologia dogmática;
- Teologia moral;
- Instituições canônicas;
- Liturgia e canto gregoriano. As matérias desta cadeira poderão separar-se
conforme aos bispos parecer mais conveniente.
Fica entendido que além destas cadeiras, os bispos poderão criar as que
julgarem convenientes, sendo subsidiadas pelas rendas da mitra.
Art. 2.º As nomeações dos professores serão feitas aos bispos mediante
concurso; tendo porém, apresentadas ao governo, para se efetuar por ordem
deste, o pagamento dos respectivos honorários.
Art. 3.º Os bispos proporão ao governo as regras que entenderem mais
acomodadas para este concurso, a fim de que, a vista das propostas, seja regulado
este objetivo de modo uniforme em todos os seminários.
Art. 4.º Enquanto não for publicado pelo governo o regulamento para o
concurso na conformidade do artigo antecedente, serão observadas as seguintes
disposições:
§ 1.º O concurso será feito perante uma comissão composta de um delegado
do bispo, como presidente do ato, do reitor do seminário, e de três examinadores
nomeados pelo bispo; e pela mesma comissão será julgado.
§ 2.º O ato do concurso consistirá em duas provas: uma oral que será uma
preleção pública, e outra escrita, que será uma dissertação. Ambas serão dadas
sobre pontos formados do modo seguinte:
§ 3.º Reunida a comissão na véspera do dia marcado para o ato, cada um dos
examinadores apresentará dez pontos; e dentre os trinta apresentados, escolherá a
mesma comissão quinze. Destes quinze o candidato tirará um a sorte, o qual será
objeto da prova. Se houver mais de um candidato, tirará o ponto o primeiro que
se achar inscrito.
APÊNDICES 595

§ 4.º Para a prova oral o ponto será dado na véspera, com o intervalo de 24
horas; dando-se meia hora para a preleção. Para a prova escrita o ponto será
tirado na ocasião do ato, tendo o candidato três horas para escrever a dissertação.
§ 5.º Para o concurso de cadeiras de línguas serão tirados os pontos na ocasião
do ato, consistindo a prova escrita em tradução de textos de autores clássicos da
língua nacional na da cadeira que estiver em concurso, e em tradução desta
naquela; e mais em composição, na língua da cadeira, sobre um ponto de
gramática desta mesma língua. A oral consistirá na regência, em todas as suas
partes, de textos de autores clássicos de ambas as línguas.
§ 6.º O presidente da comissão marcará , conforme for o número dos
candidatos, os dias em que deverão ser dadas as provas, submetendo, porém,
previamente à aprovação do bispo a designação que houver feito.
§ 7.º Concluídas todas as provas, a comissão procederá à votação sobre o
merecimento de cada um dos candidatos, e em seguida sobre a ordem que os
deverá propor à nomeação do bispo.
§ 8. A proposta será acompanhada dos requerimentos, dos documentos, que os
candidatos apresentarem das provas escritas, e cópias das atas do concurso,
inclusive a da formação dos pontos da véspera, bem como de informações da
moralidade e serviço dos candidatos.
§ 9.º As regras antecedentes não são aplicáveis aos concursos para as cadeiras
de liturgia e canto gregoriano, para os quais os bispos prescreverão regras
especiais.
§ 10. O bispo dará as necessárias instruções sobre o modo de inscrição, os
prazos para os concursos, a organização dos pontos, formalidades do ato das
provas, e sobre o mais que convier.
§ 11. Os bispos poderão assistir a todos os atos de concurso.
Art. 5.º Se, aberto o concurso duas vezes, não aparecer candidatos às cátedras,
os bispos poderão nomear livremente quem as ocupe.
Do mesmo modo poderão admitir estrangeiros na regência das cadeiras,
mediante contrato; o qual, porém, será previamente submetido à aprovação do
governo.
Art. 6.º Se nenhum dos candidatos for aprovado em concurso, ou se nenhum
deles for nomeado pelo bispo, proceder-se-á a novo concurso.
Art. 7º Os bispos poderão demitir os professores que faltarem aos deveres do
magistério, ou praticarem atos em prejuízo do ensino e educação dos alunos, ou
em desprezo da religião e da moral.
Art. 8.º A disposição do artigo antecedente deixa sempre salva para o governo
a faculdade de declarar aos bispos não ser conveniente a continuação de qualquer
professor no magistério do seminário. E quando o governo assim o tenha
declarado, será logo suspenso o honorário do professor.
Art. 9.º Dada a demissão na conformidade do art. 7.º, ou feita a declaração em
conformidade do art. 8.º, proceder-se-á a novo concurso, para a respectiva
cadeira.
596 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Art. 10. As licenças dos professores serão concedidas pelos bispos. Para que,
porém, estas licenças sejam acompanhadas da percepção do honorário, deverão
ser apresentadas aos presidentes das províncias, para que estes autorizem o
pagamento.
Art. 11. Fica assignado a cada uma das cadeiras o honorário de um conto de
réis. Quando, porém, a de liturgia for separada da de canto gregoriano, aquela
terá o honorário de 750$000, e esta de 250$000. Para o efeito das licenças, e em
geral de quaisquer faltas, dois terços do honorário serão considerados como
ordenado, e um terço como gratificação. Os honorários serão pagos à vista de
atestados de freqüência, passados pelos reitores dos seminários.
Art. 12 Os presidentes, para autorizarem os pagamentos dos honorários, nos
casos de licença, observarão as regras seguintes:
1.ª As licenças concedidas antes do efetivo exercício não gozarão de honorário
nenhum, ainda verificada a posse da cadeira.
2.ª As que forem concedidas por motivo de moléstia, poderão gozar do
ordenado, não passando de seis meses, e de metade do ordenado, se forem
prorrogadas até outros seis meses; o mesmo se observará se forem concedidas
primitivamente por um ano, ou mais.
3.ª Passado o ano, cessará de todo o ordenado, assim como cessará, se as
licenças forem concedidas por outro qualquer motivo, que não seja o de moléstia.
4.ª Se forem concedidas diversas licenças dentro do mesmo ano, serão todas
reunidas para o efeito de se contar o tempo na forma das regras antecedentes.
5.ª Em qualquer hipótese, cessará a gratificação.
Art. 13. No pagamento dos honorários se observarão as regras seguintes,
quanto às faltas dos professores:
1.ª As faltas que forem justificadas por motivo de serviço público gratuito, e
obrigatório por lei, não privarão do ordenado nem da gratificação.
2.ª As que forem justificadas por motivo de moléstia, farão perder somente a
gratificação.
3.ª As que não forem justificadas, além de dois dias em um mês, farão perder o
ordenado e a gratificação.
4.ª A perda do ordenado ou gratificação, na conformidade das regras 2.ª e 3.ª,
será dos vencimentos correspondentes ao dia ou dias, em que os professores
faltarem às lições, ou qualquer ato próprio do professorado.
Os reitores declararão nos atestados as circunstâncias das faltas.
Art. 14. A adoção dos compêndios, que os professores deverão seguir nas
preleções será de escolha dos bispos, os quais deverão comunicar ao governo os
que houverem adotado.
Art. 15. Os atuais professores, qualquer que seja o tempo de serviço que
tenham, ficam sujeitos as todas as disposições deste decreto.
Art. 16. As disposições deste decreto não compreendem as cadeiras daqueles
seminários que as mantêm com seus patrimônios próprios, ou que para elas
recebem auxílios das assembléias provinciais.
APÊNDICES 597

Ar. 17. Ficam revogadas as disposições em contrário.


O Marquês de Olinda, Conselheiro de Estado, Senador do Império, Presidente
do Conselho de Ministros, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império, assim o tenha entendido e faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro, em 24 de abril de mil e oitocentos e sessenta e três,
quadragésimo segundo da independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade, o Imperador.
Marquês de Olinda10.

DOC. 10: Carta de D. Viçoso ao Ministro do Império


sobre os negócios eclesiásticos
(8 de Setembro de 1863)
Ilmo. Exmo. Senhor Ministro do Império
Pela sua circular de 11 de julho findo quer V. Ex.ma. Informações minhas
sobre os Negócios Eclesiásticos, com indicações de medidas, que a experiência
me tiver mostrado serem mais próprias para promover o bem espiritual das
Dioceses e esplendor do culto Católico. Ao que tenho a honra de responder:
1 – Chamando a atenção de V. Ex.ma. as fabricas das Igrejas. Neste Bispado
quase todas elas estão em total desleixo, ninguém quer ser fabriqueiro, visto que
quase nenhum interesse tem, e traz sobre si odiosidades e malquerenças. É
necessário fazer este emprego de mais importância. Se houvesse uma Lei bem
formulada sobre este objeto, estariam as Igrejas providas de ornamento haveria o
necessário guizamento [sic], e mesmo com que acudisse aos ordinários reparos
do edifício e os cofres públicos poupariam o muito que se gasta com avultados
donativos. Já os Senhores Ministros tem tocado neste objeto nos seus Relatórios
anuais, mas ainda não chegou à ocasião de se prestar mais atenção a este
negócio. Há um Decreto do Governo Francês de 30 de Dezembro de 1809, digno
de se ler sobre esta matéria.
2 – A respeito da reforma do clero, tenho muita pena, que alguns Prelados do
Império não estejam nos sentimentos do falecido Senhor Arcebispo da Bahia e
com o Senhor Ministro da Justiça em seu Relatório, e especialmente no de 1856.
Acompanho de todo o meu coração e entendimento o que este último Senhor diz
no sobredito Relatório: « Entendo, e pela terceira vez o digo, que o maior
benefício que podeis fazer as gerações futuras é a educação do Clero; mas esta
não é possível, se não por meio de Seminários, e estes não conseguirão seus fins,
senão com um internato o mais rigoroso, para o qual a principal condição seja a
mais tenra idade. Sem este internato, sem este muro de bronze, que separe o
Clero atual do Clero futuro, a regeneração será uma idéia vã, a vocação do
Sacerdócio continuará a ser hipocrisia, um calculo, um meio de vida. A
realização desta grande reforma, que nascerá uma época distinta no nosso país,

—————————–
10
Coleção das leis do Império do Brasil, 1863, XXVI, parte II, 103-107.
598 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

depende essencialmente da direção: e a quem deveremos encarregá-la?


Acharemos entre nós fundadores para esta instituição? Certo vós não causará
estranheza o arbítrio de confiar esta direção aos Padres Lazaristas, ou da Missão,
os quais por sua profissão nesta matéria especial, pelo exemplo que tem dado em
outros países, aonde estes Seminários existem e prosperam, são dignos desta
preferência. Sentis, como eu sinto, que nenhuma injuria fazemos ao nosso Clero
quando reconhecemos uma verdade que temos diante dos olhos. Há entre nós
Clérigos que seriam por sua ilustração e santidade capazes desta Missão gloriosa,
mas estes, além de não terem os hábitos e a prática essenciais a esta direção e
ensino, são em pequeno número, e destinados para outras missões sagradas e
importantes, impróprias de estrangeiro pelas relações políticas. Em toda a parte o
ensino e a predica foram sempre acessíveis ao estrangeiro, porque o Evangelho é
universal, e a sua difusão não deve encontrar limites, ou restrições em todo o
orbe». O Senhor Arcebispo dizia: «A educação clerical hoje mais que nunca
reclamada pela Religião e Santidade é uma das obras que demanda habilitações
especiais, que só podem ser adquiridas por um tirocínio apropriado e pratica do
regimen [sic.] de tais estabelecimentos. Ora estas qualidades certamente mui
raras, acham-se principalmente nos Padres da Missão, que professam o admirável
Instituto de S. Vicente de Paulo, que se dedicou especialmente à reforma dos
Seminários, como o meio o mais poderoso e eficaz para a regeneração do Clero,
e com tão feliz êxito que aos Seminários Episcopais confiados pelos Bispos aos
discípulos e sucessores desse grande homem deve a França a glória de possuir o
Clero mais ilustrado, e o mais bem morigerado da Europa. Muitos Bispos da
Itália seguiram este exemplo com igual sucesso, e o Bispo de Mariana lhes
entregou o regimen de seu Seminário e se mostra satisfeito».
Eis aqui, Exmo. Senhor, o voto destes dois Senhores. Eu poderia ser suspeito
da escolha de Diretores de Seminários Eclesiásticos, porque sou também
Lazarista há 50 anos, mas há outras Comunidades que também regem com
aplauso tais Seminários como os Sulpicianos, Maristas e Jesuítas. A estes últimos
modernamente foi entregue a direção de alguns Seminários na França. Consta-me
que de 80 Seminários da França, apenas quatro são regidos por Padres Seculares.
Em idade de quase 80 anos tenho longa experiência destas casas. É possível a
boa escolha de excelentes Padres seculares para Diretores, mas quando não
tiveram a felicidade de ser educado nos bons Seminários nada entendem das
ilusões e esperteza dos educandos, nem tem animo das expelir os maus. S.
Ligório em hum opúsculo sobre Seminários diz: « Se eu conhecesse um Bispo,
que conservasse seu Seminário mal regulado, ou mal governado por falta de um
Diretor capaz, ou dos Prefeitos, lhe diria que se quisesse salvar sua alma, e não
ver sua Diocese inteiramente arruinada destruísse o Seminário. Ah meu Deus, e
quantos Prelados se condenarão, e serão causa de condenação de seu rebanho,
por esta razão, isto é, pela pouca atenção ao Regulamento de seus Seminários.
Deus queira que assim não seja!». Queria eu com isto pedir ao Governo, que
facilitasse os meios e ajudasse a vinda destes homens. Sua majestade há uns
APÊNDICES 599

anos, a suplicas minhas, pelo seu Encarregado de Negócios em Paris, pediu para
o meu Bispado e Seminário os meus Irmãos Lazaritas: estes vieram e me parece
que não podia fazer mais assinalado favor a pobre Igreja Marianense. Não será
necessário o cuidado que se está tendo sobre a escolha dos Mestres, e sobre
concursos; porque é da atribuição dos Prelados maiores daquelas Corporações a
escolha dos Diretores e Mestres, mediante uma soma que o Governo dá aos
Bispos para repartir pelos Professores. Lembre-se o Governo que nenhum país
apresenta um episcopado e um Clero mais ilustrado e respeitável que a França,
pela regularidade de seus Seminários. Se queremos os fins lancemos mão dos
meios.
3 – Um terceiro objeto me faz tomar a confiança de dizer a V. Ex. porque se
há de privar a Igreja da liberdade que lhe deu seu Divino Fundador fazendo-a
inteiramente independente o seu Governo do Governo Secular? Porque se há de
embaraçar que um súdito do Supremo Chefe da Igreja acuda a Ele quando lhe for
necessário ou conveniente? Quando foi crime que um vassalo acudisse ao Chefe
do Império Civil? Que medo é este de Roma? Quando tanto se está escrevendo
pelos canonistas alemães e Franceses sobre a liberdade da Igreja, ainda nós
estamos medrosos das pretensões Romanas, palavra jansenista, com a qual se
pretende por abaixo peremptoriamente todas os argumentos a favor da Igreja de
Jesus Cristo? Será infeliz a Igreja do Império Austríaco pela sua Concordata com
a Santa Sé de 25 de Setembro de 1855? Será infeliz a República do Equador pela
sua de 17 de Abril de 1863? Ambos vão juntas e outra vez oferecidas à
consideração do Governo da Sua Majestade, a quem Deus ilustre e conserve por
dilatados anos.
Deus Guarde a V. Ex.
Mariana ao 8 de Setembro de 1863,
Antônio Bispo de Mariana11.

