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A influência marxista no
desenvolimento
desenvolimento do feminismo
brasileiro
Elaine Bezerra∗
Introdução
Para falar em opressão da mulher é preciso remontar os primórdios
da história das sociedades, mais precisamente, no momento em que estas
passam da fase nômade para a sedentária. Com esta transição, houve uma
mudança na função social da mulher a partir da divisão do trabalho, ou seja,
a elas couberam as tarefas com o lar, cuidando da reprodução, enquanto os
homens saiam para caçar e pescar1.
Porém, foi com a constituição da propriedade privada que se deu a
subordinação da mulher ao homem isto porque houve um controle da força
de trabalho das mulheres, da reprodução e a perpetuação da propriedade
privada que pressupunha a monogamia heteronormatividade. Às mulheres
era delegado o mundo privado, do lar, enquanto que os homens eram os
sujeitos da vida pública2.
∗
Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande. End. eletrônico:
nanibezerra2002@yahoo.com.br
1 Nesse momento é que as mulheres descobrem a agricultura com a observação da germinação das
sexual do trabalho é parte integrante da divisão do social do trabalho. Do ponto de vista histórico, a
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Ao longo da história muitas mulheres se colocaram frente a esta
situação, mas foram acusadas de bruxas, perseguidas e mortas. As primeiras
manifestações organizadas ocorreram no início do século XIX, com
destaque para a participação na Revolução Francesa e para a organização das
mulheres operárias já nos fins do século. A partir daí, pode-se falar de um
feminismo como movimento político organizado com teoria e práxis
próprias. A aproximação das mulheres aos movimentos operários e as
correntes de pensamento anarquista e socialista trouxe tensões que até hoje
é perceptível na ação do feminismo em todo o mundo.
O presente trabalho tem como objetivo trazer alguns elementos de
reflexão sobre a luta das mulheres no Brasil no século XX. Para o debate
utilizo basicamente o livro da Celi Regina Jardim Pinto: Uma história do
Feminismo no Brasil, por considerar que faz uma boa contextualização
histórica e pontua matizes essenciais do feminismo brasileiro, mas também
uso alguns mímeos meus construídos para fazer formação política com as
mulheres.
Feminismo no Brasil
Formalmente o feminismo é datado no Brasil a partir da virada do
século XIX para o século XX. Ele não surge como um movimento massivo,
mas parte de grupos isolados e tem um forte personalismo, muitas vezes
cristalizado nas lideranças. Alguns estudos o periodizam em três grandes
“ondas”, são elas: as sufragistas no início do século, o período da ditadura
(pós-68) e a fase da “redemocratização”.
Diferentemente do que é propagado pelo senso comum e por
algumas literaturas sobre o assunto, apesar de sua origem ter uma forte
influência da Europa e dos Estados Unidos, o feminismo brasileiro tem suas
particularidades: “... O feminismo no Brasil não foi uma importação que
pairou acima das contradições e lutas que constituem as terras brasileiras, foi
um movimento que desde suas primeiras manifestações encontrou um
campo de lutas...” (PINTO, 2003, p.10).
Utilizarei essa classificação para apoiar o desenvolvimento deste
artigo, por considerar pertinente e apontar algumas tendências que
marcaram e marcam o movimento feminista brasileiro até hoje.
estruturação atual da divisão sexual do trabalho (...) apareceu simultaneamente com o capitalismo (...)”.
(KERGOAT, 1998, P.8)
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“Primeira onda” do feminismo
Temos três principais expressões do feminismo situado na primeira
“onda”, são elas: o sufragismo de Bertha Lutz, o jornalismo feminista e as
feministas anarquistas. Passaremos a resgatar alguns elementos de cada
expressão.
O Jornalismo Feminista
Neste período (início do século XX) havia uma intensa luta pela
liberdade de informação, onde o Rui Barbosa aparecia como ícone da defesa
de uma imprensa livre. As mulheres também utilizaram a imprensa como
forma de propagar idéias e conquistar adeptas, escrevendo artigos
radicalizando a denúncia sobre a condição da mulher na sociedade.
4 Os grupos de reflexão surgiram no Brasil na década de 70, se espalharam por vários estados e tinham
um caráter privado por conta do regime militar que impedia as manifestações públicas. Devido a sua
informalidade e o alto sigilo é difícil precisar a quantidade deles.
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Com o fim do bipartidarismo as feminista que estavam num mesmo
“campo” dividem-se e vão compor o PT (Partido dos Trabalhadores) e o
PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Esse
reagrupamento causa uma cisão no movimento feminista entre a parte que
defendia a institucionalização e a aproximação com o Estado e as feministas
autonomistas que consideravam essa atitude como cooptação. (PINTO,
2003, p.68).
