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Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

1. NOÇÕES GERAIS

Relação jurídica obrigacional é a relação de natureza pessoal na qual uma pessoa se com-
promete a uma prestação, positiva ou negativa, em favor de outra, visando à satisfação de interesses
e respondendo com o seu patrimônio, inclusive com execução forçada pelo Poder Judiciário.

Assim, o que especializa as obrigações em relação aos demais deveres jurídicos é a quali-
dade do objeto prestacional, que é qualificado por um dar, fazer ou não fazer.

A relação tem natureza pessoal pois se estabelece entre os sujeitos, não se tratando de uma
situação jurídica sobre determinados bens, como ocorre nos direitos reais.

2. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES

O objeto da relação obrigacional é dar, fazer ou não fazer algo. Ao dever jurídico (prestação)
imposto ao sujeito passivo (devedor/solvens) corresponde um direito subjetivo do sujeito ativo (cre-
dor/accipiens). Logo, a relação entre eles é interpessoal, não recai sobre o objeto.
1
Existem dois elementos que compõem a obrigação: o débito (Schuld) e a responsabilidade
(Haftung). Aquele é a prestação que deve ser espontaneamente cumprida pelo devedor. Esta é a
obrigação que surge ao devedor pelo inadimplemento daquele e recai sobre o patrimônio do devedor,
não sobre sua pessoa. A RESPONSABILIDADE É SEMPRE UMA OBRIGAÇÃO DERIVADA, já que
surge apenas quando a obrigação não for adimplida no prazo.

O devedor responderá, havendo a responsabilidade, com todo o seu patrimônio para o cum-
primento da obrigação, ressalvadas as restrições legais dos bens de família, bens absolutamente
impenhoráveis e inalienáveis etc.

Logo, como a execução não recai sobre a pessoa e sim sobre o patrimônio do próprio deve-
dor, há que se dizer que ela é real. Somente existe execução pessoal no caso de recusa de
alimentos e no Direito Penal.

Importante ressaltar que é possível haver débito sem responsabilidade, como no caso da
prescrição e dívida de jogo (obrigações naturais), assim como responsabilidade sem débito, como
ocorre na fiança ou aval prestados por terceiros.
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3. A TEORIA DOS INTERESSES: NOVO PARADIGMA DE SE ENXERGAR AS


OBRIGAÇÕES

Na clássica acepção de obrigação, mesmo após a superação da filosofia positivista oitocen-


tista, ainda prevalece a ideia de que esse instituto civilista tem lastro no poder do credor perante o
devedor, numa relação de subordinação.

Ainda que as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da função social tenham mitigado um
pouco essa concepção, tal não ocorreu de forma suficientemente ampla para arraigar na sociedade
uma visão mais humana do significado de obrigação.

SEGUNDO A TEORIA DOS INTERESSES, A OBRIGAÇÃO NÃO TERIA LASTRO NO PO-


DER, MAS NO INTERESSE, QUE É UM VALOR PRIVADO TUTELADO PELO ORDENAMENTO
JURÍDICO. Sendo o interesse o norte das obrigações, não se pode admitir que um conjunto de valores
privados de certa pessoa seja tido como superior ao da outra, visto que são elas iguais no plano civil.

O interesse tutelado pelo direito é aquele que promove o ser humano, que aprofunda os laços
2
sociais e a solidariedade. Nessa linha de pensamento, o homem não se tornaria satisfeito em
detrimento do outro, mas cresceria culturalmente com o concurso positivo de seu semelhante (sín-
tese axiológica). Os interesses diferenciados, quando justapostos, se completam mutuamente, pro-
movendo a conquista de outros valores em projeção infinita.

É na dialética dos valores que se projeta a síntese da progressão cultural na qual se dinamiza
a evolução sociojurídica do homem; o vínculo obrigacional, dessa forma, consubstancia-se em um
nivelamento de aspirações entre as partes, e tende à execução voluntária. Nesse cenário, quanto
mais as pessoas se conscientizarem do fenômeno de agregação de valores decorrentes de
seus intercâmbios, menos frequentes seriam os inadimplementos.

Com efeito, o cumprimento voluntário de uma obrigação significa a realização da justiça pri-
vada e, como tal, a aquisição de um bem cultural capitaneado pelo bem interessista.

Essa teoria possuiria vários efeitos práticos. Por exemplo, o Judiciário, caso precisasse inter-
vir num determinado contrato inadimplido, o faria não com fulcro no princípio pacta sunt servanda,
mas sim no fato de que o adimplemento contratual agregaria valores na sociedade (analisando, por
conseguinte, se seria o caso).
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Outro exemplo seria a redução das formas negociais ao mínimo necessário. Por ser o inte-
resse das partes voltado à satisfação, buscarão elas suas satisfações recíprocas pela execução vo-
luntária, e não pelo risco de sofrer sanções em caso de descumprimento. O foco passa do medo/su-
jeição para a confiança/cooperação.

Em síntese, com base nessa teoria o Direito deve propiciar a realização do homem sem sub-
trair-lhe parcela de sua cidadania ao limitar sua liberdade de agir.

4. PRINCIPAIS DISTINÇÕES

4.1. DIREITOS REAIS

O direito obrigacional se difere dos direitos reais porque:

a) Nos reais não se estabelece relação jurídica individualizada, e sim verdadeira situação
jurídica de poder do titular do direito real sobre o objeto, impondo-se um dever erga omnes. Na obri-
gação, o credor apenas disporá de uma pretensão que poderá ser oposta e satisfeita com o patrimô-
nio do devedor. 3
b) O titular do direito real poderá exercer poder direto sobre a coisa, com atuação imediata
sobre o bem, independentemente de terceiros (direito de sequela). Já na obrigação, o credor depen-
derá do devedor para a satisfação de seu crédito.

c) Os direitos reais são numerus clausus, dotados dos atributos da sequela, preferência e
tipicidade, enquanto os obrigacionais são abertos, não estão plenamente tipificados em lei e não
possuem tais atributos, já que são direitos relativos oponíveis somente contra a pessoa devedora.

4.2. DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos obrigacionais e os da personalidade são espécies do gênero direitos pessoais.


Porém, os da personalidade possuem características jurídicas próprias, são oponíveis erga omnes,
vitalícios, relativamente indisponíveis, enquanto os obrigacionais são inter partes, transmissíveis, pa-
trimonializados e temporários, já que se resolvem pelo próprio adimplemento da prestação, em regra.

4.3. DEVER JURÍDICO, DEVER LIVRE, OBRIGAÇÃO, OBRIGAÇÃO POTESTATIVA, SUJEI-


ÇÃO, ÔNUS, INTERESSE LEGÍTIMO, TUTELA JURISDICIONAL, FACULDADE DE AGIR

Muitos desses conceitos caíram na prova subjetiva do XIII concurso para juiz federal da 1ª
Região.
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Dever jurídico é a necessidade imposta a todos os indivíduos de observar os comandos do


ordenamento jurídico, com a possibilidade de se demandar sua execução coercitivamente por inter-
médio do Estado. Ele é fundado nas relações que subsistem entre o sujeito ativo, que exige o adim-
plemento da obrigação, e aquele que a deve cumprir.

Dever livre é a obrigação de caráter moral, sendo voluntariamente assumida e não gerando,
em caso de descumprimento, qualquer consequência jurídica em face de quem se obrigou, tão-so-
mente consequências indiferentes ao Direito, de cunho social ou religioso, entre outros.

Já obrigação é o dever jurídico qualificado pela análise do próprio objeto prestacional,


consistente numa conduta de dar, fazer ou não fazer.

Responsabilidade é a consequência do descumprimento de um dever jurídico, quando a


pessoa passa a ter a obrigação de reparar por ter infringido uma norma.

A sujeição é a situação de necessidade em que se encontra o adversário de ver-se produzir


forçosamente uma consequência em seu patrimônio. Ou seja, está em estado de sujeição a pessoa
que possui em seu desfavor um direito potestativo de outrem. Ela também pode recair sobre objetos, 4
como ocorre com os Direitos Reais, no qual o sujeito ativo da obrigação estabelece verdadeira
situação de submissão da coisa à sua vontade.

