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na Fronteira Sul
Letra&Vida Editora
Conselho Editorial:
Antônio Suliani (Presidente), Antônio Dalpicol, Ildo Carbonera,
João Carlos Tedesco, José Hildebrando Dacanal, Luis Alberto De Boni,
Míriam Gress, Paulo Ricardo Suliani, Vania Beatriz Merlotti Herédia.
HISTÓRIA
DO CAMPESINATO
NA FRONTEIRA SUL
Paulo A. Zarth
organizador
2012
© Paulo A. Zarth, 2012
Capa:
Nilmara Trindade da Silveira
Editoração:
editor@suliani.com.br – (51) 3384.8579
CDU 94(816.5)
Esse é um livro, como sugere Amos Bronson Alcott, que se abre com
interesse e se fecha com muito proveito.
PARTE I
CAMPONESES E POVOS INDÍGENAS
1 Adequação de temáticas socioambientais na educação indígena –
cultura, ambiente e biodiversidade........................................................... 17
José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
2 O conflito de Nonoai: um marco na história das lutas pela terra......... 33
Joel João Carini, João Carlos Tedesco
3 Os missioneiros ............................................................................................ 58
Tau Golin
PARTE II
TRAJETÓRIAS CAMPONESAS
4 Colonos na Fronteira Sul ............................................................................ 76
José Carlos Radin
5 A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento
da guerra na região do Contestado (1906-1916)...................................... 95
Delmir José Valentini
6 O movimento do Contestado e a questão de terras ............................. 115
Paulo Pinheiro Machado
7 A busca pela terra e a migração dos colonos
do Sul para o Mato Grosso ....................................................................... 133
Cristiano Desconsi
8 Os colonos judeus no Brasil ..................................................................... 154
Isabel Rosa Gritti
9 Campesinato negro nas matas do Rio Grande do Sul.......................... 172
Márcio Antônio Both da Silva
10 Juventude rural e modernização da agricultura:
tensões entre extensão rural e movimentos sociais
na região Oeste de Santa Catarina (1970-1985) ..................................... 195
Claiton Marcio da Silva
11 Trajetórias camponesas: resistências, exclusões,
êxodos e tentativas de reinserção ............................................................ 209
Edemar Rotta
PARTE III
NOVOS TEMAS DE PESQUISAS
12 Fronteiras fluídas: florestas, Rio Uruguai e a ocupação da região ..... 224
Eunice Sueli Nodari
13 Os caboclos e a história da paisagem ..................................................... 240
Marcos Gerhardt
14 Águas que geram energia e luta .............................................................. 256
Dirceu Benincá
15 Camponesas em luta: possibilidades de serem sujeitos políticos ...... 277
Isaura Isabel Conte
16 Organização cooperativa na agricultura familiar ................................. 295
Walter Frantz
AUTORES.......................................................................................................... 318
Introdução
Paulo A. Zarth
Introdução 9
cionou chamar de saberes tradicionais dos povos indígenas. A Convenção
da Diversidade Biológica, produzida pela Conferência das Nações Uni-
das para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92), assinada pela
maioria dos países, ampara essa dimensão do conhecimento como fun-
damental para conservação da diversidade biológica na terra. O artigo faz
parte do esforço recente de diversas instituições para pensar a educação
nos termos da própria cultura indígena e não mais do ponto de vista
eurocêntrico, respeitando a cosmovisão dos caingangues e dos guaranis
que habitam o território sulino.
O estudo de Joel João Carini e João Carlos Tedesco é um exemplo do
notável movimento dos indígenas pela retomada das terras invadidas por
colonos com conivência dos governos ao longo do século XX. Pela primei-
ra vez, depois de séculos, os indígenas protagonizam a reconquista de parte
de seu território. O artigo revela também a mudança de postura política
de instituições como a igreja e o governo, indicando que as pressões da
sociedade pelos direitos dos povos indígenas surtiram efeito nesses casos.
Tau Golin aborda a história do povo guarani dos Sete Povos das
Missões a partir das discussões historiográficas e literárias a respeito
dos missioneiros na constituição da identidade sul-rio-grandense. O autor
analisa exaustivamente o processo de indianização da sociedade regional
após a invasão do território das Missões em 1801 por aventureiros gaúchos.
Observa ainda que a indianização vai mais além da mestiçagem, e pres-
supõe uma imanência cultural que leva inclusive descendentes da imi-
gração do século XIX e recente (poloneses, italianos, alemães, espanhóis,
etc.) a se identificarem como missioneiros. Esta identidade é difundida por
artistas populares, educadores, historiadores e arqueólogos que defendem
a existência de uma arte e cultura missioneira. Tal reivindicação significa
um forte movimento cultural que pretende reconhecer que os indígenas,
incluindo os guaranis e os caingangues, impregnam a sociedade regional
com seus traços e costumes. Eis um campo de pesquisa que tende a
frutificar e o ensaio do autor é uma boa referência metodológica.
Introdução 11
combate afirmava que o governo republicano expulsava os brasileiros das
terras da nação para vender aos colonos europeus. Eis aqui um exemplo
de contato conflituoso entre dois grupos culturais distintos.
Nas novas pesquisas acadêmicas, além de revelar a presença de
caboclos e povos indígenas nas terras ditas “devolutas”, os colonos são
apresentados de forma menos laudatória do que no passado quando
indicados como referência de progresso, de civilização e de sucesso
extraordinário. De forma crítica, a nova bibliografia vem revelando as
dificuldades da imigração europeia e das novas migrações no interior
do Brasil, onde se repetem as dificuldades e as angústias inerentes aos
processos migratórios. A imigração dos camponeses para o Brasil signi-
ficou transferir para a América os problemas vividos no continente
europeu, conforme a análise de Radin. No novo mundo, a migração
continuou como uma alternativa recorrente. Cristiano Desconsi seguiu
a trilha dos migrantes sulinos em direção ao Centro-Oeste do Brasil no
início século XXI, os quais deram continuidade à jornada migratória ini-
ciada no século XIX desde a Europa até Rio Grande do Sul e depois no
Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. A caminhada não para: lá,
na fronteira distante, o autor percebeu que os colonos do Sul continuam a
voltar o olhar para municípios e microrregiões localizadas “mais à frente”.
Incluímos neste livro um exemplo pouco conhecido da colonização
do Sul brasileiro, como foi o caso dos imigrantes judeus, os quais fugi-
ram das conhecidas perseguições no Leste da Europa e enfrentaram
enormes dificuldades no Norte do Rio Grande do Sul. Isabel Griti
analisa a colonização judaica em Quatro Irmãos promovida pela Jewish
Colonization Association, revelando os problemas decorrentes do modelo
administrativo dessa companhia colonizadora.
Um tema que dá os primeiros passos nas pesquisas na Fronteira
Sul trata do campesinato negro. Na historiografia tradicional, os povos
de origem africana eram, de um modo geral, invisíveis, deliberada-
mente esquecidos ou minimizados como algo incomum e sem maior
importância. No entanto, as pesquisas atuais chegam a surpreender
muitos leitores ao revelarem a presença de trabalhadores negros escravi-
zados nessa região e que deram origem à população afrodescendente
atual. Os indícios revelam a existência do que Ciro Flamarion Cardoso
conceituou de brecha camponesa no sistema escravista. Desta população
escravizada ao longo do século XIX emergiu um campesinato negro
que sobreviveu com enormes dificuldades, como mostra a pesquisa de
Márcio Both da Silva. O autor demonstra que a orientação das políticas
públicas era a de limitar o acesso à terra, condicionando os ex-cativos a se
inserirem na sociedade como agregados ou peões seguindo os conselhos
de Alexis Tocqueville para o caso das colônias francesas, ao observar
que os negros livres não estariam inclinados a trabalhar para um senhor,
Introdução 13
3 Novos temas na história do campesinato
Introdução 15
1
Adequação de temáticas socioambientais
na educação indígena
– cultura, ambiente e biodiversidade –
18 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
de elementos, coisas e fenômenos ligados à natureza. Os povos indígenas
se sentem parte integrada dela e a conformam junto aos espíritos e
deidades que habitam nela. Isto a torna sagrada, portanto, criando vín-
culos ou laços de reciprocidade.
Todo conhecimento indígena é basicamente empírico, sendo transmi-
tido desde a infância. Eles vivem em contato com a natureza, conhecem
os hábitos dos animais, em que épocas dão cria, de que se alimentam,
quando podem ser caçados e como caçá-los; conhecem as plantas, as
que fazem bem para a saúde e as que são venenosas. E todos estes
conhecimentos estão também diretamente relacionados com suas músicas,
danças, crenças e rituais. Assim, o conhecimento da natureza depende
também de contatos com o mundo “invisível” dos espíritos.
Enquanto os ambientalistas não índios lidam exclusivamente com
uma relação extremamente racional entre os seres humanos e a natu-
reza, os povos indígenas têm um modo diferente de conceituar esta visão.
Para eles, esta ligação homem-natureza, neste mundo natural, é simul-
taneamente material e espiritual. Todas as coisas que existem na natureza
possuem espírito e se inter-relacionam.
Os rituais constituem uma forma com a dimensão espiritual que faz
parte importante da realidade indígena. Esta espiritualidade está ligada a
um sentido comunitário de laços de reciprocidade entre todos. São forças
opostas que se complementam e dialogam: frio e quente, macho e fêmea,
claro e escuro, etc.
Também adotam nomes e costumes ligados à natureza, acreditando
que cada palavra tem vida própria, portanto trará o espírito ou força
desse elemento que acompanhará essa pessoa na sua vida. Acredita-se
que de acordo com o nome que a criança recebe ao nascer, ela adotará o
comportamento parecido com o daquele ser. Como um exemplo, o nome
Pénĩ na etnia caingangue, significa tartaruga, portanto quem receber este
nome terá tendência a ser lento, calmo e pensativo.
A própria divisão tribal utiliza-se de elementos da natureza. Na base
social da etnia caingangue, uma metade denomina-se Kajukré, que é liga-
da ao leste, à lua, ao frio, úmido e fraco. E a outra se denomina Kamẽ, que
está ligada ao oeste, ao sol, ao quente, seco e forte.
3 Biodiversidade – espécies
20 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
e acácia negra; os peixes carpa e tilápia; o capim-annoni, etc. Também as
monoculturas e criações intensivas, principalmente as que têm servido
ao agronegócio, como a soja e o gado, têm impactado negativamente na
qualidade de diversos ambientes.
22 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
que até hoje, mesmo com a escassez dos recursos naturais, os Caingan-
gues ainda se alimentam de recursos vegetais provenientes das matas
e capoeiras, tais como o fuá ou fuvá (erva moura), o kumĩ (folhas de
mandioca brava) e o fyj (caraguatá do banhado). Porém, com o aldea-
mento e, consequentemente, a redução de seu território, os Caingangues
foram forçados a mudar seu modo de viver e recentemente aprenderam a
cultivar a terra de modo mais contínuo. Contudo, apesar dos Caingangues
possuírem na sua culinária o pise, que é milho torrado socado nas cinzas,
o bolo nas cinzas – ẽmĩ – também feito com farinha de milho, e a canjica
– kajika – com a aparição das tecnologias ditas “modernas”, muitos indí-
genas ainda não sabem diferenciar um milho híbrido e transgênico de
um milho crioulo ou nativo. Tem-se observado indígenas caingangues da
Terra Indígena Guarita, RS, questionar o porquê do milho que plantaram
ter dado somente sabugo, não compreendendo que as sementes utilizadas
eram híbridas e, portanto, conforme são plantadas novamente, vão
perdendo o seu valor produtivo e reprodutivo.
24 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
Vivemos em constantes mudanças, nada é estático. E isto inclui
as culturas também, que apesar de ainda manterem muitas tradições
milenares, vão se adaptando ao meio, tempo e espaço. Assim, a etnia cain-
gangue, através de sua criatividade, vem inovando o seu artesanato
como um meio importante de gerar renda. Com o passar do tempo foram
se adequando a pedidos e demandas da sociedade não indígena. Seus
balaios, por exemplo, que antes eram maiores, hoje são confeccionados
em vários tamanhos e modelos. Adornos como colares, pulseiras e brincos
têm sido trabalhados de acordo com a demanda da sociedade envolvente.
Também, com a escassez de algumas das matérias-primas, artesãos vêm
substituindo a mesma por outros materiais. É o caso da fibra de bana-
neira, que já é utilizada na fabricação de bolsas por alguns grupos de
artesanato na Terra Indígena Guarita, RS. Igualmente em suas atividades
sociocomerciais, os artesãos indígenas caingangues costumam sair das
aldeias para vender seus artesanatos em outras cidades nas épocas do
natal e páscoa, supondo-se que estes sejam os momentos mais propícios
para se conseguir uma boa venda ou brique.1
1
Uma das maneiras que os artesãos indígenas realizam a comercialização dos seus
produtos é através do que eles chamam de brique. O brique é a prática da troca ou
escambo, ou seja, é a permuta de produto por produto sem o uso de moeda ou dinheiro
corrente/convencional.
26 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
particulares. Essa prática acontece tanto através de parcerias entre alguns
índios quanto através de “cooperativas indígenas”, o que transformou as
terras indígenas em bens de mercado. Esse mecanismo tem impedido, a
muitas famílias indígenas, o acesso à sua terra ancestral, transformando
as aldeias em dormitórios, jogando a população nas piores e mais
desprotegidas formas de trabalho, tais como: carregamento de aves, corte
de erva-mate, colheita de maçã e de uva. Os homens passam semanas
trabalhando fora da área para poder sustentar as famílias que ficam na
terra indígenas. A lógica do mercado é da incorporação das terras ao
processo produtivo, nesse sentido não importa nas mãos de quem esteja
a terra, desde que esteja a serviço do modelo econômico vigente.
Contudo, para os povos indígenas, a terra é muito mais do que um
simples meio de subsistência. Ela representa o suporte de vida sociocul-
tural e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimentos.
A terra é um bem coletivo, destinada a produzir a satisfação das neces-
sidades de todos os membros da comunidade. Embora o produto do traba-
lho possa ser, em muitos casos, individual, as obrigações existentes entre
os indivíduos certamente asseguram a todos o usufruto dos recursos –
um patrimônio comunitário e de oportunidade para a prática da recipro-
cidade.
28 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
têm provocado resultados contrários. Exemplo disso são as licitações para
a aquisição de insumos e sementes destinados à produção de alimentos
e geração de renda. Em geral, quem consegue responder aos volumes
solicitados e exigências burocráticas impostas são as empresas de semen-
tes híbridas e transgênicas, de adubos químicos, agrotóxicos e de maqui-
narias. Já os detentores das sementes nativas e crioulas – os camponeses
da pequena agricultura familiar, povos tradicionais e os próprios indíge-
nas – normalmente não conseguem se adequar às exigências “legais” como
as indústrias.
Esta situação, em muitos casos, acaba criando dependência do mercado
e do modelo convencional de agricultura e, em outros casos, leva à conta-
minação dos recursos genéticos tradicionais.
Por outro lado, vêm surgindo experiências como, por exemplo, o pro-
jeto Guardiões das Sementes Crioulas no município de Tenente Portela, RS,
em que grupos indígenas caingangues e guarani da Terra Indígena Guari-
ta participam desta proposta, em prol da conservação da biodiversidade e
do desenvolvimento sustentável local.
Considerações finais
30 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
► que ajudou a dominar e expulsar os índios de suas terras. Conforme
Borba, o significado da palavra Kaingang é: Caa = mato + ingang =
morador, ou seja, morador do mato. Hoje o termo Kaingang, para eles
próprios, possui o significado de índio, unificando e identificando
estes como uma unidade diante dos não índios e diante de outros
povos indígenas.