DOC. 11: Resposta do Bispo do Pará ao Marquês de Olinda, Ministro e


Secretário dos Negócios do Império e Presidente do Conselho de Ministros a
cerca da questão dos Seminários
(Belém, 10 de janeiro de 1864)
Il.mo e Ex.mo Sr.
Tenho a honra de submeter respeitosamente à alta consideração do Governo
ainda algumas observações sobre a grave questão dos seminários, em resposta ao
Aviso que me foi dirigido em data de 24 de outubro último, acompanhando-o
cópias de outros, dirigidos a dois de meus veneráveis Colegas no Episcopado.
Nestes documentos, que só recebi ultimamente de volta da visita pastoral,
procura V. Ex.ª defender as prescrições do Decreto n. 3.073 de 22 de abril do ano

—————————–
11
AES, Fasc. 182, pos. 143, f. 114r-117v.
600 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

passado, qualificando a um tempo de injustas e sem fundamento algum as


queixas e as representações que têm feito os bispos a tal respeito.
Peço a V. Ex.ª que me escute um instante sem prevenção alguma, com aquele
espírito cheio de moderação e benevolência que tão nobremente o distingue.
A questão, Ex.mo Sr. Ministro, é grave, interessa ao país; entendo que não há
inconveniente sério em discuti-la, e discuti-la francamente, à grande luz da
publicidade. Lutas como estas são dolorosas, mas sempre fecundas. No estado
em que se acham os espíritos; em vista do espetáculo estranho que oferece em
nossos dias o mundo intelectual e moral, é necessário mais que nunca que a
Igreja de Jesus Cristo levante a voz e diga a verdade com santa independência.
Longe de ser isto um perigo é, pelo contrário, o meio mais poderoso de
restabelecer por toda parte a paz e a ordem, que só se acham lá onde reina a
verdade. SIM, SIM, NÃO, NÃO, claramente sem rodeios, sem pusilanimidades
de retórica; tal será a nossa linguagem; nem sabemos falar outra.
E porque não diríamos a verdade toda inteira a um Governo que folga tanto de
ouvi-la, e sobre assunto que a todos interessa?
Em suma, a que se liga esta questão dos seminários, que parece à primeira
vista um incidente sem importância? Liga-se a esta grande questão que estará
sempre viva na humanidade, a questão da distinção dos dois poderes, questão de
alcance imenso no ponto de vista da liberdade religiosa, no ponto de vista de
todas as legítimas liberdades.
“A separação dos dois poderes temporal e espiritual”, diz um profundo
pensador, Jaime Balmes, “a independência deste relativamente àquele, a
distinção das pessoas em cujas mãos ele reside, tal foi uma das mais poderosas
causas da liberdade que, debaixo de formas diferentes de governo, é comum
apanágio das nações européias”. Este princípio da independência do poder
espiritual, além do que ele é em si por sua natureza, sua origem e seu fim, tem
sido desde o princípio da Igreja como um pregão perpétuo lembrando que as
faculdades do poder civil são limitadas, que há objetos nos quais ele não pode
tocar, casos em que o homem pode e deve dizer “NÃO TE OBEDECEREI”. O
mesmo estabelece M. Guizot, não suspeito em qualidade de protestante. Ele
mostra que a admirável constituição da cristandade com um poder legislativo
supremo, distinto do poder executivo de cada povo tem sido “a base da
verdadeira liberdade civil das consciências, e faz ver o despotismo introduzindo-
se onde quer que o poder espiritual, (como entre os árabes e os russos) se absorve
no poder temporal”.
Eis aqui, Ex.mo Sr., porque combatemos a grande causa da liberdade religiosa.
O Governo em sua alta sabedoria o compreende. Que depois disto, espíritos
superficiais ou tristemente prevenidos, nos lancem em rosto “as pretensões da
Igreja”, as exagerações, a ambição e a soberba dos Bispos; que nos acusem de
fanatismo, de obscurantismo e de inimigos do poder: não importa. Ouviremos
abraçados à cruz, todas essas injuriosas declamações e, para bem mesmo do país,
ficaremos firmes em nossos postos chamando o que é luz, luz, o que é trevas,
APÊNDICES 601

trevas, defendendo até o fim os direitos, tantas vezes violados, da justiça e da


verdade. A vitória será de Deus.
E primeiramente, Ex.mo Sr., uma questão de fato que domina todo o debate.
Ei-la: V. Ex.a afirma que, quando assinalei no Governo do meu país a funesta
tendência de ingerir-se na economia da Igreja, fiz uma “imputação gratuita”,
“uma acusação tão grave quanto injusta”; que o Governo brasileiro, “católico
como é, não tem a sacrílega pretensão de ingerir-se no ensino dos seminários, no
governo da Igreja”. Folgo de registrar esta solene declaração; mas para restituir
seu verdadeiro valor às idéias e declinar de mim toda interpretação pouco
favorável, farei, se V. Ex.ª me permite, uma distinção. O Governo não tem
pretensão de ingerir-se no governo dos seminários e no governo da Igreja, com
ânimo refletido e sistematicamente hostil, dominado por esse ódio violento, por
essas intenções malévolas de certos governos pretendidos católicos da Europa e
da América, concordo plenamente com V. Ex.ª. Não Sr. Ministro, não faço ao
Governo do meu país a injúria de crer que ele é intencionalmente avesso às
instituições católicas, às quais todos nós brasileiros abraçamos e juramos como o
elemento mais vital do nosso organismo político. Mas, que esse Governo não
tenha muitas vezes, já por surpresa e advertência, a que estão sujeitos até os
espíritos mais atilados; já por esse desejo inconsiderado de querer regularizar
tudo por si, julgando ser este o meio de tudo melhorar e reformar; já pela
influência de preconceitos injustos, funesta herança do século passado,
preconceitos, que em certos espíritos, posto que bem intencionados, mantêm
ainda não sei que desconfiança contra a Igreja Católica que se supõe inimiga do
verdadeiro progresso e das liberdades públicas; que o nosso Governo, digo, por
uma ou outra, ou por todas essas razões, e vivendo além disso em um meio social
em que reina a mais profunda e lastimosa indiferença para as cousas da religião,
tenha sempre dado a esta toda liberdade e prestígio e lhe garantido a plenitude de
seus direitos; eis que não posso conceder a V. Ex.ª, eis no que me aparto, ainda
que com pena, de sua maneira de pensar. Quisera me ter enganado, Ex.mo Sr.,
quisera ter levantado queixas injustas, acusações, imputações, nunca tive
intenções de fazê-las, não as farei nunca. Quisera ter feito queixas injustas, mas,
como convencer-me disto? Os testemunhos e os fatos aí estão altamente
confirmando as tristes verdades que eu aventei na minha “Memória”.
Os testemunhos. Tenho por mim os de todos os meus Veneráveis Colegas no
Episcopado. Se eu estivesse só, se em matéria tão grave me houvesse de referir
somente ao meu humilde juízo individual, afianço-o a V. Ex.ª, desde já a
chamaria de novo a exame os meus minguados conhecimentos de história
religiosa do Brasil e duvidaria de todos e de mim, à vista desta afirmação tão
terminante de V. Ex.ª: “A Igreja no Brasil não está, nunca esteve sujeita ao
Governo”. Mas, repito, não estou só: o Episcopado brasileiro è unânime em
lamentar comigo essas invasões que se tem feito, que se vão fazendo cada dia,
nos domínios da Igreja. Não estou só! O Arcebispo da Bahia, o grande, sempre
chorado Arcebispo Dom Romualdo, esse homem que ninguém jamais taxou de
602 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

exagerado; que era a brandura e a prudência mesma; o Arcebispo da Bahia que


amou sempre com lealdade de súdito fiel as instituições de seu país, merecendo
que S. M. o Imperador lhe dissesse comovido em uma ocasião solene: “Há muito
que me são conhecidos os seus sentimentos”. O Sr. D. Romualdo, nos últimos
tempos do seu longo e glorioso Episcopado, escrevia: “Não queremos furtar-nos
ao sagrado dever da subordinação e lealdade a um poder instituído pelo mesmo
Deus; o que só queremos é que haja mais escrúpulo em extremar os limites do
Sacerdócio e do Império, e que a ação dos pastores seja mais livre e desimpedida
de mil embaraços e restrições que a cada passo estorvam a marcha de sua
administração, deixando entrever um certo espírito de desconfiança ou de mal
entendido ciúme que os faz acanhar e muitas vezes diminuir sua força moral.
Queremos que a Igreja seja também admitida e tenha sua parte no banquete da
liberdade, e que a esposa, a filha do grande rei, não seja tratada como Humilde
Serva, que se preencham enfim os votos que ela não cessa de dirigir ao céu: ut,
distructis adversitatibus et erroribus universis ecclesia tua seccura tibi serviat
libertate. Felizmente começam a brilhar no horizonte da Igreja brasileira alguns
raios de esperança que parecem anunciar dias mais felizes. O Governo imperial
sentiu como era de esperar de sua sabedoria a necessidade vital de dar ao
Episcopado a importância de que dependem os sucessos de sua missão, e o
último relatório do Ministério da Justiça, nesta parte foi um acontecimento da
maior gravidade, encetando os primeiros passos no caminho do progresso e
melhoramento do clero… Existem ainda algumas disposições mais ou menos
ofensivas da disciplina da Igreja… Mas eu espero que em breve elas serão
derrogadas e modificadas, cabendo ao mesmo Governo a glória de uma proteção
real e legítima, em vez dessa que o ilustre Fénélon qualificava de disfarçado
jugo, pior que uma aberta perseguição”.
Até aqui o venerando Metropolita. Isto escrevia ele, em face de toda a Igreja
brasileira, em 1853. E, em outros lugares de suas obras assinala o espírito de
“rivalidade, ciúme e receio que é em grande parte eivada a nossa legislação, que
sob diversos pretextos estorva a ação do Episcopado e o submete ao poder civil,
ou pelas multiplicadas, e muitas vezes antinômicas, disposições restritivas, ou
pela arbitrária interpretação de seus executores; mostra o clero pobre,
mendicante, humilhado, que debaixo do Império de uma carta que proclamou
solenemente a Religião Católica, Apostólica, Romana, ouve ressoar até no
recinto do santuário, os cânticos de uma liberdade cujos benefícios ainda não
pode saborear; e pergunta o exímio prelado, se nesse caso, podem ser aplicáveis
essas magníficas teorias de proteção, e afirmar-se que ambos os poderes como
sócios se abraçam e dão as mãos, ou se à vista desta aberração do sistema jurado,
não tinha razão de fazer votos para que a independência da Igreja fosse entre nós
d’ora em diante, uma realidade”. Todas essas palavras são do Arcebispo; eu teria
escrúpulo de encarecer uma só. (Vide Obras vol. 6, pág. 278, 279, 287, 393 e
394). Enfim, em sua representação dirigida em 1859 ao corpo legislativo, a
última de tantas em que se desafogou aquele incansável zelo pela independência
APÊNDICES 603

da Igreja, mostra ainda o Arcebispo o clero pedindo todos os anos esmolas à


porta do Parlamento, privado dos meios de obter uma instrução tão ampla como
se tem liberalizado a outras classes, com as mãos atadas pela própria legislação
do país, e quase exclusivamente subordinado à dependência do poder temporal
(Ibid. pág. 387). E o mesmo repete sob formas mais ou menos adoçadas em cem
lugares de suas obras. E o que foi, Ex.mo Sr., a vida de D. Romualdo, senão uma
longa luta contra essa tendência desastrosa que eu deplorei na minha
“Memória”? O Arcebispo, esse homem cuja opinião tinha um não sei que de
augusto, que impunha respeito a todas as inteligências, o Arcebispo não
compreendeu a situação da Igreja brasileira, fez também imputações e acusações
tão graves quão injustas ao Governo de seu país, e deu também ele ocasião de
transviar-se a opinião pública sobre objetos que tão de perto tocam ao Estado,
como à religião? Mas, para justificá-lo, para justificar-nos bastaria, Ex.mo Sr.
Ministro, um olhar rápido sobre nossa legislação.
Não citarei tudo, limitar-me-ei ao mais saliente.
Não é verdade que o placet entre nós se estende tanto às medidas disciplinares,
como às mesmas definições dogmáticas da Igreja universal, as quais, sob
pretexto de poderem conter disposições contrárias aos direitos majestáticos, se
consideram também sujeitas ao exame do imperante civil?
Não é verdade que as apelações como de abuso tem constituído o Conselho
d’Estado juiz em última instância dos atos da jurisdição episcopal, e que até bem
pouco tempo estavam os juízes de Direito, por um Regulamento de 19 de
fevereiro de 1838, investidos do poder das chaves para restituir as ordens aos
clérigos suspensos pelos Bispos, e absolver de quaisquer censuras, quando o
mesmo Conselho d’Estado achasse que elas foram injustamente fulminadas?
Não é verdade que muitas de nossas Assembléias Provinciais, baseando-se no
art. 10 §1.º das reformas constitucionais, julgam-se no direito criar e dividir
paróquias recorrendo apenas e por mera deferência aos Prelados para que
informem a tal respeito?
Não é verdade que pelo Aviso de 10 de maio de 1855 se acha proibida a
admissão de noviços, e por conseqüência, a profissão nas ordens religiosas
estabelecidas no Império?
Não é verdade que aos Bispos do Rio de Janeiro e São Paulo, em Portaria de
13 de janeiro de 1824 (sic!), foi ordenado de sobrestar a ordenação de seus
súditos, sendo restituída ao primeiro daqueles Prelados a faculdade de ordenar,
por outra Portaria de 19 de novembro de 1859?
Não é verdade, que um Aviso de V. Ex.a de 27 de dezembro de 1862, dirigido
ao exímio atual Metropolita do Brasil, determina a organização respectiva do
pequeno e grande seminário, e que tem de cessar estas denominações, devendo
chamar-se, o primeiro seminário arquiepiscopal de estudos preparatórios, o
segundo seminário episcopal de estudos eclesiásticos?
Enfim, não é verdade, visto o Decreto de 22 de abril e a circular de V. Ex.ª de 12
de junho do ano passado, que o Governo se crê no direito de regular ele mesmo o
604 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

modo da escolha do Seminário, de demiti-los, quando bem lhe aprouver, sem


inteligência dos Bispos, de revistar estatutos e compêndios; de marcar quanto
tempo devem os alunos demorar no Seminário e que estudos devem ter para
serem promovidos às diversas ordens; acrescentando ainda V. Ex.ª no último
Aviso, a que respondo, que não sabe qual é a ofensa que aos Reverendos Bispos
faria um Ministro d’Estado em lhes oferecer um projeto de estatutos para o
Seminário?
Eis os fatos, Ex.mo Sr. Eu entrego à apreciação calma de uma razão tão
altamente esclarecida como a de V. Ex.ª, e estou que me há de fazer a justiça de
crer que não exagerei o estado de opressão em que se acha infelizmente a Igreja
no Brasil.
V. Ex.ª afirma que o Governo, graças a Deus é fiel às máximas da Igreja
Católica, venerando como lhe cumpre, os princípios que elas encerram e as
conseqüências que delas dimanam.
Eu o sei, Ex.mo Sr., sempre o reconheci, e é justamente o que me faz esperar,
que ele em breve fará desaparecer de nossa legislação essas lamentáveis
antinomias, harmonizando-se os direitos da soberania com o da liberdade da
Igreja; dois princípios que convém manter a todo custo, sob pena de tudo
confundir-se, de perturbar-se tudo, sob pena de ser reduzida a ordem social a um
caos medonho, criando-se uma teocracia absurda na Igreja que aniquilaria a ação
própria do poder secular, ou uma autocracia religiosa no Estado que absorveria a
autonomia do poder espiritual. De ambas as partes abismos. O meio de evitá-los?
O meio? Todo mundo compreende; só há um, lógica e racionalmente falando; é
extremar bem os limites dos dois poderes. Isto não só no interesse da Igreja, note
V. Ex.ª, mas no interesse dos povos, no interesse da liberdade, no interesse da
civilização. Aqui todos nós entendemos. Quem não o vê? O bem dos povos, a
liberdade, e a civilização exigem que se mantenha inviolavelmente a ordem de
Deus; que ambos os poderes funcionem livremente cada um em sua esfera. “Nos
negócios não somente da fé, mas da disciplina eclesiástica, à Igreja a decisão, ao
príncipe a proteção, a defesa, a execução dos cânones e das regras eclesiásticas”.
É Bossuet que assim fala. E em verdade, assim como fora monstruoso que a
Igreja usurpasse a direção das repartições do Estado, assim não convém que o
Estado se intrometa nos institutos da Igreja. Ou se há de dizer que estes poderes
não independentes, ou se há de admitir que a independência deles repousa sobre
a base de uma perfeita reciprocidade. V. Ex.ª o admite, V. Ex.ª proclama
altamente que os institutos eclesiásticos devem estar debaixo da jurisdição
exclusiva dos bispos, V. Ex.ª diz mesmo categórico: “O Governo não quer
intrometer-se na administração dos seminários”.
Mas oh! Ex.mo Sr., para que afrouxar logo a mão, e deixar escapar um
princípio tão saudável e tão fecundo? Toda essa bela teoria tão laboriosamente
construída é solapada, minada e derrocada pelo direito de inspeção
governamental, a que V. Ex.ª dá, se não me engano, demasiada latitude.
APÊNDICES 605

