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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

LICENCIATURA EM DIREITO

INTRODUÇÃO AO DIREITO I
Ano Letivo 2016/2017 – 1º Semestre

APONTAMENTOS DE ESTUDO
2ª Lição – Estrutura da Ordem Jurídica
A primeira questão a colocar agora é a seguinte: porque precisam os homens de uma ordem jurídica?
A ordem jurídica visa articular um todo com uma certa coerência. É uma das expressões do esforço cultural
do homem para vencer a anarquia resultante da sua natural dispersão – uma ordem regula, articula as
relações entre as pessoas, tem um efeito integrador.
A ordem que o Direito constitui é a ordem jurídica; e esta é a síntese de uma estrutura formal e de um
sistema com um determinado conteúdo material. Através da ordem jurídica podemos perceber o tipo de
situações jurídicas que o Direito visa regular.
Passemos à análise da OJ: na sua estrutura, nas suas funções, nas suas notas caracterizadoras e nos seus
efeitos.
A ordem jurídica é, geralmente, apresentada sob a forma de um triângulo que a traduz a sua estrutura,
estabelecendo uma teia de inter-relações entre os indivíduos, ou seja, os cidadãos que constituem o
Estado, e a sociedade onde se enquadram e estabelecem relações jurídico-sociais uns com os outros.
Olhemos para cada um dos seus lados:

A. Primeira linha (linha de base)


Na linha de base do triângulo tradutor da estrutura da OJ encontram-se plasmadas as relações
estabelecidas entre sujeitos particulares de direito privado – que se relacionam em termos de
paridade (ordo partium ad partes).
É nesta linha que se definem e consagram as autonomias do homem; mas a autonomia é restringida e
delimitada, permitindo aos sujeitos a plena realização dos seus interesses e a sua proteção.
Nesta linha avultam, então, dois valores: a liberdade relativa (liberdade centrada em cada um) e a
igualdade (desde que se verifiquem todos os respetivos pressupostos, todos podem realizar os seus
interesses).
Também esta primeira linha da OJ tem preponderantemente a ver com a justiça de troca ou
comutativa, isto é, verifica-se um câmbio de prestações que se compensam mutuamente. No fundo
significa “a medida do homem para o homem”.
Logo se compreende que é nesta linha o domínio do direito privado (Direito Civil e Comercial), sendo
que esta esfera civil abrange outras ramificações jurídicas, com o Direito das Obrigações, da Família ou
das Sucessões.

B. Segunda linha (linha ascendente)


Como ser social que é, o homem não é apenas um mero individuus, aquele é indiviso; ele é também
cidadão e as relações que estabelece com os outros e com a socidade constitui-se como o objetivo
desta segunda linha da estrutura da OJ – a linha ascendente.
A sociedade emerge através das relações que com ela os cidadãos estabelecem; com efeito, a
sociedade possui ela própria valores e interesses a garantir que dirige os cidadãos que a constituem e
cujo cumprimento lhes impõe – a sociedade surge no primeiro plano nas relações que constitui com os
indivíduos. Por outro lado, também os indivíduos se dirigem à sociedade, através de exigências
derivadas da afirmação da sua autonomia. Assim, nas relações que estabelecemos com a sociedade,
encontramo-nos todos diante dela e não uns perante os outros – esta linha visa, portante, regular as
relações das partes com o todo (ordo partium ad totum).
Todos os ramos que aqui se localizam – Constitucional, Penal, Fiscal, Militar – visam regulamentar,
institucionalizar, legitimar e limitar o poder, sendo que a sociedade pode exigir aos cidadãos
determinadas prestações, mas nunca de forma arbitrária e coerciva.
Na linha ascendente de OJ encontram-se plasmados certos valores, com o da salvaguarda da
autonomia humana em momentos fundamentais, como são todos aqueles em que estejam em causa a
liberdade e a responsabilidade social (ou responsabilidade comunitária) de cada um.
Aqui, o tipo de justiça poderá ser geral – aquilo que se pode exigir a cada um em nome de todos e que
casa um pode exigir ao todo, devendo sempre conjugar-se com a justiça; e protetora – o Direito é
chamado a institucionalizar formalmente, a limitar e a controlar o poder e, consequentemente a
garantir a situação dos particulares que com ele se confrontam na sociedade.

C. Terceira linha (linha descendente)


A sociedade é considerada uma entidade atuante e dinâmica, que possui um programa específico que
se pretende influir para conseguir atingir os fins a que se propõe (vide Artigo 9º da CRP – tarefas
fundamentais do Estado). Esses objetivos poderão ser simultaneamente benéficos, tanto para os
cidadãos, como a própria sociedade. O Direito surge agora não só como um estatuto de atuação, mas
também como um mecanismo de limitação. A sociedade vai, portanto, colocar em prática o seu
programa, mas apenas nos termos em que a lei o permitir – é o Direito que define agora os
fundamentos e os meios com que a sociedade irá executar o seu programa de fins (ordo totus ad
partes).
Nesta linha, localiza-se o direito público em geral, nomeadamente o Direito Constitucional,
Administrativo, da Segurança Social e da Economia.
Já os valores aqui contemplados são os da igualdade material e o da solidariade, sendo que este
último impõe uma atuação em termos de desigualdade para se atingir o objetivo final. A igualdade não
se anuncia agora como critério, mas sim como objetivo – neste âmbito, tenta-se alcançar a igualdade
pelo caminho da desigualdade (discriminação positiva). Assim, afirma-se a justiça distributiva – que
impõe uma atuação de recolhe e redistribuição de meios (atribui-se a cada um o que lhe é devido em
função dos vários critérios, como é o caso do mérito); e a justiça corretiva, principalmente para corrigir
erros entre as gerações (justiça intergeracional).
Em suma:
As três linhas a que aludimos delimitam o espaço triangular de OJ:
+ Na sua linha de base, estamos uns perante aos outros, como pares:
+ Numa segunda linha, ascendente, vimo-nos perante a socie dade;
+ Numa terceira fase, é ela numa linha descendente, a atuar sobre nós o respetivo programa racional
(seja a seu favor e/ou em nosso benefício).
Ramos de Direito:

