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2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” I

“IV ENCONTROS INTERNACIONAIS DE ARTE 1977-2002”

25 anos depois dos IV Encontros Internacionais de Arte


Há 25 anos, escrevia-se Caldas da Rainha” anunci- ve dança, performances, in- pois logo na primeira inter- dores aos agentes da auto- ções, Debates e Interven-
na primeira página da Ga- ava a comunicação social tervenções em espaços pú- venção do colectivo de ar- ridade que diziam estar a ções no Espaço Urbano.
zeta das Caldas - edição de local e nacional (incluindo blicos num sem fim de apre- tistas portugueses Puzzle - cumprir ordens dos seus su- Mas para estes quartos en-
3 de Agosto de 1977 - que a RTP, só que sem directos sentações. do qual faziam parte, entre periores”. Mais tarde o Co- contros estavam previstas
“…a fisionomia dos verene- que não existiam na época “Torna-se difícil descrever outros, a pintora Graça Mo- missário da PSP deslocou- intervenções (performan-
antes caldenses se alterou para estas coisas) sobre este tudo o que assistimos duran- rais – teve uma reacção por- se ao Parque para pedir des- ces) em espaços delimita-
com a chegada maciça de evento, percursor de muitas te a tarde apenas recomen- que “inesperadamente es- culpa pelo acontecido “que dos e espectáculos varia-
mais de uma centena de ar- iniciativas que decorrem damos aos leitores que tes artistas iniciaram um ri- não passou dum momento dos desde ballet teatro, mú-
tistas portugueses e hoje por todo o país. apareçam e participem, Não tual no parque que mobili- divertido e que viria a ser ob- sica experimental, palhaços
estrangeiros…portadores Nestes encontros partici- se admirem do choque que zou a atenção dos passan- jecto da história do dia”. e fantoches “numa abertura
de hábitos excêntricos, tal- param vários artistas nacio- poderão sofrer ao assistirem tes”. Alguns mais incomoda- Quando, na conferência pluridisciplinar que nos pa-
vez chocando um pouco o nais e estrangeiros que já a certas intervenções”, afir- dos ao se depararem com da apresentação do evento, rece essencial”. É neste su-
“modus vivendi” da popula- tinha ou tiveram mais tarde mava-se na Gazeta das Cal- algumas personagens, tra- um participante questionou plemento que vários artistas
ção da região…”. reconhecido prestígio entre das. jando exoticamente com Egídio Álvaro, sobre quais os nacionais e estrangeiros ex-
Decorria o ano de 1977, eles, além dos nacionais Na- Estas apresentações de- máscara, alertaram os guar- critérios de selecção dos ar- põem as suas ideias sobre
Caldas preparava-se para dir Afonso, Artur Bual, Albu- corriam em vários espaços das do parque, que tenta- tistas que participam nos as obras e performances
comemorar os sues 50 anos querque Mendes, Clara Me- como no parque, na mata, ram providenciar para que Encontros, tendo o organi- que iriam realizar durante
de cidade, a Câmara tinha néres ou Graça Morais, os nas praças da Fruta e do Pei- a polícia viesse investigar o zador respondido que, em esta estadia caldense.
o seu primeiro município re- relação aos estrangeiros,
sultante de eleições demo- que eram sobretudo france- PROPOSTAS ARROJA-
cráticas há sete meses, e, ses, “foram convidados os DAS POR TODA A
desde o dia 1 de Agosto que mais significativos de cor- CIDADE
a centena de artistas – naci- rentes modernas que ao
onais e estrangeiros -, mui- aceitarem participar sujei- Pelas Caldas foram apre-
tos dos quais, hoje, interna- tam-se às condições dos sentadas as mais arrojadas
cionalmente conhecidos, demais participantes sem apresentações, por exemplo,
aqui se reuniram, para a re- lhes ser dado destaque em o grupo que integrava auto-
alização dos IV Encontros relação aos demais”. Sobre res como Serge III Olden-
Internacionais de Arte, que a participação de artistas bourg e Robert Filliou - dois
se prolongaram até ao dia portugueses explicou ainda artistas que acançaram fama
12 de Agosto. que há convites especiais mundial, segundo Jaime Isi-
“Foi um dos maiores para artistas com obras es- doro - Fernando de Filippe,
festivais de arte no perío- colhidas para exposições te- Giner e Nicole Gravier parti-
do pós-25 de Abril e que fi- máticas. ciparam na exposição Objec-
cou na memória de todos”todos”, to/Subversão. Para o escul-
diz-nos hoje o pintor Jaime UM SUPLEMENTO tor Tobas era importante fa-
Isidoro, um dos organizado- DEDICADO AO EVENTO zer uma escultura para dei-
res deste evento que, em xar nas Caldas “num sinal/
parceria com Egídio Álvaro, Numa altura em que este homenagem à coragem que
já tinham realizado as ante- jornal se debatia com pro- um país pobre que faz o tra-
riores edições em Valadares, blemas de falta de papel e balho que os países mais ri-
Viana do Castelo e Póvoa que as tecnologias ainda cos não fazem. Deixar assim
Um enorme dragão, na ilha do parque, construído pelo casal suíço Alain Peclard e em Portugal o traço da nossa
do Varzim. Sarah Wiane e que foi decorado pelas crianças não permitiam revelações
Algumas das manifesta- de fotografias instantâneas passagem e do nosso diálo-
ções, mais de vanguarda, ou mesmo a publicação de go com as populações”.
chocaram a população local muitas imagens - tinham Participou ainda um co-
e como, todos os que assis- que ser enviadas para Lis- lectivo “Enfermement/Rup-
tiram ou participaram teste- boa para passarem a zinco- ture”, - constituído por Fran-
munharam dizem que, se ogravura -, surge na edição çoise Janicot, Claudette
fosse hoje, “nada disto tinha de 29 de Julho de 1977 um Brun, Isabelle Le Vigan, Fran-
acontecido
acontecido”, mas apenas suplemento de arte, inteira- çoise Eliet, Lea Lublin, Ta-
três anos depois da Revou- mente dedicado aos IV En- nia Mouraud, Greta Grywa-
ção dos Cravos, havia ain- contros e que foi elaborado cz, Monique Frydman, Elisa
da muitos preconceitos a por Egídio Álvaro, que agra- Tan e Colette Deblé - forma-
derrubar e a população não decia à Gazeta a possibili- do em 1976 e que organi-
entendia, de facto, algumas dade de “apresentar à po- zava regularmente encon-
das intervenções. pulação caldense um pano- tros de mulheres artistas e
E se algumas pessoas de- rama daquilo que durante teorizadoras que se interro-
liravam e perguntavam en- doze dias vai acontecer das gam sobre as práticas sim-
tre si “onde vai decorrer a propostas nacionais e inter- bólicas das mulheres. Ti-
próxima?” - outros, chocados nacionais que modificarão nham como objectivo dar a
e perturbados, chamavam radicalmente o panorama conhecer e difundir o traba-
“malucos” aos artistas e dizi- artístico português”. lho feminino e discutir as
am-lhes “vão trabalhar” entre Pretendia-se desta forma grandes propostas avança-
outros mimos mais sérios que criar um espaço de liberda- das pelas mulheres no mo-
acabaram por culminar em ac- de, de confronto, de criação, vimento de libertação.
tos de violência e com a ne- de diálogo e de acção. O ob- Uma outra exposição inti-
cessária intervenção policial A população participando nos Encontros jectivo destes Encontros era tulada “Panorama do Rea-
para proteger diversos auto- “através de uma abertura to- lismo Europeu” reuniu artis-
res. artistas estrangeiros como xe, no Museu Malhoa, na que se passava. Apesar das tal sobre a cidade da análi- tas como Teresa Gancedo,
E se algumas das perfor- Serge III Oldenbourg, Orlan Casa da Cultura, nas insta- explicações dos organizado- se do fenómeno artístico con- Joan Rabascall, Sarah Wi-
mances eram mais ousadas, e Robert Filliou. lações do Banco Português res do evento, as pessoas temporâneo - dar a Portugal ame, Natividade Correa e
com artistas nus fazendo per- do Atlântico ou na Foz do assustaram-se e chamaram uma estrutura artística de João Dixo ou ainda, uma
formances em locais públicos, A CIDADE COMO Arelho. Os programas de in- a polícia - dois agentes à grandeza europeia que nos outra, que reuniu apenas tra-
muitos outros produziram in- PRINCIPAL ESPAÇO DE tervenção eram afixados di- paisana “dirigem-se ao par- permita ultrapassa os velhos balhos de artistas portugue-
teressantes obras como foi o INTERVENÇÃO ariamente no parque, junto que na tentativa de deter os esquemas colonizantes, os ses. Intitulada “Vanguardas/
caso da escultora Clara Me- ao museu e na praça, junto insólitos visitantes”. complexos de inferioridade Alternativas2” da qual fize-
néres que queira fazer na an- Os artistas nacionais e es- ao turismo. Junto ao café Gazeta das Caldas des- e o isolamento aberrante ram parte dois pintores e
tiga Praça do Peixe um mo- trangeiros realizaram as Zaira encontrava-se um creve o acontecido como que caracterizam ainda vas- dois escultores: Clara Mené-
numento alusivo ao 16 de mais diversas intervenções, centro de informação per- uma cena rodeada dum cer- tos sectores da nossa arte e res, Sérgio Pombo, Egídio
Março e que, no último dia do mas também um debate de manente. to humorismo “o que viria a da nossa cultura”. Álvaro e Fátima Vaz.
evento, foi literalmente destru- apresentação dos próprios Mas o conselho da Gaze- terminar em bem, como Tal como nas suas anteri-
ído por populares à picareta. encontros com a projecção ta das Caldas , para que as mandam as regras destas ores edições, estes encon- Natacha Narciso
“Terminaram mal os IV En- de slides e de um filme 8mm pessoas não se chocassem, tros dedicavam-se principal- nnarciso@gazetacaldas.com
coisas, após um esclareci-
contros Internacionais das sobre a edição anterior. Hou- não surtiu o devido efeito, mento feito pelos organiza- mente a três áreas: Exposi-
II Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” 2 de Agosto 2002

