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123:
ANÁLISE DO KYRIE ELEISON
RECIFE
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE
LICENCIATURA EM MÚSICA
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RECIFE
2018
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _______________________________________ 4
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A ESTILÍSTICA __________________________________________________ 6
A MÚSICA INSTRUMENTAL __________________________________________ 6
A MÚSICA PARA CANTO _____________________________________________ 7
AS FORMAS MUSICAIS_______________________________________________ 8
INTRODUÇÃO
moralidade prática, de um senso comum, de uma psicologia empírica, de uma ciência atual –
que tenha funcionalidade no agora. Esta corrente, contra o formalismo, autoritarismo e
privilégios de poucos e a favor da liberdade do indivíduo, da igualdade de direitos e da educação
universal, recebeu o nome de Iluminismo. O ideal de que a natureza e os instintos ou
sentimentos naturais do homem seriam fonte do verdadeiro conhecimento foi paulatinamente
dominando a humanidade ocidental através de expoentes como Hume, Montesquieu, Voltaire,
Rousseau, Lessing, Herder e até mesmo um movimento literário alemão (conhecido como
Sturm und Drang1).
Ludwig Van Beethoven, nascido em 1770, entra em cena nesta perspectiva de mundo e
encontra uma realidade musical que reflete os pensamentos supracitados. Em contrapartida ao
período Barroco, a música Clássica – fruto musical destes ideais – tem um caráter mais leve,
uma tessitura menos complicada e densa e principalmente homofônica. A música desta época
se monta a partir dos ideais da cultura clássica – Grécia e Roma antigas – sobretudo de sua
arquitetura que traz ênfase na forma e na Beleza, busca o elo entre a moderação e o controle, a
mescla entre a proporção e o equilíbrio. Beethoven aparece em uma época em que grandes
forças, das linhas de pensamento iluminista à tirania napoleônica, põem o mundo em processo
de expansão. Esta expansão filosófica em conjunto com a própria personalidade expansiva
beethoveniana fizeram de sua música um poderoso e grandioso meio de tanta transcendência
que, tal como Monteverdi, sua música atravessa duas eras musicais. Costuma-se dividir sua
obra em três fases, cada uma pormenorizada no decorrer deste trabalho. Sua primeira fase tem
como égide a influência de Haydn e Mozart, sua segunda fase trata de um estilo mais profundo
em matéria de sentimentos e sua terceira fase marca sua completa exclusão do universo sonoro
com sua surdez.
Ainda sobre esta última fase, é nela que se encontra o que alguns estudiosos especulam
que Beethoven diria ser a sua obra-prima: A Missa Solene em Ré. É uma obra que condensa a
forma com a qual Beethoven – e quem sabe o homem em seu ideal clássico – processava a ideia
de fé. Comparada em uma suposta equivalência histórica com a Missa em Si menor de Bach,
Beethoven nos leva a uma experiência muito pessoal e profunda de fé cheia de símbolos
históricos tomando como base os textos litúrgicos. Este trabalho pretende expor um pouco desta
grandiosidade a partir de uma análise do Kyrie Eleison que faz parte desta obra. Através das
próximas linhas, esperamos conduzir o leitor e o ouvinte desta obra-prima a absolver com muito
mais intensidade o que as notas e principalmente as entrelinhas desta obra exprimem em
primeira instância sobre a mente de Beethoven e em última instância sobre a humanidade.
MÚSICA CLÁSSICA
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Traduz-se Tempestade e Impulso. Ocorreu entre 1760 e 1780.
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A partir da primeira metade do século XVIII, por volta de 1750, o artista foi acometido
por uma nova forma de processar seu mundo. Aqui, temos o início da chamada era da
Iluminação: um período onde as devoções à razão e ao conhecimento se fazem proeminentes.
A redescoberta do pensamento grego na Alemanha por Winckelmann2, ou mesmo a filosofia
empírica de Locke3 comprovam esta assertiva. É o período onde as academias de arte e ciências
e universidades, bem como o patrocínio de nobres, aumentam consideravelmente. Ainda sobre
o pensamento grego, o estilo arquitetônico clássico – que até então deve ser compreendido
como greco-romano – ressurge com força. O ser humano estaria voltando a atribuir sua atenção
e importância à graça e à simplicidade, à beleza de linhas e formas, ao equilíbrio e à proporção:
à ordem e ao controle. Conceitos que passamos a enxergar na Grécia e Roma antiga.