 Público – intervenientes estão na sociedade (estado);


 Privado – regular as relações particulares.
Distinção entre direito público e privado:
Para proceder à distinção rigorosa entre os diversos ramos de direito privado e público, a doutrina utiliza
vários critérios:
1. Critério do interesse
De acordo com este critério, vamos atender à natureza do interesse protegido por cada uma das
normas jurídicas. Uma norma seria de direito público se visasse a tutela de um interesse público, ou
seja, de um interesse geral da coletividade; e seria de direito privado sempre que prosseguisse um
mero interesse particular.

Crítica: temos que referir que interesse público e privado estão profundamente interligados, por
isso também podemos afirmar que é de interesse público proteger o interesse privado e que muitas
normas não tutelam apenas interesse privado, mas também interesses gerais como a justiça, a paz
social e ainda a segurança. Procurando diferenciar o direito público do direito privado, à luz deste
critério, é difícil determinar prática qual o interesse predominantemente interesses gerais da
coletividade, como é o caso das normas que tutelam as fundações previstas no código civil (q é
direito privado).

2. Critério da posição relativa dos sujeitos nas relações jurídicas


De acordo com este critério, o direito público regularia relações assimétricas, ou seja, relações
estabelecidas entre sujeitos colocados numa posição de supremacia ou de supra-ordenação e
outros numa posição de subordinação ou de infra-ordenação. Diferentemente, o direito privado,
iria disciplinar relações entre sujeitos ligados por posições de igualdade e coordenação.

Crítica: podem surgir no direito público posições de igualdade ou de coordenação entre sujeitos ou
pessoas coletivas de direito público (2 municípios que sejam membros de uma associação de
municípios). Por outro lado, também podemos encontrar no direito privado relações jurídicas
hierarquizadas (A relação que se estabelece entre pai/mãe e filho [art. 1878º/2 CC] ou ainda a que
se verifica no contrato de trabalho [art. 1152º CC]).
3. Teoria dos sujeitos
3.1. Critério da identidade dos sujeitos da relação jurídica; (versão tradicional)
Seriam normas de direito público aquelas em que interviesse como sujeito da relação o estado
ou qualquer outro ente público. Ao invés, integraria o direito privado as normas que regulassem
relações jurídicas que interviessem apenas particulares.

Crítica: os entes públicos podem intervir como particulares em certos negócios jurídicos (ex: se
o estado compra ou arrenda uma casa, está a agir como particular e tem que cumprir as
mesmas regras que os particulares observam para adquirir ou arrendar um prédio).
Acresce também que os particulares podem também relacionar-se entre si no âmbito do direito
público (ex: concurso para acesso à função pública).

3.2. Critério da qualidade dos sujeitos da relação jurídica (versão moderna)


Interessa agora saber se na relação jurídica um dos sujeitos surge investido de um poder de
autoridade pública ou de soberania ou de ius imperii. Seriam normas de direito privado as que
regulassem relações jurídicas estabelecidas entre particulares ou entre estado e particulares,
sempre que todos eles ajam em veste de particular, despidos de qualquer poder de autoridade
pública ou fora do exercício de funções soberanas.

Crítica: Também este critério não está isento de reparos pois nem sempre é fácil de denominar
o que é o poder da autoridade pública.