Neste período se espalham grupos de mulheres que passam a apostar
cada vez mais nos espaços institucionais do Estado, participando dos
conselhos de direitos como forma de organizar e pautar as questões das
mulheres. Estas mulheres atuaram ativamente da mobilização durante a
Constituinte e esta ação ficou conhecida como o Lobby do Batom. Muitas
foram as conquistas no campo das políticas públicas, são exemplos, o
Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher, entre outros.
Nos fins dos anos 80 e início da década de 90 vivenciamos o
processo de afirmação e consolidação do neoliberalismo como doutrina
política e econômica que aumentou o desemprego, impôs a reestruturação
produtiva, desvalorizando o trabalho, arrochando salários e felxibilizando
direitos. É este o momento em que o feminismo experimenta uma forte
institucionalização com a difusão das ONGs (Organização Não-
Governamental) e passa se profissionalizar. Tornaram-se grupos que passam
a fazer assistência temática: violência contra a mulher, saúde, aborto, etc.
A vertente da institucionalização foi a que mais cresceu, chegando ao
século XXI (com o aumento de governos que se auto-proclamam
democráticos populares) sob a hegemonia de um feminismo inserido nos
cargos públicos. Uma espécie de Feminismo de Estado5, que discute o poder
das mulheres nos pilares da democracia burguesa representativa.
Esta situação não se dá de forma hegemônica, pois presenciamos no
início dos anos 2000 surgimento de movimento que tem pautado a questão
da opressão de forma mais ampla, propondo inclusive a contribuição na
organização de projeto alternativo para a transformação da sociedade. São
exemplo as mulheres a Via Campesina e a marcha Mundial de Mulheres que
recolocaram o mercado e a exploração capitalista no centro da luta.
Considerações finais
O Feminismo é tido como um dos movimentos emancipatórios mais
significativos do século passado XX e que ainda hoje é vivenciado com
5 Expressão própria.
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muita força. Coloca um duplo desafio: ao mesmo tempo em que questiona a
ordem conservadora e patriarcal, também põe em xeque os movimentos da
esquerda revolucionária mundial.
Como movimento social, não fica imune as contradições na sua ação
política, contradições estas, existentes no seio da própria sociedade. Mas
também é inegável que o avanço do capitalismo tem feito uso das lutas e se
apropriado das conquistas das mulheres, esvaziando seu conteúdo.
No geral, o feminismo brasileiro possui matizes de pensamento, que
vem desde a sua gênese e, em certo sentido, disputam entre si a hegemonia
do pensamento. No meu entendimento as principais vertentes são duas:
uma que associa a luta da mulher à emancipação da classe trabalhadora
como um todo e a outra (mais fortemente influenciada pela pós-
modernidade) que defende a institucionalização e o trabalho por dentro do
estado através das políticas públicas. Uma tem como centralidade a
compreensão que a opressão da mulher está no bojo da contradição Capital
x Trabalho e da luta de classe, a outra fica mais na análise mais das relações
Homem x Mulher e não questionam a base estrutural da sociedade.
Com isso não quero ser reducionista, pois há variações dentro de
cada modo pensar deste, como, por exemplo, na vertente com ideologia
marxista existem compreensões que apontam a questão da mulher como
específica e, portanto atrapalha a luta geral. Também temos em algumas
pensadoras ligadas a pós-modernidade que até compreendem que a
dominação capitalista traz especificidades para a opressão das mulheres, mas
não acredita que é possível mudar o sistema e apostam no trabalho temático
como violência, saúde, sexualidade, etc. O que é importante ressaltar é que
dependendo de como se compreende a questão da opressão, vai-se adotar
um tipo ou outro de estratégia de ação.
Na experiência brasileira há uma grande dívida histórica com a
memória das feministas socialistas, das anarquistas e das mulheres que
atuaram na guerrilha urbana. Essas mulheres, além da luta de enfrentamento
com a sociedade machista e patriarcal, também tiveram grandes embates no
interior de suas organizações para serem reconhecidas como sujeitos
políticos.
O feminismo hegemônico no Brasil declara o fim da perspectiva de
classe para pensar a situação da mulher e sua ação política, assim como
também declara o fim da possibilidade do socialismo com a desintegração
da União Soviética e inaugura o século XXI apostando em uma estratégia de
luta ligada mais a vertente entitulada de “pós-moderna”, voltando seus
esforços para as lutas temáticas.
Bibliografia
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
BETTO, Frei. A Marca do batom: Como o movimento feminista evoluiu no
Brasil e no mundo. In: América latina em Movimento, 2008. Disponível em:
http://alainet.org/active/1375&lang=es.
BEZERRA, Elaine Maurício. Lutas e Conquistas das Mulheres. João Pessoa,
2008, mimeo.
_____. Participação e cidadania das mulheres. João Pessoa, 2009, mimeo.
PINTO, Celi Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.