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ÍNDICE
Neste docto
1 INTRODUÇÃO 11
2 MODELOS DE TRADUÇÃO 19
2.1 Análise dos Modelos 22
2.1.1 Tradução Direta vs. Tradução Oblíqua: 22
O Modelo de Vinay e Darbelnet (1977)
2.1.2 Equivalência Formal vs. Equivalência Dinâmica: O Modelo de Nida (1964) 32
2.1.3 Os Quatro Modelos de Catford (1965) 35
2.1.4 Tradução Literal vs. Tradução Oblíqua: O Modelo de Vazquez-Ayora (1977) 43
2.1.5 Tradução Semântica vs. Tradução Comunicativa: O Modelo de Newmark (1981) 49
2.2 Resumo dos Modelos 56
3 PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS 63
TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
3.1 A Tradução Palavra-por-Palavra 64
3.2 A Tradução Literal 65
3.3 A Transposição 66
3.4 A Modulação 67
3.5 A Equivalência 67
3.6 A Omissão vs. a Explicitação 68
3.7 A Compensação 69
3.8 A Reconstrução de Períodos 70
3.9 As Melhorias 70
3.10 A Transferência 71
3.10.1 O Estrangeirismo 71
3.10.2 A Transliteração 73
3.10.3 A Aclimatação 73
3.10.4 A Transferência com Explicação 74
3.11 A Explicação 75
3.12 O Decalque 76
3.13 A Adaptação 76
4 DUAS PROPOSTAS DE RECATEGORIZAÇÃO DOS 79
PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
4.1 A Categorização dos Procedimentos Técnicos da Tradução pela Frequência de 83
Ocorrência
4.2 A Categorização dos Procedimentos Técnicos da Tradução pela Convergência ou 91
Divergência Linguística e extralinguística entre a LO e a LT
4.2.1 A Convergência do Sistema Linguístico, do Estilo e da Realidade Extralinguística 92
4.2.2 A Divergência do Sistema Linguístico 95
4.2.3 A Divergência do Estilo 96
4.2.4 A Divergência da Realidade Extralinguística 97
4.3 Resumo da Proposta 100
5 CONCLUSÃO 103
6 BIBLIOGRAFIA 113
7 NOTAS 119
8 POSFÁCIO 121
LISTA DE SÍMBOLOS
LO - Língua original
LT - Língua da tradução
TLO - Texto na língua original
TLT - Texto na língua da tradução
TO - Texto original
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 3
(pág. 11)
1
INTRODUÇÃO
1 A primeira edição desta obra é de 1958. Para este trabalho foi utilizada a edição revista e aumentada de 1977.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 4
Chega a tais extremos esta valorização da fidelidade à forma que, assinala Nida (1964),
algumas populações preferem que seja dada ao texto bíblico uma tradução totalmente fiel à
forma, totalmente literal, mesmo que seu resultado seja um texto incompreensível para os
falantes da língua da tradução (doravante LT).
A questão da fidelidade, portanto, remete imediatamente à tensão entre conteúdo e forma:
a tradução deve ser literal, palavra-por-palavra, mantendo estrita fidelidade à forma, ou deve não
se (pág. 13)→ preocupar com a forma e se manter fiel apenas ao conteúdo, ou deve, ainda, ser
alguma outra coisa?
Esta parece ser a indagação mais antiga acerca da tradução. Já na Roma Clássica, Cícero
(55 a.C), autor de uma das primeiras reflexões conhecidas a respeito do assunto, foi pioneiro em
defender a fidelidade ao conteúdo em detrimento da forma (cf. Newmark, 1981:4; Nida,
1964:13).
Mais tarde, no Império Romano cristianizado, em outro dos mais antigos textos
conhecidos sobre a tradução (cf. Newmark, 1981:4; Nida, 1964:13), São Jerônimo (384 d.C), o
tradutor-revisor dos quatro Evangelhos, a denominada Vulgata, em uma carta ao papa Dâmaso,
preocupa-se com aqueles que porventura repudiassem sua tradução, talvez rompendo “em
imediato protesto, gritando que eu, falsário, sou um sacrílego cuja ousadia chega ao ponto de em
livros tradicionais fazer acréscimos, mudanças, correções!?” (São Jerônimo, s/d).
Ao meu ver, aí, na verdade, São Jerônimo enumera os procedimentos, ou modos de
traduzir, que utilizou: acréscimos, mudanças e correções, além da tradução literal, pois,
como aponta Newmark (1981:4), São Jerônimo advogava uma interpretação literal das pa-
lavras, a qual, como mostrei acima, faz parte das expectativas daquele que encomenda a
tradução, nesse caso específico, o papa Dâmaso.
Assim, uma vez que, novamente de acordo com Bordenave (1987), considero a tradução
como “um fazer, um fazer intelectual que requer o domínio de operações mentais” (Bordenave,
1987:2), optei por focalizar minha atenção sobre os procedimentos técnicos da tradução
enquanto desdobramento da questão da oposição entre tradução livre e literal. Pareceu-me que a
definição de procedimentos aplicáveis à prática da tradução serviria de diretriz tanto para o tra-
dutor como para o aluno.
Nesse campo, sobressai o trabalho de Vinay e Darbelnet (1977) por terem sido estes dois
autores os primeiros (em 1958) a descrever os procedimentos técnicos da tradução 2 . Sua
exposição é objeto de cursos, desde os livres até aqueles no nível de pós-graduação, de artigos
publicados (cf. Aubert, 1978, 1981, 1983, 1987 e s/d; Campos, 1986a e b; Dutra, 1983; Paiva,
1981/82; Santos, 1977 e Sousa-Aguiar 1980, por exemplo), (pág. 14)→ de dissertações de
mestrado (Alves, 1983; Coelho, 1988; Queirós Filho, 1976, por exemplo) e de teses de douto-
rado (Fregonezi, 1984, por exemplo) dentro do País, sem falar na atenção que lhe devota a
literatura internacional, onde sua obra é presença quase constante nas listas bibliográficas de
obras publicadas – ou seja, se não é objeto de discussão direta, é, ao menos, parte das leituras
feitas pelos diversos estudiosos da matéria.
Tendo tomado conhecimento dos procedimentos técnicos da tradução através das fontes
mencionadas no parágrafo acima, minhas leituras em torno do assunto visaram responder a uma
série de indagações a respeito dos procedimentos técnicos da tradução tal como expostos por
Vinay e Darbelnet (1977) e tal como discutidos na literatura disponível. Em primeiro lugar,
seriam eles uma chave para a compreensão das operações mentais envolvidas no ato tradutório?
Seriam estes procedimentos apenas uma série de “boas Meias”, de “achados”, sem status de
generalização suficiente para a formulação de teorias? Ou seriam apenas uma tentativa ad hoc de
descrever os vários problemas que encontra o tradutor no exercício de sua profissão? Até que
2 No dizer de Mounin (1975:20), inclusive: 'Pelo que sabemos, J. P. Vinay e J. Darbelnet foram os primeiros a se dispor a escrever um
compêndio de tradução que reivindicasse um status científico.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 5
1981/82; Alves, 1983; Fregonezi, 1984 e Coelho, 1988). Assim, não parti de um corpus
delimitado para efetuar minha reflexão.
Esta etapa de meu trabalho aparece neste livro sob a forma dos exemplos que apresento.
Uma parte deles foi retirada da literatura e inclui exemplos em inglês, francês, espanhol, alemão e hindi.
Ao apresentar minhas formulações, entretanto, procurei apresentar sempre exemplos retirados
diretamente de meu trabalho, a tradução entre o português e o inglês, acrescentando exemplos em francês,
espanhol, italiano, alemão e russo onde se fizeram necessários.
Após percorrer as etapas descritas acima, cheguei à conclusão de que os procedimentos técnicos
da tradução acrescentados por outros autores aos descritos por Vinay e Darbelnet (1977), bem como
diversas modificações que fizeram dessa primeira descrição, pareciam ser úteis no sentido de ampliar o
alcance da descrição e de esclarecer melhor o que é de fato realizado no ato da passagem de uma língua
para outra.
Verifiquei, no entanto, que havia discrepâncias entre as categorizações efetuadas pelos autores
examinados, englobando divergências terminológicas e modos diversos de recortar os procedimentos
descritos.
Por acreditar que uma recaracterização destes procedimentos, que aglutinasse de modo coerente
às descrições dos autores examinados, ao mesmo tempo em que eliminasse as discrepâncias encontradas,
poderia ser útil para o tradutor – que encontraria nesses procedimentos recaracterizados um amplo elenco
de modos de traduzir a seu dispor – para o professor e o aluno de tradução – cuja tarefa seria facilitada
pela disponibilidade desses procedimentos – e para futuras pesquisas na área – que contariam com um
novo ponto de partida – é que me propus a tarefa de efetuar uma recaracterização dos procedimentos
técnicos da tradução, cujo resultado apresento no Capítulo 3 deste livro.
(pág. 17)→ O trabalho que desenvolvi até este ponto permitiu-me também concluir que
as categorizações dos procedimentos técnicos da tradução propostas pelos autores examinados
não refletem o que de fato ocorre no ato da tradução, nem contribuem para um melhor
esclarecimento dos fatores com que se defronta o tradutor em sua tarefa. Isto porque todos os
modelos examinados categorizam os procedimentos técnicos da tradução dispondo-os ao longo
de dois eixos diametralmente opostos: o da tradução literal e o da tradução não literal,
reproduzindo a tensão entre estes dois modos de traduzir, que é a mais antiga controvérsia em
torno da tradução, como foi visto acima.
Diante desta constatação, propus-me também a tarefa de tentar oferecer uma nova
proposta de categorização dos procedimentos técnicos da tradução. Assim sendo, no Capítulo 4
deste livro, discuto duas propostas de recategorização dos procedimentos tradutórios.
Na primeira delas, efetuei uma tentativa de categorizar os procedimentos técnicos da
tradução de acordo com a frequência com que ocorrem na tradução, verificada a partir de
traduções existentes. Fui, todavia, obrigada a abandonar esta proposta, pois não encontrei, na
literatura disponível, subsídios para viabilizá-la.
Na segunda, em lugar de se distribuírem ao longo do eixo divisório entre uma tradução que é
literal e outra que não é literal, os procedimentos tradutórios se categorizam de acordo com o grau de
divergência entre as duas línguas que entram em contato através do ato tradutório. A tradução literal é
vista como uma instância de elevada identidade formal e cultural entre as duas línguas que se confrontam
na tradução. As instâncias de maior divergência entre as línguas são analisadas como sendo de
divergência linguística, ou estilística, ou da realidade extralinguística, dispondo-se os demais
procedimentos tradutórios ao longo desses eixos.
Ao meu ver, esta é a categorização mais adequada dos procedimentos técnicos da
tradução. Como será visto adiante, no corpo do presente trabalho, não encontrei na literatura
disponível qualquer abordagem que caracterizasse ou categorizasse os procedimentos tradutórios
nos modos que expus acima.
No Capítulo 5 apresento uma breve conclusão deste trabalho.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 7
(pág. 19)
2
MODELOS DE TRADUÇÃO
Há milênios a tradução está entre nós, chegando alguns até mesmo a recorrer ao mito da
Torre de Babel para explicar a sua origem (cf. Campos, 1986a e b). Há muitas centenas de anos
também que se escreve sobre a tradução, podendo-se citar, entre os que o fizeram, Cícero (cf.
Newmark, 1981:4; Mounin, 1965:31-32), na Antiguidade, ou São Jerônimo (s/d), o santo patrono
dos tradutores, tradutor-revisor dos quatro Evangelhos (a Vulgata). No entanto, o falar sobre a
tradução – viesse este de Dryden, Pope, Arnold, Proust ou Gide (cf. Newmark, 1981; Mounin,
1965; Nida, 1964; Vázquez-Ayora, 1977) – era um falar impressionista, em que
autores-tradutores beletristas discorriam sobre suas experiências e impressões ao traduzir e
recriar o belo, mas se mantinham isolados, muitas vezes ignorando o trabalho uns dos outros,
sem que pudessem formar um corpo teórico.
Mas a tradução não se restringe à da palavra divina, da poesia ou da grande obra
literária. No mundo de hoje, na aldeia global forjada pelos meios de comunicação de massa,
ela se torna corriqueira, cotidiana e fundamental nos mais variados campos do conhe-
cimento e das atividades do homem.
Assim é que, em 1915, durante as Conferências para a Paz, em Paris, que geraram a Liga
das Nações, ficou evidente a necessidade de que fossem treinados intérpretes para atuar nas
assembleias dessa entidade, bem como profissionais que se ocupassem da tradução das enormes
quantidades de documentos por ela elaborados. Para que se treinassem esses profissionais, era
necessário um estudo objetivo daquilo que constitui a tradução e de como esta se realiza (cf. Her-
bert, 1968).