3ª Lição – Funções da Ordem Jurídica


1. Função primária ou prescritiva
Podemos caracterizar esta função da ordem jurídica primeiramente como uma espécie de mecanismo que
prescreve modelos à ação, à conduta humana. Torna-se possível afirmar que a ordem jurídica surge
perante os homens como um modelo de prescrição dos seus direitos subjetivos e das suas
responsabilidades, valorando os seus comportamentos como lícitos ou ilícitos, como válidos ou inválidos.
Esta constituição de prescrições e de juízos que modelam a nossa própria conduta traduzem-se, de certo
modo, num princípio de ação, uma vez que o nosso comportamento é condicionado por esses mesmos
critérios – o objetivo primordial deste género de estipulação coerciva da nossa conduta humana é
conduzir-nos a proceder licitamente em sociedade, estabelecendo, portanto, o nosso estatuto social.
Contudo, a ordem jurídica não se limita a catalogar apenas o procedimento comportamental da pessoa
humana, pois se assim fosse estaríamos perante uma mera ordem moral que não passaria de um simples
apelo às consciências individuais; se, por um lado, a ordem jurídica nos prescreve critérios de fruição do
mundo (que não são mais do que princípios de ação), por outro, tenta também que esses mesmos critérios
se concretizem na prática – anuncia-se-nos aqui o critério de sanção;
Sansão é, portanto, todo o meio que a ordem jurídica mobiliza para tornar eficazes as suas prescrições; e
sancionar traduz-se em efetivar, consagrar, tornar sérios, dignos de respeito, autênticos, os imperativos
jurídicos. A sansionabilidade está, assim, presente na esfera do Direito e não na esfera da ordem jurídica –
o que define esta inserção da “arte de sancionar” no Direito é o carácter societário do próprio Direito. E
esta temática remete-nos previsivelmente para a fundamentação da seguinte questão:
Mas por que será que o Direito precisa desta parte sancionatória?
A resposta é simples – uma vez que os homens são obrigados a partilhar e a fruir um espaço comum a
todos, pode suceder que eles sejam tentados a abusar desse mesmo mundo, tornando-se necessária a
existência de normas que visem evitar ou punir essas eventuais violações.
Assim, na esfera do Direito não nos podemos limitar a dirigir meros apelos uns aos outros, ou seja,
recorrer à moral; pelo contrário, cada sujeito pode exigir o cumprimento das suas obrigações e, caso este
não as cumpra, pode ver o seu património executado e a própria sociedade pode privá-lo das suas
liberdades, punindo-o pelos abusos cometidos. Conclui-se, portanto, que é o carácter social das relações
jurídicas que submete o exercício e a execução prática das sanções para corrigir os erros do transgressor.
Em suma: o Direito tem, então, a ver com as relações sociais, com aquelas relações em que estamos uns perante os
outros, mediados pelo mundo, uma vez que sendo nós muitos e sendo o mundo que todos compartilhamos um só,
estando nós todos, uns com os outros, numa relação de intersubjetividade (...) é necessária uma ordem que forneça
regras destinadas a solucionar os problemas suscitáveis por este tipo de relações – sem o recurso às sanções, a
realização efetiva da juricidade traduzir-se-ia pelo pouco ou pelo nulo.
Todo o meio de que o Direito se serve para realizar os seus primordiais objetivos práticos e satisfazer as suas
exigências tem de se conformar com certos critérios para que não haja descriminação na aplicação sancionatória: a
igualdade – o Direito tem de operar de modo igual para todos aqueles que se encontrem materialmente na mesma
situação; a correlatividade – exige-se uma correlação entre a sanção e a circunstância em causa; a
proporcionalidade – as sanções devem ser normativamente adequadas aos atos praticados; a culpa – a
responsabilidade depende da culpa e esta radica na seguinte questão, era exigível que a pessoa nessas
circunstâncias tivesse agido de outra maneira?
As sanções podem ser positivas e negativas. Numa sociedade promocional, como é o caso de um Estado de Direito,
verifica-se regularmente a aplicação de sanções positivas à comunidade e em benefício dos seus membros –
concessão de subsídios da mais variada ordem, benefícios fiscais, bolsas de estudo, proteção social dos mais
débeis... Já as sanções negativas implicam sempre algo de desagradável a quem as sofre – a aplicação de coimas,
multas, penas de prisão, a exclusão social, a indemnização, o divórcio... Porém, nem todas as sanções negativas são
suscetíveis de recurso à força e à integridade física – estas denominam-se de coações e não se inserem na esfera do
Direito.
O carácter sancionatório do Direito pressupõe a existência de uma autoridade – os tribunais – o que nos remete para
a relação entre o Direito e o poder e para a fundamentação de interrogações que colocam em causa a autonomia do
próprio Direito perante o poder. É, então, correto afirmar que, por um lado, o Direito necessita do poder para se
conseguir efetivar na resolução prática dos litígios ocorridos na sociedade; e, por outro, o Estado necessita do Direito
para se organizar efetivamente como um todo orgânico, coeso e coerente. Assim, o Direito deve manter a sua
autonomia face ao poder, uma vez que precisa dele para se realizar na sociedade e o próprio Estado precisa do
Direito para limitar o seu poder – estamos perante o princípio da bilateralidade atributiva, que mais não é do que a
correspondência entre direitos e deveres de ambas as partes.

Direito Vs Moral – Critérios de distinção


1) Âmbito ou extensão;
2) Fonte ou fundamento de motivação/determinação;
3) Perspetiva que assume;
4) Fim que visam alcançar;
5) Estrutura que assumem;
6) Relações que mantêm a força ou coação;