Interesse legítimo é o que resulta do próprio interesse de agir. Numa análise processual,
preenchida a condição de ação “interesse de agir”, o interesse se mostraria legítimo. É o interesse
que se liga ao próprio direito e que se mostra protegido legalmente, do qual possa resultar ou
no qual assente qualquer vantagem de ordem econômica, ou mesmo de ordem moral.

Obrigação potestativa1, por sua vez, é a obrigação em que o sujeito ativo da relação pode
satisfazer seu direito unilateralmente, decorrente do simples exercício de sua vontade, sem sofrer
por parte do devedor qualquer oposição legítima apta a afastar-lhe o direito, tal qual a obrigação
potestativa que tem o devedor de aceitar a escolha do credor nas obrigações alternativas, se tal
cláusula tiver sido pactuada no contrato.

1 Se o direito potestativo não admite violação, se ele só depende do titular, o direito potestativo é exemplo de
interesse público. E por que é de interesse público? Porque quando o titular manifesta a sua vontade, os efeitos
decorrem para todos. Quando o titular exerce seu direito potestativo, os efeitos decorrem automatica-
mente para todos, daí a frase de que todo direito potestativo traz consigo interesse público dos efeitos
que decorrem da vontade do titular.
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Ônus jurídico é a necessidade que uma parte tem de adotar uma determinada conduta, não
por imposição legal ou obrigacional, mas como condição de defesa de um interesse próprio. É uma
situação passiva em que inexiste correspondência ativa, como, v.g., a necessidade de recorrer
da sentença para que a parte tenha sua situação melhorada. A parte sofrerá um prejuízo se não
arcar com o ônus, o qual, entretanto, não significa uma sanção prevista no ordenamento jurídico.

Direito subjetivo é o poder de agir do indivíduo, concedido e tutelado pelo ordenamento, a


fim de que possa satisfazer um interesse próprio, pretendendo de outra pessoa um determinado
comportamento. Em outras palavras, é a possibilidade que a norma dá a um indivíduo de exercer
determinada conduta descrita na lei, vista do ponto de vista do titular do direito. É algo incorporado
ao patrimônio jurídico do sujeito.

Se o comportamento esperado é dirigido a uma pessoa certa e determinada, pode-se dizer


que aquele é um direito subjetivo relativo. Mas se o comportamento esperado é exigido
da coletividade, aí se trata de direito subjetivo absoluto. Outro detalhe de grande impor-
tância é saber se esse comportamento tem ou não estimativa econômica. Se é assim, es-
tamos falando de direito subjetivo patrimonial. Se não tem estimativa econômica é direito
subjetivo extrapatrimonial.
5
Todo direito subjetivo assim classificado (relativo, absoluto, patrimonial, extrapatrimonial)
confere ao titular uma pretensão de exigir de alguém um comportamento.

Direito objetivo ou norma agendi é o direito posto nas normas jurídicas e vigente durante
certo lapso de tempo, o direito analisado sob um ponto de vista estritamente normativo, sem que se
perquira sobre os destinatários da norma. O direito objetivo é a fonte dos direitos subjetivos.

Tutela jurisdicional representa a espécie de provimento judicial aplicado em cada caso con-
creto com o escopo de solucionar o conflito de interesses que ensejou a propositura da demanda. A
delimitação da tutela, que permite a caracterização da espécie de ação utilizada pelo autor, pressu-
põe a procedência do pedido. A improcedência, como acertadamente anotou Pontes de Miranda,
indica que a sentença prolatada será de natureza declaratório-negativa, ainda que o pedido seja
declaratório positivo, constitutivo, condenatório, executivo ou mandamental.

Faculdade de agir ou facultas agendi é a permissividade de atuação do titular representada


pela liberalidade do detentor do direito subjetivo em exigi-lo, ou não, em juízo ou fora dele, de ma-
neira alguma se confundindo, pois, com o direito subjetivo. Ou seja, é o poder de decisão que tem o
titular de um direito subjetivo sobre se irá ou não o exercer.

“Direito subjetivo desprovido de pretensão não passa de uma mera faculdade jurídica.”
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Eu tenho o direito subjetivo de exigir um determinado comportamento de Juliana. Juliana, es-


pontaneamente não se comportou da forma esperada. Surgiu para mim uma pretensão, a pretensão
de judicialmente exigir um comportamento ou a reparação do dano causado. Se eu não tivesse a pre-
tensão significaria que eu teria o direito subjetivo, eu poderia esperar de Juliana um comportamento,
mas se ela não se comportasse, não aconteceria nada. E se é assim, significa: ela se comportaria
assim, se quisesse e aquilo que se faz quando se quer, não passa de uma mera faculdade jurídica.
Portanto, a frase acima: direito subjetivo desprovido de pretensão não passa de uma mera faculdade
jurídica. E é assim por um motivo simples: o direito subjetivo é caracterizado, fundamentalmente, pela
pretensão. O direito subjetivo é, na sua essência, a pretensão. A pretensão é a marca registrada do
direito subjetivo. Daí a frase: sem pretensão, ele não passa de uma mera faculdade jurídica.

Não se deve confundir os conceitos de obrigação, dever jurídico, responsabilidade, ônus e


estado de sujeição. O dever jurídico, que é o mais amplo de todos, é a necessidade que
corre a todo indivíduo de obedecer as ordens ou comandos do ordenamento jurídico,
sob pena de incorrer em uma sanção (Orlando Gomes). Pode ser geral ou especial, con-
forme se concentre em uma certa pessoa ou se refira à universalidade das pessoas. A
obrigação, por sua vez, pertence a uma categoria especial de dever jurídico, que é
aquele que provoca um vínculo especial entre pessoas determinadas, dando a uma delas
o poder de exigir da outra (direito subjetivo) uma prestação de natureza patrimonial. Por 6
outro lado, concebido no sentido obrigacional, caso o dever seja descumprido, surge dessa
conduta a responsabilidade.

Vê-se que o dever jurídico requer um comportamento do sujeito em favor do terceiro,


sendo este necessário à satisfação do interesse do titular do direito subjetivo. Na sujeição
jurídica, entretanto, o sujeito passivo nada tem que fazer para satisfazer o interesse
do sujeito ativo, havendo apenas uma subordinação inafastável à vontade deste
(direito potestativo). Por fim, temos que o ônus consiste na necessidade de se observar
determinado comportamento para a obtenção ou conservação de uma vantagem para o
próprio sujeito e não para a satisfação de interesses alheios (Maria Helena Diniz), como
ocorre no caso do dever e da sujeição. Em suma, o dever e a sujeição atuam em função
dos interesses de outrem, enquanto o ônus opera em prol de interesse próprio.

5. PARADIGMAS DO CÓDIGO CIVIL NO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

5.1. PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE

Antigamente, o Direito Civil era regido pelo individualismo puro, a parte devedora era tida
apenas como coadjuvante na relação jurídica, sendo subordinada ao credor. Também havia a falsa
impressão de que a soma pura e simples dos bens individuais corresponderia ao bem de toda a
sociedade.

Hoje, reconhece-se que as coisas não funcionam bem assim. A socialidade serve para har-
monizar os princípios da autonomia da vontade e da solidariedade social, já que, por ser ela o
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fim do direito subjetivo obrigacional, deverá ser mantida uma relação de cooperação entre os partí-
cipes da relação obrigacional – e entre eles e a sociedade – a fim de que seja possível a consecução
do fim comum.

Antonio Jeová Santos diz que a preocupação do legislador do Código Civil vigente foi regular
os interesses do “homem situado” e não mais do “homem isolado” como fazia a codificação anterior,
na medida em que a vida de relação exige que o homem se projete no mundo e dele participe não
como mero espectador, mas como alguém que interfira no resultado. Dessa forma, a finalidade do
princípio da socialidade é afastar a mera aplicação do Direito Civil às relações dos particula-
res, eis que esses vínculos, em diversas oportunidades, podem interessar à sociedade como
um todo, autorizando, por conseguinte, a intervenção estatal. Em suma: o princípio da sociali-
dade objetiva afastar a visão individualista, egoística e privatística do Código Civil de 1916, influen-
ciado pela visão oitocentista de primeira dimensão civilista.

Rodrigo Reis Mazzei assevera que as relações privadas podem ter enfoques ultrassubjetivos
quando as relações entre os particulares não projetam efeitos apenas sobre eles, mas também sobre
a sociedade como um todo. Na verdade, o novo Código Civil nada mais fez do que adequar o sistema 7
de direito privado à realidade constitucional.