(pág 20)→ Os estudos acerca da tradução tomaram maior impulso a partir dos anos
cinquenta, findo o conflito da Segunda Guerra Mundial e parcialmente superados seus
efeitos, através dos esforços pela paz entre os povos, consubstanciados na formação de
organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, nos quais o francês se
viu deslocado como a língua-franca da diplomacia, e nos quais foi dado peso igual aos
idiomas das nações fundadoras, originando, assim, a necessidade de grande volume de
traduções (cf. Herbert, 1968).
O impacto dessa quantidade de traduções de aplicação prática imediata fez com que a
tradução deixasse de ser uma preocupação essencialmente de autores-escritores diletantes na
área, para inscrever-se na pauta de estudiosos informados por teorias linguísticas e, mais
especificamente, na pauta de linguistas aplicados, já que a tradução é uma instância de uso da
linguagem, um caso de interação à distância mediada pelo texto (cf. Cavalcanti, 1986:8),
envolvendo duas línguas.
Dentre os linguistas que primeiro se ocuparam da tradução está Mounin (1955, 1975,
1976a e b e 1980), cuja obra se volta consistentemente para o tema e que se tornou clássica e
fundamental para o estudo da matéria. Mounin (1975) apoia-se em vários aspectos da linguística
de seu tempo, funcional e estrutural, inclusive a linguística antropológica, e aborda vários
aspectos da tradução, até mesmo sua possibilidade ou impossibilidade, mas logo se rende à
evidência da produção nesta atividade, e afirma: “... tradutores existem, eles produzem,
recorremos com proveito às suas produções” (Mounin, 1975:19).
Assim, validada pela sua própria existência, e definida por Mounin (1975:22) como uma
operação linguística,
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 8
EMPRÉSTIMO
TRADUÇÃO DIRETA DECALQUE
TRADUÇÃO LITERAL
TRANSPOSIÇÃO
MODULAÇÃO
TRADUÇÃO OBLÍQUA
EQUIVALÊNCIA
ADAPTAÇÃO
(pág. 24)→ A tradução direta, para Vinay e Darbelnet (1977:46) é o mesmo que
tradução literal, ou palavra-por-palavra, tanto mais possível quanto maior for a semelhança
entre as duas línguas em questão, como no caso de línguas de mesma família, ou seja (Vinay e
Darbelnet, 1917:46):
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 10
A tradução oblíqua, por outro lado, é aquela que não é literal. Isto porque há casos em
que a tradução literal não é possível pois, segundo Vinay e Darbelnet (1977:49), o texto que
produziria na LT poderia:
a) ter significado diverso do original,
b) não ter significado,
c) ser estruturalmente impossível,
d) não ter correspondência no contexto cultural da LT,
e) ter correspondência, mas não no mesmo registro.
Considero possível afirmar que os itens expostos acima constituem um teste de
viabilidade da tradução literal a qual, desta maneira, constituiria um procedimento pré-tradutório:
o tradutor faria a tradução literalmente, aplicaria o teste e, resultando impossível a tradução
literal, passaria a empregar procedimentos mais complexos.
Um exemplo poderá esclarecer melhor. A frase em inglês “Paul kicked the ball” permite
tradução literal, palavra-por-palavra, em português, como se vê abaixo:
No entanto, a frase inglesa “Paul kicked the bucket” não permite tradução literal,
palavra-por-palavra, pois esta, “Paulo chutou o balde” não corresponde ao significado da LO,
que é “Paulo morreu” (pág. 25)→ ou, para manter o mesmo registro, como recomendam Vinay e
Darbelnet (1977:33-34), “Paulo bateu as botas,” ou “Paulo abotoou o paletó.”
Assim, sendo impossível a tradução literal, será necessário recorrer à tradução
oblíqua, ou seja, àquela que utiliza recursos lexicais ou sintéticos diversos daqueles
empregados no texto da LO (doravante TLO), quer dizer, que altera a forma, mas sem
alterar o conteúdo, ou a mensagem.
E dentro desse contexto, portanto, que Vinay e Darbelnet (1977:46-55) categorizam os
procedimentos técnicos da tradução, ordenando-os segundo a dificuldade de execução pelo
tradutor: quanto mais próximos da LO, mais fácil sua realização, estando, assim, os primeiros – o
empréstimo, o decalque e a tradução literal – no âmbito da tradução direta, e os demais – a
transposição, a modulação, a equivalência e a adaptação – , no âmbito da tradução oblíqua, que é
a que, em busca do sentido, mais se afasta da forma do TLO e, portanto, seria mais difícil para o
tradutor.
O primeiro procedimento da tradução direta, o empréstimo, é o mais fácil de todos,
segundo Vinay e Darbelnet (1977), pois consiste em copiar, ou utilizar a própria palavra da LO
no texto da LT (doravante TLT). Vinay e Darbelnet (1977) afirmam que este procedimento deve
ser usado quando não houver, na LT, um significante que tenha o mesmo significado expresso
pelo significante empregado no TLO, como no exemplo abaixo onde, não tendo a língua
francesa um posto equivalente ao do coroner 3 anglo-saxônico entre seus magistrados, foi
3 “Magistrado encarregado de investigar casos de morte suspeita” (cf. Houaiss e Avery, 1981:159).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 11
O texto na LO pode conter um termo novo, para o qual a LT ainda não possui equivalente.
De preferência a recorrer a uma (pág. 26) definição ou explicação, o tradutor pode utilizar
pura e simplesmente o termo da LO, que se torna, daí por diante, um empréstimo.
Vinay (1968:737) vai mais longe, ao afirmar que “este procedimento é evidentemente a
negação da tradução.”
science-fiction
(pág. 28)
I left my spectacles on the table downstairs.
J’ai laissé mes lunettes sur la table en bas.
Neste caso, o anglo-saxônico beijo que o pai dá à filha na boca é substituído por um terno
abraço em francês, já que na cultura dos povos falantes deste segundo idioma não existe o
primeiro comportamento.
Ao descrever estes procedimentos, Vinay e Darbelnet (1977) deixam claro também que,
em um determinado segmento de texto, poderão ser usados, concomitantemente, mais de um
procedimento técnico da tradução, como pode ser visto em um dos exemplos citados acima (q.v.
p. 29):
A B C D E F G
jusqu'à une heure avancée de la nuit
until the small hours of the morning
Onde A e E são traduções literais. B é uma transposição de artigo indefinido para artigo
definido, C é uma tradução literal, mas com um deslocamento obrigatório de posição dentro do
sintagma nominal (pós-posição do adjetivo flexionado em francês e anteposição do adjetivo
invariável no inglês), além de uma modulação de singular para plural. D é uma modulação onde
se encontram também alterações estruturais obrigatórias, ou seja, a pós-posição do adjetivo e sua
concordância em género e número no francês. F é uma tradução ao mesmo tempo literal e que
envolve uma transposição obrigatória do artigo definido de género feminino singular em francês
para o artigo (pág. 31)→ definido invariável em inglês. Em G encontra-se novamente uma mo-
dulação.
Vinay e Darbelnet (1977:54) citam ainda um exemplo onde vários procedimentos
tradutórios se realizam no interior da tradução de um só pequeno segmento textual (que, no caso,
pode ser considerado como um texto completo em si mesmo):
PRIVATE
DEFENSE D’ENTRER
subsídios da psicologia e da neurologia, ciências que “não sabem precisamente o que ocorre na
mente do tradutor quando este traduz.”
Retomando sua visão da língua como código comunicativo, Nida (1964:120-144)
volta-se para a teoria da comunicação, na qual o tradutor e o leitor da tradução podem ser
considerados como elementos atuantes em um ato comunicativo (cf. Zagury, 1975:105-106),
bem como a tradução uma etapa dele, como no gráfico apresentado abaixo que elaborei para
ilustrar este ponto:
(pág. 34)
FONTE → MENSAGEM1 → RECEPTOR1 → MENSAGEM2 → RECEPTOR2
Nida (1964:120) considera esta análise como tendo especial importância para a tradução,
pois vê a produção de mensagens equivalentes (a MENSAGEM1 e a MENSAGEM2 não são
iguais, mas equivalentes) como um processo não apenas de encontrar equivalentes para
segmentos de enunciados, mas como um processo de reprodução do caráter dinâmico global da
comunicação.
Assim sendo, Nida (1964:156) considera que há três fatores básicos a serem avaliados
antes de se efetuar uma tradução: 1) a natureza da mensagem, 2) o objetivo ou objetivos do autor
e, consequentemente, do tradutor e 3) o tipo de público visado pelo original e pela tradução.
A partir daí, o que se deve buscar na tradução é a maior equivalência possível entre a
MENSAGEM1 e a MENSAGEM2, afirma Nida (1964:159), mas considerando que há dois tipos
fundamentais diversos de equivalência: uma que pode ser chamada de formal e outra que é
primordialmente dinâmica.
A equivalência formal é centrada no conteúdo e na forma da MENSAGEM1, o texto
original. Neste tipo de tradução, a preocupação está em manter a correspondência estilística, a
correspondência de frase para frase e de conceito para conceito entre o TLO e o TLT. Encarada
com esta orientação formal, a tradução precisa gerar um TLT que corresponda o mais possível
aos diversos elementos linguísticos e extralinguísticos contidos no TLT.
Já a equivalência dinâmica tem como meta atingir uma total naturalidade na expressão da
MENSAGEM1, o TO, na LT e tenta transpor o TLO para a LT de tal modo que o leitor encontre
no TLT modos de comportamento e outros elementos extralinguísticos relevantes em sua própria
cultura; não insiste que ele compreenda padrões culturais do contexto da LO a fim de poder
compreender a mensagem.
(pág. 35)→ Assim, de acordo com este modelo, a tradução deve almejar ao “efeito
equivalente” que, segundo Nida (1964:159), foi enunciado por Rieu e Phillips (1954, apud Nida,
1964:159)8, ou seja, a tradução teria sobre seu leitor o mesmo efeito que teve o TO sobre seu
leitor. Mas isso nem sempre é possível7 ou desejável, como no caso das populações mencionadas
por Nida (1964) que, mesmerizadas pelo TLO, preferem uma tradução totalmente literal, mesmo
que não compreendam seu significado.
Nida (1964, 1966) não enumera procedimentos técnicos da tradução nos moldes do que
fazem Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1). Nida (1964) discute procedimentos técnicos da
tradução, embora não de modo ordenado, dificultando uma apreciação sucinta dos mesmos,
observação já feita por Vázquez-Ayora (1977:6).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 17
4 Catford (1965:1) remete o leitor para Halliday, M. A. K., "Categories of the theory of grammar," Word, Vol. 17, N°. 3, 1961, pp. 241-92; e
Halliday, M. A. K. et al. The linguistic sciences and language teaching, Longmans, 1964.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 18
LT. No exemplo abaixo, organizei um quadro em que apresento dois itens lexicais do inglês com
sua tradução fonológica para o português e o espanhol, segundo a descrição de Catford (1965),
para ilustrar este caso:
(pág. 37)
INGLÊS PORTUGUÊS DO BRASIL ESPANHOL DO URUGUAI
output [autipútí] [aupú]
vickvaporub [viquivaporúbi] [viváporu]
tradução fonológica
TRADUÇÃO TOTAL
tradução grafológica
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 19
tradução gramatical
tradução lexical
tradução fonológica
tradução grafológica
TRADUÇÃO RESTRITA
tradução gramatical
tradução lexical
onde fica claro que a tradução total engloba, simultaneamente, todos os modos de traduzir
listados ao longo de seu eixo, enquanto a tradução restrita seleciona somente um deles de cada
vez.
Trabalhando ainda com o conceito de “ordem”, Catford (1965:24) considera que pode
haver dois outros tipos de tradução, que configuram seu terceiro modelo: a tradução limitada à
ordem, aquela em que se procura encontrar equivalentes da LO na LT apenas em uma das
ordens, por exemplo, a da palavra. A outra, a tradução não limitada, corresponde à tradução
total, ou seja, mais uma vez, à definição de tradução oferecida por Catford (1980:22) citada
acima. Neste caso, as equivalências se deslocam livremente na escala das ordens, conforme as
necessidades geradas pelo confronto entre as duas línguas.
Expondo um quarto modelo de tradução, Catford (1965:25) afirma também que as
noções intuitivas de tradução livre, literal e palavra-por-palavra correspondem em parte às
descrições acima. A tradução livre (pág. 39)→ é não limitada, total; a tradução
palavra-por-palavra é limitada à ordem da palavra e a tradução literal situa-se a meio termo
entre as duas, pois parte de uma tradução palavra-por-palavra, mas efetua as alterações
necessárias, de acordo com as normas de uso da LT, fazendo com que possa ser uma tradução
efetuada na ordem do grupo ou mesmo da oração.
Catford (1965:25-26) oferece um exemplo deste quarto modelo, reproduzido abaixo:
Texto na LO: It’s raining cats and dogs.
Tradução palavra-por-palavra: * Il est pleuvant chats et chiens.