O direito de inspeção! Precisamo-lo bem. V. Ex.ª sabe quanto se tem abusado


desse direito. O Jansenismo parlamentar, o Febronianismo ou Josefinismo,
acobertaram constantemente suas tendências invasoras sob este especioso nome
de – Jus inspectionis circa sacra – e até sob outro ainda mais especioso de – Jus
protectionis – o que tudo bem se pode resumir em última análise a esta fórmula
mais breve e mais expressiva: – Jus in sacra – precisemos bem o sentido daquela
palavra.
O Governo tem um direito de inspeção nos seminários – inspeção geral, de
polícia, para punir e prevenir desordens, vias de fato e quaisquer ofensas às leis e
à ordem pública. Nada mais justo. Inspeção de higiene, examinando o material
do estabelecimento, o número dos alunos, nada mais admirável; inspeção até de
economia, informando-se, se quiser, do emprego dos fundos públicos destinados
ao seminário, mandando seus engenheiros revistar os edifícios e saber os
concertos que reclamam, nada mais natural. Mas desta inspeção geral e ordinária,
desta inspeção de polícia e de segurança, que diz respeito à ordem civil, inferir
que o Governo tem direito de influir na parte moral desses estabelecimentos,
revistando os estatutos, sujeitando à censura de suas secretarias as doutrinas dos
compêndios, marcando regras para a escolha dos professores e demitindo-os
quando quiser, eis, Ex.mo Sr., o que os Bispos do Brasil não poderíamos
conceder, sem abdicar o direito exclusivo, que temos, na direção moral e
intelectual das escolas sacerdotais.
Nem se pode dizer que a tanto se estendem os direitos de que V. Ex.ª julgou
dever chamar Episcopado exterior. Eu faria injúria às luzes de V. Ex.ª se
explicasse aqui o sentido em que a antiguidade deu aos imperantes cristãos o
título de Bispos do exterior, título que, como V. Ex.ª sabe, não envolve a mínima
jurisdição sobre a Igreja, mas a de simples proteção, defesa e apoio prestado de
fora, sem intervenção no regime dela. Mas, como V. Ex.ª insiste longamente
sobre os direitos do pretendido Episcopado exterior, me permitirá que eu cite
aqui de passagem um trecho do admirável discurso dirigido por Fénélon ao
príncipe eleitor de Colônia.
Eis a santa liberdade com que se exprimia aquele insigne Prelado em pleno
absolutismo de Luís XIV:
“É verdade que o príncipe pio e zeloso é chamado bispo de fora e protetor dos
sagrados cânones… Mas o bispo de fora não se deve nunca envolver nas funções
do de dentro; fica com a espada em punho na porta do santuário, mas abstém-se
de entrar nele… protege as decisões, mas não dá nenhuma. Não praza a Deus que
o protetor governe, nem previna de qualquer modo que seja o que a Igreja
regulará! O protetor da liberdade não diminui nunca; sua proteção não seria mais
um socorro e sim um jugo disfarçado”.
Mas, diz V. Ex.ª, é possível que se contenham nas regras dos seminários,
disposições contrárias às leis. Isto è incontestável. Logo, é mister que elas sejam
sujeitas ao exame do Governo.
606 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Se este argumento procedesse a respeito das regras dos Seminários, teria igual
força a respeito de todos os outros atos, constituições e leis diocesanas.
Um Bispo pode incontestavelmente em uma pastoral emitir princípios
contrários às leis e à ordem pública, pode-o; os Bispos não são infalíveis. Logo,
devem sujeitar as pastorais ao exame do Governo.
Um Bispo nas constituições e leis que promulga para seu clero e diocese, pode
ofender os direitos e honra da soberania e estabelecer cousas contrárias ao bem
do Estado; logo sujeitam-se ao exame do Governo as leis e constituições
diocesanas.
O mesmo Concílio Provincial, que não goza do privilégio da infalibilidade,
pode cair nos mesmos deploráveis desvios, quem o pode negar? Logo ficam
igualmente sujeitos os decretos do Concílio Provincial ao exame e aprovação do
Governo.
V. Ex.ª vê onde nos leva este princípio. Toda a independência da Igreja
desaparece como ilusão. Tudo cai debaixo do jugo, para nos servir de uma
valente expressão de Bossuet. Parece-me, pois, que o argumento de V. Ex.ª é
desses que provariam de mais, se chegassem a provar alguma coisa. Como, com
efeito, admitir em um ponto um direito que o bom senso proíbe, que se admita
em todos os outros de igual natureza?
Os Bispos podem introduzir abusos e práticas ofensivas às leis nas regras dos
seminários. V. Ex.ª se esforça por me fazer admitir que isto é possível. Sem
dúvida alguma é possível. Mas essa mera possibilidade, que até aqui, mercê de
Deus, não se tem realizado, que é muito provável não se realizará nunca, esta
mera possibilidade é porventura suficiente para autorizar a odiosa medida da
exibição dos estatutos? Não haveria para o Governo meios e facilidades de vir ao
conhecimento desses abusos flagrantes, logo que eles se introduzam nas regras
desses estabelecimentos? Regras que se traduzem na prática diária de uma casa
que pode ser por todos visitada; regras que são promulgadas e explicadas de
contínuo perante cinqüenta e mais alunos; regras que em muitos seminários, se
acham até impressas e nada têm de secretas; poderiam conter princípios opostos
às leis, aos direitos e à honra da soberania, sem que o Governo fosse logo disso
sabedor? Não tem o mesmo Governo, excelentes fiscais nos pais de família, que
estremecidos pela educação de seus filhos, seriam os primeiros a denunciar essas
doutrinas e disposições opostas às leis e à moral? Parece-me, pois, sem suficiente
fundamento as medidas vexatórias tomadas ultimamente pelo Governo. Ah!
Ex.mo Sr., ouso afiançá-lo a V. Ex.ª, não há de ser dos seminários que hão de
partir esses negros atentados contra as leis do país, e os direitos da soberania.
Fique V. Ex.ª descansado por este lado.
V. Ex.ª se vale do mesmo argumento para justificar as prescrições do Decreto
a cerca dos compêndios e a demissão dos professores. É possível que os
compêndios contenham doutrinas que estejam em formal oposição com as leis,
os direitos e a honra da soberania; é possível que o Bispo consinta em seu
seminário um professor relapso que ouse afrontar as regras da decência e do
APÊNDICES 607

dever, como se exprime V. Ex.ª; ora, dada esta hipótese, o direito de inspecionar
e examinar os compêndios, o direito de demitir do magistério os professores se
deduz como conseqüência necessária.
Perdoe-me V. Ex.ª, mas me parece que o que se deduz como conseqüência
necessária da hipótese figurada é que o Governo terá então o direito de fazer que
semelhantes abusos sejam reprimidos pelos meios legítimos. O Bispo tem
superior na hierarquia sagrada. Se apesar das representações justas ao Governo,
ele se obstinasse a fazer ensinar no seu seminário doutrinas peregrinas, princípios
contrários às leis e comprometedoras da ordem pública; se ele persiste em manter
a frente do noviciado sacerdotal um Lente que ousasse afrontar as regras da
decência e do dever; seria logo tudo isto levado ao conhecimento da Sé
Apostólica por intermédio do Metropolita ou do Concílio Provincial, e o Bispo
infiel seria reconduzido ao dever pelos meios canônicos. Tudo isto está, pois,
sabidamente prevenido. Assim, o Governo como protetor dos cânones cumpriria
o seu dever, provocando a reforma dos abusos na ordem espiritual pelos meios
supra-indicados, ficando ao mesmo tempo com o direito salvo de reprimir por si
mesmo os atentados e desordens contra as leis civis. Foi o que eu disse na
Memória.
Tudo está conciliado; o bom senso e a lógica estão igualmente satisfeitos.
Mas, que em vista só da possibilidade de tais abusos, possibilidade que
provavelmente, muito provavelmente, nunca se realizará, que em vista só dessa
mera possibilidade de casos tão extremos, tão repugnantes, tome desde já o
Governo uma medida que sujeita ao seu exame a doutrina dos compêndios e o
torna árbitro do ensino dos professores, doutrina e ensino que, como V. Ex.ª
mesmo confessa, são da exclusiva competência dos Bispos como sucessores dos
Apóstolos, eis o que excede à minha débil compreensão e que me parece que se
conciliará dificilmente com as idéias do mesmo Governo imperial.
Eis aqui, com efeito, o que eu leio em uma decisão do Conselho de Estado de
27 de abril de 1860, que V. Ex.ª mesmo teve a bondade de citar-me. É a
confirmação exata, ponto por ponto, do que acabo de dizer: “Em tais casos (fala
da perturbação da ordem e da introdução dos abusos nos seminários), o Governo
com a dignidade que lhe é própria, saberá chamar a atenção do Prelado. E, se
caso as circunstâncias se tornam graves, o Bispo na ordem eclesiástica tem
superior. E, em casos extremos, o Governo não está nunca inibido de prover
segundo as exigências da ordem pública, ou segundo a ordem particular dos
estabelecimentos constituídos; ordem particular esta que muitas vezes está ligada
com aquela. Mas porque, em princípio, não se pode negar este direito ao
Governo e porque tais casos extremos, que estão fora das regras comuns, podem
aparecer, não deve isto servir de fundamento para estabelecer-se uma legislação
que tem o efeito imediato de coactar a bem entendida autoridade dos Bispos e
com grande quebra de sua dignidade e o de alterar a disciplina eclesiástica
estabelecida pelo Concílio de Trento e recebida em todos os países católicos e
que faz parte de seu direito público sobre este objeto. Em França, onde a
608 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Universidade exerce a mais ampla jurisdição sobre os estabelecimentos de


educação ou pública ou particular, nunca ela tem entrada nos seminários
episcopais”.
Ora, Ex.mo Sr., como se poderão manter as disposições supra mencionadas do
Decreto e Circular de V. Ex.ª à vista da doutrina tão loculenta e solidamente
exposta pela seção dos negócios do Império do Conselho do Estado? Como pode
o Governo examinar os compêndios teológicos e canônicos dos seminários,
marcar a maneira de escolher os professores dos seminários, julgar da
conveniência ou inconveniência das doutrinas ensinadas nos seminários; sujeitar
a seu exame as regras orgânicas dos seminários, prescrever a duração do tirocínio
e os estudos que para cada uma das ordens deve fazer os alunos dos seminários,
como pode o Governo, digo, fazer tudo isto e por depois a mão na consciência e
dizer tranqüilo: Eu não me intrometo nos seminários!
Não, Ex.mo Sr., não é possível, ou então fora mister renunciar à linguagem
humana, fora mister dizer que os termos têm perdido todo o seu valor lógico e
que não há mais meios de entendermos uns aos outros.
Cita V. Ex.ª o exemplo da França, sustenta que o Decreto está de harmonia
com a praxe seguida neste e nos outros países católicos. Peço de novo perdão a
V. Ex.ª. Em França, o Governo ou a Universidade, não se importam nem com as
regras, nem com os compêndios, nem com os professores, nem com os estudos
dos seminários. Estive muitos anos nesse país, posso asseverar a V. Ex.ª que isto
é verdade. O Governo contenta-se de dar a estes pios estabelecimentos uma
subvenção considerável, toma ligeiramente conta do emprego desse dinheiro;
cuida do material do estabelecimento, de suas condições higiênicas. Pelo que
respeita os estudos e a moralidade não se inquieta. A mais ampla liberdade é
deixada aos Bispos. Na Inglaterra, e creio que em todos os países onde há
Catolicismo, é absolutamente a mesma cousa; tudo é deixado à direção exclusiva
dos Bispos e dos Superiores imediatos.
V. Ex.ª apresenta ainda outra razão para abonar o espírito conciliador e
prudente em que foi redigido o Decreto relativamente ao concurso e demissão
dos lentes pelo Governo, e eis aqui como discorre:
Dois Rev.mos Bispos do Império já tinham consignado estas medidas aos
estatutos dos seus seminários bem antes da promulgação do Decreto; ora,
continua V. Ex.ª, quando aqueles venerandos Bispos se reservam o direito de
demissão, podemos estar seguros de que não lhes passou pela mente que iam
ferir a dignidade do clero, e estabelecendo o concurso mostraram que não
receavam limitar seu direito de nomeação. Logo não se pode dizer nem que o
Decreto fere a dignidade do clero, nem que ele prende as mãos dos Rev.mos
Bispos.
Escapa-me, confesso a V. Ex.ª, o vínculo lógico destas proposições. Parece-
me que, de poderem os Bispos estabelecer uma medida para o governo de seus
seminários e de suas dioceses, não se segue daí nem que os outros bispos estejam
obrigados a adotá-las, nem, sobretudo, que o Governo seja o competente para
APÊNDICES 609

impô-la. A questão não é saber se as medidas são ou não convenientes em si, mas
se o Governo é ou não competente para tomá-las, limitando os direitos dos
Bispos, como V. Ex.ª confessa que com efeito limitou, no que respeita ao
concurso. Do mesmo modo, não é o poder de demissão em si que humilha o
clero, mas esse poder posto nas mãos dos ministros de Sua Majestade, que assim
são constituídos árbitros do ensino dos seminários, podendo discricionariamente
demitir os lentes, quando as doutrinas destes lhes não agradarem.
Isto é o que fere não já só o pundonor do clero, e os direitos sagrados dos
Bispos, não, mas a liberdade de consciência, a liberdade do ensino católico, que
não pode ficar debaixo desta espada de Dâmocles, em um país em que se goza
das mais amplas garantias constitucionais.
Contente-se o Governo de apoiar francamente a ação do Episcopado, e o bom
ensino e a moralidade se manterão nos noviciados clericais, cessando por este
meio bem simples, muitos dos embaraços de que V. Ex.ª.
A este propósito, talvez eu pudesse mostrar-me um pouco magoado de ter V.
Ex.ª em um documento destinado à publicidade citado o meu ofício reservado de
data de 22 de julho de 1862. Mas, nem me vem isso ao pensamento; porque estou
certo que V. Ex.ª não teve o propósito de faltar à lei inviolável do segredo.
Somente para desvanecer qualquer falsa suposição, devo dizer que eu não pedi ao
Governo imperial que ele demitisse lente algum do meu seminário, mas só
propus que fosse um deles transferido de um seminário para outro, como o exigia
então o maior bem da Igreja, proposta que o Governo em sua sabedoria, creu não
dever dar resposta alguma. Felizmente hoje, graças à Providência, não tenho
quase outros embaraços senão os criados ultimamente pelo Decreto de 22 de
abril.
Quanto à queixa que ousei levar a Sua Majestade o Imperador, a cerca das
lacunas que deixou o mesmo Decreto no ensino dos seminários, felizmente
concorda V. Ex.ª ter ela algum fundamento, mas acrescenta que as condições
financeiras do país não consentem que o Governo faça por ora maior sacrifício
em favor dos seminários. Aguardaremos pois, Ex.mo Sr., tempos mais felizes,
animando-nos desde já a doce confiança que o Governo imperial, que tão
liberalmente tem provido à instrução das outras classes da sociedade, se dignará
fazer um esforço mais em prol dessa pobre classe sacerdotal, que tão desprezada
tem sido entre nós e não pode permanecer mais tempo neste estado de
abatimento, sem comprometer-se seriamente o futuro religioso e moral da nossa
terra. Senti em verdade que o Governo suprimisse cadeiras estabelecidas nos
seminários; senti mesmo que suprimisse a da de língua indígena no seminário do
Pará, pois se pedi em 1862 a supressão dessa cadeira foi só com o intuito de
substituí-la por uma de maior interesse e utilidade como julgava ser a de
matemáticas elementares, e não me lisonjeava com a esperança que se quisesse
fazer uma exceção, criando-se uma nova cadeira só em proveito do meu
seminário. Eis porque recorri ao expediente de sacrificar uma menos útil. Mas
agora, que não só se criou aquela, mas até suprimiu-se esta que o Governo
610 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