5.2. PRINCÍPIO DA ETICIDADE

O valor justiça deverá determinar o conteúdo de qualquer ordenamento. Entretanto, antes, e


principalmente com a Revolução Francesa, dava-se mais importância à forma das leis e ao conteúdo
contratual do que ao equilíbrio e à justiça; pouco importava a boa-fé, a função social, os bons costu-
mes etc.

Hoje, as obrigações devem ser pautadas por um comportamento ético, de mútua coopera-
ção, observando-se as cláusulas gerais de boa-fé, função social, abuso de direito, equidade e bons
costumes.

O princípio da eticidade tem por escopo valorizar o ser humano na sociedade, o que se
dá mediante a efetivação dos princípios constitucionais, mormente o da dignidade da pessoa
humana. Alexandre dos Santos Cunha defende que referido princípio, apesar de inserido na Cons-
tituição da República, é, pela sua origem e pela sua concretização, um instituto de direito privado.
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Carlyle Popp enfatiza que a dignidade da pessoa humana “significa a superioridade do ho-
mem sobre todas as demais coisas que o cercam; é o homem como protagonista da vida social.
Representa, então, a subordinação do objeto ao sujeito de direito”.

A valorização do ser humano se dá na medida em que a confiança e a lealdade passam a ser


imperativos das relações privadas, bem como pelo fato de o julgador ter maior poder na busca da
solução mais justa e equitativa para os casos concretos que lhe são submetidos, mediante análise
subjetiva da questão. Isso implica, em última análise, no afastamento do formalismo jurídico reinante
durante a vigência da codificação anterior.

Miguel Reale, definidor do Código Civil como “a constituição do homem comum”, pondera que
o princípio da eticidade afasta o excessivo rigorismo formal ao CONFERIR AO JUIZ “não só
poder para suprir lacunas, mas também para resolver, ONDE E QUANDO PREVISTO, de con-
formidade com valores éticos”.

Consagram o princípio da eticidade as cláusulas gerais, entre outros institutos jurídicos.

5.3. PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE E CONCRETUDE 8

A forma do direito e a perfeição técnica e gramaticalidade dos diplomas legais não podem ser
óbices ao regular exercício do direito. Este existe para ser executado, para ter efetividade na regula-
ção dos negócios entre os homens, para solucionar as pretensões existentes.

O princípio da operabilidade objetivou a facilitação da aplicação do novo Código Civil e demais


leis cíveis ao afastar a ideia de completude da codificação anterior, e disciplinou a possibilidade de
se recorrer a elementos exteriores para se atingir a Justiça, o que se dá, precipuamente, por meio
das cláusulas gerais.

Observa Antonio Jeová Santos que o Código Civil de 2002 pretendeu se livrar do rótulo das
“leis que não pegam”, aquelas que não foram promulgadas para o mundo real, “mas para a satisfação
de algum parlamentar que quis engrossar o seu currículo com o patrocínio de mais uma lei”.

Nesse contexto, José Augusto Delgado diz que, com a entrada do novo Código Civil em vigor,
as normas passaram não apenas a existir, mas também a serem válidas, eficazes e efetivas, já que
o poder conferido aos juízes teve por escopo – além de garantir a busca da solução mais justa para
o caso concreto, conferir maior executividade às sentenças e decisões judiciais.
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Bem se vê, pois, que a busca pela Justiça por meio do equilíbrio entre os interesses dos
indivíduos e da sociedade é a marca fundamental do Código Civil de 2002, o que representa avanço
significativo na integração necessária entre Ética e Direito.

Já a concretude é justamente a necessidade de o ordenamento deixar de ser abstrato, com


leis inaplicáveis à sociedade, cheia de termos incompreensíveis àqueles não formados em Direito e
de regras utópicas.

6. OBRIGAÇÃO COMPLEXA

6.1. INTRODUÇÃO

A obrigação deve ser vista como complexa, já que é formada por um conjunto de direi-
tos, obrigações e situações jurídicas que extravasam à prestação principal; a obrigação com-
plexa é um processo que se encaminha à finalidade de satisfazer o interesse na prestação.
9
As demais obrigações que se acrescem à principal são chamadas de deveres anexos ou
laterais. Claro que, pela existência do bem comum visado na relação obrigacional para satisfazer os
interesses obrigacionais recíprocos, tais anexos cabem a todas as partes envolvidas.

6.2. DEVERES DE CONDUTA, ANEXOS, INSTRUMENTAIS, LATERAIS, ACESSÓRIOS, DE


PROTEÇÃO OU DE TUTELA

6.2.1. Noções Gerais

Os deveres de conduta são conduzidos pela boa-fé ao negócio jurídico, destinando-se a res-
guardar o fiel processamento na relação obrigacional em que a prestação se integra.

Entre os deveres principais e os obrigacionais se inserem uma classe dos chamados


deveres secundários ou acidentais, nos quais se incluem os deveres anexos.

Os deveres de conduta não surgem apenas com o estabelecimento da relação jurídica; antes
mesmo dela, no momento do contato entre as partes para travar negociações eles já subsistem.
Permanecem também após prestada a prestação principal.

6.2.2. Funções dos Deveres de Conduta


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São várias. As principais são:

a) Dever de proteção: proteger a contraparte dos riscos de danos à sua pessoa e a seu patri-
mônio, na constância da relação complexa.

b) Dever de lealdade: diretamente ligado à boa fé, impõe às partes a abstenção sobre qual-
quer conduta capaz de falsear ou desequilibrar as prestações reciprocamente acordadas. Este dever
somente será rompido, quando ainda não se houver firmado a obrigação, se uma das partes, sem
motivos, romper injustificadamente as conversações e se estiver havendo negociações.

c) Dever de informação: é o dever de esclarecer a parte sobre questões relevantes que in-
fluam na sua vontade. Logicamente que este dever não surge em relação aos fatos notórios ou que
já deveriam, normalmente, ser conhecidos pela outra parte.

Quando você tem mais de um dever, a prestação é só um dever, só que a boa-fé criou uma
série de outros deveres. Deveres para credor e devedor. Na concessão de um crédito irres-
ponsável, a violação foi por parte de quem? Do credor. No adimplemento substancial, a viola-
ção foi por parte de quem? Do credor. Mas, no cumprimento defeituoso, a violação foi por 10
parte do devedor. Ora teremos a possibilidade de violação dos deveres anexos pelo devedor,
ora teremos a violação dos deveres anexos por parte do credor.

6.2.3. Deveres de Conduta e Tutela de Terceiros

Com a função social do contrato, vislumbra-se que os deveres de conduta não cabem apenas
às partes da relação jurídica. Eles poderão ser oponíveis também a terceiros, assim como po-
derão ser invocados por terceiros prejudicados pela relação estabelecida.

Ora, qualquer contrato irradia seus efeitos para terceiros, assumindo relevância no mundo
econômico. A condição para poder exigir de terceiros a abstenção de fato que prejudicaria o adim-
plemento contratual entre as partes é que estes saibam que seu comportamento é direcionada-
mente prejudicial às partes contratantes.

Assim, ENQUANTO OS DEVERES DE CONDUTA ENTRE AS PARTES SÃO EXIGÍVEIS


OBJETIVAMENTE, COM BASE NA BOA FÉ OBJETIVA, A OBSERVÂNCIA DESSES MESMOS
DEVERES POR TERCEIROS DEPENDE DE INTENÇÃO, ou seja, é analisada subjetivamente.

7. A BOA FÉ COMO FUNDAMENTO E SEU PAPEL NA DINAMICIDADE DA


RELAÇÃO OBRIGACIONAL
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7.1. BOA-FÉ COMO CLÁUSULA GERAL

A exigibilidade da boa-fé somente se tornou possível após a flexibilização do Direito Civil,


quando se buscou dar-lhe uma sistemática aberta, dotando-a de instrumentos antes interpretativos
a taxativos.

7.2. ACEPÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA

A boa-fé objetiva compreende um modelo ético de conduta social, caracterizada por uma
atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, aten-
dendo-se às legítimas expectativas das partes.