Memórias de uns encontros transformados em desencontros


Em 20 de Julho de 1977 a titulava na sua primeira página Egídio Álvaro contava com a colaboração de outro pintor e E continuava o articulista: “Se a pretensão destes “artistas”
“Caldas da Rainha e Kassel (Alemanha Federal) capitais da galerista portuense, Jaime Isidoro (proprietário da Galeria Al- era “provocar” a população, podem gabar-se de o ter conse-
Arte Contemporânea durante o mês de Agosto). varez no Porto) e como apoios muito variados como da então guido: cenas como a “venda simbólica do corpo” ou a passe-
O espanto que deve ter invadido os leitores do nosso jor- Secretaria de Estado da Cultura, Direcção Geral de Turismo, ar nua na Praça foram claramente “recusadas” – e resta per-
nal veio a confirmar-se, algumas semanas depois, quando da Fundação Calouste Gulbenkian, do Grupo Puzzle, etc.. guntar qual o sentido artístico de tais comportamentos.”
se iniciaram verdadeiramente os chamados IV Encontros Podia ler-se ainda sobre os desacatos numa interpretação
Internacionais da Contemporânea, integrados nas festivida- NOMES CREDENCIADOS muito própria da época: “Mas a natural reacção a estas “anor-
des do 50º aniversário da elevação a cidade, que trouxeram malidades artísticas” permitiu desmandos de cariz nitidamen-
até nós - pouco mais de três anos após a queda da ditadura Entre os presentes em 1977 vemos nomes hoje bastante te político e reaccionário, como a destruição de um monu-
-, mais de uma centena de artistas, jornalistas e críticos de credenciados ao nível da cultura portuguesa e internacional, mento comemorativo do 16 de Março “construído por profes-
arte de vários países, usando os espaços públicos para apre- como Jaime Silva, Graça Morais, Artur Bual, Albuquerque sores da Escola de Belas-Artes e oferecido à Cidade como
sentarem as últimas novidades mundiais da expressão artís- Mendes, Natividade Correa, Manoel Barbosa, Nadir Afonso, recordação daquilo que é considerado como o primeiro pas-
tica. Alvess, Marília Torres, Sérgio Pombo, João Dixo, Da Rocha, e so do 25 de Abril. Tal destruição não pode confundir-se com a
O principal responsável pelos Encontros, Egídio Álvaro, os estrangeiros Fernando de Fillipo (actualmente director da natural recusa da população às propostas pseudo-culturais
artista e crítico de arte, residia em Paris onde possuía uma Accademia di Belle Arti di Brera), Michel Hallet, Serge Olden- de uns tantos “vanguardistas”: a destruição da estátua evo-
galeria de arte e tinha passado pelas Caldas 17 anos antes, bourg (Serge III), Robert Filliou, Giner, Orlan, Nicole Gravier, cativa da marcha (frustrada) do RI5 sobre Lisboa é uma clara
onde havia prestado o seu serviço militar e colaborado com Tobas, Sara Wiame, Teresa Gancedo, Joan Rabascall, Jean- manifestação fascista levada a cabo por pequenos grupos
o CCC (Conjunto Cénico Caldense), incentivando na altura Michèle Lopez, Pierre Nogues, Gérad Tiné. (Se o leitor quiser de arruaceiros.”
a criação dum cine-clube. verificar o que estamos a dizer poderá fazer uma pesquisa
Gazeta das Caldas associou-se de imediato à organiza- na Internet). ONDE ESTÁ O MUSEU DE ARTE MODERNA NAS
ção, que era da responsabilidade do município, então presi- Estiveram ainda Françoise Janicot, Claudette Brun, Isabe- CALDAS?
dido por José Luís Lalanda Ribeiro, tendo publicado um su- lle Le Vigan, Colette Deblé, Françoise Eliet, Monique Fryd-
plemento especial da autoria do próprio Egídio Álvaro, que man, Michèle Herry, (autoras do texto colectivo feminista En- O então e actual director escrevia em contrapartida um
não viria a ter continuidade pela falta de papel de jornal fermement/Rupture ” publicado em 1977 na revista l´Humidité) texto noutro sentido, intitulado “A Arte Sintoma?” (que volta-
existente na época. que foram as responsáveis por uma performance com “um mos a publicar nesta edição) e que começava pela seguinte
banho de chocolate seguido de pintura em papel de cenário” afirmação: “Controverso, violentamente contestado, religio-
ESPAÇO DE LIBERDADE, DE CONFRONTO, DE que causou sensação entre os que assistiram e pôs a correr samente seguido, mesmo pelos seus mais violentos oposito-
CRIAÇÃO, DE DIÁLOGO E DE ACÇÃO imensos boatos na cidade. res, são os Quartos Encontros Internacionais de Arte, o quo-
No Museu Malhoa fez-se também uma retrospectiva e pres- tidiano das Caldas (foram-no desde o início do mês até…) o
Nesse Suplemento dizia-se logo na primeira página que tou-se homenagem aos primeiros modernistas portugueses, “leit-motiv” de todas as conversas do povo desta região, que
os Encontros “agradecem vivamente à Gazeta das Caldas como Amadeo Sousa-Cardoso, Eduardo Viana, Almada Ne- um tanto inesperadamente tem assistido (participado?) às
todo o apoio que lhes tem sido, bem assim como a simpatia greiros e Santa Rita, os contrapontos na pintura da época intervenções mais incompreensíveis (?) e tão distantes da
extrema com que abriram as suas colunas a alguns suple- aos literatos como Fernando Pessoa e Maria Sá-Carneiro. sua vivência pacata.”
mentos graças aos quais podemos apresentar à população Acrescentava tentando interpretar: “Pedra no charco, tem-
caldense um panorama daquilo que durante doze dias vai CIDADE COSMOPOLITA TRANSFORMADA EM pestade depois de tantos anos de acalmia, estes Encontros
acontecer, das propostas artísticas nacionais e internacio- CONSERVADORA têm sido importantes até por não deixarem ninguém indife-
nais que modificarão radicalmente o panorama artístico na- rente. Perante cada obra, cada intervenção, cada espectácu-
cional”. Durante os Encontros actuaram grupos de música experi- lo, ninguém fica indiferente, todos tomas posição.”
Depois caracterizavam-se os Encontros como “espaço de mental (Operação Ceros), aconteceram espectáculos de bal- Depois de analisar muitos dos acontecimentos, acabava
liberdade, espaço de confronto, de criação, de diálogo e de let moderno (da Companhia de Michel Hallet) e de teatro (Os por referir uma das conquistas que havia sido prometida na