declarou então ser conveniente conservar, parece que ficou-me certo direito de
lamentar esta dupla falta, sem fazer contudo por isso recriminações ao Governo.
A dotação dos seminários, Ex.mo Sr., acabará com muitos destes embaraços e
dificuldades. É uma medida há um tempo econômica e do mais alto alcance para
a boa organização destes estabelecimentos. V. Ex.ª pensará nisto, estou certo.
Termino, Ex.mo Sr. Ministro. Julgo ter cumprido um dever de meu ministério
falando com respeitosa franqueza e liberdade ao Governo de meu país. Os
sentimentos que nutro para com ele são os da mais profunda dedicação e perfeita
lealdade. Jamais nos lábios de um Bispo se achará a palavra amarga do ódio ou
da revolta. Nos dias do perigo nós estaremos no nosso posto de honra, fiéis até o
fim ao culto da segunda majestade como ao da primeira.
Sempre obedeceremos aos poderes deste mundo, no que não for contrário à
nossa consciência. Daremos tanto mais fielmente a César o que é de César,
quando começaremos por dar a Deus o que é de Deus. São estes os meus
sentimentos. Por isso levamos humildes súplices e respeitosas reclamações ao pé
do Trono, todas as vezes que uma medida menos pensada do Governo vem pesar
dolorosamente sobre a nossa consciência, pondo-nos a triste alternativa ou de
faltar aos nossos deveres mais sagrados, ou de recusar-lhe nossa fiel cooperação.
Tal é a aflitiva situação em que o Decreto de 22 de abril último tem colocado o
Episcopado do Brasil. Esse decreto nos oprime, Sr. Ministro, sim, nos oprime,
porque reduz-nos à necessidade, não de resistir, mas de ficar inativos e opor a um
Governo a quem amamos, aquela sempre penosa, ainda que muitas vezes
necessária palavra dos Apóstolos: Non Possumus.
Deus guarde V. Ex.ª.
Dom Antônio de Macedo Costa
Paço Episcopal da cidade de Belém12.

DOC. 12: Representação ou «Memórias» dos bispos


do Pará e Rio Grande do Sul ao Imperador
(Versão em italiano)
(19 de abril de 1865)
Sire,
Lo stato in che si trova il Clero del Brasile è un motivo di seria
preoccupazione per tutte le persone che riflettono. Nel vedere il travaglio di
dissoluzione che tra noi si va operando nelle idee, nei caratteri, nei costumi, e
l’indifferenza religiosa, che, come un freddo di morte, va penetrando sino al
cuore della società- non vi ha chi non senta, non vi ha chi non proclama la
necessità che sia in breve rigenerato il nostro Clero, affinché esso possa alla sua
volta tornar ad essere rigeneratore, e capace a guidare i popoli colla parola e con
l’esempio nel cammino dell’eterna giustizia. È questo, Sire, V. M. ben lo
—————————–
12
A. A. LUSTOSA, Dom Macedo Costa, 88-106.
APÊNDICES 611

comprende, un problema importantissimo che reclama la più pronta risoluzione,


una questione formidabile che si lega con tutto l’ordine morale e religioso; però
che è impossibile che vi sia morale e religione la dove non esista clero
moralizzato ed istruito. Evidentemente, Sire, tutto dipende da un buon clero, ed il
buon clero dipende dai Seminari. Così, senza che apparisca a prima vista, la
questione dei Seminari è una questione vitale per il paese; l’unico mezzo che può
guarire tanti mali, ed incominciare per la Chiesa Brasiliana una nuova era di
rigenerazione.
Ora, con dolore lo diciamo, i nostri Seminari, ad eccezione di due o tre, stano
lungi da realizzare le pie intenzioni della Chiesa, e gli ottimi desideri di V. M. I.
Sire, una dolorosa esperienza ha dimostrato la inefficacia dei metodi sino ad oggi
adottati fra noi per la educazione dei Sacerdoti. Abbiamo Seminari in quasi tutte
le Diocesi dell’Impero; alcuni fondati da molti anni; posti sotto la protezione
dell’illustre Governo de V. M.; e la sorveglianza di Prelati veramente pii e
zelante- e nondimeno tutti riconoscono, ed è un fatto tanto triste quanto evidente
che la situazione del nostro Clero è lacrimevole. Donde nasce questo disordine?
Il difetto, Sire, non deriva da altra parte, sta nell’organizzazione stessa dei
Seminari, sta nei propri metodi sino ad ora impiegati nell’educazione del clero.
Il Seminario, come lo concepì il Concilio di Trento, e si trova realizzato nei
paesi più civilizzati della Cristianità, il Seminario come deve essere per potere
raggiungere il fine della sua pia istituzione, è uno stabilimento diretto da un certo
numero di uomini, ripieni dello Spirito del Signore e totalmente dedicati a questa
grande opera. Questi direttori, che dimorano dentro dello stabilimento, e che da
esso non si allontano in modo alcuno, hanno al difficile e delicata missione di
informare la gioventù sino dai più teneri anni, nella scienza e nella pietà, andando
tutti in perfetto accordo, sotto l’ispezione immediata di un Rettore che sorveglia
nel medesimo tempo i professori e gli alunni, e comunica il movimento a tutto lo
stabilimento. Gli stessi direttori fanno scuola; prendono parte nelle ricreazioni-
sorvegliano i dormentori [sic.]; si siedono cogli alunni alla medesima mensa, loro
fanno compagna nell’orazione e nel passeggio; danno loro istruzioni morali,
dirigono la loro coscienza, in una parola si occupano esclusivamente della
direzione degli alunni intellettuale, morale, materiale, e tutta questa con la stessa
uniformità di vedute, con la stessa unità d’azione, che è la condizione necessaria
per poter giungere a realizzare tutte le grandi cose.
Tale è il Seminario, come lo vedemmo nell’Europa, e come è d’uopo che sia
per produrre un risultato soddisfacente. É così che si trova organizzato nella
maggior parte delle Diocesi del Brasile? No, Sire. Fra noi sì è affidata la
direzione dei Seminari ad un Rettore, appena aiutato )e quasi sempre mal aiutato)
da uno o due impiegati subalterni, e senza alcun prestigio; ecco qui tutto! I
maestri, pagati dal Governo, dimorano come quelli dei Licei, nelle loro case, e
soltanto vanno al Seminario a fare le loro ore di lezione, senza occuparsi di
nessun modo della direzione dello stabilimento. E sarebbe cosa ottima quando a
ciò si limitassero! Una ben triste esperienza mostra, che l’influenza di alcuno è
612 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

stata dannosa al buono spirito che deve sempre regnare nel Seminario. Non
narreremo fatti sopra ogni dire penosissimi. Noi Vescovi conosciamo bene queste
cose, e sappiamo che alcune sono giunte pure alla conoscenza del Governo. In
Bene, Sire, il male deriva da questo. Il magistero esterno è il grande difetto della
organizzazione dei nostri Seminari. Non parliamo di quelli che hanno macchie
nella loro vita- gli stessi Sacerdoti, che sono onesti e che non hanno gravi difetti
poco o niente fanno a riguardo del fine del Seminario. Non basta questo, è
necessario di un’ammirabile dedicazione, di grande amore e pratica delle regole,
di zelo a tutta prova, dell’assistenza continua nel Seminario, ed in queste
condizioni non un uomo soltanto, né due, ma bensì molti, vivendo la vita del
Seminario, frammischiati cogli alunni, ed esercitando sopra di essi in ogni
incontro la salutare influenza della parola e dell’esempio.
Il magistero esterno giammai coopererà fruttuosamente nell’educazione della
gioventù che brama dedicarsi allo stato ecclesiastico. Maestri tali, quando molto,
faranno regolarmente la loro scuola, come buoni impiegati pubblici; ma in ciò
solamente limiteranno i loro sforzi. Con condizione di questa fatta, Sire, il
Seminario è impossibile. V.M. perdonerà questa nostra franchezza: ma tale è il
nostro convincimento profondo; e tradiremmo il nostro dovere, se non lo
manifestassimo chiaramente al Governo di V. M. Sino a tanto che durerà il
sistema del magistero esterno, avremo fantasmi di Seminari, veri Seminari, no
affatto. I Vescovi lotteranno sempre con difficoltà insuperabili. Come potranno
aver Seminari organizzati con un Rettore semplicemente incaricato di tutta
quanta la direzione ed ispezione dello stabilimento? Dato anche che possano i
medesimi Vescovi, a furia di sacrifici, porre dentro del Seminario due o tre buoni
Sacerdoti per la direzione, a che servirà questo, se l’influenza di essi sarà
controbilanciata, e molte volte contrariata da quella dei maestri? Non vi ha
Congregazione Religiosa, né Sacerdoti Secolari che accettino posizione tanto
falsa, e tanto precaria. Possiamo assicurare questo a V. M. che i Vescovi non
potranno procurarsi in Europa buoni Rettori e Direttori per i Seminari, se non a
condizione d’incaricarsi essi delle cattedre che fossero per restare vacanti; e che
non vedranno altro mezzo di riformare i Seminari, se non dando il Governo piena
libertà ai Vescovi per introdurre il miglioramento di cui trattiamo.
Sire, felicemente questa dipende da una misura facilissima. Basterebbe che il
Governo ordinasse con un Decreto che i 9 o 10.000$000 Contos (f. 4.500 o
5.000) che esso attualmente da per il Seminario, fossero direttamente posti a
disposizione dei Vescovi, a titolo di dotazione di questi pii Stabilimenti,
restandosi i medesimi Prelati nell’obbligo di render conto, o i Rettori per essi,
dimostrando annualmente come sia stato impiegato questo denaro.
I Vescovi, nella loro prudenza, dolcemente, e a misura che andassero ad esser
vacanti le cattedre, stabilirebbero maestri interni, e per conseguenze con onorari
minori, dal che ne risulterebbe che, col denaro somministrato attualmente dal
Governo, potrebbero ordinare un sistema di studi, tanto letterari, come filosofici
e teologici; cosa che non è possibile fare con l’organizzazione presente. Però che
APÊNDICES 613

da un lato il Governo dichiarò di non poter pagare la spesa di un numero


maggiore di cattedre, e dall’altra i Vescovi nella maggior parte delle Diocesi non
hanno entrate sufficienti per ciò. Tutte queste difficoltà sparirebbero nel nuovo
ordinamento, e potrebbe bene avvenire che avanzasse ancora alcuna cosa per i
restauri degli edifici, ed il mantenimento d’alcuni alunni poveri. Questo ultimo
punto merita una speciale attenzione del Governo. Per avere un numero de alunni
nei nostri Seminari in relazione ai bisogni delle nostre Diocesi fa mestieri dare
l’entrata gratuita ai molti giovanetti poveri, poiché tra noi principalmente,
nell’attuale stato della società, la vocazione al Sacerdozio si trova in detta classe.
Ebbene non dubitiamo affermare che dalla somma somministrata dal Governo si
potrà risparmiare tanto da sostentare un buon numero di giovanetti poveri, e in
questa considerazione proponiamo al Governo che fissi in 10.000$000 (f. 5.000)
la dotazione dei Seminari. Ed infatti, se le nostre informazioni sono esatte, tale è
la somma somministrata al Seminario di S. Paolo.
Resta ben inteso questa misura non contrarierebbe di nessun modo la libertà di
un o altro Prelato, che per ventura volesse continuare nel sistema ora in vigore,
nel nostro modo di vedere, ed in quello di molti dei nostri venerabili Colleghi il
detto sistema del magistero esterno è funestassimo sotto ogni rapporto.
Ecco, Sire, l’idea che desideravamo proporre alla M.V., di cui lo zelo per il
bene è da tutti conosciuto. V. M. I., sempre insperata da ottimi desideri, abbiamo
fiducia che la prenderà nella debita considerazione, e che nella sua alta sapienza
la stimerà giusta ed opportuna. Quanto a noi, proviamo in questo momento quella
dolce soddisfazione che sempre si esperimenta dopo di avere adempito ad un
dovere, e torniamo felice alle nostre Diocesi per aver al nostro Augusto ed
amatissimo Sovrano questa prova di perfetta devozione e lealtà.
Antônio, Vescovo del Pará
Sebastião, Vescovo di Rio Grande do Sul13

DOC. 13: Breve Quamquam Dolores


(Pio IX, Roma, 29 de maio de 1873)
Venerabilis Frater, Salutem et Apostolicam Benedictionem.
Quamquam dolores Nostros exacerbaverint quae tu, Venerabilis Frater,
exposuisti de massonismi viro isthic adeo late diffuso, ut pias ipsas sodalitates,
invaserit et nonnullas ex iis plane corruperit, nequimus tamen non commendare
fiduciam quâ gravem a te conceptum hac causa moerorem in cor Nostrum
effudisti et zelum quo tanto malo studuisti et studes occurrere. Vetus est haec
pestis ac cito confixa ab Ecclesia, designataque, licet incassum, populis et eorum
moderatoribus qui in discrimen vocabantur. Jam ab anno 1728 Clemens XII
recolendae memoriae Encyclicis Litteris – In eminenti, datis die 28.ª aprilis
querebatur “longe lateque progredi nonnullas societates vulgo “des Francs-
Maçons nuncupatas, in quibus cuiuscumque religionis et sectae homines,
—————————–
13
AES, Br., Fasc. 182, pos. 143, f. 151r-154v.
614 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