São pressupostos da boa-fé objetiva:

a) Existência de uma relação jurídica que ligue duas ou mais pessoas; 11


b) Existência de padrões de comportamento exigíveis das partes;

c) Reunião de condições suficientes para ensejar na outra parte um estado de confiança.

Na boa fé objetiva, a pessoa deverá atuar com zelo, buscar a realização do direito alheio,
já que no moderno Direito Civil as relações não devem ser consideradas antagônicas, e sim de
cooperação.

Difere a boa-fé objetiva da boa-fé, já que esta deve ser analisada subjetivamente, no âmbito
psicológico do indivíduo, enquanto aquela deve ser analisada objetivamente, nos aspectos externos
da relação. Assim, o contrário de boa-fé objetiva não é má fé, a qual contraria a boa-fé (subjetiva), e
sim ausência de boa-fé objetiva.

Logo, plenamente possível que alguém aja de boa-fé (subjetiva), mas sem boa-fé objetiva,
e vice-versa.

7.3. FUNÇÕES SOCIAIS DA BOA FÉ NO CÓDIGO CIVIL

A boa fé objetiva, decorrência fundamental do princípio geral da eticidade nas obrigações,


desempenha três importantes papéis no Código Civil:
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

a) Função interpretativa: papel de paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídicos,


pelo qual tanto as partes quanto o magistrado não deverão apelar a uma interpretação meramente
literal dos negócios, mas sim a uma que atenda à boa-fé.

b) Função de controle: caráter de controle, impedindo o abuso de direito. Como se sabe, no


abuso de direito a parte não age ilicitamente, e sim antijuridicamente. Ele fere valores morais e éticos;
para combater tal prática, lança-se mão da boa-fé objetiva.

c) Função integrativa: ainda que não previstos expressamente no contrato, em função da


boa-fé objetiva, surgem os deveres de conduta. Assim, perfeitamente correto dizer que a boa-fé
objetiva é fonte de obrigações.

De forma não muito diferente, a Dra. Ana Frazão (examinadora do TRF1) dá as seguintes
funções à boa fé objetiva:

a) Função interpretativa-integrativa;

b) Função criadora de direitos;


12
c) Função limitadora de direitos.

O inadimplemento das obrigações implícitas decorrentes da boa-fé objetiva pode dar ensejo
a pedido de indenização, resolução contratual ou alegação da exceptio non adimpleti contractus em
casos extremos, malgrado o que dispuser a literalidade do contrato. Por exemplo, se a construtora
se comprometeu a entregar as chaves de um apartamento em dezembro de 2012, mas em julho do
mesmo ano se verifica que o prédio nem começou a ser construído, não é necessário esperar até o
termo avençado no contrato para restar caracterizada a mora do construtor ou se pleiteie indenização
em face dele. Na jurisprudência:

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS POR PRAZO DETERMINADO.


NOTIFICAÇÃO, PELA LOCATÁRIA, DE QUE NÃO TERÁ INTERESSE NA RENOVAÇÃO
DO CONTRATO, MESES ANTES DO TÉRMINO DO PRAZO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO
APENAS PARCIAL DOS VEÍCULOS APÓS O FINAL DO PRAZO, SEM OPOSIÇÃO EX-
PRESSA DA LOCADORA. CONTINUIDADE DA EMISSÃO DE FATURAS, PELA CRE-
DORA, NO PREÇO CONTRATUALMENTE ESTABELECIDO. PRETENSÃO DA LOCA-
DORA DE RECEBER AS DIFERENÇAS ENTRE A TARIFA CONTRATADA E A TARIFA DE
BALCÃO PARA A LOCAÇÃO DOS AUTOMÓVEIS QUE PERMANECERAM NA POSSE DA
LOCATÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

[...]
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

- O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA EXERCE TRÊS FUNÇÕES: (I) A DE REGRA DE


INTERPRETAÇÃO; (II) A DE FONTE DE DIREITOS E DE DEVERES JURÍDICOS; E (III)
A DE LIMITE AO EXERCÍCIO DE DIREITOS SUBJETIVOS.

Pertencem a este terceiro grupo a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a


teoria dos atos próprios ('tu quoque'; vedação ao comportamento contraditório; “surrectio';
'suppressio').

- O instituto da 'supressio' indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação


contratual, na hipótese em que o não-exercício do direito correspondente, pelo credor, gere
no devedor a justa expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo.

- Nas hipóteses de improcedência do pedido, os honorários advocatícios devem ser fixados


com fundamento no art. 20, § 4º do CPC, sendo inaplicável o respectivo § 3º. Aplicando-se
essa norma à hipótese dos autos, constata-se a necessidade de redução dos honorários
estabelecidos pelo Tribunal.

Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 953389/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em


23/02/2010, DJe 15/03/2010)

CORREÇÃO MONETÁRIA. RENÚNCIA.


13
O recorrente firmou com a recorrida o contrato de prestação de serviços jurídicos com a
previsão de correção monetária anual. Sucede que, durante os seis anos de validade do
contrato, o recorrente não buscou reajustar os valores, o que só foi perseguido mediante
ação de cobrança após a rescisão contratual. Contudo, emerge dos autos não se tratar de
simples renúncia ao direito à correção monetária (que tem natureza disponível), pois, ao
final, o recorrente, movido por algo além da liberalidade, visou à própria manutenção do
contrato. Dessarte, o princípio da boa fé objetiva torna inviável a pretensão de exigir
retroativamente a correção monetária dos valores que era regularmente dispensada,
pleito que, se acolhido, frustraria uma expectativa legítima construída e mantida ao
longo de toda a relação processual, daí se reconhecer presente o instituto da supres-
sio. REsp 1.201.514-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/6/2011.

7.4. TU QUOQUE, SUPRESSIO, SURRECTIO, VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM,


STOPPEL

Há alguns tipos de atos cujas presenças são repudiadas pelo Direito, sendo práticas abusivas.

O primeiro a ser citado é o venire contra factum proprium ou Teoria dos Atos Próprios,
que proíbe o comportamento contraditório. Isso porque ninguém pode voltar atrás, unilateralmente,
numa postura que tenha criado uma legítima expectativa na outra parte.

São pressupostos para a aplicação do venire:

a) Conduta inicial (factum proprium);


Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

b) Legítima confiança da outra parte na conservação do sentido objetivo desta primeira conduta;

c) Um comportamento contraditório e violador da confiança;

d) Um dano efetivo ou potencial daí resultante.

PROCESSUAL CIVIL. DOCUMENTO. JUNTADA. LEI GERAL DAS TELECOMUNICA-


ÇÕES. SIGILO TELEFÔNICO. REGISTRO DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. USO AUTORI-
ZADO COMO PROVA. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA JUNTADA DE DOCU-
MENTO PESSOAL. ATOS POSTERIORES. “VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”.
SEGREDO DE JUSTIÇA. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESES.
ROL EXEMPLIFICATIVO. DEFESA DA INTIMIDADE. POSSIBILIDADE.

[...]

- PARTE QUE AUTORIZA A JUNTADA, PELA PARTE CONTRÁRIA, DE DOCU-


MENTO CONTENDO INFORMAÇÕES PESSOAIS SUAS, NÃO PODE DEPOIS IN-
GRESSAR COM AÇÃO PEDINDO INDENIZAÇÃO, ALEGANDO VIOLAÇÃO DO DI-
REITO À PRIVACIDADE PELO FATO DA JUNTADA DO DOCUMENTO. DOUTRINA
DOS ATOS PRÓPRIOS.

- O rol das hipóteses de segredo de justiça não é taxativo, sendo autorizado o segredo
quando houver a necessidade de defesa da intimidade. 14
Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, REsp 605687/AM, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
02/06/2005, DJ 20/06/2005, p. 273)

Outro tipo de ato abusivo é a supressio2 e a surrectio. Pela primeira, constata-se que o não
exercício de um direito durante longo tempo poderá significar a extinção desse direito, ou ao menos
o impedimento de seu exercício, quando contrariar o princípio da boa-fé por se demonstrar abusiva
a inatividade de seu titular. Isso por gerar uma expectativa legítima na outra parte.

Para que a supressio3 se caracterize, não é suficiente o simples retardamento no exercício


do direito (o elemento temporal não é autônomo, apesar de ser imprescindível). É indispensável
que a outra parte tenha passado a confiar que esse direito não seria mais exercido. Logo, são seus
elementos:

a) Omissão no exercício do direito;

2Mencionado no STJ, REsp 207.509/SP.