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32 História do Campesinato na Fronteira Sul • José Manuel Palazuelos Ballivián, Alexandra Carvalho P. de Palazuelos
2
O conflito de Nonoai:
um marco na história das lutas pela terra
1
Conflito entre índios e agricultores na Reserva Indígena de Nonoai, desencadeado ao
longo das décadas de 1960 e 1970, cujo ápice deu-se em 1978 com o confronto entre
índios caingangues e colonos intrusos, tendo resultado na expulsão de mais de mil
pequenos agricultores da referida reserva.
2
O presente artigo é fruto de um estudo mais amplo que fizemos sobre os conflitos
agrários no Norte do RS; parte desse estudo foi publicada em dois volumes, os quais
abarcaram a temporalidade dos anos 50 aos anos 90. Ver indicação bibliográfica nas
referências finais.
34 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
denominado esgotamento das fronteiras agrícolas a serem ocupadas por
colonos e agropecuaristas, para facilitar e incentivar as ações predatórias
de colonizadoras que objetivavam mercantilizar a terra e dar-lhe feição
econômica nos moldes das políticas de crescimento econômico e de
funcionalidade da agricultura no estado, em particular na região Norte
(GEHLEN, 1983). Desse modo, o Estado, pressionado pelo grande capital
fundiário e pelas colonizadoras, não impediu a entrada massiva de colo-
nos. Ao contrário, em alguns momentos a incentivou e/ou a amparou, assim
como extinguiu reservas (Serrinha e Ventarra), retalhou outras (para con-
templar colonos, sem serem extintas, como foi o caso de Nonoai, Inhacorá
e Votouro) (CARINI, 2005).
Essas ações passaram a ser a tônica por quase toda a primeira e até a
segunda metade do século XX. Houve uma significativa redução de terras
indígenas já previamente demarcadas, bem como a criação de reservas
florestais no interior das mesmas, legitimadas pelas políticas de Estado. A
reserva indígena de Nonoai, por exemplo, quando demarcada, possuía uma
extensão de 34.908 ha; no final da década de 40, o Estado destina quase 20
mil ha (mais de 50% da área) como reserva florestal (CARINI, 2005).
Em 1940, o SPI (Serviço de Proteção ao Índio – órgão criado pelo go-
verno federal) imprimiu uma intensa política de limitações de áreas para
cada família indígena nas reservas, destinando o restante para cons-
tituir parque florestal, sob o controle do Estado. Essa ação tornou-se
decisiva para as intensas investidas nas terras indígenas nas duas décadas
subsequentes e para a oficialização da saída de índios das reservas de
Serrinha (11.950 ha) e Ventarra (753 ha), objetivando sua distribuição a
famílias de pequenos agricultores de todo o estado e, em particular, da
região Norte (CARINI, 2005; SIMONIAN, 1981). Com isso o poder pú-
blico estatal legitimava o avanço sobre os territórios indígenas e o SPI
encarregava-se de facilitar o acesso de madeireiros e granjeiros capitalis-
tas e arrendatários:
Instaurada por determinação da Presidência da República, através do
seu Gabinete Militar, a Comissão de Sindicância de 1961 tinha por tarefa
apurar irregularidades nos Postos Indígenas Cacique Doble, Paulino
de Almeida (Ex-Ligeiro), Nonoai e Guarita, no Rio Grande do Sul, do
Serviço de Proteção aos Índios, do Ministério da Agricultura.
No tocante à Nonoai, a comissão levantou os dados comprobatórios da
exploração indiscriminada das madeiras da área indígena, de 1944 a 1961
– especialmente cedro e pinheiros –, toda ela por acordos e contratos do
SPI com a firma Hermínio Tissiani & Cia Ltda. A Comissão investigou
também as atividades de exploração agropastoril e, por ser muito signi-
ficativo, vale notar outra referência da mesma à firma Tissiani: “Mereceu
também destaque a declaração do sr. Oriculo Bandeira quanto a área de
3
Relatório da Comissão de Sindicância – Presidência da República, Gabinete Militar,
Subgabinete Militar no RS. Porto Alegre, 16/09/1961. In: CIMI-SUL. Luta Indígena:
Informativo dos Índios e Missionários do Sul do Brasil, nº 6. Xanxerê-SC: Publicação da
Equipe Pastoral, ago. 1978, p. 7-8.
36 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
que decidiu desapropriar em torno de 20 mil ha da Fazenda Sarandi e
assentar algumas centenas de famílias (TEDESCO; CARINI, 2007). Porém,
nem todas as famílias de pequenos agricultores foram contempladas;
esse processo fez intensificar ainda mais a intrusão (entrada, fixação de
morada e trabalho na terra) nas reservas indígenas da região Norte do
estado, em particular a de Nonoai.
38 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
Não podemos esquecer que os anos entre as décadas de 1950 e de
1960 foram expressivos no esgotamento da reprodução econômico-social
dos pequenos agricultores no Norte do estado. Processos migratórios
para outros estados, como é o caso de Santa Catarina e Paraná, tornam-
-se a sua salvaguarda, assim como o foram os que empurraram, quase
meio século antes, os descendentes de imigrantes europeus das ditas
terras velhas na direção dos matos do Norte do Rio Grande do Sul. Novos
modelos de produção agrícola, novos cultivos e relações de produção, em
adequação com os novos formatos de uma estrutura capitalista (produ-
ção de excedentes, dimensão do lucro e produtividade, culturas de intensa
dinâmica comercial e de características extensivas) que foi sendo imple-
mentada pelo viés da modernização produtiva, exigiram espaços amplia-
dos de terra (RÜCKERT, 1997). Essa nova realidade modelar da atividade
agrícola alterou, de uma forma abrupta, a relação do pequeno agricultor
com a terra, deixando-o cada vez mais dependente de outros capitais
(financeiro, comercial e industrial) e de um conjunto de fatores produtivos
cada vez mais complexos (tecnologias, mecanização e uso de insumos
químicos), os quais aos poucos vão desencadear o que se convencionou
denominar de “a crise da terra aos camponeses” (BRUM, 1987).
Colonizadores e colonizadoras, agentes públicos de colonização, pe-
cuaristas, comerciantes, madeireiros, granjeiros, grandes arrendatários,
latifundiários, agroindustriais, banqueiros, grandes cooperativas, pas-
saram a ser os agentes centrais da agricultura que se desenhava a partir
de meados do século XX em várias regiões do Sul do Brasil, em especial
no Norte do Rio Grande do Sul (GEHLEN, 1983). Nesse sentido, por
volta dos anos 60, começou a se constituir uma maior proliferação de
unidades médias e grandes no âmbito produtivo; grandes arrendatários
acabaram absorvendo estâncias pastoris para a produção de trigo e milho
de uma forma mais modernizada em termos mecânicos e de racionalidade
econômica em adequação com o que se incentivava no país (RÜCKERT,
1997; GEHLEN, 1983; ZARTH, 1997), dentro da lógica da chamada “revo-
lução verde”, da produção em escala visando atender a indústria (à mon-
tante e à jusante) e a demanda por alimentos dos centros urbanos em
expansão.
A agricultura familiar se desenhava a partir do paradigma dos colo-
nos, produtores de excedentes, com suas unidades familiares policultoras,
proprietária e produtora com tendência seletiva e modernizante. Essa,
em meio ao latifúndio e à estância pastoril, tenta se desenvolver, porém
passa pelos mesmos processos de exclusão e/ou inclusão marginal
que já há mais tempo havia sido sentida e efetivada em relação aos
caboclos e pobres do campo, em razão dos pressupostos modernizantes
do modelo produtivo em particular. Em outras palavras, em razão de
políticas públicas de incentivo a uma racionalidade produtiva moderna/
40 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
adotada e cristalizada desde então há duas décadas; viu-se que nem
tudo era modernização, o que havia mais eram sim contradições. Movi-
mentos sociais iam se gestando ao redor de associações sindicais rurais,
de quadros do interior da Igreja Católica, de alguns partidos na clandes-
tinidade, a reforma agrária reaparece como bandeira política por grupos
sociais do meio rural no final dos anos 70. A região Norte será palco
desses conflitos por toda a década de 80.
2 A origem do conflito
42 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
a defesa dos índios. O Estatuto do Índio é promulgado em 1973 com a
intenção de assegurar áreas e reservas indígenas e suas demarcações
(ainda feitas pelo estado positivista, sob a orientação e gerenciamento de
Torres Gonçalves, nas primeiras décadas do século XX) que, na prática,
em anos posteriores, vai se mostrar muito ineficaz.
Um grande encontro em nível nacional das comunidades indígenas
aconteceu em maio de 1978 em Barra do Garças-MT. Os processos de
intrusão nas terras indígenas, a violência de fazendeiros e madeireiros,
a inoperância da Funai, dentre outros, foram os temas que tomaram o
tempo das discussões desse encontro (CARINI, 2005). Esse processo forta-
leceu a decisão dos índios de expulsar os colonos da reserva de Nonoai.
Um jornal local assim o descreve:
A luta entre posseiros e índios na reserva indígena de Nonoai se agra-
vou nas últimas horas [...], existem dezenas de feridos, muitos dos quais
deverão ser transportados para os hospitais de Passo Fundo. No telefo-
nema, o prefeito de Nonoai diz que a situação se agravou na semana
passada, quando foram incendiadas sete escolas municipais, localizadas
na área da reserva indígena (O Nacional. Passo Fundo, 10 maio 1978, p. 1).
A situação das reservas de Serrinha, Ventarra, Inhacorá, Votouro
e Nonoai, todas muito próximas e no Norte do estado, expressa essa
tendência e diretriz em relação às intrusões e perdas de territórios por
parte dos índios. Uma apuração do governo do estado e do Incra, em
1974, indicou a existência de 974 famílias de intrusos no interior das
reservas (indígena e florestal) de Nonoai e Planalto (CARINI, 2005).
A violência física acabou sendo um expediente utilizado pelas partes,
uns insistindo na retomada da terra – os índios – e outros resistindo à
perda da terra – os colonos posseiros. Esse confronto entre índios e peque-
nos agricultores intrusados aconteceu não só em Nonoai, mas em várias
regiões do Sul do Brasil (Cacique Doble, Guarita, Chapecó, Rio das
Cobras, Tenente Portela, dentre outras), induzindo a Funai, entidades
de igrejas, em particular o CIMI e o COMIN (esse da Igreja Luterana),
as pastorais sociais da CNBB, entidades do campo jurídico e da socie-
dade civil, ao engajamento pela causa indígena, ao mesmo tempo que
também tornavam-se sensíveis à causa camponesa. Em nível de país,
aos poucos, os militares mostraram sua face, suas práticas e para quem
estavam governando. Seus acordos com os grandes capitais (nacionais e
internacionais), seu endurecimento político, sua centralidade política, a
repressão contra os direitos humanos fundamentais dos cidadãos, produ-
ziam certo descontentamento na oficialidade da Igreja Católica. Um
documento da CNBB de 1969, após o AI-5, passa a revelar as novas
diretrizes da referida instituição que serão colocadas em prática em anos
posteriores. Diz um fragmento do mesmo que,
44 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
Funai, os desvios de dinheiro, o não pagamento de arrendamento aos
índios, o uso irracional do solo, dos rios e da vegetação em geral, além do
total descontrole da esfera pública em torno das intrusões, principalmente
no ano de 1974, davam o tom do conflito que se avizinhava (GEHLEN,
1983; SIMONIAN, 1981).
3 O desencadeamento do conflito
46 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
um caminhão que transportava um pequeno carregamento de madeira,
que era retirado pelo agricultor conhecido como Chico Mascate. Também
mantiveram sob o domínio o motorista que dirigia o caminhão, enquanto
davam liberdade ao ajudante Luiz Capelari (Idem, p. 1).
A violência física acabou sendo um expediente utilizado pelas partes,
uns insistindo na retomada da terra, os índios, e outros resistindo à perda
da terra, os posseiros. As agressões no confronto direto entre índios e pos-
seiros resultaram em feridos e pelo menos uma morte.
À reportagem de O Nacional, o índio Avelino falou com alguma difi-
culdade e contou que “dez índios e oito brancos” se desentenderam com
um saldo de três índios feridos e um branco. “Nós fomo avisar os ho-
mem pra ele sair da terra. Um tava com uma faca e eu fui tirá. Daí ele
me cortou”. Os outros dois índios foram atendidos, segundo Avelino, em
Nonoai mesmo e não soube contar nada a respeito do posseiro ferido.
Disse, entretanto, que “quase mataram o homem branco”. Referindo-se à
situação que reina na área indígena, a partir dos incidentes com agricul-
tores que estão se apossando das terras dos índios, Avelino Pedroso afir-
mou: “a coisa está muito feia, tem muita gente invadindo” (Id., Ibid., p. 1).
O conflito desencadeou polêmicas em vários setores da sociedade,
induziu a Funai a se engajar efetivamente ao movimento indígena,
tornando-se aliada à causa dos índios e ao tratando de buscar alternativas
para a evacuação dos colonos intrusados nas reservas. Segundo a Funai,
“Todos os invasores das áreas indígenas localizadas em Nonoai e Planalto
serão tirados a partir dos próximos dias por determinação da Fundação
Nacional do Índio” (O Nacional. Passo Fundo, 11 maio, p. 1). A mesma
tentou, através da mídia local e estadual, minimizar o conflito e acalmar a
opinião pública, dizendo que o clima entre posseiros e índios não era tão
violento como vinha sendo propalado. Também negou que os incêndios
às escolas tivessem sido praticados pelos índios, pois, segundo ele, estes
incêndios teriam resultado de ações planejadas, com ataques todos pela
madrugada, sendo que “o índio não planeja, ele ataca a qualquer hora”. E
conclui: “Os incêndios não teriam sido praticados, nem por índios e nem
por posseiros, mas, por ‘aproveitadores’”.
Simonian (1981), ao contrário do delegado regional da Funai, sugere
que o incêndio às escolas era parte de uma decisão planejada pelos índios
nos mínimos detalhes quando afirma: “Em três de maio (1978), os líderes
indígenas se decidiram: o trabalho teria início naquela noite. Na aldeia de
Pinhalzinho obteriam junto ao chefe do posto o combustível necessário
para o incêndio das escolas sem que este soubesse sobre o destino da
gasolina cedida”. Para a autora, a escola representava “um mecanismo
retentor dos posseiros” na reserva (SIMONIAN, 1981, p. 177). Desse
modo, percebe-se que havia uma preparação, um amadurecimento dos
4
O levante dos índios guaranis e caingangues de Rio das Cobras acabou se constituindo
num caso emblemático no contexto da história de resistência e luta dos índios contra os
invasores, tomado como referência para outras ações de despejo, como a que ocorreu
em Nonoai-RS e outras áreas do Brasil. Ainda em 1975, a Funai, o Incra e o Governo do
Paraná concluíram que 18.024 ha da reserva de Rio das Cobras, isto é, 94,33% da sua
área total, estava ocupada por intrusos (fazendeiros, grileiros, madeireiros e colonos
sem terra). Durante muito tempo os índios e padres do CIMI-SUL denunciaram à
Funai e à opinião pública as invasões, o roubo de madeira, a ação predatória feita nas
matas e as ameaças de jagunços contratados pelos empresários capitalistas. Na falta de
resultados práticos, os índios decidiram iniciar uma luta pela retomada de suas terras,
expulsando delas todos os invasores. Ver CIMI-SUL, Luta Indígena..., n. 6.
48 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
Em Nonoai, o conflito ficou mais limitado ao confronto entre índios
e colonos, ainda que estivessem os índios dispostos a evacuar também
os madeireiros e arrendatários. Estima-se que mais de mil famílias de
camponeses foram expulsas do interior da reserva, sendo que a maioria
permaneceu errante pelas estradas da região.