affectata quadam contenti honestatis specie, arco ac impervio foedere invicem


consociantur” – et sedulo vigilandum esse ducens “ne huiusmodi hominum genus
‘veluti fures domum perfodiant et instar vulpium vineam demoliri nitantur”, -
conventicula haec, quocumque nomine adpellata proscribebat, unicuique e
fidelibus mandans, ut ab iis “prorsus abstinere se debeat sub poena
excomunicationis ipso facto absque ulla declaratione incurrenda”, a qua nonnisi a
Romano Pontifice, praeterquam in mortis articolo, absolvi possit. Quam
Constitutionem deinde Benedictus XIV eius sucessor inseruit fusiusque
explicavit suis Encyclicis Litteris – Providas, diei 16 Martii 1751, quibus decreta
et poenas a suo Decesssore statutas confirmavit. Nefaria tamen societas occulte
semper increbuit in varias divisa sectas, variis distintas nominibus, sed
sententiarum facinorumque communione et foedere coniunctas, donec latissime
propagata magnisque aucta viribus erumpens ex antris suis se prodere potuit, ac
prudentibus omnibus demonstrare quam mérito a speculatoribus Israel damnata
fuisset. Patuit enim et catechismis eius, et constitutionibus et gestis, propositum
ei esse Catholicam delere Religionem Romanamque idcirco Cathedram, unitatis
centrum, insectari; legitimam quam libet humanam auctoritatem evertere,
hominem autonomum constituire, prorsus exlegem ab ipsis sanguinis vinculis
solutum, solisque suis mancipatus cupiditatibus.
Satanicum hune societatis spiritum in primis ostenderunt, exeunte praeterito
seculo truculentae Galliarum vicissitudines, quae totum commoverunt orbem, ac
docuerunt plenam humanae societatis dissolutionem esse spectandam, nisi
scelestissimae sectae vires frangerentur. Quocirca Pius VII sac. Mem. Encyclicis
Litteris – Ecclesiam datis die 13 Spetembris anni 1821 non solum obvertit iterum
omnium oculis indolem, malitiam, periculum istarum societatum, sed gravius
etiam itaverit condemnationem et poenas spirituales earum sodalibus inflictas a
Decessoribus: eaque omnia postea confirmata fuerunt tum a Leone XII, rec.
mem. per Litteras Apostolicas Quae Graviora diei 13 Martii 1826, tum a Nobis
ipsis per Encyclicas Litteras diei Novembris 1846. Itaque post repetita toties
Ecclesiae mandata gravissimis munita sanctionibus, post evulgata impiarum
societatum acta, quae vera earum concilia patefecerunt, post perturbationes,
calamitates, clades innumeras ab illis ubique invectas quibus ipsae publicis
scriptis insolenter gloriari non erubescunt, nulla sane excusatio suppetere
videretur illis quí nomina sua iisdem dederint. Nos tamen considerantes nefarias
hasce sectas non aliis sua prodere mysteria quam illis qui per impietatem se
iisdem excipiendis paratos exhibent: ab adeptis suis propterea severissimum
postulare iuramentum, quo spondeant se nullo unquam tempore nullove casu
patefacturos hominibus in societatem non adscriptis quidquam quod eam
societatem respiciat, vel communicaturos cum iis qui in gradibus inferioribus
versantur aliquid quod ad gradus pertineat superiores: obducere se passim
beneficentiae et mutuí auxilii velo; incautos atque imperitos facile decipi specie
fictae honestatis; misericordiae rationem cum prodigis istis filiis, quorum
perniciem deploras, Venerabilis Frater, ineundun esse censemus, ut eius suavitate
APÊNDICES 615

illecti a pessimis viis suis pedem referant, et ad Matrem suam Ecclesiam, a qua
sejuncti vivunt, revertantur.
Itaque memores Nos Eius vice fungi qui non venit vocare iustos sed
peccatores, sequenda censemus vestigia Decessoris Nostri Leonis XII et idcirco
suspendimus ad integrum anni spatium, postquam hae Nostrae Litterae
innotuerint, reservationem censurarum in qua sectis illis nomen dantes
inciderunt, eosque absolvi ab iis censuris posse concedimus a quocumque
confessario, modo sit ex eorum numero, qui a locorum in quibus degunt
Ordinariis approbati sunt. Quod si neque hoc clementiae remedium sontes a
nefario coepto deterreat, et gravissimo suo crimine retrahat, volumus ut dicto
unius anni spatio elapso, illico reviviscat reservatio censurarum, quas Apostolica
Nostra auctoritate denuo confirmamus: diserte declarantes, neminem prorsus ex
harum societatum adeptis immunem esse ab istis poenis spiritualibus,
quocumque obtentu sive assertae suae bonae fidei, sive extrinsecae speciei
probitatis, quam eadem sectae praeferre videantur, ac propterea omnes omnino in
eodem versari aeternae salutis periculo, donec huiusmodi societatibus
adhaereant.
Praeterea vero plenam tibi potestatem facimus procedendi juxta canonicorum
legum severitatem in ea spiritualia sodalitia, quae per hanc impietatem indolem
suam tam foede vitiarunt, illaque prorsus dissolvendi, aliaque consociandi quae
naturae suae institutioni respondeant.
Utinam consideratio perversitatis societatum quibus se adscribere non sunt
veriti tot homines qui christiano nomine decorantur, memoria anathematum
quibus iterum iterumque ipsae confixae fuerunt ab Ecclesiae; notitiaque
clementiae huius Sanctae Sedis erga deceptos, ab hisce Litteris ad errantes
perlata, eos in viam salutis reducat, praevertat plurimarum animarum exitium,
omnemque a te amoliatur severitatis adhibendae necessitatem. Id Nos incensa a
Deo prece poscimus, id ominamur pastorali zelo tuo, id adprecamur deceptis
hisce omnibus filiis Nostris.
Et quoniam eadem vota ad alias quoque istius imperii Dioceses extendimus in
quibus eadem mala grassantur, cupimus hasce Litteras a te communicari cum
Venerabilibus Fratribus tuis, ut unusquisque eorum sibi populoque suo dicta
arbitretur quod tibi scribimus. Dum vero divinam obsecramus clmentiam ut
desiderio Nostro curisque obsecundet, coelestis auxilii supernorumque omnium
munerum auspicem ac simul praecipuae Nostrae benevolentiae pignus tibi,
Venerabilis Frater, universaeque Dioecesi tuae Benedictionem Apostolicam
peramanter impertimus.
Datum Romae apud S. Petrum 29 Maii 1873, Pontificatus Nostri anno
vicesimo octavo. Pius P. P. IX14.

—————————–
14
V. M. G. OLIVEIRA, Carta Pastoral do Bispo de Olinda publicando o Breve de Pio
IX de 29 de maio de 1873, 17-20.
616 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Breve Quamquam Dolores


(Tradução)
Venerável irmão, Saúde e Bênção Apostólica.
Conquanto exacerbasse nossas mágoas o que nos expusestes a cerca do vírus
maçônico por aí de tal sorte derramado, que até as próprias irmandades religiosas
tem invadido e algumas delas corrompido completamente; não podemos, todavia,
deixar de louvar a confiança com que depositastes em Nosso coração a dor
pungente que por este motivo experimentais, bem como o zelo com que
procurastes e ainda procurais em obviar a tão grande mal. É essa peste antiga, e a
seu tempo já foi profligada pela Igreja e denunciada, ainda que sem fruto algum,
aos povos e aos seus imperantes, que por causa dela corriam perigo. Já desde o
ano de 1728, Clemente XII, de veneranda memória, lastimou, em sua Encíclica -
In Eminenti, de 28 de abril, “progredissem por toda parte algumas sociedades,
vulgarmente chamadas – dos Franco-Maçons, nas quais homens de todas as
religiões e seitas, contentando-se com fementida aparência de honestidade,
coligam-se em estreita e impérvia aliança”, e devendo-se empregar toda
vigilância “para que semelhante gente, quais ladrões, não arrombe as portas da
casa, e à maneira de raposas, não tente estragar as vinhas”, proibiu tais
conventículos, qualquer que fosse seu nome, mandando a todo e qualquer fiel
deles se afastasse, sob pena de excomunhão incurrenda ipso facto, sem mais
declaração alguma, da qual não se possa ser absolvido senão pelo Romano
Pontífice, salvo em artigo de morte.
Esta Constituição, Bento XV, seu sucessor, depois inseriu-a e mais
amplamente explicou-a em sua Encíclica - Providas, de 16 de março de 1751,
confirmando as penas e decretos estatuídos pelo seu Predecessor. Não obstante,
essa ímpia sociedade, dividida em várias seitas, diversamente denominadas,
unidas porém pela mesma idéia e pela mesma iníqua maldade, foi sempre
crescendo ocultamente até que, largamente propagada, e sobremodo aumentadas
as suas forças, rebentando de seus antros, pôde patentear-se e mostrar aos
homens assisados com quanta razão fora condenada pelos Atalaias de Israel.
Tornou-se, pois, patente, pelos seus catecismos, suas constituições e suas
obras, que é propósito seu acabar com a Religião Católica; e por isso mover
guerra à Cátedra Apostólica, centro de toda autoridade humana, constituir o
homem autônomo, independente de qualquer lei, desligado de todo vínculo de
família, e unicamente escravo de suas paixões. Bem revelaram este satânico
espírito da seita as truculentas revoluções da França que, no fim do século
passado, abalaram o mundo inteiro e manifestaram como inevitável a completa
dissolução da sociedade humana, se não fossem enfraquecidas as forças dessa tão
ímpia seita.
Pelo que Pio VII, de santa memória, com sua Encíclica - Ecclesiam, expedida
a 13 de setembro de 1821, não só tornou evidente aos olhos de todos a índole, a
malícia, o perigo de tais sociedades, como até reiterou, e com maior gravidade, a
APÊNDICES 617

condenação e as penas espirituais, contra os membros delas, cominadas pelos


seus antecessores. Tudo isto foi depois confirmado, já por Leão XIII, de feliz
memória, em suas Letras Apostólicas Quo Graviora de 13 de março de 1826, já
por Nós mesmo na Encíclica - Qui pluribus de 9 de novembro de 1846.
Portanto, depois de tão repetidos decretos da Igreja, munidos de gravíssimas
sanções, depois de manifestados os atos dessas ímpias sociedades, os quais
revelaram os verdadeiros intentos das mesmas, depois das desordens,
calamidades e inúmeras carnificinas perpetradas por elas em toda parte e de que
insolente e impudentemente gloriam-se em escritos públicos; por certo que
nenhuma desculpa pareceria aproveitar àqueles que lhe são filiados.
Todavia, considerando Nós que estas malvadas seitas não revelam seus
mistérios senão àqueles que, por sua impiedade, se mostram aptos e capazes de
recebê-los, exigindo, em conseqüência, de seus adeptos, severíssimo juramento,
pelo qual prometam nunca e em caso algum descobrir, aos não filiados à
sociedade, cousa alguma concernente a ela; e assim também comunicar aos graus
inferiores aquilo que pertence aos graus superiores; cobrindo-se ordinariamente
com a capa de beneficência e auxílio mútuo, sendo os incautos e inexpertos
facilmente iludidos com a aparência de fingida honestidade: julgamos, Venerável
irmão, que se deve usar de misericórdia com esses filhos pródigos, cuja ruína
deplorais, a fim de que, atraídos pela suavidade dela, deixem os seus péssimos
caminhos e voltem ao grêmio da Santa Madre Igreja, do qual vivem separados.
Portanto, lembrando-nos que Nós fazemos as vezes d’Aquele que não veio
chamar os justos, senão os pecadores, assentamos seguir os passos do nosso já
citado Predecessor Leão XII, e por isto suspendemos, por espaço de um ano,
depois que forem conhecidas estas Nossas Letras, a reservação das censuras em
que incorreram os que deram o seu nome a estas seitas, podendo serem
absolvidos por qualquer confessor, aprovado pelo Ordinário do lugar onde se
achem. Mas, se este remédio de clemência não servir para afastar os culpados de
sua nefanda empresa e retraí-los de seu gravíssimo crime, é nossa vontade que,
passado o referido prazo de um ano, imediatamente reviva a reservação das
censuras que por Nossa Autoridade Apostólica de novo confirmamos; e
formalmente declaramos que nenhum, absolutamente, dos adeptos dessas
sociedades, fique imune dessas penas espirituais, sob qualquer pretexto, quer de
sua boa fé, quer da extrínseca aparência de probidade que as referidas seitas soem
ostentar, e, por conseguinte, ficam todos no mesmo perigo de eterna condenação
enquanto a elas aderirem.
Além disso, vos concedemos pleno poder para procederdes com a severidade
das leis canônicas contra aquelas irmandades que, por essa impiedade tão
torpente, viciaram a sua índole, dissolvendo-as completamente e criando outras
que correspondam ao fim de sua primitiva instituição. Praza a Deus que a
consideração da perversidade das seitas nas quais não coram de inscrever-se
tantos homens que arrogam-se o nome de cristãos; a lembrança dos anátemas
com que repetidas vezes foram feridas pela Igreja; a notícia da clemência desta
618 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Santa Sé para com os enganados, chegando por meio destas Letras aos ouvidos
das ovelhas tresmalhadas, reconduza-as ao caminho da salvação, evite a ruína de
tantas almas e vos poupe a necessidade de usar de rigor. É o que Nós, com
fervorosas preces, pedimos a Deus; é o que ardentemente desejamos ao vosso
zelo pastoral; é o que rogamos a todos esses nossos Filhos iludidos.
E, porque os mesmos votos estendemos a todas as demais Dioceses desse
Império, onde grassam os mesmos males, desejamos comuniqueis estas Letras
aos vossos Veneráveis Irmãos, a fim de que cada um deles entenda ser dito a si e
a seu povo tudo quando ora vos escrevemos. E ao mesmo tempo que rogamos à
Divina Clemência digne-se favorecer os nossos desejos e solicitudes, como
presságio do auxílio divino e de todos os dons celestes, e juntamente em penhor
de Nossa Benevolência, vos lançamos com toda efusão de nosso amor a vós,
Venerável Irmão, e a toda vossa Diocese, a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, em São Pedro, aos 29 de maio de 1873, vigésimo sétimo ano
de Nosso Pontificado.
Pio PP. IX15

DOC. 14: Voto escrito a lápis


Sessione n. 409 della Congregazione degli Affari Ecclesiastici Straordinari,
(6 de dezembro de 1873)
Il Vescovo d’Olinda, commise un atto illegale, usci fuori della sua sfera, ed
invase la giurisdizione temporale, quando ordinò alla Confraternita del S. S.
Sacramento ed alle altre della sua diocesi di espellere dal loro seno i fratelli
Massoni.
Nel Brasile le Confraternite hanno natura mista. Esse hanno una legge
organica che le regge che sono i propri statuti.
Queste leggi sono approvate nella parte temporale dal Governo, o dai
Presidenti della Provincia, e solo nella parte Religiosa dai Vescovi. La parte
meramente religiosa, tratta del culto divino, e della pratica delle virtù cristiane, la
parte temporale dei beni, della sua amministrazione del governo delle
Confraternite, e delle qualità che si richiedono per appartenere alle medesime.
Appartiene all’autorità civile; al Giudice de Capellas si è, che incombe
l’obbligo di sorvegliare sull’esatto adempimento degli statuti.
Questi non possono essere alterati dai membri delle Confraternite, sia nella
parte temporale, sia nella parte spirituale senza l'accordo dei due poteri, i quali
altresì non possono fare altrettanto senza il consenso della Confraternita.
Cosi per esempio, il Vescovo, non può se vuole esigere dalla Confraternita
che faccia celebrare un numero maggiore di messe, o de feste religiose di quelle
che prescrivono i loro statuti.

—————————–
15
V. M. G. OLIVEIRA, Carta Pastoral do Bispo de Olinda publicando o Breve de Pio
IX de 29 de maio de 1873, 8-13.
APÊNDICES 619

Dal fin qui detto si vede chiaramente, come il Rndo. Vescovo d’Olinda
eccedette nei limiti della sua giurisdizione, esigendo che la Confraternita
cancellasse dal numero dei suoi membri, quelli che fossero massoni.
Se, di fatto, il Vescovo non poteva alterare il compromesso, anche nella
parte spirituale, molto meno lo poteva in una parte esclusivamente dipendente dal
potere temporale, perché come dicemmo l’ammettersi, o l’escludersi i membri
dalla Confraternita, sono di competenza dell'autorità civile.
Il Rndo. Vescovo non poteva esigere l’espulsione dei massoni dal seno
della Confraternita, perché la qualità di massone, non era considerata nei
compromessi come un’incapacità per appartenervi.
Se una tale incapacità fosse esistita, non era di competenza del potere
ecclesiastico, ma solo dell’autorità civile il farla valere.
L’atto del Rndo. Vescovo oltre che fu illegale fu anche ingiusto, perché con
l’interdire le Confraternite, involse indistintamente innocenti e colpevoli, facendo
a centinaia di persone espiare le colpe di un solo. Di più è da notarsi, che quelli
che puniva trovansi nella morale impossibilita di ubbidire all’Ordine del
Vescovo, senza che in pari tempo facessero un atto illegale.
L’interdetto emesso dal Vescovo privando le Confraternite dell’esercizio
del Culto, venne a scioglierle di fatto. La ragione si è perché oltre all’essere
queste confraternite di natura mista, esse non possono sussistere senza parte
spirituale, poiché i fini dell'associazione, sono tutti fini pii.
Ora è chiaro che il potere spirituale non poteva da per se solo disciogliere
Confraternita alcuna.
Vi è di più, essendo l’Interdetto una pena ecclesiastica, non poteva, e non
doveva aver effetti temporali; ma l’Interdetto, privando le confraternite
dell’esercizio del culto, ordinando la chiusura delle chiese ecc. ecc. offendeva la
personalità civile del cittadino Brasiliano, istituendo una vera persecuzione per
motivo di religione, proibita dalla Costituzione dell’Impero.
Non vi ha dubbio l’essere del diritto del Vescovo, l’usare le pene
ecclesiastiche, impiegandole in cause di competenza della chiesa, ma quello che
non può si è il dare a queste pene effetti temporali che esse non possono avere16.

