Vous êtes sur la page 1sur 4

Resumo

O contrato social seria, para o autor, o símbolo da racionalização da ordenação social e política moderna. Tratando
dos três principais pensadores contratualistas, Hobbes, Locke e Rousseau, compreenderia uma correlação direta
entre a força do Estado e a concepção do respectivo autor sobre o estado de natureza, anterior à sociabilização. A
possibilidade dessa ordenação social racionalizada ocorreria a partir de três pressupostos, “um regime geral de
valores, um sistema comum de medidas, um espaço-tempo privilegiado”. O primeiro seria originado do bem
comum, decorrente da interação entre sujeitos livres e iguais. O segundo, por sua vez, decorreria do
desenvolvimento do sistema de medidas, possibilitando a graduação homogênea de valores, ainda que antinômicos
– especialmente percebidos através de quesito quantitativos. O terceiro, fundar-se-ia na compreensão segmentada
da realidade, tomada a partir o espaço-tempo nacional estatal. Torna-se, com isso, legítimo o governo organizado
através do Estado, fruto do contrato social, como ente destinado à organizar a vontade geral, compreendida a partir
da construção do regime geral de valores, organizada a partir do sistema de medidas comum e apreendida de acordo
com o espaço-tempo privilegiado, o Estado nacional. Nas lutas políticas internas, decorrentes dos conflitos de
interesses da sociedade capitalista, as determinações econômicas passam a ser compreendidas não como
unilateralmente determinadas pelo capitalismo, mas como resultado das disputas sociais mediados pelo Estado.
Apresentando-se como mediador imparcial das disputas de interesses, e regulando a economia, agora socializada,
entendida como resultado de um movimento complexo das disputas sociais, o Estado passa a politizar-se,
transportando a luta política para o campo da regulação, estruturada no Estado, formando o Estado-providência no
centro do sistema capitalista e o Estado desenvolvimentista na periferia e semiperiferia. Das disputas de interesses,
portanto, transbordaram as compreensões de socialização da economia, a politização do Estado e a nacionalização
da identidade cultural.
No entanto, algumas observações apontam, segundo o autor, para a crise do contrato social. A busca da vontade
geral parece não sobreviver à crescente fragmentação dos interesses e sujeitos, pondo em questão o regime geral
de valores. O espaço-tempo nacional passa a conflitar com os espaços-tempos global, da era tecnológica, e o local.
A desestabilização das escalas ocorre nessa mesma medida, deixando a salvo apenas aquelas atinentes às
mercadorias.
De acordo com o autor, a crise da contratualização moderna consiste na predominância da exclusão sobre a
inclusão, seja sob a ideia de pré-contratualismo ou pós-contratualismo, decorrentes, ambos, do consenso liberal,
que pode ser desdobrado em quatro consensos: econômico liberal, do Estado fraco, democrático liberal, do primado
do direito e dos tribunais. Apesar de implicar em consequências em todas as vertentes operacionais do estado, é na
socialização da economia e suas repercussões sobre o trabalho que o consenso liberal tem suas repercussões mais
fortes. Se foi no trabalho que se deu a via de acesso à cidadania, com o reconhecimento de direitos trabalhistas e a
regulação da economia, a sua exclusão (lumpencidadania, como se refere o autor) se dá pela mesma via, através
da dessocialização da economia, relegada às determinações racionalizadas do mercado. Nesse contexto, o
surgimento de novas tecnologias que permitem a geração de riqueza sem a criação de emprego impulsionam a
concorrência entre trabalhadores a nível internacional, de maneira que a criação de empregos num território implica,
necessariamente, na escassez em outro. A estabilização do desemprego estrutural na atualidade cria uma situação
de pré-contratualismo permanente, sem qualquer perspectiva de passagem ao contratualismo, dando origem a um
novo estado de natureza.
A principal consequência dessa condição, para o autor, seria a emergência do fascismo societal. Diversamente
daquele dos anos 30, que suprimia a democracia para a priorização do capitalismo, esse se valeria da democracia
como mecanismo, não sendo necessário suprimi-la. O autor, então, passaria a discorrer sobre as formas de
fascismo: fascismo do apartheid social, decorrente da convivência de zonas selvagens – estado de natureza
hobbesiano – e zonas civilizadas – contrato social –, segregadas, geralmente fortificadas (condomínios fechados,
cidades privadas, etc); fascismo do Estado paralelo, decorrente da incongruência entre o direito escrito e o direito
aplicado em certos territórios, diferenciando-se aquele válido para as zonas selvagens e para as zonas civilizadas;
fascismo para-estatal é a usurpação de prerrogativas estatais por terceiros (divide-se em contratual e territorial);
fascismo populista consiste na aspiração da democratização do acesso aos meios, independentemente dos fins, ou
seja, na abertura ao consumo como solução; fascismo da insegurança através da manipulação dos medos, inclusive
pela caracterização acentuadamente ineficaz dos serviços públicos no presente/passado para a promoção da
modernização decorrente da sua privatização; fascismo financeiro caracteriza-se como determinações do mercado
financeiro internacional, especialmente através de suas organizações supranacionais, sobre a política nacional e as
determinações democráticas.
Diante do que compreende como a crise do contrato social, o autor propõe a necessidade de refletirmos
alternativas que se distanciem do pensamento moderno que, segundo ele, seria traçado na forma de um
conhecimento-regulação, de ordenação do caos, cujo percurso iria da ignorância ao saber. Ao contrário, proporia
um trânsito não só epistemológico – do conhecimento-regulação para o conhecimento emancipação, que iria do
colonialismo à solidariedade –, mas entre conhecimento e ação, centrando-se na distinção entre ação conformista e
ação rebelde.
Com a proposta de redefinir um novo paradigma para o espaço-tempo da deliberação democrática, constituindo um
novo contrato social adequado à transição para a pós-modernidade, o autor propõe, primeiro, a redescoberta
democrática do trabalho e a compreensão do Estado como um novo movimento social.
No primeiro quesito, a redescoberta democrática do trabalho, Boaventura afirma que o trabalho deve ser
democraticamente partilhado a partir da sua compreensão em combinação com o trabalho da natureza – não contra
–, com a redução de sua jornada, com a flexibilização das leis de imigração, no reconhecimento do polimorfismo do
trabalho (desde que respeitados direitos mínimos), e a separação entre trabalho produtivo e capitalismo financeiro,
regulando o capital financeiro por meio de um imposto global, e perdoando a dívida externa dos países mais pobres,
e, por fim, na reinvenção do movimento sindical, sendo necessária a reordenação sindical de modo a atingir a escala
transnacional, constituindo-se num sindicalismo mais político e menos setorial.
Para a compreensão do Estado como novo movimento social parte-se da premissa da sua despolitização ocorrida
nos últimos anos, sendo momento adequado para a repolitização enquanto espaço público não estatal de
coordenação no marco da nova organização política, de estrutura parcelar e aberta à competição, organizado a partir
de práticas de democracia participativa, tanto para fiscalização e ordenação dos recursos estatais, como para a sua
arrecadação – fiscalidade participativa –, cabendo ao Estado mais funções de coordenação do que de produção
direta de bem-estar.