1) Critério do mínimo ético


De acordo com este critério, o direito abrange apenas as regras morais básicas, cuja observância se
revela indispensável para garantir a paz, a justiça, a liberdade no plano social). Contudo, se fosse assim,
direito e moral seriam materialmente idênticos, distinguindo-se somente quanto à respetiva extensão,
na medida em que o direito cobriria e sancionaria apenas o núcleo essencial dos valores éticos. O
direito identificaria a zona de interseção entre as várias conceções éticas socialmente vigentes. Deste
modo, corresponderia a zona que existe maior densidade ética em virtude da sobreposição dessas
perspetivas. Os bens mais importantes seriam os mais consensuais em termos éticos. A moral é mais
ampla, o direito vai apenas sancionar as condutas que são mais importantes.
2) Critério da autonomia
De acordo com o segundo critério, a moral é autónoma, porque os seus preceitos têm por fonte e juiz
do respetivo cumprimento a própria consciência individual, ao passo que o direito traduz sempre uma
forma de heteronomia, uma vez que implica uma vinculação e sujeição a regras alheias. Autonomia
consiste na adesão e cumprimento convicto de certas regras, não confundíveis com as normas de
direito que são impostas, independentemente das vontades individuais. Contudo, impõe-se algumas
observações a este critério, isto porque, não existe direito sem uma generalizada aceitação e adesão
das pessoas à OJ. Por outro lado, convém não esquecer que os imperativos morais tendem a objetivar-
se e a sedimentar-se socialmente.
3) Critério da exterioridade ou interioridade
De acordo com este critério da perspectiva ou âmbito de incidência, a moral incide sobre o lado interno
dos atos (interioridade), exigindo uma adesão interior aos imperativos da consciência ética (como
motivação dos comportamentos), e o direito limita-se a atender aos aspetos exteriores da conduta,
contentando-se com uma mera observância externa dos seus preceitos. Desta perspetiva, à moral
interessa sobretudo a convicção com que se atua, mais do que a própria prática do ato e os seus
resultados e por isso a ajuda a um desfavorecido perde o valor se for feita por interesse pessoal ou por
puro exibicionismo caritativo. Em contrapartida, essencial para o direito é garantir que as pessoas
respeitam as suas normas, adotando condutas conformes com elas, independentemente da razão
íntima pela qual o fazem (e portanto, mesmo que estejam em profundo desacordo com as respetivas
prescrições). Contra esta perspetiva imediatamente se objeta, porém, que o direito não desconsidera a
intenção com que os sujeitos humanos agem, por um lado, e, por outro, que a ética e a moral se
preocupam muitas vezes com aspetos exteriores da conduta.
4) Critério do fim e da teologia (finalidade)
De acordo com este critério, podemos afirmar que a normatividade jurídica tem por objetivo a
realização da justiça e a instauração da paz social (fim social), imprescindíveis ao desenvolvimento das
pessoas, avaliando e determinando, a partir de uma escala de valores comuns, as respetivas condutas
socialmente interferentes; e a moral, por sua vez, visa orientar as pessoas para o fim supremo da sua
plena realização, ajuizando da conformidade dos atos pessoais com esse modelo individual de
perfeição (fim pessoal).
5) Critério da bilateralidade ou unilateralidade
Para este critério, o direito e a moral apresentariam estruturas diferentes. A moral teria um carácter
unilateral e imperativo, visto que constitui um conjunto de deveres, ditados pela consciência ao
indivíduo, em nome do já mencionado ideal de perfeição pessoal. Ao desrespeito por tais imperativos
associa-se uma consequência igualmente interna e pessoal – o sentimento de remorso imposto pela
consciência. Já o direito, porque se propõe regular as relações sociais dos homens, mediante as quais
se condicionam reciprocamente, possuiria uma estrutura bilateral, reconhecendo direitos mas
impondo sempre os deveres correspondentes e vice-versa. O direito suporia, pois, a intersubjetividade
humana e, como veremos, acarretaria sempre uma sanção dos direitos e obrigações conexos.
6) Critério da coercibilidade
Trata-se da referência à coercibilidade, predicado do direito que estaria ausente da esfera moral. Na
verdade, o direito pode recorrer à força (que não é o mesmo que a violência) para garantir a
observância das suas normas. O mesmo não sucede com a moral, cujas normas devem ser cumpridas
espontaneamente, sem possibilidade de recorrer a meios coercivos. Pregnante que seja, este critério
não nos convence. Haja em atenção, quanto antes, que a sancionabilidade jurídica não se confunde
coma coatividade, coercividade ou coercibilidade. A sancionabilidade do direito designa a
suscetibilidade (e deverosidade) de o mesmo ser feito valer - i.e., de ser efetivado ou tornado santo -
através da institucionalização de meios adequados. No entanto, esses meios não se verificam sempre
(nem surgem sempre nos mesmos moldes), não têm inevitavelmente carácter negativo, e não
implicam necessariamente o recurso à força, ou seja, há normas sem sanção, há sanções positivas e
sanções não coativas ou coercivas.
Tipos/Modalidades De Sanção
Assim, numa classificação muito simples é possível separar os meios de autotutela e os de
heterotutela - sendo os primeiros de carácter excecional, uma vez que em princípio essa autodefesa se
encontra proscrita; exemplos de uma tal tutela privada - admitidos apenas dentro de apertados limites
e quando preenchidos vários requisitos - são a legítima defesa, a ação direta ou o estado de
necessidade. A heterotutela abrange os meios de garantia (a) preventivos, (b) compulsivos, (c)
