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Exegese, Hermenêutica e Textos

Neotestamentários
Sumário

Exegese, Hermenêutica e Textos Neotestamentários


Objetivos....................................................................... 03
Introdução..................................................................... 04
1. Exegese, Hermenêutica e .
Textos Neotestamentários....................................... 05
1.1 Definição de Termos: Exegese e Hermenêutica...... 08
1.2 Formação do Novo Testamento: Tradições .
Orais e Escritas.................................................... 11
1.3 Formação do Cânon do Novo Testamento............ 13
Síntese........................................................................... 17
Referências Bibliográficas............................................... 18
Objetivos
Ao final desta unidade de aprendizagem, você será capaz de:

• Definir os conceitos de exegese e hermenêutica,


identificando suas relações e diferenças;
• Identificar o processo de formação do Novo Testamento em
relação às suas fontes orais e escritas;
• Identificar o processo de formação do cânon do .
Novo Testamento.

Exegese do Novo Testamento | 3


Introdução
Nesta unidade de aprendizagem daremos os primeiros passos
para compreender a importância do exercício exegético, sua relação com a
hermenêutica e com a própria teologia.

Um dos principais desafios para a exegese é construir uma


“ponte” entre o mundo do texto e o mundo do leitor. Como são
realidades muito diferentes, relacioná-las entre si não constitui uma
tarefa fácil. O exegeta precisa estar atento a esses dois universos, a fim
de atualizar a mensagem bíblica para a contemporaneidade.

Veremos, também, como se deu o processo de formação do


Novo Testamento e a construção do cânon, isto é, da coleção de livros
neotestamentários que foram considerados sagrados pela igreja cristã.

4 | Exegese do Novo Testamento


1. Exegese, Hermenêutica e Textos Neotestamentários
Nem sempre é uma tarefa fácil interpretar um texto bíblico.
Entre o universo cultural e simbólico do texto e a nossa própria
realidade existe um “abismo” que nos separa, não só temporalmente,
mas, também, cultural e linguisticamente. Em virtude disso, muitas
vezes, corremos o risco de realizar uma interpretação incorreta ou
superficial de um determinado texto bíblico; ou então projetamos sobre
a narrativa nossas próprias preconcepções acerca de determinado tema.
Como bem observa Wilhelm Egger (2005, p.10):

Com a leitura de um texto começa automaticamente a


compreensão: quem lê um trecho numa língua que conhece,
espontaneamente atribui um significado àquilo que leu. É
inevitável. [...] O leitor atribui às palavras o sentido por ele
conhecido; estabelece linhas de conexão entre o que leu e a
própria experiência subjetiva; relaciona as afirmações do texto
com outras, cujo significado lhe é familiar. Com a leitura, o
novo texto torna-se patrimônio pessoal.

O primeiro nível de leitura nem sempre traz resultados


satisfatórios ou mesmo corretos. Diante de uma narrativa bíblica,
podemos reconhecer nossa incapacidade para compreendê-la, em
virtude do desconhecimento do “mundo do texto”. Porém, também é
possível interpretar o texto atribuindo-lhe determinadas concepções
que provêm das nossas preconcepções sobre o assunto. Segundo Egger
(2005, p.10), “a incompreensão e o equívoco surgem porque o leitor
entende as palavras no sentido que lhe é familiar, ou porque enquadra o
que leu na tipologia textual em uso no ambiente no qual ele vive etc.”.