Citações
Quanto mais violento e anárquico é o estado de natureza, maiores são os poderes investidos no Estado saído do
contrato social. [...] Comum a todos eles, no entanto, é a ideia de que a opção de abandonar o estado natural para
construir a sociedade civil e o Estado modernos é uma opção radical e irreversível. (p. 6)

O contrato social é a metáfora fundadora da racionalidade social e política da modernidade ocidental. (p. 7)

A sua [do contrato social] gestão controlada assenta em três pressupostos metacontratuais: um regime geral de
valores, um sistema comum de medidas, um espaço-tempo privilegiado. (p. 8)

Se, por um lado, o regime geral de valores é o garante último dos horizontes de expectativas dos cidadãos, por
outro, o campo de percepção do horizonte das expectativas e das suas convulsões é possível por via do sistema
comum de medidas. Perspectiva e escala são, entre outras coisas, dispositivos visuais que criam um campo de visão
e, portanto, também uma área de ocultação. A visibilidade de certos riscos, danos, desvios, vulnerabilidades em
correspondência na identificação de certas causas, inimigos e agressores. Uns e outros são geríveis
privilegiadamente pelo espaço-tempo nacional e estatal, pelas formas de conflitualidade, negociação e administração
que lhe são próprias. (p. 10)

O contrato social visa criar um paradigma sócio-político que produz de maneira normal, constante e consistente
quatro bens públicos: legitimidade de governação, bem-estar económico e social, segurança e identidade colectiva.
(p. 11)

Da prossecução contraditória dos bens públicos assim referida e a das contratualizações e compromissos a que foi
dando azo resultaram três grandes constelações institucionais, todas elas vazadas no espaço-tempo nacional
estatal: a socialização da economia, a politização do Estado, a nacionalização da identidade cultural. (p. 11)

A materialidade normativa e institucional em que se traduziu a socialização da economia esteve a cargo do Estado,
regulando a economia, mediando os conflitos, reprimindo os trabalhadores até ao ponto de lhes extorquir consensos
repressivos. A centralidade do Estado na socialização da economia foi um fator decisivo na outra constelação
institucional: a politização do Estado. Esta ocorreu pela própria expansão da capacidade reguladora do Estado. (p.
12)

Tal como a cidadania se constituiu a partir do trabalho, a democracia este desde o início vinculada à socialização da
economia. (p. 13)