A luta social que devolveu boa parte das terras aos índios produziu
outra realidade de difícil resolução. As mais de mil famílias de pequenos
agricultores expulsos da reserva de Nonoai não tinham para onde ir,
milhares de sem terra ficaram a vagar pelas estradas na região de Nonoai,
Ronda Alta e Sarandi:
De maio de 1978 em diante isto aqui se tornou um corredor de pere-
grinação; colonos que iam, que vinham; gente que tinha necessidade,
que passava fome; pessoas que precisavam de ajuda e eu lembro que no
primeiro momento, a minha atitude como padre era socorrer as vítimas
(FRITZEN, Arnildo. Entrevistado por Joel João Carini).5
Grande parte das famílias de colonos desalojados da reserva (em
torno de 750) foi acampar provisoriamente no Parque de Exposições de
Esteio, até encontrar uma solução. Outro grupo permaneceu acampado
próximo à reserva; outros ainda se espalharam pela região, sendo apoia-
dos e acolhidos por parentes e/ou em propriedades de conhecidos na
circunvizinhança. Os veículos de comunicação, como porta-vozes da esfe-
ra política e de grupos temerosos do que poderia acontecer, desde logo
buscaram desqualificar o movimento, apontando soluções, como a migra-
ção para projetos de colonização no Centro-Oeste, no assalariamento
urbano (que, no período, apresentava-se como eficaz) ou nas empresas
rurais na região (que eram abundantes, principalmente em Passo Fundo
e Carazinho), as quais demonstravam necessitar de mão de obra; reivin-
dicavam também a necessária repressão policial para manter a ordem e
defender o direito de propriedade, desestabilizar os movimentos em prol
da reforma agrária. Porém, desde logo (ainda no ano de 1978), surgem
lideranças forjadas no campo popular, preocupadas na articulação de
um movimento de abrangência mais ampla, capaz de fazer convergir
5
FRITZEN, Arnildo. Entrevistado por Joel João Carini, Ronda Alta, 9 de junho de 2006.
Padre Arnildo, 63 anos, foi um dos mais destacados intelectuais dos movimentos
sociais agrários da antiga Fazenda Sarandi que culminaram com a criação do MST.
Participou da organização dos movimentos populares, sobretudo do Movimento
dos Sem Terra nos eventos da Macali e Brilhante em 1979 e da Encruzilhada Natalino
1981/83. Como integrante da CPT da Igreja Católica, teve uma grande atuação nos
movimentos sociais agrários e sindicais das décadas de 1980 e 1990.
50 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
Após muitas negociações, repercussões, mediações, solidariedades,
pressões, etc., três meses depois, em torno de 550 famílias que estavam
no Parque de Exposições foram transferidas para projetos de colonização
no Mato Grosso, numa região denominada de Terra Nova, em projetos
de agrovilas, orientados por Igrejas (Zero Hora. Porto Alegre, 8 jun. 1978,
p. 43); outras 130 famílias foram para assentamentos em Bagé, sob orien-
tação da Cooperativa Aceguá; outro grupo que permaneceu acampado
próximo da reserva e os que se espalharam pela região bateram pé na pro-
messa do governador Guazelli de conseguir terras no estado (MARCON,
1979). Desse modo, parte, pelo menos, da realidade conflituosa e proble-
mática dos colonos expulsos havia sido resolvida (GEHLEN, 1983).
Porém, havia o problema dos que ficaram. Sem nenhuma proposta efe-
tiva de reassentamento, na metade de 1978, um grupo de 37 famílias
invadiu a reserva florestal da Fazenda Sarandi. Em 5 de julho de 1978,
dois dias após a primeira invasão, já se encontravam mais de 100 famílias
no interior da referida área, segundo anunciado na imprensa regional (O
Nacional. Passo Fundo, 4 jul. 1978, p. 1.; também em 5 jul. 1978, p. 8).
Chega-se então ao ano de 1979 e, desde os primeiros meses, o grupo
dos expulsos de Nonoai já tem certa organização e mediação da Igreja e
de outras lideranças sindicais, políticas e do meio universitário, que lhes
confere certa coesão e poder de organização.
No começo de 1979 a gente resolveu fazer nucleação das famílias para
se discutir com elas o que fazer. Foi muito interessante, pois surgiu um
núcleo em Planalto, um em Nonoai e um em Três Palmeiras. Eu naquela
época já estava na CPT e aí nós tomamos a iniciativa como pastoral. Assim
se estruturaram três núcleos, com coordenações (uma coordenação de
cada núcleo) (FRITZEN, Arnildo. Entrevista direta já citada).
Esse processo de organização acabou fortalecendo a união dos desalo-
jados, agregou os que haviam se dispersado na região e abandonado a
esperança da conquista da terra. Em julho de 1979, os colonos iniciaram
processos de ocupação de fazendas, intensificaram-se as viagens à capital
do estado, objetivando obter do governo a liberação das áreas Macali e
Brilhante, na antiga Fazenda Sarandi, para o assentamento dos expulsos
de Nonoai. Diante de promessas que, posteriormente, revelaram-se inó-
cuas, os colonos decidiram ocupar a gleba Macali em 06 de setembro de
1979. Ações do governo do estado amedrontaram o grupo com a força
policial, porém, diante das pressões e da organização dos colonos, o
mesmo recua e tenta resolver o impasse pela via da negociação. Essa ação
permitiu a visibilidade da possibilidade da conquista da Macali. Essa
realidade abriu um precedente e os sem-terra se animaram e prepararam
a ocupação da Brilhante, o que se efetivou ainda no mês de setembro de
1979: “Como isso estava deslanchando, dando certo, aqueles que não
vieram junto na primeira leva, vieram pra Brilhante. Então nos dias 25,
6
É interessante enfatizar essa questão dos retornados, pois se tornaram fundamentais
como contrapropaganda e manifestação da falência das promessas feitas para as
adesões aos projetos de colonização do período e dos posteriores. O depoimento dos
mesmos servia de contrapropaganda e alimentava a luta pela conquista da terra nos
espaços regionais e/ou, no limite, no interior no estado gaúcho.
7
Jornais locais e da capital do estado intensificavam sua visibilidade na questão produ-
zindo muitas matérias sobre o mesmo. Ver O Nacional e o Diário da Manhã, ambos de
Passo Fundo, bem como o Zero Hora e o Correio do Povo de Porto Alegre.
52 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
A primeira vitória, ainda que parcial, dos grupos que pressionavam,
aconteceu entre maio e julho de 1980, através da seleção de famílias para
o assentamento na Fazenda Brilhante. Em outubro de 80, outro grupo
não contemplado tentou invadir a Fazenda Annoni (latifúndio localizado
nas proximidades), porém, sem obter resultados positivos, pois foram
imediatamente desalojados pela polícia, a qual sempre esteve alerta nesse
período, marcando presença na região e forçando os invasores a retornar
para o acampamento na Brilhante (GEHLEN, 1983).
A partir do conflito de Nonoai várias frentes se deslocaram em torno
da questão da terra na região. Além de sua tentativa de assentamentos,
discutiu-se a legitimidade das negociações fundiárias, reabriram-se as
discussões em torno das políticas de colonização que, no fundo, foram
marca registrada de governos militares de até então, assim como de
governos do estado. A questão agrária regional e estadual passou a ser
politizada por setores da sociedade civil organizada (MARCON, 1979), as
contradições da questão agrária no Brasil, e em especial na região, foram
evidenciadas e os equívocos de políticas públicas e de modernização
produtiva foram enfatizados. Porém, todos os acampados sabiam que
não haveria como contemplar todos nas glebas em questão; essa realidade
provocava tensões internas, desistências, dispersões, interesses múltiplos,
aceitação para projetos de colonização, ocupações de outras fazendas,
porém, com resultados negativos, fragmentações e, ao mesmo tempo,
consciência do enfrentamento (MARCON, 1979).
Ainda que tenha havido muitos problemas internos e externos, a
organização dos sem-terra expressou, para a conquista das fazendas refe-
ridas, um despertar para um novo momento histórico. Para cada ação ou
ameaça de invasão, crescia a adesão. Assim, após um processo de lutas
de dois anos, gestava um grande movimento social de luta pela terra,
o qual seria organizado alguns anos depois, o MST, deflagrado a partir
do acampamento de Encruzilhada Natalino. A partir dessa realidade de
desapropriação das duas fazendas referidas, novas estratégias começaram
a se evidenciar na região. O acampamento Natalino, em janeiro de 1981,
na denominada Encruzilhada Natalino, ao sul da Fazenda Sarandi, na
entrada da gleba Macali, passou a ser a grande estratégia para os grupos
não contemplados nas desapropriações anteriores e para outros que se
somariam. No início, sua adesão foi paulatina e a visibilidade pública e
midiática também muito aquém do que se transformaria pouco tempo
depois. Em julho já eram 600 famílias acampadas reivindicando terra no
estado (MARCON, 1979).
Nesse período, a sociedade brasileira já se preparava para a redemo-
cratização política. Havia uma intensa ojeriza social em torno da estrutura
militarizada da sociedade, bem como uma pequena experiência de luta
regional pela reforma agrária promovida em grande parte pelos expulsos
54 História do Campesinato na Fronteira Sul • Joel João Carini, João Carlos Tedesco
-federal, assentamento provisório em 82 até o assentamento definitivo em
outubro de 83 (MARCON, 1979). O mesmo não encerrou um processo
de luta; ao contrário, deu sequência ao conflito gerado pela expulsão de
colonos de Nonoai, alimentou e abriu possibilidades para novas ações de
grande repercussão nos anos subsequentes na região, realidade essa que,
em períodos com mais intensidade, outros menos, perdura até então.
Enfim...
Referências
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Tau Golin
Os missioneiros 59
descarta o modelo antropológico indígena, e se ancora na territorialidade
e no patrimônio cultural.
Ainda hoje, o corolário do nacionalismo, de imanência colonial, insiste
em não dar lugar às Missões na formação do Rio Grande do Sul. Segui-
damente aparecem manifestações e ações contra os missioneiros do
período colonial como não dignos de brasilidade. Essa pieguice de conce-
ber um povo exclusivamente pela organização do sistema político é o
método vesgo da distorção que, além de justificar genocídios, dilui a par-
ticipação indígena na formação social e cultural do povo rio-grandense.
José Hemetério Velloso da Silveira talvez tenha sido o primeiro autor
a sofrer mais violentamente o revés do nacionalismo oficial, em conse-
quência dos artigos que foi escrevendo durante a segunda metade do
século XIX e que culminou no indispensável As Missões Orientaes e seus
antigos domínios, publicado em 1909, considerando os jesuítas e os índios
como “os fundadores das Missões”. Destoou “da maior parte dos escrito-
res, que, em 144 anos decorridos”, tinham “preconizado todas as medidas
empregadas para sua supressão e banimento” (SILVEIRA, 1909, p. VIII).
A dificuldade em definir o rio-grandense pelos padrões raciais ou
pela centralidade predominante do “portuguesismo”, agregado, mais
tarde, por etnias que conformariam um estado europeizante, teve o seu
momento mais candente desencadeado por uma obra literária. Erico
Verissimo entrou no debate em favor da parte missioneira do Rio Grande
através do personagem Pedro Missioneiro, na trilogia O tempo e o vento,
cuja matéria “é a formação histórica do Rio Grande do Sul, dos começos,
no século XVIII, quando as Missões são destruídas...” (FISCHER, 2004, p.
89). Da ciência, o autor penetrava na subjetividade da memória afetiva.
Na conjuntura do debate, Erico, em miúdos, estampava no espelho do
Sul o indígena na formação das famílias. Pedro, que havia aparecido
misteriosamente numa fazenda da fronteira do Rio Pardo, em torno
de 1777, engravidou Ana Terra, de origem portuguesa, originando um
dos troncos familiares rio-grandenses, revolvendo as manipulações
da genealogia tradicional. De certa forma, a relação da família Terra
com Pedro, na genialidade de Erico Verissimo, assemelha-se a dos
conquistadores com os indígenas.
A família Terra observa que ele “não é índio puro”. Pedro apresenta-
-se pelo denominativo que lhe atribuem: “Me jamam Missioneiro”, falan-
do em “portunhol”. Ao lhe perguntarem se é espanhol, responde que não;
Continentino? (luso-brasileiro residente no Continente de São Pedro);
também “no”. “Donde é, então?”. Pedro responde: “De parte ninguna”.
Pedro havia nascido em São Miguel, mas era mestiço, talvez de Guarani
com descendente da Espanha. Não existia mais as Missões jesuíticas.
Ele, como representação dos demais, era algo involucrado, no entre-
-lugar do passado guarani, da redução e do colonialismo ibérico. Ele era
Os missioneiros 61
Aos poucos, a aceitação da remanescência se deve aos historiadores e
arqueólogos que deflagraram a educação patrimonial, associados a outros
profissionais, provocando a grande virada na memória das Missões. A
música contribuiu imensamente, em especial quando artistas populares
como Jayme Caetano Braun, Noel Guarany, Cenair Maicá, Pedro Ortaça
e o Grupo de Arte Nativa Os Angueras, entre outros, começaram a se
autodenominar publicamente como “missioneiros”. A ilação dessa identi-
dade assumida também se expandiu pela rede de reconhecimento dos
barranqueiros, a confraria dos participantes do Festival da Barranca,
restrito predominantemente para homens relacionados com as artes,
em especial a música, e com influência nos meios de comunicação de
massa, em todas as regiões do estado. Em muitos casos, no presente, o
missioneirismo se constituiu em marca eleita por indivíduos de fora após
passarem a viver em seu espaço geográfico e histórico.
Esse processo de alteridade afetiva e incorporada contribuiu também
para impulsionar os grupos locais intermissioneiros para integrarem-se
à elaboração, mesmo que às vezes não muito clara, da identidade mis-
sioneira, como exercício intelectual e artístico. No conjunto, faz parte do
processo moderno de formação da marca identitária como escolha, ao
cabo, dos indivíduos, dentro do universo fragmentário das múltiplas
referências assumidas. A “consistência” do pertencimento, invariavel-
mente, encontra conforto na aparência pós-moderna das celebrações,
na escolha de indumentárias típicas, em estilos musicais e vocabulários
regionalistas, em teatralizações de hábitos e costumes, retirando-os de
suas normalidades. Após as celebrações do parecer-ser, a vida retoma seu
cotidiano contemporâneo, imantada pelo capitalismo.
Mesmo com o relativo sucesso na construção da identidade missio-
neira, os discursos nacionalistas ainda estão enraizados no senso comum
e, inclusive, em educandários e universidades, que não incluem as
Missões na História do Brasil, ou particularmente na sua História da Arte.
Após a expulsão dos jesuítas, os remanescentes das reduções estimu-
laram os olhares dos viajantes. Isso se deve, em especial, ao fenômeno de
que o jesuitismo da Província do Paraguai se constituiu em tema universal.
A crise da Guerra Guaranítica o mundializou. Constituiu-se em assunto
recorrente das esferas do poder em todos os continentes, especialmente
europeu, e fez parte dos embates políticos, sociológicos e dos programas
utópicos. Após a expulsão dos jesuítas das Missões, em especial no
século XIX, os viajantes sempre tentaram identificar os remanescentes
missioneiros no antigo território dos Sete Povos.