A ESTILÍSTICA
Como primeira manifestação musical do ideal Clássico, temos o estilo da primeira fase
deste período: o estilo galante. Como o próprio nome nos permite a dedução, se trata de um
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É considerado por muitos o pai da história da arte. O primeiro a estabelecer as diferenças entre a arte Grega,
Greco-romana e Romana, fato decisivo para o surgimento e a ascensão do neoclassicismo durante o século
XVIII.
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Locke é considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato
social. Sua filosofia da mente é citada como a origem das concepções modernas de identidade e do “self”, seus
conceitos e questionamentos
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estilo amável, cortês, elegante, que fazia muito sucesso com as damas da época e visava agradar
o ouvinte. É uma música simples, contrastando diretamente com o barroco tardio pela falta de
profundidade. Carl Philip Emanuel Bach e Johann Christian Bach, filhos de Bach, abrem
caminho para esta música. As primeiras obras de Haydn e Mozart também se mostram
elegantes.
A Teoria dos Afetos, bastante empregada no Barroco, foi substituída por um senso mais
fluido e abstrato de beleza.
Olhando mais atentamente ao lado estético geral do período clássico, David Poultney
aponta:
Sobre o aspecto comportamental, é a música dos salões, dos ambientes de perucas, onde
todos os movimentos são fiscalizados por um severo cerimonial (FREDERICO, 1999)
MÚSICA INSTRUMENTAL
Ainda nos instrumentos, não podemos deixar de considerar uma importante invenção
de Cristofori: o piano. É no período clássico que a música instrumental acaba ganhando mais
destaque do que a música para canto. O piano, que surge então como um aprimoramento do
cravo4 com maior poder de expressão e abrindo assim uma série de possibilidades. O
instrumentista poderia a partir de então não somente ter o controle da altura sonora que quer,
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O primeiro nome que o piano recebeu foi “Il gravicembalo col piano e forte”. Em livre tradução, O cravo com
suave e forte. Este nome remonta diretamente ao grande feito de Cristofori, que foi conseguir uma variação de
dinâmica para o cravo.
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como também de suas nuances. Articulações como legato (melódico e sustentado) e staccato
(curto e destacado) ficaram mais explícitas aos ouvidos. O executante poderia tocar uma
melodia na mão direita e fazer um acompanhamento com a mão esquerda em menor grau de
volume: assim temos o primeiro esboço de cantábile (cantável) ao piano. Adentrando no
acompanhamento para melodia, um estilo muito usado pelos compositores foi o Baixo de
Alberti, que consistia em acordes quebrados , mantendo a sequência de nota mais grave, depois
mais aguda, depois média, e então aguda de novo de um mesmo acorde.
O piano custou a ganhar terreno dada a precariedade dos primeiros modelos. Porém, ao
passar do tempo, o instrumento foi ganhando o lugar do cravo. J. C. Bach foi o primeiro a se
apresentar com o instrumento.
Falando de música para canto, embora os compositores tenham escrito muita música
religiosa, foi a ópera o que mais os atraiu. A ópera italiana continuava a dominar o período
Clássico, mas os compositores austríacos e alemães passaram a exercer uma notável influência,
especialmente na forma do trato com os elementos sinfônicos. Este novo trato apareceu
primeiro no intermezzo de duas partes de Giovanni Pergolesi e seus sucessores. Eles foram
reiterando a ópera buffa, um gênero mais cômico que dominou a primeira metade do século
XVIII que desafiou a popularidade da ópera séria, bem mais tradicional. No fim daquele século
encontramos também o dramma giocoso, um gênero de ópera muito comum naquele século.