DOC.15: Exorta in ista ditione


(29 de abril de 1876)
Encyclica Epistola
Venerabilibus Fratribus Antonio, Episcopo Belemensi de Pará Aliisque
Episcopis Brasilianae Regionis
Pius P.P. IX.
Venerabiles Frates Salutem et Apostolicam Benedictionem.

—————————–
16
AES, Br., Voto, anônimo e sem data, fasc. 185, pos. 156, f. 64r-66r
620 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Exortae in ista ditione superioribus annis perturbationes ex parte eorum, qui


Massonicae sectae addicti in piorum christianorum sodalitates irrepserunt, uti
vos, Venerabiles Frates, in Dioesesibus praesertim Olindensi et Belemensi de
Pará, in gravem adduxere conflictum, sic nostro animo, ut sitis, molestae
admodum et acerbae extiterunt. Non enim poteramus sine dolore respicere, quod
exitiosa illius sectae pestis ad corruptionem praedictarum sodalitatum manasset,
atque ita ea instituta quae ad sincerum fidei et pietatis spiritum fovendum
ordinata essent, superseminata funesta zizaniorum messe, in miseram
conditionem essent prolapsa. Hinc Nos Apostolico Nostro munere admoniti, et
paterna caritate impellente qua istam Dominaci Gregis partem prosequimur, huic
malo occurrendum esse incunctanter existimavimus. Ac litteris datis die 29° Maii
anno 1873 ad Venerabilem Fratrem Episcopum Olindensem, Nostras voce
scontra hanc deplorandam perversionem in christianas sodalitates invectam
extulimus, ea tamen lenitati set clementiae ratione ergà deceptos et illusos
Massonicae sectae asseclas adibita, ut ad congruum tempus reservationem
censurarum in quas ipsi inciderant, suspenderemus, in eum finem, ut Nostra
benignitate uterentur ad detestandos errores suos, et ad damanatos, quos
iniverant, corpus deserendos. Mandavimus insuper eidem Olindensi Episcopo ut
eo spatio temporis elapso, nisi ipsi resipisvissent, praedictas sodalitates
suprimeret ac supressas declararet, pasque novis sociis adscriptis ab omni
Massonica labe immunibus, justa suae originis rationem de integro restitueret.
Preterea cum Nos in Enciclica Epistola ad Cattolici orbis Episcopos data die
1° Novembris an. 1873, fideles omnes adversus sectariorum arte set insidias pro
numere Nostro munire studiremus, pala mea occasione pontificias Constitutiones
contra pravas societates sectariorum editas in memoriam fidelium revocavimus,
atque ediximus iis Constitutionibus non unos percuti massonicos coetus in
Europa constitutos, sed omnes quotquot in América aliisque totus orbis plagis
babentur.
Hinc Nos non potuimus vehementer mirari, Venerabiles Fratres, quod, cum
auctoritate Nostra et consiliis errantium salutem spectantibus interdicta sublata
essent, quibus in ista regione nonnulae Ecclesia et sodalitia ex Massonicis
asseclis late conflata, subjecta fuerant, ex hoc occasio capta fuerit in vulgus
disseminandi Massonicam Societatem in istis plagis consistentem Apostolicarum
damnationum exsortem esse, ac proinde eosdem sectários tuto posse in piorum
Christianorum sodalitatibus parte habere. Sed quantum haec a veritate et a Nostri
animi sententia aberent, id aperte declarant tum ea acta quae superius
memoravimus, tum epistola ipsa quam ad serenissimum Imperatorem istius
regionis scripsimus dia 9 Februarii na. 1875, in qua dum interdictum, quod
nonnullas Ecclesias istarum Dioceseon afficiebat, revocatum iri spondebamus,
ubi Venerabiles Fratres Episcopi nempe Olindensis et Paraensis, injusto cárcere
detenti in libertatem essent restituti, eam tamen reservationem et conditionem
adjecimus, ut scilicet Mossici asseclae ab officiis quae in sodalitiis gererent,
summoverentur. Quae ratio providentiae Nostrae non aliud neque habere potit
APÊNDICES 621

propositum, nisi Imperataris votis hac ex parte expletis, ac tranquilitate


animorum revocata, opportunitatem Imperiali Gubernio praeberemus pias
sodalitates massonica labe depulsa in pristinum statum restituendi, ac afficiendi
ut damnatae sectae homines Nostra erga ipsos clemetia permoti a perditionis via
sese eripere curarent. Ne verò ni re tam gravi ullum dubium superesse possit, vel
ullus deceptioni locus, Nos non omittimus hac occasione iterum declarare et
confirmare Massonicas societates, sive quae in ista regione, sive quae álibi
terrarum existunt, quaeque a multis vel deceptis, vel decipientibus socialem
tantum utilitatem et pregressum, mutuaeque beneficentiae exercitium spectare
dicuntur, Apostolicis Constitutionibus et damnationibus esse proscriptas atque
perculsas, eosque omnes qui sectis iisdem nomen infauste dederint, ipso facto in
maiorem excommunicationem Romano Pontifici reservatam incidare.
Vehementer autem cupimus, Venerabiles Frates, ut sive per vos, sive per
cooperatores vestros de hac exitiosa peste fideles admoneatis, eosque omni qua
potestis ratione ad ipsa incólumes praestare admitamini. Nec minori cum
sollicitudine vestro zelo commendamus, ut religiosa doctrina per praedicationem
verbo Dei, per opportunas instructiones Christiano populo isthic sedulo tradatur;
scitis enim quae utilitas ex hac ministerii parte, si rite impleatur quae damna
gravíssima, si negligatur, in Christianorum Gregem dimanent.
Ac praeter ea de quibus hic egimus, deplorere etiam cogimur potestatis
abusum ex parte eorum qui memoratis sodalitattibus praesunt, qui nempe, ut ad
Nos perlatum est, omnia ad suum arbitrium revocantes, indebitum jus in rebus et
personis sacris et in iis quae spiritualia sunt, sibi vindicare praesumunt, ita ut
ecclesiastici viri et Parochi ipsi, in sui officii munerabus obeundis, eorum
potestati penitus obnoxii reddantur. Quae res non modo ecclesiasticis legibus, sed
et ipsi ordini a Christo Somino in Ecclesia sua constituto omnino adversatur; non
enim laici hommes a Christo positi sunt rerum ecclesiasticarum rectores, sedi i
pro sua utilitate et salute legitimis pastoris subesse debente, eorumque est pro
singulorum statu sese Cleri adjutores praebere, non autem sese immiscere in bis
rebus quae Sacris Pastoris sunt a Christo Domino concreditae. Quapropter nihil
magis necessarium agnoscimus, quam et praedictarum sodalitatum statua ad
rectum ordinem exigantur, et quae in iis abnormia et incongrua hac ex parte sunt,
cum Ecclesiae regulis et disciplina rite componantur.
Ad hunc finem essequendum Nos, Venerabiles Frates, spectatis rationibus
quae inter ipsas sodalitates et civilem potestatem intercidunt, in eo quod attinet
ad earum in temporalibus constitutionem et ordinationem jam Cardinali Nostro a
Secretis Status opportuna madata dedimus, ut cum Imperiali Gubernio agat, ut
concordia cum ipso studia convertat. Confidimus civilem auctoritatem in hanc
rem suas curas nobiscum studiose collaturum, ac Deum enixe precamus, a quo
bona cuncta procedunt, ut hoc opus quod ad religionis et societatis civilis
tranquillitatem pertinet sua gratia prosequi et adjuvare dignetur. Horum votorum
ut compotes simus, vos etiam, Venerabiles Fratres, vestras preces Nostris
adjungite, ac in pignus sincerae dilectionis Nostrae accipite Apostolicam
622 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Benedictionem, quam vobis et Clero ac fidelibus cujuscumque vestrum curae


concreditis peramanter in Domino impertimus.
Datum Romae apud S. Petrum 29 Aprilis na. 1976, Pontificatus Nostri anno
tricesimo.
PIUS P.P. IX17.

Carta Encíclica
Aos Veneráveis Irmãos Bispos do Império do Brasil
Pio IX, Papa
Veneráveis Irmão, Saúde e Benção Apostólica
As perturbações que nestes últimos anos apareceram nesse Império,
provocadas pelos sectários da maçonaria, que se haviam introduzido nas pias
irmandades cristãs, assim como vos arrastaram, Veneráveis Irmãos, a um grave
conflito, particularmente nas dioceses de Olinda e de Belém do Pará, assim
também, como sabeis, sobremodo Nos magoaram a afligiram o coração. Pois não
era possível víssemos sem dor aquela perniciosa e pestifera seita, corrompendo
as referidas irmandades, de modo que institutos criados para desenvolver o
verdadeiro espírito de fé e piedade, por esta funesta cizânia largamente neles
semeada, caíram em misera condição.
Por isso em desempenho de Nosso Cargo Apostólico e impelidos pelo amor
paternal que votamos a essa porção do rebanho do Senhor, entendemos que sem
demora era mister acudir com o remédio a esse mal, e assim por Nossas Letras de
29 de maio de 1873, dirigidas ao Venerável Irmão Bispo de Olinda, levantamos a
voz profligando tão deplorável perversão nas irmandades cristãs, usando todavia
de tal brandura e clemência para com os membros enganados e iludidos da seita
maçônica, que, por tempo conveniente, suspendemos a reserva das censuras em
que haviam incorrido, e isto afim de que, aproveitando-se eles de nossa
Benignidade, bestassem os seus erros, e abandonassem as condenadas reuniões
de que faziam parte. Demais ordenamos ao Nosso Venerável Irmão Bispos de
Olinda, que se, passado aquele prazo, se não houvessem eles arrependido,
suprimisse e declarasse supressas as referidas irmandades, e as restaurassem
inteiramente conforme ao fim primitivo de sua instituição, admitindo novos,
imunes de todos vírus maçônico.
Além disto tendo Nós, em desempenho de Nosso Cargo, procurado na Carta
Encíclica de 1º de novembro de 1873 dirigidas a todos os Bispos do orbe
católico, premunir todos os fieis contra as artes e insídias dos sectários,
claramente lembramos-lhes, por essa ocasião, as Constituições Pontifícias
publicadas contra as perversas sociedades dos sectários, e então declaramos que
por estas Constituições eram fulminadas não só as associações maçônicas

—————————–
17
A. MACEDO COSTA, A questão religiosa no Brasil perante a Santa Sé, Apêndices,
33-37.
APÊNDICES 623

estabelecidas na Europa, senão também todas quantas existem na América e nas


demais regiões do orbe.
Não foi, pois, sem grande admiração, Veneráveis Irmãos, que vimos ao serem
levantados por autoridade Nossa, na esperança de obter a salvação dos
transviados, os interditos impostos nesse país a algumas Igrejas e irmandades,
compostas em grande parte de membros da maçonaria, tomar-se daí ocasião para
divulgar que a sociedade maçônica existente nessas regiões estava excluída das
condenações Apostólicas, e que, por conseguinte, podiam tranqüilamente os
mesmo sectários fazer parte das pias irmandades cristãs.
Quando, porem, tais asserções distam da verdade e da Nossa intenção, bem
claro o estão demonstrando não só os atos que acima temos relatado, senão
também a Carta que em data de 9 de fevereiro de 1875 escrevemos ao
Sereníssimo Imperador desse Estado, na qual prometemos-lhe Nós que seria
tirado os interditos lançados a algumas Igrejas dessas dioceses, logo que os
Veneráveis Irmãos Bispos do Pará e de Olinda, então detidos em injusto cárcere,
fossem restituídos a liberdade. Contudo AJUNTAMOS ESTA RECERVA E
CONDIÇÃO, a saber, que os membros da maçonaria seriam removidos dos
cargos que ocupavam nas irmandades.
Com este Nosso modo de providenciar não podemos nem podíamos ter outro
propósito, senão, satisfeitos nesta parte os desejos do Imperador e restabelecida a
tranqüilidade dos ânimos, oferecer ao Governo Imperial a oportunidade de
restituir ao antigo estado as pias confrarias, expurgando-as da infecção maçônica,
e de concorrer assim para que os membros da seita condenada, movidos pela
Nossa Clemência para com eles, tratassem de se apartar dos caminhos da
perdição.
Entretanto para que em assunto tão grave não possa restar dúvida alguma nem
haver lugar a algum engano, Nós não omitimos, nesta ocasião, novamente
declarar e confirmar que as sociedades maçônicas, quer as que existem nesse
país, que em qualquer outra parte do mundo, sociedades que muito ou enganados
ou enganadores afirmam só terem em mira a utilidade e progresso social, e o
exercício da mutua beneficência, acham-se proscritas e fulminadas pelas
constituições e condenações apostólicas, e que todos os que desgraçadamente se
alistarem nas mesmas seitas, incorrem ipso facto em excomunhão maior
reservada ao Romano Pontífice.
Desejamos, porem, vivamente, Veneráveis Irmão, que ou por nós mesmos, ou
por vossos cooperadores admoesteis os fieis a respeito de tão perniciosa peste, e
vos esforceis por conservá-los imunes da influência dela, LANÇANDO MÃO
DE TODOS OS MEIOS A VOSSO ALCANCE. E com não menor solicitude
recomendamos ao Vosso zelo que, pela pregação da palavra de Deus e por
oportunas instruções, e cuidadosamente se ensine a esse provo cristão a doutrina
religiosa; pois bem sabeis a grande utilidade que esta parte do sagrado ministério
quando bem desempenhada, resulta para o rebanho cristão, e, quando
negligenciada, os gravíssimos danos que daí procedem.
624 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Além de quanto temos até aqui tratado, somos ainda forçados a deplorar o
abuso de poder da parte daqueles que presidem as referidas irmandades, pois,
como chegou ao Nosso conhecimento, tomando eles tudo a sua conta, atrevem-se
a usurpar um direito indébito sobre as coisas e pessoas sagradas, e sobre o que é
de origem espiritual, de modo que os Sacerdotes e os próprios Párocos, no
exercício de suas funções, ficam totalmente sujeitos aos poder deles. Fato este
que não só se opões às leis eclesiásticas, senão à própria ordem constituída em
sal Igreja por Nosso Senhor Jesus Cristo; pois não foram os leigos postos por
Jesus Cristo para reitores das coisas eclesiásticas, mas devem por sua utilidade e
salvação estar sujeitos a seus legítimos Pastores, lembrando-se cada um,
conforme o seus estado, a coadjuvar o Clero sendo-lhe vedado ingerir-se
naquelas coisas que foram por Jesus Cristo confiados aos sagrados Pastores.
Assim, pois, NADA RECONHECEMOS MAIS NECESSÁRIOS DO QUE
REFORMAREM-SE DEVIDAMENTE OS ESTATUTOS DAS DITAS
IRMANDADES, e que tudo o que nelas há de irregular e incongruente nesta
parte se conforme convenientemente às leis da Igreja e à disciplina canônica.
Para atingir este fim, Veneráveis Irmãos, atendendo Nós as relações que
existem entre as mesmas irmandades e o poder civil relativamente à constituição
e administração delas na parte temporal, havemos oportunamente ordenado ao
Nosso Cardeal Secretário de Estado que se entenda com o governo imperial; e de
acordo com ele se esforce por conseguir os desejados efeitos. Confiamos que
sobre este assunto o poder civil há de unir cuidadosamente os seus esforços aos
Nossos, e com instancias suplicamos a Deus, de quem procedem todos os bens,
se digne promover e auxiliar com sua graça esta obra que interessa a paz da
Religião e da sociedade civil.
A fim de vermos realizados estes votos, juntais a vós também, Veneráveis
Irmãos, as vossas preces as Nossos. E em penhor de Nosso sincero amor recebei
a Benção Apostólica que a vós, ao Clero e fieis confiados a cada um de vós
afetuosamente vos outorgamos no Senhor. Dada em Roma, junto a S. Pedro aos
29 de abril de 1876, ano 30º de Nosso Pontificado.
Pio IX, Papa18.