Em 1821, Saint-Hilaire formulou uma espécie de linha do tempo
da decadência. No início, “os espanhóis seguiram exatamente o plano
traçado pelos padres”. Entretanto, “como só se enviassem, para governar
as Missões, protegidos dos vice-reis de Buenos Aires” interessados em
Os missioneiros 63
origem a diversas povoações. Baseando-se na documentação portuguesa,
o visconde de São Leopoldo estimou a população no menor índice: “o
seguro porém é que não passava de quatorze mil” (SÃO LEOPOLDO,
1982, p. 157). Isso não significa que nas Missões não existissem mais indí-
genas vinculados ao modo de vida tradicional e espalhados pelas proprie-
dades que vinham se instalando desde a Guerra Guaranítica e, em
especial, do Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, quando a primeira apro-
ximação intrusa se deu pelos campos neutrais, com a transformação em
propriedades privadas das terras indígenas da fronteira neutra e suas
adjacências, notadamente da região de Santa Maria e Toropi para Santa
Tecla (Bagé).
São Leopoldo atribuiu a destruição missioneira pelos luso-brasileiros à
falta de suporte do direito internacional, a exemplo do que aconteceu nas
conquistas da Guerra das Laranjas (ver CAMARGO, 2001), causa da guerra
na América, cuja invasão espanhola em Portugal resultou na devolução
de territórios conquistados. Conforme o visconde, a “destruição” se
deu, “quiçá pela incerteza de conservá-la, à vista das vivas instâncias,
com que o gabinete de Madri reclamava a restituição”. Por óbvio, o
espectro destrutivo das Missões sob a perspectiva indígena, como ter-
ritório especial dos povos, se deve ao longo processo iniciado pela invasão
de tropas milicianas agauchadas em 1801, por tropas regulares e, nota-
damente, por chefes de bandos, por maltas de bandos gaúchos, com
interesse nos gados, ervais, relíquias religiosas, produtos dos armazéns
missioneiros e mulheres e crianças.
Este ciclo de barbárie luso-brasileira e gaudéria se estendeu, sem freio,
até aproximadamente 1809, quando se alinhavou um primeiro pacto
fronteiriço, mas ainda com provisoriedade sobre o domínio brasileiro
sobre as Missões (ver Golin, 2002). Somente com o abrandamento da
tensão espanhola na diplomacia e no território conflagrado com a Revo-
lução de Maio, com seu início em 1810, que resultou na independência
argentina, a corte de D. João começou a estabelecer um regimento de
comarca às Missões como região incorporada ao Rio Grande (SÃO
LEOPOLDO, 1982, p. 157). Testemunha do resultado da conquista luso-
-brasileira, Saint-Hilaire afirmou que os Sete Povos empobreceu “mais
a cada ano, e sua população diminui de maneira espantosa” (SAINT-
HILAIRE, 2002, p. 331-332).
A subtração dos meios foi o corolário do saque. Com o pacto de
fronteira no Ibicuí, deflagrou-se impressionante processo de expropriação
indígena. Em torno de 1808, em São Borja, as “terras em torno da cidade
foram distribuídas a ‘soldados’”, velha estratégia portuguesa que transfor-
mava a conquista em propriedade privada e assegurava a posse com
proprietários-militares-milicianos, constituindo uma população que, rapi-
damente, poderia constituir um exército. Segundo Hemetério Velloso da
Os missioneiros 65
gaúchos eram os agentes da barbárie. Com o fim das milícias missioneiras
que os combatiam sem trégua, eles passaram a ter campo livre e coni-
vência das autoridades. Durante a invasão paraguaia de São Borja, em
junho de 1865, os gaúchos rivalizaram com as tropas de cinco mil homens
do coronel Estigarribia e do padre Duarte. Espalharam o pânico até Itaqui,
percorreram o território e transformaram em realidade o desespero
emulado pela guerra. “Desertores” e “malfeitores conhecidos por tais
corriam não somente pelas estâncias e casas saqueadas pelos paraguaios”,
“como também percorriam a campanha, fazendo a mesma coisa em toda
a parte”. Segundo testemunha do cônego João Pedro Gay, vigário de São
Borja, registraram-se “assassinatos perpetrados por desertores [do exército
rio-grandense] e malfeitores”, além de “alguns roubos de moças” e estupros.
E quanto a roubos de bens móveis, e sobretudo de cavalos e gado, são
tão numerosos que não tem conta. Pode-se dizer, sem medo de errar,
que os habitantes de Missões entre os rios Uruguai, Ibicuí, Itu e Ijuí
Grande perderam em geral a maior parte de seus bens móveis e ficaram
arruinados (GAY, 1980, p. 98, 99, 102).
A tragédia missioneira teve em Saint-Hilárie um de seus melhores
cronistas. Ele chegou ao povo de São Borja em 19 de fevereiro de 1821 e
partiu no dia 1º de março. Entretanto, no transcurso da viagem sempre
introduziu em seu diário enxertos sobre São Borja dependendo das ques-
tões que iam surgindo. Dessa forma, o naturalista francês expressou
um método narrativo que misturou crônica e memória. Enquanto fazia
registros retomava assuntos temáticos para reflexão tanto do percurso
recentemente percorrido como das interpretações históricas, socioló-
gicas, políticas, de história natural e de hábitos e costumes. Sua narrativa
é só aparentemente cronológica, pois os temas são transversais e constan-
temente revisitados.
O método de Saint-Hilaire pareceu contaminar a historiografia futura.
A prerrogativa da remanescência conduz o seu olhar. Imagina um tempo
jesuítico em comparação com suas observações. Assim ocorreu com as
reflexões de Antônio José Gonçalves Chaves, publicadas em 1822 e 1823;
com visconde de São Leopoldo, nos trâmites de governo entre 1823 e
1826; com Arsène Isabelle, em 1834; Carl Seidler, em 1833 e 1834; Nicolau
Dreis, em 1839; A. Baguet, 1845; cônego João Pedro Gay, entre 1850 a 1865;
Aimé Bonpland, na década 1850; Hemetério José Velloso da Silveira, nas
últimas décadas do século XIX; Robert Avé-Lallemant, em 1858; conde
d’Deu (Gastão de Orléans), em 1865; Maximiliano Beschoren, em 1877; e
com Wolfgang Hoffmann Harnisch, na década de 1940; além de muitos
outros.
Entretanto, ao mesmo tempo que o olhar de Saint-Hilaire procurou
remanescentes, ele registrou o fenômeno da guaranização, o processo
Os missioneiros 67
Todos os cultivadores da província têm nas suas casas índios que lhe
servem de peões. Suas esposas e filhas têm continuamente sob os olhos
os exemplos de libertinagem das índias e, familiarizando-se com o vício,
tornam-se tão pouco castas quanto as próprias índias. Assim, nesta
província, os lares oferecem o exemplo da desunião e de toda espécie de
desordens. Entregando-se às índias, os homens brancos se embrutecem,
tornam-se insuportáveis e estúpidos; disso tive muitos exemplos entre
São Borja e São João (SAINT-HILAIRE, 2002, p. 391, 392).
Ao sair das Missões pelo Toropi-Chico, Saint-Hilaire discutiu o as-
sunto com um estancieiro curitibano. Muitos homens que se estabeleciam
com a “esperança de fazer fortuna”, sem “a intenção de ficar aqui”,
“se apaixonam pelas índias e não querem mais separar-se delas”. Ao
tratarem “sobre o amor que as índias inspiram aos brancos”, seu hospe-
deiro considerou “como uma espécie de encantamento”. Esse era o
motivo da “desunião que elas fomentam nas famílias e sobre os maus
costumes reinantes nesta província entre homens e mulheres” (SAINT-
-HILAIRE, 2002, p. 391, 393). Ficara famoso o caso do batalhão de Santa
Catarina transferido para as Missões, em que mais de cem homens não
conseguiram se separar de suas “mulheres índias”, quando tiveram que
retornar para a sua província de origem, e constituíram famílias com elas.
A cifra das que ficaram grávidas ou tiveram filhos é incalculável.
Em todos os lugares existiu o processo de povoamento miscigenador.
Seu corolário progressivo se alterava quando os hábitos indígenas de
alguma autoridade escandalizava a corte, ou feria a moral da igreja.
João de Deus Menna Barreto descendia de uma plêiade de militares e
deixou descendência reconhecida no Império e na República. Chegou ao
posto de marechal do Exército e recebeu o título de nobreza de visconde
de São Gabriel. No início da conquista portuguesa das Missões e sua
consolidação, era um jovem oficial, filho de um coronel de Rio Pardo,
com adestramento e vivência entre os pioneiros paulistas, açorianos e
a gauchada de campo. No posto de capitão, a partir de sua unidade em
São Gabriel, localizada na divisória fronteiriça do Tratado de Santo
Ildefonso, transformou-se em exímio conhecedor da Campanha. No
início da Campanha já era pai de nove filhos com Rita Bernarda Côrtes
de Figueiredo Mena, com quem casara em 1788, em Rio Pardo. Ainda
tenente, aos 19 anos, ao ingressar em família de portugueses chegados
do Rio de Janeiro, incorporou inclusive o sobrenome Menna da mulher,
dando origem ao tronco dos Menna Barreto.
Seu desempenho geopolítico deu-lhe, por merecimento, o cargo de
comandante geral das Missões, em 18 de abril de 1805.
Nas andanças pela sua jurisdição, logo ficou evidente a preferência
do capitão Barreto pelas índias. Enamorou-se de uma que passou a
figurar como espécie de primeira-dama das Missões. Era comum vê-la
Os missioneiros 69
era Manoela Ribeiro de Almeida, filha do “lendário” Gabriel Ribeiro de
Almeida, estancieiro e líder de um dos grupos paisanos invasor das Mis-
sões em 1801.
A biografia de João de Deus Menna Barreto é emblemática. Pode-se
dizer que é humanamente espetacular, entranhada na história do povoa-
mento sul-rio-grandense. A participação do indígena, de fato, como obser-
varam os viajantes dos séculos XVIII e XIX, acentuou a mestiçagem em
todas as classes. Por óbvio, não equalizou relações de afetividade, com
implicações de destino social. Na elite, os filhos “ilegítimos” ficaram no
entre-lugar quando identificados ou mesmo reconhecidos, ou na periferia
dos amasiamentos; milhões reproduziram-se nas relações sexuais furtivas,
temporárias, integrando-se na flexibilidade e adesão dos grupos huma-
nos, ou pela formação temporária e dissolução periódica dos casais no
meio popular e sua sensitiva elasticidade para integrar aqueles que pos-
suíam alguma conectividade de parentesco ou de relação familiar, mesmo
que passageira. Por certo, Menna Barreto, como milhares de outros, teve
descendência mestiça indígena. Entretanto, seus rebentos não tiveram
história. Passados os escândalos conjunturais, eles se diluíram na massa
que modulou o povo rio-grandense.
Só recentemente a historiografia contemporânea tem conseguido
superar as deturpações da campanha memorialista para incluir o Rio
Grande do Sul em uma “civilização lusitana”. O general Borges Fortes,
nessa perspectiva, apesar de sua considerável contribuição, expressa o
determinismo excludente desse método: “etnicamente, as reduções guara-
níticas não eram o Rio Grande” (FORTES, 1998, p. 15).
Ainda como capitão, o futuro visconde – com a pompa de conselheiro
de Sua Majestade, dignitário da Ordem Imperial do Cruzeiro, comen-
dador da Ordem de São Bento de Avis e condecorado com medalhas
militares (ALMEIDA, 1961, p. 62) – possivelmente tenha sido magneti-
zado pelo mundo percebido por Nicolau Dreis (1990, p. 75), em 1839, ao
se referir às mulheres guaranis:
Beleza que raras vezes se verifica logo à primeira impressão, porém se
reveste, com o tempo, de uma força de sedução; [...] um natural asseio,
não somente nos vestidos, como também nas casas e até ao redor delas,
distingue aliás as famílias guaranis e parece que a moral participa da
nitidez física, pois os crimes são raros entre esses homens ainda pouco
afastados da natureza...
A dispersão dos guaranis, com influência determinante no povoa-
mento, transformou-se em problema de Estado em apenas duas décadas
de ocupação luso-brasileira. O governo estabeleceu guardas no Toropi
Grande e Toropi Chico com funções de controle de fronteira. Somente
deveriam
Os missioneiros 71
é que em determinado momento, depois de viver entre os índios e a
população mestiça, ele também era convertido pelo meio e, de certa
forma, também se indianizava. Ele reproduzia o comportamento que
fora a sua crítica ao índio guarani e a “alteração que nossa raça sofre na
América”, ao reconhecer que, depois de se despedir de seus anfitriões em
Porto Alegre, não ficava mais emocionado.
No começo de minhas viagens, ficava emocionado sempre que me sepa-
rava das pessoas que me haviam recebido com hospitalidade; esta ideia
“até nunca mais!” causava-me profunda impressão. Hoje, já não acontece
o mesmo; minha sensibilidade moral diminuiu como a sensibilidade
física. Sinto menos a privação das coisas necessárias à vida, resigno-me
mais às contrariedades e sou menos tocado pelas despedidas (SAINT-
-HILAIRE, 2002, p. 447).
Metodologicamente é importante perceber que existe uma ilusão dos
censos oficiais incorporados pela historiografia sobre a desguaranização
da Missões e do Rio Grande do Sul. Essa interpretação tem sérias
consequências sobre a formação do missioneiro e, em particular, do rio-
grandense. Por curioso, o “êxodo” guarani não vai para lugar nenhum.
Evapora! Quando se faz a cronologia da decadência missioneira se atribui
a Rivera a suposição de que ocorreu uma espécie de raspagem do que
existia de população guarani nas Missões.
Entretanto, as fontes demonstram que desde a expulsão dos jesuítas
em 1769 e, em especial, após a conquista luso-brasileira de 1801, ocorreu
determinante processo de guaranização de toda área missioneira e do Rio
Grande do Sul, notadamente da Campanha, da jurisdição de Rio Pardo e
do Escudo Rio-Grandense. Tal guaranização se deu não só pela dispersão
de grupos de famílias extensas e nucleares, mas por indivíduos. Afora
isso, ocorreu intenso fenômeno de miscigenação através de casamentos
e amasiamentos com mulheres guaranis, gravidez de índias “solteiras”,
roubo e “adoção” de milhares de crianças, incorporadas às famílias como
serviçais, agregados e, inclusive, filhos adotivos, etc.
Essa guaranização subalterna talvez tenha sido o fenômeno mais
determinante da formação de um ethos rio-grandense, daquilo que pode-
mos chamar genericamente de elementos fundantes de um povo e pelos
seus costumes em comum. Outra via foi a incorporação militar do indí-
gena nas tropas regulares, milicianas ou como contingente étnico.
Somente o Regimente Guarani sediado em São Borja possuía um efetivo
de quinhentos homens, cuja banda de música era a sensação dos eventos.
Esses soldados mantinham suas famílias em um aglomerado de ranchos
isolados. Em 1845, quando Baguet chegou a São Borja, “a guarnição do
posto era composta de soldados índios que só falavam o dialeto guarani”
(BAGUET, 1997, p. 76). Assis Brasil considerou que “as instituições mili-
Os missioneiros 73
Cartografa o território entre os rios Uruguai, Ibicuí e Jacuí, com a toponímia
e a nomeação de diversos lugares. Fragmento do “Mappa que contem o Pais
conhecido da Colonia athe as Missões”, de Miguel Ângelo de Blasco. 1756-1758.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Referências
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ALMEIDA, Gabriel Ribeiro de. Memória sobre a tomada dos Sete Povos de Missões da
América espanhola. In: CESAR, Guilhermino. Primeiros cronistas do Rio Grande do Sul, 1605-
1801. Porto Alegre: Ufrgs, s.d.
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pela província do Rio Grande do Sul (1858). Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Unesp, 1980.
BAGUET. A. [1845]. Viagem ao Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: Editora da Unisc;
Florianópolis: Paraula, 1997.