Ao mesmo tempo que artistas como Gluck, Jommelli e Traetta estavam pondo a ópera séria e
o lirismo trágico francês nos moldes clássicos, a grande flexibilidade do dramma giocoso tornou
possível um maior contraste dramático, uma mais profunda caracterização, e um poder de
alcance emocional muito maior. Por exemplo, se tem “As bodas de Fígaro”, de Mozart, que
sintetiza os melhores elementos de cada um dos tipos operísticos italianos. Assim como na
Itália, o gênero cômico conduziu novos públicos na França e Alemanha também.
FORMAS MUSICAIS
Especula-se que Haydn tenha sido o criador desta forma ao criar uma “sonata
orquestral”. Os gregos entendiam Sinfonia por uma consonância de intervalos musicais. A
Sinfonia no classicismo passa a ser uma ressonância simultânea. Desenvolve-se a partir da
abertura italiana, com três sessões contrastantes em andamento: rápido-lento-rápido. Nas
primeiras sinfonias, estas sessões tornaram-se movimentos distintos e depois seu número usual
passa a ser quatro, com o acréscimo do Minueto e Trio (dança tirada da suíte barroca) inserida
entre o movimento lento e o último rápido. Vários compositores contribuíram para o
aperfeiçoamento desta forma, dentre estes estão Sanmartini, Stamitz e C.P.E. Bach. Mas é com
Mozart e Haydn que a sinfonia se vê enriquecida e madura.
Sintetizando a forma estética de cada movimento, um pequeno esboço sobre isto se faz
importante:
Por forma sonata, tão falada anteriormente, não podemos cair no engano de achar que
isto se refere à sonata enquanto estrutura, mas sim enquanto um tipo muito especial de técnica
composicional. Compositores barrocos tendiam a desenvolver linhas longas com a mesma
disposição (afeto) e mesmo ritmo. Já os compositores clássicos compunham melodias mais
curtas e ritmos mais marcados e em contornos bem definidos. Ritmos e melodias bem
contrastantes seguiam-se uns aos outros fazendo com que a música sofresse mudanças de
timbre. Quando os compositores Clássicos procuraram um modo de reunir todos esses
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elementos, acabaram por criar uma concepção musical bem equilibrada e coerente, à qual
intitularam forma sonata.
Beethoven iniciou seus estudos musicais quando era criança em casa, com seu pai e seu
avô, mas também tinha aulas com um professor de piano (Tobias Friedrich Pfeiffer) e um de
violino e viola (Fraz Rovantini). Seu pai logo percebeu o grande talento que ele tinha em mãos
e a exemplo de Leopold Mozart (pai de Wolfang A. Mozart), investiu no crescimento musical
de seu filho, a fim de ele ser uma criança prodígio. Algumas fontes chegam a mencionar que
ele teria mentido à respeito da idade do pequeno Beethoven na época de seus primeiros recitais
em público (6 anos em vez de 7).
Por volta dos 20 anos, Beethoven se mudou para Viena, onde começou a estudar com
Haydn. Durante este período, ele compôs diversas peças que não foram publicadas na época,
porém hoje são listadas como peças sem um opus definido. Musicólogos identificaram alguns
temas semelhantes aos da 3ª Sinfonia, que fora composta em 1791. Pouco tempo depois de se
mudar para Viena, Ludwig ficou sabendo que seu pai havia morrido. Beethoven não se
considerava apenas um compositor. Ele também estudava e tocava em público. Com as aulas
de Haydn, ele desenvolveu muito a técnica contrapontística. Teve algumas aulas com Salieri,
que a principio lhe ensinou sobre a música vocal Italiana.
Depois que Haydn saiu para a Inglaterra em 1794, era esperado que Beethoven
retornasse para casa, porém ele decidiu ficar em Viena, tendo aula com outros professores. Ele
ganhou reputação ao se apresentar tocando os prelúdios e fugas de J.S. Bach como um pianista
virtuoso. Sua primeira grande apresentação em público em Viena foi em 1795, onde ele
executou um de seus dois primeiros concertos para piano. Logo após sua performance, ele
publicou pela primeira vez algumas de suas peças e colocou nelas um opus: Trios de piano
Op.1. Por volta dos 25 anos, Beethoven começou a sofrer de surdez. Isso fez com que ele se
isolasse mais da sociedade e chegasse até a evitar conversar com as pessoas. A causa real de
sua surdez é desconhecida, porém há rumores de que uma série de fatores contribuiu, como por
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exemplo sífilis, problemas de imunidade e até mesmo histórias de que Beethoven colocava a
cabeça debaixo de água gelada, para se manter acordado. Pelas dificuldades em ouvir música,
manter uma vida sociável e certamente pelos “fantasmas” de seu passado de sofrimento,
Beethoven foi entrando em depressão.
