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R$ 16,00

pentagrama
Lectorium Rosicrucianum
“Se deixares de lado algumas discussões sobre o vocabulário,
descobrirás, meu filho, que o Espírito, a Alma de Deus, reina Diálogo – Uma conversa sobre a criação, o
verdadeiramente sobre tudo: sobre o destino, sobre a lei, sobre todo
homem e a linguagem da alma
o resto – e que nada lhe é impossível.”
Vivemos em diálogo: tudo fala

Hermes não poderia ter se expressado mais positivamente que dentro de nós
isso. Aqui, é dito intencionalmente que, mesmo no caso em que Uma conversa sobre a criação
um ser humano tenha degradado e transgredido de maneira Sobre o homem
extremamente grave as leis elementares da vida, se ele se entregar
Conversa consigo mesmo
e se confiar à alma eterna, ela poderá romper com o destino,
por mais fatal e aprisionador que ele seja, graças ao perdão dos
pecados. É por essa razão que não vamos contra nenhum ser, nem
contra o que ele poderia ter feito de mal em seu passado. Que
ele somente se entregue de forma positiva à sua alma e que ele
dê testemunho dela por meio de sua atitude. O estado de aluno
deve ser demonstrado concretamente: o aluno deve dar provas
disso. O ensinamento sobre o erro, sobre a remissão dos pecados e
a respeito da graça é um ensinamento hermético clássico. Todos
vós que podeis declarar isso e demonstrá-lo com base na fé dos Profundidade, silêncio,
evangelhos de milhões de anos da Gnosis original de Hermes,
pensamento, consciência,
todos vós nos trazeis muita alegria! Esse grandioso e maravilhoso
palavra
consolo chega até nós pela certeza de que a alma verdadeira é bem
mais elevada e poderosa do que todos os destinos. A profundidade da palavra

de Giordano Bruno
J. van Rijckenborgh
A Edda: O destino dos deuses

jAn/fEv 2011 númErO 1


A Arquignosis Egípcia
Editor responsável
qualquer livro
A. H. v. d. Brul

Linha editorial com 30% de desconto


P. Huis

A Aquignosis
Redatores
C. Bode, A. Gerrits, H.P. Knevel, G.P. Olsthoorn,
A. Stokman-Griever, G. Uljée, I.W. van den Brul

Redação
Pentagram
Maartensdijkseweg 1
Revista Bimestral da Escola egípcia
NL-3723 MC Bilthoven, Países Baixos
Internacional da Rosacruz Áurea Vol. 2,3 e 4
e-mail: pentagram.lr@planet.nl
J. van Rijckenborgh
Edição brasileira
Pentagrama Publicações
Lectorium Rosicrucianum
www.pentagrama.org.br
No segundo volume da Arquignosis egípcia,
Administração, assinaturas e vendas
Pentagrama Publicações A revista Pentagrama dirige a atenção de seus leito- Jan van Rijckenborgh dirige-se a todos os
C.Postal 39 13.240-000 Jarinu, SP
livros@pentagrama.org.br res para o desenvolvimento da humanidade nesta nova que em nossos dias ainda têm ouvidos para
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Assinatura anual: R$ 80,00
era que se inicia. ouvir; àqueles que, tocados no fundo do
Número avulso: R$ 16,00 O pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo coração, na irremediável desordem que eles
do homem renascido, do novo homem. Ele é também mesmos geraram, reconhecem a necessi-
Responsável pela Edição Brasileira o símbolo do Universo e de seu eterno devir, por
M.D. Eddé de Oliveira dade de uma mudança fundamental.
meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretan-
Revisão final
M.V. Mesquita de Sousa to, um símbolo somente tem valor quando se torna
realidade.O homem que realiza o pentagrama em seu O terceiro volume da Arquignosis egípcia traz
Coordenação, tradução e revisão
M.J.Versiani, M.M. Rocha Leite, L.M.Tuacek, microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, está no ao homem buscador a indicação do único e
M.B. Paula Timóteo, A.C. Gonçalez Jr.,
D.B. dos Santos, J. Jesus, U.B. Schmidt,
caminho da transfiguração. antiquíssimo caminho de volta: “O Bem
M.S. Sader, M. Mölder, R.D. Luz, F. Luz A revista Pentagrama convida o leitor a operar essa
Único, o Bem absoluto, pode ser encontrado
Diagramação, capa e interior revolução espiritual em seu próprio interior.
D.B. Santos Neves somente em Deus e não no próprio ego.”
Terceira capa
H. Rogel
O quarto volume tenciona expor e esclarecer
Lectorium Rosicrucianum novamente a mensagem redentora de todos
Sede no Brasil os tempos à humanidade pesquisadora a fim
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até o final de abril
autorização prévia por escrito

ISSN 1677-2253
pentagrama
ano 33 número 1 2011

O Upanixade Taittiriya, de milhares de anos, remete-


-nos ao tema desta edição da revista Pentagrama:
sumário
“Para que o conhecimento surja é necessário tanto
um mestre quanto um aluno. Além disso também é
necessário um terceiro fator: um diálogo ou debate.” diálogo - uma conversa sobre a criação,
O poderoso arquétipo do homem original, semeado o homem e a linguagem da alma 2
na matéria, a essência e o efeito do onimovimento:
é animado diálogo geral entre hermes e asclépio 6
nesses diálogos j. van rijckenborgh
e demonstra, vivemos em diálogo:
cada vez mais, tudo fala dentro de nós 13
ao final de um uma conversa sobre a criação 21
desenvolvimen- sobre o homem 26
to ao longo conversa consigo mesmo 34
de eras, seus o destino dos deuses 40
maravilhosos con- uma boa conversa 44
tornos. O homem a profundidade da palavra de
verdadeiro dispõe giordano bruno 47
de uma consciência
plena, da Gnosis.
Miquelângelo,
em seu diálogo
com a pedra,
nos mostra a
gênese desse
ser.

Capa : Afresco do palácio do rei Minos em


Cnossos (Creta) que expressa a atmosfera e a ati-
tude de espírito correspondentes ao tema deste
número da revista Pentagrama: diálogo com o
outro, diálogo consigo mesmo.

diálogo – uma conversa sobre a criação, o homem e a linguagem da alma 1


diálogo

O tema deste número é Diálogo: uma conversa sobre a criação, o homem e a linguagem
da alma.Todos os que se sentiram interessados por essas palavras que representam
ideias fundamentais perceberão que o diálogo que aqui iniciamos é algo que vai além
de uma simples troca de pontos de vista.

I
maginemos que, ao abrir esta revista, esta­ mas sim como um interrogador respeitoso, ba­
mos entrando em um espaço comunitário, seado na verdade, que é sempre fundamentada
e que vamos preenchê-lo inteiramente com em uma ideia bem estabelecida ou evidente.
nosso tempo, nossos pensamentos, nosso dese­ O que permite a Sócrates direcionar seus
jo de conhecimento e compreensão, e, talvez, diálogos é sua riqueza interior de bom senso e
nossa fome de libertação, de liberdade. Neste sabedoria. Conhecendo bem os preconceitos
espaço tudo está presente, tudo é possível. Ele e a mentalidade superficial de seus interlocu­
é extremamente efervescente, concretamente tores, ele não formula seus pensamentos de
ativo e trêmulo de energia – como uma crian­ forma doutrinária. Pelo contrário: ele se esfor­
ça na véspera do dia de seu décimo aniversá­ ça para demonstrar que, por meio do diálogo,
rio. Porém, ainda não há nada concretizado. pode ajudar seu interlocutor a alcançar uma
Uma simples exposição oral deixaria o assunto compreensão superior ou mais sutil. Quem
menos incisivo, menos expressivo. Um debate registrou essas conversas por escrito foi Platão.
o transformaria em um campo de batalha. Um Por isso, é natural que nos perguntemos se elas
diálogo é exatamente o oposto: ele traz em si realmente aconteceram.
o espaço fértil onde cada participante se torna Além desses diálogos gregos que se mostram
mais rico, adquire mais experiência e se sen­ sempre tão convincentes, há os Diálogos italia­
te “religado” ao assunto. Um diálogo sempre nos de Giordano Bruno (que, geralmente não
acontece em determinado nível. Além disso, faz acontecem somente entre duas pessoas). O que
com que tudo o que existe nesse espaço se tor- esses diálogos têm de muito especial é a carac­
ne livre, visível e concreto. A palavra “diálogo” terística de abordarem questões vitais essen­
(do grego diálogos) significa “o que é transmi­ ciais e muito modernas para a época, tratando
tido por meio da palavra”, e, no caso presente, dos mesmos valores.
“por meio do que está escrito”. Com seu raciocínio que demonstra uma
Geralmente o que mais pesa em um diálogo mentalidade liberta, com muita erudição e
são os argumentos racionais. Porém, a maioria
perde seu objetivo exato ou se transforma em
uma conversa sem fim porque o encadeamen­
to da argumentação não é bem feito – e isso Dresses. As abstrações do artista
acontece até no que chamamos de “diálogo americano Derrick Hickman de Grove
aberto”. City, Ohio (EUA), colocam-se entre o es­
pectador e a história que o quadro narra,
Nos diálogos clássicos de Platão, vemos como “da mesma forma que o romantismo, o
Sócrates direciona seus interlocutores por ego e o exagero (drama) falsificam nossas
meio de perguntas – não como um detetive, lembranças”.

2 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO

DIÁLOGO, UMA CONVERSA SOBRE A CRIAÇÃO,


O HOMEM E A LINGUAGEM DA ALMA

diálogo – uma conversa sobre a criação, o homem e a linguagem da alma 3


qual ele dá testemunho – com base na Gnosis,
que é sempre luz, força, conhecimento, in­
corporeidade – ele transmite um ensinamento
magistral. É esse ensinamento que revela o co­
nhecimento, ou Gnosis, durante as conversas
com seus alunos. Quanto a esse conhecimen­
to abarcante e profundo, não se trata de um
conhecimento intelectual comum: cada um de
seus interlocutores é um aluno iniciante.
Podemos qualificar de “horizontal” um diálo­
go entre pessoas semelhantes, que se baseiam
nos mesmos valores. Os diálogos que acon­
tecem dentro de uma estrutura hierárquica
podem ser vistos como “diálogos verticais” –
especialmente quando se trata de um diálogo
Leis em escrita cuneiforme, por volta de 3000 a.C.
interior, como o que o maravilhoso Pimandro,
de Hermes, nos faz vislumbrar. Pimandro é
nosso espírito interior, nossa natureza espiri­
humor, Bruno dá aos novos conceitos euro­ tual intrínseca. Se quisermos ter um “diálogo
peus a oportunidade de ir além dos diálogos aberto”, ele nos ensinará sabedoria e conheci­
platônicos – e, de maneira especial, do pensa­ mento: a Gnosis.
mento de Aristóteles. Giordano Bruno destaca
a importância da sabedoria egípcia, no início A revista Pentagrama mostra como podemos
de nossa era, que também foi retransmitida sob ter um diálogo vertical, ou seja, um diálogo
a forma de diálogo, por Hermes Trismegisto, espiritual com nosso interior. Quando a razão,
entre outros. a lógica, a comunicação e o intercâmbio trans­
Essa forma concentrada de reapresentar o anti- cendem os pensamentos cotidianos, tanto os
go ensinamento egípcio realmente demonstra diálogos verticais como os horizontais têm sua
que o pensamento grego é apenas “uma crian­ importância: têm a vantagem de ser, ao mesmo
ça pequena quando comparado à sabedoria tempo, comunicação interior e comunicação
egípcia”: Sólon já havia percebido isso cinco entre duas pessoas. Para Hermes, o que é ne­
séculos antes. cessário para progredir são as oposições, e não
Hermes também nos oferece um ponto de os posicionamentos. Por sua vez, na Europa,
vista racional. Com base no entendimento do Nicolau de Cusa (1401-1464) já falava da “uni­

4 pentagrama 1/2011
Como a memória dos homens expressa o
pensamento em palavras, também podemos dizer:
a palavra é o instrumento do espírito para transmitir
pensamentos. Essa afirmação é verdadeira em
diversos níveis. Os pensamentos tornam-se visíveis
pela escrita. As palavras soam e formam um fluxo
vivo de pensamentos. As letras formam as palavras
no domínio material e formatam a imagem que
se expressa na palavra, e a palavra carrega o
pensamento. Assim se instaura o diálogo.

dade dos contrários”. Desse modo, forma-se A força da Gnosis ou do “conhecimento do


uma cruz, cujo centro é como uma janela que coração” apenas pode agir se admitirmos que a
se abre para a dimensão espiritual da grandiosa personalidade, por si só, não pode transmitir-
realidade. É assim que nós, leitores, prepara­ -nos sabedoria e força. As oposições aparentes
mos nossa razão, nosso interior, para ser “o nos fazem perceber a natureza de sua unida­
espaço para um diálogo vivente”, uma cruz… de, que é tão importante para o crescimento
Desse modo, com sabedoria, nós nos torna­ da consciência, tão favorável para as relações
remos conscientes da unidade final das con­ cotidianas no mundo.
tradições que reinam dentro de nós. Quando Dentro de nós, a unidade das oposições so-
procedemos desse modo, o diálogo começa a mente poderá ser alcançada quando desco­
acontecer, estrutura-se, e há um intercâmbio: brirmos o quanto necessitamos dessa unidade
dialogamos com nosso interior. para estabelecer o diálogo íntimo necessário
ao nosso conhecimento interior. Portanto, a
Este número da revista Pentagrama oferece maneira como esse processo se desenrola em
pedras de construção que podem ajudar-nos todos os que estudam a Gnosis hermética faz
a tomar consciência de tudo isso. Graças a parte do tema desta edição. Queremos de­
vários exemplos de diálogos do tipo horizontal monstrar que o único processo a ser vivencia­
ou vertical, tentaremos ilustrar esse tema, de do é o procedimento que chamamos atual­
Sócrates a Jacob Boehme, de Platão a Giorda­ mente de “caminho da Rosacruz moderna”.
no Bruno, e também com diálogos modernos. Apresentado com uma introdução de J. van
A sabedoria universal sempre se apresenta de Rijckenborgh, o Diálogo universal entre Hermes
modo muito variado. Por exemplo: nas escri­ e Asclépio dá um magnífico exemplo da manei­
turas orientais como o Mahabharata (do qual ra elegante com a qual o pensamento hermé­
faz parte o Bhagavad Gita), os Vedas, a literatu­ tico tão sutil dos discípulos de Hermes e sua
ra taoísta e outros numerosos escritos. Todos filosofia demonstram a existência de Deus µ
esses textos mostram que, não importando o
seu grau de autonomia, todas as almas sempre
têm necessidade de um interlocutor com quem
possam dialogar e trocar ideias.
Em suas obras, J. van Rijckenborgh demonstra
que a “razão” diz respeito ao aspecto racional
e que a “moral” tem por objetivo o tipo de
vida correspondente. “Quem compreende é
livre”, ensina-nos Espinosa.

diálogo – uma conversa sobre a criação, o homem e a linguagem da alma 5


A ESSÊNCIA E O EFEITO DO MOVIMENTO UNIVERSAL

diálogo geral entre


hermes e asclépio
J. van Rijckenborgh

Asclépio ou Esculápio foi, na Antiguidade, o deus da medicina, e, em sentido mais


amplo, Esculápio representa também o auxiliador, o sanador. No sexto livro do
Corpus Hermeticum (Diálogo geral entre Hermes e Asclépio), Hermes instrui um alu­
no que, conforme diz o seu nome, se sabe convocado a caminhar na senda do ser­
viço à Gnosis, para que possa cooperar na cura da humanidade enferma, no levan­
tar dos caídos, no restabelecimento dos alquebrados. No sexto livro hermético,
Asclépio, tendo em vista o que se disse, é profundamente introduzido na essência
do movimento, na causa e no efeito do movimento universal.