DOC. 16: Relatório do Bispo de Goiás sobre a sua Diocese


(4 de setembro de 1882)
Exmo e Rev.mo Senhor Internúncio,
Ainda estava em visita quando chegou a esta cidade a muito caridosa Circular
de V. Ex. Rev.ma. Foi respondida pelo Governador do Bispado, mas devo dizer
que depositando a mais inteira confiança nos representantes da Santa Se, não
deixarei de aproveitar de sua bondade e de suas luzes muitas e muitas vezes,
como um filho muito amante, que não receia de recorrer a seu Pai.

—————————–
18
A. MACEDO COSTA, A questão religiosa no Brasil perante a Santa Sé, 295-305
APÊNDICES 625

Em carta data de 13 de Julho me comenda V. Ex. A relação da visita Pastoral


– Apenas cheguei, todavia vou comunicar os principais fatos ocorridos –
tenciono apresentar a Nunciatura uma informação de cada um dos Sacerdotes
desta diocese para receber conselho e tomar acertada deliberação. Os Sacerdotes
desta diocese estão quase todos amancebados ou são concubinatos públicos. Que
fazer? Não e possível suspender todos, para não deixar os fieis de todo privados
dos Sacramentos; homens de idade, acostumados a vida escandalosa, pouco ou
nada aproveitam das advertências que lhes são feitas, não sei realmente que meio
empregar para conseguir algum resultado provável. Eis, Exmo Sr., a principal
dificuldade que encontro nesta diocese, onde existem tantos abusos. Não e
possível quase remediar, porque os Sacerdotes, alem de ignorantes e
escandalosos, no tem forca e energia para fazer observar as leis da Santa Igreja. –
O Clero sendo ignorante não podem ser os fieis instruídos a cerca de nossa
religião – Há muito pouco se reduzem as noções que tem o povo, todavia a sua fé
e muito grande – Sendo conseqüência da ignorância praticas supersticiosas, e
muito grosseiras – Fiz a visita a maneira de Missão por parecer-me este modo
mais proveitoso aos fieis, principalmente para a correção dos culpados. –
Trabalhei como um simples Sacerdote pregando uma ou duas vezes, para isso, o
Religioso Capuchinho Fr. Paulino de Frignano me ajudava na pregação. –
Confessamos dia inteiro e parte da noite, principiando nosso trabalho pelas
quatro horas da manha e continuando com pouca interrupção ate dez e onze horas
da noite – O povo nos excitava ao trabalho pelo seu fervor, e seu grande desejo
de receber s Sacramentos, e de ouvir as instruções. – Por parte do povo, nem
também dos Sacerdotes, sofremos amenos resistência, o menos desgosto. Em
particular repreendi os Sacerdotes de seus erros, de seus escândalos e ouvirão
eles com proveito as advertências feitas prometeram emenda, mas pouco espero
conseguir. Confessaram-se durante a visita cerca de dez mil pessoas, celebraram-
se quatrocentos casamentos de concubinários, alguns destes se separaram por não
poder realizar-se o casamento, alguns casados, que viviam apartados, se tornaram
a unir, foi muito considerável o numero das pessoas que receberam a crisma, e as
que receberam estavam preparadas pela Confissão. – Uma outra dificuldade desta
diocese, como das outras do Brasil, e a sua extensão imensa. – A S. Se
conseguisse a divisão de nossas dioceses prestaria grande serviço a Igreja
Brasileira. – E absolutamente impossível de visitar esta diocese em três anos,
quando mais no tempo determinado pelo Sagrado Concilio de Trento. – Julgo ate
não ser necessária a dispensa por ser impossível observação da lei. – V. Ex.
Julgando diversamente me concederia essa dispensa, ou me fará o especial favor
de consegui-la d Santa Se. – A pobreza desta província e outra dificuldade que
me obriga sair da diocese para esmolar, e conseguir os recursos necessários para
a fundação das missões e do Seminário. – Existem neste território cerca de trinta
mil Índios selvagens, pagãos, o governo imperial me favorecendo poderei
trabalhar na sua conversão, para este fim escrevi por este mesmo correio ao exmo
Ministro da agricultura, de quem depende a catequese. – Os religiosos
626 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Dominicanos não se querem encarregar do Seminário, mas somente das missões


e da catequese dos índios. – V. Ex. Rev.ma se oferece com tanta bondade, que
não receio de pedir-lhe de alcançar do Exmo Ministro da Agricultura a entrega
plena e livre da Catequese a autoridade diocesana e algum auxilio para viagem e
instalação dos missionários. – Do Exmo Ministro do Império desejo algum
auxilio para o Seminário Episcopal, que o mesmo Ministro aprove o contrato que
devo fazer com a Congregação da Missão a cerca do mesmo Seminário qual
contrato será semelhante outro já aprovado pelo Governo para o Seminário do
Ceara e de Diamantina. As obras da Catedral estão paradas desde muito, e sem
auxilio do Governo, do Ministro do Império, não podem ir adiante, por ser esta
província muito pobre. – Ex.ma. Sr., no devo abusar de vossa caridade, espero
dar mais amplas informações de viva voz, e recorrer com mais proveito a sua
sabedoria, indo a essa Cidade do Rio de Janeiro. [Termina com as saudações
habituais]19

—————————–
19
AES, Br., Carta do bispo de Goiás ao Internúncio, 4 de setembro de 1881, Fasc.
13, pos. 224, f. 3r-5r.
SIGLAS E ABREVIATURAS

AECAM. Arquivo Eclesiástico da Cúria Arquidiocesana de Mariana.


AES. Affari Ecclesiastici Straordinari
APM. Arquivo Público Mineiro
ASV. Archivio Segreto Vaticano
BN. Biblioteca Nacional
Cap. Capítulo
Cx. Caixa
D. Dom
Doc. Documento
f. folha
Fasc. Fascículo
IHGB. Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
Liv. Livro
NAB. Nunziatura Apostlica Brasile
ndr. Nota do redator
pos. posição
pe. Padre
r rectus
RAPM. Revista do Arquivo Público Mineiro.
RIHGB. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
RIHGMG Revista do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais
REB Revisa Eclesiástica Brasileira
Tit. Título
v versus
vol. Volume

ABREVIAÇÃO DOS DICIONÁRIOS:


DBB AUGUSTO VITORINO ALVES SACRAMENTO BLAKE, Dicionário
bibliográfico brasileiro, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro 1883-
1902.
DBP INOCÊNCIO FRANCISCO DA SILVA, Dicionário Bibliográfico
Português 1858-1914, Imprensa Nacional, Lisboa 1858-1923.
JFVS JOÃO FRANCISCO VELHO SOBRINHO, Dicionário bibliográfico
brasileiro, Oficinas Gráficas Irmãos Pongetti, Rio de Janeiro 1937.
628 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

DEIF Dicionário Enciclopédico Ilustrado FORMAR, vol. V, 10ª. Ed.;


Editora Formar, São Paulo, 1967.
DCLPCA Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete, IV,
Editora Delta, Lisboa, 1970
NDHB Novo Dicionário de História do Brasil, 2ª ed., Melhoramento, São
Paulo 1971
DAELP Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa, Editora Nova
Fronteira, 1ª. Edição, Rio de Janeiro 1988.
DLPSB Dicionário da Língua Portuguesa de Silveira Bueno, Editora FTD
S.A., São Paulo 1996
DTPSO LILIANA ALBERTAZZI ET ALII, Dizionario dei teologi dal primo secolo
ad oggi, Edizioni Pieme, Casale Monferrato 1998.
DHCJ C. E. O-NEILL JOAQUÍN M. DOMINGUEZ, Diccionario Histórico de la
Compañía de Jesús, Universidad Pontificia Comillas, Madrid 2001.
FONTES

1. Fontes Primárias

1.1. Arquivo Secreto Vaticano (ASV) – Vaticano

1.1.1. Nunciatura Apostólica no Brasil (NAB)


Cx. 3– Fascículos: 13
Cx. 4 – Fascículos: 18
Cx. 18 – Fascículos: 76.79
Cx. 22 – Fascículos: 97.98
Cx. 25 – Fascículos: 108.109.110.111
Cx. 28 – Fascículos: 121.122.123
Cx. 30 – Fascículos: 133.134
Cx. 31 – Fascículos: 137.138.139.140
Cx. 32 – Fascículos: 145
Cx. 36 – Fascículos: 160
Cx. 38 – Fascículos: 168.169.170.171.173.
Cx. 39 – Fascículos: 174.175.176.177.178.179.180
Cx. 40 – Fascículos: 181.182.183.184
Cx. 44 – Fascículos: 200.201.202.203.204.205
Cx. 45 – Fascículos: 206.207.208.209.210
Cx. 46 – Fascículos: 213
Cx. 47 – Fascículos: 216.217
Cx. 48 – Fascículos: 223.224
Cx. 50 – Fascículos: 231
Cx. 50 – Fascículos: 232.233.234.235
Cx. 51 – Fascículos: 237.238.239
630 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Cx. 52 – Fascículos: 244


Cx. 53 – Fascículos: 248.249.250
Cx. 54 – Fascículos: 254.255.256.257
Cx. 65 – Fascículos: 313.314.315.316
Cx. 67 – Fascículos: 323.324.325.326.327.328
Cx. 68 – Fascículos: 329.330.331
Cx. 71 – Fascículos: 345

1.1.2. Secretaria de Estado – Segreteria si Stato (SS)


1858, Rub. 251, fascículo único
1859, Rub. 251, fasc. 3
1860, Rub. 251, fasc. 2
1860, Rub. 251, fasc. 3
1891, Rub. 251, fasc. 2
1892, Rub. 251, fasc. 1

1.2. Negócios eclesiásticos extraordinário – Affari ecclesiastici straordinari


(AES) – Vaticano
1º. período:
Fasc. 155 Fasc. 168 Fasc. 181
Fasc. 156 Fasc. 169 Fasc. 182
Fasc. 157 Fasc. 170 Fasc. 183
Fasc. 158 Fasc. 171 Fasc. 184
Fasc. 159 Fasc. 172 Fasc. 185
Fasc. 160 Fasc. 173 Fasc. 186
Fasc. 161 Fasc. 174 Fasc. 187
Fasc. 162 Fasc. 175 Fasc. 888
Fasc. 163 Fasc. 176 Fasc. 189
Fasc. 164 Fasc. 177 Fasc. 190
Fasc. 165 Fasc. 178 Fasc. 191
Fasc. 166 Fasc. 179 Fasc. 192
Fasc. 167 Fasc. 180
2º. periodo:
Fasc. 1 Fasc. 9 Fasc. 17
Fasc. 2 Fasc. 10 Fasc. 18
Fasc. 3 Fasc. 11 Fasc. 19
Fasc. 4 Fasc. 12 Fasc. 20
Fasc. 5 Fasc. 13 Fasc. 21
Fasc. 6 Fasc. 14 Fasc. 22
Fasc. 7 Fasc. 15 Fasc. 23
Fasc. 8 Fasc. 16 Fasc. 24

1.3. Biblioteca Nacional(BN) – Rio de Janeiro

1.3.1. Fontes Parlamentares:


Anais do Parlamento Brasileiro, 1827, III-V, Tip. Hipólito José Pinto & Cia, Rio
de Janeiro 1875.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1828, I, Tip. Parlamentar, Rio de Janeiro 1876.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1835, I, da Viúva Pinto e Filho, Rio de Janeiro
1887.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1840, II, Tip. da Viúva Pinto e Filho, Rio de
Janeiro 1884.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1843, I-III, Tip. da Viúva Pinto e Filho, Rio de
Janeiro 1882.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1845, I-II, Tip. Hipólito José Pinto & Cia, Rio
de Janeiro 1881.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1846, Tip. Hipólito José Pinto & Cia, Rio de
Janeiro 1880.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1847, I-III, Tip. Hipólito José Pinto & Cia, Rio
de Janeiro 1880.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1850, I-IV, Tip. H. J. Pinto, Rio de Janeiro
1879.
Anais do Paramento Brasileiro, 1853, I-II, Tip. Parlamentar, Rio de Janeiro
1878.
Anais do Paramento Brasileiro, 1854, I-II, Tip. Hipólito José Pinto & Cia, Rio
de Janeiro 1876.
Anais do Paramento Brasileiro, 1855, I-IV, Tip. Hipólito José Pinto & Cia, Rio
de Janeiro 1875.
632 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

Anais do Parlamento Brasileiro, 1858, I-V, Tip. Imperial e Constitucional de


Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1858.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1859, I-IV, Tip. Imperial e Constitucional de
Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1859.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1860, I-III, Tip. Imperial e Constitucional de
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Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1867.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1869, II-IV, Tip. Tip. Imperial e Constitucional
de Velleneuve e Cia, Rio de Janeiro 1869.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1870, I-V, Tip. Imperial e Constitucional de
Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1870.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1873, I, Tip. Imperial e Constitucional, Rio de
Janeiro 1873.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1874, I-IV, Tip. Imperial e Constitucional de
Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1874.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1875, Sessão Extraordinária; I-V, Tip. Imperial
e Constitucional de Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1875.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1879, I-V, Tip. Imperial e Constitucional de
Villeneuve e Cia, Rio de Janeiro 1879.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1882, IV, Tip. Nacional, Rio de Janeiro 1882.
Anais do Parlamento Brasileiro, 1884, I-II, Tip. Nacional, Rio de Janeiro 1884.
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1.3.2. Manuscritos:
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Antônio Manoel de Medeiros, N. I-31, 24, 14.

1.4. Arquivo Público Mineiro (APM) – Belo Horizonte


APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17- Cx. 01
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 02
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 03
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 04
APM, Sub-série 17: Rebelião de 1842, PP 1/17 Cx. 05

1.5. Arquivo Eclesiástico da Cúria Arquidiocesana de Mariana – Mariana


Livro H-5, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Catas Altas.