3A supressio é prejudicada pela ocorrência de fatores voluntários que interrompem ou suspendem o decurso
dos prazos de prescrição ou de caducidade, uma vez que eles destroem a figuração, por parte do interessado,
de que o direito não mais seria exercido.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

b) Transcurso de determinado período, geralmente variável;

c) Indícios objetivos de que esse direito não mais seria exercido4.

Como diferenciar o venire da supressio? O principal diferencial está no fator temporal.


No venire, importam as condutas contraditórias em si mesmas consideradas, ainda que pouco
tempo tenha se passado. Na supressio, imperioso decorrer determinado lapso temporal para
configurar a hipótese de perda do direito. Ambos são, no entanto, decorrentes da violação da
cláusula geral da boa-fé objetiva5.

Já a surrectio seria o nascimento de um direito, a contraface da supressio. Por exemplo, se


A deixa de exercer o seu direito de adimplir uma obrigação na cidade Z, adimplindo sempre na cidade
T, B, o seu credor, passará a supor, com os anos, que tal direito foi renunciado, sendo agora o local
de pagamento a cidade T. Assim, haveria a supressio do direito de local de pagamento para A e a
surrectio de um direito para B.

Fala-se em surrectio em sentido estrito quando surgem novos direitos, e surrectio em


sentido amplo quando se recupera uma liberdade antes perdida. 15
Tem-se também o tu quoque, ou proibição de que o torpe se aproveite de sua própria tor-
peza.

Stoppel é um instituto civilista que entra na mesma classificação do venire contra factum
proprium, supressio e surrectio e tu quoque. Tais institutos se relacionam com o princípio da boa-fé
objetiva, o qual é fonte de criação de legítimas expectativas de comportamentos sociais de que de-
terminada situação jurídica não será alterada, ou que determinado sujeito não irá atuar de molde a
contradizer seu comportamento socialmente aceito e desejado perante certo cenário fático.

Pode-se conceituar o stoppel como uma barreira ou freio erigido às pretensões de quem re-
clama algo em contradição com o que anteriormente havia aceitado (Judith Martins-Costa). Por meio
dele, se impede, em virtude de uma presunção iures et de iure, uma pessoa de afirmar ou negar a
existência de um fato determinado se antes exercitara um ato, fizera uma afirmação ou formulara
uma negativa em sentido precisamente oposto.

4 Muitas decisões de Cortes nacionais colocaram como requisito, também, a necessidade de que a supressio
promova o equilíbrio contratual, ou seja, de que o seu não reconhecimento cause desequilíbrios entre o bene-
fício e o prejuízo suportado pelas partes.
5 Há, no entanto, quem considere a supressio como uma específica modalidade de venire.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

O instituto tem acolhida no Direito Internacional Público, sendo exemplificado no caso entre
a Tailândia e Sião, de 1908 (Sião hoje em dia faz parte da Tailândia, mas não fazia na época): durante
mais de 50 anos vigeu tratado entre eles reconhecendo seus limites fronteiriços. Porém, o Estado de
Sião tinha uma série de dúvidas, por motivos supervenientes, sobre quais eram os reais limites geo-
gráficos entre eles, enquanto a Tailândia nunca impusera objeção e desfrutara, por todo esse tempo,
da estabilidade que o tratado questionado proporcionara. Nesse caso, a Tailândia não poderia alegar
que os limites antes determinados não foram por ela aceitos.

Ele se diferencia do supressio por não envolver a perda de um direito, mas sim a perda de
uma possibilidade de invocar determinado argumento ou fato. Diferencia-se, também, do tu quoque
por não trazer em questão a malícia pré-concebida de uma parte como forma de conseguir determi-
nada vantagem.

8. FONTES DAS OBRIGAÇÕES

Determinados autores sustentam que as fontes das obrigações podem ser a lei, a vontade
das partes e os atos ilícitos. Entretanto, a lei é a fonte mediata de todas as obrigações. Na verdade, 16
FONTE SERÁ TODO FATO JURÍDICO HÁBIL A PRODUZIR O SURGIMENTO DO DEVER DE
PRESTAR DE ALGUÉM EM FAVOR DE OUTREM.

Dever-se-á analisar, portanto, as obrigações de acordo com suas funções. Porém, adianta-se
como fontes das obrigações as seguintes:

Responsabilidade Civil

Fontes das Negócio Jurídico


Obrigações Enriquecimento sem Causa

Boa fé objetiva, segundo doutrina moderna

8.1. TRIPARTIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEGUNDO SUAS FUNÇÕES

8.1.1. Negócio Jurídico

O negócio jurídico, manifestação por excelência da autonomia da vontade privada, tem por
principal característica a regulação dos efeitos jurídicos pelas partes, dos encargos obrigacionais.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Deverá ele se pautar nos conflituosos princípios da autonomia da vontade, função social e justiça
negocial.

8.1.2. Responsabilidade Civil

As obrigações podem, também, resultar de danos causados às pessoas ou a seus patrimô-


nios, cabendo ao agente recompor a situação original da vítima.

A responsabilidade civil em sentido estrito, ou responsabilidade aquiliana, é diferente


da responsabilidade negocial. Naquela, não existe vínculo jurídico contratual entre as partes.
Ela é chamada de ato ilícito6 absoluto, ou violação de dever genérico de cuidado, enquanto
este é chamado de ato ilícito relativo, ou violação de obrigação.

A obrigação de indenizar por ato ilícito absoluto decorre da responsabilidade civil, legalmente
imposta. Ela poderá ser objetiva ou subjetiva. A regra é que seja subjetiva. Poderá, entretanto, ser
objetiva nos seguintes casos:

a) Quando determinado por lei; 17


b) Quando a atividade exercida for perigosa, aplicando-se a Teoria do Risco Proveito.

O ato ilícito é um ato ilegal, pois viola uma regra de direito; já o abuso de direito é um ato
legal, mas antijurídico, já que nenhuma norma fere, e sim a finalidade social do Direito. Há, entretanto,
discussões, como visto no tópico a seguir.

8.1.2.1. Natureza Jurídica do Abuso de Direito

Há controvérsia sobre se o abuso de direito constitui ou não ato ilícito.

1ª corrente – ato ilícito é sinônimo de ato antinormativo, sendo a culpa um elemento da res-
ponsabilidade civil subjetiva, e não do ato ilícito. Com base nisso o abuso de direito é um ato ilícito,
porque assim prevê o art. 187 do CC/01.

6O art. 186 dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Porém, esse conceito está errado,
porque o ato ilícito é a mera violação do direito, seja advindo da lei ou do contrato, independentemente de produzir
um dano, conforme quer fazer crer o Código. Ato ilícito advém da simples violação da norma. E ponto final.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Esse foi o primeiro raciocínio que decorreu do CC, já que os artigos 186 e 187 dizem quais
são os tipos de ato ilícito. O art. 186 o ato ilícito tradicional e o art. 187 o ato ilícito que consiste no
abuso de direito.

Para essa primeira corrente, qualquer ato contrário à lei é ato ilícito, não precisa de nada. A
culpa não é um elemento do ato ilícito, ela é um elemento da responsabilidade civil, então não se
precisa verificar se o ato foi ou não praticado culposamente, como vai dizer a 2ª corrente. Isso é
irrelevante para essa primeira corrente. Em outras palavras: se a pessoa avançar um sinal de trânsito
e voltar de ré, praticou um ato ilícito?

Para essa primeira corrente praticou, pois praticou um ato contrário à lei, não interessa
não ter causado dano, pois o dano é um elemento da responsabilidade civil, e não do ato
ilícito. Não interessa também que não teve culpa, pois isso também é discussão para a responsabi-
lidade civil, e não para a caracterização, para a configuração do ato ilícito. Ato contrário à lei, para
esta primeira corrente, é ato ilícito.

Outro exemplo: eu entrei na sua casa sem autorização e logo em seguida saí. Pratiquei ato
18
ilícito?

Pratiquei, pois ato antinormativo é sinônimo de ato ilícito.

Agora o que vai dizer, com muito mais técnica, o professor Tepedino, o professor Cavalieri, a
Maria Celina Bodin etc.?