A
f ilosof ia hermética, como ireis verif i- Mas por que justamente a Bíblia deva ser a
car, desenvolve o seu raciocínio par- palavra de Deus, ninguém sabe. A conse­
tindo sempre de um início elemen- quência é que um af irma categoricamente
tar, tomado como base, para elevar-se aos o que outro nega, enquanto que um tercei­
aspectos mais abstratos. Quem faz uso des- ro não faz o que os dois outros fazem e per-
sa chave e nunca se desvia desse método, manece indiferente. Com semelhante méto­
avançará passo a passo, prosseguirá no pensa- do de pensamento, é óbvio que a verdade não
mento e, por f im, compreenderá o que deve é servida em absoluto, sendo substituída pela
ser compreendido. Muitos, em seus proces- incerteza, pela mentira e por intensa disputa.
sos de pensamento, têm o hábito de come- O método de pensamento hermético é o úni­
çar com o que é abstrato, com o desconhe- co seguro e certo, porque, partindo do pen­
cido, e depois procurar chegar ao concreto. samento relativo ao identif icável, ao concre-
Semelhante método de pensamento jamais to, indica o caminho seguro para o abstrato.
poderá ser satisfatório e também sempre leva Por isso, esse método é sempre aplicado pela
à especulação, à mistif icação. Assim, fre- Gnosis original, e todos os que anseiam e
quentemente, ouve-se o homem místico di- buscam a libertação recebem-no, porque ele
zer que isso ou aquilo deve ou não deve ser concede o resultado mais evidente. Assim,
feito. O porquê, porém, f ica, de modo geral, também podemos reconhecer, pelo seu modo
totalmente indef inido e é por isso, amiúde, de pensar, se alguém é ou não um verdadeiro
ou a causa da negação ou da af irmativa deci- buscador da verdade. Um modelo inequívoco
siva. Então ouve-se: “A Bíblia é a palavra de no tocante a isso foi, na Holanda, por exem-
Deus, e dela nenhum jota pode ser negado”. plo, Benedito de Espinosa. Ele utilizou, sem
dúvida, o método de pensamento hermético.

6 pentagrama 1/2011
Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri,

fundadores da Escola Internacional da Rosacruz Áurea,

DIÁlOGO
descrevem e comentam para alunos e interessados
o caminho que leva à libertação da alma com base
em textos originais da Doutrina Universal,
tais como o Corpus Hermeticum

Flor ornamental em
um mosaico de pare-
de no Taj Mahal, Índia

a essência e o efeito do movimento universal 7


Para nós Deus é o mais elevado para o qual o pensamento
possa dirigir-se. Para nós, mas não para Deus mesmo!

No Diálogo geral entre Hermes e Asclépio ve­ DIÁLOGO GERAL ENTRE HERMES E ASCLÉPIO
rificamos que existe uma fonte de força onia­ Hermes: Asclépio, tudo o que é movido não é
barcante, onipenetrante, fonte de força em movido em algo e por algo?
que todas as regiões cósmicas estão encer­ Asclépio: Certamente!
radas. A intenção do sexto livro de Hermes Hermes: E não é necessário que aquilo em que
Trismegisto é fazer com que nos tornemos algo é movido seja maior do que o
profundamente convictos desse fato. A inten­ que é movido?
ção não é a de dar uma profunda explicação Asclépio: Sem dúvida.
filosófica do ser de Deus e da atividade da for­ Hermes: Além disso, o que cria o movimen­
ça divina. Trata-se unicamente de tornar cla­ to é mais poderoso do que o que é
ro ao aluno, a Asclépio, que se vê convocado movido!
à nobre missão por Deus e quer dedicar-se em Asclépio: É claro.
perfeita rendição à senda da Gnosis, que exis­ Hermes: E não será que a natureza daqui­
te uma fonte de força universal oniabrangen­ lo no qual se realiza o movimento
te e onipenetrante, e que, por conseguinte, é seja necessariamente oposta ao que é
possível e também necessário entrar em liga­ movido?
ção com ela. A nossa insignificante existên­ Asclépio: É evidente.
cia como ser natural inconsciente sobre a mãe Hermes: Pois bem. Então este universo é
Terra constitui-se na mais ilógica das coisas maior do que qualquer outro corpo?
que possam existir na manifestação universal. Asclépio: Certamente.
Quem está ligado com as radiações da salva­ Hermes: E não está completamente cheio, isto
ção, à fonte da força, torna-se santificado, isto é, com muitos outros grandes corpos
é: sanado! E, mediante a maravilha da graça de ou, mais corretamente, com todos os
sua cura, ele se torna um sanador a serviço da corpos existentes?
Gnosis, um amadurecido Asclépio! Asclépio: Isso mesmo.
O Diálogo geral apela principalmente para o Hermes: Consequentemente, o universo é um
nosso discernimento, para o nosso pensar diri­ corpo.
gido para o interior. Ele não pede de nós que Asclépio: Justo.
apenas ouçamos, mas que também acompa­ Hermes: A saber, um corpo que é movido.
nhemos, no pensamento e na penetração em Asclépio: Certamente.
nosso próprio ser, até onde pode ser ouvido e Hermes: Quão grande deve então ser o espa­
compreendido, em serena quietude e sossego, ço dentro do qual o universo é movi­
o eterno chamado da veradeira finalidade da do! E de que natureza? Ele tem de ser
vida dos homens. muito maior do que o universo para

8 pentagrama 1/2011
poder admitir o movimento contí­ como espaço, mas como Deus; e se
nuo, sem que o universo seja compri­ pensamos no espaço como Deus, ele
mido pela estreiteza do espaço e te­ já não é espaço no sentido comum
nha de parar o seu movimento. da palavra, mas sim a força ativa de
Asclépio: Esse espaço deve ser extraordinaria­ Deus, que tudo encerra.
mente grande, Trismegisto! Tudo o que se move não se move em
Hermes: E de que natureza? De natureza opos­ algo que é movido por si mesmo, mas
ta, não, Asclépio? Pois bem, o con­ em algo que é imóvel; e a força mo­
trário da natureza do corpo é o triz mesma é igualmente imóvel, não
incorpóreo. podendo partilhar do movimento
Asclépio: Sem dúvida. que ela produz.
Hermes: Então o espaço é incorpóreo! Asclépio: Mas, Trismegisto, de que modo as
Mas o incorpóreo é ou divino por na­ coisas aqui na Terra se comovimen­
tureza ou Deus mesmo! (Com divino tam com as que causam o seu movi­
não quero agora dizer o criado, mas o mento? Porque disseste que as esferas
não criado.) Se o incorpóreo é divino pecaminosas são movidas pela esfera
por natureza, é da natureza da essên­ sem pecado.
cia da criação; e se é Deus, é uno com Hermes: Asclépio, aqui não se trata de um mo­
a essência. Aliás, podemos concebê-lo vimento em comum, mas de um mo­
com a mente, como segue: vimento oposto! Porque essas esferas
Para nós Deus é o mais elevado para não são movidas na mesma direção,
o qual o pensamento possa dirigir­ mas na direção oposta. Esse contraste
se. Para nós, mas não para Deus mes­ oferece ao movimento um ponto fixo
mo! Porque o objeto da reflexão, para de equilíbrio, porque a reação dos
aquele que pensa, torna-se atingí­ movimentos opostos se manifesta na­
vel pela luz da compreensão. Portanto quele ponto como imobilidade.
Deus não é para si mesmo objeto de Visto que as esferas pecaminosas são
reflexão; porque, sendo semelhante movidas numa direção oposta à da
à essência da reflexão, ele reflete so­ esfera sem pecados, elas, nesse con­
bre si mesmo. Para nós, porém, Deus tramovimento, são movidas pelo
é diferente: por isso ele é objeto dos ponto fixo de equilíbrio ao redor da
nossos pensamentos. esfera resistente. E não pode ser de
Ora, se o espaço universal é objeto do outro modo. Vês as constelações da
nosso pensamento, não pensamos nele Ursa Maior e da Ursa Menor, que

a essência e o efeito do movimento universal 9


não se levantam nem se põem e sem­ causas fora do corpo, mas por cau­
pre giram em torno de um mesmo sas dentro do corpo, operantes do in­
ponto; julgas que são movidas ou que terior para o exterior por uma força
estão paradas? racional-consciente, seja alma ou es­
Asclépio: São movidas, Trismegisto. pírito, seja qualquer outra essência in­
Hermes: E qual é o seu movimento, Asclépio? corpórea, porque um corpo físico não
Asclépio: Elas giram continuamente ao redor pode mover um corpo animado, nem
dos mesmos centros. qualquer outro corpo, tampouco um
Hermes: Justo. A marcha circular é, pois, nada corpo inanimado.
mais do que um movimento em torno Asclépio: Que quereis dizer com isso,
do mesmo centro, o qual, pela imobi­ Trismegisto? Não são pedaços de ma­
lidade do centro, é perfeitamente do­ deira e pedras e outros objetos ina­
minado. Pois o movimento circular nimados corpos que produzem
impede o desvio e assim a revolução é movimento?
mantida. Deste modo o contramovi­ Hermes: Certamente não, Asclépio. Porque
mento no ponto de equilíbrio igual­ não é o corpo mesmo que produz o
mente está em repouso, porque o mo­ movimento do que é inanimado, mas
vimento resistente o faz estático. o que está dentro do corpo, e isso
Vou dar-te um exemplo comum, pelo move ambos os corpos, tanto o cor­
qual podes verificar a sua justeza, me­ po que desloca como o que está sen­
diante o olhar. Pensa nos seres mor­ do deslocado, por isso, o inanimado
tais, como, por exemplo, o homem não pode mover o inanimado. Vês,
que está nadando: enquanto a água pois, quão pesada é a carga da alma
corre, a resistência, a contraforça dos quando ela, sozinha, tem de carregar
pés e das mãos cria para ele uma con­ dois corpos! É claro, pois, que o que é
dição estável, de maneira que a água movido está sendo movido em algo e
não pode atraí-lo para baixo. através de algo.
Asclépio: Este exemplo é muito claro, Asclépio: Será que o movimento terá de se rea­
Trismegisto. lizar num espaço vazio, Trismegisto?
Hermes: Cada movimento, portanto, se rea­ Hermes: Escuta bem, Asclépio. Nada que é real
liza em algo e através de algo, sendo é vazio, nada que faz parte do que é
este mesmo imóvel. O movimento do realidade é vazio, como já mostra a pa­
universo e de qualquer ser corpóreo lavra ser que quer dizer existir. Porque
vivente não é, pois, ocasionado por o que é não teria realidade, não

10 pentagrama 1/2011
existiria se não fosse preenchido de re- Hermes: Espírito, inteiramente incluído em si
alidade. O que é real, o que existe em mesmo, livre de toda a corporalidade,
realidade nunca pode ser vazio. sem erro, sem sofrimento, intocável,
Asclépio: Mas não há objetos vazios, imovível em si mesmo, tudo envolven­
Trismegisto, como um jarro, um do, tudo salvando, libertador, curador;
pote, um almofariz e todas as outras aquilo de que o bem, a verdade, o ar­
coisas semelhantes? quétipo do espírito e o arquétipo da
Hermes: Cala-te, Asclépio, como podes errar alma emanam como raios.
tanto! Como podes considerar vazio o Asclépio: Mas o que é então Deus?
que é totalmente cheio e repleto! Hermes: Ele não é nada disso, mas a causa de
Asclépio: Que queres dizer, Trismegisto? tua existência, e de tudo o que é, e
Hermes: O ar não é um corpo? Esse corpo não igualmente de qualquer criatura em
penetra tudo que existe? E não enche particular, porque ele não deixou es­
tudo o que penetra? Não é cada cor­ paço algum para o não ser; tudo o que
po composto de quatro elementos? existe vem a ser do que é e não do que
Todas essas coisas que chamaste vazio não é, porque ao não ser falta o poder
são, pois, repletas de ar, e, sendo pre­ do vir-a-ser, enquanto, por outro lado,
enchidas de ar, elas o são também dos o-que-é nunca deixa de ser.
quatro corpos dos elementos; assim Asclépio: O que disseste propriamente que
chegamos a uma conclusão justamen­ Deus é?
te oposta às tuas palavras: tudo o que Hermes: Deus não é a razão, mas o fundamento
chamas cheio está esvaziado de todo dela; não é o alento, mas o fundamen­
o ar, porque o seu lugar está ocupa­ to dele, não é a luz, mas o fundamen­
do por outros corpos, não deixando to dela. Por isso, Deus tem de ser ve­
lugar para admitir o ar, e todas essas nerado pelos nomes de Bem e de Pai,
coisas que dizes vazias devem antes nomes que convêm somente a ele e a
ser chamadas de plenas e não vazias, nenhum outro, porque nenhum da­
pois em realidade estão cheias de ar e queles que são chamados deuses e ne­
de alento. nhum dos homens e dos demônios
Asclépio: Tudo isso é claro, Trismegisto. Dize­ pode ser bom em qualquer aspecto que
me uma vez mais: o que é o espaço seja. Somente Deus, unicamente ele é
no qual o universo é movido? bom, e nenhum outro. Todos os ou­
Hermes: É o incorpóreo, Asclépio. tros não podem abranger a essência do
Asclépio: E o que é então o incorpóreo? bem, porque eles são corpo e alma e

a essência e o efeito do movimento universal 11


Deus é o bem, não como expressão de honra,
mas em virtude de seu ser!

carecem de lugar onde o bem possa re­ Por isso Deus é o bem, e o bem é
sidir. O bem contém o essencial de to­ Deus. O outro nome de Deus é Pai,
das as criaturas, tanto das corpóreas porque ele é o criador de todas as coi­
como das incorpóreas, tanto das per­ sas, pois criar é a característica do Pai.
ceptíveis como das que pertencem ao Por isso, na vida daqueles cuja cons­
mundo do pensamento abstrato. Isso ciência está bem sintonizada, o fazer
é o bem, isso é Deus. Por isso, nunca nascer o filho é uma coisa da maior se­
chames qualquer outra coisa de bom, riedade e zelo e da máxima afeição a
porque isso seria impiedade. E nunca Deus; ao passo que a maior infelicidade
chames Deus de outro modo do que o e o maior pecado é alguém morrer sem
bem, porque isto também é ímpio. essa descendência e depois ser julgado
É verdade que todos usam a palavra pelos demônios.
“bom”, mas nem todos percebem o Eis portanto a sua punição: a alma sem
que seja. Por isso, todos não compre­ filho é condenada a adotar um corpo
endem a Deus e em ignorância cha­ que não é de natureza masculina nem
mam de bom os deuses e alguns ho- feminina, o que é uma execração sob
mens, apesar de eles nunca poderem ser o Sol. Participa, pois, Asclépio, da ale­
nem tornar-se bons, porque o bem é o gria se ninguém ficar sem descendên­
absoluto imutável de Deus e insepará­ cia, mas envolve de compaixão aquele
vel dele, por ser Deus mesmo. Todos os que se encontra na infelicidade, por­
outros deuses são, como imortais, hon­ que sabe da punição que o aguarda.
rados com o nome de deus, mas Deus Asclépio, possa o que te disse constituir
é o bem, não como expressão de hon­ para ti, segundo a natureza e extensão,
ra, mas em virtude de seu ser! A essên­ certo conhecimento introdutório em
cia de Deus e o bem são uma só coisa: relação à essência do universo µ
eles formam, em conjunto, a única ori­
gem de todos os gêneros, porque bom
Fontes:

é aquele que tudo dá e nada toma! Em Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis egípcia. São Paulo:

verdade, Deus tudo dá e nada toma! Lectorium Rosicrucianum , 1986. Tomo II, cap. XIII.