Tradução literal : * Il pleut des chats et des chiens.
Tradução livre : Il pleut à verse.
(* Não aceitável na LT)
Aqui, somente a terceira versão é comutável com o TLO, e portanto, ao meu ver, é a
única que constitui uma tradução aceitável.
Como foi visto acima, na discussão do quarto modelo, há uma certa sobreposição nos
modelos de tradução descritos por Catford (1965), o que poderá ser melhor explicado por meio
de um gráfico, tal como o que elaborei e apresento abaixo:
E SUAS SOBREPOSIÇÕES
Tradução
Parcial Tradução Restrita Tradução Tradução
Limitada Palavra-por-palavra
Tradução Tradução Total Tradução Tradução Literal
Plena Não Limitada Tradução Livre
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 20
(pág. 40) Examinando-se o quadro acima observa-se que: 1) a tradução parcial tem
correspondência na tradução restrita e na tradução limitada, bem como na tradução
palavra-por-palavra, que encontram também correspondências entre si; 2) a tradução literal
corresponde, em parte, à tradução limitada e à tradução restrita, que se correspondem, também,
em parte; 3) & tradução literal corresponde, em parte, à tradução plena, a tradução total e a
tradução não limitada, que se correspondem perfeitamente, assim como correspondem à
tradução livre.
Além destes modelos de tradução, Catford (1965:73-82) fala das transposições5 (shifts)
que ocorrem na tradução. A definição destas •mudanças, oferecida por Catford (1980:82), que é
“perdas de correspondência formal no processo de passagem da LO para LT,” corresponde à
definição de tradução oblíqua de Vinay e. Darbelnet (1977) – cujos exemplos Catford (1965)
cita abundantemente em seu livro – e, mais especificamente, ao procedimento que descrevem
sob o
nome de “transposição.”
É possível dizer, acredito, que as transposições a que se refere Catford (1965) são, na
verdade, procedimentos técnicos da tradução, inclusive pela proximidade com as colocações de
Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1). Enquanto procedimento técnico da tradução, a transposição
de Catford (1965) estaria dentro dos eixos das traduções plena, total, não limitada, literal e livre.
Para resumir as transposições expostas por Catford (1965:73-82), elaborei o quadro
abaixo, que será explicado em seguida:
TRANSPOSIÇÕES NA TRADUÇÃO
de gramática a léxico
TRANSPOSIÇÃO DE ORDEM
de léxico a gramática
de escritura
de classe
TRANSPOSIÇÃO DE CATEGORIA
de unidade
intra-sistema
(pág. 41) O primeiro tipo de transposição que cita Catford (1980:82) é a transposição
de ordem ou plano. Por exemplo, uma transposição entre a ordem gramatical e a ordem lexical,
como no exemplo abaixo, retirado de Vinay e Darbelnet (1977) por Catford (1965:75):
Aqui, o dêitico this, da ordem gramatical, foi traduzido por le présent, artigo + adjetivo
lexical, pertencendo parcialmente à ordem lexical (cf. Catford, 1980:85).
O segundo tipo de transposição que enumera Catford (1980:85) corresponde às
transposições de categoria, também definidas como perda de correspondência formal, e
subdivididas em transposições de estrutura, de classe, de unidade e intra-sistema. Abaixo são
examinadas estas transposições, de acordo com Catford (1965:76).
5 O termo "mudanças" foi utilizado na tradução brasileira (cf. Catford, 1980:82) para o termo shift em LO, que vem a ser o mesmo utilizado
por outros autores (por exemplo, Newmark, 1981) para traduzir o termo transposition utilizado por Vinay e Darbelnet (1977).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 21
Tal como Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1), Nida (1964, q.v. 2.1.2) e Catford (1965,
q.v. 2.1.3). Vázquez-Ayora (1977) começa seu livro pela descrição da teoria linguística que serve
de base para seu estudo acerca da tradução, que vem a ser a análise contrastiva de base
gerativa-transformacional e a semântica estrutural ( cf. Vázquez-Ayora, 1977: 1), além da
estilística, a partir de Bally (cf. Vázquez-Ayora, 1977:68-101), tal como Vinay e Darbelnet
(1977, (cf. Vázquez-Ayora, 1977:252), o que tem em comum com Nida (1964, q.v. 2.1.2).
Também como Nida (1964), em que se baseia, Vázquez-Ayora (1977:49) aponta um
modelo transformacional da tradução, que pode ser entendido através do quadro abaixo (cf.
Vázquez-Ayora, 1977: 49), onde se vê o caminho que deve percorrer o tradutor para produzir o
TLT:
6 Na literatura disponível, só encontrei uma tentativa de caracterização do erro tradutório em Gouadec (1974:9), onde estes são classificados
em três tipos: non-sens (não-senso), contresens (contra-senso) e faux-sens (falso-senso).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 23
por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1), com a diferença que, para estes últimos, a tradução
literal é, ao mesmo tempo, um macro-eixo ao longo do qual se alinham procedimentos
tradutórios (o empréstimo, o decalque e a própria tradução literal) e um procedimento tradutório
por si mesmo, enquanto que para Vázquez-Ayora (1977), a tradução literal se destaca por ser
um eixo e um procedimento ao mesmo tempo, mas sem possuir outros procedimentos que se
alinhem sob ela, pois, como se vê no gráfico acima, Vázquez-Ayora (1977) não inclui em seu
modelo os procedimentos denominados empréstimo e decalque por Vinay e Darbelnet (1977,
q.v. 2.1.1).
Vázquez-Ayora (1977) analisa aquilo que considera um defeito de tradução, o anglicismo
de frequência – anglicismo porque Vázquez-Ayora (1977) trabalha somente com a tradução do
inglês para (pág. 45)→ o espanhol – que guarda alguma semelhança com o decalque descrito por
Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1).
Para Vázquez-Ayora (1977:120-140), o anglicismo de frequência ocorre quando se
decalca com frequência excessiva um tipo de construção comum no inglês, mas rara no
espanhol, embora não incorreta, como no exemplo de tradução abaixo (cf. Vázquez-Ayora,
1977:107), que foi feita literalmente.
some countries are demanding...
algunos países están exigiendo...
segundo, uma amplificação de in para que opera en, por necessidades estruturais e estilísticas do
espanhol, a LT.
A explicitação é um caso particular de amplificação, realizada para deixar claro que o
leitor do TLT algo que não lhe é familiar na cultura do TLO, como se vê nos exemplos abaixo
(cf. Vázquez-Ayora, 1977:350):
The Secretary of State testified against the En las audiencias previas el Secretario de Estado
provision that automatically excludes all argumento en contra de la disposición que excluye
OPEC members. ipso facto a los miembros de la OPEP.
If the assistance of the police authorities at the Si el Estado que deporta desea obtener la
place of an intermediate stop is desired... asistencia de las autoridades de policía en el lugar
donde se haga escala...
No primeiro exemplo foi explicitado en las audiências previas para elucidação daqueles
que não conhecem os mecanismos que regem a tramitação de um projeto de lei no Congresso
dos Estados Unidos.
No segundo, foi explicitado el Estado que deporta para auxiliar o leitor do TLT que não
esteja familiarizado com os procedimentos de deportação ou extradição empregados nos Estados
Unidos.
A omissão, procedimento que não é discutido por Vinay e Darbelnet (1977), consiste em
omitir elementos excessivamente repetidos na LO, mas que não sio habitualmente repetidos na
LT, ou elementos que a LT em geral não explicita, como no exemplo abaixo (cf. Vázquez-Ayora,
1977:364):
(pág. 47)→
To speak of a mutual convertibility from Hablar de una convertibilidad reciproca de una
one particular language to another. lengua a otra.
Neste exemplo, foi omitido o adjetivo particular do inglês, por não ser necessário para o
entendimento da frase em espanhol.
A compensação é utilizada para repor as perdas de conteúdo ou de recursos estilísticos do
TLO ao se falar a tradução para a LT (cf. Vázquez-Ayora, 1977:374), Segundo este
procedimento, quando, por exemplo, um trocadilho feito na LO é impossível em um determinado
ponto do TLT, um outro pode ser introduzido em um ponto diverso do texto, para recuperar o
efeito total do mesmo. Este procedimento está, também, inteiramente de acordo com a
formulação do princípio do efeito equivalente, apontado por Nida (1964, q.v. 2.1,2). O exemplo
abaixo é oferecido por Vázquez-Ayora (1977:374).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 25
trabalho, pois a literatura de língua portuguesa (cf. Campos, 1986a e b; Dutra, 1983 e outros),
bem como Newmark (1981) o citam como o revisor e ampliador do modelo de Vinay e
Darbelnet (1977). Para os fins deste trabalho é relevante o fato de Vázquez-Ayora (1977) ter
incluído no seu modelo procedimentos mencionados por Vinay e Darbelnet (1977) sem que
fossem encaixados no seu modelo. Embora não haja aí uma concepção teórica (pág. 49)→
diferente, existe uma formulação mais completa dos procedimentos técnicos da tradução, o que,
ao meu ver, é útil para o tradutor, o professor e o aluno de tradução, pois fica recoberto de modo
mais abrangente o que o tradutor realiza no ato tradutório.
Para Newmark (1981:14-15) todos os textos têm função informativa e os exemplos em (1)
apenas ilustram a ênfase principal, já que há concomitância nas funções.
Este quadro, acredito, pode servir de orientação para tradutores, professores e alunos de
tradução.
Em seguida, Newmark (1981) conclui que os modos de traduzir podem-se polarizar em
dois extremos, sendo que no primeiro, que denomina tradução semântica, o foco recai sobre a
LO, o autor original e seu público, enquanto, no segundo, que denomina tradução comunicativa,
o foco recai sobre a LT e o leitor.
Para melhor explicar a diferença entre estes dois pólos, será útil o diagrama apresentado
abaixo, reproduzido de Newmark (1981:39):
A B C
(pág. 52)
transposição
modulação
equivalência cultural
omissão
compensação
TRADUÇÃO
sinonímia lexical
COMUNICATIVA
rótulo tradutório
definição
paráfrase
contração
7 Aqui entendido como um adjetivo derivado de idiotismo em sentido lato, "os traços linguísticos de uma língua, que m elhor a caracterizam
em face das outras que lhe são cognatas" (cf. Câmara Júnior, 1977:142).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 29
reconstrução de períodos
reorganização, melhorias
dístico tradutório
naturalização
técnicos da tradução são listados com a tradução que dei à nomenclatura, em português, no
quadro seguinte.
Nida (1964, q.v. 2.1.2) está ausente do primeiro quadro porque não faz uma listagem
clara de procedimentos técnicos da tradução, como fazem os outros autores discutidos neste
capítulo.
Através do quadro, podemos observar que a transliteração de Catford (1965) não tem
correspondência em outros autores. Catford (1965:66-70) discute este procedimento fora do
âmbito de seus quatro modelos; por este motivo não foi discutido no presente capítulo. No
entanto, será retomado em 3.10.2 abaixo.
Observa-se também que somente Vázquez-Ayora (1977) não discute o empréstimo (ou
transferência) e nem este autor nem Catford (1965) discutem o decalque.
Fica claro também que a tradução literal de Catford (1965) não encontra
correspondência em outros autores.
(pág. 57)→ PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
Vinay e Darbelnet (1977) Newmark (1981, 1988) Vázquez-Ayora (1977) Catford (1965)
- - - Transliteration
Emprunt Transference (Transcription) - Transference
Calque Through-translation - -
Traduction Literale One-to-one translation Traducción Literal Word-for-word translation
- - - Literal Translation
Transposition Shift or transposition Transposición Shift
Modulation Modulation Modulación Free Translation
Equivalence Cultural equivalence Equivalencia
Functional equivalence
Adaptation Adaptación
Amplificación
Explicitación
Omisión
Compensación
éttofement Compensation
Lexical synonymy
Translation label
Definition
Paraphrase
Expansion (Éttofement)
Contraction
Recasting Sentences
Rearrangement/Improvements
Translation couplet
(pág. 58)
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 32
O exposto acima indica que, embora há mais de dois mil anos se escreva sobre a tradução
(q.v. 1), a grande controvérsia em torno do assunto continua a mesma: tradução livre ou literal?
Muitos autores têm procurado afastar-se da tradução literal, dentre eles os examinados
aqui. Em um extremo coloca-se Vázquez-Ayora (1977) que, a todo momento, repete ser a
tradução literal o grande mal da tradução, em outro um autor como Catford (1965) para quem
até mesmo a tradução palavra-por-palavra, sem manter sequer a gramaticalidade da LT, tem seu
lugar.
(pág. 62) Para todos os autores examinados aqui, acredito, o problema está em a tradução
literal ser anteriormente considerada como única possibilidade de tradução. Para afastar-se dela
criaram seus modelos de tradução.