reconstitutivos, (d) compensatórios e (e) punitivos, para além (f) dos que passam pela recusa de efeitos
jurídicos a determinados atos.
(a) Sanções preventivas são medidas destinadas e impedir a violação da ordem jurídica. Procuram
evitar a inobservância das normas jurídicas. Desempenha aqui um papel de relevo a atividade das
autoridades públicas que condicionam, limitam e fiscalizam a ação dos particulares. Temos exemplos
concretos de sanções preventivas no internamento de inimputáveis, na inibição do exercício da tutela a
quem praticou crimes que façam temer o seu mau exercício, na inabilitação para o desempenho de
funções públicas, em consequência da prática de determinados atos delituosos…
(b) Dizem-se compulsórias ou compulsivas, as sanções que procuram compelir o infrator de uma
norma a adotar a conduta devida, cessando a violação em curso, e que por conseguinte cessam logo
que esta termine. É o que acontece com a sanção pecuniária compulsória (dinheiro) - que constrange
o incumpridor de uma obrigação (com certas características) a pagar uma determinada quantia
pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento (ou por cada infração) - ou com os juros de mora no
campo do Direito Fiscal (art. 829º/a CC).
(c) Às medidas de garantia tendentes ao restabelecimento da situação que existiria se a norma jurídica
não tivesse sido violada dá-se o nome de sanções reconstitutivas. A reconstituição em causa pode
assumir várias configurações. O direito privilegia a chamada reconstituição em espécie, porque visa a
reposição da situação anterior sem o recurso a qualquer bem inexistente à época. Se alguém, de má fé,
constrói uma obra em terreno alheio, o dono deste último tem o direito de exigir que a mesma seja
desfeita e o terreno restituído ao estado primitivo. Fala-se também, no entanto, em execução e em
indemnização específicas.
Na primeira hipótese, que nos remete para o direito das obrigações, trata-se de impor a realização da
prestação imposta pela norma ofendida. Se o devedor não cumprir a obrigação que contraiu de
entregar ao credor uma coisa determinada, este pode exigir o cumprimento da prestação em falta,
mediante a entrega dessa coisa. Na segunda hipótese, a reposição da situação consegue-se através de
um bem que, não sendo aquele que foi efetivamente danificado, está em condições de o substituir,
desempenhando a mesma função (imagine-se, por exemplo, a situação em que alguém se vê obrigado
a restituir um objeto igual ao que destruiu).
(d) As sanções ressarcitórias ou compensatórias estão pensadas para os casos em que não é possível
restabelecer o status quo ante e em que se tenta por isso reproduzir uma situação valorativamente
equivalente, posto que diferente. Para tal, obrigam o transgressor a ressarcir o lesado pelos danos
causados - tanto os diretamente emergentes da lesão, como os que resultam da cessão de lucros
(danos emergentes e lucros cessantes) – isto é, a torná-lo indemne (sem dano). Quando, em rigor, os
danos não sejam passíveis de uma indemnização em sentido estrito, por terem uma índole pessoal ou
não patrimonial, alude-se antes a reparação ou compensação da dor ou desgosto sofrido.
(e) As sanções punitivas são as mais pesadas, uma vez que acarretam um mal para o infrator, privando-
o de bens como a liberdade e o património e, em alguns países, a própria vida. Podem ser criminais,
contra-ordenacionais, civis e disciplinares.
As primeiras são sanções privativas do direito penal, que só intervém em última instância, para
defender os bens jurídicos fundamentais da comunidade, quando tenham sido ofendidos com culpa, e
tendo em vista a prevenção do crime em geral e a ressocialização do agente infrator, em especial. As
segundas dimanam da Administração Pública e punem, com coimas, certas condutas que lesam
interesses fundamentais (violações das regras de trânsito, por exemplo). As terceiras pertencem ao
direito civil e ocorrem em caso de verificação de comportamentos indignos (é o caso da incapacidade
sucessória de alguém, por motivo de indignidade). As últimas aplicam-se à infração de deveres por
parte de determinadas categorias profissionais, no exercício das respetivas funções (são exemplos a
repreensão, a suspensão, o despedimento).
(f) Por fim, cabe ainda fazer uma referência aos casos em que o direito é sancionado mediante a
determinação da ineficácia jurídica, total ou parcial, dos atos com ele desconformes. Costumam ser
diferenciados, nesta sede, os casos de inexistência jurídica, de invalidade (que compreende a nulidade
e a anulabilidade) e de ineficácia em sentido restrito.
Um casamento celebrado sem a declaração da vontade de um dos nubentes não produz qualquer
efeito jurídico, considerando-se que nem sequer ocorre qualquer materialidade do ato jurídico em
causa. O mesmo é dizer que um tal ato, em rigor, não existe juridicamente. Quando um ato
materialmente existente está inquinado na sua validade por um vício, também deixa de produzir
efeitos jurídicos por invalidade. Se se ofenderam interesses públicos a invalidade assume a forma de
nulidade, podendo ser invocada a todo o tempo, por quaisquer interessados, e declarada
oficiosamente pelo juiz em tribunal, se dispuser dos elementos que a certifiquem. Acarretando a
violação da norma uma lesão a meros interesses particulares, a sanção de invalidade consiste na mera
anulabilidade do ato, carente de invocação pela pessoa ou pessoas a favor de quem foi estabelecida,
sanável pelo decurso do tempo e a confirmação dos interessados, e insuscetível de declaração ex
officio pelo juiz. Fala-se ainda de ineficácia em sentido restrito naqueles casos em que o ato
transgressor não produz total ou sequer parcialmente os seus efeitos.
Em nenhum destes casos o negócio vai “avante”.

