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MIGRANTES EM RORAIMA (BRASIL): A MASSIFICAÇÃO DOS

TERMOS ACOLHER/ACOLHIMENTO

José Carlos Franco de Lima (UFRR)


Gilmara Fernandes (UFRR)

Introdução

O estado de Roraima (Brasil) nos últimos anos tem recebido migrantes venezuelanos,
haitianos e cubanos. Os cubanos entram pela fronteira da República Cooperativista da Guiana.
Já os haitianos vêm de Manaus (Estado Amazonas, Brasil) e algumas famílias vem da
Venezuela. Em 2016, houve uma intensificação da vinda de venezuelanos indígenas e não-
indígenas para Roraima, principalmente para a cidade de Boa Vista, capital do estado.
Roraima tinha uma população em torno de 600 mil habitantes e um território de 224.299 km².
O Brasil tem uma fronteira de 2.199 km com a Venezuela, a rodovia BR 174, liga Manaus
(Amazonas) a Pacaraima (Roraima), fronteira com a Venezuela. Do lado venezuelano está
Santa Helena de Uairén (Estado Bolivar) que tem ligação asfáltica até Ciudad Bolivar, Porto
Ordaz e Caracas. Nas últimas décadas do século XX e primeira década do século XXI, muitos
brasileiros migraram para a Venezuela para trabalhar no garimpo de ouro, muitos inclusive
adquiriram cidadania venezuelana durante o governo Chávez.
Recentemente houve a inversão desse fluxo. Devido ao aprofundamento das disputas
entre governo e oposição na Venezuela na segunda década do século XXI, o país entrou num
processo de desabastecimento, inclusive de alimentos. Soma-se a isso o aprofundamento da
crise hídrica na região do Rio Orinoco e no Vale de Caracas. A migração de Venezuelanos
para o Brasil se intensificou após 2016. Em decorrência deste acontecimento houve um
aumento gigantesco de pedidos de refúgio na Polícia Federal em Boa Vista (RR). Por isso,
foram criados mutirões permanentes para agilizar a regularização dos migrantes no segundo
semestre de 2017 com voluntários da Pastoral Universitária Católica (PUC), do Grupo de
Estudos de Fronteiras das UFRR (GEFRON), do Centro de Migrações e Direitos Humanos
(CMDH) e do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR). Foram 7.600 pedidos de
Refúgio até junho de 2017, além dos pedidos de residência temporária e os irregulares. A
pastoral dos migrantes da Igreja Católica em 2018, promoveu mutirões em parceria com a
Polícia Federal para regularizar a situação de migrantes que estavam vivendo nas cidades do
interior do estado. Em 2017, devido à grande demanda, o governo federal abriu a
possibilidade de solicitação de residência temporária sem a cobrança das taxas, mesmo assim,
as solicitações de refúgio superaram os pedidos de residência temporária. Diariamente, mais
de 200 pessoas se aglomeravam nas madrugadas em frente ao prédio da Polícia Federal em
Boa Vista (RR) para entrarem com pedido de refúgio ou residência temporária. Em abril de
2018, foi inaugurado um centro de referência para imigrantes sob direção do Alto
Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) na
Universidade Federal de Roraima para atendimentos destinados a regularização dos migrantes
e orientações jurídicas.
A migração massiva ganhou visibilidade nas ruas, empresas e mídia. Grupos de
homens pedindo trabalho com cartazes de papelão em pontos estratégicos nas principais
avenidas. Mendicância, “limpa-vidros” em semáforos, músicos migrantes em bares e
restaurantes, funcionários de empresas falando portunhol.
A situação da migração venezuelana entrou em pauta nas conversas de bares, nos
lanches de rua, nas salas de aulas das universidades, nas filas de espera dos hospitais e postos
de saúde, bem como nas casas das famílias e na mídia. O tema também se tornou pauta das
campanhas eleitorais em 2018 em Roraima, tanto para responder ao eleitorado local, quanto
para desviar o foco das eleições das questões econômicas e políticas nacionais.
A grande maioria dos refugiados está em Boa Vista, capital de Roraima, que tem cerca
de 320 mil habitantes, mas também existe a presença de venezuelanos em outras cidades do
estado, que possui 14 municípios no interior, todos com menos de 30 mil habitantes. Essa
concentração dos migrantes na capital deve-se a proximidade com a Venezuela, a espera de
legalização da situação no país e familiarização com a língua portuguesa. Estando próximos à
fronteira, é mais fácil remeter dinheiro a partir de Santa Helena de Uiarén, bem como viajar
para a Venezuela e levar utensílios e alimentos para familiares residentes naquele país.
A maioria das ofertas formais de emprego na cidade está vinculada ao serviço público
municipal, estadual e federal. A manutenção de ruas e rodovias é um exemplo, é comum a
contratação de empresas terceirizadas pelo setor público para os serviços municipais de
limpeza de rua e dos hospitais públicos. A recessão econômica brasileira, iniciada no final de
2014, aumentou o desemprego no país, em especial em Boa Vista (RR), principalmente em
decorrência da redução de investimentos públicos em obras de infraestrutura. Devido a essa
conjuntura, trabalhadores venezuelanos passaram a representar um contingente adicional de
mão de obra excedente no mercado de trabalho local. Iniciou-se um processo de substituição
de mão de obra brasileira por mão de obra migrante. Isso se deve a três fatores: a mão de obra
migrante é qualificada, a remuneração que recebem é inferior que a paga aos brasileiros e o
terceiro fator é que neste momento estão na condição de trabalhadores submissos, devido a
situação de extrema necessidade a que estão submetidos. Esse quadro se alterará radicalmente
em 10 anos com o reconhecimento progressivo dos diplomas dos migrantes e com a obtenção
da cidadania definitiva.
Muitos desses refugiados seguem para outros estados do Brasil, é o caso de cinco
cubanos que conhecemos em uma das turmas de português de acolhimento do Projeto
Extensão de apoio aos refugiados em Roraima do Instituto de Antropologia da Universidade
Federal, que funciona num espaço comunitário chamado Recanto Apuí, Bairro Caimbé em
Boa Vista (RR); estes cubanos ingressaram em meados de junho/2017, um mês depois, três
já estavam em Curitiba (Estado do Paraná) juntando dinheiro para enviar aos dois que ficaram
em Boa Vista para seguirem viagem. Outro exemplo são Merlina, Rafael e os dois filhos, que
chegaram em 2015. Vindos de La Vitória (Estado Miranda, Venezuela), viajaram para
Joinville (SC) de avião no dia 02 de fevereiro de 2018. Muitos venezuelanos têm utilizado o
aeroporto de Boa Vista (RR) para viajarem em direção ao Uruguai e Argentina. Um dos
objetivos do plano de controle de fluxo migratório implantado pelo Exército em 2018 é o
envio dos migrantes para outras regiões do Brasil.