12 pentagrama 1/2011
vivemos em
DIÁlOGO

diálogo: tudo
fala dentro
de nós
“Mas como está escrito: As coisas que
o olho não viu, e o ouvido não ouviu,
e não subiram ao coração do homem,
são as que Deus preparou para os
que o amam. Mas Deus no-las revelou
pelo seu Espírito; porque o Espírito
penetra todas as coisas, ainda as pro­
fundezas de Deus.”
Coríntios I, 2:9-10

T
entemos imaginar algo que nenhum
olho jamais viu e nenhum ouvido
jamais ouviu… Tentemos fazer isso
só porque somos seres humanos e quere­
mos saber. “Querer saber” é exatamente
o que é típico do fenômeno humano.
Quando, além disso, nosso saber se junta
ao rico mundo das ideias, nós nos eleva­
mos e ultrapassamos, aqui embaixo, todas
as outras criaturas da Terra.
Para começar, tomemos a fórmula bem
conhecida do Evangelho de João: “No
princípio era o Verbo”. Na dimensão in­
finita do princípio está a fonte não apenas
de um, mas de todos os universos. O oce­
ano original das formas não passa de um
simples pontinho naquilo que os gnósticos

vivemos em diálogo: tudo fala dentro de nós 13


chamam de “profundidade” ou “abismo Vida é manifestação. Significa encontrar-se
insondável”… em uma forma na qual e pela qual algo pode
É aí, no silêncio divino, no repouso eterno, manifestar-se. Esse algo que quer manifestar­
que a energia do princípio se transformou em se poderia ser denominado o primeiro pen­
primeiro alento, em primeira força do Espírito. samento: O “unigênito imortal” do primeiro
Nesse “repouso do universo” surgiu o movi­ pai. Com que finalidade? Talvez para aprender
mento – como o denominou o Evangelho de a falar, a ser como o pai, a tornar-se perfeito!
Tomé – ou “o Verbo”, como está escrito no “Sede perfeitos como vosso Pai!” É Hermes
Evangelho de João. “O ser humano surgiu de Trismegisto quem diz: “Assim como os deuses
um pensamento de Deus” – é o que se diz. E são posse de Deus, o homem também o é. E a
foi pelo Verbo, pelo pronunciar desse pensa­ posse do homem é o mundo: se não houvesse
mento, que o homem surgiu. Se tentássemos ninguém para ver o mundo, tudo o que vemos
descrever como foi isso, poderíamos dizer não existiria. Somente o homem pode ver o
que, a partir dessas profundezas, desse silêncio, visível e compreender as coisas espirituais, pois
elevou-se uma voz que disse: “Vem a mim!” O elas não lhe são estranhas. O homem tem duas
homem foi chamado. Começou um diálogo… naturezas: a mortal e a imortal. Ele tem três
Quando surge um movimento, ele é sempre formas: o ser do espírito, o ser da alma e o ser
seguido por outro. A vida é movimento, que da matéria” (Definições herméticas, VI, 1).1
é som: portanto, tudo fala. Enquanto a criação
está em movimento, o criador fala com sua TRÊS PONTOS DE PARTIDA Como seres huma­
criatura. nos que somos, nascidos neste mundo, quando
Cada um de nós nasceu de um casal, de um começamos essa aventura, conforme se diz, no
homem e de uma mulher, que são a causa de momento em que nossos olhos se abrem, ime­
nossa existência. Eles conceberam uma criança. diatamente nos vemos frente a frente com essas
Mas será que foram eles que lhe deram forma e três formas de ser. Nós nos vivenciamos como
vida? Será que eles podem determinar o tempo consciência, percebemos os outros à nossa volta,
de vida que ela terá, sua saúde, seu caráter, sua observamos a natureza ao nosso redor. Com
bondade, seu modo de rir, o sofrimento pelo isso, três chaves nos são oferecidas para pergun­
qual ela passará ou o que desejará? Poderão de­ tarmos e respondermos imediatamente, com
terminar como serão seus olhos, essa maravilha toda liberdade: “Mas, afinal, o que será que eu
que o fará enxergar? vim fazer aqui?”
Quando uma criança nasce, esperamos que ela E estas são as chaves para responder essa
disponha de tudo o que é necessário para poder questão:
expressar-se na vida tal como a conhecemos. 1. a natureza como mestre;

14 pentagrama 1/2011
O papiro “Edwin Smith” do antigo Egito trata sobre remédios e tratamentos de ferimentos, por volta de
1600 a.C. (Malloch, Sala de Livros Raros, Academia de Medicina de New York). © Malloch Rare Book Room of the
New York Academy of Medicine

2. autoconhecimento adquirido pela convivên­ não ser: “Vem a mim!” – e é assim que a cria­
cia com nosso semelhante; ção começa!
3. aprender a conhecer o “Outro” dentro de Esse “insondável” traz consigo “uma profun­
nós, a alma. didade, um silêncio, uma paz e um movimento
É assim que o mundo se apresenta a nós como secreto”. É um processo como esse que se re­
uma fonte inesgotável de impressões, de coisas produz em cada nascimento de um ser humano
a serem vividas, e de uma sequência incessante na matéria. Ele conhece apenas o desejo da es­
de novas sensações. Pode ser que a vida se tenha fera de onde ele provém: a mãe. É a única coisa
originado porque “algo divino” quis dar forma de que ele tem consciência: a consciência de
a algo, assim como o criador engendrou a vida, que algo dentro dele está chamando – “Volta!”
a fim de poder perceber a si mesmo. Mas isso
levanta uma questão: a ciência gnóstica fala UM FOGO QUE ALIMENTA A SI MESMO Todo o
sobre o “silêncio” e chama a isso de “o nada” nosso percurso de vida representa um caminho
do profundo “não ser”. E é dessa profundidade de desenvolvimento. Quando não acontece o
insondável que ressoa o chamado do Espírito intercâmbio, o diálogo entre nós e o mundo, a
que, sendo secreto e sagrado, se oculta nesse vida para – e para também a evolução. A alma

vivemos em diálogo: tudo fala dentro de nós 15


Vocês gostariam de ler a história do rei que nasceu de
si mesmo? Então, precisam primeiro aprender a brilhan­
te língua do sol, das estrelas, os tímidos murmúrios da
lua, a música dos planetas, e também a língua de nossa
mãe terra, que cantarola sua cantiga de ninar para seus
incontáveis filhotes que, quando sua alma desabrochar,
pertencerão ao céu.
James Morgan Pryse.

se retira. Para preservar-nos disso, as três chaves mesmo”. Portanto, pensar é dialogar dentro de
são uma fonte de inspiração que oferecem reno­ si mesmo.
vação e aprofundamento.
• A natureza é mestre do ser humano e o ensina SÓCRATES Há muitos diálogos maravilhosos,
a arte de viver. É ela que nos mostra as carac­ redigidos por filósofos célebres, por grandes
terísticas fundamentais da vida neste mundo: sábios e místicos humildes, por Jesus, por Buda.
e disso surgem as grandes indagações. Se nos Em todos os tempos, em todas as partes do mun­
aprofundarmos nesse assunto, veremos como do, encontramos diálogos que nos levam a tri­
há intercâmbio entre tudo e como tudo está lhar os caminhos da busca no decorrer da vida.
interligado e é coerente. A natureza é efêmera: Sem dúvida, Sócrates é um mestre nesse gê­
sempre está mudando. O verdadeiro buscador nero de diálogo. Em todos os seus diálogos ele
reconhece tudo o que é passeiro como símbolo coloca a questão capital: “Como devo viver?”
e parábola. Sócrates (469-399 a.C.) era um personagem
• Em nossos contatos com nossos semelhantes e bem conhecido em Atenas. Ele considerava
com a natureza, obtemos o autoconhecimento. que sua missão era percorrer todos os dias essa
Percebemos nossos limites, por exemplo, pela cidade, cercado de alguns alunos, muitos deles
convivência com os outros, mas também há a bem jovens, para conversar com todo o tipo de
possibilidade de criar compaixão. Observamos pessoas a respeito “do bom, do belo e do verda­
nossa própria impotência e nossas capacidades deiro”. E dizia sobre si mesmo: “Sou a parteira
inalcançáveis – enfim, o que podemos fazer ou de meus amigos” (o que era uma alusão à sua
não. Esses contatos nos fazem descobrir o fato mãe, que era parteira). “Não estou interessado
de que somos únicos, mas, em seguida, vemos no corpo, mas sim na alma que precisa nascer.
que os outros também estão vivenciando a mes­ Faço perguntas e perguntas, até que o fruto
ma experiência (ou podem fazê-lo um dia!). Em oculto da compreensão possa ver, de repente, a
princípio, somos todos semelhantes e, partindo luz do dia.”
do individual, passamos ao universal. Ele queria “dar à luz” as qualidades divinas que
• Mediante a solidão da autoconsciência e os humanos não sabem possuir, portanto prestar
da vivência de nossos limites, chegamos ao uma espécie de assistência obstétrica espiritual.
“Outro”. Quem conhece a si mesmo é capaz de A ignorância é a fonte de todos os males! Ele
conhecer o Outro dentro de si: a alma. queria libertar os seres humanos de todos os
É isso o que as escolas de mistérios ensinam. obstáculos e limitações que os atormentam e
A iniciação é “silenciar e dialogar com o bloqueiam o desenvolvimento de sua alma.
Outro dentro de nós”. É isso o que represen­ Em dois diálogos com Tat, Hermes chama
ta a imagem do “fogo que se alimenta a si de “atormentadores” todos esses entraves que

16 pentagrama 1/2011
Ah, escuta minha prece!
Vê como é ilustre e grande
Que eu nunca perca o contato
o esplendor do mundo eterno,

com o Um e Único
que pode partilhar seu poder

no jogo da multiplicidade.
e sua glória por tantos espelhos,

Rabindranath Tagore mas permanece Um,

como ele era no princípio.

Dante

se colocam à nossa frente e nos manipulam nossa real situação e o que é a alma imortal, o
inconscientemente: “Outro” em nós. Precisamos questionar-nos
“Tat: Tenho, então, atormentadores dentro de sobre qual é o nosso real significado – nós, que
mim, Pai? possuímos uma forma com a qual podemos
Hermes: Não poucos, meu filho, assustadores e expressar-nos. Como aproveitar ao máximo
numerosos! essas circunstâncias e não deixar levar-nos pelos
Tat: Eu os não conheço, Pai. problemas aparentemente insolúveis levantados
Hermes: Essa ignorância é, ela mesma, o pela nossa situação e pelas nossas escolhas?
primeiro castigo, meu filho; o segundo é dor Um dos diálogos de Sócrates trata da busca da
e aflição; o terceiro, incontinência; […] Esses natureza essencial da alma imortal e do cor­
castigos são doze em número, porém entre esses po humano mortal. O diálogo começa pela
há numerosos outros que, mediante a prisão questão da importância da vida humana para a
do corpo, pela natureza, forçam o homem a alma, uma vez que o homem morre, enquanto
sofrer pelas atividades dos sentidos. Afastam-se, a alma continua. Será que precisamos cuidar de
porém, (embora não imediatamente) daque­ nossa alma? Citemos uma passagem da última
le a quem Deus mostra sua misericórdia; e conversa de Sócrates antes de sua morte:
essa última explica a natureza e o sentido do “Achas, então, perguntou, que podemos admitir
renascimento!”.2 duas espécies de coisas: umas visíveis e outras
Ignorância é o grande flagelo que aflige a invisíveis?
humanidade. E a Bíblia nos transmite esta Podemos.
lamentação: “O meu povo está sendo destruído Sendo que as invisíveis são sempre idênticas a si
porque lhe falta o conhecimento” (Oseias 4:6), mesmas, e as visíveis, o contrário disso?
o que representa a mesma ideia. Por falta de Admitamos também esse ponto, respondeu.
conhecimento devemos entender “não dialogar Então, prossigamos, uma parte de nós mesmos
com a Divindade”. Isso significa não conhecer não é corpo, e a outra não é alma?
a existência da Divindade, não ocupar-se com Sem dúvida, falou.
ela. A ilusão de que o corpo e suas percepções E com qual daquelas classes diremos que o cor­
sensoriais são o que há de mais elevado na vida po é mais conforme e tem mais afinidade?
do ser humano nos isola da Divindade! Ora, o Para todo o mundo é evidente que é com a das
ser humano é duplo: seu corpo é mortal, e sua coisas visíveis.
alma, imortal. E com relação à alma? É visível, ou será
Precisamos preocupar-nos seriamente com invisível?
a pergunta: “O que estamos fazendo aqui?”. Pelo menos para o homem, não o será,
Precisamos esforçar-nos para compreender Sócrates, respondeu.

vivemos em diálogo: tudo fala dentro de nós 17


Mas, quando falamos do que é ou não é visível, é repetido o chamado que soou em nosso nasci­

é sempre com vista à natureza humana. Ou mento e sempre se repete: “Volta! Retorna!”

achas que seja com relação a outra?