Leopoldo II, que se tornaria arcebispo de Olmütz em 1820. Embora já tivesse escrito outras
obras dedicadas ao amigo, Beethoven viu a oportunidade de fazer uma missa e não poupou
trabalho pra fazê-la tão grandiosa. Beethoven começa a escrever esta missa em 1819, só vindo
a concluí-la em 1823. Nesta época sua surdez já era quase total e data de peças importantes
como as três últimas sonatas para piano e a sinfonia nª9.
A música sacra composta por Beethoven não é muito extensa. Além da Missa Solene
há duas grande obras, o Oratório Christus am Ölberge (1803) e a Missa em Dó Maior (1807)
para o príncipe Esterházy. E são nessas obras que Beethoven expõe o ideal da música sacra,
considerando a música feita nessa época imprópria e afirmava que a música digna do sagrado
tinha sido realizada por Palestrina, Bach, Haendel etc.
Esta Missa está cheia da característica humana na música. Beethoven, como em sua
vasta obra, o sentimento humano tem destaque. A súplica no final da missa já não é certa de
absorção, mas um peso de consciência e crise de espírito. As tensões geradas pelas pausas, o
tempo incomum para uma missa e a dinâmica exageradamente forte para um diálogo como
Deus torna essa missa um marco do homem perante o divino na concepção artística. Cria-se
então uma grandiosa obra de arte que não cabe mas dentro da igreja e torna-se música de
concerto!
Na época de sua estréia muitos críticos acusaram Beethoven de não saber escrever para
voz, pois a parte do coro utiliza as regiões limites de forma pouco comum exigindo
demasiadamente dos cantores o que torna a peça até hoje pouco executada. Talvez a limitação
da voz fosse um peso pra genialidade do mestre, mas já é considerada como a maior missa já
composta, seja em questões de tamanho, forma, qualidade. Beethoven consegue criar
atmosferas celestes, ar divino e movimentos angelicais de uma forma a engrandecer ainda mais
a criação do Senhor.
A sua forma final foi conhecida apenas depois de sua morte em 1830. De sua edição
sabe-se rendeu 600 florins a Beethoven, mas anos depois centenas de editoras solicitaram
copias da missa.
A orquestração que Beethoven usa não deixa a desejar em nada a grandiosidade da peça.
Ele usa: dois flautistas, dois oboístas, dois clarinetistas (clarinetes em Lá, Dó e Sib), dois
fagotistas, um contrafagotista, quatro trompistas (trompas em Ré, Mi bemol, Si bemol, Mi e
Sol), dois trompetistas (trompetes em Ré, Si bemol e Dó), trombone alto, tenor e
baixo, tímpano, órgão realizando o continuo, cordas (1º e 2º violino, viola, cello, contrabaixo),
solistas (soprano, contralto, tenor e baixo) e coro misto.
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A Missa Solene é, assim, uma grandiosa obra, mas que está como as demais missas
anteriores, atrelada ao texto litúrgico católico do Ordinário da missa. Sendo assim é composta
pelo: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus – Benedictus e Agnus Dei. Porém, foi concebida para ser
uma obra unitária, sendo executada sequencialmente.
Outros pontos curiosos na missa são os gritos de “Gloria!” onde o texto se submete a
música e a intenção glorificadora de Beethoven. O Credo possui uma fuga que culmina no
modo dórico em ré, já mencionado, uma vez que na época usar o sistema modal implicava em
algo sobrenatural e no texto refere-se a encarnação pelo poder do espírito santo. Também no
credo é possível notar o uso da flauta que dá uma sensação elevada a essa mesma parte do texto.