Exegese do Novo Testamento | 5


Para tornar o assunto mais claro, observe os exemplos a seguir:

a) Em Lucas 8.1-3, a narrativa bíblica apresenta Jesus sendo


seguido por algumas mulheres que se tornaram discípulas do Mestre
e que o sustentavam financeiramente. Ora, em nossa própria época,
em que pese a ainda presente misoginia que, infelizmente, caracteriza
nossa sociedade, não estranhamos um líder religioso sendo seguido
ou auxiliado por mulheres. Na nossa leitura atual desse texto, essa
história não nos causa estranheza. Contudo, na época de Jesus, tal
atitude constituía uma verdadeira aberração. Um profeta ou rabi que
se prezasse nunca admitiria ser acompanhado por mulheres, pois estas
eram consideradas, pela visão sócio-religiosa daquele tempo, “fonte de
tentação e ocasião de pecado [...] frívola, sensual, preguiçosa, fofoqueira
e desordenada”(Pagola, 2011, p.257). Portanto, ver Jesus aceitando
mulheres em sua companhia causou verdadeiro escândalo aos que o
observavam. A esse respeito, continua Pagola (2011, p.258):

Fora do lar, as mulheres não “existiam”. Não podiam afastar-se.


da casa sem estar acompanhadas por um varão e sem ocultar
o rosto com um véu. Não lhes era permitido falar em
público com nenhum varão. Deviam permanecer retiradas e
caladas. Não tinham os direitos de que gozavam os varões.
Não podiam tomar parte em banquetes. Exceto em casos
muito precisos, seu testemunho não era aceito como válido,
ao menos não como o dos varões. Na realidade, não tinham
lugar na vida social. O comportamento de mulheres que se
afastam da casa e andam sozinhas, sem a vigilância de um
homem, tomando parte em refeições ou atividades reservadas
aos varões, era considerado uma conduta desviada, própria
de mulheres que descuidam de sua reputação e de sua honra
sexual. Jesus o sabia quando as aceitava em sua companhia.

Sendo assim, é preciso ler essa passagem bíblica a partir de sua


própria realidade, a fim de alcançarmos a profundidade teológica e ética
desta narrativa.

b) Nosso segundo exemplo também se encontra no evangelho


de Lucas (em Lucas 15.1-2). Vemos Jesus sendo criticado por fariseus

6 | Exegese do Novo Testamento


e escribas por aceitar a presença de pecadores e publicanos à sua volta.
Jesus é literalmente acusado de receber pecadores e comer com eles (Lc:
15.2). Mas, por que o ato de comer com aquelas pessoas causava tanto
desconforto nos religiosos? Novamente, é preciso resgatar o contexto
dessa passagem para compreendermos a razão. No Antigo Oriente,
comer com alguém ia muito além de partilhar uma refeição; significava,
antes de tudo, partilhar vida, fazer aliança. Os fariseus eram preocupados
com a pureza religiosa de tal maneira que nunca se associariam com os
“impuros” para comer com eles. Os pecadores deveriam ser mantidos à
distância. Bem diferente deste procedimento, e até mesmo da maneira
de ser de João Batista que o precedeu. Jesus se aproxima dos pecadores e
publicanos para acolhê-los no reino de Deus.

Para Jesus, conforme destaca Pagola (2001, p.241), “no


reino de Deus há também lugar para os pecadores e as prostitutas”.
Vale lembrar que, à época de Jesus, o termo “pecadores” dizia
respeito a um grupo de pessoas que transgrediram a Lei de Deus,
a Aliança, “de modo deliberado, sem que se observe neles qualquer
sinal de arrependimento (Pagola, 2011, p.241-242). É com estes
que Ele deseja fazer aliança, aceitando-os em sua mesa. Será que tal
postura do Mestre não exigiria de nós, leitores modernos, o mesmo
compromisso e prática? Quem seriam os “pecadores e publicanos” .
de nosso tempo?

c) Em Mateus 5.23, Jesus está discursando no que ficou


conhecido como o Sermão do Monte. Ao abordar o tema do
relacionamento com o próximo, Jesus afirma que se a pessoa, ao
ir ao Templo de Jerusalém realizar sua oferta, lembrar-se de que
há problemas de natureza relacional, deveria deixar a oferta e ir,
primeiro, reconciliar-se com o irmão. Somente depois poderia dar
prosseguimento à sua oferta. Novamente, em nossa leitura atual,
esse texto, embora importante, não é avaliado com a profundidade
que deveria, pois, na época de Jesus, o Templo representava a
grandeza máxima da religião de Israel e de seu culto. Ao ofertar no
Templo, a pessoa estaria garantindo o perdão, inclusive no quesito
relacionamentos interpessoais. Mas Jesus inverte as prioridades. Para
Ele, não adianta estar no Templo ofertando ao Senhor caso exista
amargura ou ruptura de relações com o próximo.