“As Crianças e os Outros” pelo casal britânico Miller e Cameron

acção”, numa tentativa de estabelecer uma “abertura total Hipopótamos, a Comuna e o grupo de Fantoches de Ferreira época, e que infelizmente se veio a perder a seguir por incú-
sobre a cidade, da análise do fenómeno artístico contempo- do Zêzere), decorreram debates sobre a arte (alguns dos ria, vergonha, medo, ignorância (?), não sabemos.
râneo, da análise da trama cultural ligada às nossas vivênci- temas foram “O Ensino da Arte”, “A produção artística femini- Durante os Encontros havia sido anunciada a oferta à Ci-
as da equacionarão da problemática actual e do quotidiano, na” e “A Arte para quê, para quem?”), registos artísticos nas dade de uma obra por cada artista participante para formar,
da activação das potencialidades criadoras da colectividade areias da Foz do Arelho, “venda de beijos” nas salas do Mu- em colaboração com o Museu de José Malhoa, o primeiro
e do confronto permanente de experiências e de práticas”, seu, intervenções em que participaram anónimos vendedo- Museu de Arte Moderna em Portugal, que seria o Museu
dizia enfim o organizador “dar a Portugal uma estrutura artís- res da praça da fruta ou do peixe, manifestações de eco-arte daqueles Encontros e “um espaço vivo de arte moderna no
tica de grandeza europeia que nos permita ultrapassar os na mata, tudo para quebrar a pacatez duma cidade que fora nosso país”.
velhos esquemas colonizastes, os complexos de inferiorida- cosmopolita nos anos 40 e que se havia acomodado aos Várias obras oferecidas permaneceram ainda na nossa
de e o isolamento aberrante que caracterizam ainda vastos hábitos da cultura dominante, apesar de experiências inova- cidade durante algum tempo, tendo posteriormente, perante
sectores da nossa arte e da nossa cultura”. doras no campo do teatro e cinema. o desinteresse local, sido levadas não sabemos bem para
Mas, afinal, apesar destes objectivos demasiado avança- O auge da controvérsia ocorreu no último dia dos Encon- onde. Hoje, se se tivessem mantido na nossa cidade esse
dos ou “revolucionários” em termos artísticos para a época tros quando um grupo de artista se preparava para fazer uma espólio, seriam um repositório de valor incalculável, com obras
(apesar de julgarmos que algumas das manifestações artís- homenagem ao 16 de Março com uma intervenção num em- de artistas hoje de nomeada internacional e mundial.
ticas realizadas naquela época provavelmente hoje levanta- pedrado da Praça do Peixe, o que suscitou uma reacção de Para realizarmos esta evocação e foi difícil encontrar nas
riam nas Caldas idênticas reacções), alguns sectores da po- populares que destruíram o trabalho realizado e quase pro- Caldas alguma informação sobre os Encontros, com excep-
pulação vieram a rebelar-se contra aquela comunidade ar- vocaram algumas cenas de pancadaria. ção do nosso jornal, que guarda boa parte da memória deste
tística contemporânea, bem como contra a autarquia que havia Nas próprias colunas do nosso jornal se pode analisar a acontecimento.
organizado e patrocinado a mesma, tendo sido produzidos controvérsia, mesmo entre o corpo redactorial, com colabo- Relembramos hoje este acontecimento, quando passam
uma infinidade de comunicados e de declarações de princí- radores a escreverem em sentidos contrários. Mas as princi- precisamente 25 anos da ocorrência dos IV Encontros Inter-
pio. pais polémicas passaram-se entre os partidos locais. nacionais de Arte Contemporânea, tendo a noção perfeita do
Como muitos dos nosso leitores se recordarão, as princi- Terminou mal
Um dos colaboradores escrevia com o título “Terminou que deu origem à controvérsia e à reacção (compreensível)
pais intervenções artísticas estavam centradas no Museu de o IV Encontro Internacional de Arte Contemporânea
Contemporânea” que da população, mas também da perda que houve pela falta de
José Malhoa, na Casa da Cultura e no Parque, mas, em “o balanço [do Encontro] parece ser um pouco negativo: en- visão daqueles que deviam estar mais despertos para a opor-
função da maior ousadia dos artistas, as mesmas estendiam- tre os presente (convidados? Pagos?) e ao lado de homens tunidade que foi criada e não concretizada. Não da repetição
se a toda a cidade, qualquer que fosse a hora do dia e as e grupos com mensagens e técnicas artísticas de valor, surgi- dos V Encontros nas Caldas o que era impossível, mas para
condições de preparação do espaço ou o tipo de assistência. ram vários adeptos da “contracultura”, cujo comportamento a manutenção na nossa cidade do espólio que, visto um
Estes Encontros vieram na sequência de três anteriores, provocatório nada teve de artístico e provocou vivas reac- quarto de século depois, poderia servir como uma atracção
realizados no norte do país nos verões posteriores a 1974, ções de alguns sectores da população (de Caldas e de ou- importante para uma cidade que hoje se quer afirmar no
mas que haviam reunido um número inferior de intervenien- tras terras, segundo as versões dos jornais e da TV), reacção campo do ensino e da formação artística e cultural.
tes, e que, por isso, tinham atraído menos a atenção, até essa que se traduziu em lamentáveis cenas de violência e
porque não haviam sido tão ousados. vandalismo, particularmente notadas no dia 12.” J.L.A.S./Agosto 2002
2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” III