Em minha avaliação, o princípio do efeito equivalente citado por Nida (1964, q.v. 2.1.2,
p. 35) foi a primeira visão da tradução que pareceu efetivamente alcançar a meta do afastamento
da tradução literal, pois propunha que a tradução tivesse sempre o mesmo efeito sobre seu leitor
que tinha o TLO sobre o seu.
No entanto, em minha experiência de tradutora e professora de tradução, logo ficou
aparente que isso nem sempre é possível, nem desejável (q.v. 2.1.2, p. 35 e 2.1.5, p. 49), o que
fez com que eu me voltasse para a proposta de Newmark (1980, 1988, q.v. 2.1.5, p. 50-53) de
incluir a teoria das funções da linguagem no modelo da tradução.
Nesta visão, o tradutor seleciona os procedimentos técnicos da tradução a serem
utilizados em um determinado texto a partir das funções da linguagem que encontra, do tipo de
texto com que está trabalhando e com a finalidade da tradução. Assim, este modelo abre espaço
igual para as traduções desde as muito literais até as muito livres.
Ê este método de trabalho que utilizo quando faço traduções ou dou aulas de tradução.
Embora esteja fora do escopo do presente trabalho aprofundar este aspecto, é na aplicação da
teoria das funções da linguagem à tradução que pretendo desenvolver meu trabalho no futuro.
Nesta dissertação, prossigo formulando uma proposta de caracterização dos
procedimentos técnicos da tradução, tarefa que me propus por achar que poderia eliminar
algumas discrepâncias entre as abordagens de vários autores, assim auxiliando tradutores, alunos
e professores de tradução. Esta proposta é apresentada no Capítulo 3.
Prossigo também apresentando duas propostas de recategorização dos procedimentos
técnicos da tradução, tentando apresentar uma visão que não se prenda apenas à tensão entre
tradução livre e tradução literal. Estas duas propostas são apresentadas no Capítulo 4.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 35
(pág. 63)
3
PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO
DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
(pág. 65)
he wrote a letter to the mayor
ele escreveu uma carta para o prefeito
sans retard
sem demora
Seu uso é restrito, porém, pois é rara uma convergência tão grande entre as línguas. A
esse respeito, comenta Aubert (1987:16): “É relativamente fácil perceber que, encarado como
um todo, a tradução de um texto de certa extensão (dois ou mais períodos compostos) jamais
poderá ser empreendida palavra-por-palavra.”
it is a known fact
é fato conhecido
tradução literal como a fonte de todos os erros na tradução. (pág. 66→). No entanto, como
apontam Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necessária, ou até obrigatória. Pode ser
necessária em um tipo de tradução que tem como objetivo a comparação com o texto original,
como em certas edições bilíngues. Pode ser obrigatória na tradução de certos documentos. Nesse
caso, observa Aubert (1977), a tradução literal – ou mesmo palavra-por-palavra – deixa de ser
meramente um reflexo de uma coincidência estrutural e cultural entre duas línguas, para
tornar-se um procedimento tradutório deliberado. Segundo Newmark (1988), é o procedimento
recomendável sempre que for possível.
3.3 A TRANSPOSIÇÃO
A transposição consiste na mudança de categoria gramatical de elementos que
constituem o segmento a traduzir, como se observa nos exemplos abaixo:
Observa-se que há mais de uma opção de tradução para cada segmento, o que indica que
a transposição não é um procedimento obrigatório. Muitas vezes será possível também uma
tradução literal (tal como definida aqui, q.v. 3.2) do segmento.
No segundo segmento citado acima, por exemplo, existe no português a possibilidade de
se manter um advérbio na tradução, como se vê abaixo, tornando a tradução literal.
(pág. 67) Assim sendo, a transposição pode ser obrigatória, quando é imprescindível para que a
tradução se atenha às normas da LT, ou facultativa, quando é realizada por razões de estilo,
como para se evitar o excesso de advérbios com sufixo mente, na tradução do inglês para o
português, considerado deselegante e que, na minha experiência, constitui uma recomendação
expressa de editores brasileiros.
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1), Vázquez-Ayora
(1977), Newmark (1988) e Catford (1965).
3.4. A MODULAÇÃO
A modulação consiste em reproduzir a mensagem da TLO no TLT, mas sob um ponto de
vista diverso, o que reflete uma diferença no modo como as línguas interpretam a experiência do
real, como nos exemplos abaixo, na tradução entre o inglês e o português.
like the back of my hand → como a palma da minha mão
keyhole → buraco da fechadura
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 38
3.5. A EQUIVALÊNCIA
A equivalência consiste em substituir um segmento de texto da LO por um outro
segmento da LT que não o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente.
(pág. 68) Este procedimento é normalmente aplicado a clichés, expressões idiomáticas,
provérbios, ditos populares e outros elementos cristalizados da língua, como nos exemplos
abaixo:
Este procedimento foi defendido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 29),
Vázquez-Ayora (1977:313-322) e Newmark (1988: 90-91).
Newmark (1981, 1988) considera o equivalente cultural, o equivalente funcional e o
equivalente descritivo como procedimentos independentes, mas estes procedimentos estão
englobados aqui sob a equivalência, considerada como um procedimento mais geral.
Estes dois procedimentos foram definidos por Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 46).
(pág. 69)
3.7. A COMPENSAÇÃO
A compensação consiste em deslocar um recurso estilístico, ou seja, quando não é
possível reproduzir no mesmo ponto, no TLT, um recurso estilístico usado no TLO, o tradutor
pode usar um outro, de efeito equivalente, em outro ponto do texto.
Os trocadilhos, por exemplo, quando não podem ser efetuados com um mesmo grupo de
palavras, podem ser feitos em outro ponto do texto onde sejam possíveis, para equilibrar o texto
estilisticamente.
É comum dizer-se, ao criticar as traduções, que "empobreceram" o texto. Este
empobrecimento seria a ausência no TLT dos recursos estilísticos empregados pelo autor no
TLO.
Cito abaixo um trecho de Alice in Wonderland (cf. Carrol, s/d: 53), por Fernando de
Mello (cf. Carrol, 1976:89-90) onde podem-se notar perdas e compensações:
Este procedimento é examinado por Nida (1964), Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p.
47) e Newmark (1981, 1988).
Observo isso com frequência quando traduzo manuais do usuário do inglês para o
português. De modo geral, meus clientes não aceitam os períodos curtos do inglês, achando que
dão ao texto em português um tom excessivamente infantil.
Um exemplo de reconstrução de períodos realizado por mim pode ser visto abaixo em
3.9.
Este procedimento é descrito por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55).
3.9 AS MELHORIAS
As melhorias consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos
de erro cometidos na TLO.
É este o procedimento que utilizo quando traduzo para o inglês os relatórios de bolsistas
de uma instituição beneficente. Alguns deles, ao escreverem seus relatórios, cometem vários
tipos de erro. Como o relatório visa apenas a informar aos supervisores da entidade nos Estados
Unidos acerca do desenvolvimento dos projetos dos bolsistas – e não a refletir seu idioleto – -
corrijo automaticamente tais erros, como no exemplo abaixo (cj. Farias, 1988):
(pág. 71)
O trabalho será desenvolvido em 04 etapas a 1.° etapa do trabalho consta da
sensibilização dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus trabalho
que serão discutidos em reunião com todas às diretoras e professores de educação artís-
tica, comunicação e expressão e Estudos Sociais, (sic.)
The work will be developed in four stages. The first is to make teachers aware of the
issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be debated
at meetings with the school principals, and art, language, and social studies teachers.
Este procedimento foi definido por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55, 1988).
3.10 A TRANSFERÊNCIA
A transferência consiste em introduzir material textual da LO no TLT. A denominação
"transferência" para este procedimento é a preferida por Newmark (1988:81-82).
A transferência pode assumir as formas abaixo:
1) estrangeirismo
2) estrangeirismo transliterado (transliteração)
3) estrangeirismo aclimatado (aclimatação)
4) estrangeirismo + uma explicação de seu significado, que pode ser:
a) nota de rodapé
b) diluição do texto.
3.10.1 O Estrangeirismo
O estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocábulos ou
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 41
expressões da LO que se refiram a um conceito, técnica ou objeto mencionado no TLO que seja
desconhecido para os falantes da LT.
(pág. 72) O vocábulo ou expressão aparecerá no TLT entre aspas, em itálico ou
sublinhado marcando o itálico – - isto é, com uma marca gráfica de que se trata de vocábulo
estranho à LT – o que é obrigatório nas normas brasileiras de editoração (cf. Silva, 1984;
Houaiss, 1975).
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 25). Ao
defini-lo, denominam-no "empréstimo," apropriando à teoria da tradução um termo já utilizado
pela linguística, dando-lhe uma acepção diferente, pois falam de um "empréstimo" tomado no
próprio ato da tradução, e não da utilização de vocábulos já incorporados ao léxico da LT: "o que
interessa ao tradutor são os empréstimos novos e mesmo os empréstimos pessoais" (Vinay e
Darbelnet, 1977:47), observação feita também por Nida (1964:137).
Aquilo que entendem por "empréstimo", portanto, outros autores chamam de
estrangeirismo, como observa Yebra (1984:333). Conceituado pela linguística, o estrangeirismo
vem a ser um empréstimo vocabular não integrado à língua que o toma, conservando da outra os
fonemas, a flexão e a grafia. Com o passar do tempo, sendo o vocábulo da língua estrangeira
amplamente aceito pelos falantes da que o acolheu, tende este a se adaptar à fonologia e à
morfologia desta última, caso em que se transforma em empréstimo (cf. Câmara Júnior,
1977:111), através de um processo denominado aclimatação (cf. Pei, 1966: 3-4).
Exemplos de empréstimos do inglês aclimatados no português são: chulipa, escrete,
nocaute, piquenique, sinuca, time. Suas formas em língua inglesa são: sleeper, scratch, knockout,
pic-nic, snooker e team (cf. Ferreira, s/d, 321, 557, 975, 1091, 1037, 1378).
O empréstimo linguístico, por sua vez, consiste, como foi dito acima, na incorporação de
elementos de uma língua em outra, "tais elementos podendo ser, em princípio, fonemas, afixos
flexionais, afixos derivacionais, vocábulos e tipos frasais"14 (cf. Câmara Júnior, 1977:104).
Embora o termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977) não seja estritamente correto,
pelos motivos examinados acima, já adquiriu livre curso entre tradutores, professores e teóricos
da tradução. Ao realizar o presente estudo, senti a necessidade de marcar a distinção entre os
termos "empréstimo" e "estrangeirismo," correntes na (pág. 73) linguística, como foi visto
acima, e o procedimento descrito por Vinay e Darbelnet (1977). Foi encontrada a mesma
preocupação em Newmark (1981:178-179), que sugere o uso dos termos "transcrição,"
"transferência" ou "adoção." Proponho utilizar o termo transferência para o macro-procedimento
que engloba outros que utilizam o elemento lexical do TLO no TLT. Reservei o termo
estrangeirismo para aquilo a que Vinay e Darbelnet (1977) denominam "empréstimo," a fim de
evitar ir de encontro à terminologia tradicional em linguística.
3.10.2 A Transliteração
A transliteração consiste em substituir uma convenção gráfica por outra (cf. Dubois et al.,
1978:601; Pei, 1966:282), como no caso de glasnost, uma transliteração do alfabeto cirílico para
o romano, e que não deve ser confundida com a transcrição fonética (cf. Dubois et al, 1978; Pei,
1966).
Como procedimento de tradução, ocorre em casos de extrema divergência entre duas
línguas, que nem sequer têm um alfabeto comum. Este procedimento é descrito por Catford
(1965:26).
Na tradução entre o inglês e o português normalmente não haverá lugar para este
procedimento, uma vez que as duas línguas utilizam o alfabeto romano. Podem ocorrer, contudo,
elementos já transliterados na LO. Sendo este o caso, é preciso obedecer as normas de
transliteração adequadas para cada língua (cf. Maillot, 1975:147; Associação Brasileira de
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 42
3.10.3 A Aclimatação
A aclimatação é o processo através do qual os empréstimos são adaptados à língua que os
toma (cf. Pei, 1966:3-4). Este processo pode também ser denominado "decalque" (cf. Pei,
1966:34; Crystal, 1980:51). Através desse processo, um radical estrangeiro se adapta à fonologia
e à estrutura morfológica da língua que o importa (cf. Câmara Júnior, 1977:105).
Enquanto procedimento tradutório, a aclimatação consistiria em o tradutor realizar, ele
mesmo, essas transformações a que o empréstimo estaria sujeito durante o uso pelos falantes da
língua que o adota.
(pág. 74) Seria, portanto, um passo além do estrangeirismo (q.v. 3.10.1) em que a palavra
estrangeira é simplesmente copiada da LO no TLT. Aqui, o vocábulo já estaria sujeito a alguma
transformação, a ser efetuada pelo tradutor.