Ações de acolhimento, proteção e inserção laboral

Acolher e Acolhimento se tornaram palavras correntes nos discursos das organizações


da sociedade civil e organismos estatais diante do fluxo massivo de migrantes em Roraima.
No âmbito das ações que acompanhamos entendemos que acolhimento é um valor ético e
envolve um conteúdo afetivo. Se contrapõe a rejeição. Nas palavras de uma estudante de
psicologia bolsista no Projeto Acolher/UFRR em 2017: O acolhimento envolve afeto e o afeto
é revolucionário! É uma postura que está presente na chegada e na inserção dos migrantes no
cotidiano social, inclusive no âmbito do trabalho. Porém nos discursos institucionais como do
Ministério Público Federal (MPF), Ministério da Defesa, Secretaria do Bem Estar Social do
Estado (SETRABES), Secretaria Municipal de Gestão Social (SEMGES), Comitê da
Migração em Roraima (COMIRR), Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano (IDMH),
entre outras, o termo acolhimento remonta a proteção e garantia de direitos, inserção laboral e
repressão a xenofobia.
As primeiras iniciativas de acolhimento e apoio aos refugiados se deram no âmbito da
sociedade civil, principalmente no campo das organizações religiosas, nos anos de 2015 e
2016. Exemplos dessas ações de acolhimento são: as campanhas de arrecadação de alimentos
nas igrejas católicas e evangélicas; o acolhimento no Sindicato da Construção Civil
(SINTRACOM) em parceria com o Centro de Migração e Direitos Humanos (CMDH) e
Pastorais Sociais da Arquidiocese de Roraima; a distribuição de cestas básicas de alimentos e
assessoria jurídica pelo CMDH; as remessas de alimentos para Porto Ordaz e outras cidades
pela Assembleia de Deus; e as doações de alimentos e roupas a desabrigados acampados em
espaços públicos por grupos informais e espontâneos de voluntários.
O ano de 2017 registra uma alteração nesse quadro: intervenções do Ministério
Público Federal, audiências públicas e seminários envolvendo a sociedade civil e órgãos
públicos visando garantir os direitos dos migrantes. Entram em cena organismos como o Alto
Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Organização
Internacional da Migração (OIM) e o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA).
O Projeto Acolher da UFRR se torna uma referência. Se instalam em Roraima o Serviço de
Apoio a Refugiados e Migrantes dos Jesuítas (SJMR). Um abrigo para 300 migrantes é
construído pela ONG Acolher sem Fronteiras.
A sociedade civil organizada amplia e consolida seus serviços em 2018. Ações como a
oferta de banheiros e refeitório comunitários na Paróquia Nossa Senhora da Consolata
desenvolvida pelo Instituto Nacional de Direitos Humanos (IDMH) e oferta de aulas de
português e regularização de documentação na capital e em municípios do interior pela
Pastoral dos Migrantes. A continuidade dos serviços de doação de alimentos, roupas e
orientação jurídica pelo CMDH. Os jesuítas implantaram o Serviço Jesuíta de apoio a
Refugiados e Migrantes, ofertando serviços jurídicos e intermediação para inserção
sociolaboral. A Fundação Fé e Alegria, também dos Jesuítas, inicia um projeto educacional
para crianças migrantes no horário de contraturno escolar. A Pastoral Universitária Católica
iniciou um programa de translado de migrantes estudantes para Juiz de Fora (MG), arcando
com os custos de transporte, garantindo três meses de hospedagem e alimentação na
Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), além de apoiar os estudantes migrantes na
validação de diplomas. No campo espírita a Ong Acolher Sem Fronteiras abre um trabalho de
intermediação para inserção laboral para migrantes em outras regiões do Brasil, além de
manter um abrigo para 300 pessoas no bairro Nova Cidade. No campo evangélico algumas
igrejas passaram a oferecer cultos em espanhol e apoio aos irmãos de crença venezuelanos no
tocante a abrigo, alimentação, aulas de português, trabalho e translado para outras regiões do
Brasil. Uma sala digital voltada para ensino de português e informática financiada pela
Ericson Brasil foi implantada no Centro de Referência para Imigrantes na UFRR. O Recanto
Apuí, espaço cultural independente gerido por migrantes e voluntários se consolidou na oferta
de aulas de português numa perspectiva holística, abrigamento comunitário, oficinas de
música, cozinha vegetariana, percepção corporal e compostagem.
As ações espontâneas e informais continuaram a serem realizadas, porém com o
fechamento dos espaços públicos ocupados por desabrigados, essas ações se tornaram menos
visíveis.
As organizações da sociedade civil apresentaram um relatório em janeiro de 2018 para
representantes do Conselho Nacional de Direitos Humanos, apontando a ausência de políticas
públicas de acolhimento, a omissão do Governo Federal e a desarticulação das ações do
governo estadual e municipal. Em contrapartida, o Governo Federal implementou um plano
de controle de fluxo migratório sob direção do Exército.