“CALDAS ERA A CAPITAL “O PRIMEIRO GRANDE FESTIVAL “SÃO ARTISTAS E NÃO FAZEM
CULTURAL DO DISTRITO NA DE ARTE DO PÓS 25 DE ABRIL” MAL A NINGUÉM”
ÉPOCA”
das fossem, mais tarde, ce- Apesar da controvérsia,
didas para um futuro Museu houve muitos outros tipos
de Arte Moderna, mas como de intervenção que não ge-
“nunca houve hipótese de raram qualquer tipo de re-
construir esse museu, es- acção negativa, o que leva
sas peças nunca vieram. António Vieira a concluir
Creio que o pintor Jaime Isi- que “a mim não me per-
doro ficou como depositário turbou nada, eu até gostei
do que aqui se produziu
produziu”. pois eram coisas diferen-
Recebeu de facto informa- tes do que estava habitu-
ções de que a população ado”
ado”.
das Caldas não reagiu bem
a algumas das intervenções
Lalanda Ribeiro era o pre- – “uma senhora que se
sidente da Câmara em 1977, despiu e que se atirou ao António Vieira, vendedor
eleito sete meses antes, e lago ou intervenções de na Praça desde 1972, recor-
recorda que, nesse ano, se poesia em papel higiénico, da-se das várias realizações
comemoravam os 50 anos incomodaram as pessoas
pessoas”. que fizeram parte dos IV En-
de elevação das Caldas a ci- Jaime Isidoro e Egídio Alvaro também numa
Lalanda Ribeiro lembra contros Internacionais de
intervenção
dade. Assim, a edilidade, uma exposição de objectos Arte, nas Caldas da Rainha.
entre as várias formas de co- fálicos que foram colocados Lembra-se das performan-
memoração, decidiu aceitar Para o pintor Jaime Isi- “onde as pessoas nos cer- ces que tiveram lugar nas Pra-
junto a obras do Museu Ma-
a proposta do pintor do Por- doro, a decisão de reali- caram e nos chamavam ças da Fruta e do Peixe e Para Jaime Neto, comer-
lhoa e que foram mandadas
to, Jaime Isidoro que, em zar a quarta edição dos malfeitores…tivémos que “também houve vários ciante de uma loja da Pra-
retirar pelo director de então,
parceira com Egídio Álvaro, Encontros nas Caldas, sair ela janela”
janela”. eventos no Museu Malhoa
Malhoa”. ça da Fruta, os IV Encontros
Saavedra Machado. “NessaNessa
a organização da 4ª edição deveu-se ao facto de não R ecorda o organizador Recorda que marcaram de Arte também não passa-
inauguração eu ainda cá
dos Encontros Internacio- só contarem com o apoio do evento que lembra que presença muitos artistas es- ram despercebidos. Recor-
estava e lembro-me que fi-
nais de Arte.. da autarquia como o tam- além das mais variadas in- trangeiros e “havia pessoas da este comerciante nos
cámos ambos de sorriso
“Ficámos muito entusias- bém por ser uma locali- tervenções, contou com pa- que diziam que eles eram seus 77 anos que os artis-
amarelo e pensámos: Isto
mados com o projecto” e re- dade “com grandes tra- lestras no Museu de José malucos e que andavam tas se reuniam na Praça da
vai suscitar reacções…”
reacções…”.
corda que, já na altura, segun- d i ç õ e s a r t í s t i c a s ””. Malhoa que foram “mui- para aí a fazer coisas par- Fruta, local onde chegaram
O então edil ainda recor-
do palavras de Jaime Isidoro, Conta que nesta edi- to activas e frequenta- vas
vas”. a fazer pinturas e “eram de
da que naquela altura, “as
“que muitos dos que iriam ção participaram 50 ar- das
das”. Aliás, neste espa- Mas na sua opinião, várias partes do mundo
mundo”. In-
Caldas era considerada a
participar seriam grandes tistas nacionais e 50 es- ço museológico, um dos “eles até fizeram coisas in- clusivamente chegou a con-
capital da cultura do distri-
artistas no futuro, facto que trangeiros e, na sua opi- autores franceses, inspi- teressantes, houve um versou com alguns, em espe-
to de Leiria” tal como afir-
se veio a confirmar”
confirmar”. nião, tratou-se de facto rado no “Fado”, levou grupo que pintou os pai- cial, com franceses já que
mou, no dia 26 de Agosto,
Houve inicialmente al- do “primeiro festival de para junto da tela do pin- néis que até eram muito aprendeu a dominar a língua
na cerimónia solene das co-
guns problemas logísticos arte do pós-25 de Abril tor naturalista, dois gui- bonitos
bonitos”. Soube que na al- gaulesa na Escola Comerci-
memorações de elevação a
“que foram logo resolvi- que ficará na memória tarristas e um fadista, tura houve problemas, por al.
cidade, o Governador Civil
dos” e, entretanto o edil de de todos
todos”. como se, de repente, a exemplo, na Praça do Pei- “As pessoas, ao princí-
de então, Rocha e Silva.
então, partiu para gozar o Explicando o intuito tela desse lugar a perso- xe, mas nesse dia não as- pio, não aceitaram bem,
“Também julgo que hou-
seu período de férias. “E dos Encontros de nagens de carne e osso. sistiu às intervenções. Lem- pois era algo desconheci-
ve alguma provocação nas
qual não foi o meu espanto Arte, o pintor explicou Vinte e cinco anos bra-se como se fosse hoje do”
do”. Mas com o decorrer da
manifestações, mas não
quando, de férias nos Aço- que “pretendíamos passados sobre o even- que a sua esposa não con- iniciativa “eu acho que já
num sentido negativo. Pen-
res, li no semanário Expres- de facto colocar a to, Jaime Isidoro comen- cordava com nada do que os aceitavam
aceitavam”. Além do
so que, se fosse hoje, com
so, que os Encontros nas arte na rua e dialogar ta que se fosse hoje “já se passava e ele dizia-lhe Parque recorda que assis-
certeza que já não choca-
Caldas tinham terminado sobre ela com o nada aconteceria, pois “não vês que são artistas, tiu a algumas intervenções
va as pessoas”
pessoas”. A cargo da
bruscamente com inter- povo”. Segundo este este tipo de interven- não fazem mal a nin- decorridas também na Pra-
autarquia ficou todo o apoio
venções de violência por artista havia uma in- ções são mais do que guém”
guém”. ça do Peixe, “onde ainda
logístico, o alojamento e a
parte da população
população”. tenção de esclareci- normal”
normal”. O pintor relem- Mas muita gente não estava o Pinheiro Chagas
Chagas”.
alimentação dos artistas.
A seu ver, os Encontros mento e não declara- brou a importância artís- aceitou nada bem e “só os Possuidor de um grande
Segundo Lalanda Ribeiro, e
acabaram “de forma ingló- damente de provocar tica de muitos dos auto- mandava ir trabalhar
trabalhar”. Na entusiasmo pela vida, do
apesar dos distúrbios causa-
ria
ria” e ainda lamenta os fac- as pessoas. res que participaram en- opinião de António Vieira, pouco que ainda recorda
dos pela população, os IV
tos pois “poderia ter sido Afirma, no entanto, que tre nacionais e estran- apesar de algumas mani- deste evento decorrido há
Encontros foram “percurso-
uma boa altura para as Cal- a arte “provoca sempre, geiros. Serge III Olden- festações mais arrojadas, 25 anos, “lembro-me de ter
res de eventos que hoje se
das ficar com um patrimó- desde o início dos tem- bourg e Robert Filliou não os vi ofender ninguém
“não gostado de algumas pintu-
realizam
realizam”. O ex-autarca dis-
nio artístico importante”
importante”. pos”. Relembra, hoje, foram dois artistas es- e se fosse hoje, já não ras que eles fizeram no
se ainda que não se recorda
Lalanda Ribeiro explicou com humor, que foram trangeiros que, segundo acontecia nada, mas na Museu de José Malhoa
Malhoa”.
do aproveitamento político
ainda que havia um acordo “corridos” até de um jan- Jaime Isidoro “alcança- altura, ainda havia muita
que o evento suscitou, a pos-
para que as peças produzi- tar que fizeram no Parque, ram fama mundial
mundial”. gente ligada ao antigo
antigo”.
teriori, nos vários partidos.

ASSALTANTES OU ELEMENT
ASSALT OS DE UM GRUPO
ELEMENTOS
CIRCENSE?
Para Jaime Silva, um dos Acha ainda que a popu- ser assaltantes
assaltantes”. Atribui de
participantes nos Encon- lação teve uma importante facto estas reacções à de-
tros, que fazia parte do Gru- participação, quer fosse ne- sinformação das pessoas
po Puzzle, os IV Encontros gativa ou positiva – mas pois, todos tinham escrito
realizados nas Caldas fo- “revelou um grande des- Grupo Puzzle nas suas rou-
ram, de facto, muito impor- conhecimento sobre aque- pas.
tantes pois até aí, nas edi- le evento”
evento”. “Vivia-se numa situação
ções anteriores, “não ti- E ilustra com dois exem- política explosiva, o que
nham ganho esta projec- plos: No decorrer dos En- despertou reacções de re-
ção internacional e, aliás, contros foi para cortar o ca- jeição e de aceitação nas
depois não voltou a acon- belo e qual não foi o seu pessoas”, disse. No entan-
tecer nada de semelhan- espanto, quando o barbei- to, os Encontros apresen-
te”
te”. ro lhe perguntou se ele, tal taram uma nova actuação
Diz ainda que os dois or- como os outros artistas, e reformulação artística e
ganizadores Jaime Isidoro “pertencíamos a um gru- contaram com a “ partici-
e Egídio Álvaro estavam po de circo
circo”. Ou ainda pação activa e atenta da po-
bem posicionados do pon- quando o grupo Puzzle se pulação”,”, à semelhança do
to de vista artístico e de or- preparava para uma inter- que já acontecera, por
ganização deste evento venção no Parque, com to- exemplo, na edição ante-
anual. Por tudo isso “foi dos os artistas trajados de rior, decorrida na Póvoa do
uma edição mesmo muito branco, “asas pessoas cha- Varzim, onde houve tam-
importante
importante” ainda para maram a polícia pois, bém manifestações e de-
mais, a poucos anos do pe- achavam que os autores, bates muito dialogantes No pinheiro da Rainha
ríodo quente da Revolução. assim vestidos, podiam no Casino.
IV Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” 2 de Agosto 2002