Por último, a nacionalização da identidade cultural é o processo pelo qual as identidades móveis e parcelares dos
diferentes grupos sociais são territorializadas e temporalizadas no espaço-tempo nacional. (p. 13)

Este vasto processo de contratualização social política e cultural e os critérios de inclusão/exclusão em que assenta
tem dois limites que passo a assinalar. O primeiro é inerente aos próprios critérios. A inclusão tem sempre por limite
aquilo que exclui. A socialização da economia foi obtida à custa de uma dupla dessocialização, a da natureza e a
dos grupos sociais aos quais o trabalho não deu acesso a cidadania. Sendo uma solidariedade entre iguais, a
solidariedade entre trabalhadores não teve de se aplicar ao que extravasava do círculo de igualdade. Por isso, as
organizações operárias nunca se deram conta, nalguns casos até hoje, que o local de trabalho e de produção é
frequentemente o cenário de crimes ecológicos, de graves discriminações sexuais e raciais. Por outro lado, a
politização e publicização do Estado teve como contrapartida a despolitização e a privatização de toda a esfera não
estatal (p. 14)

A proliferação caótica dos poderes torna difícil a identificação dos inimigos e, por vezes, a própria identificação das
vítimas. (p. 18)
O espaço-tempo nacional estatal está a perder primazia, convulsionado pela importância crescente dos espaços-
tempos global e local que com ele competem.

A predominância dos processos de exclusão apresenta-se sob duas formas, na aparência contraditórias: o pós-
contratualismo e o pré-contratualismo. O pós-contratualismo é o processo pelo qual grupos e interesses sociais até
agora incluídos no contrato social são dele excluídos sem qualquer perspectiva de regresso. Os direitos de cidadania,
antes considerados inalienáveis, são-lhes confiscados e, sem estes, os excluídos passam da condição de cidadãos
à condição de servos. O pré-contratualismo consiste no bloqueamento do acesso à cidadania por parte de grupos
sociais que anteriormente se consideravam candidatos à cidadania e tinham a expectativa fundada de a ela aceder.
(p. 24)

O pós-contratualismo e o pré-contratualismo são o produto de transformações profundas por que estão a passar os
três dispositivos operacionais do contrato social anteriormente analisados: a sociabilização da economia, a
politização do Estado, a nacionalização da identidade cultural. As transformações são diferentes em cada um deles
mas, directa ou indirectamente, decorrem do que podemos designar por consenso liberal, o qual se desdobra em
quatro consensos principais. (p. 25)

O consenso liberal em suas múltiplas vertentes tem um impacto profundo nos três dispositivos operacionais do
contrato social. O impacto mais decisivo reside no processo de dessocialização da economia, na redução desta à
instrumentalidade do mercado e das transações. É este o campo privilegiado do pós-contratualismo e do pré-
contratualismo. (p. 28)

A estabilidade de que fala o consenso neoliberal é sempre a das expectativas dos mercados e dos investidores,
nunca é a das expectativas das pessoas. Por todas estas razões, o trabalho deixa cada vez mais de sustentar a
cidadania e, vice-versa, esta deixa cada vez mais de sustentar o trabalho. Ao perder o seu estatuto político de
produto e produtor de cidadania, o trabalho reduz-se à penosidade da existência, quer quando existe, quer quando
falta. É por isso que o trabalho, apesar de dominar cada vez mais as vidas das pessoas, está a desaparecer das
referências éticas que sustentam a autonomia e autoestima dos sujeitos (p. 30)

O crescimento estrutural da exclusão social, quer por via do pré-contratualismo, quer por via do pós-contratualismo,
e a consequente ampliação de estados de natureza donde não se tem a opção individual ou colectiva de sair,
configura uma crise de tipo paradigmático, epocal, que alguns designam por desmodernização ou contra-
modernização. (p. 32)

A virulência do fascismo financeiro reside em que ele, sendo de todos o mais internacional, está a servir de modelo
e de critério operacional a novas instituições de regulação global, crescentemente importantes apesar de pouco
conhecidas do público. (p. 38)

Ante isso [crise do contrato social], há que definir de modo mais amplo os termos de uma exigência cosmopolita
capaz de interromper o círculo vicioso do pré-contratualismo e do pós-contratualismo. A nível muito geral, essa
exigência traduz-se na reconstrução ou reinvenção de um espaço-tempo que favoreça e promova a deliberação
democrática. (p. 43)

O primeiro princípio é que não basta pensar em alternativas [...] Precisamos, pois, de um pensamento alternativo de
alternativas. (p. 44)