Ações de acolhimento na Universidade Federal de Roraima

A Universidade Federal de Roraima vem desenvolvendo um conjunto de ações de


acolhimento, proteção e inserção dos migrantes na sociedade local desde 2017. Sendo uma
instituição situada no ministério da educação do governo federal, a UFRR representa uma
referência no que tange a possibilidades de políticas públicas de acolhimento.
As iniciativas de ações de acolhimento e proteção surgiram de forma espontânea entre
alunos e professores como resposta as demandas sociais que o processo migratório
apresentava. O Projeto Acolher/UFRR foi uma referência de acolhimento em 2017. Essa
iniciativa ganhou muita visibilidade na mídia local e nacional, num momento em que o poder
público estava ausente, as agências da ONU estavam se instalando e as organizações da
sociedade civil com ações muito tímidas. As ações do projeto envolviam aulas de português,
campanhas de sensibilização da opinião pública, momentos de escuta sensível, campanhas de
doação de alimentos e roupas. Cada ação tinha uma equipe com autonomia para desenvolver
seus trabalhos. O projeto foi oficialmente denominado Projeto de Apoio aos Refugiados em
Roraima e teve apoio da Pró - Reitoria de Assuntos Estudantis e Extensão que cedeu 4
bolsistas. O nome fantasia “Projeto Acolher” deixa de ser usado em 2018 pelos coordenadores
das ações; esses avaliaram que acolher era um sentimento mais amplo que um projeto
institucional e que o uso do nome devia ser de domínio público. Outras iniciativas no âmbito
da universidade foram ganhando corpo como oferta de orientações jurídicas e as ações do
Grupo de Estudos Interdisciplinares de Fronteira.
A incorporação da dimensão emocional e ética como fundamentos dessas ações ajuda
a compreender a opção por definir acolhimento como sentimento. Tão importante quanto o
resultado das ações são as relações que se estabelecem nesse processo. Apontamos como
pilares éticos o compromisso moral com o respeito a diversidade cultural e a solidariedade
muito evidentes no comportamento de professores, estudantes e voluntários. Inclusive com
doação de recursos financeiros e materiais pessoais. Além do sentimento doado é possível
sentir a reciprocidade dos acolhidos na mesma medida no decorrer de cada ação.
No segundo semestre de 2018 a Coordenação de Relações Internacionais da UFRR
promoveu o I Seminário sobre Internacionalização da Universidade, apontando para a
integração das ações de acolhimento a migrantes e dos programas internacionais de
intercâmbio.
Além da Universidade Federal de Roraima, o Instituto Federal de Roraima e a
Universidade Estadual de Roraima ofereceram cursos de português para migrantes. O I
Encontro de Português de Acolhimento foi realizado nos dias 12 a 14 de maio de 2018 na
UFRR reuniu profissionais e voluntários das universidades e organizações da sociedade civil
que estão trabalhando com o ensino de português para migrantes. O que se viu foram
concepções pedagógicas diversas que tinham como eixo comum o acolhimento e a integração
dos migrantes na sociedade local.

Controle Militar do Fluxo Migratório

O Presidente da República cria o Comitê Federal de Assistência Emergencial em


fevereiro de 2018. Composto por vários ministérios, conta com representantes da ACNUR,
OIM, UNFPA, mas não conta com representantes da sociedade civil organizada, nem do
governo do estado ou das prefeituras de Roraima. O presidente da república nomeia um
general do exército para presidir o comitê e destina o orçamento previsto para ser gerido pelo
exército. Na prática os militares assumiram o controle da política de estado no tocante ao
fluxo migratório. O exército assumiu os abrigos para refugiados, mais uma dezena de abrigos.
No caso do acolhimento dos indígenas Warao e Eñepá, a militarização dos abrigos tem levado
a uma situação muito conflitosa, sem uma formação qualificada o exército não sabe como
atuar com os indígenas devido a suas especificidades. O modelo de abrigo como no caso do
Pintolândia com mais de 500 indígenas. O exército também assumiu a seleção e o translado
dos migrantes solicitantes de refúgio para outras regiões do país com apoio das agências da
ONU: ACNUR, OIM, UNFPA e UNICEF. Em tempos de avanço das forças reacionários e
autoritários na política brasileira, foi uma intervenção militar camuflada em Roraima. A
denominada Operação Acolhida destinou às forças armadas competências de assistência
social. Uma manobra dos setores reacionários do governo para aumentar a presença militar no
dia-a-dia da população e formar opinião pública favorável a presença militar na política
interna.
Em vez de articular as ações de governo nas esferas federal, estadual e municipal e
fortalecer a sociedade civil organizada, o governo federal passa ao exército a implementação
da política migratória. Essa estratégia revela uma tendência já observada na intervenção
federal no Rio de Janeiro: repassar funções que competem às instâncias de governo civil para
os militares. Esse quadro poderia sofrer um agravante se houvesse proliferação de tumultos e
violência política nas eleições 2018, o que abriria possibilidade de promulgação de estado de
sítio que poderia ser aprovado pelo congresso nacional conservador. Entraríamos num regime
de exceção no qual as forças armadas, em especial o exército, seriam a salvaguarda da ordem.
Impondo um regime de hierarquização e centralização nos moldes militares em todas as
esferas de governo. Soterrando o projeto de controle social do estado pelos cidadãos previsto
na Constituição de 1988. Obvio que esse regime de exceção seria consolidado por emendas
constitucionais por um congresso eleito sob tutela de um regime autoritário. Por hora essas
são apenas conjecturas num cenário nacional bastante instável.
Por trás do plano emergencial de fluxo migratório apresentado pelo comando militar,
está uma estratégia de controle territorial do estado de Roraima e o mapeamento total das
ações voltadas para migrantes por parte do serviço de inteligência do exército. O governo do
estado e as prefeituras, em especial, a prefeitura de Boa Vista (RR) perdem seu papel
estratégico na política migratória, se tornando atores secundários.
Cabe algumas observações sobre as agências da ONU que atuam no âmbito local. A
ACNUR, OIM e UNFPA desde que se instalaram em Roraima vem constituindo Grupos de
Trabalho (GTs) sobre temáticas específicas, numa tentativa de articular a sociedade civil,
organizações empresariais, ministério público, judiciário, organismos federais, estaduais e
municipais em torno das questões migratórias. Com a entrada dos militares em cena,
passaram a operar, acompanhar e apoiar as ações de abrigamento e interiorização. De certa
maneira, atuam como observadores internacionais no plano de controle de fluxo migratório do
exército. A agência com maior presença é a ACNUR desde que o governo brasileiro
reconheceu o status de refúgio por emergência humanitária, ou seja, a principal justificativa
para os investimentos em controle do fluxo migratório está baseada sobre a condição de
refugiados dos migrantes. A universidade federal cedeu dependências desde 2017 para as três
agências se instalarem. A aproximação física facilitou um diálogo maior com as ações que a
universidade vinha desenvolvendo. A inauguração do Centro de Referência ao Migrante,
gerido pela ACNUR, dentro da universidade, com o desenvolvimento de algumas ações
voltadas ao bem estar e orientação jurídico-laboral por parte da universidade federal dentro
desse espaço, revela o nível dessa parceria.
No caso, acolhimento passa a ser vinculado a controle militar, triagem e translado para
outras regiões do Brasil. O âmbito da regulação estatal é a referência para acolhimento. Por
outro lado, a extrema vulnerabilidade dos migrantes expostos a fome, desabrigo e a xenofobia
local foi amenizada com a intervenção militar. O apelo a presença militar aparece na opinião
pública em outras áreas sociais, por exemplo, o apoio a militarização das escolas estaduais. A
insegurança diante de furtos de celulares, assaltos a residências, roubos de bicicletas e
estupros de mulheres ganha contornos dramáticos, impelindo parte da população a defesa da
repressão violenta a criminalidade. Associado a isso, se fortalece ações de xenofobia incitadas
por meio de comunicação como televisão, rádio e redes sociais. Os programas policiais de
televisão incitam a violência contra os venezuelanos que são apontados como os principais
causadores do aumento dessa e de crimes nas cidades. Algumas reportagens culpabilizam os
venezuelanos pela crise da cadeia pública, bem como nos sistemas de saúde e na educação
municipal e estadual. Por outro lado, constatamos a realização de atos ilícitos cometidos por
migrantes venezuelanos. Numa sexta feira a noite em fevereiro de 2018 estivemos no 5
Distrito da Polícia Civil: 3 boletins de ocorrência envolvendo furtos por migrantes. Em junho
acompanhamos o trabalho socioeducativo junto a dois menores migrantes sentenciados a
cumprirem as medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade.
Os mendigos e os assaltantes provocam reações raivosas em setores da população que
veem neles a negação do trabalho como valor. É o que observamos em rodas de conversa com
migrantes venezuelanos empregados e autônomos nas quais eles condenam a mendicância e a
delinquência como formas de obter recursos, pois para eles o trabalho é a única forma válida
para se ter uma renda. A fala de uma feirante brasileira é bastante expressiva nesse sentido:
nega dar esmola a uma indígena warao venezuelana com o filho nos braços e fala para os
clientes ouvirem: Criei meus filhos sozinha trabalhando!
A esperteza, a astúcia e a enganação se tornaram valores que norteiam o
comportamento de muitas pessoas no dia-a-dia: o importante é se dar bem. Somados a
concorrência e defesa dos interesses particulares sobre os interesses coletivos formam o
núcleo do sistema de valores que norteia o estado de guerra vivido pela sociedade atual.
Aluguel, abrigos ou rua