“ENCONTROS AJUDARAM OS “TUDO ESTREMECEU NAS CALDAS “INTERVENÇÕES MUITO


AR TIST
ARTIST AS LLOCAIS
TISTAS OCAIS A COM OS ENCONTROS DE ARTE” AVANÇADAS NO TEMPO”
LIBER
LIBERTTAREM- SE
AREM-SE
SE”
lançando comunicados para “Foi uma grande jorna- como tal, “mandei retirar as Mário Lino lembra-se per- o corpo em chocolate (que
a comunicação social - que, da cultural, embora se tra- peças, tal como faria ain- feitamente de ter assistido a aparece na foto da primeira
sem dúvida alguma, “tive- tasse de um arte diferente da hoje” pois considera que várias intervenções artísti- página) para depois rolar so-
ram um grande impacto daquela que existia no houve pessoas que revela- cas. Aquela que não vai es- bre papel de cenário, ou uma
pois vieram mexer com a museu que, ainda assim, já ram “um certo desagrado
desagrado” quecer, pelo arrojo da atitu- outra intervenção que implica-
cidade
cidade”. se dedicava a outros as- com tais manifestações. de, foi proporcionada por va a fotografias de nus e que
Recorda a performance pectos da arte contemporâ- Vivia-se uma época de um artista francês por ter co- não foram aceites, gerando
“não
de uma artista, no salão No- nea
nea”, disse o director do Mu- grandes mudanças e da locado um instrumento mu- grandes controvérsias. E as-
bre da Casa da Cultura, que seu de José Malhoa da parte dos artistas, “havia sical na relva do Parque D. sim morreu ali e nunca mais
depois de ter passado todo altura,Saavedra Machado, radicalismo não só nas tido a capaci-
Carlos e ter “tido se fizeram cá os Encontros
Encontros”.
o seu corpo por chocolate, relembrando que aquela foi a suas produções, mas da
dadede de mobilizar várias Entre as mais interessan-
rolou sobre papeis de cená- primeira vez que se fez algo mesmo entre eleseles”. O ex- pessoas” que, com ele, fi- tes, recorda um artista que lan-
rio, “criando figuras que de semelhante naquele es- director recorda, por exem- caram a aguardar que o çava cordas de sisal de um
cada um idealizava à sua paço museológico. plo, que nos longos passei- instrumento começasse a dos altos prédios da Praça da
“As pessoas tinham saí- maneira
maneira”. Outro artista que Lembra ainda que o Mu- os de bicicleta de Júlio Po- tocar sozinho. República ou ainda as pe-
do do fascismo e não esta- no Parque criou efeitos com seu foi palco das mais vari- mar “por onde ele passa- Recorda que houve as quenas explosões de petar-
vam habituadas a pensar. fogo de artifício e tentou cri- adas intervenções desde va “destruía” as obras dos mais variadas manifesta- dos junto ao Museu Malhoa
Este evento vinha exacta- ar efeitos pirotécnicos que debates, performances, ex- seus colegas
colegas”. A realização ções na Praça da Repúbli- “que para a população nada
mente fazê-las pensar
pensar”. É “as pessoas também tra- posições e que ocorreram dos Encontros foi por isso, ca onde se deram “alguns tinham haver com arte eram
esta a opinião de José Cor- varam
varam”. Recorda igualmen- algumas “que não eram em todos os aspectos,, “sur- confrontos físicos por sim, uma provocação
provocação” e que
reia, professor de dança na te uma outra série de even- muito próprias para aque- preendente e sobretudo parte da população que reagiram com alguma violên-
Casa da Cultura, sobre os tos passados na Praça da le espaço
espaço”, afirmou o res- com actividades muito não entendeu a forma de cia para com quem apenas
Encontros Internacionais Fruta, perante a multidão, ponsável que tem consciên- inesperadas
inesperadas”. intervir na arte daqueles queria demonstrar as suas
que considerou altamente que criaram muita polémica cia que, na altura, “fui rotu- Esta iniciativa fez, no fun- autores”
autores”. ideias. “Era ainda um perío-
interessantes pois “esses e houve ofensas corporais lado de fazer censura
censura”. E estremecer tudo na ci-
do, “estremecer Diz, no entanto, que ape- do revolucionário, de con-
adventos vieram renovar e, por isso, “teve que vir a isto porque mandou retirar dade
dade” pois acarretou uma sar de não ter existido gran- testação e, portanto, gera-
uma série de ideias pré- polícia para proteger os uma peça de Carlos Baro- renovação “de mentalida- de gravidade “algumas ram-se conflitos em volta
concebidas que havia na- autores”
autores”. co, que tinha um falo bran- des, das próprias institui- pessoas ficaram magoa- dessa programação” .
quela época”
época”. Acha que de- Para o bailarino e profes- co e que foi colocada junto ções, dos artistas e até da das
das”. Em ambas as praças, Segundo Mário Lino, algu-
corridos apenas três anos da sor foi fundamental a reali- a uma das estátuas do mu- população
população”. Afirma ainda houve necessidade de inter- mas das intervenções “esta-
Revolução dos Cravos, a zação dos IV Encontros nas seu. que se fossem hoje organi- venção da polícia pois para vam bem”
bem”, outras, pelo facto
arte ainda era encarada de Caldas, em especial, para os “Havia um protocolo en- zado estes encontros “já “parte da população aquilo de estarem adiantadas no
linear e muito púdi-
forma “linear artistas locais pois “nos trou- tre a SEC, o Museu e os or- não haveria toda aquela foi um grande choque
choque“. Na tempo, foram tidas como
ca e muitos artistas vieram xeram várias novas ideias ganizadores do evento polémica
polémica”, e acha que es- sua opinião, aquelas inter- afronta pela população. “Pen-
provar que a Arte também e novas formas de estar na onde os artistas se com- tes eventos dependem dos venções “estavam talvez so ainda que a linguagem
extravasa fronteiras
fronteiras”. Arte”
Arte”. Este responsável já prometiam a não “chocar” artistas que neles colabo- adiantadas no tempo”
tempo e par- utilizada nalgumas, também
José Correia assistiu a na altura organizara vários as suas produções com o ram. Naquela época estava te das pessoas “não as con- não foi a mais adequada
adequada”.
muitas das intervenções, bailados no Teatro Pinheiro que existia no Museu. Cla- “tudo muito sedento de li- seguiam entender
entender”.
como aquela em que uma Chagas. Para ele, as pesso- ro que o acordo não foi berdade e as atitudes pro- Recorda a performance Natacha Narciso
das artistas fez uma escultu- as que lidaram menos bem cumprido”
cumprido”, relembra e, exagero”.
porcionavam o exagero” de uma autora que revestiu nnarciso@gazetacaldas.com
ra na Praça do Peixe e que com a situação foram os
as pessoas a destruíram. “Foi “”velhos do Restelo pois
uma das acções que deu havia gente que considera-
muita polémica
polémica”. Em espe- va algumas intervenções
cial porque se tratava de uma como pornografia
pornografia”.
escultura em homenagem Assistiu a grande parte
ao 16 de Março, movimento das manifestações, numa
que apesar de falhado já fa- delas com barafunda e pan-
zia antever a revolução do cadaria, no entanto, é um
25 de Abril. A escultura de dos que louva a vinda de
Clara Menéres foi destruída semelhante iniciativa pois
à picareta pela população em nada se escandalizou e
que, por certo, não a enten- ficou inclusivé com muita
dia. pena que estes adventos te-
Recorda que houve uma nham cessado, pois no fun-
exposição no Museu Malhoa do “vieram trazer aos ar-
de falos que chocou alguns tistas da cidade uma outra
quando afinal “é uma forma forma de olhar e apercebe-
de arte já desde os gregos mo-nos que ainda havia
e cartagineses e que veio certos preconceitos contra
chocar com as sensibilida- os quais tínhamos que lu-
des pré-concebidas, bur- tar”
tar”. Acredita que esta gran-
guesas das pessoas das de intervenção artística que
Caldas”
Caldas”. Recorda-se tam- invadiu a cidade em Agosto
bém do aproveitamento que de 77 “ajudou mesmo a li-
vários partidos políticos ten- bertar-nos de alguns tabus
taram tirar deste evento, - que ainda tínhamos
tínhamos”. Giner preparando a explosão de petardos/etiquetas onde estavam escritas palavras como opressão, repressão,
censura, interdição, hierarquia, poder, escravatura, exploração, etc., para destruir a imagem da imagem da imagem

A intervenção dos palhaços no Museu intervenções-magníficas de Nadir Afonso, desmitificando certos tipos de
Malhoa arte.
2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” V