Os missioneiros 75
4
Colonos na Fronteira Sul
1
Queijo eu não corto; leite até as nádegas (pois apenas carregava o balde); requeijão um
pouquinho e soro até o pescoço.
1 Imigrantes no Sul
Referências
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Blumenau, 1993.
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Vice-Governador, no exercício do cargo de Governador, em 22 de julho de 1920.
______. Mensagem apresentada ao Congresso Representativo, por Hercílio Pedro da Luz,
Vice-Governador, no exercício do cargo de Governador, em 22 de julho de 1921.
______. Mensagem apresentada ao Congresso Representativo, pelo Coronel Antônio
Pereira da Silva e Oliveira Vice-Governador, no exercício do cargo de Governador, em 22
de julho de 1924.
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Jornal Staffetta Riograndense. Caxias do Sul, 25 dez. 1929.
Jornal A Tribuna. Cruzeiro, ano 2, n. 109, 15 mar. 1942.
1
Região do Contestado – é a denominação utilizada na descrição da vasta área de terras
que foi alvo de disputas jurídicas entre Paraná e Santa Catarina na longa e fastidiosa
questão dos limites dos estados sulinos; além das disputas internas, envolveu a contes-
tação da Argentina na Questão de Palmas, arbitrada em favor do Brasil pelo presidente
Grover Cleveland no ano de 1895. No início do século XX, a região foi alvo da Cam-
panha no Contestado desencadeada pelo Exército brasileiro, no conflito que mais tarde
ficou conhecido como Guerra do Contestado.
2
Floresta Ombrófila Mista – é a terminologia proposta pelo IBGE e adequada a um
sistema de classificação da vegetação intertropical que mistura duas florestas distin-
tas: a tropical afro-brasileira e a temperada austro-brasileira (pinhais ou matas de arau-
cárias). As condições peculiares no Planalto Meridional Brasileiro, associadas à latitude
e às altitudes planálticas possibilitam a singular Região Neotropical (GUERRA et al.,
2003).
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 101
sempre que foi citada em documentos oficiais, aparece o nome Southern
Brazil Lumber & Colonization Company ou simplesmente Lumber, como
igualmente passaremos a chamar.
Na mudança do nome da companhia, o acréscimo da palavra coloni-
zação (colonization) ao de madeira (lumber) parece ter acontecido por razões
óbvias, já que grandes áreas de terra foram adquiridas para fins de
exploração madeireira e, consequentemente, poderiam ser revendidas aos
colonos pela mesma empresa sem precisar recorrer à outra subsidiária do
mesmo grupo. Fernando Tokarski descreveu quando ocorreu a autori-
zação de funcionamento (já instalada e atuando) ou a simples mudança
da denominação da Southern Brazil Lumber & Colonization Company:
Em 04 de abril de 1913 uma procuração substabelecida ao advogado
Marcelino José Nogueira Junior, de Curitiba, requeria o legal funciona-
mento da Southern Brazil Lumber & Colonization Company em Três Barras,
SC. A mesma procuração havia sido encaminhada pelo advogado Frank
John Egan, radicado em São Paulo, que recebeu em Paris, a procuração
do vice-presidente da Southern Brazil Lumber & Colonization Company,
para que requeresse ao governo brasileiro o legal funcionamento da em-
presa no Brasil. O documento também determinava que Egan represen-
tasse a empresa em quaisquer outras ações, negócios ou assuntos de
interesse da Lumber (TOKARSKI, 2006).
Instalada no centro de vastíssimo pinheiral, na margem esquerda do
Rio Negro, entre os rios São João e Canoinhas, a Southern Brazil Lumber
& Colonization Company começou a ser construída em 1909 e foi concluída
no final do ano de 1911. Como em todas as demais subsidiárias da Brazil
Railway Company, profissionais experientes foram incumbidos na execução
do projeto.
A montagem dessa grande serraria e a exploração das florestas foi
entregue a Hiram Smith, especialista de reconhecida competência que,
pouco tempo antes, instalara serviços similares por conta da Northwestern
Railroad Company, empresa da qual F. S. Pearson era o presidente. Plane-
jada para ser uma empresa com alto grau de mecanização e de grandes
rendimentos, as máquinas do gigante “colosso mecânico” vieram dos
Estados Unidos, de navio, até o Porto de São Francisco. Deste porto, só
foram trazidas até Três Barras no ano de 1910, quando o ramal ferroviário,
que entroncava com a São Paulo-Rio Grande, em Porto União, alcançou
a localidade de Saltinho do Canivete (P. F. Southern Brazil Lumber &
Colonization Company, p. 10-11).
Além da preocupação com a instalação da madeireira, os serviços do
ramo de colonização, por indicação de William van Horne, foram incum-
bidos a Mr. Cole, profissional que já obtivera grandes sucessos como chefe
dos serviços de colonização da Canadian Pacific Railroad Company. Cole foi
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 103
Mesmo havendo divergência da quantidade exata da área de terras
onde a Lumber se instalou, existe unanimidade de que se tratava de uma
gigante reserva de pinheiros que garantiu a matéria-prima para uma
porção de anos. Os registros de contratos de arrendamento de terras para
a exploração das araucárias, localizados nos cartórios da região, ilustram
que, após o esgotamento das áreas compradas, a empresa partiu para
outras, geralmente comprando o direito da retirada da madeira.
Com a abundância de matéria-prima e o mercado garantido, a Brazil
Railway Company, através da Lumber, investiu nas eficientes tecnologias
para a industrialização madeireira, contratou os especialistas nas funções
técnicas, e um grande número de imigrantes foram empregados como
operários da gigante madeireira. A qualidade era buscada através das
experiências e das melhorias constantes, desde a forma mecanizada de se
recolher a matéria-prima das matas até o empilhamento e carregamento
do produto. Em 1911, foram construídos fornos de secagem de madeira
serrada com bons resultados: “Um problema da maior importância para
a madeira do Sul do Brasil, a secagem do pinho do Paraná, foi resolvido
depois de importantes experiências” (LLOYD, 1913, p. 220).
A ideia da cadeia lucrativa ficou evidente nas descrições de Lloyd
(1913), quando afirmou que a “Brazil Railway Company tirará grandes lu-
cros desta empresa com a madeira, sem falar que o transporte da madeira
da Lumber de 300 a 1.500 km constituirá considerável aumento no tráfe-
go ferroviário”. Tudo isso reforça, pois, as ideias constantes no Programa
Farquhar; além disso, os lucros emergiriam de várias fontes. Mais do que
nunca, tudo foi planejado para funcionar de modo sincronizado.
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 105
são para a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande dos
seguintes locais: área de 371.908.795 m2 na Colônia Rio Uruguai; área de
40.399 hectares e 5.495 m2 no Lageado Leãozinho, também próximo de
Cruzeiro, mais tarde Limeira e hoje Joaçaba; na Colônia Rio Capinzal, a
Companhia São Paulo-Rio Grande já havia iniciado a divisão dos lotes e a
localização dos imigrantes (SILVA, 1983, p. 80).
Subindo o Vale do Rio do Peixe, no Meio Oeste de Santa Catarina, nas
áreas amplas que abrangiam terras dos atuais municípios catarinenses
de Videira e Caçador, estabeleceram-se, também, colônias e fazendas,
como Bom Retiro, que depois se subdividiu em várias glebas. É interes-
sante frisar que nesta área foi o estado de Santa Catarina, através da
Diretoria de Viação, Terras e Obras Públicas, que expediu o Termo de
Reconhecimento de Direito e Aprovação de Medições das Terras Devo-
lutas, como na área de 28.405 hectares e 9.103 m2 de terras devolutas nos
lugares de Rio Caçador, Rio das Antas e Rio das Pedras (Ibid., p. 91).
Voltando às concessões do Paraná, observa-se um movimento intenso
próximo ao Rio Iguaçu, especialmente nas áreas de interesse colonizador
e madeireiro. Silva destacou que, entre os anos de 1905 e 1909, sob o
“domínio da Brazil Railway Company era construído o ramal São Francisco
e intensificado o processo de colonização”. Ainda sobre o assunto, em
1908, o governo do Paraná criou a Comarca de Porto União: “A Southern
Brazil, Lumber Company adquire por compra de Affonso Alves de Camargo
e outros o imóvel São Roque, área de 516.912.000 m2” (Ibid., p. 86-91). De
interesse fundamental neste estudo, a fazenda São Roque foi o local onde
se instalou a segunda madeireira da Brazil Railway Company, queimada
pelos sertanejos rebelados durante a Guerra do Contestado, que será estu-
dada mais adiante, pontuando, além do interesse colonizador, o interesse
madeireiro.
O imóvel Pepery-Chapecó, com área de terra com 1.506.097.000 m2,
localizado no atual Extremo Oeste de Santa Catarina, foi expedido por
título de domínio para a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio
Grande, pelo governo do estado do Paraná, como parte do pagamento
das terras do contrato que abrangia até 15 km de cada lado dos trilhos,
envolvendo o cálculo da extensão quilométrica e a multiplicação corres-
pondente, já descrito anteriormente; no acerto das medidas, faltaram
terras próximas ao traçado ferroviário (Ibid., p. 93).
Após a inauguração da ferrovia e das primeiras concessões de terra
para a Brazil Railway Company para fins de colonização, seguiram-se
décadas de intensas negociações de terra, seja por iniciativa da própria
Brazil Railway Company, através de suas subsidiárias, cujos projetos cons-
tavam no Programa Farquhar, seja por companhias colonizadoras parti-
culares.
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 107
Ainda antes do final daquele ano (12 de novembro 1906), Farquhar
criou em Portland, estado do Maine, a Brazil Railway Company. Além de
buscar sócios poderosos, teve apoio financeiro de banqueiros franceses,
investidores de Wall Street, financistas de Londres e de banqueiros
escoceses. Com o levantamento da soma de um milhão de dólares, esta-
va criada a “holding do império que planejou na grande república dos
trópicos” (GAULD, 2005, p. 221). A história econômica brasileira mudaria
e a história da região do Contestado7 passaria para outro capítulo.
Os caboclos ou brasileiros mestiços (muitos dos quais eram antigos
moradores das terras devolutas da região do Contestado) tiveram a
sua história modificada com as decisões que se seguiram após o ano de
1906. No dia 16 de abril de 1907, o ministro Miguel Calmon, da Pasta da
Indústria, Viação e Obras Públicas, através do Decreto 6.455, expediu o
Regulamento de Povoamento do Solo Brasileiro. Em 1908, Miguel Calmon
regulamentava o Decreto, visando à introdução de imigrantes agricultores
com intenção de estabelecer-se no país, criando centros permanentes de
trabalho e de riqueza.
A partir do ano de 1910, os moradores da região do Contestado ini-
ciaram a experiência das decisões que já haviam sido deflagradas no ano
de 1906. Foram, pois, alcançados pelos trilhos do transporte mais moderno
e perfeito do mundo e também assistiram à chegada das demais compa-
nhias madeireiras e colonizadoras do grupo da Brazil Railway Company.
As florestas e terras do Sul do Brasil foram observadas com “olhos de
águia”. Percival Farquhar chegou ao Brasil pela primeira vez no início do
século XX. Com ampla visão dos aspectos econômicos dos países em que
atuou, depois de observar o Brasil internamente, percebeu que os imi-
grantes que aqui aportavam para atuar no sistema de colonato em
São Paulo, nas lavouras de café, ansiavam pela propriedade da terra
(DIACON, 2002). Neste sentido, a existência de terras devolutas na região
do Contestado facilitaria o processo de ocupação e de colonização e cor-
respondia às iniciativas oficiais do governo brasileiro.
A conclusão da ferrovia São Paulo-Rio Grande, entre os Rios Iguaçu,
ao norte, e Uruguai ao sul, na região do Contestado, coube à Brazil
Railway Company, do grupo de Farquhar. Largas concessões de terras fo-
ram expedidas em nome desta companhia, e o Programa Farquhar previa
a exploração comercial da madeira e a posterior colocação dos colonos nas
terras recém-desmatadas. Assim, se justificariam grandes investimentos
que culminaram com a colonização da região e que garantiram grandes
lucros aos investidores das empresas do grupo.
7
O litígio secular pelo território contestado após a decisão do STF, ocorrida no ano de
2004, continuava tramitando no Supremo Tribunal Federal e as indefinições conti-
nuavam gerando muitas discussões.
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 109
a aglutinação que gerou a Guerra do Contestado, iniciada em 1912 e
estendida até 1916.
Em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a holding de
Farquhar e suas subsidiárias, muitas ainda em plena expansão, deman-
davam grandes investimentos; além disso, não havia possibilidades de
retorno ou mesmo de sustentação própria. Todo o império de Farquhar
desabou, o “Faraó das Américas” teve, pois, o seu programa interrom-
pido. Ainda sobre o assunto, um administrador foi designado pelos inves-
tidores para tomar conta da Brazil Railway Company que ainda atuaria no
Brasil com todo o emaranhado complexo de empresas levantadas por
Percival Farquhar.
O fim do Programa Farquhar ocorreu em 1914 e houve a decretação
da recuperação judicial da Brazil Railway Company. W. Cameron Forbes9
foi nomeado como administrador e Farquhar, morando no Rio de Janeiro,
foi solícito em tentar receber dívidas do governo brasileiro e fez o possível
para auxiliar Forbes na recuperação financeira da holding que havia ideali-
zado. Um jornal noticiou em 17 de outubro de 1914 que “A queda de
Farquhar servirá como advertência aos investidores europeus e outros
contra os astutos esquemas financeiros ianques para comprar tudo e con-
trolar o mundo inteiro” (South American Journal, apud GAULD, 2005, p.
337). Em 1916, Farquhar afastou-se definitivamente da Brazil Railway
Company. Por uma década (1906 a 1916) as suas decisões influenciaram a
vida de muitas pessoas da região do Contestado e as histórias catarinense
e brasileira.
Após a saída de Farquhar, outros dirigentes atuaram nas empresas
do grupo e continuaram com as atividades madeireiras e colonizadoras.
A história continuou com os caboclos derrotados na Guerra, condenados
e culpados pelo derramamento de sangue, com os operários trabalhando
em ritmo acelerado na exploração industrial madeireira – muitos mora-
vam na cidade-empresa americana – os colonos, revolvendo a terra des-
matada, regada de sangue durante o conflito que recém havia cessado.
Os desentendimentos com os antigos moradores da região e os
ataques às estações, à madeireira e à colônia de imigrantes da Lumber são
reconhecidos a partir de três episódios cruciais do conflito, gerados pela
atuação da Brazil Railway Company. No dia 06 de setembro de 1914, o alvo
dos sertanejos rebeldes foi a própria Lumber, quando a Estação de Calmon
foi queimada. A filial da madeireira norte-americana foi alvo de saque e
depois incêndio. Herculano D’Assumpção registrou que, na porta de uma
venda, escrito a lápis, ficou um bilhete onde os sertanejos reclamavam do
9
Willian Cameron Forbes (1870-1959), foi advogado, banqueiro e diplomata que admi-
nistrou a recuperação judicial da Brazil Railway Company que durou até o ano de 1919
(GAULD, 2005).
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 111
encontramos nos mesmos locais apenas 3% da cobertura original – isso
ilustra que o desaparecimento de tão vasta e rica floresta procedeu a um
processo rápido de transformação ambiental que merece atenta obser-
vação por parte dos governantes e da sociedade. As atividades de reflo-
restamento somente vão aparecer, anos mais tarde, como alternativa
econômica e como disponibilidade de matéria-prima para a indústria ma-
deireira.