2ª corrente – Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin, Cavalieri – ato ilícito consiste em um
conjunto de pressupostos da responsabilidade civil, incluindo culpa, dano, conduta e nexo causal.

O abuso de direito está mal localizado no CC/02, pois pode haver um exercício abusivo
sem que isso gere dano, mas ainda assim poderá a conduta ser objeto de decisão determi-
nando que ela cesse, ainda que não haja dever de indenizar.

Eles colocam o seguinte: o abuso de direito como ato ilícito restringe o alcance do abuso de
direito. Em vários códigos no mundo o abuso de direito consta no capítulo próprio, que trata do exer-
cício dos direitos de uma maneira geral. Então, É O EXERCÍCIO DO DIREITO VIOLADOR DO FIM
ECONÔMICO, DO FIM SOCIAL, DA BOA-FÉ OBJETIVA, INDEPENDENTEMENTE DE DANO. O
dano é um problema da responsabilidade civil, não é um problema do abuso.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Então, se você exerce abusivamente um direito, mas nem por isso me causa dano, isso não
significa que esse seu exercício seja regular, que o seu ato seja lícito.

Então, dentro dessa perspectiva, só haverá ato ilícito se houver culpa. E onde é que entra o
problema?

Como o abuso de direito independe de culpa, já que O CÓDIGO ADOTA O CRITÉRIO FINALÍS-
TICO-OBJETIVO, surge uma dúvida sobre a qualificação do abuso como ato ilícito. Esse posiciona-
mento vai fazer uma distinção entre ato ilícito em sentido estrito e ato ilícito em sentido amplo.

No primeiro prevalece o conceito clássico de ato ilícito, previsto no art. 186 do CC/01.

No segundo se enquadram as hipóteses de responsabilidade sem culpa, como é o caso


do art. 187 – abuso de direito.

Classicamente a ideia de ato ilícito foi construída e desenvolvida pela doutrina europeia em
cima de quatro pressupostos: conduta, dano, nexo causal e culpa.

Assim, pergunta-se: essa posição clássica de ato ilícito está prevista no código civil? 19
O art. 186 – aquele que por ação ou omissão... – o que é isso?

Conduta.

... negligência ou imperícia... – o que é isso?

Culpa.

... violar direito e causar dano a outrem... – o que temos aí?

Dano e nexo causal (“causar”).

Então, note que no art. 186 estão presentes os quatro pressupostos do conceito de ato ilícito.
Isso é ato ilícito.

Mas e a responsabilidade civil objetiva?

Tecnicamente não há ato ilícito na responsabilidade civil objetiva. Há quem diga, como o
professor Tepedino, que há um ato ilícito no sentido amplo; e há quem diga que nem ato ilícito em
sentido amplo há, que apenas existe o risco. Então o pressuposto da responsabilidade civil objetiva
não será o ato ilícito em sentido amplo, será o risco. Então, na verdade, são três posicionamentos.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Na responsabilidade objetiva você tem ato ilícito, para a primeira corrente.

Para a segunda corrente você tem ato ilícito em sentido amplo.

Para a terceira corrente você teria como fundamento da responsabilidade civil objetiva
o risco.

Essa é uma discussão muito interessante e atualíssima. O abuso de direito tem um campo
de atuação ilimitado.

Eu posso ter culpa na responsabilidade objetiva?

Não só posso como normalmente tenho, só que eu não preciso discutir culpa.

Hoje em dia toda a responsabilidade civil, teoricamente, vai se dirigindo à ideia de reparação
de dano. O dano é o pressuposto principal da responsabilidade civil. Hoje em dia o caminho da
responsabilidade civil, dentro de uma interpretação civil-constitucional, dentro da diretriz da solidari-
edade, é reparar o dano, tanto é que as teorias sobre o nexo de causalidade, essas teorias tradicio-
nais, como a da causalidade adequada e a da causa direta e imediata vêm sendo criticadas doutri- 20
nariamente, o nexo causal é um elemento impeditivo de repartimento desse dano. Então, já se fala
até em se defender uma responsabilidade civil sem nexo de causalidade. Há autores modernos que
discutem todas as teorias modernas flexibilizadoras do nexo de causalidade, mas conduta tem que
ter. Você não pode imputar responsabilidade civil para uma pessoa que não praticou uma ação ou
omissão. Conduta sempre vai existir, mas a conduta causadora de dano injusto significa dever de
reparar. A ideia de culpa e a ideia de nexo causal sempre foram os dois grandes filtros da responsa-
bilidade civil. A responsabilidade civil, quando o juiz não quer condenar, é filtrada como? Quando o
juiz não quer julgar procedente o pedido, ele filtra como a responsabilidade civil?

Pelo nexo ou pela culpa, na subjetiva. Como a subjetiva vem caindo e vem crescendo a res-
ponsabilidade objetiva, resta o quê?

Nexo causal. Então, a grande discussão da responsabilidade civil contemporânea está no


nexo de causalidade.

No nexo causal tem-se hoje, na responsabilidade civil objetiva, o grande elemento im-
peditivo da aplicação do princípio constitucional da solidariedade, ou seja, o grande fator impe-
ditivo do ressarcimento do dano e do risco.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Por fim, há uma discussão sobre se para se configurar o abuso de direito exige-se culpa ou
não. Rui Stoco defende veementemente que se exige, devendo prevalecer a teoria subjetiva, a
significar que este se caracteriza quando presente o elemento intencional, ou seja, o agente deve ter
consciência de que seu direito, inicialmente legítimo e secundum legis, ao ser exercitado, desbordou
para o excesso ou abuso, de modo a lesionar ou ferir o direito de outrem.

Como não poderia deixar de ser, há os que adotam a teoria objetiva, prescindindo da análise
do elemento subjetivo para a configuração ou não do abuso.

Penso que, em sociedades de massa, é mais prático e garantidor adotar a teoria objetiva, de
acordo com o critério finalístico-objetivo.

8.1.3. Enriquecimento Sem Causa

Tem por finalidade remover de um patrimônio os acréscimos patrimoniais indevidos. Não re-
quer a prática de um ato ilícito ou de abuso do direito, mas tão-somente a obtenção de uma vantagem
sem contraprestação.
21
8.1.4. Obrigações por Atos Unilaterais

Nos atos unilaterais, a obrigação não nasce de um contrato ou da prática de um ato ilícito ou
nem necessariamente de uma declaração de vontade (isso porque muitas vezes o dever jurídico
decorre da lei, como no caso da gestão de negócios). Uma obrigação nasce em decorrência de uma
conduta unilateral de alguém, que se obriga ou obriga a outrem por simples previsão legal, ainda
que genérica, de determinada situação.

Os atos unilaterais não são, via de regra, declarações unilaterais de vontade, como o são os
títulos de crédito.

São espécies de obrigações por atos unilaterais:

Promessa de Recompensa

Gestão de Negócios

Pagamento Indevido

8.1.4.1. Promessa de Recompensa


Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Recompensa para ser entendida é preciso fazer menção ao direito real. Ela é atribuída a
quem acha COISA ALHEIA MÓVEL PERDIDA, que no CC/16 era chamada de INVENÇÃO, que era
tratada como forma de aquisição da propriedade de coisa móvel. No atual CC/02, não houve a ex-
tinção da invenção, mas sim atribuição de outra nomenclatura (DESCOBERTA) e colocação em outro
lugar dentro do código, agora está tratada no artigo 1.2337, em seção dentro do capítulo DA PRO-
PRIEDADE EM GERAL.

Quem acha coisa alheia móvel perdida tem direito a uma recompensa, que será arbitrada
pelo juiz em valor não inferior a 5% do valor da coisa encontrada (artigo 1.2348). Mas essa re-
compensa pode ter sido prometida pelo dono da coisa (não pode a promessa ser inferior ao mínimo
que o código determina); quando há a promessa de recompensa, o dono estará obrigando-se por
ato unilateral.

Artigo 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratifi-
car, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de
cumprir o prometido.

Artigo 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou satisfizer 22
a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa es-
tipulada.

Artigo 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente


revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade, se houver assi-
nado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar, du-
rante ele, a oferta.

Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas terá direito a reembolso.

Artigo 857. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um indivíduo, terá
direito à recompensa o que primeiro o executou.

Artigo 858. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na recompensa;
se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará ao outro o
valor de seu quinhão.