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Sendo assim, a primeira tarefa do exegeta bíblico é, como
observa o sociólogo Gilberto Velho (2004, p.131), “estranhar o familiar”.
É preciso olhar o texto bíblico de outra perspectiva, diferente da que
estamos habituados no dia a dia. Tal leitura é metodológica e busca ser
científica, isto é, trata-se de uma “leitura sempre crítica em relação aos
condicionamentos aos quais está submetida a compreensão por causa da
objetividade do leitor e de interesses grupais” (Egger, 2005, p.12). Reside
justamente aí o papel da exegese bíblica: sua função é auxiliar a construir
uma ponte entre esses dois mundos: o mundo do leitor e o mundo do
próprio texto. Dito de outra forma: a exegese tem a finalidade de auxiliar
o leitor do texto na compreensão do seu sentido, utilizando, para isso,
várias ferramentas de crítica literária, de análise histórica e exegéticas.

1.1 Definição de Termos: Exegese e Hermenêutica

Exegese e hermenêutica estão intimamente relacionadas entre


si. De fato, o significado de ambos os termos vincula-se à ideia de
interpretar um texto. Uwe Wegner (2002, p.11) destaca que:

Os dicionários comumente definem o termo “exegese” como


“comentário ou dissertação para esclarecimento ou minuciosa
interpretação de um texto ou de uma palavra”. O termo
deriva-se da palavra grega ejxhvghsi”/exegesis, que tanto
pode significar apresentação, descrição ou narração como
explicação e interpretação. Quando se fala de exegese
bíblica, entende-se o termo sempre no segundo sentido
aludido, ou seja, como explicação/interpretação. Exegese
é, pois, o trabalho de explicação e interpretação de um ou
mais textos bíblicos. [...] A exegese distingue-se, portanto,
de outras interpretações bíblicas pelo seu caráter mais
científico, detalhado e aprofundado.

A origem da palavra hermenêutica também vem de um


termo grego cujo significado é interpretação. Porém, existe uma
diferença entre exegese e hermenêutica. Wegner (2002, p.11)
esclarece que “a hermenêutica bíblica designa mais particularmente
os princípios que regem a interpretação dos textos; a exegese descreve

8 | Exegese do Novo Testamento


mais especificamente as etapas ou os passos que cabe dar em sua
interpretação”. Assim, a hermenêutica é mais subjetiva, pois trata dos
princípios para a interpretação; já a exegese é mais objetiva, pois lida
com as tarefas e técnicas para esta tarefa.

Importante
Poderíamos explicar essa diferença entre exegese e hermenêutica
com uma analogia: a hermenêutica seria o modo como um
médico realiza uma operação. A exegese seria o material utilizado
pelo médico (bisturi, por exemplo). Assim, embora o bisturi
seja o mesmo, médicos diferentes operarão de formas diferentes.
Por outro lado, embora esta analogia ajude a compreender a
relação entre exegese e hermenêutica, é preciso ressaltar que ela
não quer afirmar a absoluta objetividade da exegese, pois não há
neutralidade no exercício interpretativo, seja da hermenêutica,
seja da exegese. Ambas sofrem influências dos condicionamentos
histórico-culturais aos quais o leitor está submetido.

Em resumo:

Exegese: Apresentação, narração ou descrição, por meio do


uso de métodos científicos para análise do texto – crítica textual. O
método exegético é a ferramenta para se interpretar a Bíblia.

Hermenêutica: Arte de interpretar; lente utilizada na


compreensão de um texto. Toda tradução é uma interpretação.