Após 1916, os caboclos continuaram com dificuldades para ter acesso
àquilo que tinham anteriormente à chegada da ferrovia. De acordo com
Paulo Pinheiro Machado, ao findar a Guerra do Contestado, o general
Setembrino de Carvalho trocou telegramas com os governadores de Santa
Catarina e do Paraná, sugerindo o estabelecimento dos sertanejos prisio-
neiros em colônias na própria região. O general recebeu da Inspetoria
Federal de Povoamento do Solo (Ministério da Agricultura) a informação
de que “não existem terras disponíveis, sendo as colônias existentes orga-
nizadas para a recepção de imigrantes europeus” (MACHADO, 2004, 324).
Hoje, em alguns municípios da região do Contestado, encontramos
os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). A assistência
aos moradores da região só chegou em pleno século XX e, mesmo assim,
depois do trauma da Guerra que vitimou milhares de sertanejos pobres
e analfabetos, condição que, em partes, ainda não se assegura que é
totalmente passado. O município de Timbó Grande, Santa Catarina, cuja
abrangência envolve o local do antigo Reduto de Santa Maria, encontra-se
na última posição do ranking dos municípios catarinenses (293), segundo
o IDH do ano 2000. Outros municípios vizinhos, também palco de antigas
cidades santas, encontram-se em situação idêntica, chamando a atenção
os baixos índices, principalmente nos itens de renda per capita, índice de
educação e índice de esperança de vida (ONU – GeoEcon/idhsc).
Não há como estudar a Guerra do Contestado sem um olhar atento
aos aspectos econômicos e, principalmente, à atuação da Brazil Railway
Company. Impossível entender o atual contexto social sem visitar o pas-
sado histórico.
Referências
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BORELLI, Romário José. O Contestado. Curitiba: Orion Editora, 2006.
CARVALHO, Fernando Setembrino de. Relatório apresentado ao General de Divisão José
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CARVALHO, Miguel. O desmatamento das florestas de araucária e o Médio Vale do Iguaçu: uma
história de riqueza madeireira e colonizações. Florianópolis: UFSC, 2006 (Dissertação de
Mestrado).
A atuação da Brazil Railway Company e o desencadeamento da guerra na região do Contestado (1906-1916) 113
Programa Farquhar: Empresas subsidiárias, organizadas com o propósito de fomentar
o desenvolvimento das regiões atravessadas pelas suas linhas e que todas foram
incorporadas com capitais fornecidos pela Brazil Railway Company (Southern Brazil Lumber
Company, Southern Brazil Colonization Company, Brazil Land, Cattle and Packing Company);
4
Correspondência dirigida ao secretário geral dos Negócios do Estado, 23 de novembro
de 1913. APESC.
5
Ofícios de promotores públicos à Secretaria Geral dos Negócios do Estado, 1917.
Arquivo Público do Estado de Santa Catarina – APESC.
Referências
BORGES, Nilsen Christiani Oliveira. Terra, gado e trabalho: sociedade e economia escravista
em Lages, SC, 1840-1865. 2005. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
de Santa Catarina.
CARVALHO, Fernando Setembrino de. Relatório apresentado ao General José Caetano de Faria,
Ministro da Guerra, pelo Comandante das Forças em Operações de guerra no Contestado.
Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1915.
CARVALHO, Tarcísio Motta de. “Nós não tem direito”: costume e direito à terra no
Contestado (1912-1916). Dissertação de Mestrado em História, UFF, Niterói, 2002.
Cristiano Desconsi
1
Sua realização foi possível através do Projeto “Sociedade e Economia do Agronegócio
– um estudo exploratório”, coordenado por Beatriz Heredia (IFCHS/UFRJ), Leonilde
Medeiros (CPDA/UFRRJ), Moacir Palmeira (MN/UFRJ) e Sérgio Pereira Leite (CPDA/
UFRJ), que teve o apoio da Fundação Ford, do CNPq e da Faperj.
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 133
migrantes e os não migrantes, o que forma as chamadas redes sociais
(TRUZZI, 2008).
A principal metodologia utilizada foi o trabalho de campo, que
durou de março a julho de 2008, considerando um tempo de 80 dias na
microrregião do Alto Teles Pires-MT, mais outros contatos estabelecidos
no ano de 2009 e 2010 nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O instrumento de entrevistas dialogadas com as famílias (seja residentes
no Sul do Brasil ou no Mato Grosso) foi central neste estudo. Elas são
entendidas como práticas dos atores, além de sempre ser observado o
contexto, o local, quem e em qual condição as narrativas foram produ-
zidas. Agrega-se a isto como fontes um conjunto de informações secun-
dárias de bibliografias e outros materiais levantados pesquisa.
O artigo está dividido em seis partes: na primeira seção faz-se uma
breve contextualização do processo de (re)ocupação do Sul do Brasil
rumo ao Oeste, delimitando quem são os atores sociais chamados de
colonos do Sul que compõem os deslocamentos rumo ao Mato Grosso.
A segunda seção adentra na análise propriamente dita entre a busca por
terra ou mais terra e a migração para a fronteira agrícola. Os agricultores,
diante da chamada insuficiência de terras (associada à questão da herança
e à modernização conservadora), percebem nas áreas do Cerrado Mato-
Grossense a possibilidade do acesso à terra, fato que é acompanhado
dos elementos simbólicos da modernização agrícola. Na terceira seção
analisam-se as estratégicas de busca pela terra, agregando-se a reflexão
sobre a sua valorização monetária: este mecanismo apresenta a contra-
dição de, ao mesmo tempo em que permite o aumento exponencial do
patrimônio familiar, paralelamente é ele próprio o principal fator da
concentração da terra nas mãos de poucos proprietários e, consequen-
temente, de novos deslocamentos “mais à frente”. A quarta seção expõe
a relação entre a estratégia do trabalho agrícola (peões) em fazendas do
Mato Grosso pelos atores sociais em foco. A quinta problematiza o tema
da reprodução social, ou seja, a estratégia familiar de gerar um sucessor
em uma nova unidade familiar no Mato Grosso. A sexta seção discorre,
diante do que fora exposto nas seções anteriores, da possibilidade de
identificar os momentos cíclicos do desenvolvimento das regiões em
(re)ocupação. Os atores sociais acompanharam e ainda acompanham
este processo, visando sempre o “lugar e o momento certos”. Por fim, a
dinâmica apresentada neste artigo denota a condição de provisoriedade
dos colonos do Sul, inerente ao campesinato brasileiro – a reprodução se
dá historicamente a partir da mobilidade espacial.
2
Para mais detalhes sobre o Projeto Marcha para Oeste, ver Souza (2001, p. 22-35) e
Santos (1993, p. 23-45).
3
A utilização do termo reocupação busca trazer a ideia de que esta região do Cerrado não
era uma área com vazios populacionais, visto que nesse espaço ocorreu o processo de
expropriação de grupos indígenas, especialmente com o início do projeto de Marcha
para o Oeste, iniciado em 1934 (SANTOS, 1993; BARROZO, 2010).
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 135
oriundos de comunidades de origem formadas a partir de projetos de
colonização, que desde o início construíram um ordenamento do espaço
social, analisando distinções socioculturais (religião, etnicidade) e con-
dição econômica. Estas comunidades, com estes elementos identitários em
comum, em meio à precariedade das condições dispostas nestes projetos de
ocupação, fortaleceram uma sociabilidade, assim como estratégias de repro-
dução familiar baseadas nelas mesmas, e no conflito diante de outros grupos
socioculturais distintos (SEYFERTH, 1992; RENK, 2000; SANTOS, 1993).
Os locais de origem formavam um espaço social construído a partir
das chamadas “linhas”, “comunidades” e/ou “capelas”. Os colonos de
descendência europeia (italianos, alemães, poloneses) residiam em áreas
de terra parceladas, estruturadas a partir de projetos de colonização
desenvolvidos entre as décadas de 1920 e 1960. Nestes termos, as gerações
anteriores aos camponeses que migraram para o Mato Grosso já haviam
participado do processo migratório para as chamadas “colônias velhas”
do Rio Grande do Sul (WOORTMANN, 1995).
A migração é parte constituinte da experiência histórica de repro-
dução do campesinato. As questões relacionadas às disputas pela terra
e à priorização de alguns grupos em detrimento de outros nos projetos
de (re)ocupação foram estruturais neste sentido. A marca da seletividade
no processo histórico de (re)ocupação das áreas nos três estados do Sul
do Brasil estabeleceu distinções sociais, econômicas e culturais entre os
grupos de camponeses. Vários estudos realizados sobre os processos de
colonização e ocupação da região Sul denotam o quão seletivo foi este
processo de expropriação dos caboclos que residiam nestas regiões, em
detrimento dos colonos (RENK, 2009; GEHLEN, 1998).
Ao ocorrerem os movimentos de (re)ocupação rumo ao Oeste do
Brasil, sob estes mesmos moldes e compondo um grupo específico de mi-
grantes dos três estados do Sul do Brasil, estas distinções acompanharam
o movimento que se reconfigurou na formação do novo espaço social
no Mato Grosso. O estudo ensejado por Santos (1993) identificou que os
caboclos não foram parte dos processos de colonização e menos ainda
foram chamados para tal “missão”, mesmo sendo parte do grande grupo
dos camponeses do Sul do Brasil. Da mesma forma, o estudo que realizei
sobre os pequenos proprietários do Mato Grosso na década recente
confirma a assertiva de que os caboclos do Sul, em regra, não compu-
seram e não compõem as frentes de (re)ocupação no Mato Grosso e
outros estados. Há casos raros de migrações de famílias de caboclos
acompanhando algum “colono forte”4 para o trabalho agrícola em fazen-
das (como peões), ou, em algumas situações, caboclos que migraram em
busca da terra nos projetos de assentamentos promovidos pelo Estado
brasileiro nas décadas recentes (DESCONSI, 2010).
4
Categoria utilizada como critério de distinção entre os próprios colonos. Para saber
mais ver Seyferth (1984).
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 137
2 A busca por “mais terra plana”
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 139
zação agrícola que se intensificaram especialmente “nas terras vermelhas
ou roxas”, que são as mais planas e de maior facilidade para a mecani-
zação dos cultivos (TEDESCO, 1999).
Nas representações coletivas associadas às áreas do Cerrado Mato-
-Grossense, o ideário da modernização agrícola aparece com maior vigor.
Se nas áreas do Sul do Brasil os agricultores já estavam na busca por
adequar os cultivos às técnicas modernas, o que demanda condições de
mecanizar as atividades, as áreas de “chapadão” do Cerrado trazem im-
plícita em si a possibilidade da mecanização. Paralelamente, mecanizar a
área passa a significar otimização do trabalho, menor penosidade e, por
sua vez, a possibilidade de ampliar com menos trabalho a área de terra
cultivada e a produção oriunda dela.
A propaganda das áreas em processo de colonização ou (re)ocupação
vinha associada a uma dimensão simbólica “do espaço”, característica do
Cerrado, e ao fato das terras “do chapadão serem fáceis de trabalhar com
o uso de máquinas” e estabelecer grandes áreas de lavouras. No entanto,
esta terra é reconhecida também como terra pobre, que necessita de “bas-
tante adubo”, diferente “das terras de mata”, onde geralmente as famílias
viviam antes de migrar para o Mato Grosso. Da mesma forma, o imagi-
nário social da modernização agrícola nas áreas do Cerrado vem associado
à possibilidade “de crescer”, como algo possível para todos os que para
ali migram e suas futuras gerações. O acesso à terra e a crescente busca
por mais terra são precondições para progredir. É a representação do
espaço supostamente vazio que passará a ser incorporado, é onde vai ser
estruturado o espaço social em conformidade com uma visão de mundo
destes atores (ZART, 1998).
Para estabelecer a reprodução familiar dos filhos, a estratégia baseia-
-se na acumulação de patrimônio, para fins de aquisição de novas áreas de
terra (TEDESCO, 1999; CARNEIRO, 2000). Acumular valores monetários,
soja e milho armazenado em cooperativas de produção agropecuária e
realizar trabalhos temporários para terceiros (peão), são algumas das
formas utilizadas. A moral estabelecida pelos colonos do Sul compreendia
que um filho ficaria com todo o patrimônio familiar, especialmente a terra,
e isso impediria o seu fracionamento, que também é compreendido como
sinônimo de enfraquecimento (WOORTMANN, 1990). No entanto, o que
ocorre na maior parte das famílias dos colonos do Sul no período recente
é que todos os filhos e filhas reclamam o seu direito à herança. Este fato
gera tensões diversas entre os pares e muitas vezes é fator que inviabiliza
a permanência de algum dos filhos no lote para constituir uma nova
unidade familiar (SILVESTRO, 2001; SPAVANELLO, 2008).
Na medida em que a compra de novas áreas não ocorre nas proximi-
dades onde a unidade familiar de produção se localiza, mas sim em
outros municípios ou estados, todo o esforço desprendido pela família
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 141
A liquidez da terra é um atributo muito apreciado pelos agricultores,
embora eles utilizem a terra para produção. Mas isso não impede que
olhem para sua propriedade como um ativo que proporciona certo
nível de segurança para sua família ante qualquer imprevisto futuro
(REYDON; PLATA, 2006, p. 35).
Nesse contexto, a terra passou a fazer parte das carteiras de ativos
dos agentes econômicos e a ser negociada em função das expectativas
de lucros monetários e aumento de patrimônio de seu proprietário.
Nesse sentido, não é estranho que muitos pequenos proprietários, ante
a expectativa de não ter os recursos necessários (crédito institucional,
tecnologia) para explorar sua lavoura ou perante uma boa proposta de
compra, decidam vender, formal ou informalmente, sua parcela de terra.
A liquidez da terra não é compreendida como algo importante
somente para enfrentar algum imprevisto futuro, como é o caso de pro-
blemas de saúde de membros da família. Com ela é que foi possível a
muitos proprietários buscar novas opções de investimentos, como foi o
caso do agricultor assentado, que com o dinheiro da venda de um lote em
projeto de assentamento recebido como pagamento de dívida, investiu no
estudo das filhas nas faculdades em Cuiabá. A possibilidade concreta de
tornar a terra um ativo, mesmo que isto não se realize efetivamente, vem
expressa nas narrativas que compõem os comparativos no momento da
migração e hoje. O cálculo que vai ser referência para pensar estratégias
de reprodução familiar inclui a terra, atribuindo a ela os elementos
simbólicos “do estar na terra”, “mexer com lavoura”, mas, paralelamente,
esta terra é contabilizada a partir de seu valor de troca no conjunto do
patrimônio alcançado pela família: “Mas eu, faz seis anos que consegui
um capital de um milhão de reais” (Chacareiro, 6/6/2008).
No Cerrado Mato-Grossense, os colonos do Sul que migram para estas
terras nos anos recentes sabem que, além da terra e do trabalho, terão que
ter “o recurso”, ou seja, o capital (dinheiro, crédito, insumos, máquinas),
a fim de “mexer com lavoura”. Zart (1998) afirma que a agricultura no
Cerrado já nasce moderna, considerando que a transformação de áreas
de vegetação nativa em áreas agrícolas ocorre diretamente dentro da
dinâmica da modernização da agricultura, ou seja, a derrubada da vege-
tação é seguida de incorporação de insumos e sementes melhoradas, meca-
nização agrícola que, em geral, serão utilizadas no cultivo de soja e milho
em larga escala. Nesse caso, pressupõem o uso de um aparato tecnológico
a fim de tornar a terra produtiva. Por exemplo, os custos para “abrir”5
a área de terra (ano 2009) em Nova Ubiratã-MT, conforme apontou o
5
O termo “abrir” significa a alteração da vegetação nativa do Cerrado, através dos
procedimentos da derrubada com tratores, remoção e retirada das raízes da área, em
muitos casos a queima, com o objetivo de deixar a terra apta para o cultivo mecanizado.