A maioria dos migrantes vivem em apartamentos térreos tipo kitnet nas chamadas vilas
ou estâncias, que são imóveis com vários apartamentos alinhados nos limites laterais do
terreno, um após outro. O grau de insalubridade é alto, pois os tetos são, em geral, de telhas de
fibrocimento sem forração interna. Como as temperaturas locais mantém uma média anual
entre 35 a 40 graus no cerrado roraimense, aqui conhecido como lavrado, o ambiente da
moradia se assemelha a uma estufa. O aluguel é pago com trabalho formal ou informal.
Algumas obras abandonadas de prédios e casas foram ocupadas por migrantes. Em
alguns casos com concordância dos donos, em outros casos sem sua anuência. Em junho de
2018 foram removidas pela Polícia Militar 31 famílias de um prédio abandonado e inacabado
no centro. A polícia não tinha mandado de reintegração de posse. Após acordo mediado por
uma organização pelo Serviço Jesuíta de Proteção aos Migrantes as famílias foram
transferidas para um abrigo público recém-inaugurado.
O número de abrigos públicos chegou a dez em Boa Vista (RR) e um em Pacaraima
(RR) no final do primeiro semestre de 2018. Cerca de 5 mil pessoas vivem nos abrigos que
funcionam como centros de passagem, pois o processo de translado pelo poder público para
outras regiões do Brasil prioriza abrigados. Só ficam nos abrigos solicitantes de refúgio.
Todos os abrigos públicos são geridos pelo exército. A transferência compulsória para outras
regiões do Brasil ou o retorno a Venezuela aparecem como objetivos estratégicos do plano de
controle militar do fluxo migratório, porém o Ministério do Desenvolvimento Social tem se
mostrado tímido na articulação com municípios receptores. A seleção para transferência dos
solicitantes de refúgio nos abrigos ficou a cargo do ACNUR e a preparação dos grupos para
viagem a cargo da UNFPA e OIM. A UNICEF entrou em cena com vistas a trabalhar com as
mães e crianças que vivem nos abrigos.
O abrigo mais antigo é o abrigo para refugiados indígenas, cujo maior contingente são
waraos. Até a chegada do exército a gestão do abrigo estava a cargo da ONG Fraternidade
Internacional em conjunto com uma equipe técnica da Secretaria do Bem Estar Social do
Governo do Estado. Havia uma valorização das lideranças tradicionais indígenas. Um
episódio ocorrido em 14.04.2018, revela nesse abrigo a mudança de direcionamento da
política de abrigamento. O regimento interno do abrigo prevê o fechamento dos portões às 22
horas. Antes da chegada dos militares quem fazia o controle do portão eram indígenas
refugiados. Naquele sábado a noite, três aydanos, líderes de grupos de famílias, com três
crianças e uma mulher saíram. Eles voltaram bêbados em torno das 23 horas. A entrada não
foi permitida. Negociaram a entrada das crianças e mulheres. Quando os soldados abriram o
portão para elas entrarem os homens forçaram a entrada. Os indígenas são empurrados para
fora e o portão é fechado abruptamente, prensando a ponta do dedo anular de Marcelino. Eles
dormiram na praça. De manhã entram no abrigo. A Polícia Militar é acionada e os levam para
o 5º Distrito da Polícia Civil para prestarem depoimento por desacato a autoridade e tentativa
de agressão. Lá ficam três horas de pé numa cela minúscula com mais duas pessoas. Sem
água, sem comida e de pé, pois não havia espaço para sentar. Prestam depoimento, a delegada
avalia que não houve crime, os soldados não encaminham queixa. A delegada os libera. A
guarnição da PM os leva de volta à cela, agora vazia, e batem neles dizendo que isso é o que
acontece com quem quer bater em militar. Naquela mesma manhã de domingo, o tenente que
comandava o contingente militar no abrigo, reúne todos os abrigados e anuncia a expulsão dos
insubordinados. Afirma em alto e bom tom que os indígenas não são nada ali e que o
comando é do exército. Os indígenas passaram a dormir na praça, havendo proibição das
famílias levarem alimentos para eles. A instituição militar moldada na hierarquia com
comando centralizado e obediência absoluta transfere para o abrigo esse sistema de
ordenação.
Outro exemplo, a ONG Acolher Sem Fronteiras, ligada a Federação Espírita do Brasil,
mantém um abrigo para 300 pessoas. O exército assina um termo de cooperação para
ampliação do abrigo. Caberia aos militares ampliar as instalações, porém a presença militar
foi bem além da construção civil, passando a vigiar chamadas telefônicas e fazer registro
fotográfico das instalações e reuniões sem autorização da direção do abrigo, segundo relato
das coordenadoras em reunião do Comitê da Migração em Roraima (COMIRR) em março de
2018.
Os refugiados desabrigados que viviam em espaços públicos aos poucos foram
transferidos para os abrigos do exército. A prefeitura cercou com tapumes essas praças
alegando obras de revitalização. Como a chegada de novos migrantes e a falta de vagas nos
abrigos centenas de migrantes continuaram morando nas ruas ou se acampando próximos aos
abrigos púbicos, enquanto aguardavam vagas.