Observo que, em meu trabalho de tradutora e de professora de tradução, nunca tive a
oportunidade de realizar este procedimento, de modo que concluo que o tradutor raramente o
realiza: normalmente só depois que uma palavra é tomada de empréstimo pelo conjunto de
falantes de uma língua é que passará pelo processo de aclimatação.
Tal como observa Alves (1983), este procedimento só pode ser detectado em uma
tradução através de uma análise diacrônica, para determinar se já havia sido utilizado
anteriormente ou não.
(pág. 75) A explicação pode também tomar a forma de um "equivalente cultural" (cf.
Newmark, 1988:82-83), por exemplo:
Night School, o Supletivo americano,...
ICM, the Brazilian sales tax. ..
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 43
3.11. A EXPLICAÇÃO
Havendo a necessidade de eliminar do TLT os estrangeirismos para facilitar a
compreensão, pode-se substituir o estrangeirismo pela sua explicação. Isso pode acontecer em
uma peça de teatro, por exemplo, em que, por uma questão de ritmo cénico, é preciso que o
espectador tenha uma compreensão imediata da situação.
Este procedimento é descrito por Nida (1964), que o recomenda ao invés do
estrangeirismo, particularmente quando comenta a tradução da Bíblia para leitura em voz alta, a
qual geraria a mesma necessidade de compreensão imediata que o teatro.
Os exemplos oferecidos acima (q.v. 3.10.4) podem ser repetidos aqui, omitindo-se o
estrangeirismo:
... exame de avaliação a que se submetem estudantes norte-americanos ao final do
segundo grau como requisito para a entrada nas universidades. . .
... o Supletivo americano. . .
... the Brazilian sales tax. . .
... Escola Secundária. . .
... acolyte
... Ministro da Saúde. . .
... o mercado financeiro de Nova Iorque. . .
(pág. 76)
3.12. O DECALQUE
O decalque consiste em traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT,
abandonando a confusão que se criou em torno do termo empregado por Vinay e Darbelnet
(1977, q.v. 2.1.1, p. 27), já que, como foi visto, muitos autores interpretam o decalque como
sendo uma aclimatação do empréstimo linguístico.
Tal como o estrangeirismo e a aclimatação, o decalque só pode ser detectado em uma
tradução existente através de uma análise diacrônica, que determine se já havia sido usado ou
não, como observa Alves (1983).
Newmark (1981, 1988) define dois tipos de decalque. Um deles é o empréstimo de tipos
frasais propriamente dito e o segundo é o decalque empregado na tradução de nomes de
instituições, conforme nos exemplos abaixo:
a)decalque de tipos frasais
task force grupo tarefa
textbook livro texto
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 44
3.13. A ADAPTAÇÃO
A adaptação é o limite extremo da tradução: aplica-se em casos onde a situação toda a
que se refere a TLO não existe na realidade extralinguística dos falantes da LT. Esta situação
pode ser recriada por uma outra equivalente na realidade extralinguística da LT.
Este procedimento foi descrito por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 30) e por
Vázquez-Ayora (1977), além de ser comentado por Newmark (1988).
(pág. 78) Tive a oportunidade de utilizar este procedimento ao traduzir manuais de
treinamento de pessoal americanos para uma firma brasileira. Foi exigência do cliente que os
nomes dos personagens citados nas histórias de caso, das entidades mencionadas (tais como
universidades e firmas), bem como cidades, fossem substituídos por outros bem brasileiros, a fim
de aproximar da realidade dos empregados brasileiros as situações citadas como exemplos, sem,
no entanto, alterar o conteúdo da teoria de trabalho em equipe que desejavam veicular.
O mesmo deu-se em relação a situações tipicamente americanas, tais como horários de
refeições, tipos de alimentos, esportes praticados, que foram substituídos por outros mais comuns
no Brasil.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 45
(pág. 79)
4
DUAS PROPOSTAS DE RECATEGORIZAÇÃO
DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
primeiro lugar.
A segunda proposta se prende à convergência ou divergência entre as línguas envolvidas
no ato tradutório, bem como entre as culturas ou contextos extralinguísticos a que se referem.
Quanto maior for a convergência entre as línguas, mais simples e mais fáceis os procedimentos
tradutórios necessários para a passagem de uma para outra.
Estas duas propostas são examinadas a seguir.
(pág. 83)
4.1. A CATEGORIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
PELA FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIA
% N.°de
Procedimentos
vezes
Tradução Literal 53,99 4.924
Transposição Obrigatória 33,34 3.041
Transposição Facultativa 5,77 526
Omissão 2,92 266
Erro 1,34 122
Empréstimo 0,65 59
Transposição Obrigatória + Modulação Obrigatória 0,64 58
Transcrição 0,53 48
Modulação Facultativa 0,50 46
Modulação Obrigatória 0,11 10
Transposição Obrigatória + Empréstimo 0,10 9
Transposição Facultativa + Transposição Obrigatória + Modulação 0,04 4
Facultativa
Transposição Facultativa + Modulação Facultativa 0,03 3
Tradução Literal + Empréstimo 0,02 2
Transposição Obrigatória + Transcrição 0,01 1
Empréstimo + Explicação 0,01 1
Decalque 0,01 1
(pág. 85)→ Reorganizando este quadro para adequá-lo ao modelo de Vinay e Darbelnet
(1977, q.v. 2.1, p. 23), obtive o quadro que apresento abaixo:
% N.° de vezes
Empréstimo 0,65 59
Tradução Direta Decalque 0,01 1
Tradução Literal 53,99 4.924
Transposição 39,11 3.567
Tradução Indireta Modulação 0,61 56
Equivalência - -
Adaptação - -
Um exame dos dois quadros acima deixa claro que a hierarquização proposta por Vinay e
Darbelnet (1977, q.v. 2.1) para os procedimentos técnicos da tradução não corresponde à
frequência com que são utilizados os procedimentos técnicos da tradução em textos da área de
ciências sociais.
Paiva (1981/92) realizou um trabalho em que efetua uma contagem dos procedimentos
técnicos da tradução descritos por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1) na tradução de sintagmas
nominais característicos de textos de serviço social.
Reordenei o quadro apresentado por Paiva (1981/82:89) de acordo com o número de
vezes que foram utilizados os procedimentos técnicos na tradução de sintagmas nominais em
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 49
Número de vezes
Procedimentos
que foram utilizados
Transposição 730
Modulação com Transposição 160
Tradução Inadequada 64
Transposição com Omissão 46
Transposição com Acréscimo 26
Tradução Incompleta 19
Modulação 11
Equivalência 10
Transposição com Equivalência 9
Equivalência Facultativa 4
Empréstimo 3
Literal 2
(pág. 86)→ Reorganizei, em seguida, o quadro acima para adequá-lo ao modelo de Vinay
e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 23) e obtive o quadro abaixo:
Empréstimo 3
Tradução Direta Decalque -
Tradução Literal 2
Transposição 730
Modulação 11
Tradução Indireta
Equivalência 14
Adaptação -
Um exame dos dois quadros acima deixa claro que a hierarquização proposta por Vinay e
Darbelnet (1977, q.v. 2.1) para os procedimentos técnicos da tradução não corresponde à
frequência com que são utilizados na tradução de sintagmas nominais em textos da área de
serviço social.
A combinação dos dois quadros que elaborei, a partir dos trabalhos de Alves (1983) e
Paiva (1981/82), produziu o quadro abaixo:
Empréstimo 59 3
Decalque 1 –
Tradução Literal 4.924 2
Transposição 3.567 730
Modulação 56 11
Equivalência – 14
Adaptação – –
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 50
Um exame desse quadro deixa ver duas coincidências entre os resultados obtidos por
Alves (1983) e Paiva (1981/82): a alta incidência do emprego da transposição, por um lado, e a
baixa incidência do empréstimo, por outro.
(pág. 87)→ Estas duas coincidências parecem confirmar minha intuição de que a
transposição é um dos procedimentos mais utilizados dentre os descritos por Vinay e Darbelnet
(1977, q.v. 2.1), assim como de que o empréstimo é um dos menos utilizados.
O quadro torna aparente também algumas discrepâncias entre os resultados obtidos
respectivamente por Alves (1983) e por Paiva (1981/82). A principal delas é a diferença na
frequência de utilização da tradução literal. Em Alves (1983), esta foi de 4.924 vezes, parecendo
confirmar minha intuição de que seria o procedimento mais utilizado. Em Paiva (1981/82), no
entanto, o número encontrado para este procedimento foi de apenas duas vezes, parecendo con-
trariar minha intuição de que seria o procedimento mais utilizado.
Creio que o principal motivo para esta discrepância é a escolha do corpus. Enquanto
Alves (1983) examinou textos completos, Paiva (1981/82) examinou unidades menores, ou seja,
sintagmas nominais, cujas traduções, segundo o modelo de Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p.
26-27), deveriam estar classificadas como decalques, como foi visto acima (q.v. 3.12, p. 76).
Ao meu ver, as discrepâncias entre os resultados obtidos não permitem que, a partir deles,
se organizem os procedimentos técnicos da tradução de acordo com a frequência de uso.
Um dos motivos para tal impossibilidade, acredito, reside na própria caracterização dos
procedimentos técnicos da tradução utilizados para as contagens, como será visto abaixo.
Paiva (1981/82) baseou sua análise exclusivamente nos procedimentos descritos por
Vinay e Darbelnet (1977). Alves (1983) fez o mesmo, depois de analisar o modelo de tradução
de Catford (1965) e concluir que este não era adequado para os fins propostos em seu trabalho.
Tanto Paiva (1981/82) como Alves (1983) concluíram que a descrição dos procedimentos
técnicos da tradução feita por Vinay e Darbelnet (1977) não era suficiente para recobrir todos os
procedimentos que encontraram no corpus que examinaram e incluíram em sua análise outros
procedimentos, definidos de modo ad hoc em seu trabalho, para poder descrever as ocorrências
encontradas nas traduções que cotejaram com seus originais.
(pág. 88)→ Um exame dos quadros encontrados nas páginas 84 a 86 acima mostra que
não houve coincidência entre os procedimentos que definiram, além dos descritos por Vinay e
Darbelnet (1977), (e nem mesmo na interpretação que deram a estes), como se pode ver no
quadro que elaborei e apresento abaixo:
Transposição + Acréscimo
Tradução Incompleta
Transposição + Equivalência
efetuar também uma recaracterização dos procedimentos técnicos da tradução que elimine
algumas das dificuldades apresentadas pelo modelo de Vinay e Darbelnet (1977), tal como a
caracterização do decalque, e também dê conta dos procedimentos propostos por alguns outros
autores, que parecem contribuir para suprir as insuficiências da descrição de Vinay e Darbelnet
(1977).
Alves (1983) aponta outras limitações em seu trabalho de avaliação estatística. A
primeira delas é a limitação do corpus, sendo que não há na literatura disponível dados que
permitam avaliar que tamanho de corpus seria suficiente para determinar inequivocamente a
hierarquia dos procedimentos técnicos da tradução segundo sua frequência de uso (cf. Alves,
1983:92).
A segunda é quanto ao tipo de texto. Nas duas contagens mencionadas, os textos são da
área de ciências humanas, não havendo contagens disponíveis em outras áreas. Alves (1983:14)
levanta a hipótese de que talvez contagens em outros tipos de textos produzissem resultados
diferentes. Está aí aberta uma área de estudos futuros.
Além do tipo de texto, segundo Alves (1983:95), seria preciso levar em conta as
"peculiaridades estilísticas de cada tradutor," pois estas poderiam estar fazendo com que cada
texto apresentasse resultados diversos. Alves (1983:95) aponta que um estudo para resolver esta
dificuldade pediria que vários tradutores traduzissem o mesmo texto, avaliando em seguida cada
tradução, para poder determinar até que ponto as peculiaridades de cada tradutor interfeririam na
frequência de uso de cada procedimento técnico da tradução.
Em vista dos dados expostos acima, fica aparente que o estado atual dos estudos sobre a
tradução não permitem que os procedimentos (pág. 91) técnicos da tradução sejam
hierarquizados de acordo com a frequência com que são usados.
(pág. 94)→ É possível considerar estilo também como estando relacionado ao registro, à
probabilidade de ocorrência de um enunciado e do grau de adequação de um enunciado a uma
situação (cf. Hymes, 1979:22-23), como foi visto acima, sendo a convergência estilística, então,
uma convergência desses fatores.
Mesmo que não haja uma convergência entre o sistema linguístico, o estilo (como
entendido acima) e a realidade extralinguística em todo o espectro recoberto por duas línguas,
elas podem convergir em algumas instâncias ou em segmentos de texto, como, por exemplo, no
período abaixo:
A casa é branca.
La casa es blanca.
La casa ès bianca.
La maison est blanche.
Assim sendo, nos casos em que existe a convergência, tal como descrita acima, são dois,
no meu entender, os procedimentos técnicos da tradução de que o tradutor pode lançar mão: a
tradução palavra-por-palavra e a tradução literal, conforme definidas acima (q.v. 3.1).