6
A categoria “mais à frente” expressa o movimento de reocupação rumo ao Norte do
Brasil.
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 143
acesso limitado ao crédito institucional e à assistência técnica (REYDON;
PLATA, 2006). Estas situações tencionam estes “pequenos” proprietários
rurais para a venda da terra e fazem estes agentes voltarem seu olhar
“para frente”, onde através dos recursos obtidos neste negócio, poderão
empreender nova migração para “recomeçar”.
É certo e identificado pelas famílias que pretendem migrar a impor-
tância de dispor de “recurso”, ou seja, capital ou valores monetários, tanto
para adquirir a área de terra quanto para desenvolver as atividades na
nova terra nos primeiros anos. Desta forma, para muitas famílias a única
forma de dispor de algum capital é vender sua área de terra (colônia, sítio
ou lote) antes de migrar. Esta medida aumenta as chances de adquirir
maior área de terra no novo local e permite não depender de recursos de
terceiros, porém rompe com uma condição real de retorno.
A relação entre a possibilidade de venda da terra e a migração pode
ser identificada também nos casos de agricultores que migraram no
período pós-90 para o Mato Grosso. A dificuldade de venda da terra no
Sul, ou seja, a possibilidade de torná-la um ativo financeiro que seria
investido na compra de terra no Mato Grosso, foi um fator que retardou
a migração em cinco das famílias estudadas. Camilo Bortolli, que migrou
no ano de 2002 para Ipiranga do Norte, havia negociado a compra de
um lote na região de Querência do Norte-MT no ano de 1999, porém,
sem a venda da terra no Sul, não dispunha de “recurso” suficiente para
o pagamento e “abertura” deste lote. Lauro Marchiori também aponta
dificuldade de venda da terra, que só se efetivou em 1997. Essa dificul-
dade, associada a questões familiares, adiaram a migração de sua família
para o Mato Grosso, que era planejada desde o ano de 1992 (DESCONSI,
2011).
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 145
Esta análise a partir das trajetórias sociais demonstra o quão tênue é a
divisão das categorias agricultor e peões ou assentados e assalariados rurais.
Diante do exposto, trata-se dos mesmos atores sociais que acionam em
suas trajetórias estas estratégias possíveis visando assegurar trabalho e
terra para reprodução social da família.
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 147
o Cerrado”, realizar os plantios das primeiras culturas e investimentos
em máquinas e equipamentos. Além disso, é preciso dispor de uma área
de terra mínima para que, nestes moldes, a nova unidade familiar possa
persistir. Não havendo esta disposição, a tendência é que muitos colonos
do Sul passem muitos anos (casos de mais de 15 a 20 anos) acumulando
algum recurso, ou se estruturando gradativamente, no novo lote.
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 149
Considerações finais
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 151
Referências e bibliografia
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2001.
A busca pela terra e a migração dos colonos do Sul para o Mato Grosso 153
8
Os colonos judeus no Brasil
1
Três sociedades filantrópicas: HIAS – Hebrew Immigration Aid Society de Nova York;
ICA – Jewish Colonization Association de Paris e Londres; e, durante algum tempo,
EMIGDIREKT – Emigrations Direktion de Berlim; formaram em conjunto a HICEM para
ajudar os judeus em sua emigração da Europa para diversos países.
Referências
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Enciclopédia riograndense. Canoas: Regional, 1958. v. 5.
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GRITTI, Isabel Rosa. Imigração judaica no Rio Grande do Sul: a Jewish Colonization
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IOLOVITCH, Marcos. Numa clara manhã de abril. 2. ed. Porto Alegre: Movimento, 1987.
LESSER, Jeff. Pawns of the powerful: jewish immigration to Brazil,1904-1945. New York:
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MANFROI, Olivio. A colonização italiana no Rio Grande do Sul: implicações econômicas,
políticas e culturais. Porto Alegre: Grafosul/IEL, 1975.
VOLOCH, Adão. O colono judeu-açu – o romance da colônia Quatro Irmãos – RS. São
Paulo: Novos Rumos, s.d.
1
Para aprofundar as análises sobre a racionalidade dos diferentes sistemas agrários, ver:
BOUSERUP, 1987.
Imagem 2 – Festa dos nacionais, Colônia Santa Rosa, 24-2-1918 – cortejo cívico.
Fonte: GONÇALVES, 1918. Anexos.
Por fim, são estes fatores somados a outros mais que sustentam
a hipótese central deste artigo, isto é, na medida em que as áreas de
fronteira agrária foram sendo incorporadas, as possibilidades das popula-
ções negras se manterem na terra foram sendo extintas, logo, a condição
camponesa dos negros era efêmera, uma vez que para sua realização a
terra é necessária, senão como propriedade, pelo menos as possibilidades
de acesso a ela, como ocorria no período da escravidão, devem existir.
Hipótese que ganha ares de constatação ao levarmos em conta as
situações vividas pelo “preto Antônio Pacheco”, que se estabeleceu em
uma posse que estava em disputa, é alvo de violências e segue adiante
na sua condição de agregado. De José Marceliano, que furtou alguns
animais de um fazendeiro local por necessidade quando estava de mudança
de um município a outro, muito provavelmente em busca de melhores
condições de vida ou de minimamente garantir sua sobrevivência e de
Referências digitais
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS.
<http://ich.ufpel.edu.br/economia/conteudo.php?pagina=15>.
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, GESTÃO E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ: <http://
www.seplag.rs.gov.br/atlas/atlas.asp?menu=336>.
Bibliografia
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CARDOSO, Ciro Flamarion. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas américas.
São Paulo: Brasiliense, 2004.
O texto ora apresentado não tem por objetivo realizar uma discussão
sobre uma experiência social distante no tempo. Pelo contrário, embora
ocultada pela memória dos movimentos sociais, memória vencedora,
a tônica da ação extensionista através dos Clubes 4-S ainda se reveste e
se atualiza. O momento em que retomo essa discussão sobre juventude
rural coincide com um determinado contexto econômico e político em que
o processo de sucessão no campo declina a olhos vistos. Estima-se, nas
palavras do diretor geral da Secretária de Agricultura de Santa Catarina,
Airton Spies, que aproximadamente 20% das pequenas propriedades do
estado não possuem sucessores diretos.1 Neste contexto, as experiências
do passado, como os Clubes 4-S, são romantizadas, ganham elogios e re-
tornam com certa força; as contradições, por outro lado, são “esquecidas”
e os modelos tradicionais que foram duramente criticados são retomados
com novas vestimentas.
Em outras palavras, de acordo com as observações das autoridades
governamentais e seus representantes que se alternam no governo do es-
tado, os jovens não querem permanecer no campo. E este não é um fenô-
meno exatamente novo, mas agora ocorre de uma forma diferente do que se
observou anteriormente, quando da difusão da agroindústria e da mecani-
zação da agricultura no Oeste de Santa Catarina após 1970. A evasão
1
Airton Spies, diretor-geral da Secretaria de Estado da Agricultura. Programa Conversas
Cruzadas, 20 jan. 2011. TVCOM, Santa Catarina.
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 195
das jovens mulheres fornecem a singularidade destes tempos, retratados
inclusive por documentários como o dirigido por Ilka Goldshmidt e Cas-
semiro Vitorino intitulado Celibato no Campo (Margot Produções, Brasil,
2010). Nas décadas anteriores, eram os jovens casais que ocupavam as
margens dos centros urbanos, instalavam-se nas proximidades das agroin-
dústrias ou – principalmente os jovens solteiros – procuravam emprego
em restaurantes no litoral catarinense ou na região Sudeste do Brasil.
Embora a tarefa do historiador não seja entendida de forma consen-
sual como ferramenta para modificar a realidade em que vivemos, sabe-se
que uma pesquisa pode fornecer elementos para a reflexão sobre questões
atuais e, neste caso, dos problemas enfrentados pela agricultura. Os ques-
tionamentos abordados pela pesquisa nas ciências humanas podem
demonstrar a existência de uma determinada visão romântica sobre a agri-
cultura familiar que persiste nas instituições estatais e privadas; também,
soluções “milagrosas” são apresentadas a todo momento. A solução
que se pretende atualmente em Santa Catarina por parte da Secretaria
de Estado da Agricultura é a instalação de internet em propriedades
rurais de Santa Catarina como forma de incentivar a permanência do
jovem no campo.2 Imagino que, isoladamente, esta iniciativa não alcan-
çará os resultados desejados, exceto se estiver cercada por atividades
que garantam maior renda e qualidade de vida para os jovens agricul-
tores; e lhes garanta a reprodução social dos mesmos como camponeses,
auxiliando na manutenção de aspectos da cultura, dos modos de fazer,
entre outros.
2
Airton Spies, diretor geral da Secretaria de Estado da Agricultura. Programa Conversas
Cruzadas, 20 jan. 2011. TVCOM. De acordo com o jornal Pauta, em outubro de 2011,
“a Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca anunciou o Programa de Inclusão
Digital destinado às comunidades rurais. O anuncio aconteceu no estande da
Secretaria na Exposição-Feira Agropecuária, Comercial e Industrial de Chapecó”
(jornal Pauta, 2011). O objetivo do projeto é oferecer internet banda larga e telefonia
fixa às comunidades rurais e, com isso, promover o acesso de pequenos produtores
aos recursos da tecnologia de informação. A experiência terá início em Chapecó e será
estendida para outros 19 municípios. Cerca de 50 mil moradores rurais serão atendidos
na primeira fase do programa. O investimento total do governo estadual passa dos R$
40 milhões até o final de 2011. Por município, serão investidos R$ 150 mil. A partir de
segunda-feira (17), oito torres serão instaladas em, no máximo, 55 dias. Até o final de
2014, o governo do estado pretende disponibilizar internet e telefonia para todas as
propriedades rurais. Segundo o secretário de Estado da Agricultura e da Pesca, João
Rodrigues, o projeto irá integrar comunidades, complementar renda, gerar massa crítica,
oportunizar novas colocações no mercado de trabalho, além de dinamizar o acesso a informações
e a conhecimentos capazes de ampliar os horizontes dos cidadãos (grifo meu). O projeto
também integra os esforços da Secretaria para combater o êxodo rural e segurar o
jovem no campo, ressalta Rodrigues. Ver Secretaria da Agricultura lança programa
de Inclusão Digital. Disponível em: <http://www.jornalpauta.com.br/new.php?id_
materia=13263>. Acesso em: 23 nov. 2011.
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 197
O período abordado é importante para o entendimento do processo
de difusão do modelo de Clubes 4-S por todas as regiões do estado
de Santa Catarina na década de 1970 e a posterior crítica à abordagem
extensionista da agricultura no Brasil nas décadas de 1970 e 1980. Não
por acaso, este período confunde-se com o aprofundamento da ditadura
militar com o Ato Institucional 5 (AI-5, de 13 de dezembro de 1968) e o
“lento e gradual” processo de abertura política, o que, inclusive, possi-
bilitou a crítica ao pensamento quatroessista, principalmente nos primei-
ros anos da década de 1980.
Para se ter uma ideia da expansão desses clubes durante o período em
questão, no ano de 1979, 71 dos 197 municípios catarinenses realizavam
trabalhos com Clubes 4-S. Naquele período, a extensão rural em Santa
Catarina atingiu um número recorde de agricultores, comparando com
dados de até meados da década de 1980: 104.633 famílias assistidas.
Neste contexto, os clubes 4-S surgiam a cada dia, sendo que, apenas em
1982, formaram-se 348 clubes espalhados por todo o estado, com cerca de
12.500 sócios (ACARESC, 1981-1982, p. 9). Mais especificamente, foi na
região Oeste do estado de Santa Catarina que se concentraram as aten-
ções para o trabalho com esses clubes durante a década de 1970. Em
1978, das 16 equipes de extensionistas de Juventude Rural da ACARESC
responsáveis pela organização dos Clubes 4-S, 12 atuavam nessa região
do estado, que havia inaugurado seu primeiro escritório regional na pri-
meira metade da década de 1960. Embora os primeiros Clubes 4-S tenham
surgido no estado ainda na década de 1960, sabe-se da existência dessa
forma de trabalho com juventude rural na região Oeste desde 1972 –
Clube 4-S Aliança Juvenil, da comunidade de Sede Figueira, município de
Chapecó – resistindo até a atualidade, embora não pertencendo mais às
agências oficiais de extensão rural.
A sigla 4-S significa: Saber, Sentir, Servir e Saúde. Na realidade, se trata
de uma adaptação para a língua portuguesa da sigla 4-H (Head, Heart,
Hands e Health), denominação que recebem esses clubes nos Estados
Unidos. Nesta perspectiva, a tradução para o português procurou se apro-
ximar aos significados da sigla norte-americana 4-H, ou seja: Cabeça
(head), metáfora de conhecimento ou Saber; Coração (heart) para Sentir;
Mãos (hands) para Servir; e Saúde (health). Essa forma de trabalho surgiu
nos primeiros anos do século XX nos Estados Unidos, e após o Smith-Lever
Act de 1914, lei que organizou diversas práticas voltadas à agricultura
sob o nome de Extension Service (extensão rural, na adaptação brasileira
do termo), esses clubes começaram a tomar uma forma institucionalizada.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mais especificamente em
1917, o Extension Service e, por consequência, os Clubes 4-H começaram a
receber mais verbas em virtude da necessidade de aumento da produção
agrícola para suportar o então período de conflito.
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 199
Na década de 1970, de acordo com a ACARESC, o “problema número
um” da agricultura catarinense seria “a baixa produtividade do trabalho
humano, resultante do baixo nível de conhecimentos da tecnologia de
produção e comercialização das safras. Ainda hoje é pouco expressivo o
número de agricultores que estão modernizando suas empresas rurais e
comercializando com sucesso”, destacaria o relatório. Ainda nessa linha
de argumentação, a publicação da ACARESC apontou que “os levanta-
mentos sobre os índices de sanidade das populações rurais catarinenses
têm demonstrado alta incidência de verminose, decorrente da falta de
hábitos de higiene adequados” (ACARESC, [1977], p. 19-20).4 Se estes
eram alguns dos principais problemas da agricultura catarinense a serem
enfrentados, de acordo com a argumentação dessa instituição, a situação
ganhava contornos mais dramáticos na região Oeste, o que justificaria a
concentração de escritórios em Herval do Oeste, Joaçaba e Videira ainda
na década de 1950 (OLINGER, 2006, p. 22), difundindo-se por toda a re-
gião principalmente na década de 1970.
Neste período, de acordo com a economista Evelize Espírito Santo
(1999, p. 88), a região Oeste passou a ser considerada o “celeiro catari-
nense” devido à grande quantidade de grãos produzidos, sendo a princi-
pal produtora de feijão, milho, soja, trigo, batata, mandioca, bovinos de
leite, suínos e aves do estado, representando mais de 50% do Valor Bruto
da Produção Agropecuária Catarinense. A agroindústria, existente na
região desde a década de 1940, se moderniza e se difunde naquela década,
e com ela cada vez mais a região recebe incentivos da política agrícola
governamental do período:
O principal instrumento de política agrícola, de 1964 até meados da
década de 80, foi o crédito rural subsidiado vinculado às grandes pro-
priedades, sendo que em Santa Catarina os estímulos do crédito foram
destinados principalmente às agroindústrias de aves e suínos. Em 1970,
o grupo Sadia implanta no Oeste Catarinense o sistema de integração
para produzir aves através da parceria com os produtores, o qual foi
posteriormente utilizado pelas demais empresas ali instaladas na década
de 70, não só para a produção de aves, mas também de suínos (ESPÍRITO
SANTO, 1999, p. 87-88).