Função secundária ou organizatória


É necessário iniciar a caracterização desta segunda função da ordem jurídica reafirmando que o Direito
nem sempre é ordem jurídica – é Direito quando é mobilizado para resolver problemas concretos; e é
ordem jurídica apenas quando responde afirmativamente a certos critérios e exigências.
A ordem jurídica, assim como toda a criação humana, tende para a desorganização, uma vez que o sujeito
central da própria ordem, que é o homem, constitui-se como um ser livre e mutável, que, e segundo
ALBERT CAMUS, se projeta e como que recria em todas as suas criações. Daí a necessidade de a ordem
jurídica se voltar para si própria e se auto-organizar, a fim de conseguir a sua subsistência e a sua coesão e
coerência.
As ordens jurídicas nunca são as mesmas, tanto na maneira terrena como na forma abstrata; elas,
mutáveis por serem criadas pelo homem, transformam-se de Estado para Estado e variam ao longo do
tempo histórico, existindo inúmeras formas de pensar e compreender o Direito.
Mas volvendo ao cerne desta segunda função, designada também de organizatória, há que salientar três
momentos fundamentais que logram a manutenção organizada e coesa da estrutura da ordem jurídica.
O primeiro é o momento da unidade sistemática. Uma ordem jurídica apenas consegue garantir a unidade
e a coerência das suas prescrições se se esforçar por resolver os problemas e incompatibilidades entre
normas e princípios jurídicos; para tal, a ordem jurídica é chamada a intervir para evitar conflitos entre
eles. Contudo, este processo gera alguns problemas: em primeiro lugar, o problema das autonomias ou
convergência sincrónica, ou seja, em relação a um problema jurídico conseguir diferentes formas de o
resolver – através da especialidade (a lei especial prevalece sobre a regra geral) e da prioridade temporal
(a lei posterior prevalece sobre a lei anterior); em segundo lugar, o problema da convergência diacrónica –
os problemas da sucessão das leis no tempo (contemplado nos artigos 12º e 13º do Código Civil
Português); e em terceiro lugar, o problema da concorrência das normas/critérios no espaço – a
problemática de sistemas jurídicos plurilocalizados.
O segundo é o momento do desenvolvimento constitutivo. Os problemas vão-se modificando e sucedendo
no tempo, tal como a História se vai compondo à medida que o tempo passa; e o Direito tem de
acompanhar inevitavelmente a realidade social e todas as suas mutações. Assim, também a ordem jurídica,
como entidade histórica que é, tem de ser esforçar para se reconstruir, mas tem de garantir a possibilidade
e a segurança das suas prescrições – a ordem jurídica tem de se manter aberta à realidade dos problemas,
será inadequada ao seu objeto se permanecer estática, sucumbindo a uma inércia paralisante. Contudo,
esta abertura não pode ser de tal forma que prejudique a previsibilidade e a segurança dos próprios
membros da sociedade em que atua; é mister um equilíbrio entre a dialética da abertura e a sua
previsibilidade. Assim, ao tentar resolver a dialética, a ordem jurídica encontra-se em permanente
desenvolvimento; não é, vai sendo.
O terceiro é o momento da realização orgânico-processual. Este momento traduz-se na necessidade de a
ordem jurídica criar órgãos que vão dar resposta aos problemas jurídicos, definindo as suas funções e
competências e ainda o modo de procedimento destes mesmos órgãos. Os órgãos que constituem a
ordem jurídica são dotados de uma certa competência que devem exercer de um determinado modo; e
isto remete-nos imediatamente para o processo – conjunto de atos ordenados para se realizar um certo
objetivo/finalidade que no fundo repete formalmente a controvérsia imediatamente suscitada no âmbito
da intersubjetividade. O processo racionaliza a ação dos órgãos confrontando-os, tornando-os eficientes;
controla ainda os próprios órgãos uma vez que define os termos da sua atuação; especificamente sobre o
processo jurisdicional define como e quando resolver a questão, define a posição relativa das partes, a
necessidade de respeitar os prazos... – enfim, estipula as regras procedimentais.
Concluindo, a ordem jurídica tem de estabilizar a sua dinâmica, pois só assim conseguirá garantir o seu
principal objetivo - a sua subsistência. E é precisamente este problema que visa dar resposta à função
secundária da ordem jurídica. Se a sua função primária ou prescritiva é mais visível, a função secundária é a
mais importante, pois é através desta sua função secundária que a ordem jurídica combate arduamente os
problemas que se lhe opõem para garantir a sua essencial subsistência como ordem, evitando quer a
obsolescência anacrónica, quer o utopismo voluntarista.