7 Não se trata mais de forma de aquisição de propriedade.


Artigo 1233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restitui-la ao dono ou legítimo possuidor.
Parágrafo único. Não o conhecendo o descobridor fará por encontra-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa
achada à autoridade competente.
8 O estabelecimento de recompensa está previsto nesse artigo:

Artigo 1234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recom-
pensa NÃO INFERIOR A CINCO POR CENTO DO SEU VALOR, e à indenização pelas despesas que houver
feito com a conservação e transporte da coisa, SE O DONO NÃO PREFERIR ABANDONA-LA.
Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo
descobridor para encontrar o dono ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a
coisa e a situação econômica de ambos.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Artigo 859. Nos concursos que se abrem com promessa pública de recompensa, é condição
essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as disposições dos
parágrafos seguintes.

§ 1o. A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz obriga os interessados.

§ 2o. Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem,
entender-se-á que o promitente se reservou essa função.

§ 3o. Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os artigos 857 e 858.

Artigo 860. As obras premiadas, nos concursos de que trata o artigo antecedente, só ficarão
pertencendo ao promitente, se assim for estipulado na publicação da promessa.

O dono da coisa pode preferir abandoná-la a pagar a recompensa, como consta do artigo
1.234, parte final acima transcrito, consistindo em uma obrigação alternativa. O descobrir não pode
exigir que o devedor abandone, ele pode exigir a recompensa, o dono pode abandonar ou não a
coisa se quiser.

8.1.4.2. Gestão de Negócios (arts. 862 a 875)


23
A gestão de negócios é a administração oficiosa (sem prévio acordo) de negócio alheio (ne-
gócio em sentido amplo). Ela ocorre quando alguém unilateralmente se apressa a cuidar do negócio
alheio; está assim gerando uma obrigação para terceiro (titular do interesse que oficiosamente
está sendo gerido pelo gestor) e não para si próprio. Assim, não há uma declaração unilateral de
vontade, mas sim o surgimento de uma obrigação unilateral decorrente de um ato de terceiro
(pois o obrigado é o terceiro, que deverá potestativamente cumprir a obrigação em favor de quem
exerce a gestão).

O fundamento do dever de indenizar na gestão de negócios é a vedação ao enriquecimento


sem causa.

Artigo 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio
alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando respon-
sável a este e às pessoas com quem contratar.

EXEMPLO 01: vizinho que percebe que a casa do vizinho, que está viajando, não tem como
ter contato, está ruindo por um defeito; assim, o vizinho que fica providencia o conserto da casa,
criando para o dono da casa a obrigação de indenizá-lo.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

EXEMPLO 02: dois amigos estão viajando, quando um deles morre e o outro cuida de todas
as despesas de traslado e tratamento do corpo; o amigo sobrevivente cria a obrigação de indeniza-
ção para os herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa.

Assim, na gestão de negócio, o indivíduo cria uma obrigação para terceira pessoa, que deve
ratificar a gestão, verificando que realmente houve proteção de seu interesse. A obrigação do dono
do negócio passa a ser uma obrigação decorrente de uma conduta do gestor, ou seja, não é uma
obrigação decorrente de uma declaração unilateral de vontade. O seu fundamento é evitar o enri-
quecimento sem causa daquele que tem seu negócio gerido por terceiro, em seu proveito,
proveito do dono do negócio.

A preliminar que mudou do CC/16 para o CC/02 reside no fato de que no Código anterior, a
gestão estava sendo tratada no capítulo do mandato (espécie contratual). Isto não estava adequado,
porque na gestão de negócios não há ajuste prévio, ao contrário, sua principal característica é exa-
tamente a ausência de acerto prévio (ausência de ajuste negocial). O legislador de 16 situou a gestão
nesse lugar em razão de um certo paralelismo entre as consequências da gestão de negócio e do
mandato. Assim, caminhou bem o legislador de 2002, ao tratar a gestão fora dos contratos. 24
8.1.4.3. Pagamento Indevido

O pagamento indevido é um pagamento sem causa, que é feito sem corresponder a uma
obrigação que o justifique, pelo menos não em relação à causa que está sendo tratada.

O pagamento indevido, a rigor, não extingue obrigação nenhuma, ele faz nascer uma obriga-
ção, por isso fez bem o novo Código, que o considerou como uma forma de NASCIMENTO DA
OBRIGAÇÃO, qual seja, a obrigação de restituir9.

Então, o pagamento indevido é a fonte de nascimento da obrigação de restituir, sob pena de


configurar-se enriquecimento sem causa; trata-se da REPETIÇÃO DE INDÉBITO, indébito é o que
não é devido e a repetição é a sua devolução.

O pagamento indevido é um ato unilateral que faz nascer obrigação restituitória a outrem,
mas não é uma declaração unilateral de vontade.

Artigo 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir, obri-
gação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

9 A rigor, todos os atos unilaterais comportam uma obrigação de restituição.


Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Para garantir a repetição do indébito, aquele que pagou deve demonstrar que o fez por
erro, como exige o artigo 877, sendo que no CC/16, já existia dispositivo semelhante. O CC poderia
ter preferido uma redação diversa ou nem mesmo ter repetido essa regra, já que não se pode pre-
sumir uma liberalidade quando a pessoa que pagou erroneamente manifesta sua vontade de
ter restituída a coisa.

Já no CC/16, a doutrina e a jurisprudência já tinham posicionamento bastante lógico, no sen-


tido de que o erro sempre foi presumido, porque quem deu alguma coisa a outrem sem ter essa
obrigação, de duas uma: ou fez uma liberalidade (o que não se presume) ou realmente errou.

Quando se trata de indébito tributário, nunca se questionou sobre a necessidade de se cogitar


de erro presumido, já que ninguém paga o tributo porque quer. Aliás, para esses casos o termo
VOLUNTARIAMENTE poderia ser substituído do ESPONTANEAMENTE (sem ser impelido por san-
ção legal ou contratual), expressões que não são sinônimas.

Artigo 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por
erro.
25
Artigo 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em
pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa fé ou de
má fé, conforme o caso.

Artigo 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa
fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má
fé, além do imóvel, responde por perdas e danos.

Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso,
o terceiro adquirente agiu de má fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.

Artigo 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como parte
de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das
garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva
contra o verdadeiro devedor e seu fiador.

Artigo 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer


ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obri-
gação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.

Artigo 881. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir
obrigação judicialmente inexigível.

No novo CC/02, há previsão que não existia no CC/16, um artigo com uma previsão ótima,
mas, colocada em local errado; consistente na perda do direito de receber o indébito se foi pago para
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

a obtenção de fins ilícitos e quem recebeu deverá reverter os valores à instituição beneficente, esco-
lhida pelo juiz de direito.

Artigo 883. Não terá direito à repetição, aquele que deu alguma coisa para obter fim
ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento
local de beneficência, a critério do juiz.

Para que a regra possa ser utilizada tem que ser dada uma interpretação extensiva a quem
pode requerer a desconstituição do pagamento, isso porque quem pagou (legítimo para requerer)
jamais vai questionar o recebimento, porque sabe que irá perdê-lo.

Se se pensar na legitimidade da instituição de caridade para propor a ação de repetição de


indébito, a regra ainda fica no vazio, porque, ela não tem como saber dos pagamentos indevidos
feitos com a finalidade de pagamento de fins ilícitos, também, mesmo que soubesse, não se tem
como definir qual a instituição que teria prioridade.

Para que a regra não caia no vazio, deve-se imaginar que o MP tenha a legitimidade para 26
propor esse tipo de ação, para que o pagamento possa reverter para instituição que tem finalidade
social, e o MP é o representante dos interesses da sociedade. Há uma correlação com a legitimidade
que o MP tem em fazer executar o encargo com fim social decorrente de doação; na falta do doador,
o MP poderá propor a ação de cumprimento coativo do encargo, verdadeiramente, uma execução
específica.

Se o artigo10 tivesse sido previsto em outro lugar seria excelente, porque consagra no direito
civil uma providência que já acontecia no Direito Penal (cestas básicas, suspensão do processo).
Assim, se estive no DANO MORAL, seria a solução de um problema fundamental no direito, qual
seja a fixação do valor do dano moral.