Inserção no mercado de trabalho: desemprego e exploração

A reforma trabalhista protagonizada pelo governo federal combinada com o alto índice
de desemprego no estado de Roraima estimulou a precarização e a exploração do trabalho.
Segundo um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2016, a maioria dos
trabalhadores e trabalhadoras migrantes se inserem nos setores e atividades econômicas que
possuem os piores salários e as piores condições de trabalho. Isso acontece com a mão de obra
qualificada provinda de Cuba, Haiti e Venezuela a medida que os diplomas não são
reconhecidos no Brasil. Trabalhos eventuais, temporários e subcontratados são práticas usuais
e legais na economia globalizada, por isso o trabalho informal sem proteção social acaba
sendo a alternativa para a maioria dos trabalhadores refugiados e trabalhadores brasileiros. O
pagamento na forma de diárias por serviços domésticos, como limpeza de quintais, ou por
trabalhos eventuais na agricultura familiar ou nas fazendas, representa outra forma de
exploração: 20 reais ao dia para limpeza de quintais ou por um dia de trabalho nas fazendas;
25 reais diários para uma jornada de seis horas em lanchonetes ou churrasquinhos noturnos.
Em geral, a exploração e a precarização do trabalho têm atingido brasileiros e refugiados. A
diferença está no fato de que os brasileiros estão abrigados e dispõe de uma rede de apoio
familiar e de amizade já consolidada. Segundo relato entregue pelas organizações sociais que
atuam na questão migratória aos representantes do Conselho Nacional de Direitos Humanos
em 26 de janeiro de 2018:

Nas vias públicas, assim como nos portões das casas, imigrantes imploram por
trabalhos, seja de forma oralizada, seja segurando cartazes com dizeres de pedidos.
Tal situação levou o estado a um grande aumento de mão de obra barata e
competição por postos de emprego. Além disso, subempregos e em condições
semelhante à escravidão (não pagamento de salário ao final do trabalho, sem direitos
trabalhistas, em situações insalubres) e aliciamento para a prostituição de adultos e
menores são reportadas pelos imigrantes. (VENTURA, 2018)

O empresariado por sua vez ganhou maior oferta de mão de obra qualificada, aumento
de consumidores e barateamento da força de trabalho com a chegada massiva de refugiados.
Está havendo um processo de substituição da mão de obra brasileira pela força de trabalho
venezuelana. Isso tem ocorrido por ser uma mão de obra mais barata e mais dócil por
necessitar urgentemente de renda. As organizações empresariais fazem silêncio sobre a
temática e se isentam de qualquer responsabilidade social. No final de setembro/2017, uma
equipe da OIT veio a Roraima fazer um diagnóstico da realidade local no tocante ao mercado
de trabalho. Compunham um grupo junto com o Ministério Público do Trabalho e voltaram
em dezembro para apresentar os resultados da pesquisa. Nas duas visitas, agendaram reuniões
com entidades empresariais, sendo que somente a Federação do Comércio e o SESC
compareceram, acenando levemente no sentido de pautar as condições de trabalho no Estado.
Em compensação, as duas tentativas de agendar conversas com a prefeita e a governadora
abortaram.
Uma questão crucial para a ampliação do mercado de trabalho é a atração de
investimento públicos, privados e associativos na região numa perspectiva de
desenvolvimento humano sustentável. Por exemplo, investimentos na cadeia produtiva do
reflorestamento e reutilização do lixo plástico teriam impacto decisivo na oferta de empregos
no estado, ao mesmo tempo que seria uma contribuição decisiva para preservação no
ecossistema amazônico na bacia do Rio Branco. É o que tem sido defendido pelo Projeto de
Apoio aos Refugiados em Roraima vinculado ao Instituto de Antropologia da UFRR.
Também merece destaque o quadro referente às profissionais do sexo. Esse setor
tradicionalmente informal e vinculado às tradições patriarcais da sociedade brasileira se
tornou rentável na sociedade de consumo. A prostituição de rua na região da Feira do
Passarão em Boa Vista (RR) se iniciou na década de 90 com os recursos provenientes do
garimpo no Brasil, Venezuela e Guiana. A atividade ganhou maior visibilidade e notoriedade
com o aumento do número de mulheres venezuelanas trabalhando na prostituição de rua. Nas
cidades do interior como São João da Baliza, Mucajaí, Alto Alegre, Bonfim e Rorainópolis,
elas foram cooptadas pelos prostíbulos. Em 2017, vários cárceres privados de prostitutas
foram desmantelados pela Polícia Federal no Estado. As prostitutas, travestis e transexuais
formam um grupo altamente estigmatizado e vulnerável. Espancamentos, estupros, tentativas
de homicídio e desaparecimentos foram detectados pela equipe da UNFPA de Roraima. Além
disso, confirmou-se o descaso por parte de policiais quando elas fazem boletins de
ocorrências nas delegacias. Atualmente, discute-se um projeto de extensão na Universidade
Federal voltado para defesa pessoal e apoio psicológico a prostitutas, travestis, transexuais e
mulheres vítimas de violência sexual. Um dos segmentos focados pelo projeto será as
refugiadas que trabalham como profissionais do sexo.
Um dos fatores para o crescimento da rejeição em relação aos migrantes é a
substituição da mão de obra de trabalhadores brasileiros por trabalhadores migrantes. O que
tem repercussão direta no discurso dos políticos locais em vistas as eleições de 2018. A
culpabilização dos migrantes pelo desemprego e aumento da criminalidade na opinião púbica
local é reforçada pela mídia local. A discussão de propostas de políticas de investimento para
atração de investimentos públicos e privados para criação de postos de trabalho e políticas de
prevenção a violência é evitada por políticos e mídia local. Essa estratégia de desviar o foco
das eleições no estado para os migrantes é uma forma de evitar formular propostas para um
desenvolvimento sustentável para a região.
Quando se trata de mercado de trabalho para migrantes o termo mais utilizado é
inserção laboral. E quando se trata de proteção nos referimos a garantia de direitos
trabalhistas. Observamos que nesse setor a palavra acolhimento não é utilizada. O que nos
leva a supor que as relações de produção são mediadas pelos interesses econômicos, não
havendo espaço para acolhimento. Por que o bem estar emocional estaria ausente dos espaços
produtivos? Por que empregar e acolher representam ações tão separadas? Por que o contrato
de trabalho exclui pactos emocionais e sentimentais? Talvez elementos como confiança,
inveja, narcisismo e solidariedade, entre outros, estejam presentes nas relações de contratação
de mão-de-obra e formem um pacto oculto que escapam ao direito objetivo. O trabalho de
mediação para inserção laboral envolve proteger o migrante contra tráfico humano e
escravização, mas ainda está longe de incorporar o conceito de acolhimento no âmbito do
trabalho.