No momento da crucificação Beethoven passa bruscamente de re maior para menor com
dinâmica forte e sforzandos e sincopes, que dão maior dramaticidade a cena e impõe a dor da
culpa nas palavras: crucificado também por nós. E na ressurreição Beethoven utiliza escalas
ascendentes que simbolizam a ascensão, figurativo pelo compositores antigos para esse
significado mostrando mais uma vez o quão longo ele foi em suas pesquisas.
O Agnus Dei por sua vez encontra-se em si menor e traz o sentimento de piedade e
curiosamente aparece uma interrupção de guerra. Começa uma marcha ondo ele utiliza
“tambores” e “trombetas” que dão um caráter marcial para a última seção da missa para
aumentar a súplica dos solistas. Muito se assemelha a Missa de Tempo de Guerras de Haydn.
Ainda há um pequeno destaque para as vozes graves contralto e baixo.
Beethoven considerava essa uma de suas melhores obras, pois foi a que mais se dedicou
estudo, pesquisas e tempo para elaborá-la. Elevou a forma da missa além de Bach e Mozart.
Consolidou a grandiosidade e maestria na formação de uma obra tão complexa e rica de
elementos para exaltar a seu modo o Criador.
“Não há nada de tão belo como aproximarmo-nos da Divindade e espalhar os seus raios
pela raça humana.” – Beethoven.
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O Kyrie é a primeira parte da missa e serve para pedir compaixão para com os homens.
O termo é originado de um salmo penitencial que foi aderido ao rito católico. Sua raiz é grega
e da missa é a única que está em grego, as demais se encontram em latim romano. O texto do
Kyrie é o seguinte:
Kyrie eleison
Christe eleison
Kyrie eleison
A tradução é: Senhor, tende piedade de nós; Cristo, tende piedade de nós; Senhor, tende
piedade de nós. Assim, o texto claramente se refere à trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e ao
pedido de compadecimento com o homem, demonstrando humildade e respeito.
O Kyrie está bem centrado em Ré Maior. Começa com um forte acorde de ré maior em
contratempo deslocando o acento rítmico. Isso determinará toda a unidade da missa e aparecerá
como elementos nos motivos principais do Kyrie.
Como é comum, o Kyrie é realizado na forma ABA assim como é o texto. Beethoven
assim cria três seções onde a primeira é semelhante à terceira, mas com algumas modificações:
ABA’.
No c.21 recomeça tudo, mas com o coro. O elemento c é apresentado três vezes e é
conectado pelo elemento a nos sopros e os solistas (tenor e soprano) cantado o tema apresentado
inicialmente pelo clarinete e oboé. A solista contralto faz a melodia mostrada pela flauta e
entrega a parte vocal toda para o coro até o fim da primeira parte. Desenrola-se um momento
de fixação dos elementos com o coro usando os temas com os sopros dobrando ou oitavando e
preenchendo harmonicamente, as cordas fazendo o mesmo acompanhamento de antes, as
cordas graves utilizando o elemento b e os trombones com o tímpano marcando um ritmo
diminuído do elemento c. em c.47 o elemento b aparece no coro para cadenciar e começar um
novo momento.
Essa primeira parte se caracteriza por ter muito acorde na 2ª inversão (ou de pedais por
onde graus próximos caminham) dando assim um caráter mais flutuante a harmonia e ao mesmo
tempo de segurança da origem do centro tonal.
Na segunda parte o tempo é modificado pra ternário, e são trabalhados basicamente dois
motivos: um melódico (um salto seguido de escala descendente e outra ascendente) e um
rítmico (formado por duas mínimas). Ambas são apresentadas nos dois primeiros compassos
da segunda seção. Beethoven utiliza do motivo melódico principalmente o início, mas do
motivo rítmico ele utiliza quase de forma obsessiva muito em intervalo de terça, nota repetida
ou saltos de oitavas e podendo aparecer em qualquer dos três tempos.. O motivo rítmico está
ligado a palavra “Christe” e o motivo melódico a palavra “eleison”.
O motivo rítmico passa a ser a base dos instrumentos graves de cordas e órgão. E para
dar mais impulso a essa figura, Beethoven traz do elemento c a figura antecipadora que dá mais
movimento e direcionamento. Apenas em três momentos os graves abandonam o motivo
rítmico para utilizar o melódico: c.101-4, c.106-7 e c.110-2.