Ainda segundo Wegner (2002, p.12-13), podemos apontar


como tarefas da exegese as seguintes questões:

1. “A primeira tarefa da exegese é aclarar as situações descritas


nos textos, ou seja, redescobrir o passado bíblico de tal forma
que o que foi narrado nos textos se torne transparente e
compreensível para nós que vivemos em outra época e em
circunstâncias e cultura diferentes”. Trata-se de, na medida
do possível, reconstruir o mundo do texto, a fim de ler as
narrativas bíblicas a partir de seu lugar de origem.

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2. “A segunda tarefa da exegese é permitir que possa ser
ouvida a intenção que o texto teve em sua origem”.
O objetivo é “ouvir” a voz do texto em sua primeira
intencionalidade. Não se trata de aprisionar o texto num
único sentido, mas de ter este sentido primário como base
a partir da qual analisar exegeticamente a narrativa. Essa
tarefa é importante para evitarmos que nossos preconceitos,
inevitáveis na leitura da realidade, moldem a interpretação
de determinado texto sem que levem em consideração seus
objetivos iniciais..

3. “A terceira tarefa da exegese é verificar em que sentido


opções éticas e doutrinais podem ser respaldadas e,
portanto, reafirmadas, ou devem ser revistas e relativizadas”.
Esta tarefa constitui, primordialmente, pastoral e
eclesiológica da exegese: levar-nos a uma postura de
autocrítica, fundamental para o amadurecimento da vivência
da fé cristã e da sua relação com a sociedade em que vive.

A partir da relação entre a exegese e a hermenêutica,


podemos concluir que é necessário realizar a aplicação do texto, isto
é, a adaptação do texto à realidade presente do exegeta. Na verdade,
a própria fé cristã exige a aplicação do texto às necessidades dos seus
ouvintes. Esse processo deve evitar dois extremos:

• Não conseguir contextualizar a mensagem, cultivando


uma espécie de “linguagem do gueto” acessível apenas aos
“iniciados na fé”;
• Deturpar a mensagem ao contextualizá-la.

Portanto, o objetivo é ter fidelidade à mensagem do texto bíblico


e sensibilidade às necessidades do mundo moderno. Precisamos ressaltar
que o intérprete da Bíblia deve conhecer duas línguas e dois mundos:
o do texto bíblico e o das pessoas, do cotidiano da vida. A Bíblia é uma
lâmpada para os pés (cf. Sl 119.105), isto é, não traz respostas prontas,
mas é luz para iluminar a caminhada da fé. É justamente neste ponto
que reside a importante relação dialética e dialógica entre teoria e prática,
entre teologia acadêmica e vida da fé no mundo.

10 | Exegese do Novo Testamento


1.2 Formação do Novo Testamento: Tradições Orais e Escritas

O Novo Testamento não nasceu pronto. O conjunto de


textos que conhecemos hoje como Novo Testamento é resultado
de um longo e complexo processo de coleta de múltiplas tradições
orais e escritas que foram reunidas a partir de uma intencionalidade
teológica. A esse processo damos o nome de redacional do texto
bíblico, que ocorreu tanto no Antigo como no Novo Testamento.
Por vezes, imaginamos que cada uma das comunidades cristãs
primitivas possuía sua própria Bíblia ou, ao menos, um exemplar
do Novo Testamento. Porém, isso não é verdade. O fato é que tais
igrejas conseguiam manter consigo apenas pequenas porções das
cartas apostólicas ou de relatos sobre Jesus, sob a forma de tradições
orais e escritas. Para a maioria das comunidades cristãs primitivas,
não era possível arcar com o alto custo dos papiros para copiar os
textos em sua totalidade.