Acolhimento na saúde e educação públicas

A saúde pública foi o primeiro setor do serviço público no qual o termo acolhimento
ganhou uso corrente. O acolhimento concebido como a humanização na recepção do paciente.
A triagem dos atendimentos é iniciada pelo acolhimento. Aqui acolhimento remete a
recepção, procedimentos de entrada no sistema de saúde púbica.
Os serviços de saúde pública vêm sofrendo precarização intensa em nível nacional e,
em especial, em Roraima. Os governos estaduais têm gerado uma crise financeira na área da
saúde que se agrava a cada ano devido à má gestão e ao desvio de verbas. A rede estadual de
saúde, responsável pelos hospitais e maternidades, atende à demanda curativa de forma
deficitária. Chegou a faltar analgésico no Hospital Geral de Roraima (HGR) e no Hospital de
Rorainópolis em 2015. Nesse mesmo ano, os servidores da saúde entraram em greve por
melhores salários e melhores condições de trabalho. O sistema de atendimento da saúde
indígena conta com dois Distritos Sanitários em Roraima e se utiliza da rede hospitalar
estadual, uma parte da verba para saúde no Estado provém do orçamento da Secretaria
Especial da Saúde Indígena. Assim, é evidente que o governo estadual, seja por problemas de
gestão, seja por falta de recursos, permitiu o sucateamento do setor.
Acompanhamos a internação de um jovem músico venezuelano que teve um surto
psicótico. Ele estava numa casa de apoio de artistas que viajam pela América Latina. O apoio
dos anfitriões foi fundamental, inclusive para contatar a família. O processo inicialmente foi
muito difícil, pois ele resistia em ir ao Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS).
Chegando lá procuramos o setor de acolhimento onde nos disseram que como era refugiado
ele tinha que entrar pela emergência do Hospital Geral. No hospital, os atendentes e o médico
não falavam espanhol na primeira entrada. Na segunda, foi atendido por um médico
cubano. Após dez dias de internação no HGR foi encaminhado para o CAPS. Depois de um
mês voltou com a mãe para a Venezuela. Profissionais que só falam português e migrantes
que só entendem espanhol têm sido um empecilho para o atendimento em postos de saúde,
hospitais, escolas e universidades. Observamos no Projeto de Apoio aos Refugiados em
Roraima/UFRR que a qualidade do atendimento aos refugiados depende muito da atitude dos
servidores que estão no serviço público naquele momento. Gentileza, por exemplo, tem mito
haver com o humor e postura do servidor. Já as questões relativas à infraestrutura dependem
de instâncias superiores que não têm contato direto com os refugiados. A chegada massiva
dos refugiados sobrecarregou ainda mais o sistema de saúde que, em contrapartida, não teve
aumento de repasses de recursos por parte do Governo Federal
As redes municipais de atendimento básico à saúde têm assistido brasileiros e
migrantes com os recursos que dispõem. Postos de saúde como o da Vila Campos Novos no
município de Iracema (RR) têm uma equipe pequena e pouca medicação para o atendimento.
Algumas regiões periféricas de Boa Vista (RR) tiveram aumento da população devido à
implantação de conjuntos habitacionais na última década, sem a construção ou ampliação dos
postos de saúde dos bairros adjacentes, o que gerou uma incapacidade de atendimento em
bairros como o Conjunto Habitacional Pérola I, II, III, IV e V e Vila Jardim. Como
agravante, observa-se que as epidemias de dengue, chikungunha, zica, sarampo e gripe H2N1
alcançaram índices alarmantes na última estação das chuvas (abril a agosto de 2017). Nas
regiões de floresta no interior do estado, a malária é outra ameaça constante. Os programas de
saúde preventiva voltados ao combate de epidemias têm sido insuficientes para deter essas
epidemias.
Em relação à educação escolar, segundo O perfil sociodemográfico e laboral da
imigração venezuelana no Brasil do Conselho Nacional de Imigração, 46,1% dos migrantes
venezuelanos possuem Ensino Médio completo e 28,4% Ensino Superior completo. Em
relação a refugiados cubanos e haitianos, encontramos perfis semelhantes. Aqui se apresentam
dois desafios: fazer o processo de reconhecimento dos certificados de ensino médio,
competência da Secretaria Estadual de Educação, e fazer a equivalência de diplomas de
Ensino Superior, competência do Ministério da Educação através da Universidade Federal de
Roraima.
A UFRR instalou oficialmente a Cátedra Sérgio Vieira de Melo em 2017, ligada à
ACNUR, visando construir uma política de apoio aos refugiados na universidade. O maior
empecilho para a implementação de um programa de equivalência acessível para diplomas de
estrangeiros é a sobrecarga de trabalho dos docentes e a falta de servidores técnico-
administrativos. A instalação de processos de reconhecimento implica em disponibilidade de
docentes e técnico-administrativos. Atualmente os professores estão sobrecarregados, sendo
exigido altos índices de produtividade em pesquisa e ensino. Devido às perdas salariais e
cortes de recursos federais, estão trabalhando mais e ganhando menos. Além disso, as
tendências corporativistas de algumas áreas profissionais dificultam a implementação de
programas de reconhecimento de diploma para profissionais estrangeiros. Um processo
seletivo para ocupação de vagas remanescentes por solicitantes de refúgio e residência
temporária na Universidade Federal será realizado no inicio de 2019.
A rede estadual oferta vagas para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, respondendo
principalmente pela oferta de vagas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental. Nesse
caso, a exigência do histórico escolar para filhos de refugiados tem sido um empecilho para o
avanço na carreira escolar em algumas escolas. A ausência de programas de ensino de
português para jovens e adultos nas escolas municipais e estaduais no período noturno
também é uma demonstração de omissão dessas esferas quanto a políticas de acolhimento.
O ensino básico é uma competência compartilhada pela rede municipal e estadual: o
acesso tem sido garantido a filhos de pessoas solicitantes de refúgio e residência temporária,
porém não há programas de apoio e reforço escolar para esses estudantes. Além disso,
rotatividade decorrente das mudanças constantes de endereço por parte das famílias migrantes
tem sido outro fator que dificulta a aprendizagem, inclusive da língua.
Marcelo Naputano, psicólogo social que vem atuando em escolas municipais de Boa
Vista (RR) e Amajari (RR), sugere que além de matricular as crianças refugiadas, as
secretarias municipais de educação desenvolvam um programa de educação voltado para a
mediação socioeducativa entre gestores, professores, estudantes e famílias de refugiados
venezuelanos como alternativa para aprofundar a integração cultural, onde se possa vivenciar
a educação como experiência de uma construção relacional cotidiana em que se crie vínculos
em meio aos conflitos.
As ações de bem estar desenvolvidas no Centro de Referência para Imigrantes na
Universidade Federal, como capoeira, ioga e dança circular são ações que integram saúde,
educação e lazer. Nessas, o acolhimento faz parte inerente do processo criativo-relacional.
Consideramos que essa perspectiva de ações voltadas ao bem viver possa ser incorporada pela
rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente pelo programa saúde
da família.
No campo da educação pública o termo acolhimento em geral, não aparece nos
projetos pedagógicos. Nas escolas o primeiro contato do migrante ocorre na secretaria.
Diferente da área da saúde, o termo não aparece nos projetos, e normalmente se restringe a
apresentação do novo aluno para a turma onde ele foi inserido. Leia-se apresentação como
falar o nome. Numa perspectiva mais ampla acolhimento é uma atitude que deve perpassar os
serviços públicos como um todo.