O que ocorre no dano moral é que de um lado o juiz deve encontrar um valor compensatório
(não é reparatório, porque o agravo a direito da personalidade é irreparável), mas que não pode
significar um enriquecimento indevido; não pode permitir que a vítima tenha “vontade” de ser agre-
dida novamente. Por outro lado, o valor deve ser um desestímulo para que o ofensor volte a praticar
a conduta violadora dos direitos da personalidade.

10 Reversão para instituições altruísticas.


Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Porém, em alguns casos práticos, não se consegue alcançar o equilíbrio entre os requisitos
acima. EXEMPLO: cidadão que é gravemente ofendido pelo Banco Bradesco, o juiz não conseguirá
que o mesmo valor seja compensatório da vítima (sem ser fonte de enriquecimento) e relevante para
o Bradesco. Assim, quando houver uma desproporção financeira grande entre a vítima e o ofensor,
nunca o juiz encontrará o valor certo. A solução seria a devolução de parte do valor da condenação
à instituição altruística.

Mas, essa providência (reversão de pagamento para instituição altruística) não foi prevista
para o dano moral, mas, sim para o pagamento indevido.

ESPÉCIES DE PAGAMENTO INDEVIDO, previstos na doutrina:

a) PAGAMENTO OBJETIVAMENTE INDEVIDO: ocorre quando existe erro no que tange à


existência ou à extensão do débito. No CDC, artigo 42:

Art. 41. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo,
nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do in- 27
débito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção mo-
netária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

b) PAGAMENTO SUBJETIVAMENTE INDEVIDO: ocorre quando realizado por alguém que


não era devedor ou pago a quem não era credor.

9. NOÇÕES GERAIS SOBRE OBRIGAÇÕES

9.1. CONCEITO DE OBRIGAÇÕES

É a relação jurídica transitória em que se estabelece um vínculo jurídico entre duas ou


mais partes diferentes, cujo objeto é uma prestação pessoal, positiva ou negativa, garantido
o cumprimento sob pena de coerção judicial.

Logo, ela deverá ter:

a) Caráter transitório;

b) Vínculo jurídico entre as partes, pelo qual se pode exigir da outra, coercitivamente, o adim-
plemento;

c) Caráter patrimonial ou patrimonializável;


Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

d) Prestação positiva ou negativa.

Logo, o que distingue obrigação de dever jurídico é o objeto prestacional, qualificado por ser
um dar, fazer ou não fazer.

9.2. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS OBRIGAÇÕES

9.2.1. Elemento Subjetivo (Credor e Devedor)

Podem ser pessoas físicas ou jurídicas, independentemente de capacidade. Caso haja inca-
paz envolvido, ele deverá ser representado ou assistido. Os sujeitos não precisam ser determinados,
porém devem ser determináveis, como ocorre nas obrigações propter rem, os quais serão individu-
alizados no momento do adimplemento.

Poderá haver substituição de sujeitos, com exceção das obrigações intuitu personae.

O credor também é denominado de sujeito ativo ou accipiens. Já o devedor, sujeito passivo


ou solvens.
28

9.2.2. Elemento Objetivo

O elemento objetivo ou imediato da obrigação é a conduta de dar, fazer ou não fazer. O


objeto imediato é sempre um comportamento do devedor, uma conduta sua, que é denominada
prestação. PRESTAÇÃO é a atividade do devedor satisfativa do credor.

Já o elemento objetivo prestacional, mediato ou elemento material é o próprio objeto da


prestação, tal qual entrega de dinheiro, de um bem específico ou realização de uma obra de cons-
trução civil.

O objeto deverá ser:

a) Lícito: não pode atentar contra a lei, a moral, a ordem pública ou os bons costumes.

b) Possível: possibilidade física e jurídica, esta geralmente associada à ausência de uma ve-
dação que o impossibilite. Como o direito privado se caracteriza pela liberdade e autonomia da von-
tade, a impossibilidade deverá ser expressa em lei (CR: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

fazer algo senão em virtude de lei). Não havendo vedação, ainda que genericamente enquadrável
nas cláusulas gerais, o objeto será em tese possível.

c) Determinado ou determinável: indeterminação absoluta gera nulidade do negócio jurídico.


Se o objeto for determinável, deverá ser definitivamente determinado no momento da efetiva en-
trega/cumprimento da obrigação.

9.2.3. Vínculo Jurídico ou Elemento Ideal

O vínculo jurídico pode ocorrer por responsabilidade contratual ou extracontratual. O vínculo


permite que o credor exija do devedor o objeto da prestação, sob pena de coerção judicial a fazê-lo.

Nas obrigações naturais, nas quais somente existe o débito, sem responsabilidade, o
vínculo jurídico não tem caráter coercitivo. LOGO, HÁ VÍNCULO JURÍDICO DESPROVIDO DE
PRETENSÃO.

O vínculo pode ser bipartido em (são seus elementos): dívida - débito (liame que vincula o
devedor ao credor) e responsabilidade do devedor (quando houver o inadimplemento, o devedor
29
responde com o seu patrimônio pelo cumprimento do débito). A definição de que o vínculo contém
esses dois elementos resulta da aplicação da TEORIA DUALISTA DA OBRIGAÇÃO. CRÍTICA: os
adeptos da TEORIA UNITÁRIA DA OBRIGAÇÃO entendem que débito (Schuld) e responsabilidade
(Haftung) não são separáveis.

Em verdade, três são as teorias que tentam explicar a ideia sobre a participação do vínculo:

a) Monista: limitação para o vínculo jurídico, sendo mais importante a dívida – débito. Des-
preza a responsabilidade, que seria questão de direito processual.

b) Dualista: engloba a dívida e a responsabilidade, mas valoriza mais a responsabilidade.

c) Eclética ou mista: adotada pelo nosso código, valoriza tanto a dívida quanto a responsa-
bilidade, dando o mesmo valor às duas.

Há exceções à regra de que todas as obrigações têm dívida e responsabilidade, ou seja,


casos em que há dívida sem responsabilidade (inexigibilidade), são as obrigações naturais: dívida
de jogo ou aposta (artigo 141) ou obrigações prescritas.
Direito Civil - Introdução ao Direito das Obrigações

Também há casos de responsabilidade sem dívida: fiador, que é um terceiro interessado,


um garante pessoal (artigo 801): ele não é devedor, mas tem responsabilidade, porque seu patrimô-
nio, desde a prestação da fiança, já começa a responder pela dívida; ou garantidor hipotecário (quem
dá o imóvel para garantia de débito de terceiro), que é responsável, mas não é e nunca será devedor.
Assim, há um interesse pragmático em analisar separadamente o débito e a responsabilidade.

9.3. CONSEQUÊNCIAS DO NÃO CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO

Não havendo adimplemento voluntário, o credor poderá demandar judicialmente as medidas


coercitivas. Antes disso, entretanto, não se pode exigir a prestação, salvo em situações excepcionais
em que a lei permite o vencimento antecipado, pois não há interesse processual para tanto.

A obrigação somente se converterá em perdas e danos se a tutela específica ou a obtenção


do resultado prático for impossível, ou se o credor preferir a conversão.

Evidentemente que pode não haver a conversão em perdas e danos, o que não impede que
junto ao adimplemento da obrigação principal o credor exija o pagamento de perdas e danos a título
de indenização, cumulativamente. 30

A execução pelo Poder Judiciário somente se procederá, por óbvio, a requerimento, não
sendo possível a jurisdição de ofício, ante o princípio da inércia.

9.4. DISTINÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil tem origem em ato ilícito e no inadimplemento de uma obrigação


regularmente assumida (neste caso, há responsabilidade civil contratual por ato ilícito relativo). Ela
é uma obrigação secundária ou derivada, visa a reparar o dano causado pelo descumprimento de
outra obrigação (primária ou originária).

A obrigação pode decorrer de lei ou da vontade das partes, enquanto A RESPONSABI-


LIDADE CIVIL DECORRE SOMENTE DE LEI. Assim, as multas contratuais, por exemplo, são obri-
gações decorrentes do inadimplemento da obrigação principal, não sendo, pois, manifestação da
responsabilidade civil (visto que decorrem da vontade das partes).

Como o dever jurídico é um gênero, que engloba a obrigação (dever jurídico qualifi-
cado), pode-se dizer que a responsabilidade civil decorre da violação de um dever jurídico.

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