Não; é com a natureza humana, mesmo. “Onde estás?”

E a alma? Que diremos dela: poderemos vê-la Um texto de Martin Buber (1878-1965) relata

ou não? como Deus está sempre nos chamando:

Não podemos. “Alguém perguntou a um rabino:

Logo, é invisível. […] – Como interpretar a pergunta que Deus fez a

Mas também dissemos há alguns instantes, que Adão: ‘Onde estás?’

quando a alma se serve do corpo para conside­ O rabino respondeu:

rar alguma coisa por intermédio da vista ou do – Acreditas que a Escritura é eterna e abrange

ouvido, ou por qualquer outro sentido – pois cada época, cada geração, e cada ser humano?

considerar seja o que for por meio dos sentidos – Sim, acredito – disse ele.

é fazê-lo por intermédio do corpo – é arrastada – Pois bem, Deus sempre se dirige a cada ser

por ele para o que nunca se conserva no mesmo humano e pergunta: ‘Onde estás no mundo?

estado, passando a divagar e a perturbar-se, e Já se passaram tantos anos e dias que te foram

ficando tomada de vertigens, como se estives­ concedidos. Nesse meio tempo, até onde che­

se embriagada, pelo fato de entrar em contato gaste em teu mundo?’

com tais coisas? Essa resposta do rabino significa: Tu mesmo és

Sim, dissemos isso mesmo. Adão. É a ti que Deus pergunta: ‘Onde estás?’

E o contrário disso: quando ela examina sozi­ Se Deus nos faz essa pergunta é porque quer

nha alguma coisa, volta-se para o que é puro, provocar em nós o conflito que pode susci­

sempiterno, e que sempre se comporta do tar um tipo de questionamento e tocar nosso

mesmo modo, e por lhe ter afinidade, vive com coração.

ele enquanto permanecer consigo mesma e lhe Adão esconde-se para não ter de prestar con­

for permitido, deixando, assim, de divagar e tas, para escapar à responsabilidade que tem

pondo-se como relação com o que é sempre sobre a própria vida. É assim que cada um de

igual e imutável, por estar em contato com ele. nós se oculta, pois todos nós estamos na mesma

A esse estado, justamente, é que damos o nome situação de Adão. Para não termos de pres-

de pensamento.” (Fédão, XXVI, XXVII).3 tar conta de nossa vida, a própria existência

Nesse trecho, o problema é colocado de forma nos serve de esconderijo. É claro que há algo

categórica: as duas situações não são nem cons­ em Adão que busca a Deus – mas Adão cuida

tantes nem duráveis. Trata-se de resolver o que para que fique cada vez mais difícil para esse

o homem significa. Durante toda a nossa vida, algo encontrar Deus. Fazendo essa pergunta

18 pentagrama 1/2011
Então, num relampejar de discernimento interior, o conheci-
mento da alma pode manifestar-se em nossa consciência!

questionadora, Deus quer sacudi-lo, arrancá­ energias elevadas – mas na realidade do mundo
lo de seu esconderijo, mostrar-lhe até onde ele ela é arrastada para uma aventura cada vez mais
chegou. Deus quer despertar nele uma vontade agitada através da vida, e aprende o prazer de
firme de encontrar uma saída. Mas o hábito de conhecer a natureza. Isso vai tão longe que, de
sempre esconder-se também ajuda Adão a negar tão fragilizada que está, ela pensa que a vida
essa inquietação do coração. No entanto, essa deva ser assim mesmo…
voz que chama não soa quando uma tempes­ Nossa característica como seres humanos é que,
tade violenta ameaça a existência humana. graças à Gnosis, a partir dessa fragilidade que
Não, a voz que chama e questiona é a de ‘um pode ser comparada a um sono, podem surgir a
silêncio que aflora por um momento’, e é fácil inteligência gnóstica e a energia libertadora que
abafá-la.”4 a acompanha.
J. van Rijckenborgh, em seu livro A Arquignosis Então, num relampejar de discernimento
egípcia, tomo IV, trata esse assunto com bastante interior, o conhecimento da alma pode mani­
concisão: “Por que tendes forma corpórea? Para festar-se em nossa consciência! Disso resulta
vos atolardes aqui durante alguns anos em todas uma mudança profunda e fundamental: desse
as misérias possíveis e exercerdes uma ou outra momento em diante a alma toma as rédeas da
vocação burguesa, a fim de manterdes a cabeça situação. Ela questiona-se: “O que preciso fazer
fora da água e então morrer? Para vos afogar para recuperar o meu primeiro amor?” µ
no éter nervoso todos esses anos? Na maldade?
Fontes:

Sempre discutindo e lutando? É esse o objetivo 1 Trismegisto, H. De Hermetische Definities

de vossa vida? (Definições herméticas). In: Broek, R. van den.

Por que tendes forma corpórea? A forma Hermes Trismegistus. Inleiding, teksten, commentaren
corpórea, diz Hermes, é um instrumento, um (Hermes Trismegisto. Introdução, textos, comen­
tários). Amsterdam: Bibliotheca Philosophica
atributo da alma para se poder apresentar a seu Hermetica, 2006.
serviço, como seu servidor.”5 2 Trismegisto, H. Corpus Hermeticum, Décimo
O desejo da alma original é absolutamente quarto livro. In: Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis
puro: ela não quer nada mais do que refletir egípcia. São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1981.
Tomo IV.
sobre sua criação original e desenvolver outras 3 Platão. Fédão. In: Protágoras, Górgias, Fédão.
aptidões que recebeu do Altíssimo. E, como Belém: Editora Universitária UFPA, 2002.
ela é “invisível”, sua felicidade está nas peque­ 4 Buber, M. Der Weg des Menschen nach der chas­
nas coisas intangíveis, pois ela foi criada para sidischen Lehre (O caminho do homem segundo
a doutrina hassídica). Gütersloh: Gütersloher
ligar-se ao espírito invisível e aí encontrar sua Verlagshaus, 2001.
paz. Ela não quer nada mais do que receber, 5 Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis egípcia. São
das mais altas esferas, seu alento de vida ou suas Paulo: Lectorium Rosicrucianum , 1981. Tomo IV.

vivemos em diálogo: tudo fala dentro de nós 19


Livre para sempre
© G.Tijskens, Bélgica

20 pentagrama 1/2011
diálogo sobre
a criação
DIÁlOGO

O diálogo sobre a criação trata sobre a vida e a convivência com a natureza.


Apresenta o mundo em que podemos viver, ou melhor, em que precisamos
viver. Fala sobre este mundo que está a nosso serviço, que nos aguarda em
sua coesão espaço-temporal e nos cerca de sinais. Símbolos que, sem palavras,
falam conosco e representam nosso próprio mundo, com o qual podemos
vivenciar uma relação, mas do qual nunca participamos diretamente.

A
linguagem da criação sussurra através das e se dissociam. […] A árvore não é uma impres­
árvores, rumoreja nos riachos, mostra­ são, nem um efeito de minha imaginação: ela não
nos sua beleza nas flores, revela a vida à tem valor sentimental, mas está diante de mim
luz do sol. Desvenda seus mistérios à luz da lua, com toda a sua vitalidade. Ela tem a ver comigo,
a esperança, nas estrelas, e a alegria, no vôo dos como eu tenho a ver com ela, mas de forma to­
pássaros. Podemos caracterizar Jacob Boehme talmente diferente”.2
como “um filósofo da natureza”. Em seu livro
Christosophia, ele diz: Alguém poderia dizer agora: a árvore produz o
“Vemos a grandiosa construção de Deus na natu­ oxigênio necessário para minha respiração – por­
reza e sabemos, por meio Dele, que sua vontade tanto, ela é necessária à minha existência e a na­
é que seu Verbo se revele na luz da natureza. Essa tureza é minha fonte nutriz, pois sem ela eu não
força da natureza ainda não foi domada”.1 conseguiria viver. Mas esse é o sinal característico
Podemos vivenciar a natureza e estabelecer uma da criação como um todo: tudo se mantém uni­
ligação com ela permitindo que a experimente­ do. Estudar a natureza é estudar sua linguagem
mos. Em seu livro Eu e tu, Martin Buber dá um simbólica, ou sua organização estrutural e as leis
exemplo que pode exprimir esses pensamentos pelas quais ela se manifesta.
com mais precisão:
“Contemplo uma árvore. Sou capaz de assimilá­ Olhemos agora para a natureza como um li­
la como a imagem de um pilar que se ergue reto. vro surpreendente onde podemos ler e desco­
A luz toca o verde resplandecente de seu cume, brir o que ela quer nos dizer sobre o pensamen­
e, através dele, aparece o suave azul prateado do to hermético: “O que está embaixo é como o que
céu em segundo plano. Posso também percebê­ está em cima”. O “pequeno” é como o “gran­
la como movimento, considerando suas veias que de”. Como microcosmo, o homem é um peque­
correm, aderem e aspiram no coração da madei­ no mundo construído à imagem do macrocosmo,
ra, a sucção das raízes, a respiração das folhas, a que é o grande mundo.
circulação sem fim entre a terra e o ar – o pró­ Vemos o sol como o centro do sistema planetário
prio sombrio crescimento”. e como fonte de vida. O centro do ser humano
Posso, de certa forma, me incorporar a ela e ob­ é o coração, com seu núcleo divino. Onde está a
servá-la como exemplo, de acordo com sua estru­ fonte do sol? Onde fica seu centro? E onde esse
tura e sua maneira de viver. Posso me despren­ núcleo está instalado? Essa é a questão que tanto
der da forma da árvore para só reconhecer nela aproxima quanto distancia a religião e a ciência.
a expressão das leis por meio das quais as forças É essa a pergunta com a qual nos deparamos, de
contrárias conseguem, aos poucos, o equilíbrio. tempos em tempos: “Você acredita na existência
Ou então, posso ver como as matérias se juntam de Deus ou algo parecido?”

diálogo sobre a criação 21


Que o Deus invisível é o mais revelado. […] Somente a
consciência da alma vê o invisível, por ser ela mesma invisí­
vel. Se podes fazê-lo, Tat, ele se tornará visível diante dos
olhos de tua alma-espírito, porque em generosa abundância
o Senhor se manifesta no universo todo. Estás em condição
de ver a tua consciência-alma, de tocá-la com as mãos e
contemplar com admiração a imagem de Deus? Mas se o
que está dentro de ti é invisível, como então Deus mesmo
se tornará visível em ti mediante teus olhos materiais?
Se quiseres vê-lo, dirige, então, a tua contemplação ao Sol,
ao curso da lua, à ordenação das estrelas. Quem mantém a

O QUE HAVIA ANTES DO BIG BANG? de átomos se encontra uma informação comple­

Reconhecemos ou provavelmente admitimos a xa. ‘Substância’ significa, literalmente, ‘aquilo que

resposta dada por Aries Bos, um clínico geral ho­ está subjacente’. Poderíamos dizer: ‘debaixo da in­

landês e professor de Filosofia da Ciência em seu formação’. Portanto, qualquer substância represen­

livro Hoe de geest de stof kreeg (Como o espírito re­ ta informação – e podemos considerar esta pala­

cebeu a matéria?): “Afinal, por que existe algo e vra como um conceito moderno para ‘sabedoria’.

não apenas o nada? Essa é uma pergunta impossí­ Quando mencionamos ‘informação’, estamos fa­

vel de ser respondida, não é mesmo? Isso me im­ lando de sabedoria’ – portanto, de espírito. Isso

pressiona incrivelmente. Bem, de acordo com a significa que não há matéria sem espírito. Os ho-

Física atual, admitimos que tudo começou com o mens sempre imaginaram que a sabedoria poderia

Big Bang. É apenas um nome, uma teoria científi­ flutuar livremente no ar. Assim como o Espírito

ca. Quer dizer que antes disso não havia nada? O de Deus que ‘se movia sobre a face das águas’

Big Bang não teria uma causa? Vocês não acham (Gênesis 1:2), ou como o Espírito Santo. A ciência

isso espantoso? Sempre tenho o sentimento de física já aceita o fato de que ele não é visível. Na

que simplesmente não queremos ver o que havia verdade, a única coisa visível é a matéria subjacen­

antes, como fazemos sempre. E então: já que não te: a substância. E o verdadeiro princípio, a infor­

há uma causa, foi Deus quem fez tudo? mação primordial, nós a chamamos de Deus”.3

Esperem, ainda não abordei totalmente a ques­ A conclusão do livro mostra que a finalidade da

tão de Deus. O que quero dizer é que a energia criação é fazer com que a humanidade escolha o

e os quarks têm uma causa, e essa causa somente amor em total liberdade. Afinal, o espírito ape­

pode ser descrita como informação. No princípio nas se liga à matéria por meio de um ser que é

tudo era informação. No princípio havia o Verbo. suficientemente livre para escolher seu próprio

‘Verbo’ é tradução do grego ‘Logos’. Significa ci­ caminho: o ser humano.

fra, número, palavra, pensamento (como conteú­ Sigamos agora um colóquio descrito por

do) e espírito (como força criadora). ‘Informação’ Giordano Bruno no livro Acerca do infinito, do

poderia ser uma tradução moderna. O Big Bang universo e dos mundos (primeiro colóquio entre

causou ondas. As ondas podem funcionar como Elpino, Filóteo, Fracastório e Búrquio), que dá

portadoras de informação, como os fótons. A ma­ uma visão profunda da relação entre o homem e

téria teria começado sob a forma de informação. a natureza:

Afinal, como já sabemos, a matéria é constituí­


da por partículas elementares – que na realidade Elpino: Como é possível que o universo seja

não são partículas, mas sim pequenos ‘pacotes de infinito?

energia’ – e, mais uma vez, em forma de ondas. Filóteo: Como é possível que o universo seja

[…] Por detrás de qualquer substância composta finito?