Quando esta convergência é máxima, é possível aplicar-se a tradução
palavra-por-palavra, embora mesmo que apenas em pequenos segmentos de texto. Em seguida,
vem a tradução literal, que já não é mais palavra-por-palavra, pois faz todas as alterações
morfo-sintáticas necessárias para produzir um texto aceitável na LT, sem afastar-se dele.
Acredito que este segundo procedimento seja o mais comum nas traduções. No entanto,
para ordenar os procedimentos aqui, foi utilizado um critério de progressivo afastamento da LO
– sem contudo chegar ao exagero de Vinay e Darbelnet (1977), que consideram como tradução
literal até mesmo a inclusão de elementos lexicais da LO no TLT – em que a tradução literal
pode funcionar como uma pré-tradução que permitiria ao tradutor avaliar que procedimentos de-
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 55
princípios capazes de explicar as escolhas efetuadas por indivíduos e grupos sociais no seu uso
da língua.
Uma vez que esses modos expressivos variam de uma língua para outra, assim como
variam as escolhas de uso da língua, o estilo é um aspecto importante a ser considerado ao se
efetuar uma tradução, porque pode tornar impossível a tradução literal (q.v. 3.1.2) que é o
procedimento espontâneo do tradutor diante do TLO.
Todos os autores examinados para o presente trabalho levam em consideração o estilo
nos modelos que propõem (q.v. 2). Em minha proposta de categorização, os procedimentos
técnicos a serem utilizados diante de divergências de estilo são a omissão e seu oposto, a
explicitação, a compensação, a reconstrução de períodos e as melhorias conforme definidos em
3.6, 3.7, 3.8 e 3.9.
Estes processos são listados de acordo com o tamanho do segmento de texto que
envolvem: a omissão e a explicitação podem ser realizadas com os pronomes pessoais, por
exemplo, na tradução entre o português e o inglês, podendo, também, envolver segmentos
maiores. A compensação e a reconstrução geralmente envolvem segmentos maiores, atingindo
até a totalidade do texto a ser traduzido, o que pode acontecer também com as melhorias. Ao
mesmo tempo, acredito, estão listados de acordo com a ordem de frequência com que são
realizados, de acordo com o que pude observar em meu trabalho de tradutora e professora de
tradução.
são os procedimentos ligados a estas divergências os menos utilizados pelo tradutor, assim como
os que lhe causam maior dificuldade.
O procedimento definido por Vinay e Darbelnet (1977) como empréstimo, por exemplo,
só é usado pelo tradutor quando este: 1) desiste de encontrar um equivalente, ainda que apenas
aproximado, na LT, 2) o empréstimo é de uso consagrado na LT ou 3) considera importante
utilizar o item lexical da LO por algum motivo, em geral ligado ao estilo. Assim sendo, está
longe de ser o procedimento mais (pág. 99) → fácil, como dizem Vinay e Darbelnet (1977), ou
de constituir uma simples cópia, como dizem (cf. Vinay e Darbelnet, 1977), pois envolve muito
mais trabalho – ou operações lógicas – por parte do tradutor.
Além disso, como já foi dito aqui e por Alves (1983), só é possível detectar, em uma
tradução existente, os procedimentos que cito sob transferência e decalque através de uma
análise diacrônica. Em muitos dos casos observados, e utilizados aqui como exemplos desses
procedimentos, o uso dos estrangeirismos já é consagrado na língua, estando esses
dicionarizados, o mesmo acontecendo com alguns tipos frasais. Talvez, nesses casos, fosse mais
correto falar em tradução literal, ou mesmo palavra-por-palavra.
Ainda assim, creio que pode existir um momento em que estes procedimentos estejam
sendo usados pela primeira vez, tal como discutido aqui. Ao traduzir para o inglês "INPS" e
"cambono", como já me aconteceu, não sabia se já haviam sido traduzidos ou não para esta
língua, e acredito ter aí realizado os procedimentos que descrevo.
Na categorização que proponho, são três os tipos de tratamento que podem ser dados aos
itens lexicais, sintagmas e segmentos textuais que reflitam a divergência extralinguística:
1. transferência do elemento lexical da LO para o TLT:
a) tal e qual ocorre na LO (estrangeirismo) (q.v. 3.10.1)
b) transliterado (transliteração) (q.v. 3.10.2)
c) aclimatado (aclimatação) (q.v. 3.10.3)
ordem que vai dos mais simples para os mais complexos, dos que envolvem unidades menores
para os que envolvem unidades maiores, e, primordialmente, na ordem dos que minha intuição
revela serem mais usados (mais frequentes) para aqueles que considero menos usados (menos
frequentes), embora eu não tenha encontrado na literatura subsídios para comprovar esta
frequência.
Nesta categorização que proponho para os procedimentos técnicos da tradução, tentei
eliminar a dicotomia entre tradução livre e tradução literal. Assim, distribuí os procedimentos
ao longo de quatro eixos, aqueles onde seria gerada a necessidade de cada procedimento a fim de
preservar o sentido (que priorizo em minha proposta) sem impor uma divisão rígida entre eles.
Em primeiro lugar, uma vez que a tradução opera nas línguas, no fundo todos os
procedimentos são gerados por uma divergência linguística, sendo a divisão em eixos uma
questão de grau, mais do que de separação.
Além disso, um procedimento pode ter a sua necessidade gerada em mais de um eixo
simultaneamente. Por exemplo, o tradutor pode decidir manter um estrangeirismo no TLT
(gerado por uma divergência extralinguística) por motivo de estilo (divergência de estilo),
querendo manter a cor local.
(pág. 101) → Em segundo lugar, a passagem de um eixo para outro se dá de maneira
suave, como a que se realiza entre a tradução literal e a transposição, pois há uma certa
imbricação entre as duas.
Finalmente, considero que a opção por um procedimento ou outro será feita segundo a
teoria das funções da linguagem, o tipo de texto e a finalidade da tradução, nos moldes do que é
descrito no quadro apresentado em 2.1.5 página 51. Nesta visão da tradução todos os
procedimentos são igualmente válidos, independentemente de serem literais ou não.
É esta visão de tradução que se impõe à categorização dos procedimentos técnicos da
tradução que tentei realizar neste trabalho.
(pág. 103)
5
CONCLUSÃO
em uma tradução, e por não concordar com a divisão dicotômica entre tradução literal e não
literal, procurei examinar, cronologicamente, outros autores que tratassem do mesmo assunto.
Em seguida, portanto, examinei o trabalho de Nida (1964, 1966; Nida e Taber, 1982, q.v.
2.1.2). Embora este autor não liste e enumere procedimentos técnicos da tradução, como fazem
Vinay e Darbelnet (1977), (pág. 104)→ ele os comenta brevemente em vários pontos de sua
obra.
A visão de Nida (1964) da tradução é que esta constitui um ato comunicativo. A partir
daí, haveria dois modos de traduzir: a equivalência formal, onde se visa a produzir um TLT que
corresponda o mais possível aos diversos elementos linguísticos e extralingiiísticos do TLT, ou
seja, produz-se uma tradução o mais literal possível, mesmo que isto prejudique a compreensão
do TLT pelo leitor; e a equivalência dinâmica, onde se visa a proporcionar ao leitor um TLT que
lhe seja familiar em termos não só da construção linguística e estilística, como também em
termos dos comportamentos e elementos extralingiiísticos expressos no TLT.
Assim, foi introduzida, por Nida (1964), uma figura importante no modelo da tradução: o
leitor. É em prol dele que Nida (1964) considera válido realizar uma tradução que se distancia
em muito do TLO em termos formais. Neste modelo, entretanto, persiste ainda a oposição entre
tradução literal e não literal.
Passei, em seguida, para um exame de Catford (1965, q.v. 2.1.3), que apresenta quatro
modelos de tradução, utilizando a teoria linguística de Halliday.
Catford (1965) inicia pela tradução plena vs. a tradução parcial. Na primeira, todo o
material textual na LO é substituído por seu equivalente na LT; na segunda, há uma parte, ou
partes, do TLO que são incorporadas ao TLT.
A segunda oposição exposta por Catford (1965) é a da tradução total vs. a tradução
restrita. Na primeira, todas as "ordens" ou "planos" (q.v. 2.1.3, p. 36) do TLO são substituídos
por outros da LT; na segunda, esta substituição limita-se a apenas uma dessas "ordens" ou
"planos."
A terceira oposição é aquela entre a tradução limitada e a não . limitada. A primeira se
realiza em apenas uma das ordens, enquanto, na segunda, as equivalências entre o TLO e o TLT
são buscadas des-locando-se livremente na escala das ordens.
(pág. 105)
Finalmente, Catford (1965) apresenta um modelo tripartido, onde figuram a tradução
livre, a 4tadução literal e a tradução palavra-por-palavra, entendidas de acordo com a visão
intuitiva que se têm destes tipos de tradução.
Alguns dos tipos de tradução descritos por Catford (1965) são equivalentes a
procedimentos tradutórios descritos por Vinay e Darbelnet (1977), mas tampouco me pareceram
suficientes para dar conta do que efetivamente ocorre em uma tradução, ou para um maior es-
clarecimento do processo.
Examinei, em seguida, o trabalho de Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4), que reviu e
ampliou os procedimentos técnicos da tradução descritos por Vinay e Darbelnet (1977), opondo
a tradução literal – como modo de traduzir e procedimento técnico da tradução ao mesmo tempo
– à tradução oblíqua, com os demais procedimentos listados ao longo deste eixo.
Vázquez-Ayora (1977) faz uma tentativa de aplicar à tradução o modelo da linguística de
base gerativa-transformacional. Talvez seja este o modelo que mais se aproxima do que
realmente ocorre na cabeça do tradutor no ato da tradução, que é apresentado nesta visão como
que em câmera-lenta. No entanto, não encontrei evidência empírica na literatura para
comprová-lo.
Terminei minha revisão da literatura com o trabalho de Newmark (1981, 1988, q.v.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 60
2.1.5), que dispõe os procedimentos técnicos da tradução ao longo dos eixos opostos da tradução
semântica e da tradução comunicativa. A primeira visa a transmitir, com a maior aproximação
possível, o significado contextual do original. É, portanto, uma tradução fiel e literal. A segunda
visa a produzir em seus leitores um efeito tão próximo quanto possível do efeito produzido sobre
os leitores do original. É, portanto, livre e idiomática.
Newmark (1981, 1988) introduz no modelo da tradução alguns elementos vitais: as
funções da linguagem, o tipo de texto e a finalidade da tradução. São esses elementos que
auxiliarão o tradutor a decidir que tipo de tradução, livre ou literal, deve empregar em um
determinado texto.
Esta última formulação foi a que me pareceu intuitivamente mais adequada, pois reflete o
modo como procedo ao traduzir. Observo, (pág. 106)→ todavia, que Newmark (1981, 1988)
ainda apresenta os procedimentos técnicos da tradução na mesma ordem em que foram
apresentados por Vinay e Darbelnet (1977), embora sem explicitar por que o faz. Além disso,
seu trabalho continua a manter os procedimentos técnicos da tradução divididos ao longo de dois
eixos diametralmente opostos.
O exame que fiz da literatura disponível permitiu-me responder a algumas das perguntas
que me propus ao iniciar este trabalho (q.v. 1).
Em primeiro lugar, nenhum dos autores examinados alega serem os procedimentos
técnicos da tradução que descrevem uma chave para a compreensão das operações mentais
envolvidas no ato tradu-tório. Encontrei, na literatura (cf. Bordenave, 1987; Alves, 1983)
subsídios para afirmar que, até hoje, não foi desvendado o mistério sobre o que se passa na
cabeça do tradutor no ato da tradução.
A fim de compreender as operações mentais envolvidas no ato de traduzir, poderiam ser
úteis as pesquisas de linguística aplicada de natureza qualitativa, que poderiam utilizar a técnica
introspectiva de protocolo verbal ou de protocolo de pausa (cf. Cavalcanti, 1986 15).
Contudo, um outro tipo de análise é possível a partir do coteja-mento entre o TLO e a
TLT (cf. Alves, 1983:9):
Embora seja possível uma preparação preliminar para se traduzir um texto, há um
momento, justamente aquele em que o ato tradutório propriamente dito ocorre, que
é difícil de explicar. O processo parece englobar todo um aspecto
psiconeurológico, sobre o qual seria difícil de se afirmar algo objetivamente
comprovável. Parece ser possível, entretanto, inferir alguma coisa sobre a natureza
propriamente linguística do processo, a partir do confronto entre os textos da
língua original (TLO) e da língua da tradução (TLT).
sua descrição.
Acredito também que os procedimentos técnicos da tradução refletem as operações
linguísticas que o tradutor realiza ao efetuar uma tradução.