No entanto, nem sempre essa noção se faz presente em nossa


leitura e interpretação bíblicas. Acostumados a ler o texto em sua forma
final, corremos o risco de não perceber os complexos processos de sua
formação. Quando lemos, por exemplo, a recomendação de 2ª Timóteo
3.16 – “Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para
ensinar, para exortar e para corrigir” –, associamos a expressão “toda a
Escritura” à Bíblia inteira. Contudo, isso não corresponde à verdade,
pois, na época da escrita dessa passagem bíblica, o Novo Testamento
não existia como o conhecemos atualmente. Assim, essa passagem faz
referência apenas à Bíblia Hebraica, isto é, ao nosso Antigo Testamento;
esta é a Escritura.

Outro exemplo bem conhecido encontra-se no livro do


Apocalipse de João. O texto de Ap 22.18-19 afirma:

Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da


profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma
coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste
livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta
profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade
santa, e das coisas que estão escritas neste livro.

Exegese do Novo Testamento | 11


Ao ler essa passagem, imaginamos que se trata de um aviso
que se refere a toda a Bíblia. Contudo, essa perspectiva só tem sentido
se observarmos o texto bíblico em sua forma finalizada. Na época da
escrita do Apocalipse, não existia um conjunto de textos chamado Novo
Testamento tal como o conhecemos atualmente. Quando o Apocalipse
fala sobre acrescentar ou retirar palavras do livro “desta profecia”, está
se referindo, exclusivamente, ao próprio texto do Apocalipse. Mesmo
assim, ainda há uma observação importante: trata-se muito mais de
um aviso para os copistas posteriores do texto do que avisos teológicos
quanto à sua preservação.

Para compreendermos o processo de formação do Novo


Testamento, é necessário adotar alguns pressupostos:

a) O processo de redação não é contínuo, mas, sim, resultado


da junção de diferentes narrativas escritas em períodos muito distintos.
O Novo Testamento apresenta esse longo processo de formação e
redação. Segundo pesquisas mais recentes, o evangelho de João, por
exemplo, demorou cerca de 20 anos para ficar em sua forma atual.
Isso implica a existência de diversas inserções posteriores no texto
bíblico. Um exemplo claro desse processo redacional que une diferentes
tradições encontra-se justamente no evangelho joanino. No capítulo
11, do Evangelho, é apresentada a família de Lázaro e, a respeito de
sua Maria, o texto afirma que: “era a mesma que ungiu com bálsamo o
Senhor e lhe enxugou os pés com seus cabelos” (Jo 11.2). Porém, esse
fato só é narrado no capítulo 12 de João. Isso também ocorre nas cartas
paulinas, nas quais surgem inserções que, a partir da crítica literária
desses trechos, são atribuídos a períodos posteriores a Paulo.

b) O processo de redação do texto bíblico é resultado de uma


coletânea de tradições orais. O início do evangelho de Lucas ilustra
bem essa questão. Leiamos o texto:

Visto que muitos houve que empreenderam uma narração


coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme
nos transmitiram os que desde o princípio foram deles
testemunhas oculares e ministros da palavra, igualmente a
mim me parece bem, depois de acurada investigação de tudo

12 | Exegese do Novo Testamento


desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo,
uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das
verdades em que foste instruído. (Lc 1.1-4)

Há, nessa passagem, todos os elementos que explicam o


processo de formação do Novo Testamento. Observe a tabela a seguir:

Elemento Passagem bíblica


Tradições anteriores (escritas e orais). “Visto que muitos houve que empreenderam
uma narração coordenada dos fatos que entre
nós se realizaram…”
Tradições orais primitivas. “conforme nos transmitiram os que desde o
princípio foram deles testemunhas oculares e
ministros da palavra…”
Investigação e coleta das tradições orais e “igualmente a mim me parece bem, depois
escritas para escrever a própria narrativa. de acurada investigação de tudo desde sua
origem, dar-te por escrito…”
Ordenar as diversas tradições orais e escritas “uma exposição em ordem.”
recolhidas.