Revista Colóquio-Artes da Gulbenkian dedicada aos Encontros


Caldenses
Segundo um artigo de Eurico Gonçalves, crítico de arte
que também esteve nos Encontros, publicado na revista MÚSICA E DANÇA ATRAÍRAM O PÚBLICO
Colóquio-Artes (Outubro de 1977, edição da Fundação
Calouste Gulbenkian), contava que a iniciativa visava “atra- O público aplaudiu e entusiasmou-se com o concerto de música experi-
vés de uma convivência necessária entre artistas e as po- mental e improvisada pela “Operation Céros” constituída por Philipe Po-
pulações locais uma confrontação de atitudes, ideias e opi- chan (violoncelista), Richard Marechin (pianista), Jacques Berrocal e Da-
niões, a sensibilização à linguagem dita artística que esca- niel Desdays (trompetistas).
pa por assim dizer aos códigos habituais da vida quotidia- Um dos espectáculos que mais sensibilizou pela sua qualidade e expres-
na ou, inevitavelmente, entra em choque com valores esta- sividade foi o “ballet” sem música ou com a música dos corpos do arménio
belecidos”. Acrescentava ainda que procuravam ainda “des- Michel Hallet e do francês Pierre Deloche, com a magistral participação
bloquear a arte portuguesa da sua condição de isolamento de um único figurante: Christian Tobas… que reconstitui em silêncio
, libertando-a de possíveis complexos de inferioridade em cenas simples do quotidiano como limpar o pó a um piano de cauda
relação ao panorama artístico internacional”. ou transportar uma jarra de flores.
Assim, o autor era da opinião que, com o aval das entida-
des locais estes Encontros mostram que os espaços livres AS ARROJADAS PROPOSTAS DE ORLAN E
da intervenção artística “podem ser convertidos em festa CHANTAL GUYOT
ou em grandes espaços livres da intervenção artística…”.
Sobre as várias manifestações nas Caldas começou por O crítico de arte Eurico Gonçalves numa intervenção No Museu de José Malhoa a francesa Orlan usou a body-art, arte
descrever aquelas que decorreram no Museu de José Ma- com Serge III
com o corpo, assumida em atitude de posse que tanto se expõe nua
lhoa. A série de debates e manifestações que ali decorre- como a “Grande Odalisca” de Ingres ou a “Vénus” de Boticelli, como
ram “não deixou de provocar a reacção e a indignação dos INTERVENÇÕES NO PARQUE D. CARLOS I
provoca um confronto com a “Gioconda” de Leonardo da Vinci,
mais conservadores”. E isto porque se tratava de um objec- “As Crianças e os Outros” foi o título de uma sequência de rituais
estabelecendo ao nível das imagens clássicas da História da Arte,
to fálico da autoria de Carlos Baroco que “foi discretamente realizados pelo casal britânico Miller e Cameron que provocaram as
uma pertinente relação entre a Arte e a Prostituição.
retirado, por ordem do director do Museu da exposição mais absurdas reacções e os comentários mais contraditórios da parte do
Numa aproximação com o quotidiano, Orlan vendeu, junto aos
“Presença” por ter chocado a moral burguesa – trata-se de público adulto, que, no entanto, observou tudo até ao pormenor fascina-
mercados da fruta e do Peixe, bocados da fotografia do seu corpo nu,
um objecto lírico, não erótico com uma flor ressequida e um do pelo desenrolar da acção, “não arredando pé destes espaços ludica-
que teve a intenção de mostrar carimbado, como a carne de vaca que
phalo branco e menos grotesco que o das Caldas dentro mente vividos, que despertaram em cada um de nós algo que estava
se vende no talho. Ela tentou ainda atravessar nua o jardim público e
de uma caixa-vitrina”. abafado, recalcado adormecido e esquecido: a pureza da infância, a
identificar-se com algumas estátuas de nus femininos aí expostas,
Segundo Eurico Gonçalves a “excomunhão” do referido criança-poeta, impedida de crescer e de amar, sem quaisquer precon-
mas receou a reacção demasiado primária da população local. De toda
objecto deve-se ao facto de “ter sido exposto ao lado de ceitos”.
a sua actuação, há uma conclusão a tirar: numa sociedade permissiva,
uma escultura “mamarracho” que representa uma indivi- A recriação do imaginário pôde ainda ser observada na modelação em
aceita-se melhor a imagem do corpo do que o próprio corpo.
dualidade histórica (Gonlavez Zarco) e que, pelas propor- papel de um enorme dragão, na ilha do parque, pelo casal suíço Alain
Mesmo quando Chantal Guyot cobriu a nudez do seu corpo com
ções da estátua, está indevidamente colocada no interior Peclard e Sarah Wiane. Esse dragão foi posteriormente pintado pelas
“mousse” de chocolate houve quem interpretasse isso como pura
do Museu”. crianças e deitado à água do lago, onde foi destruído pelo fogo de
acção estética, e houve quem mais chocado, invocasse a chamada
Referiu-se ainda a um conjunto de fotografias de Clara artifício, proporcionando um impressionante espectáculo de fantasma-
“ofensa à moral pública”.
Menéres, a formas fálicas em pedra, observáveis do caste- goria, luz e cor.
lo de S. Jorge, em Lisboa, “mostrando assim que nós vive- Durante os doze dias dos Encontros, e sempre à mesma hora, o grupo
“DESFECHO LAMENTÁVEL QUE NÃO INVALIDA O
mos rodeados desses símbolos, sem que isso nos incomo- Puzzle (constituído por João Dixo, Albuquerque Mendes, Pinto Coe-
QUE HOUVE DE POSITIVO NOS ENCONTROS”
de”. lho, Jaime Silva, Graça Morais e Armando Azevedo) realizou um ritual
Analisando as várias manifestações que decorreram pe- repetitivo, intitulado “O Calendário” que consistiu em recortar uma tira
No último dias dos Quartos Encontros de Arte, o grupo Acre,
los vários espaços públicos por toda a cidade, seleccioná- de tela, correspondente a 1/12 de uma pintura colectiva e guardá-la
constituído pela escultora Clara Menéres e pelo pintor Lima de Car-
mos alguns excertos que assim contribuem para explicar a religiosamente num relicário, juntamente com as diversas oferendas
valho, depois de muitas horas de trabalho não remunerado, viu des-
dimensão do evento a nível nacional, narradas por aquela recolhidas durante o dia por cada um dos componentes do grupo. No
truída à picareta uma escultura que quis erguer na Praça do Peixe, em
revista de referência, bem como as várias reacções que final dos Encontros, o relicário foi enterrado no jardim anexo ao Museu
alusão ao 16 de Março de 1974, data em que um movimento militar
estas suscitaram: de José Malhoa e, posteriormente foi desenterrado e destruído.
das Caldas tentou fazer o que só foi possível um mês depois, em 25
de Abril do mesmo ano, o derrube do regime fascista em Portugal.
EXPLOSÃO DE PETARDOS E ODE ÀS 4 ESTAÇÕES NA
Volvidos três anos e meio , a reacção ainda lá está e não só não
PRAÇA DA REPÚBLICA
permitiu tal tipo de evocação, como perseguiu à paulada alguns artis-
tas, participantes nestes Encontros e destruiu muitos objectos e sím-
Os rituais com petardos do francês Giner fizeram explodir etiquetas
bolos de uma intensa actividade desenvolvida durante 12 dias, evi-
onde estavam escritas palavras como opressão, repressão, censura, in-
denciando assim um total desrespeitos pelo trabalho não remunerado
terdição, polícia, chefe, patrão, director, hierarquia, poder, escravatura,
dos artistas. Desfecho lamentável que não invalida o que houve de
exploração, mercado, etc., destruindo a imagem da imagem da imagem,
positivo nestes Encontros.
sempre recuperável através da fotografia do detrito que surge como
Além das obras de escultura, pintura e objectos que os artistas
novo objecto de consumo. Escusado será dizer que a detonação foi cada
estrangeiros e nacionais ofereceram à municipalidade, com o objecti-
vez mais forte e a capacidade de recuperação também.
vo de criar aí um museu de Arte Contemporânea, houve artistas como
Albuquerque Mendes e a sua acompanhante Teresa realizaram quatro
o bailarino arménio Michel Hallet e o casal suíço Wiane e Peclard que
rituais do museu à Praça da república sobre as quatro estações do ano.
trabalharam gratuitamente com as crianças da localidade, em pintura,
Pelo incurso à simbologia cristã e pela convicção, esplendor, êxtase e
modelação, ballet e outras formas de expressão livre.
solenidade com que estas cerimónias foram celebradas compete a cada
Entre outros aspectos positivos, estes Quartos Encontros interna-
um descobrir o seu verdadeiro significado e alcance: trata-se de uma
cionais de Arte, promoveram o debate e a reflexão crítica num campo
desmistificação anticlerical que será antes a mistificação da mistificação.
que estava for a das preocupações da população local: o campo vas-
“Para cada um a sua verdade” poderia ser o título do ritual que o
tíssimo da Arte, que também precisa de ser desbravado, semeado e
“Círculo de Artes Plásticas de Coimbra” efectuou em silêncio na Praça
cultivado para produzir os seus frutos.
da República através da linguagem simbólica das cores.
Serge III preparando-se para uma intervenção no
lago e outra na Praça da Fruta N.N.