De acordo com a posição do governo federal no início da década
de 1970, fazia-se necessário sincronizar o passo entre a agricultura e a
indústria no país. Para o então Ministro da Fazenda, Delfim Neto, “uma
4
De acordo com sugestão da ex-extensionista Siomara Marques, na década de 1980
esses problemas não eram tão agudos, principalmente no Oeste de Santa Catarina.
Algumas comunidades mistas (caboclos e descendentes de europeus) tinham essas
características, mas o importante é destacar que os relatórios da ACARESC eram
genéricos demais. MARQUES, Siomara. Entrevista. Laranjeiras do Sul, dez. 2010.
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 201
extensão rural e os demais interessados resolveram questionar-se sobre as
experiências de trabalhos com a juventude rural. Foi também um período
em que os movimentos sociais afloraram no campo, principalmente
no Oeste de Santa Catarina, com a organização das oposições sindicais,
Movimento dos Sem Terra (MST), do Movimento das Mulheres Agricul-
toras (MMA, atualmente Movimento das Mulheres Camponesas) e mes-
mo do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O surgimento desses movimentos sociais também esteve ligado aos
impactos econômicos e sociais trazidos pelo processo de modernização da
agricultura no Oeste de Santa Catarina. Isso ocorreu porque “a introdução
de variedades melhoradas de sementes, exigentes em insumos modernos,
importados e de alto custo, resultou também em benefícios para as pro-
priedades de maior tamanho, marginalizando, e não raras vezes, forçan-
do, pequenos agricultores a abandonar a atividade” (ESPÍRITO SANTO,
1999, p. 99).
No processo de mobilização dos agricultores excluídos pelo processo
modernizador, as pastorais ligadas à Igreja Católica entraram em ação,
procurando reunir e discutir sobre a situação desfavorável dos pequenos
agricultores. As práticas modernizadoras da extensão rural fomentaram
o surgimento de movimentos sociais na região Oeste, envolvendo muitos
dos excluídos por este processo. A região também foi lugar onde a esquer-
da católica5 se fez presente e, neste sentido, aponta-se uma rivalidade
entre grupos de jovens (da Igreja Católica) e os Clubes 4-S. De acordo
com os relatos de um ex-quatroessista e que posteriormente vinculou-se
à Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das estratégias utilizadas pelos
grupos católicos para impor sua forma de trabalhar com a juventude rural
no início da década de 80 foi a seguinte: eleger uma pessoa do grupo de
jovens, ou ligada a este, para assumir a diretoria de um Clube 4-S. Assim
sendo, quando esta diretoria com visão crítica tomasse posse, o grupo
“implodiria” o Clube 4-S, ou seja, encerrava suas atividades. Essa versão
foi confirmada por uma ex-extensionista que trabalhou na ACARESC de
1983-1986, no município de Pinhalzinho, que, por outro lado, demonstra
que nesta região a própria Igreja incentivava a participação dos jovens
nestes clubes, mas com uma visão crítica.6
Num contexto de críticas à extensão rural e aos Clubes 4-S, produ-
ziram-se no início da década de 1980 relatórios apontando para possíveis
soluções da crise em encontros da ACARESC. Na segunda metade da
década de 1970, em termos de adesão, a ACARESC conseguia ainda
atrair um número significativo de jovens para os Clubes – o Encontro de
5
Para Campigotto (1996, p. 1), a esquerda católica é a ala da Igreja Católica ligada à
Teologia da Libertação. Reúne leigos, padres, religiosos e bispos que assumiram uma
postura teológica em torno da opção preferencial pelos pobres.
6
MARQUES, Siomara. Entrevista. Laranjeiras do Sul, dez. 2010.
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 203
Formavam-se movimentos de protesto no momento em que se
divulgava a localização de um foco ou uma determinação de extermínio:
“aos poucos, as ações do exército foram praticamente inviabilizadas devi-
do à onda de protestos que desencadearam [...] Paralelamente, a Igreja
procurou fazer um trabalho de informação e conscientização dos campo-
neses da região, orientando-os a protestar e resistir” (POLI, 1998, p. 69).
Mesmo não sendo apontado como uma crítica direta à extensão rural, este
episódio foi decisivo para a organização dos agricultores, como confirma
o relato de um agente de pastoral: “Eu acho que foi decisivo na luta aqui.
Que o processo de mobilização de 78 e 79 é que deu fôlego para que as
outras organizações avançassem, deslanchassem. Fortaleceu o trabalho
que a Igreja tava fazendo, fortaleceu o trabalho de oposições sindicais, de
renovação dos sindicatos que estavam surgindo” (apud POLI, 1998, p. 69).
Deve-se considerar que este foi um processo que envolveu muitas
discussões sobre a situação desfavorável dos pequenos agricultores na
região Oeste de Santa Catarina frente às consequências do processo de
modernização da agricultura, e sempre contando com a Diocese de Cha-
pecó na organização dos debates. Assim, os colonos foram chamados ao
debate sobre sua situação de expropriação ou de endividamento, e como
procurei ressaltar anteriormente, a ACARESC é representante legítima da
extensão rural no estado e, portanto, alvo de críticas.
Neste período, outros olhares dirigiram-se à extensão rural por parte
de seus integrantes:
Numa reunião que fizemos numa comunidade, num comitê 4-S, convi-
dados que fomos para participar da reunião, perguntamos por que os
agricultores não participavam mais, e um agricultor disse: “porque a
ACARESC não queria a verdade, tempo atrás”, e explicou porque – é
que foi feita uma lavoura demonstrativa na propriedade dele, de soja, e
quando estava pronto só para colher, o extensionista foi lá medir a área e
o resultado foi de 44 sacas por hectare. Depois o agricultor colheu o resto
do hectare e ensacou e foi vender e só deu 33 bolsas. Então já houve uma
coisa contrária, aí. Naquela vez que o extensionista tirou a medida para
saber quando dava por hectare, numa pequena área, deu uma diferença
de 11 sacos, – o extensionista tirou 44 e o agricultor, quando foi vender,
só deu 33. Então o agricultor denunciou para o extensionista – olha lá,
eu vendi o meu soja e só deu 33 bolsas. E então, o extensionista bateu nas
costas do agricultor e falou: – olha, você fica bem quietinho e diga que
deu 44. O agricultor ficou calado um tempo, mas depois denunciou para
os companheiros, dizendo: eu não posso ficar calado, deixar os compa-
nheiros na mentira, vou ter que dizer a verdade. 33 e não 44. Então, foi
um fato que se comentou e se alastrou. As vezes, um pequeno fato difi-
culta muito a participação do agricultor (EMATER/ACARESC, 1982,
[s.p.]).
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 205
Considerações finais
Referências
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Florianópolis, 1996.
ESPÍRITO SANTO, Evelise. A agricultura no Estado de Santa Catarina. Chapecó: Grifos, 1999.
Juventude rural e modernização da agricultura: tensões entre extensão rural e movimentos sociais na região Oeste de Santa Catarina... 207
FLORES, Maria Bernadete Ramos; SERPA, Élio Cantalício. A hermenêutica do vazio:
fronteira região e brasilianidade na viagem do governador ao Oeste de Santa Catarina. In:
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NAGEL, Édio. Participação em clubes 4-S e migração rural-urbana no sul de Santa Catarina –
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OLINGER, Glauco. Panorama da economia de Santa Catarina. In: Ciclo de estudos sobre
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POLI, Odilon. Leituras em movimentos sociais. Chapecó: Grifos, 1998.
Entrevista e periódicos
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SPIES, Airton. Entrevista. Programa Conversas Cruzadas, 20 jan. 2011. TVCOM.
Jornal Pauta. Secretaria da Agricultura lança Programa de Inclusão Digital. Disponível em:
<http://www.jornalpauta.com.br/new.php?id_materia=13263>. Acesso em: 23 nov. 2011.
Revista Celeiro Catarinense. Orientação técnica, cultura e atualidades. Chapecó, 1970-1977.
Edemar Rotta
1
Referindo-se aos descendentes de europeus não provenientes dos países da Península
Ibérica (Portugal e Espanha), mas de outros países da Europa.
2
Conforme Kappel (1967, p. 2), a produtividade média do milho na região, em 1920, era
de 2.100 kg/ha e reduziu-se para 1.200 kg/ha, em 1966.
3
No sentido dado por Weber (1997).
Considerações finais
Bibliografia complementar
BROSE, Markus. Superação das desigualdades regionais: uma interpretação da experiên-
cia gaúcha. In: CRUZ, José Luís Vianna da (Org.). Brasil, o desafio da diversidade: experiência
de desenvolvimento regional. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2005, p. 227-283.
CANO, Wilson. Algumas implicações espaciais da terceira revolução industrial no Brasil.
In: GONÇALVES, Maria Flora (Org.). O novo Brasil urbano: impasses, dilemas, perspec-
tivas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995.
CAVALARI, Rossano Viero. A gênese da Cruz Alta. Cruz Alta: Unicruz, 2004.
E studar uma região sem uma análise da natureza se torna uma história
incompleta, uma vez que toda a intervenção humana gera alterações.
Miguel M. X. de Carvalho alerta que não podemos incorrer no mesmo
erro de alguns historiadores que, na tentativa de contar os atos heroicos
dos imigrantes de enfrentamento com o desconhecido, nesse caso as flo-
restas, não mencionam que:
Povos indígenas viveram por séculos no planalto sul-brasileiro, produ-
zindo queimadas para cultivar lavouras e caçando animais selvagens.
No entanto, por mais que enfatizemos a ação indígena em alterar o meio
ambiente, as fotografias e relatos do início do século XX e do século XIX
mostram inegavelmente o avançado estágio de sucessão ecológica das
florestas com araucária, com árvores imensas e com uma abundância
e diversidade da fauna muito superiores ao que existe hoje em dia. Ou
seja, é razoável supor que a convivência das populações indígenas com a
floresta com araucária tenha ocorrido de uma forma “sustentável”, sem
degradar significativamente o meio ambiente por séculos (CARVALHO,
2010, p. 39).
Desta forma, a chegada dos imigrantes para as áreas de florestas do
Rio Grande do Sul no século XIX e a migração de seus descendentes para
o Norte do estado e para o Oeste de Santa Catarina significou mudanças.
Mudanças estas que ocorreram não somente nos grupos humanos já
estabelecidos, como também acarretou alterações na flora e na fauna da
região, além de exigir adaptações das práticas socioculturais dos dife-
rentes grupos.
Marcos Gerhardt
Referências e fontes
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Grande do Sul: die Deutschen der Kolonie Serra Cadeado: 1824-1924. Ijuhy: Livraria
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Sul. Revista Brasileira de Geografia, n. 3, jul./set. 1950.
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CUBER, Antoni. Nas margens do Uruguai. 1898. Ijuí: Museu Antropológico Diretor Pestana,
1975.
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Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Entrevista com Vitória Megier, por Danilo Lazzarotto. s.d. (gravação, fita n. 02, Museu
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Coopercana: Laudo de vistoria. Ijuí: Unijuí, 2003.
FAMURS – Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul. Portal
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famurs/municipio/historia.asp?iIdEnt=5523&iIdMun=100143111>. Acesso em: 05 ago. 2011.
Dirceu Benincá
1 Energia e desenvolvimento
8
Cf. Comissão Mundial de Barragens. Barragens e Desenvolvimento – Um Novo Modelo
para Tomada de Decisões. Disponível em: <http://www.fboms.org.br/old/doc/resumo_
barragens.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2011.
9
Membro da coordenação nacional do MAB. Entrevista concedida dia 28 de outubro de
2009.
10
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
11
Cf. Comissão Mundial de Barragens. Barragens e Desenvolvimento – Um Novo Modelo
para Tomada de Decisões. Disponível em: <http://www.fboms.org.br/old/doc/resumo_
barragens.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2011.
12
Daiane Carlos Höhn, da coordenação do MAB. Entrevista concedida dia 15 de julho de
2009.
13
Cf. Jornal do MAB, n. 9, edição de junho de 2009, p. 5.
14
Membro da coordenação nacional do MAB. Entrevista concedida em 07 de novembro
de 2008.
15
Disponível em: <http://www.ecoportal.net/content/view/full/69416>. Acesso em: 6 maio
2011.
16
Disponível em: <http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2008/Hidreletricas%20fabricas%2
0de%20metano.pdf>. Acesso em: 6 maio 2011.
de 3.300 MW. A energia produzida será transportada para grandes centros industriais
e comerciais do país. Há previsão de instalação de 2.450 km de linhas de transmissão
para conduzir a energia até a rede nacional integrada, em Araraquara-SP. Em abril
de 2007, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) previu que as obras de Santo
Antônio e Jirau juntas demandariam R$ 25,72 bilhões, além do custo adicional estimado
entre R$ 10 e R$ 15 bilhões para as linhas de transmissão.
20
Entrevista concedida dia 29 de janeiro de 2009 durante o Fórum Social Mundial em
Belém-PA.
21
Disponível em: <http://www.carnelegal.mpf.gov.br/noticias/noticias_new/noticias/noticias
-do-site/copy_of_meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/mpf-pb-e-cddph-realizaram-
audiencia-publica-com-deslocados-pela-barragem-de-acaua-1>. Acesso em: 6 maio 2011.
22
No Sul, anterior a Itaipu, agricultores já tinham sido atingidos por outras hidrelétricas,
como é o caso de Passo Real, no Rio Jacuí-RS, inaugurada em 1973.
26
Ibid., p. 2.
27
Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/?q=historia>. Acesso em: 6 maio 2011.
34
Cf. Movimento dos Atingidos por Barragens. Manual do atingido: uma história de
organização e luta – história da luta internacional contra barragens. Coordenação:
Carlos Vainer e Flávia Braga Vieira. s.d., p. 4-5.
35
A autoria da música é de Jadir Bocacina, da coordenação do MAB/PR e Valter Israel da
Silva, da direção nacional do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA).
38
Cf. Vídeo Organização e resistência – a saga dos atingidos por barragens, 2005.
41
A pesquisa foi encomendada pela Companhia Vale do Rio Doce sobre os movimentos
sociais do campo e realizada entre 26 de abril e 6 de maio de 2008. Foram entrevistadas
2.100 pessoas maiores de 16 anos em metrópoles, cidades e regiões do interior de vários
estados brasileiros. A pesquisa foi divulgada pelo jornal O Globo em 15 de junho de
2008.
42
Cf. Jornal do MAB, n. 5, junho de 2008, p. 8.
43
Cf. Luiz Dalla Costa. Entrevista concedida dia 01 de maio de 2008.
44
Cf. Lutas de resistência ou lutas por um novo modelo de sociedade? In: Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE). Barragens – questão ambiental e
luta pela terra. Revista Proposta, Rio de Janeiro, n. 46, set. 1990, p. 56.
Bibliografia de referência
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BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
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GOHN, Maria da Glória. Novas teorias dos Movimentos Sociais. São Paulo: Loyola, 2008.
45
Entrevista concedida dia 29 de outubro de 2009.
Algumas considerações
Referências
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Walter Frantz
1
Pesquisa realizada em 2000/2001. As entrevistas transcritas estão nos arquivos pessoais
do autor.
1 Agricultura familiar
7
Fonte: <http://mpabrasiles.wordpress.com/2010/02/18/censo-agropecuario-confirma-
agricultura-camponesa-e-a-principal-produtora-de-alimentos-do-pais/>. Acesso em: 24
jun. 2011.
8
Censo Agropecuário de 2009, IBGE.
12
No sentido de um sistema de organização e práticas e de doutrinação.
13
Os questionários estão nos arquivos do pesquisador e os dados produzidos estão no
Relatório Técnico enviado à FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio Grande do Sul.
14
O texto da transcrição das entrevistas está nos arquivos do pesquisador.
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