1.6. Coleção das Leis, Decisões, Decretos, Cartas e Alvarás do Reino e do


Império do Brasil.
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Janeiro 1876.
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1832, parte I, Tip. Nacional, Rio de
Janeiro 1874.
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1834, parte I, Tip. Nacional, Rio de
Janeiro 1866.
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1838, I, parte I, Tip. Nacional, Rio de
Janeiro 1838.
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1838, I, parte II, Tip. Nacional, Rio de
Janeiro 1839.
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1841, IV, parte I, Tip. Nacional, Rio de
Janeiro 1842.
Coleção das Leis do Império do Brasil, 1842, V, parte II, Tip. Nacional, Rio de
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Janeiro 1847.
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Janeiro 1847.
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443-471, Louvain.
ÍNDICE DOS AUTORES CITADOS

ACCIOLY: 74, 337, 338, 339 J. C. BARATA: 273, 274, 277


AIRES: 275, 276, 277 BARBOSA: 201, 202, 244, 268, 530,
C. A. P. ALENCAR: 109, 249, 281, 560, 561
282, 291 BARROS: 247, 260, 263, 530
J. ALENCAR: 150 J. L. BARROSO: 277
C. M. ALMEIDA: 22-27, 30, 31, 44, R. M. S. BARROSO: 84
55, 58-61, 70, 74, 82, 117, 171, BASTIDE: 202, 203
173, 174, 275, 302, 306-311,
313, 353, 366, 432, 433, 508, BASTOS: 143-149, 152-157, 192-194
524, 554, 556 BEAL: 36-38, 42-47, 49, 54, 55, 57-
F. ALMEIDA: 37 60, 74, 80, 86, 92
L. ALMEIDA: 310 BELLO: 501
L. C. ALMEIDA: 123, 236 BEOZZO: 206, 207, 208
ALVARENGA: 254 BEVILÁCQUA: 310
ANDRADE: 120 BEZZERA: 210
ARARIPE: 244, 366, 436, 504 BOHMEN: 331, 333
H. B. ARAÚJO: 505 DE BONI: 320
M. M. R. ARAÚJO: 109, 122, 131, BRUNEAU: 154
132, 234, 250, 251, 256, 257, BUTIÑA: 33, 49
298, 331, 449, 450, 458
CALADO: 225
ASCENSIO: 461
CALAZANS: 170, 357, 400, 453
ATAÍDE: 13, 14
CALMON: 516
AUBERT: 197
CALÓGERAS: 530
ÁVILA: 147
CÂMARA: 250-253, 259, 260, 263-
AZEVEDO: 11-16, 62-64, 69, 91 265, 267, 268, 270-274, 278-
AZZI: 205, 206, 208, 209, 279 280, 282, 286
A. M. BARATA: 502-504
656 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

CAMARGO: 22, 23, 26-28, 32, 33, 41, 221, 235, 236, 238, 270, 281,
61, 165, 185, 186, 234-236, 320
242-246 FELICIANI: 197
CAMELLO: 215, 216, 225, 229 FERREIRA: 98-100, 102, 148, 150,
CAMÕES: 12, 13 152
CAMPOS: 302-304 FIGUEIREDO: 36-41, 47, 54
CARDOZO: 21, 34-38, 42-47, 49, 54, E. G. FONTOURA: 185, 235-243, 245-
55, 57-59, 60, 74, 80, 86, 92 247, 428
CARMELO: 185-187, 242, 269, 270, U. A. FONTOURA: 512
500 FRANÇA: 302
CARNAXIDE: 34-36, 45, 47-49, FRIEIRO: 139, 140
CARNEIRO: 76, 352 GAETA: 293-296, 299
CARRATO: 34, 35, 53, 215 GALVÃO: 141
A. CARVALHO: 142 GAMA: 51
J. M. CARVALHO: 103-113, 138-143, GRAHAM: 61
145, 147, 155, 156, 193, 194
GRÈVE: 333
CASCUDO: 314
GUERRA: 500, 510
CASTELLANI: 106, 500
HASTENTEUFEL: 131, 132, 195, 301
CASTRO: 29, 35, 38, 40, 41, 43
DENZINGER: 336
DELLA CAVA: 203, 204, 208, 264
HOORNAERT: 209
COMBLIN: 204
HUCKELMANN: 276
CORREIA: 184
ISTVÁN: 354, 386, 391,392, 448, 464,
COSTA: 320 465, 468, 470, 473
COSTA E SILVA: 220, 221, 223, 224 JANCSÓ: 139
DIAS: 66-68 JAVARI: 141
DOMINGOS: 62 JOÃO PAULO II: 268, 269
DORNAS FILHO: 71, 73, 75, 92, 93 LASAGNA: 383
DUTRA NETO: 203, 204, 206, 207, LEÃO XIII: 254, 260, 262, 263, 264,
208, 212, 213 268, 285, 290, 335, 336, 463
ECKART: 54 LEITE: 36, 37, 45, 46, 199
ELLIS JUNIOR: 46 LEMOS: 250, 251, 253-263, 268, 276,
FEIJÓ: 7, 73, 77, 78, 83-86, 88, 91, 93, 288, 500, 509
109, 11, 120, 121, 192, 200,
ÍNDICE DOS AUTORES CITADOS 657

LEVA: 293-297 MOTA: 140


A. A. LIMA: 22 NABUCO: 104, 142, 190, 191, 244,
F. C. P. LIMA: 200 269, 278, 353-356, 406, 421-
426, 434, 435, 487, 500, 524,
J. LIMA: 280 526, 528
L. G. S. LIMA: 63 NÓBREGA: 275
M. C. LIMA: 210, 302 NOGUEIRA: 111, 115, 116, 307, 312,
LOURENÇO VAZ: 22 314, 315, 319, 420, 424, 426,
427, 431, 433, 435-437, 439,
A. A. LUSTOSA: 265-269, 283, 288, 440
318, 489-492, 500, 515, 521,
526, 531 C. H. S. OLIVEIRA: 312-313
O. F. LUSTOSA: 556, 557 M. OLIVEIRA: 33
LUTTERBECK: 331-333 O. OLIVEIRA: 22-26, 83, 94-97
LYRA: 528 P. R. OLIVEIRA: 207-209
A. MACEDO COSTA: 5, 14, 167-169, R. OLIVEIRA: 267, 500
175, 176, 191, 193, 207, 248, R. P. OLIVEIRA: 214-220
250, 253, 257, 260, 262, 263,
265, 266-269, 272, 274, 277, V. M. G. DE OLIVEIRA: 5, 14, 259,
280, 282-284, 287, 288, 315, 267, 271, 279, 280, 308, 309,
316, 416, 454, 489, 490-492, 315, 316, 508, 510-520, 522,
494, 498, 500, 506, 510, 515, 523, 525-530, 532, 533, 537,
519, 520, 522, 526, 528, 532, 541, 455, 558
539, 541, 542, 546, 555, 557, OLÍVOLA: 280
560, 561, 566 PALAZZOLO: 322
F. MACEDO COSTA: 561 PARENTE: 203
MAIA: 333 PASQUIER: 225, 325-330
MARINHO: 112, 120 PASSARINHO: 306
MARTINA: 19, 20, 196, 336 PAULI: 249
MASYN: 274 N. PEREIRA: 70, 280, 314, 500, 516,
MAXWELL: 34, 35, 46, 47, 140 554
MEIRA: 11 PEREIRA DA SILVA: 142, 435
MELO: 225, 230, 231 PIMENTA: 122, 128, 158, 160-163,
MONTEIRO: 46 176, 178, 183, 184, 225-229,
231-233, 327, 509, 518
MORAES: 291-293
PIMENTEL: 199
MORAIS: 500, 529
RAJA GABAGLIA: 469, 461
658 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

REIS: 278, 280, 283, 500, 508, 510, SILVA NETO: 163, 164, 1883, 225,
513, 514, 519 229
RIBEIRO: 204, 209 SILVEIRA: 270, 275, 277, 281, 283,
RIO BRANCO: 14, 106, 142, 308, 346, 291, 451, 506
501-504, 508, 517, 524, 526, SMITH: 203
528 SOMMARIVA: 274
ROCHA: 111 A. L. SOUSA: 209, 210
RODRIGUES: 64-69, 307, 308, 310 B. F. H. SOUZA: 191, 305, 306, 313,
RUBERT: 129-132, 137, 298, 299, 314
300, 301, 332 J. A. S. SOUZA: 177, 182, 184
RUY: 140 J. E. SOUZA: 327, 328
SAINT-HILAIRE: 127, 215 J. M. SOUZA: 293-295
SALDANHA MARINHO: 106, 202, J. S. SOUZA: 302-305, 314, 553, 557
232, 311, 315, 382, 436, 437,
456, 499, 500, 501, 503, 504, O. T. SOUZA: 112, 113, 116
509, 512, 530, 544, 549 VON SRBIK: 201
SANTIROCCHI: 212 TALASSI: 31
A. A. F. DOS SANTOS: 255, 263 F. M. TAVARES: 21, 66, 134
J. A. DOS SANTOS: 64, 65, 77, 78, 82, L. H. D. TAVARES: 139
83, 86-91
TOLLENARE: 129
L. A. DOS SANTOS: 203, 231, 247,
248, 250-253, 255, 264, 397, TORRES: 142, 153, 309
454, 559 J. S. TRINDADE: 5, 197, 213-220,
L. J. SANTOS: 140 226, 248

SÁ VIANA: 306, 307 R. O. TRINDADE: 12, 122, 214-220,


226-231, 233, 284-286, 326-
SCAMPINI: 401 328, 330
SCHATZ: 19, 20, 297, 335-337 V. URUGUAI: 116, 172, 177, 182,
SCHWARCZ: 113, 114 184, 353, 469
SEIXAS: 5, 84, 86, 113, 121, 122, 132, VALADARES: 34, 35, 52, 53, 55-57,
198, 220-224, 257, 265, 281, 63
293, 299, 428, 449, 465 A. F. VIANA: 312, 315, 316, 359, 366,
D. L. SILVA: 63 372, 379, 526
J. S. DA SILVA: 50, 51 L. VIANA FILHO: 202
M. C. SILVA: 287-290, 419 VIDE: 95, 200, 402, 403
D. G. VIEIRA: 19, 20, 85, 195, 197- VINHOSA: 268
199, 217, 302, 500 WALSH: 62-63
D. R. VIEIRA: 81, 92, 94, 176, 185, WERNET:16-18, 20-22, 120-124, 144,
186, 189, 191, 200, 202, 212, 145, 147, 171, 173, 185, 210,
239, 244, 247, 260, 265, 266, 234-236, 240, 241, 241-247
275-277, 422, 325, 333, 357,
359, 361, 383, 459, 460, 463, WILLEKE: 214, 215, 216, 219
484, 518, 556, 557 WITTE: 25
VILLAÇA: 280, 500
ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO 5

CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS 11

1.1 1 – As ordens militares e o padroado 22


1.1 – A Ordem de Cristo e a consolidação do padroado 24
2 – O regalismo português 28
2.1 – A política regalista do Marquês de Pombal 33
2.1.1 – Os jesuítas e o anti-jesuitismo 43
2.1.2 – A reforma pombalina da Universidade de Coimbra 52
3 – O regalismo no Brasil independente e seus desdobramentos 62
3.1 – O governo de D. Pedro I e a primeira Constituição do Brasil 64
3.1.1 – As bases jurídicas do padroado imperial 65
3.2 – A Bula Praeclara Portugalliae 72
3.3 – O período regencial 76
3.3.1 – O Código Criminal e do Processo, o Ato Adicional e outras
inovações jurídicas em prol do regalismo. 78
3.3.2 – A Igreja ao tempo da Regência 81
3.3.3 – A questão da diocese vacante do Rio de Janeiro 91
4 – A manutenção do clero e a problemática dos dízimos 94
5 – O envolvimento do clero e das paróquias no processo eleitoral 98

CAPÍTULO II - O GOVERNO IMPERIAL, A HIERARQUIA ECLESIÁSTICA E A


103
ASCENSÃO DO ULTRAMONTANISMO.

1 – O Contexto político-social em que se afirmou o ultramontanismo no


Brasil. 106
1.1 – Novo Imperador e velha política: D. Pedro II 111
1.1.1. – Uma evidência da continuidade regalista: a secularização
das Ordens Militares. 116
1.2 – Os sacerdotes revolucionários e os novos bispos ultramontanos 120
662 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

1.2.1 – Em foco: o envolvimento do clero mineiro em ambos os


lados da revolução de 1842 124
1.3 – A guerra dos Farrapos e a ereção de um bispado no Rio Grande do
Sul 129
2 – O clero no cenário político nacional 138
2.1 – Os partidos políticos ao tempo do Segundo Império 140
2.2 – A presença de clérigos na Câmara dos Deputados 143
2.2.1 – As medidas governamentais e diocesanas para inibir a
atuação político-partidária dos sacerdotes 147
2.2.2 – O direito de elegibilidade do clero 153
2.2.3 – A nova postura dos bispos em relação à participação político-
partidária do clero. 158
3 – A ingerência governativa na administração da Igreja e as reações dos
prelados: as bases de um conflito. 170
3.1 – O caso Roussin 176
3.2 – O bispo de São Paulo e o decreto Ex informata conscientia 184
4 – A progressiva restrição orçamentária a Igreja no Segundo Império 191

CAPÍTULO III – A ATUAÇÃO DOS ULTRAMONTANOS NO SEGUNDO IMPÉRIO 195


1 – Reforma Católica ou «romanização»? 199
2 – Os pioneiros do ultramontanismo no episcopado brasileiro 213
3 – Os bispos responsáveis pela afirmação do ultramotanismo no Segundo
Império 224
3.1 – D. Antônio Ferreira Viçoso (1787-1875) 225
3.2 – D. Antônio Joaquim de Mello (1791-1861) 234
4 – Os «herdeiros» da Escolas Mineira e Paulista 247
4.1 – A «escola mineira» 248
4.2 – A «escola paulista» 259
5 – D. Macedo Costa (1839-1891): um prelado de destaque 265
6 – Outros bispos ultramontanos 269
6.1 – Diocese do Maranhão 270
6.2 – Diocese de Pernambuco 271
6.3 – Diocese da Bahia 281
6.4 – Diocese de Mariana 284
6.5 – Diocese de Goiás 286
6.6 – Diocese de Cuiabá 291
6.7 – Diocese de São Paulo 293
ÍNDICE GERAL 663

6.8 – Diocese do Rio Grande do Sul 297


7 – Os ultramontanos nas ciências 302
8 – Os ultramontanos seculares na política, no jornalismo e nos cursos
superiores 312
9 – O papel dos regulares em favor do ultramontanismo 319
9.1 – Capuchinhos, a exceção que confirma a regra 320
9.2 – Lazaristas, uma escola ultramontana 325
9.3 – A Companhia de Jesus: a sua fama a precede 331

CAPÍTULO IV - AS RELAÇÕES ENTRE A SANTA SÉ E O GOVERNO DO SEGUNDO


335
IMPÉRIO

1 – A ação dos representantes pontifícios no Brasil 337


1.1 – As instruções aos Internúncios 343
1.2 – As tensões entre os representantes pontifícios e o sistema político
vigente no Brasil 345
1.2.1 – A descoberta da rejeição da Bula Praeclara Portugalliae e a
estratégia adotada pelos representantes pontifícios em relação às
nomeações imperiais. 348
1.2.2 – A controvérsia do cerceamento dos regulares. 351
1.2.3 – A definitiva configuração das dioceses durante o Segundo 386
Império
2 – O matrimônio: uma questão de Estado. 400
2.1 – O Breve dos 25 anos 403
2.2 – As tentativas de instituição do casamento civil. 419
3 – As medidas adotadas pela Santa Sé para viabilizar a reforma do Clero. 441
3.1 – O projeto de reunir os bispos brasileiros em conferência. 442
3.2 – A influência do Seminário Pio latino-americano 459

CAPÍTULO V - O DISTANCIAMENTO ENTRE A IGREJA E O IMPÉRIO 463

1 – Definição de posições: O fracasso das negociações em vista de uma


concordata 464
2 – A evolução conflitual: da divergência de postura à querela aberta 484
2.1 – As tentativas do Governo de interferir nos Seminários e a reação do
episcopado e da Santa Sé. 484
2.2 – A grande ruptura 499
2.2.1 – A maçonaria no Brasil 501
2.2.2 – As condenações da Igreja à maçonaria 504
2.2.3 – A Questão Religiosa 507
664 O ULTRAMONTANISMO NO BRASIL E O REGALISMO DO 2° IMPÉRIO

2.3 – Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras: a difícil implementação


da reforma anti-maçônica 531
3 – O advento da República laica: a separação entre Igreja e Estado 553
CONCLUSÃO 563
APÊNDICES 567
SIGLAS E ABREVIATURAS 627
FONTES 629
BIBLIOGRAFIA 643
ÍNDICE DOS AUTORES CITADOS 655

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