22 pentagrama 1/2011
ordem deles? Porque cada ordem é determinada exatamen­ e cobre o firmamento todo em sua rotação. Quem é o
te pelo número e pelo lugar. O Sol, o supremo dos deuses possuidor desse instrumento? Quem estabeleceu ao mar os
da abóbada celeste, a quem todos os deuses celestiais seus limites? Quem deu à Terra o seu fundamento?
concedem reverente lugar como a seu rei e soberano, É, ó Tat, o criador e senhor do universo. Nenhum lugar,
imensamente grande, maior que a Terra e o mar, permite nem número, nem medida como expressão da ordem
que menores estrelas se movam acima dele. Por reverência cósmica seria possível sem aquele que os criou. Pois toda a
ou por temor a quem, meu filho? ordem é o resultado de uma atividade criadora. Unicamen­
Não descreve cada uma dessas estrelas um mesmo curso te quando a ordem e a medida faltam, fica provada a sua
no céu? Quem determinou para cada uma delas sua nature­ ausência.
za e a grandeza de seu curso?
Veja a Ursa Maior, que gira em torno de seu próprio eixo Hermes Trismegisto. Corpus Hermeticum, oitavo livro, Hermes a seu filho Tat 5

Elpino: Julgam que se pode demonstrar essa bastante elucidativo e testemunho suficiente, o
infinidade? fato de os sentidos não terem força para nos con­
Filóteo: Julgam que se pode demonstrar essa tradizer, e ainda mais, evidenciando e confessan­
finidade? do a sua debilidade e insuficiência na aparência
Elpino: De que extensão falas? de finitude causada pelos limites do seu hori­
Filóteo: E tu de que limites falas? zonte; e até nisto se vê a sua inconstância. Ora,
Búrquio: Ainda que isso seja verdade, não que­ como temos por experiência que eles nos enga­
ro crê-lo; porque não é possível que esse infinito nam, com respeito à superfície deste globo em
possa ser compreendido pela minha cabeça, nem que nos encontramos, muito mais deveríamos
digerido pelo meu estômago; embora, na verda­ suspeitar deles, no que diz respeito ao termo que
de, eu desejasse que fosse como diz Filóteo, pois nos faz compreender a concavidade estrelada.
que, se por má sorte me acontecesse cair fora Elpino: Diz-me então: para que nos servem os
deste mundo, encontraria sempre outras terras. sentidos?
Elpino: Decerto, Filóteo, se nós quisermos fazer Filóteo: Somente para excitar a razão; para, em
dos sentidos juiz, ou dar-lhes a primazia que lhes parte, tomar conhecimento, indicar e testemu­
cabe, pelo fato de todo o conhecimento provir nhar, não para testemunhar tudo; não servem
deles, concluiremos, talvez, que não seja fácil en­ para julgar, nem condenar. Porque, nunca, por
contrar o meio para chegar ao que tu dizes, de mais perfeitos que sejam, são isentos de alguma
preferência ao contrário. Agora, se quiseres, co­ perturbação. Por conseguinte, a verdade em mí­
meça por fazer-me compreender alguma coisa. nima parte brota desse débil princípio, que são
Filóteo: Não existe sentido que veja o infinito, os sentidos, mas não reside neles.
nem sentido a que se possa pedir essa conclusão, Elpino: Onde está, então?
porque o infinito não pode ser objeto dos senti- Filóteo: No objeto sensível, como num espelho;
dos; por isso, quem procurar conhecê-lo por essa na razão, sob o aspecto de argumentação e dis­
via, é como quem quisesse ver com os olhos a curso; no intelecto, sob o aspecto de princípio
substância e a essência; e quem a negasse por não ou conclusão; na mente, como forma própria e
ser sensível, ou visível, viria a negar a própria viva.4
substância e o ser. Por conseguinte, deve haver
cautela em recorrer ao testemunho dos sentidos, HERMES E TAT Segue-se que o homem, que pro­
que só admitimos em relação a coisas sensíveis, vém em grande parte da natureza e vive por
e ainda com certa dúvida, se não concorrerem, meio dela, pode aqui fazer a experiência de que
juntamente com a razão, para o juízo. Ao inte­ há algo mais do que a natureza. Como ser da na­
lecto compete julgar e dar razão das coisas afas­ tureza, ele não pode perceber um pouco que
tadas no tempo e no espaço. Quanto a isto, é seja da realidade através da natureza tal como ela

diálogo sobre a criação 23


Fragmento de um
antigo manuscrito do
Novo Testamento, parte
do Códice Siniático, por
volta de 350 d.C.

é. Ele pode, mediante a natureza, receber im­


pressões de outra coisa que torna possível to­
das as formas. De forma penetrante Hermes ex­
põe no diálogo com Tat do nono livro do Corpus
Hermeticum, que essa outra coisa é a própria vida,
que não cessa de fluir, de avançar e de encon­
trar sempre novas formas de expressão; e quem
vê isso capta sempre mais profundamente que Pai; e essa ordem é mantida indestrutível me­
nada do que é real se perde, mas que, por enga­ diante o retorno de cada um deles ao estado de
no, denominamos as mudanças de aniquilamen­ perfeição.
to e morte. O retorno dos corpos terrestres ao seu estado an­
Hermes: Da matéria que ele destinou a esse fim, terior consiste na dissolução da força conecto­
o Pai formou o corpo do mundo; ele lhe conce­ ra, que volta aos corpos indissolúveis, isto é, aos
deu a forma esférica e determinou as qualidades corpos imortais. Desta forma, surge a eliminação
das espécies que o deveriam ornar, conferindo- da consciência dos sentidos, mas não o aniquila­
-lhe uma materialidade eterna, já que a substân­ mento dos corpos imortais.
cia material era divina. O terceiro ser vivente, o homem, criado segun­
O Pai, após ter disseminado na esfera as qualida­ do a imagem do mundo e que, segundo a von­
des das espécies, encerrou-as como numa gruta, tade do Pai, possui, acima dos outros animais
visto que ele quis ornar sua criação com todas as terrestres, a mente, não somente está ligado ao
qualidades. segundo Deus por um liame de simpatia, mas,
E envolveu o inteiro corpo da Terra com imor­ em contemplação interior, aproxima-se tam­
talidade, a fim de que a matéria, desatando-se da bém da essência do primeiro Deus, porque per­
força conectora do corpo, não voltasse ao caos, cebe o segundo Deus pelos sentidos, como sendo
que lhe é próprio. corpóreo, enquanto sua visão lhe faz reconhe­
Porque, meu filho, quando a matéria ainda não cer o primeiro Deus como incorpóreo e como
havia sido formada num corpo, era não ordenada. Espírito, o Bem.
Ela mostra isso em certa medida mesmo aqui, pela Tat: Então esse ser vivente não é aniquilado?
faculdade do crescimento e do decrescimento, fa­ Hermes: Fala, meu filho, uma linguagem ale­
culdade essa que os homens chamam de morte. gre e jubilosa e concebe o que é Deus, o que é
Esse desordenamento, essa volta ao caos, apre­ o mundo, o que é um ser imortal e o que é um
senta-se somente em criaturas terrestres. Pois os ser sujeito à dissolução; compreende que o mun­
corpos dos seres celestes mantêm a ordem úni­ do nascido de Deus está em Deus; que o homem
ca que desde o princípio lhes foi concedida pelo nascido do mundo está no mundo; e que Deus,

24 pentagrama 1/2011
Pouco a pouco, o homem reconhecerá interiormente
a voz do Deus original que conversa com ele!

a origem do todo, mantém tudo encerrado em si


mesmo e o guarda (Corpus Hermeticum, nono li­
vro, Hermes a seu filho Tat).5

ESPERA-SE PELA ALMA “E essa ordem é manti­


da indestrutível mediante o retorno de cada um
deles ao estado de perfeição”, diz Hermes na ci­
tação acima. Por outro lado, tudo o que é da na­
tureza retorna para a natureza em um estado
de desintegração. Mas a força unificadora – “a
alma” dos corpos indestrutíveis – esta sim, retor­
na. Isto é, ela poderá retornar se o ser humano,
em contemplação interior, aproximar seu ser do
“Deus original”.
É nesse sentido que se espera pela humanida­
de. Isto é, pelo dia em que o homem se desco­
brirá, em que reconhecerá interiormente, pouco
a pouco, a voz do Deus original, que conver­
sa com ele. É essa voz que chamamos de “rosa­
do-coração”: a voz que podemos escutar e seguir
conscientemente. É isso o que se espera de todos
os seres criados: que passem da ignorância e da
inconsciência para o conhecimento verdadeiro
– a Gnosis. A mensagem principal de Jesus, nos
evangelhos é: “O reino de Deus está dentro de Fontes:

vós”. Apesar de ele haver-se expressado de forma 1 Boehme, J. Cristosophia: der Weg zu Christo

tão clara, poucos são os que escutam essas pala­ (Cristosophia: o caminho para Cristo). Frankfurt:

Insel, 1992.

vras como se fossem dirigidas a si mesmos. 2 Buber, M. Eu e tu. 10. ª ed. São Paulo: Centauro, 2006.

No próximo artigo continuaremos a tratar da 3 Bos,A. Hoe de geest de stof kreeg: de evolutie van het

evolução da consciência através da natureza, ao ik (Como o espírito recebeu a matéria: a evolução do

longo do caminho do relacionamento com o eu). Zeist: Christofoor, 2010.

4 Bruno, G. Acerca do infinito, do universo e dos mundos.

“totalmente outro” – caminho que leva a um di­ 3.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.

álogo interior, no qual, afinal, é o próprio ser 5 Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis egípcia. São Paulo:

humano que formula a resposta µ Lectorium Rosicrucianum, 1986.Tomo II.

diálogo sobre a criação 25


sobre o homem

Apenas podemos viver por meio dos outros

“Encontrei inúmeras pessoas, visitei muitos lugares onde, digamos,


fica evidente que deveríamos encontrar aquilo que procuramos. Mas,
ao final de cada dia, eu voltava para este quarto de hotel inundado
de calor. E vocês podem imaginar que esse vazio me deixava inquieto
e me inspirava até certa angústia. Portanto, foi no decurso de tais
impressões, no ambiente sinistro deste quarto, que minha consciência
acordou, como que sob um choque.
Eu percebia que nossa viagem e nossa procura não haviam dado, até
aquele momento, nenhum resultado: eu me perguntava por que, pois de
qualquer forma era importante. Mas o que procurávamos se passava de
forma totalmente diferente da que concebêramos. Não estava em outro
lugar, está em todo lugar, inclusive aqui em W., neste horrível quarto de
hotel. Devia haver um grande número de pessoas como nós, buscando
aqui. Muitos já deviam ter encontrado, enquanto apenas tateávamos
na sombra. Nós não somos pessoas únicas ou especiais no meio da
humanidade. A humanidade é um todo. No fundo, era justamente o que
eu compreendia, espremido nos vagões cheios dos trens.
É bom procurar, viajar. Mas encontrar, no meu ponto de vista, é outra
coisa. Pode ser: refletir num quarto vazio, tomado pelo silêncio. Eu
preferiria expressar de outra forma, pois, de um jeito ou de outro, isso
interessa muito às pessoas. O que procuramos tem um valor absoluto e
pode livrar-nos de todos os nossos males e de todas as nossas viagens
sem resultados. Se nós o quisermos, bem entendido.
Será uma missão impossível? A ideia de que somos numerosos me deixa
cheio de esperança.”

Carta de um viajante

26 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO

A
té agora temos tentado descobrir como Jesus diz: “Se vos conhecerdes, sereis conheci­
o ser humano, desde a aurora dos dos e sabereis que sois filhos do Pai vivo. Mas,
tempos, é chamado para voltar, para se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza, e
retornar: “Vem a mim!”. É a ele que são diri­ vós mesmos sereis essa pobreza” (Evangelho de
gidas essas palavras tão significativas dos mitos Tomé, logion 3).
ancestrais da criação. Depois disso, considerando a natureza das
Esse chamado para o retorno do Omnia ab coisas, queremos ter uma atitude despojada
Uno – Omnia ad Unum (tudo vem do uno e de egocentrismo. E aqui aparece uma arma­
tudo retorna ao uno) chega a cada ser huma­ dilha. Será que o autoconhecimento serviria
no. Significa o retorno ao fundamento de sua apenas para saber como é que o psíquico e o
existência: desde o começo, quando acaba emocional se associam? Os questionamen­
de nascer e sua alma pura é ligada a um belo tos psicológicos como: “O que isso tem a ver
e magnífico corpo – o que, por si, já é uma comigo?” “Como estou me sentindo?” – e
completa maravilha. Mas logo observamos outras perguntas como essas estão logo abaixo
que o ser humano vive bloqueado em uma da superfície. Isso sem falar nas camadas do
inércia existencial, passando pelos aconteci­ inconsciente, que afloram espontaneamente,
mentos e tristezas da vida na terra. Ele mal chamando a atenção da consciência. Entran­
consegue assegurar sua sobrevivência. A partir do nesse domínio, podemos dizer que não é
de certa idade, as circunstâncias exigem todo assim que procuramos conhecer a nós mesmos.
o seu tempo. Portanto, a partir de sua juven­ Conhecemos apenas as colunas, os pilares e
tude, ele chega à consciência, à compreensão cúpulas não demolidos do passado, que são, na
de sua situação. Isso faz com que ele veja o verdade, uma construção cambaleante – entre-
que pode fazer quanto a seus parentes pró­ tanto, perfeitamente real: trata-se da consciên­
ximos e observar os erros que comete em cia que chamamos de “eu”, e que muitas vezes
relação aos outros. se apresenta amável, brilhante, vergonhosa,
Vemos como tudo isso nos impulsiona em di­ ciumenta e assim por diante. Definitivamen­
reção à consciência, ao conhecimento do que te, não é a imagem de um verdadeiro homem
é o mundo ao nosso redor, e ao conhecimento superior.
de nós mesmos neste mundo. Conseguimos
descobrir por que está gravado no frontão do De certo modo, intuímos que o ser verdadeiro
célebre Templo de Apolo em Delfos: “Ho­ deve encontrar-se em outro plano e agir por
mem, conhece-te a ti mesmo”. São palavras meio de outras faculdades. E é nessas trocas
originadas no Egito e completadas pela frase: com o outro ser humano, e com o “Outro no
“E conhecerás a natureza e os deuses”. ser humano”, que aprendemos a conhecê-lo.

sobre o homem 27
O homem, representação na forma de sequências CTAG (citosina, timina, adenina, guanina) do código do ADN
(ácido desoxirribonucleico, ou DNA, em inglês).

VIVER POR MEIO DO OUTRO Segundo o coisas imateriais. Todas essas “outras coisas”
filósofo lituano Emanuel Lévinas (1906-1995) são da mesma natureza: elas constituem nosso
podemos dizer que vivemos exclusivamente “eu”, são suas propriedades. Mas com o tem­
por meio do outro. Com o nosso nascimento, po, essa forma de vida e essas posses já não nos
começamos, antes de tudo, a nos familiari­ satisfazem, pois não nos colocam em situação
zar com os que nos rodeiam. É o primeiro de aprender a conhecer a realidade do que é o
horizonte, onde tudo se vai delineando. Os outro. É assim que deixamos para trás a facul­
outros fazem parte de nós à medida que se dade mais importante que poderia elevar-nos
alegram com nossa existência e a tornam mais acima de nosso instinto de conservação. Essa
fácil. Desde o início, possuímos o instinto de faculdade é o amor.
conservação, e, em função disso, nos servimos Os grandes pensadores dizem que não há
de todas as coisas que estão ao nosso alcance. felicidade maior do que conhecer o outro. Na
Asseguramos nossa autonomia ao apropriar­ filosofia hindu, os Vedas ensinam que não há
nos de tudo. Absorvemos alimentos e bebi­ diferença entre o outro e nós. Tat tvam asi,
das, alugamos filmes, utilizamos nosso carro, ou seja: “Tu és isso”. E comparam o outro a
possuímos livros, uma moradia, e também Brahma. Com o mesmo espírito, Jesus disse:

28 pentagrama 1/2011
O ser humano é aquele que aprende, que dá e toma,
que pode dizer: tenho necessidade de você!

“Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Um não vejo apenas o seu olhar, mas muito mais.
poeta persa fala de forma lírica do “fogo que Vejo um mundo, uma história no futuro, a
alimenta a si mesmo”, assim como da “fonte necessidade que essa pessoa tem de mim. Tudo
inesgotável” – outra coisa que estimula a nossa isso é muito comum, aqui, no tempo. Mas se
verdadeira natureza: o amor. Ser interpelado eu conseguir enxergar nessa pessoa o homem
pelo outro é o começo da verdadeira liberta­ original, é porque, em meu imo, o homem
ção. Para começar, servimo-nos da criação em original já foi despertado e meus olhos se abri­
torno de nós a fim de assegurar nossa própria ram, iluminados pelo Espírito!
existência. Em seguida, a criação se abre para
nós e nos interessamos por essa maravilhosa TRANSCENDER O INSTINTO DE
criação que nos rodeia. Então, começamos a CONSERVAÇÃO A primeira e maior etapa
perceber o outro ser humano, pela primeira rumo à libertação definitiva acontece
vez. E, assim, passamos da surpresa para a ad­ quando nos abrimos e sentimos amor e
miração, e da admiração para “uma balbucian­ preocupação com o outro. Essa é uma nova
te adoração”, nas palavras de J. van Rijcken­ responsabilidade: podemos aprender a estar
borgh. E nos damos conta de que, sem esse unicamente a serviço do outro, a nos abrirmos
outro ser humano, não existiríamos. completamente para o outro, esse ser único,
O ser humano é aquele que aprende, que dá tão especial. Não é que o próprio ser humano
e que recebe. Ele pode dizer: “eu preciso de não seja importante – ao contrário! Não é
você” e suplicar “tenha necessidade de mim!” Jesus, o portador do Cristo, que nos diz:
Ele sabe se fazer pequeno como Lao Tsé acon­ “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”?
selha: “Ele é como a água e busca os lugares Daí as sábias palavras dos rosa-cruzes: “Servir
mais baixos para acumular-se e correr em em autoesquecimento é sempre o caminho
direção ao vasto oceano” (Tao Te King, capítu­ mais curto e mais alegre para se chegar a
lo 66). Deus”. É um fabuloso segredo, talvez o maior
de nossos deveres em nossa época.
Somente numa vida com os outros e para Segundo Lévinas, o ser humano precisa trans­
os outros é que podemos ser alguma coisa e cender seu instinto de conservação. Viver é
realizar nossa autodescoberta. O que acontece estar em todo lugar, pensando e dando sen­
quando encontramos alguém? Na maioria das tido à vida: é poder ajudar, instruir, de olhos
vezes, ficamos meio conscientes um do ou­ abertos para o bem-estar de todos. “O reino
tro, e nada mais fazemos do que passar diante de Deus está dentro de vós”, diz o Evangelho.
dessa pessoa. Por exemplo: alguém chega para Mas somente o encontraremos no serviço ao
falar comigo, e, num instante, tudo muda – eu próximo.

sobre o homem 29
O não ser é o espelho do ser absoluto.

Nele se refletem os raios da realidade,

e esse reflexo jorra a cada segundo.

A unidade se manifesta sob o aspecto da multiplicidade,

assim como quando você conta apenas ‘uma’ coisa e vê que

existe uma multidão delas.

Todos os números começam com o um, mas não têm fim.

O não ser é puro em si mesmo,

e o “tesouro escondido” se reflete nele.

Shabistari

O homem-alma, o ser verdadeiramente ma­ meio que os cerca, com o que está fora deles.
duro interiormente, levanta seus olhos em Digamos que, pelo contato com nossos se­
direção ao Espírito, embora seu coração esteja melhantes, aprendemos a nos conhecer. Mas
voltado para todos os seus irmãos. Estas pala­ onde anda nossa capacidade de conhecer? O que
vras são ainda mais claras: “Se vossos guias vos é conhecer, de fato? Espinosa responde em sua
disserem que o reino está no céu, então as aves Ética: “A compreensão sem o poder mental do
vos precederam; o reino está no mar, então espírito é o método pessoal do ser: ela o man­
os peixes vos precederam. Mas, o reino está tém fixo em si próprio” (Espinosa. Ética, 14).
dentro de vós, e também fora de vós. Se vos Com nossos sentidos, percebemos as dimen­
conhecerdes, sereis conhecidos (Evangelho de sões do espaço-tempo. Visto que nossas per­
Tomé, logion 3). cepções desencadeiam nossos pensamentos,
Aqui o reino está diretamente ligado ao pro­ sentimentos e vontades, chegamos a uma com­
cesso de autoconhecimento: é a vida espiritual preensão com base em nossas percepções. É as­
propriamente dita. O reino é “um estado de sim que nos identificamos, e isso nos conduz à
consciência, aqui e agora”, verifica Jacob Sla­ consciência experimental. A natureza circun­
venburg em seu livro Inleiding tot het esoterish dante nos estende um espelho que nos oferece
christendom (Introdução ao cristianismo eso­ nossa visão da vida. Na verdade, é esse espelho
térico), e ele acrescenta que os ensinamentos que constitui a base de nossa existência. Se, no
de Jesus incitam seus ouvintes a se tornarem decorrer de nossas experiências, ficarmos blo­
conscientes de si mesmos, tal é o reino. queados nesse ponto e nada fizermos com essa
Trata-se da consciência da realização total do sabedoria, nosso desenvolvimento estagnará.
ser humano – mas isto apenas pode ocorrer “Nós nos fixamos em nosso próprio ser”, diz
em colaboração com o outro. E apenas pode Espinosa. Vemos o mundo através da consci­
acontecer onde a verdadeira ligação se torna ência que nós próprios constituímos e vemos
possível: no domínio da alma. É aí que se dá o tudo através de nós mesmos. Não vemos o
verdadeiro “diálogo”. sol, mas sim a idéia que fazemos dele: vemos
apenas nossas próprias projeções. Não ouvimos
ESPINOSA Diálogo é uma conversa entre duas nossos interlocutores, mas sim nossas próprias
pessoas que respondem, cada uma na sua vez: é interpretações do que ouvimos.
uma troca de ideias, de opiniões – uma ligação Espinosa também fala a respeito de um conhe­
mútua. Os dois oferecem, um ao outro, um cimento que nos permitiria entender as coisas
reflexo de si próprios. Nesse reflexo, tentam em sua essência. Nosso poder mental não é
alargar suas visões, aprender um com o outro. espiritual. Somente o será quando nossa inteli­
É uma oportunidade de aprenderem com o gência for guiada pelo poder mental do Espíri­

30 pentagrama 1/2011
Homem e vacas sobre uma ponte na Geórgia. © Archil Kikodze

to e aí perceberemos a essência das coisas. Ele respeito desse conhecimento, dessa sabedoria
acrescenta: “O Espírito tem o poder de nos do amor. Essa “essência das coisas” fala como
dar todas as imagens ou impressões formais uma voz interior. Hermes diz ao buscador:
das coisas – e isso até chegar à idéia de Deus”. “Porque o que é criado, vem a ser, como já
“Todas as imagens, à medida que se referem a foi dito, por outro; ora, nada pode existir, que
Deus, são verdadeiras, porque todas as imagens já não fosse antes que tudo viesse a ser, com
existem em Deus e correspondem inteiramen­ exceção do que ele mesmo nunca veio a ser: o
te ao que ele representa, logo são verdadeiras” criador. […] Além disso, todas as criaturas são
(Espinosa. Ética, 32). visíveis; ele porém, é invisível. É justamente
por isto que ele cria; para tornar-se visível!
O AMOR “Quem faz do amor uma verdadei­ Assim ele cria incessantemente; e assim se faz
ra imagem, sabe que sua concepção é justa e visível. Desse modo deve-se pensar, e, desse
não pode duvidar de sua verdade” (Espinosa. modo, chegar à admiração, e a considerar-se
Ética, 43). bem-aventurado por ter aprendido a conhecer
Uma grande quantidade de interpretações e o Pai” (Hermes Trismegisto, Corpus Hermeti­
de informações não traz o conhecimento da cum, Livro XV, vers. 3-5).
essência das coisas. A essência das coisas per­ Podemos vivenciar esse pensamento esbo­
tence a um estado que se encontra muito além çado por Hermes quando nosso pensamento
de nosso espaço-tempo: é um estado com o comum, nossa faculdade de entendimento
qual, em princípio, só temos algo em comum descobre que é “pobre de espírito”. Quando
– o amor. Nosso ser microcósmico – que é o o Espírito ainda não pode manifestar-se na
homem verdadeiro, cuja transcendência nos alma, ele em realidade não vive. Essa compre­
envolve e penetra – fala-nos constantemente a ensão é a porta que leva à verdade.

sobre o homem 31
Realizar a iniciação é silenciar e encontrar-se em verdadeiro
intercâmbio com o outro. No silêncio, o outro fala!

Amor é ligação. É o amor que lança uma pon­ Logos, irá glorificar-se no diálogo mantido
te entre o buscador que aspira à libertação e o com sua criatura, o homem criador. Esse é o
mundo do “reino de Deus”. Afinal, no mundo significado da expressão “o fogo que alimenta
verdadeiro, somos semelhantes ao que vemos, a si mesmo”, ou “a fonte única e inesgotável”.
às coisas que atraem nosso coração. Então, o ser humano estará sobre outro funda­
Sobre isso, Felipe diz em seu evangelho: mento existencial. O que é conhecido já não
“Ninguém pode ver algo das coisas impere­ estará fora do conhecedor µ
cíveis a menos que se torne como elas. Não é
assim que se passa com o homem neste mun­
do: ele vê o sol, sem ser o sol; vê o céu, a terra
e todas as outras coisas, mas não é essas coisas.
Mas, se vês algo do reino da verdade, tornas-te
verdade. Se vês o Espírito, tornas-te Espírito.
Se vês o Cristo, tornas-te o Cristo. Se vês o
Pai, tornas-te o Pai. Assim, aqui neste mundo
vês todas as coisas e não vês a ti próprio. No
outro mundo, contudo, vês a ti mesmo, por­
que o que nele vês, nisso tu te tornas” (Evan­
gelho de Felipe, logion 36).
Deus quer ser conhecido por todos. E, para
isso, ele nos oferece tanto o outro ao nosso re­
dor como o “Outro” em nós. Ele nos oferece a
faculdade do não ser, que é, em si, a pureza. O
não ser é como um espelho no qual Deus vê a
si mesmo e nós nos vemos nele.
Realizar a iniciação é silenciar e encontrar-se
em verdadeiro intercâmbio com o outro. No
silêncio, o outro fala! Se nós, seres humanos,
abandonarmos nossa lógica limitada, Deus, o

32 pentagrama 1/2011
Página de uma
alocução do mestre
Eckhart (Universi­
dade Georg-August,
em Göttingen).

sobre o homem 33
conversa consigo mesmo

Conhece a luz e estabelece amizade com ela

Hermes, Pimandro

Q
uero marcar uma entrevista. — Que suposição?
— O Senhor tem hora marcada? — A suposição de que existe um mestre invisível
— Pra dizer a verdade, não. Mas preciso que realiza o trabalho.
marcar uma entrevista. — A base de tudo é a sabedoria – tanto a ociden­
— Qual seria o assunto? É alguma coisa grave, tal como a oriental. E a sabedoria universal, como
séria? Seria a respeito de Deus? Ou a respeito de a conhecida tradição do cristianismo ocidental,
futilidades? diz: “Meu jugo é suave, e meu fardo é leve”.
— As duas coisas. É sobre a vida dos homens, que Com isso, quero dizer que o mestre interior torna
é pesada para muitos e leve para poucos. leve o que é pesado. É isso o que chamam de
— Por que o Senhor gostaria de discutir sobre “caminho da cruz”.
isso? — Mas você está se baseando na fé das autorida­
— Quero sondar se é possível tornar mais leve a des. Ainda não compreendeu nada por si mes­
vida de um grande número de pessoas, oferecen­ mo e, além do mais, não encontrou resposta às
do-lhes a possibilidade de se desvencilharem do perguntas: “Por que todos as pessoas precisam ser
“peso” de sua vida. libertadas?” e “Quem realizará essa tarefa, você?”
— Resumindo: trata-se de conquistar a libertação? — Entendo que preciso sondar mais profunda-
— Isso mesmo. mente. Gostaria que pudéssemos fazer isso juntos,
— Acho que desejar obter libertação para si mes­ pois acredito que vale a pena. Mas acho que seria
mo é uma atitude bastante egocêntrica. melhor começar depois da minha “entrevista”.
— Mais ou menos. Imagino que, para libertar Está combinado?
outras pessoas, seja preciso primeiro libertar-me, — Sim, claro que vale a pena! Sinceramente,
com base em certas condições favoráveis. Esse não também me preocupo com esse tema. Não só o
seria o único meio viável? considero interessante como também acho que os
— Quanta pretensão! Quem o senhor pensa que homens deste mundo precisam aprender a livrar­
é para decidir que deve ser o primeiro a livrar-se se do peso de sua vida.
do peso da vida para que os outros sejam libertos? — É por isso que estou solicitando uma entrevista
— Olhe só o que acontece comigo: não con­ de seleção.
sigo libertar a mim mesmo, mas quem opera — Muito obrigado.
esse trabalho em mim, sem que eu compreenda
exatamente como, é uma força magistral, que FALAR DEMAIS, FUGINDO DO TEMA Um bom
não consigo controlar, invisível. É por isso que eu diálogo é o que envolve interlocutores que acre­
gostaria de marcar essa entrevista. ditam nos mesmos valores, são dotados do mesmo
— Tudo bem. É possível. Mas qual é a base dessa bom senso e pensam que as almas – tanto as almas
suposição? que somos quanto as que nos tornamos – possam

34 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO

Fragmento do manuscrito da Doutrina Secreta, de Helena Petrovna Blavatsky (cerca de 1880)

encontrar-se no plano mental para trocar ideias. para a igualdade de posições. Poderes, institui­
Essa troca deve conduzir à compreensão mútua. ções, interesses, lucro, apologias, lutas… todos es­
Mas, sobretudo, deve levar a uma nova e mais ses sistemas do mundo organizam-se de tal modo
ampla compreensão das situações com as quais que um diálogo “aberto” se torna coisa rara.
somos confrontados nesta vida. Muitas vezes, o início de um “diálogo aberto”
Essa compreensão pode consistir em uma se­ degenera rapidamente e vira uma batalha verbal,
quência de ideias cada vez mais sublimes, ligadas na qual um dos campos precisa sair vencedor. Um
de modo vivente a cada pessoa que se comunica, comediante holandês, André van Duijn, definiu
à consciência de cada uma delas. esse fenômeno como “falar demais, fugindo do
Podemos dizer que um diálogo deve ser “esta­ tema”. Na sua opinião, essa é a marca registrada
belecido”? Ele deve desenvolver-se baseado na da comunicação moderna. Só muito excepcional­
crença dos “mesmos valores” e no “mesmo bom mente é que as pessoas se encontram para trocar
senso”? ideias com base nos mesmos valores e no mesmo
Sim. Afinal, no palco deste mundo não há lugar bom senso. Afinal, por que alguém conversaria

conversa consigo mesmo 35


Sinto-me leve, aliviado, como se um peso diminuísse, quando a alma é
atraída para o alto, onde ela aprende sobre si mesma e sua origem.