Beethoven utiliza as notas que estão soando pelo coro e retorna ao Kyrie para fazer a
terceira parte atacando com um acorde de Ré maior. Assim, ele faz uma modulação por nota
comum a uma distância de mediante. Recomeça exatamente como no início da primeira parte
até o c.140. Não faz toda a apresentação do tema e antecipa a entrada do coro e dessa vez o
centro tonal é Sol Maior.
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Dessa nova vez os solistas aparecem um pouco mais que na primeira parte, mas não
passa do c.156. O motivo de acompanhamento da viola muda e fica semelhante ao do violino
2 só que alternado. Em c.164 um tema derivado do começo do Kyrie reaparece na flauta e
clarinete e promove movimento harmônico suficiente para no c.169 acontecer uma mudança
para Mib maior. Esse novo tema é uma forma diminutiva do principal tema do Kyrie com o
começo do motivo melódico da segunda parte e a sincope derivada do elemento c é que dá a
possibilidade das suspensões e assim aumentar a instabilidade harmônica que segue.
De Mib a música caminha pro seu vi grau. Então inicia-se as tonicalizações no ciclo de
quintas: dó, sol, ré e lá. E de lá prepara-se para voltar a Ré maior. Beethoven mais uma vez
utiliza o elemento c e desloca o tempo forte pro segundo. A música fica mais estática e o
movimento fica apenas pro violino 1, viola e cello. Interessante que após essa momento, o
acompanhamento das cordas faz uma união dos motivos anteriores: o arpejo quebrado com a
síncope.
Mais uma vez caminha pra sol maior. Utiliza o elemento c. e faz uso do final do motivo
melódico da segunda parte nas tonicalizações. E usa também da segunda parte o motivo das
cordas do c.88. Em c.198 repete os oitos compassos anteriores de forma mais densa e cromática.
Em c.206 o tema diminuído aparece juntamente com o elemento b nos graves. O elemento b
aparece cinco vezes até chegar a Ré e findar com um Re Maior. O fagote ainda faz sozinho pela
ultima vez o tema reduzido e por fim o elemento c aparece. Forma assim um grande Plagal já
que de antes veio de um período grande em Sol maior e fechando em oito compassos de Ré
maior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta gigantesca sinfonia vocal e instrumental tomando como ponto de partida
o texto litúrgico, como definem Grout e Palisca (2007) em seu livro sobre a História da Música,
percebemos considerações importantíssimas sobre a essência de Beethoven e de sua música.
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Notamos, por exemplo, como o tratamento coral bebe da fonte de Haendel, muito admirado por
Beethoven. A semelhança como as Missas de Haydn devido à unidade musical dos cinco
movimentos desta missa também se faz notória.
Beethoven entrou em cena, por assim dizer, num momento histórico particularmente
favorável. Viveu numa época em que novas e poderosas forças começavam a
manifestar-se na sociedade, forças que o afetaram profundamente e se repercutiram na
sua obra. Beethoven, tal como Napoleão e Goethe, foi filho de gigantescas convulsões
que vinham fermentando ao longo de todo o século XVIII e que eclodiram com a
Revolução Francesa. Historicamente, a obra de Beethoven é construída de acordo com
as convenções, os gêneros e os estilos do período clássico. Mas as circunstâncias
externas e a força do próprio gênio levaram-no a transformar esta herança e fizeram
dele a origem de muito do que veio a caracterizar o período romântico. (GROUT;
PALISCA, 2007, p.546)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BONDS, Mark Evans. A History of music in Western Culture: combined volume/ Mark Evan
Bonds.----3rd ed.
FREDERICO, E. Música: breve história. São Paulo: Irmãos Vitale, 1999. P. 89-96.
GROUT, DONALD J., PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. [Tradução: Ana
Luísa Faria]. Lisboa: Gradiva, 2007. 5ª edição. Pag. 475-567.
POULTNEY, D. Studying music history: learning, reasoning, and writing about music history
and literature.2.ed. Nova Jersey: Prentice Hall, 1996(?). P.112-118.