Quando a mídia pauta o acolhimento

Sensibilizar a opinião pública tem sido um dos grandes desafios das ações voltadas
para mídia e redes sociais da UFRR: realizamos uma palestra com a fotógrafa portuguesa
Elizabeth Maisao no SESC sobre os campos de refugiados na Europa em 02.06.2017. O
anfiteatro ficou lotado com 500 pessoas dos setores de renda média interessados em formar
opinião sobre o tema. Inúmeros seminários no âmbito acadêmico das instituições de ensino
superior também elegeram esta temática nos últimos dois anos. Mesmo assim, setores
xenófobos têm conseguido adeptos às ideias de culpabilização dos refugiados pelo aumento
da criminalidade e desemprego.
Por iniciativa da ONG Conectas de São Paulo (Estado de São Paulo), houve um
workshop para jornalistas e outro para estudantes de jornalismo, ambos voltados para a
garantia de direitos humanos no final de 2017. Houve boa adesão e repercussão junto aos
profissionais do setor, com exceção dos repórteres ligados aos programas sensacionalistas,
que não compareceram. Esses programas em geral incitam a raiva difundindo o medo e o
pânico, fazem julgamentos sumários baseados em leituras superficiais dos fatos, indicando
práticas condenáveis e segmentos que devem ser culpabilizados. Quanto às direções das
empresas, estas se mostram arredias a qualquer discussão sobre o assunto.
A mídia local tem pautado campanhas de doação de roupas de bebês para filhos de
refugiados nascidos na maternidade Nossa Senhora de Nazaré, bem como tem dado cobertura
a ações de acolhimento, apoio e inserção no mercado de trabalho a refugiados. As redes
nacionais de televisão também abriram espaço nesse sentido, por exemplo, o Programa
Encontro com Fátima Bernardes apresentou reportagem sobre ações do Projeto
Acolher/UFRR-2017 e chegou a convidar a coordenadora do Projeto para uma participação ao
vivo no programa. Por outro lado, programas de televisão e rádio sensacionalistas têm
estimulado a xenofobia, principalmente contra venezuelanos. Nas redes sociais temos uma
disputa semelhante.
A Rede Amazônica, por exemplo, aderiu a Campanha Brasil um Coração que Acolhe
da Organização Social Fraternidade Sem Fronteiras. Uma reportagem de cinco minutos nos
jornais regionais do dia 28.07.2018. Inclusive indicando o site da ONG para quem quisesse
aderir a campanha de apoio, principalmente no tocante a interiorização. As inserções durante
programação locais destinadas ao Globo Comunidade foram configuradas em torno da crença
que o povo brasileiro é um povo acolhedor. O termo acolher/acolhimento está no centro do
discurso do marketing do acolhimento.
Os meios de comunicação ligados a organizações religiosas têm se pautado a favor da
solidariedade aos refugiados. As igrejas têm se apresentado como formadores de opinião
pública a favor do acolhimento e apoio, principalmente no âmbito dos seus frequentadores. As
igrejas evangélicas em geral direcionam a assistência a refugiados evangélicos.
A mídia e as redes sociais em geral operam com forte apelo emocional. Quando se
tratam de acolhimento as reportagens e as postagens apelam para a solidariedade diante do
sofrimento dos migrantes e para a exposição de ações afirmativas de ajuda e promoção. O
pano de fundo é a vulnerabilidade social dos migrantes. Enquanto na mídia xenófoba o pano
de fundo é o potencial violento dos migrantes. A bipolaridade amor-ódio parece se impor aos
sistemas de comunicação. Nossas práticas educativas e de convivência com migrantes nos
levaram a deixar de lado essa polarização maniqueísta. São pessoas e grupos com qualidades
e defeitos, com potencias onde amor e ódio convivem.