4ª Lição – Notas caracterizadoras da Ordem Jurídica


1. A ordem como cosmos natural
Em primeiro lugar, podemos definir a ordem jurídica como uma ordem; e ao mesmo tempo é possível
afirmar que é um cosmos, ou seja, que não é um puro caos – a ordem jurídica traduz-se numa espécie de
chaosmos, ou seja, uma síntese da desordem e da ordem, uma complexidade organizada de um todo
coerente que radica numa simplicidade primordial.
Por outro lado, a ordem jurídica esforça-se culturalmente para compensar a deficiência ontogenética do
homem – esta sua incompletude condu-lo biológicoinstitivamente a projetar-se numa segunda natureza,
que é a cultura, o que o torna distinto dos restantes animais; ele é um ser racional e esforça-se para se
auto complementar.
2. Caráter comunitário da OJ
Dando continuidade à primeira nota caracterizadora, torna-se agora possível afirmar que a ordem jurídica
se esforça para assegurar a integração comunitária, uma vez que ela própria se define como um
mecanismo de controlo da vida em comum. Assim, de um ponto de vista formal ou institucional, a ordem
jurídica encontra-se encarregue de definir a normatividade de uma comunidade concreta; e de um ponto
de vista substantivo ou material, a ordem jurídica garante a nossa integridade comunitária, porque os
valores por ela defendidos e protegidos são precisamente os mesmos valores que aquela comunidade
concreta quer ver preservados e nos quais os próprios membros se revêm.
3. Objetividade da OJ
Partindo do princípio de que a ordem jurídica nos aparece como um mundo que se nos depara,
reconhecemos-lhe uma índole objetiva – ela anuncia-se-nos impondo-se-nos e vinculando-nos de forma
coerciva, como a própria natureza, independentemente se a queremos ou aceitamos. Em primeiro lugar, e
com base num ponto de vista formal ou institucional, a ordem jurídica apresenta um carácter autárquico
– ela subsiste por si, assentando-se nas suas próprias forças, independentemente da adesão voluntária dos
membros da comunidade. Mas com que legitimidade a ordem jurídica apresenta uma objetividade
autárquica? A resposta assenta na legitimidade democrática, associada à ideia de justificação prática – nós,
homens e membros de uma sociedade concreta, não somos apenas objetos da própria ordem jurídica;
somos também sujeitos, autores, criadores dela. Logo, sendo nós membros da comunidade, somos nós
que instituímos os valores em que se baseia a validade da ordem jurídica e as normas em que os restantes
membros comunitários se revêm.
Por outro lado, e num plano substantivo ou material, a ordem jurídica apresenta uma objetividade
dogmática (dogma é a verdade irrefutável, algo imune à crítica). Mas terá algum sentido, neste nosso
tempo – que é um tempo de crítica – qualificar a ordem jurídica como dogmática? Ultrapassando o plano
superficial, é possível afirmar que qualquer cultura possui uma irremissível dimensão dogmática, dado que
ela assenta em pressupostos que se aceitam e sem os quais não poderia existir. Quer isto dizer que o agir
humano pressupõe sempre um conjunto de referentes que não discutimos; e assim o homem se encontra
em condições de poder e conseguir decidir.
A ordem jurídica impõe-nos padrões de conduta que o homem cumpre sem questionar a razão desses
mesmos comportamentos tomados [Artigo 9º do Código Civil – Interpretação da lei]. Por exemplo, no
plano da resolução de controvérsias, tanto o juiz como o jurista não recorrem ao sistema jurídico –
conjunto de critérios e fundamentos que os juristas têm à sua disposição para a resolução de problemas. A
base dogmática identifica-se com o sistema jurídico e, assim, os juízes e os juristas não podem estar
constantemente a questionar-se.
Conclui-se, então, que é da essência da prática a pressuposição de uma dogmática e esta implica uma
decisão, que suspende a continuidade formal e retórico-pragmática de uma reflexão argumentativa. E esta
base dogmática não é algo petrificável; pelo contrário, não é possível absolutizar os dogmas uma vez que o
próprio homem é um ser aberto à evolução e não se estatiza. Mas como se traduz esta matéria no Direito?
A resposta é simples. Dado que toda a prática postula uma dogmática, o próprio Direito, que mais não do
que uma forma de resolver um problema prático, também a postula. Assim, uma vez que toda a dogmática
tem na sua base uma decisão e esta remete a um poder, a decisão reflete uma opção; logo, todos os
critérios práticos são suscetíveis de crítica. E sendo o Direito um critério prático, um dogma jurídico, não
significa que não seja suscetível à crítica – ele reconstitui-se analogicamente e refunda a ordem jurídica. O
Direito não é constituído, é constituendo (o Direito não é, vai sendo...). Quer isto dizer que o Direito se
complementa e organiza ao longo do tempo histórico, à medida que se vai adaptando às novas
conjunturas e encontrando métodos inéditos para ultrapassar as novas e diferentes dificuldades com que
se vai deparando – o Direito recria-se.
4. A autoridade da Ordem Jurídica
A decisão encontra-se intimamente ligada à proibição de delegar a justiça. Significa isto que a
normatividade jurídica tende a dogmatizar-se – a dogmática radica num momento decisório e a decisão a
que assim se alude faz surgir o poder, caracterizado pela autoridade. E possui autoridade quem julga o
caso, aquele a quem reconhecemos competência – o genuíno autor.

5ª Lição – Efeitos da Ordem Jurídica

1. Racionalização

Em primeiro lugar, a ordem jurídica traduz um esforço de racionalização. O homem, sendo um ser livre, é
necessariamente um ser dispersivo. Contudo, ele não deseja que o seu comportamento seja determinado
pela sua natureza e, para evitar isso, realiza um esforço cultural de racionalização, empenhando-se em
disciplinar o seu agir e visando conferir coerência à sua ação.
O homem é um ser incompleto e indeterminado e, por isso, é ele que se projeta numa segunda natureza,
onde se recria e complementa, destinada precipuamente a racionalizar o seu mundo. A ordem jurídica surge,
portanto, como resultado desse mesmo espaço de racionalização da ação humana.