Em terceiro lugar, ao meu ver, os procedimentos técnicos da tradução são mais do que
uma mera listagem das dificuldades que o tradutor encontra na realização de uma tradução, ou
uma tentativa ad hoc de descrever os problemas que este encontra.
É verdade que está implícita na descrição dos procedimentos técnicos da tradução
aquelas que seriam as dificuldades encontradas pelo tradutor, já descritas por Mounin (1975). No
entanto, os procedimentos técnicos da tradução constituiriam um elenco abrangente de possíveis
modos de proceder à disposição do tradutor, que os sele-cionaria de acordo com uma visão
ampla (um modelo) daquilo que vem a ser uma tradução e de qual é o papel do tradutor.
O fato de os procedimentos técnicos da tradução poderem ser detectados em traduções
existentes, feitas mesmo por indivíduos que talvez desconhecessem a formulação dos
procedimentos de execução, bem como a variedade de pares de línguas em que são encontrados,
alguns exemplificados no presente trabalho (q.v. 1, p. 16), comprovam a abrangência destes
procedimentos.
Assim, pelos motivos expostos acima, acredito que os procedimentos técnicos da
tradução, tal como abordados na literatura examinada (pág. 108)→, possuem status de
generalização suficiente para a formulação de teorias.
Em quarto lugar, o exame da literatura que realizei permitiu constatar que os autores que
se seguiram a Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1) procuraram investigar o ato de traduzir à luz
das teorias linguísticas mais atuais em seu tempo. No entanto, conforme pude verificar, pouco
contribuíram para um entendimento mais esclarecedor da concepção inicial de Vinay e Darbelnet
(1977), como será visto abaixo.
Nida (1964, q.v. 2.1.2) fez uma primeira aplicação do modelo da linguística de base
gerativa transformacional à tradução, o que foi feito também, mais tarde, por Vázquez-Ayora
(1977, q.v. 2.1.4). Embora estas duas formulações sejam, na literatura examinada, as que me
parecem mais aproximar-se do que se passa na cabeça do tradutor durante o ato de traduzir, não
me parecem ter logrado contribuir efetivamente para que o tradutor tivesse condições de realizar
melhor a sua tarefa.
Nida (1964) aplicou também o modelo da comunicação à tradução, com maior sucesso,
acredito, pois, em lugar de um confronto entre duas línguas, orquestrado por um autor ausente,
mas plenipotenciário, seu modelo introduz na tradução as figuras do leitor e do próprio tradutor
como intermediário do ato comunicativo.
Assim, são diminuídos os poderes do autor, que passa a se curvar às necessidades do
leitor, o que considero vital, pois elimina a tradução tão fiel ao original que é incompreensível
para o leitor e porque valoriza a figura do tradutor.
Catford (1965, q.v. 2.1.3) aplica o modelo da teoria da linguística geral de Halliday à
tradução mas, ao meu ver, com pouco sucesso, já que explicita em grande detalhe procedimentos
pouco usados – (como a tradução fonológica e a tradução grafológica, q.v. 2.1.3, p. 36-37) ou
impossíveis de utilizar na prática (como a tradução exclusivamente gramatical e a tradução
exclusivamente lexical, q.v. 2.1.3, p. 37), que talvez possam ser úteis em algum tipo de texto
metalingiiístico, com a finalidade de realização de uma análise con-trastiva – deixando de lado
uma série de outros procedimentos de grande utilidade para o tradutor e examinados pelos
demais autores (pág. 109) e que, em sua descrição, ficam englobados indistintamente naquilo
que denomina tradução livre (qj?, 2.1.3, p. 38-39).
Newmark (1981, 1988, q.v. 2.1.5) emprega a teoria das funções da linguagem em seu
modelo, embora sem conseguir alterar a disposição dos procedimentos técnicos da tradução em
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 62
dois eixos dicotômicos, o da tradução semântica e o da tradução comunicativa (q.v. 2.1.5, p. 52)
como foi visto no presente capítulo, acima, nem a ordem de apresentação, idêntica à de Vinay e
Darbelnet (1977).
No entanto, acredito que é na conceituação da teoria das funções da linguagem, da
tipologia dos textos e da finalidade das traduções que está a chave para a solução da tensão entre
a tradução literal e não literal, que é, ao mesmo tempo, a tensão entre o conteúdo e a forma. Isto
porque é a definição destes fatores que permitirá a decisão de qual modo de traduzir será
adequado em cada caso. Conforme o foco se deslocar ao longo desses elementos será escolhido o
modo de traduzir adequado, não dicotomicamente entre tradução literal e não literal, mas
passando por toda uma gama de modos de traduzir variados que se encontram entre estes dois
pólos: mais literal se o foco recair sobre o autor, menos literal se cair sobre o leitor, e assim por
diante.
Este aspecto não foi tratado exaustivamente no presente trabalho, por estar fora de seus
objetivos. É a este assunto, todavia, que pretendo dedicar minha atenção no futuro.
Finalmente, concluí que a categorização dos procedimentos técnicos da tradução proposta
por Vinay e Darbelnet (1977) e a hierarquização proposta em termos da dificuldade de execução
pelo tradutor deixam a desejar quanto a sua utilidade para o ato de traduzir e o ensino da
tradução.
A categorização dos procedimentos técnicos da tradução ao longo de dois eixos
diametralmente opostos, no meu entender, não reflete o que ocorre na tradução, que, acredito,
deve ser executada em vários graus diferentes de literalidade e não-literalidade, conforme a
situação, o que expus acima. Não refletindo o que de fato ocorre, uma categorização não pode
ser útil para o tradutor ou o aprendiz de tradução.
(pág. 110)→ A ordem em que são expostos os procedimentos técnicos da tradução
tampouco pareceu-me útil para o tradutor ou para o aluno de tradução. Isto porque sua
hierarquização do mais fácil para o mais difícil apenas ilusoriamente atende aos interesses do
tradutor, pois este raramente é o foco da tradução – talvez o seja na tradução recriativa da poesia
onde, acredito, o poema (TLO) é usado quase que apenas como inspiração para o tradutor criar
seu próprio poema (cf. entrevista de Jorge Wanderley em "Sem Censura", TVE, 19/01/89).
Por outro lado, os dois procedimentos colocados por Vinay e Darbelnet (1977) como os
mais fáceis (o empréstimo e o decalque) não são tão fáceis na realidade (q.v. 4.1) e sua
utilização, ao meu ver, é muito restrita na prática.
eliminaria a tensão entre tradução livre e literal, proporcionando uma passagem suave de
um eixo para outro, como no caso da tradução literal para a transposição.
(pág. 111) → Além disso, a seleção dos procedimentos técnicos da tradução passaria a
ser informada péla teoria das funções da linguagem, pelo tipo de texto e pela finalidade da
tradução. Sob esta ótica, todos os procedimentos são igualmente válidos, quer sejam
extremamente literais ou totalmente livres, pois já não seriam escolhidos arbitrariamente.
BIBLIOGRAFIA
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Mimeografado.
______. A pesquisa na área da tradução. Trabalho apresentado na mesa redonda de
mesmo nome no III Encontro Nacional da ANPOLL, Rio de Janeiro, 1988. Mimeografado.
CÂMARA JÚNIOR, J. Mattoso – Dicionário de linguística e gramática. Vozes,
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BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 65
NOTAS
1. A primeira edição desta obra é de 1958. Para este trabalho foi utilizada a edição revista
e aumentada de 1977.
2. No dizer de Mounin (1975:20), inclusive: 'Pelo que sabemos, J. P. Vinay e J.
Darbelnet foram os primeiros a se dispor a escrever um compêndio de tradução que reivindicasse
um status científico.
3. Algumas obras de Bally: Traité de stylistique française, Paris, Klincksieck, 1909; Le
langage et la v/e, Genebra, Atar, 1913, Linguistique générale et linguisíique française, Paris, E.
Lerous, 1932 (apud Dubois et ai, 1978), além de ter sido um dos organizadores do Curso de
linguística geral, Saus-sure (1972).
4. "Magistrado encarregado de investigar casos de morte suspeita" (cf. Houaiss e Avery,
1981:133).
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 67
5. Newmark (1981, 1988) refere-se a esta retradução como back translation test, que
demonstraria ser uma tradução a melhor possível, em termos de ser fiel ao mesmo tempo ao
conteúdo e à forma do original.
6. RIEU, E. V. e PHILLIPS, J. B. Translating the Gospels. Concórdia Theol. Monthly
25:754-765. 1954. Apud Nida (1964:159).
7. Segundo Arrojo (1986:22): "...ainda que um tradutor conseguisse chegar a uma
repetição total de um determinado texto, sua tradução não recuperaria nunca a totalidade do
"original"; revelaria, inevitavelmente, uma leitura, uma interpretação desse texto que, por sua
vez, será, sempre, apenas lido e interpretado, e nunca totalmente decifrado ou controlado."
8. Catford (1965:1) remete o leitor para Halliday, M. A. K., "Categories of the theory of
grammar," Word, Vol. 17, N°. 3, 1961, pp. 241-92; e Halliday, M. A. K. et al. The linguistic
sciences and language teaching, Longmans, 1964.
9. O termo "mudanças" foi utilizado na tradução brasileira (cf. Catford, 1980:82) para o
termo shift em LO, que vem a ser o mesmo utilizado por outros autores (por exemplo, Newmark,
1981) para traduzir o termo transposition utilizado por Vinay e Darbelnet (1977).
10. Na literatura disponível, só encontrei uma tentativa de caracterização do erro
tradutório em Gouadec (1974:9), onde estes são classificados em três tipos: non-sens
(não-senso), contresens (contra-senso) e faux-sens (falso-senso).
11. BUHLER, K. Die Sprachtheorie. Fischer, Jena, 1934, apud Newmark (1981).
12. FREGE, G. "Sense and reference." In: GEACH, P. e BLAK, M. Trans-lations from
the philosophical writings of Gottlieb Frege. Blackwell, Oxford, 1960, apud Newmark
(1981:14).
13. Aqui entendido como um adjetivo derivado de idiotismo em sentido lato, "os traços
linguísticos de uma língua, que melhor a caracterizam em face das outras que lhe são cognatas"
(cf. Câmara Júnior, 1977:142).
14. Os empréstimos de tipos frasais são tratados sob a rubrica do decalque, de acordo
com o modelo de Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 3.12).
15. De acordo com Cavalcanti (1986:7), na técnica de protocolo verbal, o informante
verbaliza seu pensamento durante a solução de um problema. No protocolo de pausa, a
verbalização só ocorre quando o informante se dá conta do que está fazendo, ou porque
encontrou um problema ou porque achou algo digno de nota. O linguista grava esses protocolos,
ana-lisa-os e interpreta-os qualitativamente.
POSFÁCIO
Os Procedimentos Técnicos da Tradução catorze anos depois
Os dois mil exemplares que compuseram a primeira edição dos Procedimentos técnicos
da tradução, publicada em 1990, esgotaram-se em cerca de quatro a cinco anos. Foi uma boa
carreira para um livro académico no Brasil. Como deixei o País logo após a publicação, para
fazer o doutorado na Inglaterra, na Universidade de Warwick, onde fiquei quatro anos, o livro
ganhou vida própria, sem interferência minha, sem lançamentos, sem propaganda.
Catorze anos se passaram, e parece tratar-se de um livro que fez história, que, acredito,
deixou uma marca nos estudos da tradução do Brasil: é utilizado em cursos de graduação e
pós-graduação de um lado a outro de nosso território– e até em Portugal (cf. MAGALHÃES,
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 68
1996). O livro figura na bibliografia de inúmeras dissertações, teses e artigos. Mereceu uma
resenha por Pedro de Moraes Garcez (1992) e outra por José Luiz Vila Real Gonçalves (1996).
A recepção do meu trabalho parece demonstrar que o livro veio preencher uma lacuna na
área de treinamento em tradução, uma lacuna que não foi ainda preenchida totalmente, apesar da
rica bibliografia internacional para o ensino da tradução e de uma obra da qualidade de Traduzir
com autonomia (ALVES, MAGALHÃES e PAGANO, 2000) ter sido publicada dez anos mais
tarde, no Brasil.
O germe do livro Procedimentos técnicos da tradução foi minha dissertação de
mestrado8. Pelas mãos da Profa. Dra. Marcella Mortara, encontrei a obra de Jean-Paul Vinay e
Jean Darbelnet, Stylistique comparée du français et de 1'anglais: méthode de traduction, de
1958. Esta obra pareceu-me abordar a tarefa do tradutor de um modo mais claro do que qualquer
outra disponível no Brasil, naquele momento. E tratava da tradução com um forte embasamento
teórico, calcado na estilística, propondo fornecer as bases para desvendar o modo como um
tradutor trabalha para obter os melhores resultados possíveis. Tendo eu migrado, como tantos
outros, do mundo da prática para a teoria, sendo, além de tradutora, professora de tradução, era
necessário que encontrasse uma base teórica sólida que fundamentasse não somente minha
pesquisa como, também, meu exercício da profissão. Por isso, a praticidade da obra de Vinay e
Darbelnet me atraiu tanto.