Rituais de Albuquerque Mendes sobre as quatro estações do


ano.
VI Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” 2 de Agosto 2002

19 DE AGOSTO DE 1977

“A Arte é Sintoma?”
(Retirada do painel exposto no espaço do Colectivo de Mulhe- ros”, no sensacional espectáculo de poesia visual pelo grupo Anima,
res, na Casa da Cultura) das intervenções-magníficas de Nadir Afonso, desmitificando certos
tipos de arte (oportunismo), nos trabalhos de Ballet com Michel Hallet,
Controverso, violentamente contestando, religiosamente seguido, bailarino de grande craveira, que durante 12 dias desenvolveu um
mesmo pelos seus mais violentos opositores, são os Quatro Encontros trabalho insano e profundo junto de dezenas de jovens caldenses e
Internacionais de Arte, o quotidiano das Caldas (foram-no desde o apresentou repetidas vezes um espectáculo inolvidável.
início do mês até…) o “leit-motiv” de todas as conversas do povo desta Isto que acabámos de dizer, são a ínfima parte daquilo que durante
região, que um tanto inesperadamente tem assistido (participado!) às os Encontros aconteceu. Houve Teatro com a Comuna, nos Bombei-
intervenções mais incompreensíveis (?) e tão distantes da sua vivência ros, Fado num anti-debate com debate de Tobas, que inesperadamen-
pacata. te convidou um fadista para a sua sessão que viria a terminar numa
Pedra no charco, tempestade depois de tantos anos de acalmia, festa popularemPeniche.Destruiçãoporpetardosdosmitosdasocieda-
estes Encontros têm sido importantes até por não deixarem ninguém de actual, com Ginet, construção de um dragão em papel, que viria a ser
indiferente. Perante cada obra, cada intervenção, cada espectáculo, pintado pelas crianças. Palhaços, intervenções de Orlan sobre o seu
ninguém fica indiferente, todos tomam posição. corpo, desenvolvendo trabalhos sobre o erotismo. Orlan viria a ter uma
“Não percebo nada disto, não entendo o que eles querem. São importante intervenção num dos debates sobre a criação feminina defi-
malucos. O mundo está a acabar. Nunca tal foi visto. O que querem é nindo o significado dos seus trabalhos. “O corpo é meu, uso-o como
juntar as pessoas para depois roubarem as carteiras. Tanto dinheiro mal quero, mas não me vendo, muitos têm tentado explorar as minhas expe-
gasto. São uns indecentes. Não respeitem a moral. Maravilhoso. Dias riências que são profundamente sérias” – algumas palavras da artista.
sensacionalmente vividos. Onde é a próxima intervenção?” – alguns Muitos tabus e conceitos morais foram postos em causa durante
dos muitos comentários que foram ouvidos. estes dias nesta cidade. E foi isto que custou a muita gente. Bem ou mal,
Centenas de artistas (mas o que é um artista? Cada pessoa encerra mas discretamente, sem grandes exibicionismos, pudemos ver mu-
em si a arte…) têm criado nas Caldas um espaço de interrogações lheres nuas, realizando suas intervenções, dignamente, sem os meno-
múltiplas sobre a sociedade, a cultura, a vida, o sistema, a morte. res comentários, desmontando toda uma série de conceitos erguidos
A maioria das pessoas exige a explicação de tudo o que vê. Mas será até hoje. Cinicamente, muitos dirão, quão indecente foi o que se pas-
importante essa explicação total? O artista cria dentro dos seus parâme- sou, esquecendo que perto num cinema, se vêem coisas mais indig-
tros, que é a sua liberdade, aquele que assiste, deve procurar compre- nas (segundo a mesma moral) e que neste país a troco de umas notas
ender, retirar dali a plástica e a beleza. de 100 se assiste a espectáculos degradantes assentes sobre o corpo
Não pretendemos defender os Encontros, até porque eles próprios da mulher, explorando o machismo e as frustrações de uma casta.
não o necessitam não pretendemos impingir aos leitores a nossa teoria Porquê então este cinismo? Talvez, porque certas mulheres não
sobre a arte, até porque o nosso entendimento advém da nossa sensi- aceitem vender-se, mas que consideram o seu corpo, seu e passível Fazendo poesia em papel higiénico
bilidade e liberdade que pretendemos erguer, pretendemos apenas das experiências plásticas que por bem entendam desenvolver.
lembrar de que não devemos condenar hoje, aquilo que amanhã Este terá sido um dos pontos relevantes destes dias. Outro, e que virá
investir riqueza para resolver os problemas que afectam o dia a dia das
poderá ser aceite pela totalidade. Se o fizéssemos estaríamos a ser os beneficiar enormemente as Caldas é a criação aqui, e já com a colabo-
suas populações, são necessários esgotos, electricidade, estradas,
frustrados da história. ração do Museu de José Malhoa, do primeiro Museu Nacional de Arte
casas para habitação, etc., mas pensamos que uma coisa não impede
Gazeta da Caldas, durante estes dias intensos, procurou vivê-los por Moderna, que será o Museu dos Encontros e um espaço vivo da arte
a outra. Há certas verbas destinadas à cultura, que deverão aí ser consu-
dentro, assistindo, participando, construindo – destruindo cada mo- moderna no nosso país. De imediato ficará uma sala destinada a tal fim.
midas, pois a cultura e/ou arte são o lastro da história e o testemunho do
mento, cada obra, cada espectáculo, cada intervenção. Vivemos, ouvi- Várias obras de artistas nacionais e estrangeiros presentes nos encon-
pensamento e da criatividade dos povos.
mos e não calámos. Estivemos nos controversos rituais de Albuquer- tros ficarão aí a atestar a sua passagem por aqui e a servirem de
Terminamos mesmo dizendo, que a arte é na verdade o sintoma da
que Mendes ou do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, ou ainda dos embrião ao lançamento dum museu vivo da arte moderna nas Caldas.
vida em cada sociedade. É sintoma e muito mais…
espaços vivos dos ingleses Miller e Cameron cheios de ternura e de Só por isto mereceu a pena, que se realizassem nas Caldas estes
beleza, nos concertos de música concreta pelo grupo “Operation Ce- Encontros Internacionais. Certo, que o concelho, o país, necessita de
José Luís de Almeida e Silva (19 de Agosto de 1977)

“Arte ecológica?” Egídio Álvaro e Graça Morais no Museu

Christian Tobas dançando na performance de Michel Graça Morais pintando sobre plástico
Hallet
2 de Agosto 2002 Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” VII

Recortes da Gazeta das Caldas


Agitadores “profissionais” vindos de for a
da cidade
“A Câmara Municipal constata hoje que os objectivos
que se tinham em vista não foram totalmente atingidos
facto que muito sinceramente lamenta. No entanto, em
última análise, tiveram o valor de quanto mais não fosse,
pôr durante 12 dias uma cidade inteiramente a preocu-
par-se com Arte.
O Município apercebendo-se das reacções públicas
desfavoráveis a determinado tipo de manifestações pro-
curou que o mesmo fosse evitado para que a sensibilida-
de da população não mais fosse ferida e os Encontros
pudessem atingir o seu termo.
O Município desagradavelmente surpreendido com os Orlan numa intervenção na Casa da Cultura
acontecimentos do último dia dos Encontros, alerta a
população para as manobras de certas forças interessa- A arte, quando é ARTE aceita-se, nem se discute
das em criar um clima de destabilização que sirva os “Face a alguns comunicados de outros partidos políticos
seus inconfessados interesses, não hesitando em recor- que pretendem atirar poeira aos olhos do povo desta terra;
rer a agitadores “profissionais” vindos de fora da cidade, a um porque lhe fugiu o controle daquilo que normalmente
ou atiçar os ânimos com “oportunos” comunicados de apoia – a contestação social – neste país e neste momen-
ataque à Câmara e ao Governo” to, tome ela a forma que tomar e a outro porque pretendeu
(Comunicado da C.M.C.R., 13/8/77) livrar-se da sua co-responsabilidade quanto ao aspecto
negativo e anti-popular numa iniciativa que apadrinhou, é
Demonstrações falsamente artísticas nossa indeclinável obrigação vir perante a população re-
“A organização de Caldas da Rainha do PCP, vem pôr a verdade dos factos. (…)
por este meio lavrar o seu protesto contra as falsas ma- Achamos estranho que se pretenda livrar uma Câmara
nifestações de “Arte” que todos os caldenses têm sido da responsabilidade que lhe cabe, inteiramente, por tal
obrigados a ver nas praças públicas da cidade. realização. Não vamos sequer analisar se estes Encontros
É inadmissível que as autoridades competentes, no- tiveram ou não interesse: a arte, quando é ARTE aceita-se,
meadamente a Câmara Municipal e a Secretaria de Es- nem se discute se se não compreende ou se não sente.
tado da Cultura, órgãos do governo responsável por Entre alguns artistas de valor que estiveram presentes,
estas actividades, não tenham tomado qualquer atitude houve outros degradados moralmente, que se infiltraram e
para impedir tão escabrosos “espectáculos”. Pior ainda, que deram áquilo que poderia ter sido uma riquíssima li-
todos nós temos de pagar, e de que maneira, para ver- ção de Arte Moderna ou de vanguarda o aspecto condená-
mos aquilo que em nada nos interessa. vel dum espectáculo moralmente iníquo e por isso popu-
Com as demonstrações falsamente artísticas ocorri- larmente repudiado, mas somente à Câmara competia a
das nestes últimos dias, gerou-se na cidade e nas fre- proibição pura e simples dos aspectos mais negativos des-
guesias rurais, um grande movimento de repúdio com a tes encontros, dado que logo no primeiro dia um falo em
má utilização dos dinheiros públicos. A direita, também barro, que se pretende, ofensivamente considerar como
cedo se apercebeu disso e passados poucos dias co- um símbolo da cerâmica caldense foi pendurado na está-
Hábitos excêntricos tua de Malhoa. A desmistificação do sexo pode ser aceitá-
“Desde domingo, que a fisionomia dos veraneantes cal- meçou a lançar o boato, que era obra dos comunistas,
enfim, o costume. (…) O que se tem passado na cidade vel mas se um Partido Político a condena, que o fizesse
denses se alterou com a chegada maciça de mais de uma logo no primeiro dia, pois não se nos afigura que o Gover-
centena de artistas portugueses e estrangeiros, com es- nada tem a ver com Arte. A Arte deve estar ligada às
populações, ser uma fonte de atracção e de expressão no possa ser acusado de não ter visto de Lisboa, aquilo
pecial incidência de nacionalidade francesa. que a Câmara não viu… AQUI!”
Portadores de hábitos excêntricos, talvez chocando um dos seus sentimentos. O que se tem feito é ANTI-ARTE!”
(Comunicado da CC de Caldas do PCP., Agosto/77) (Comunicado do Secretariado do PS Caldas., 27/8/77)
pouco o “modus vivendi” da população da região, aqui
chegaram para participar nos IV Encontros Internacionais
de Arte…”
(G.C., 3/8/77)