“abertamente” se não existe lucro ou interesse tal da compreensão: a célebre máxima “penso,
em jogo? Para obter um lucro espiritual ou para logo existo”.
progredir espiritualmente? Quem poderia verdadeiramente expressar, ainda
Sabemos que a verdadeira humanidade é qualifi­ que parcialmente, a ideia ou a suspeita daquilo
cada de “maravilha” nas considerações herméticas que carrega em si de imortal ou eterno? Quem
fundamentais desta edição da revista Pentagrama. poderia formular pensamentos correlatos a essa
E podemos ler no livro A Gnosis original egípcia: ideia numa conversa com outras pessoas? Trata­
“O homem é uma admirável maravilha”. Nosso se realmente de uma questão de saber por que
corpo é surpreendente por si só, pois carrega con­ motivo a consciência desse tipo de ideia parece
sigo a possibilidade de transmitir as ideias mais muito especial. Por que expressá-las exige talento
remotas. de artista? Porque as imagens transmitidas pelas
palavras e pela própria língua são muito subjeti­
O ETERNO É UM MISTÉRIO Quanto ao homem, vas, o significado cai rápido em desuso, dissolve-
essa admirável maravilha, no contexto hermético se e desaparece.
se trata sobretudo do termo homem no sentido Muitos pioneiros como Lao Tsé e Buda pouco
mais antigo: “manas” – que, em sânscrito, sig­ falavam e geralmente ficavam calados. Os sábios
nifica “o pensador” e também “filho do sol”. jamais falam inutilmente. Do mesmo modo, os
Na civilização grega, vemos a estreita ligação do discípulos da filosofia gnóstica e da gnosis hermé­
homem com seu pensamento autônomo. Tudo tica cristã são pessoas que pouco falam. Segundo
isso é escrito e relatado por Sócrates e Platão. a tradição, o que é eterno e divino no homem
Um diálogo “aberto” acontece sobretudo quando é secreto. Essa afirmação ainda é válida nos dias
há troca de pensamentos entre pessoas plenas de de hoje. E é extremamente delicado evocar esse
razão. Aqui não se trata, hermeticamente falando, segredo, pois cada palavra proferida a esse respei­
de um “sistema fechado”, mas sim da consciên­ to vai perdendo sua força – e, com certeza, isso
cia da presença de um elemento imortal, eterno, acontece em presença dos que, por exemplo, se
porém latente. E, mesmo que esse elemento não esforçam para obter poder, sucesso, riqueza e pos­
esteja atuante, ou vivificado durante um período tos elevados. Os rosa-cruzes clássicos conheciam
curto ou longo, ele alimenta pensamentos reple­ a expressão “sub rosa”, que significa “manter-se
tos de razão. sob a rosa, sob o segredo”. E também a frase que
“Nas profundezas de meus pensamentos, sou diz: “não se deve oferecer rosas aos burros”.
um deus”. Essa é uma citação de William Kloos,
escritor holandês do século XIX. Os iluministas O DIÁLOGO VERTICAL Na filosofia do sécu­
Descartes e Espinosa levaram uma vida humana lo XX também há uma afirmação semelhante:
verdadeira, unicamente com base no poder men­ “Sobre o que não se pode falar, deve-se calar”

36 pentagrama 1/2011
(Wittgenstein). Saber calar é uma grande virtude, aprende sobre si mesma e sua origem.
do Ocidente ao Oriente, de épocas antigas até os — Pergunta difícil. Isso depende. Em que medida
dias de hoje. O silêncio não profana a serenida­ penso em minha responsabilidade pelo bem-estar
de ambiente. Quando nos mantemos próximos de minha alma? Consigo distinguir dois estados
dessa atitude, o diálogo espiritual se estabelece de ser. Posso sentir-me humano, ocupar-me de
de modo muito especial. No Ocidente, graças coisas cotidianas e viver incrivelmente. Mas tam­
aos textos herméticos greco-egípcios, estamos bém posso sentir essa vida de outra maneira.
abertos à troca de ideias. Frequentemente trata-se — Pergunto novamente: como devo compreen­
de diálogos verticais interiores, ou seja, diálogos der isso?
entre consciências esclarecidas numa relação de — Seria mais fácil compreender se falássemos de
mestre e aluno. Assim – e isso é parte do segre­ “manifestação”.
do – também ocorre uma relação de mestre para — Um desses estados é melhor do que o outro?
aluno, em nosso íntimo! Esse diálogo é puramen­ — O que há de bom em alguém que tropeçou e
te espiritual: ele é leal e claro como cristal. Num caiu? Não. Como já disse, trata-se de uma ques­
diálogo desse gênero, conosco mesmo ou em tão de responsabilidade.
nosso íntimo – se quisermos chegar a conclusões — Ter boa consciência, a satisfação de ser boa
razoáveis – devemos formular bem o assunto e pessoa…
não concluí-lo. Abaixo, um exemplo de seme­ — Não. Não se trata de ser bom, mas sim de, em
lhante troca interior de pensamentos: ambos os casos, saber que somos seres humanos.
— No que se refere à minha alma, em que ponto — A alma é a consciência?
me encontro? — Não. Ela não é a consciência – mas pode ser
— Boa pergunta. como uma voz. A consciência é um auxílio para
— Sei que ela existe, e preocupo-me com seu que possamos assumir seriamente nossas respon­
bem estar. sabilidades e preservar-nos do esquecimento, da
— Como deduzir em que ponto se encontra sua cólera cega.
alma? — Estou gostando muito dessa nossa conversa.
— Talvez se me perguntasse: sinto-me mais pesa­ Não me leve a mal. Gostaria de fazer mais uma
do ou mais leve? pergunta. De onde vem a preocupação com esse
— Mais precisamente, o que isso significa? misterioso ser interior que, imagino, seja imate­
— Sinto-me pesado pelo fato de minha alma ser rial?
puxada para baixo perpetuamente, correndo atrás — Eu não invento nada. Eu o conheço. Isso nada
de necessidades e desejos demasiado humanos. tem de intelectual. É algo superior: é preciso
Sinto-me leve, aliviado, como se um peso dimi­ que haja intuição. Uma intuição que ultrapas­
nuísse, quando ela é atraída para o alto, onde ela sa o intelecto – que é direta, universal, eterna.

conversa consigo mesmo 37


No number (Sem número). Obra abstrata expressionista de Jackson Pollock (cerca de 1955)

Essa sabedoria não pode ser encontrada mediante vibrante, iluminadora, esclarecedora.
raciocínio: ela vem do coração. A alma possui a — Sim! E é isso que quero dizer com o termo
possibilidade de reconhecer o ser divino no âma­ responsabilidade. Quando pensamos sobre o cami­
go de si mesma. nho que a alma deve percorrer, percebemos cla­
— Acho que estou começando a entender. O ramente e compreendemos que podemos desfazer
que transforma esse diálogo é a clareza que se nossas ligações. Nesse momento, sabemos estabe­
conquista com ele. A clareza, o brilho da alma, lecer a distinção entre a alma corporal – a nossa
envolve-nos porque é com esse brilho que per­ alma, que nos aprisiona – e a nova alma, que
corremos o caminho. O que a alma diz chega até nos liberta. Percebemos o que devemos fazer ou
nós através de certa capacidade de conhecimento. deixar de fazer. Mas, caso não estejamos atentos,
É assim que acontece o contato com a Luz, de confundimos o bem e o mal. É daí que surgem a
onde esse brilho provém, realidade totalmente confusão e o esquecimento.

38 pentagrama 1/2011
Sobre a natureza divina da alma, Krishna explica derá. Ela jamais nos abandonará. Ela está ligada a
a Arjuna: “Se a luz de todas as luzes permanece, cada um de nós até o sangue!
ela transcende as trevas da nossa ignorância. Ela Por sabermos a respeito dos dois mundos, das
é conhecimento, a única realidade a estudar ou a duas naturezas, e por termos obtido esse conheci­
conhecer que habita o coração”. mento vivo, por temos permanecido em diálogo,
podemos dizer que, nesse diálogo vertical, os dois
O “OUTRO” ESPIRITUAL NO SER HUMANO Se amigos espirituais tornaram-se um único ser. Eles
nos aprofundarmos interiormente até chegar ao já não precisarão desaparecer do microcosmo.
conhecimento verdadeiro – à nossa alma, ao fun­ Muito pelo contrário: eles o conduzirão a um de­
damento divino da nossa existência – compreen­ senvolvimento glorioso no novo campo de vida.
deremos certamente o que se encontra no início Quem assim estabelece um diálogo como esse
do pensamento hermético. Hermes o denomina está ligado a um saber completamente diferente, a
“pensamento superior das coisas essenciais”, e um novo gênero de conhecimento vivente – que
assim se fecha o circuito. A partir desse momento, é a própria Gnosis µ
eleva-se no microcosmo a forma original do ser
humano cuja alma recebeu essa possibilidade, e
ele ascende completa e perfeitamente, com grande
felicidade, ao “outro” espiritual. É assim que po­
demos liberar a força e a luz para todos os nossos
semelhantes, de maneira excepcional, vivendo e
trabalhando na sociedade atual. E há realmente
grande necessidade de que isso aconteça.
A força e a luz que emanam da vida universal
original podem ser vivenciadas e, desse modo,
podem agir. Explica-se: o microcosmo foi estru­
turado outrora, em tempos imemoráveis, com
base nessa vida original. A luz é vibração. No
mundo da matéria não existe nenhuma velocida­
de superior à velocidade da luz. À luz também se
associa à alegria. A luz concede à terra sua beleza
e a torna visível. Quando iluminamos um local,
podemos observar se ele está bem arrumado. Por
isso, podemos dizer que a luz vem a nós quando
ouvimos ou experimentamos algo interiormente.
Quando caminhamos num bosque, podemos
observar como a luz cai sobre os ramos através
dos galhos, como ela brinca com o orvalho sobre
o verde da folhagem, em rico e cintilante bailado,
enquanto numerosos raios atravessam os ramos
que pendem até o chão. A cada passo dado, pode­
mos perceber uma nova gama de cores, inúmeros
e variados matizes de raios de luz.
A luz original é muitas vezes mais viva – ela é o
conhecimento dos dois mundos. Do âmago do
nosso ser, nós o sabemos: jamais essa luz se per­

conversa consigo mesmo 39


Inúmeros mitos foram-nos transmitidos por civilizações dos períodos
mais diversos. Eles revelam concepções da antiga humanidade sobre
o aparecimento do mundo, sobre a atividade das forças naturais,
sobre os deuses, e sobre o nosso destino após a morte.

o destino
dos deuses
Os mitos reunidos na Edda, uma coletânea
de contos e poemas nórdicos, falam sobre os
mistérios do desenvolvimento do mundo. A
Edda transmite a verdade universal em imagens
variadas que correspondem ao poder de imagi­
nação dos ouvintes da época. A terceira parte
dessa série fala sobre o destino dos deuses.

O
que Völwa ou Wala nos relata é apenas
um mito, em sua narrativa não há nada
de histórico. Das brumas de um passado
longínquo, completamente desaparecido, a Völwa
contempla, com muita clareza, alguns aconte­
cimentos singulares, e registra-os muito nitida­
mente na consciência da comunidade do Althing,
que a escuta. Essa comunidade era formada pelos
anciãos das famílias, pelos homens livres e pelos
guerreiros. Eles eram filhos de “Heimdall”, o que
“resplandece sobre o mundo”, que equivale a luz
da primeira criação. Ele é a Luz do Mundo, que
provém diretamente da fonte original do Espírito
Edda
40 pentagrama 1/2011
e da perfeição divina. Quando Heimdall sopra reflexo de si mesmo – que é o homem material, o
sua trompa de chifre, ela ressoa através de todos ser terrestre.
os períodos do mundo como um segredo. Ouvir Odin possui doze forças ou poderes criadores,
a “sonoridade” da luz é sempre o sinal atemporal que emanam da energia central do Invisível, do
de uma recriação do ser humano. Único. Simbolicamente, observamos o que é
A Völwa fala em nome do deus Odin, também transmitido pelos doze Æsires, os doze deuses que
chamado de “Pai universal”, ou Walvater (Pai conferem sua expressão à criação como um todo.
Wal). Ele é o criador de todas as almas; é ele Podemos observar seu reflexo nos doze pares de
quem anuncia aos homens a evolução do mundo nervos cranianos, essa rede de natureza sutil e
desde seus primórdios, na noite dos tempos, até extremamente sensível que toca cada uma das
seu desaparecimento final. A imagem do homem células do corpo humano e permite uma estreita
perfeito pode vir até os homens como chega a au­ ligação entre o corpo, a alma e o espírito.
rora que desponta. O primeiro verso da profecia A criação de três mundos provém de Asgard
da vidente diz: “Silêncio peço às estirpes divinas, ( jardim ou mundo do Um). O “ás” é a carta de
filhos de Heimdall, grandes e pequenos. Desejas, baralho que representa o número 1, o trunfo que
ó Odin, que eu proclame as lendas antigas dos vence todas as outras cartas e, como unidade,
homens que recordo.” interconecta tudo.
Em seguida, encontramos os doze princípios
QUEM É ODIN? Diz-se que Odin tem doze originais, as doze correntes que jorram da fonte
nomes diferentes. Isso significa que a energia de Niflheim (Lar das Névoas). Também vemos
que dele emana comporta um grande número de aí os doze princípios que deram origem ao nosso
aspectos criadores. Ele e sua esposa, Freya, são os zodíaco astrológico, também chamado de “círcu­
pais dos deuses mais importantes, como Baldur, lo dos deuses”. Odin é a fonte original, o criador
Thor, Heimdall e Tyr. Esses deuses agem no pla­ de todas as almas, o pai dos valentes guerreiros
no da natureza e desenvolvem a forma e o caráter que não morrem no leito, mas que perdem a
do homem material. vida no campo de batalha da existência terres­
Odin é filho de Bor e da gigante Bestla. Ele é tre. Aqui podemos ver novamente a referência à
o símbolo de um ser espiritual que está a cami­ luta interior em que o herói vence as forças que
nho, entre as diferentes formas da natureza. Na o aprisionam ao plano inferior. Odin leva a alma
Doutrina Universal, podemos considerar que o dos guerreiros para o Valhalla, que é o salão onde
nome Odin indica determinado tipo de micro­ são recebidos os que morreram honradamente em
cosmo: ele representa a imagem espiritual ori­ combate: eles “morreram” no decorrer do proces­
ginal do homem verdadeiro que, em seu cami­ so de transformação de sua alma e despojaram-se
nho natural, tenta lançar um chamado para esse de seu antigo ser.

o destino dos deuses 41


Os mitos devem seu surgimento às experiências antiquíssimas da alma e do espírito. Essas experiências são objeto de represen­
tações míticas transmitidas inicialmente por via oral e depois por escrito. Essas imagens revelam uma verdade que não é nem ra­
cional nem histórica. Devem ser compreendidas intuitivamente, no nível da alma e do espírito. Nossa mentalidade atual, racional,
tem a tendência de duvidar dessas sugestões. A lógica pura tem dificuldades diante de uma verdade que nos chega sob a forma
de imagens. Já não há nada de familiar: tudo parece estar envolto em mistério, como se quisesse transmitir uma mensagem.
Quem encontra a chave pode decifrar esse segredo. E, como todos nós possuímos essa chave no coração, podemos receber a
mensagem secreta de modo consciente.