Naquela época, havia muito poucas publicações sobre tradução no Brasil. Tomando como
base uma bibliografia compilada por Waltensir Dutra, tradutor, presidente do Sintra, consegui
levantar praticamente a totalidade do que havia sido publicado sobre tradução no Brasil até aque-
le momento, desde a obra pioneira de Breno da Silveira (1954) e de Paulo
Rónai(1952,1970,1976, 1981) publicadas originalmente nos anos 1950 - estando as de Rónai
ainda disponíveis no mercado em re-edições -, chegando aos trabalhos mais recentes (naquela
altura), do professor Erwin Theodor Rosenthal (1976), de Agenor Soares dos Santos (1977,
1981) e do Prof. Delton de Mattos (1980, 1981, 1983), passando por algumas das mais recentes
dissertações e teses produzidas no Brasil sobre o tema, por exemplo: Alves (1983), Coelho
(1988), Cubric (1984), Fregonezi (1984), Mendonça (1982), Queirós Filho (1976) e Wanderley
(1983).
Pouquíssimas obras internacionais de peso haviam sido traduzidas para o português até
então. Entre elas estavam A Linguistic Theory of Translation de J. C. Catford, traduzida por um
grupo de alunos da PUC de Campinas, La traduction cientifique et technique, de Jean Maillot,
traduzido por Paulo Rónai, e Les problèmes théoriques de la traduction de Georges Mounin,
traduzido por Heloysa de Lima Dantas.
Havendo-as lido e estudado, cheguei à conclusão de que algumas dessas obras não me
seriam úteis, particularmente as nacionais mais antigas. Essas pertencem a uma tradição que
denomino humanista-beletrista: seus autores são homens (em geral, homens, não mulheres)
extremamen-. te cultos, poliglotas, amantes das belas letras, que relatam sua experiência como
tradutores e tentam ditar normas para a tradução. Mas essas prescrições refletem apenas o seu
gosto pessoal, revela-os como "homens de seu tempo", servindo de muito pouco como
sustentação seja de uma teoria da tradução, seja de uma prática da tradução no dia-a-dia.
Tornava-se necessário encontrar obras que não fossem apenas uma coleção de
impressões, mas que, ao contrário, se respaldassem em um suporte teórico. Ao mesmo tempo,
queria encontrar algo que fosse também ancorado na prática tradutória, ao contrário da obra
teórica de Mounin (1975), por exemplo. Decidi, então, que, dentre as obras disponíveis, a de
Vinay e Darbelnet era a que melhor atendia meus anseios, particularmente ao descrever os
procedimentos técnicos da tradução. Já havia, inclusive, alguns estudos brasileiros do fazer
8 BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Os procedimentos técnicos da tradução: uma proposta de recategorização, dissertação de mestrado. Rio
de Janeiro: Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1989. Mimeo.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 69
tradutório com base nesses autores, destacando-se os estudos do Prof. Francis Aubert e de seus
alunos da USP, continuados até bem recentemente pela professora Diva Camargo (2001 ),9 bem
como artigos seminais das professoras Eliane Zagury e Maria Arminda Sousa-Aguiar
(ZAGURY, 1975; SOUSA-AGUIAR, 1980).
No entanto, alguns conceitos de Vinay e Darbelnet não me deixavam completamente
satisfeita. Tentei achar outras obras que pudessem me servir de balizamento para um estudo
detalhado dos procedimentos técnicos da tradução. Afinal, selecionei o trabalho teórico de
Catford (1965, 1980), já publicado em português, alguns trabalhos dos teóricos de base
linguística, ancorados na prática da tradução da Bíblia, de Eugene Nida (1964, 1975, 1982) e as
obras também teóricas de Peter Newmark (1988, 1981), que já circulavam no Brasil, embora
nunca tenham sido traduzidos para o português. Escolhi usar também o trabalho de
Vázquez-Ayora (1977), que fazia uma revisão da proposta de Vinay e Darbelnet estudando outro
par de línguas, o inglês e o espanhol, calcado em seu trabalho na OEA.
Assim, meu trabalho tomou forma: de início, uma cuidadosa comparação entre os
modelos de tradução propostos pelos quatro autores seleci-onados (Catford, Nida, Newmark e
Vmay e Darbelnet), seguida por uma análise detalhada daquilo que propunham como
procedimentos técnicos da tradução. Finalmente, uma proposta de caracterização de quinze
procedimentos técnicos da tradução, bem como de uma categorização desses procedimentos, ou
seja, de sua distribuição não em uma tensão dicotômica (tal como a que se estabelece entre
conceitos como frio e quente) entre a tradução literal se contrapondo à tradução livre, mas com
uma distribuição ao longo de um fluxo contínuo que abrange desde as mínimas até as máximas
divergências (tal como variações de temperatura) entre dois sistemas linguísticos, dois estilos e
duas realidades extra-lingúísticas.
A grande contribuição de meu trabalho, portanto, é a tentativa de ruptura com a tradição
clássica dos estudos tradutológicos que consideram as traduções e seus procedimentos como
sendo simplesmente "livres" ou "literais" (ou "tradução direta" vs. "tradução indireta", na ex-
pressão de Vinay e Darbelnet). Tentei demonstrar que tal dicotomia não é válida e que os
procedimentos tradutórios podem, na verdade, ser escolhidos de acordo com a proximidade ou
distância entre os sistemas linguísticos envolvidos em um ato tradutório e entre as realidades
extra-lingiiísticas que representam. Assim fazendo, desestruturei a organização dos
procedimentos técnicos da tradução feita por Vinay e Darbelnet.
Esses autores hierarquizam os procedimentos técnicos da tradução de acordo com a
dificuldade de aplicação que representam para o tradutor, colocando o empréstimo em primeiro
lugar, como sendo o procedimento mais fácil. De acordo com os autores, para utilizar o em-
préstimo, tudo o que o tradutor tem a fazer é copiar uma palavra ou expressão. Minha colocação,
ao contrário, é de que este é o mais difícil procedimento de todos, uma vez que parece ser
utilizado quando a distância entre dois sistemas linguísticos e sua realidade extra-lingúística é tão
grande que a comunicação fica prejudicada e o único recurso do tradutor (sem dúvida depois de
muitas tentativas infrutíferas) é copiar um item linguístico que será ininteligível para os leitores
do texto meta. Não se trata portanto, de mera cópia, mas de luta perdida na negociação do
sentido.
Demonstrando isso, retiro o tradutor da posição de mero copista e liberto seus poderes de
seleção e criação. Deste ponto de vista, o tradutor adquire o poder de trabalhar não somente no
enquadre da tradução literal vs tradução livre, mas, também, a possibilidade de mover-se à
vontade ao longo de um eixo onde se dispõem quinze procedimentos tradutórios de igual peso e
relevância.
Desta maneira, parece justificar-se a utilização de Procedimentos técnicos da tradução
9 Observando-se que tais pesquisadores utilizam o termo "modalidades" de tradução ao se referirem aos procedimentos técnicos da
tradução descritos por Vinay e Darbelnet.
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 70
no ensino porque, quando o aluno iniciante defron-ta-se com uma série de procedimentos
tradutórios viáveis e válidos, quer .- dizer, com muitas maneiras possíveis de traduzir, tem-se a
impressão que se abre diante dele um mundo de possibilidades. Isto parece indicar que há, entre
os iniciantes, um certo medo do texto original que os faz pensar que devem traduzi-lo
estritamente palavra por palavra, mesmo que este modo de traduzir produza unj texto
ininteligível em língua meta, como demonstra não só a minha própria prática pedagógica como
também a de muitos docentes que me relatam suas experiências.
Para tais alunos, tomar consciência dos quinze procedimentos técnicos da tradução que
recaracterizei e recategorizei é descobrir que são livres para manipular o texto fonte de várias
maneiras a fim de obter um texto meta que atinja os objetivos almejados - ligados ao registro e
ao estilo adequados em vista do público a que o texto meta se destina. Como afirma Rosemary
Arrojo:
Se o que futuros tradutores devem aprender, em última instância, é como fazer traduções
que sejam aceitáveis e celebradas dentro da comunidade cultural em que desejam atuar e
já que não é humanamente possível ensinar-lhes tudo que há para se saber –
simplesmente porque não existe tal possibilidade de conhecimento - a única abordagem
realista ao ensino de tradução deve se concentrar no esforço de fornecer aos futuros
profissionais um aparato crítico que lhes permita descobrir que tipo de estratégia deve ser
empregada em cada projeto tradutório que decidirem realizar. (Arrojo, 1993: 147-48)
Assim, é importante ressaltar que os procedimentos técnicos da tradução descritos não
constituem um receituário, um livro de receitas para a tradução, como se uma pitada de
equivalência, uma colherzinha de transferência, um raminho de modulação pudessem fazer de
um texto uma tradução "perfeita". Ao contrário, traduzir é uma constante descoberta, um
constante "lidar com o novo" (cf. BARBOSA e CALDAS, 2001) que exige sensibilidade
linguística e capacidade de pesquisa.
Por tal motivo, é importante deixar claro que a palavra "modelo", que emprego no livro,
não deve ser interpretada como "molde", "forma", "padrão", "gabarito". Quando falo em
"modelos da tradução", discuto construtos teóricos que visam tentar circunscrever e definir um
objeto de estudo e fornecer uma base sólida, mesmo que temporária, aos estudiosos de uma
ciência. Um exemplo claro é o modelo do sistema solar que usamos hoje, com o sol no meio e os
planetas em volta. Podemos mesmo construir um modelinho, com bolinhas e arame, que nos
deixe ver como é esse universo - mas, mesmo assim, nossa faculdade de montar um modelo não
nos permite fazer com que modifiquemos o modo como a realidade se comporta: não podemos
dizer ao sol, "Ponha-se no leste". Note-se, também, que um modelo não é uma teoria: a teoria
explica o por quê das coisas. O modelo nada explica, as bolinhas que representam o sol e a lua
podem girar no arame, mas se continua sem saber por quê. A explicação é função da teoria (cf.
BARBOSA, 2001).
A teoria linguística, porém, até hoje, não foi capaz de dar conta do fenómeno da tradução.
Desde Mounin (1975) a Umberto Eco (2004) se manifesta, em um embate entre a teoria e a
prática, a incapacidade de, sequer, decidir se a tradução é possível ou não:
Entre o argumento puramente teórico de que, uma vez que as línguas têm estruturas
diversas, a tradução é impossível, e o reconhecimento do senso comum de que, afinal, as
pessoas, no mundo, realmente traduzem e entendem umas às outras, parece-me que a
ideia de tradução como um processo de negociação (entre autor e texto, entre autor e
leitores, bem como entre a estrutura de duas línguas e as enciclopédias de duas culturas)
é a única que corresponde a nossa experiência. (ECO 2004:12) [minha tradução]
Aqui, Eco caracteriza a tradução como um "processo". Uma visão consistente com a da
vasta maioria dos pesquisadores da área hoje. Para a descrição dos procedimentos técnicos da
tradução os autores analisados por mim, bem como virtualmente a totalidade das pesquisas
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 71
desenvolvidas até o final dos anos 1980, partiam de traduções prontas, quer dizer, de produtos
finais, sem se voltar para o processo da tradução. Quer dizer, até há cerca de catorze anos atrás,
era o cotejamento entre originais e traduções que embasava a pesquisa e permitia inferir o modo
como tradutores trabalhavam. Não se analisavam rascunhos, prefácios, posfácios, anotações; não
se faziam entrevistas; não se tomavam depoimentos; não se registrava o processo tradutório, quer
por meio de gravações de áudio ou vídeo, ou através de programas de computador. Não se
faziam estudos de corpus. Não se utilizava metodologia de pesquisa introspectiva, não se
acessavam os processos mentais dos tradutores por meio de protocolos de relato verbal, como se
faz atualmente (cf. PAGANO, 2001 e ALVES, 2003).
As relevantes questões levantadas por Vinay e Darbelnet e pelos demais autores
estudados neste livro (os procedimentos técnicos da tradução, a unidade de tradução, as
modalidades de tradução adequadas para cada tipo de texto, por exemplo) são ainda questões
primordiais de que se ocupam os pesquisadores da área, havendo mudado somente as
ferramentas de pesquisa. Ainda hoje, minha própria investigação se dedica a um refinamento
desses conceitos. Enfoco todos estes aspectos, agora agrupados sob a perspectiva de estratégias
da tradução, e investigo a tradução como processo (cf.'BARBOSA, 1996,1999,2003, BARBOSA
e CALDAS, 2001, 2002; BARBOSA e NEIVA, 1997, 2003). E, para minhas reflexões, bem
como para tantos que hoje se iniciam na arte, na técnica e na pesquisa do processo tradutório, os
Procedimento técnicos da tradução ainda são um excelente ponto de partida.
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