É importante perceber que o escritor do evangelho lucano


realiza uma pesquisa para coletar o máximo possível de informações
(tradições orais e escritas) a respeito da vida e ministério de Jesus, para
somente então escrever sua própria narrativa, inserindo os resultados de
sua pesquisa, numa determinada ordem por ele escolhida.

c) O processo de redação atende a intenções específicas de seus


redatores/autores. A escrita nunca é neutra. Os escritores bíblicos não
escreveram para “passar o tempo”, mas, sim, para “fazer teologia”; são
escritos intencionais em grande parte motivados pelas crises e problemas
das comunidades cristãs às quais esses textos eram direcionados.

1.3 Formação do Cânon do Novo Testamento

O termo “cânon” vem do grego e significa uma vara ou um


cajado de medição, usado antigamente para medir coisas. Considerar

Exegese do Novo Testamento | 13


algo canônico, nesse sentido, significava atribuir a esse algo um
caráter de diferente dos demais. O processo para a compreensão do
Novo Testamento como cânon bíblico, no mesmo nível que o Antigo
Testamento, foi bastante demorado.

Os primeiros escritos do Novo Testamento foram as cartas


de Paulo. Dentre estas, a mais antiga é 1ª aos Tessalonicenses, escrita
por volta do ano 50 d.C. É importante perceber que nem Paulo
nem qualquer outro escritor do NT imaginava estar escrevendo
Escritura canônica. As cartas de Paulo são o que são: cartas enviadas a
determinadas igrejas para lidar de assuntos muito concretos relacionados
à vida de fé destas comunidades. Num primeiro momento, portanto,
nenhum escrito do Novo Testamento recebeu o caráter de canônico.
Isso só ocorreu bem mais tarde na história do cristianismo.

Esse processo se deu com as diferentes comunidades cristãs


fazendo circular entre si as cartas paulinas; o próprio Paulo sugeria
tal prática. Em Colossenses 4.16, Paulo recomenda: “E, quando esta
carta tiver sido lida entre vós, fazei que também seja lida na igreja dos
laodicenses, e a que veio de Laodiceia lede-a vós também”. Lembremos
que não havia gráficas nesse tempo. Por isso, toda carta que fosse
enviada a outras comunidades deveria ser copiada manualmente. Aos
poucos, foi formado um corpus paulino, isto é, um conjunto de cartas
de Paulo que foram intercambiadas entre as diversas igrejas espalhadas
na região do Império Romano. Tais cartas ainda não são consideradas
Escritura. De fato, em uma única vez o Novo Testamento utiliza o
termo Escritura para se referir a um texto paulino: na 2ª Carta de Pedro
3.16, as cartas de Paulo são consideradas como texto no mesmo nível
que as Escritura hebraicas. Porém, esta carta de Pedro foi escrita muito
tempo depois, possivelmente por volta do ano 150 d.C.

Após o período da atividade missionária e teológica de


Paulo, os evangelhos começaram a ser escritos. O primeiro evangelho,
Marcos, foi redigido por volta do ano 70 d.C.; são, portanto, cerca de
40 anos após a morte de Jesus. Marcos foi seguido pelo evangelho de
Mateus, Lucas e João, embora estes não fossem os únicos evangelhos
que circulavam nas comunidades cristãs primitivas. Como afirma
Cullmann (2012, p.89):

14 | Exegese do Novo Testamento


Em meados do século II, nossos quatro evangelhos ainda não
eram os únicos que exerciam autoridade. Outros evangelhos,
“apócrifos”, que em parte relatam lendas (especialmente sobre
os períodos da vida de Jesus dos quais os evangelhos antigos
não falavam), em parte especulações gnósticas, atribuídas,
frequentemente, ao Cristo ressuscitado, já se tinham
difundido e seu número continuava crescendo.

Aos poucos, já no final do século II, os quatro evangelhos que


compõem o nosso Novo Testamento foram sendo reconhecidos como os
únicos revestidos de especial autoridade.