De um conhecimento-como-regulação para um conhecimento-como-emancipação o trânsito não é apenas


epistemológico, é também um trânsito entre conhecimento e ação. E daqui retiro o segundo princípio orientador da
reinvenção da deliberação democrática. Enquanto as ciências se têm preocupado em distinguir entre estrutura e
ação, proponho que nos centremos na distinção entre ação conformista e ação rebelde [...] A ação conformista é a
ação que reduz o realismo ao que existe. (p. 44)

É antes de mais um contrato muito mais inclusivo porque deve abrange não apenas o homem e os grupos sociais,
mas também a natureza. Em segundo lugar, é mais conflitual porque a inclusão se dá tanto por critérios de igualdade
como por critérios de diferença. Em terceiro lugar, sendo certo que o objetivo último do contrato é reconstruir o
espaço-tempo da deliberação democrática, este, ao contrário do que sucedeu no contrato social moderno, não pode
confinar—e ao espaço-tempo nacional estatal e deve incluir igualmente os espaços-tempos local, regional e global.
Por último, o novo contrato não assenta em distinções rígidas entre Estado e sociedade civil, entre economia, política
e cultura, entre público e privado. A deliberação democrática, enquanto exigência cosmopolita, não tem sede própria,
nem uma materialidade institucional específica. (p. 47)

No entanto, apesar destas diferenças, a construção do contrato social tem, numa primeira fase pelo menos, de
passar pela neutralização da lógica de exclusão decorrente do pré-contratualismo e do pós-contratualismo nos
domínios em que eles ocorrem com mais virulência. É dessa primeira fase que me ocupo neste texto, cingindo-me
a dois temas: a redescoberta democrática do trabalho; o Estado como novíssimo movimento social. (p. 47)
Três iniciativas me parecem urgentes, todas de âmbito global ainda que desigualmente distribuídas pela economia
global. Por um lado, é necessário partilhar o trabalho por via da redução do horário de trabalho, uma iniciativa cuja
possibilidade de êxito parece ser tanto maior quanto mais organizado for o movimento operário. [...] A segunda
iniciativa diz respeito à exigência de padrões mínimos de qualidade da relação salarial para que os produtos possam
circular livremente no mercado mundial. Consiste na fixação internacional de direitos laborais mínimos, uma cláusula
social a incluir nos acordos de comércio internacional. [...] Para não redundar em protecionismo discriminatório, a
adoção de padrões laborais mínimos tem que ser tomada de par com duas iniciativas, a redução do horário de
trabalho, já referido, e a flexibilização das leis de imigração com vista à progressiva desnacionalização da
cidadania. (p. 50)

Por um lado, o reconhecimento dos diferentes tipos de trabalho só é democrático na medida em que cria em cada
um deles um patamar mínimo de inclusão. Ou seja, o polimorfismo do trabalho só é aceitável na medida em que o
trabalho permanece como critério de inclusão. [...] Nestes casos [trabalho como critério de exclusão], o
reconhecimento do polimorfismo do trabalho, longe de ser um exercício democrático, configura um ato de fascismo
contratual. (p. 52)

Os cidadãos cujos impostos são deduzidos na fonte – em muitos países, todos os assalariados por conta de outrem
– devem poder indicar, nos montantes deduzidos, as diferentes parcelas e a produção das aplicações sociais
pretendidas. (p. 64)

Sendo imprudente tomar nesta fase opções institucionais irreversíveis, deve transformar-se o Estado num campo
de experimentação institucional, permitindo que diferentes soluções institucionais coexistam e compitam durante
algum tempo, com caráter de experiências-pilotos, sujeitas à monitorização permanente de coletivos de cidadãos
com vista a proceder à avaliação comparada dos desempenhos. (p. 66)

O primeiro é que o Estado só é genuinamente experimental na medida em que às diferentes soluções institucionais
são dadas iguais condições para se desenvolverem segundo a sua lógica própria. Ou seja, o Estado experimental é
democrático na medida em que confere igualdade de oportunidades às diferentes propostas de institucionalidade
democrática. (p. 66)

Nestas circunstâncias o Estado experimental deve, não só garantir a igualdade de oportunidades aos diferentes
projetos de institucionalidade democrática, mas deve também – e é este o segundo princípio de experimentação
política – garantir padrões mínimos de inclusão, que tornem possível a cidadania ativa necessária a monitorar,
acompanhar e avaliar o desempenho dos projetos alternativos. (p. 67)

No entanto, esse enriquecimento democrático será vão se a articulação estatal se confinar ao espaço nacional, uma
vez que os fascismos societais se legitimam ou naturalizam internamente enquanto pré-contratualismos e pós-
contratualismos impostos por imperativos globais ou internacionais inelutáveis. (p. 69)

O fascismo não é uma ameaça. O fascismo está entre nós. É desta imagem desestabilizadora que se alimenta a
radicalidade da exigência cosmopolita por um novo contrato social. (p. 69)

Vous aimerez peut-être aussi