Gostaria de propor uma acção sobre “arte-


prostituição”
“Meço as ruas com o meu corpo. Multo. Ponho portas
nas portas importantes da cidade. Faço acções dobre o
pai Natal. Gostaria de propor uma acção sobre “arte-pros-
tituição”. Gostaria de enviar um convite às pessoas impor-
tantes do mercado da arte pedindo-lhes para vir ajudar a
criar uma obra enodoando com a obra de “amor” os len-
çóis do meu enxoval. O par pode guardar o anonimato, vir
com perucas, óculos escuros, vendas, etc. A acção será
filmada em vídeo e fotografada. Gostaria de “receber”
numa tenda ou pequeno circo colocados num jardim pú-
blico ou numa “galeria”. Orlan.
“Trabalharei em intervenções urbanas com Jean-Mi-
chel Lopez, Pierre Nogues e Gérard Tiné. Todo o meu
trabalho será organizado nas Caldas. Será baseado em
etiquetas cujo tema é o poder e que serão destruídas
pela explosão de petardos”. Giner

(Suplemento Cultural G.C., 29/7/77)

Chantal Guyot cobriu a nudez do seu corpo com “mousse” de chocolate houve quem interpretasse isso como
pura acção estética, e houve quem mais chocado, invocasse a chamada “ofensa à moral pública”.
VIII Destacável - “IV Encontros Internacionais de Arte - 1977-2002” 2 de Agosto 2002

Ocorreram insólitos e vergonhosos actos de ofensa e


provocação à moral e dignidade públicas
“Que nos IV Encontros Internacionais de Arte efectua-
dos nesta cidade durante a semana finda em 13 de Agos-
to corrente ocorreram insólitos e vergonhosos actos de
ofensa e provocação à moral e dignidade públicas; Que
infelizmente não houve nesta cidade quem, não obstante
o repúdio generalizado, se julgasse em posição e dever
de fazer cessar tão degradantes manifestações de corrup-
ção cívica e moral, patenteadas em locais públicos sem o
mínimo de respeito da esmagadora maioria que se recu-
sa a admitir a prostituição como meio de cínica emancipa-
ção da mulher e que ao menos na sua pureza de instintos
não concebe requintes de aberrações aviltantes; Que nesta
manobra de revoltante subversão moral nem no mínimo Ritual do Grupo Puzzle
se evitaram traumatismos psíquicos e emocionais a ado-
lescentes indefesos.”
(Moção aprovada na Assembleia de Delegados da Difícil se torna descrever tudo De repente dois polícias à paisana
Casa do Povo das Caldas., 16/8/77) “As intervenções do meio urbano foram realiza- “Apanhadas de surpresa, as pessoas que se en-
das pelo grupo português Puzzle, com rituais no contravam no parque na tarde de segunda-feira, re-
Parque e no Museu, onde cerca das 19 horas cor- agiram de forma activa à primeira intervenção reali-
Por detrás desta manifestação de arte um taram cerca de 1/12 duma sua obra que encerra- zada no encontro da responsabilidade do grupo Pu-
objectivo político ram numa urna com outros objectos simbólicos. Este zzle. Inesperadamente estes artistas iniciaram um
“O PSD de Caldas da Rainha lamenta profun- exercício será repetido todos os dias do Encontro, ritual, no parque, que mobilizou a atenção dos pas-
damente que os organismos governamentais pa- até ao desaparecimento total da pintura. Também o santes.
trocinadores destes Encontros (que conheciam grupo de palhaços convidado, actuou no parque, Alguns, mais incomodados, ao se depararem com
as reacções da população em outros locais), não mimando cenas de toda a sorte e por fim partici- alguns e algumas personagens trajando exoticamen-
tenham prevenido o município caldense, como pando num trabalho de erotismo com outro artista te com máscaras, alertaram os guardas do parque,
lhe competia. que se encontrava imobilizado junto da sua obra que tentaram providenciar para que a polícia viesse
Por isso, o PSD reconhece que a Câmara foi dentro do museu. investigar o que se passava. Entretanto foram demo-
traída nas suas boas intenções: proporcionar aos Difícil se torna descrever tudo o que assistimos vidos por alguns organizadores ou colaboradores,
Caldenses um contacto com a arte e engrande- durante a tarde, apenas recomendamos aos leito- ocasionalmente na zona. Mas a história não iria pa-
cer a celebração do cinquentenário da cidade. res que apareçam e participem. Não se admirem do rar por aqui, pois outras pessoas tinham ido a corre
Hoje o PSD convence-se que por detrás desta choque que poderão sofrer ao assistirem a certas chamar a polícia.
manifestação de arte, esteve também, um ob- intervenções. De repente dois polícias à paisana, dirigem-se para
jectivo político: atingir uma Câmara em que o Os programas das intervenções serão afixados o parque na tentativa de deter os insólitos visitantes.
PSD é o maior partido e, em especial, o seu Pre- diariamente no parque, junto ao museu, e na pra- Cena rodeada dum certo humorismo, que viria a ter-
sidente da Câmara. (…) ça, junto ao turismo. Os espaços preferidos para as minar em bem, como mandam as regras destas coi-
O PSD não aceita a versão dos acontecimen- intervenções foram o parque, a mata, a praça da sas, após um esclarecimento feito pelos organiza-
tos da ANOP em que esta procura responsabili- fruta, a praça do peixe, o museu, a casa da cultura, dores aos agentes da autoridade, que diziam estar a
zar pessoas de Rio Maior pelos acontecimen- as antigas instalações do BPA. cumprir as ordens dos seus superiores.
tos. Só aceita a versão do comunicado da Câ- As horas preferidas para as intervenções são a Mais tarde o Comissário da PSP viria ao Parque
mara, na medida em que se refere ao partido partir das 15 horas nos locais já citados, não obs- pedir desculpa pelo acontecido, que não passou dum
comunista.” tante tudo poder acontecer for a destas horas e nos momento divertido e que viria a ser o objecto da his-
(Comunicado da CC de Caldas do PSD, 15/8/77) locais mais inconcebíveis.” tória do dia.
(G.C., 3/8/77) (G.C., 3/8/77)

Não cabe a “nós parti-


do político a apreciação
do ponto de vista estri-
tamente artístico
“[O deputado munici-
pal Fernando Costa]
manifestou ainda o seu
apreço à Câmara pela
realização das comemo-
rações do 50º aniversá-
rio da elevação a cida-
de das Caldas da Rai-
nha, destacando do pro-
grama os Quartos En-
contros Internacionais
de Arte e a Exposição de
Cerâmica.
Sobre os Quartos En-
contros o PSD, segundo
o orador, manifestou já
a sua posição, pois não
cabe a “nós partido polí-
tico a apreciação do
ponto de vista estrita-
mente artístico, no en-
tanto já o dissemos que
não pudemos ficar in-
sensíveis a determina-
dos tipos de manifesta-
ções que atingiram a
sensibilidade do povo
caldense, na sua digni-
dade e na sua moral. Sa-
bemos o que a Câmara
fez para evitar esses ul-
trajes à moral pública e
que o nosso apoio in-
condicional à Câmara
nem por isso deixa de
ser dado”
(Deputado municipal
Fernando Costa na
Cuspindo fogo no parque
A.M., G.C. 21/9/77)
(Fotos encontro JLAS)

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