Ainda, segundo Cullmann (2012, p.90), somente aos


poucos, outros escritos – os Atos dos Apóstolos, as epístolas
católicas e o Apocalipse – também alcançaram dignidade canônica.
De uma maneira geral, o cânon do Novo Testamento não se formou
por adição, como se poderia supor, mas, sim, por eliminação. Ainda
no início do século II, foram redigidos não somente evangelhos
apócrifos e atos dos apóstolos, mas, também, um grande número
de outros escritos cristãos (como os dos Pais Apostólicos). Estes,
mesmo que não pretendessem remontar às origens, não tinham,
em princípio, uma autoridade inferior àquela dos escritos que hoje
fazem parte do Novo Testamento.

Dois critérios principais foram utilizados para se escolher


quais livros deveriam ser incluídos no cânon. O primeiro foi o fato de
que, para ser escolhido, o livro deveria ser apostólico ou estar ligado
aos apóstolos, às testemunhas oculares de Jesus. O segundo critério foi
simplesmente o consenso: os livros foram sendo aceitos como norma.
Contudo, é necessário perceber que não havia um conceito de cânon
fechado; de fato, nos primeiros séculos da história do cristianismo
houve uma grande variedade de cânones distintos, cada um com
uma lista particular de livros. Alguns cânones cristãos, por exemplo,
excluíam o Apocalipse de João, ou a Carta de Judas. Outros inseriram
livros hoje considerados apócrifos, como o Pastor de Hermas, a Carta
de Barnabé, os Atos de Paulo ou o Apocalipse de Pedro. Houve, ainda,
os que apresentavam os 4 evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João),
mas numa ordem diferente.

Exegese do Novo Testamento | 15


Cullmann (2012, p.90) também acrescenta que:

Não se deve supor que o cânon se tenha formado em


consequência de uma série de decisões inequívocas. Os
livros admitidos mais tarde impuseram-se por si mesmos
aos membros da Igreja; quando se compara, por exemplo,
o conteúdo dos quatro evangelhos com o dos evangelhos
apócrifos, só pode-se admirar o julgamento seguro dos
cristãos daquele tempo. A teologia vê nisso a obra do Espírito
Santo, que ao mesmo tempo era atuante naqueles escritos e
nas comunidades que os recebiam.

Assim, até ser considerado fechado, o cânon do Novo


Testamento passou por várias etapas de formação. Em geral, admite-se
que este fechamento ocorreu apenas no final do século IV d.C., entre .
os anos 367-397.

16 | Exegese do Novo Testamento


Síntese
Nesta unidade de aprendizagem buscamos compreender o
texto bíblico do Novo Testamento a partir de uma nova perspectiva: a
da análise exegética. Tal tarefa é importante, pois ajuda a evitar os riscos
de interpretar o texto de forma incorreta ou superficialmente, além de
rejeitar leituras preconceituosas de passagens bíblicas.

Também nos aproximamos dos conceitos de exegese e


hermenêutica, buscando estabelecer a relação entre elas: tanto a
exegese como a hermenêutica lidam com interpretação. Assim, a
hermenêutica seria a lente utilizada para interpretar a Bíblia, enquanto
a exegese constituiria a ferramenta para tal processo. O objetivo
da exegese é auxiliar na descoberta do “mundo do texto” para,
posteriormente, investigar como atualizar sua mensagem para a nossa
realidade contemporânea.

Por fim, apresentamos o processo de formação do Novo


Testamento: das inúmeras tradições orais e escritas (abundantes nas
comunidades cristãs primitivas) até a formação do cânon do Novo
Testamento houve um longo e complexo processo redacional.

Exegese do Novo Testamento | 17


Referências Bibliográficas
CULLMANN, Oscar. A formação do Novo Testamento. 12 ed. São
Leopoldo: Sinodal, 2012.

EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento: introdução aos


métodos linguísticos e histórico-críticos. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2005.

PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. 3 ed. Petrópolis:


Vozes, 2011.

VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia


da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de


metodologia. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2002.

18 | Exegese do Novo Testamento

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