2. Institucionalização

A racionalização tem como subjacente a institucionalização. Importa, antes de mais, dizer o que se
entende por institucionalização. Uma instituição é, então, um padrão estandardizado de comportamentos
que assimilou certos valores e que, por isso mesmo, subsiste num determinado período de tempo (in + status
– entrar naquilo que persiste).
O homem, como já foi várias vezes referido neste texto, é um ser livre e inacabado; e, devido ao facto de
o ser (i.e., ele é autor de si próprio), encontra-se continuamente a ser chamado a agir e a decidir. E as
instituições desoneram-no parcialmente do seu exercício de liberdade na medida em que o liberta de uma
reflexão infindável. Também a segunda natureza do homem, a cultura (e aqui o homem surge já não como
um ser natural, mas como um ser precipuamente social), se vai objetivar em instituições.
Coloca-se, portanto, a seguinte questão: onde está o espaço para o exercício da autonomia e da
liberdade? E isto remete-nos para uma espécie de confronto entre a autonomia/liberdade do homem e as
próprias instituições que limitam a sua conduta e lhe aplicam sanções. Pois bem...tem de existir, ou tentar
encontrar-se dentro do possível, um certo equilíbrio entre ambos os conceitos – não podemos hipertrofiar
as instituições, senão cairíamos na esfera repressiva do totalitarismo, caracterizada pela perda de autonomia
e liberdade; mas não podemos também conceder a liberdade total ao homem, pois assim ele seria
desterrado para uma selva anárquica, onde as liberdades se acumulam e se saturam.

3. Liberdade

O homem consegue ser livre apenas se limitar a sua liberdade. Não podemos afirmar que existe uma
liberdade plena; se não houvesse uma limitação da liberdade, estaríamos condenados ao arbítrio dos outros.
Então, para evitar esta sujeição ao arbítrio de terceiros, o homem terá de aceitar um conjunto de regras que,
por si só, já limita a sua própria liberdade.
Há, portanto, que distinguir o lícito do ilícito. Quer isto dizer que aquele que ultrapassar os limites tem
que responder pelos seus atos, como se encontra descrito no Artigo 483º do Código Civil (responsabilidade
civil); e essas limitações são traduzidas pelas leis. As leis, para além de limitarem a nossa própria liberdade,
também a protegem; e estas devem ser gerais e abstratas, abarcando todos os membros da comunidade
onde radica a ordem jurídica em que se inserem essas normas.
Aqui, o Direito aparece como fator de garantia da liberdade qual e proporcionalmente igual para todos (a
minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro) – significa isto que o Direito nos se anuncia
como um mecanismo que nos permite ultrapassar os obstáculos.

4. Segurança

Cabe ao Direito garantir uma estabilidade e uma segurança ordenadora da ordem jurídica – isto tem o
nome de segurança jurídica. Esta surge como certeza jurídica, como limitação do poder da administração
(assim garantindo o Estado de Direito) e como previsibilidade das ações humanas.
A segurança jurídica carece, porém, de um conjunto de leis que nos conduza a distinguir o lícito do ilícito,
o válido do inválido, para assim termos a possibilidade de agir e, consequentemente, conhecer os efeitos
desses mesmos comportamentos.
Existe, então, como que uma segurança insegura – quer isto dizer que o homem é um ser indeterminado
e que se rege por um conjunto de princípios por vezes inseguros, alguns deles que têm interpretações
diferentes ao longo da história. O Direito é, portanto, uma ordem aberta e dependente do contexto histórico.
Mas existem, obviamente, normas que garantem a segurança – é o caso da maioridade, do cumprimento
de prazos, da não retroatividade das leis, da prescrição (temos de dispor de um esquema seguro que nos
diga onde começam e onde onde terminam as nossas responsabilidades), do caso julgado (tem de haver um
momento em que a controvérsia fique resolvida e não seja possível interpor mais recursos) ...
A segurança jurídica vem como que garantir a solidez do chão que pisamos, ou seja, há aqui uma ideia de
previsibilidade, i.e., saber aquilo com que podemos contar antes de agir.

5. Paz

Todos estes efeitos jurídicos anteriormente referidos e explicitados se vão projetar neste último efeito –
a paz.
A ordem jurídica, ao estabelecer modelos de cção/conduta aos homens, impede o recurso à força e,
consequentemente, conduz a uma certa pacificidade, a uma convivência pacífica entre os membros da
comunidade. Nós, homens, partilhamos o mesmo mundo e, encontrando-se nós uns perante os outros, e
sendo todos nós pessoas diferentes com personalidade e interesses distintos, os conflitos vão estar sempre
patentes.
Nesta medida, a ordem jurídica é um fator de paz. E ela não possui qualquer sentido humanamente válido
– significa isto que ela não é puramente humana e não traduz somente o recíproco encontro de
comparticipantes que não se agridem. O sentido de paz advém, porém, por mediação da justiça. Só então
estaremos diante de uma paz fundamentada em termos de validade, pois não é apenas importante a
ausência de violência, mas também a solicitude para com o próximo.
A paz não é apenas um objeto da ordem jurídica; ela é também um fator regulador e orientador da mesma.
A paz mostra-nos o Direito como via da substituição da força pela razão – v.g. no tribunal, o juiz decide
baseando-se na força argumentativa das partes e não na força física imposta por elas.
Por outro lado, o Direito será tanto mais logrado quanto mais prevenir os conflitos. O efeito
societariamente mais relevante da ordem jurídica é, portanto, o da prevenção dos conflitos. Poder-se-á
afirmar, então, que a rutura revolucionária é a maior prova do fracasso de uma ordem jurídica, uma vez que
traduz na sua essência que esta não cumpriu os requisitos exigíveis pela comunidade e falhou.

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