A guisa de conclusão: diversidade étnica

A diversidade étnica em Roraima inclui indígenas, maranhenses, gaúchos, paraibanos,


cearenses, amazonenses e mineiros, guianenses, haitianos, cubanos, peruanos e venezuelanos.
No campo dos indígenas estão macuxis, wapixanas, wai-wai, taupepangues, yanomamis,
waimiri-atroaris e pemons. Segundo dados da Organização dos Indígenas da Cidade (ODIC)
são aproximadamente 35 mil indígenas em Boa Vista (RR). Segundo o IBGE são 54 mil em
terras indígenas de Roraima. No campo dos migrantes regionais o maior contingente é de
maranhenses, 95 mil segundo o senso de 2010. No campo da migração internacional estão
guianenses, haitianos, africanos, peruanos, cubanos e venezuelanos. Podemos falar em
etnoindigeneidades, etnoregionalidades e etnonacionalidades.
Um dos elementos distintivos entre os grupos étnicos é a língua. Estamos utilizando
grupos em sentido lato para representar todos os membros que compartilham traços étnicos
comuns. A diversidade linguística na região é impressionante: macuxi, taurepang, wapixana,
ninan, xirixana, yanomami, sanomá, iekuana, wai-wai, waimiri-atroari, warao, espanhol,
português, inglês, francês, criolês. Num universo de 650 mil pessoas.
Em relação aos migrantes venezuelanos um dos marcadores identitários mais
evidentes é o idioma. A inserção no mercado de trabalho implica no uso do português, por
isso há um esforço de aprendizagem por parte dos migrantes. Ao mesmo tempo entre os
conterrâneos a língua de origem é usada constantemente. A língua espanhola é o principal
fator que distinguem brasileiros e migrantes venezuelanos, como bem representa a frase citada
por uma estudante do nono ano da Escola Estadual Idarlene Moraes: “Só sabemos que são
venezuelanos quando abrem a boca”. Os migrantes venezuelanos fazem uso da língua
espanhola em espaços públicos sem nenhuma descrição. O que não ocorre com as línguas
indígenas, com o inglês guianense e com o criolês dos haitianos. Essas línguas são usadas em
espaços privados ou de forma discreta em espaços públicos, de forma a não chamar a atenção.
Uma estratégia para lidar com a rejeição.
Os haitianos compõem um grupo de alta visibilidade, seja pela venda de picolés e alho
nas ruas e feiras, seja pela negritude. A comunicação com brasileiros é muito limitada,
também devido à língua. Em uma visita de campo a uma estância onde vivem somente
haitianos, quando perguntados sobre a opinião que tinham em relação aos brasileiros, foram
extremamente cuidadosos com as palavras. Uma moça haitiana que falava português fazia a
tradução, mas antes de autorizarem ela a falar em português o que diziam, conversavam entre
si em francês o que deveria ser dito.
Os migrantes paraibanos, cearenses e gaúchos dão ênfase ao sotaque linguístico para
afirmar sua identidade de origem. Esses três grupos utilizam uma estratégia inversa dos
indígenas e africanos: eles se afirmam pela visibilidade, ou melhor, audibilidade.
Acolher uma língua diferente é aceitar o uso público da mesma. É tentar aprendê-la.
Estamos em um contexto de hiperdiversidade cultural. O desafio é constituir espaços
acolhedores, sejam públicos ou privados, onde essa hiperdiversidade cultural seja respeitada e
estimulada. Por exemplo, estimulando o uso de várias línguas, em vez de impor o português
como única língua franca.
O uso do termo Acolher ou Acolhimento tem um conteúdo mitológico, a medida que
carrega conteúdos utópicos, mobiliza sentimentos e pode ser usado nas mais diversas
situações, tendo contornos imprecisos. Ao ser usado como metáfora de marketing por
instituições do estado e da sociedade civil reforça o conteúdo seu teor mitológico. Por um
lado, contribuiu para mobilizar desejos de solidariedade aos migrantes. Por outro lado essa
utilização pode legitimar ações que estão longe de representarem acolhimento. Por exemplo,
políticas de “limpeza” e invisibilização dos migrantes podem ser batizadas de acolhimento
para camuflarem seu conteúdo xenófobo.
A formação das correntes de opinião pública pró ou contra a integração dos migrantes
encontram no conceito de acolhimento um divisor de águas. “Acolher, Proteger e Inserir” e
“Acolher, Proteger, Promover e Integrar” são lemas que reaparecem na mídia e discursos
institucionais continuamente. O marketing do acolhimento tenta dar visibilidade a ações
voltadas para os migrantes, ao mesmo tempo busca mobilizar apoio para essas ações. Mas o
acolhimento como um valor ético e um sentimento se situa na esfera relacional, tem haver
com estados emocionais e sistema de valores.

REFERÊNCIAS

BARTH, Fredrik. O Gurú. In: BARTH, Fredrik. O iniciador e outras variações


antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.

FROTA, Gustavo da. Perfil sociolaboral da imigração venezuelana no Brasil. Curitiba,


CRV, 2017.

LIMA, José Carlos Franco. Acolhimento, proteção e inserção criativa: uma reflexão sobre a
metodologia do Projeto de Apoio a Refugiados em Roraima. Boa Vista, I Seminário do
Doutorado Insterinstitucional UFPE/UFRR, 2018.

OIT/Brasil. Inserção laboral de migrantes internacionais: transitando entre a economia


formal e informal na cidade de São Paulo. Brasília, 2017.

VENTURA, Luís et alii. Relatório sobre a situação das populações imigrantes no Estado de
Roraima. Comitê dos Migrantes em Roraima. Boa Vista, 26 jan. 2018.

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