COMO SURGIU A FALA HUMANA No nome fazem pressentir, mesmo que muito vagamente, a
Odin também estão ocultos os vocábulos “odem, própria essência do ser de Cristo e de sua missão.
adem” (sopro, alento) e “Adam” (Adão), a alma Por meio das palavras da vidente, os ouvintes
insuflada em segredo. No antigo alemão, Odin se sentiam dentro de si o destino dos deuses. Dentro
refere também a Wuodan ou Wotan: o que impul­ deles, alguma coisa revivia: aspectos de uma
siona para frente, com força, que reina na tem­ reminiscência original. Eles “vivenciavam” Odin
pestade, que, na respiração, enche o pulmão de como uma energia resplandecente e vitalizante,
ar. É o vento que corre nos bosques e faz que os como uma ligação com um aspecto superior do
fenômenos naturais “falem”. espírito.
A Edda narra que Odin ficou pendurado na Para os germânicos, Odin era o dispensador oni­
árvore da vida por nove “noites” (nove níveis de presente do destino. No entanto, ele próprio tam­
consciência), enquanto escutava todos os tipos bém se submetera ao destino. Ele personificava a
de impressões e ruídos da natureza. Com base força e o poder que opera em toda parte e repre­
nessas impressões e ruídos ele formou a lingua- sentava, dentro de cada ser humano, a vontade,
gem humana, tão rica de imagens. Afinal, não a sabedoria e a ação divinas. Ao mesmo tempo,
é verdade que, em todas as línguas, há segredos a vidente mostra como Odin morreria em cada
ocultos, que escondem as ligações entre o espírito homem. Em nossa linguagem moderna, diríamos
e a natureza? O espírito aprende a se conhecer que Odin “deslizaria para nosso inconsciente”.
com o auxílio da natureza e, no decorrer de eras O processo corre paralelamente à individualiza­
e eras imensas, ele transforma e espiritualiza a ção. À medida que o “eu” humano se desenvolve,
natureza. Nesse processo, o tempo não desempe­ começa a ter uma percepção de si mesmo e não
nha nenhum papel! Quem vai registrando tudo é da ação dos deuses dentro dele. Ele já não se vê
Mimir, a memória da natureza. O sopro de Odin como um reflexo de uma entidade espiritual, mas
está presente em todas as línguas. como um ser independente.
O fato de Odin ter ficado dependurado em uma A vidente percebe, também, os sinais que pressa­
árvore durante nove ”noites” dá a impressão de giam um futuro cheio de infelicidades e profetiza
um tipo de descida, de uma queda do espiritual um destino ameaçador e inevitável µ
para o material. Assim, para que um dia tivésse­
mos a possibilidade de efetuar nosso desligamen­
to da natureza no tempo previsto, seria preciso
acontecer a crucificação deliberada de um ser
muito superior – e esse fato anunciaria nossa
espiritualização e transfiguração. Precisamos estar
bem conscientes de que os mistérios nórdicos nos

42 pentagrama 1/2011
Ilustração do século XVIII representando a árvore do mundo, Iggdrasil.
(J.C. Cooper, Enciclopédia ilustrada dos símbolos tradicionais, Londres, 1978).
o destino dos deuses 43
uma boa conversa

Em nossa época, comunicação é uma palavra mágica. No entanto, uma boa conversa nunca
esteve tão pouco em evidência. O verdadeiro diálogo parece ter perdido grande parte de sua
importância, agora que a comunicação humana acontece mais por meio de e-mails, sms ou Fa­
cebook.As mídias estão dominando nossa vida e nos sobrecarregam de uma quantidade incrí­
vel de informações.As conversas giram principalmente em torno do que as mídias nos trazem,
e falamos cada vez menos sobre o que poderíamos dizer a nós mesmos. O mais importante é
estar por dentro das novidades, estar bem informado. Quem não estiver, só pode calar-se, não
pode dizer nada, nem participar da conversa.

A
comunicação pessoal deixa transpare­ brigas, e sempre nos perdemos em uma avalanche
cer muito da confusão de informações de palavras.
que mantém nossa “comunidade global” Por isso, estamos chegando a um ponto em
aprisionada. Todas as pessoas, individualmente, que vale mais ter razão do que dizer a verdade.
precisam ter uma opinião bem formada, cheia de Trata-se de uma antiga técnica de discussão pra­
argumentos e justificada com veemência. Durante ticada entre os sofistas na antiga Grécia – e eles
alguns confrontos de estudantes da Universidade chegavam até a ser remunerados por ela! Vencia
de Colúmbia, em Nova Iorque, alguns jornalistas quem tinha razão, e a vitória era dada a quem
entrevistaram o filósofo Jacob Needleman, profes­ pronunciasse a última palavra.
sor e autor do livro Lost Christianity (Cristianismo Nessa tentativa de definir o que qualificamos
perdido), para saber sobre sua opinião a respeito como “boa conversa”, a quem poderíamos nos
dos acontecimentos. “Não tenho nenhuma opi­ referir melhor do que ao filósofo grego Sócrates?
nião a respeito”, respondeu ele, tranquilamente. Se Por ser o “pai do diálogo socrático”, ele atraía
as pessoas não se conformassem com essa resposta a hostilidade dos sofistas. Sócrates não era um
insignificante, ele a repetia, pois era verdade: ele mestre da conversa cotidiana sobre “tempo bom”
não sabia o que pensar a respeito daquele fato. ou “tempo ruim”. Pessoalmente, ele também
Mesmo quando insistiam, ele não queria tomar não queria convencer ninguém a qualquer preço.
uma posição, e os repórteres o olhavam com certo Mas ele acabou colocando em dúvida todas as
estranhamento, perguntando: “Isso quer dizer que falsas certezas de seus interlocutores. Como ia
o senhor não tem nenhuma opinião?” Needleman fazendo perguntas cada vez mais profundas, ele
teve a impressão de que não ter opinião alguma era os levava a tomar consciência de que realmente
pior do que cometer um crime. É claro que esse não sabiam nada. Desse modo, resumia a conver­
diálogo não foi transmitido pela mídia, pois não sa e dava fim a toda tagarelice das pessoas muito
é comum alguém não receber bem os jornalistas. seguras de si. Sócrates colocava-se como um
Nosso mundo de informações está ameaçado por exemplo, pois dizia que também não sabia nada
uma polarização a ponto de ser quase uma obriga­ a respeito de nada e que não achava que poderia
ção tomar o partido de um lado e menosprezar o saber de tudo. De certa forma, só de dizer isso
outro. Para sermos claros, apegamo-nos a opiniões ele já se mostrava mais sábio do que os outros.
radicais. A hesitação e a incerteza tornam difícil a Karen Armstrong tem razão quando se refere ao
formação de opinião. Exige-se uma opinião firme método de diálogo socrático em seu novo livro,
a respeito dos assuntos mais divergentes possíveis Em nome de Deus1 (The Case for God). Segundo
– e sempre precisamos justificar, dar exemplos ela, as polêmicas sobre as grandes questões vitais
para fundamentá-la. Isso é bem lógico, pois nossas são sempre improdutivas, pois impedem que a
conversas geralmente caem em discussões, debates, pessoa vivencie experiências espirituais autênti­

44 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO

cas e nunca conduzem à iluminação.


Em um bom diálogo, precisamos confrontar
nossas opiniões com a de outra pessoa e deixar
claro, logo de início, que não pretendemos saber
tudo a respeito do assunto. Ao fazer isso, não
registramos um resultado imediato, sobretudo se
nos esforçarmos muito conscientemente. Nesse
caso, é importante reconhecermos isso honesta­
mente: assim, poderemos dar uma nova direção
ao diálogo. Afinal, é preciso manter uma atitu­
de aberta e receptiva, que nos permita perceber
onde discordamos, para nos livrarmos de nossas
certezas cristalizadas e da fortaleza inexpugnável
de nossa personalidade presunçosa. Se um dos
dois interlocutores apresenta suas ideias como ouvir mais nada, mas sim quando há uma espera
se fossem absolutas e totalitárias, como verdades tranquila pela palavra libertadora que faz com
indiscutíveis, a conversa para por aí. Portanto, que, em nosso interior, se eleve “o indizível, o
além de nos abrirmos para a outra pessoa, tam­ inexprimível”.
bém precisamos relativizar nosso discurso. Esse silêncio também pode descer em nós quan­
De fato, uma boa conversa pode tornar-nos do cessa a onda interminável de reflexões pesso­
receptivos ao mistério desse terceiro elemento ais, do diálogo que se desenvolve dentro de nós
imperceptível: o silêncio que se estabelece entre e que é definido por James Joyce como “fluxo de
os interlocutores, o “Outro”, que é tão diferen­ consciência” (stream of consciousness). É que o de­
te de nós, e que está presente entre as palavras bate a respeito de palavras nem sempre está fora
expressas ou entre as linhas escritas – o “Outro”, de nós. Na maior parte do tempo, ele continua
que jamais poderá ser reduzido a uma verdade dentro de nós como um interlocutor imaginário,
que possa ser demonstrada e definida objetiva­ um adversário que gostaríamos de convencer
mente e que permanece quando tudo já foi dito. com base em nosso próprio raciocínio. Quantas
Ora, esse “Outro” apenas pode manifestar-se em vezes não ficamos cansados de tanto imaginar
nós no silêncio: não somente o silêncio da voz, argumentos para um próximo debate, argumen­
mas principalmente o silêncio do coração, que tos que gostaríamos de ter continuado a tecer,
se faz quando o diálogo chega a um ponto em quando na verdade ficamos de boca calada?
que nos faltam palavras, quando o silêncio não é Críticas pedantes? A história da religião dá inú­
o silêncio teimoso e decidido de quem não quer meros exemplos de pessoas que dialogam com

uma boa conversa 45


o Deus “delas”. Fazendo isso, elas entram em cípio e que era Deus”, como a única verdade
uma luta desigual com o produto de sua própria inexprimível, mas cuja ação podemos sentir em
imaginação, sob o império de uma criação de­ nós. Esse Verbo se expressa também por meio de
moníaca que as força a uma obediência muda e nossas ações e de nossa atitude de vida, por uma
que submete sua fé de forma autoritária. No fim, afirmação que acaba com nossas “belas palavras”
elas acabam perdendo totalmente a fé e negam a que, no entanto, são vazias. Esse Verbo fala em
existência de Deus. nós no momento em que o vivenciamos e o
No entanto, uma negação como essa também escutamos em silêncio. O que podemos dizer
pode ter um efeito purificador, pois o choque quando o Verbo divino do “Outro em nós” se
da ignorância pode fazer-nos transcender a nós faz ouvir? Quando esse Verbo ressoa em uma
mesmos e tornar-nos acessíveis interiormente ao conversa? Já não pretendemos convencer, persu­
mistério indizível da vida, como podemos ler, adir nem sustentar opiniões contrárias: convida­
por exemplo, na Bíblia, no Livro de Jó. O silên­ mos uns aos outros a ultrapassar as palavras e a
cio interior pode formar a terra que nos alimen­ descobrir a verdade transcendente que ultrapassa
tará: a base em que os impulsos pessoais naturais todas as palavras. A partir de então, a comunicação
acabam permitindo a escuta da palavra divina. já não é uma troca de ideias diferentes, mas, sim,
Nesse momento, dentro de nós somente resta­ uma união, no sentido verdadeiro desse termo µ
rá uma única expressão – o anseio pelo único
Verbo verdadeiro: “Fala, e serei curado”. Já não Fontes:

1 Armstrong. K. Em nome de Deus: O fundamentalismo

se trata de falar de modo puramente informativo no judaísmo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

ou descritivo, mas, sim, de formular o pedido


por uma transformação, por uma mudança fun­
damental. Quando a polêmica interior se reduz
ao silêncio, o único Verbo divino pode fazer-se
ouvir e renovar-nos inteiramente.
Na tradição gnóstica cristã, trata-se do Logos
criador, do “Verbo de Deus que era no prin­

46 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO

GIORDANO BRUNO E OS DIÁLOGOS ITALIANOS

a profundidade da palavra
de giordano bruno
Giordano Bruno está entre os personagens mais conhecidos do final do século XVI e é um
dos mais difíceis de ser interpretado. Sua obra complexa é difícil de ser entendida em nossos
dias, pois o contexto desapareceu, e as ideias, as figuras míticas e históricas já nada represen­
tam para nós. No entanto, seu final de vida atroz, em Roma, na fogueira montada em Campo
di Fiore, marca o fracasso de todos os que não toleram a liberdade de pensamento.A inter­
pretação de que Bruno teria sido um charlatão, um pretenso mago, ainda turva sua imagem.

F
ilippo Bruno nasceu em 1548 em Nola, atacar determinado teólogo, em seguida chegar
uma localidade ao sul da Itália, próxima a a confundi-lo por meio de debate, e depois ser
Nápoles – e ele nunca tentou esconder sua forçado a fugir ou a apresentar desculpas.
origem. Em suas obras aparecem membros de Giovanni Mocenigo, um conterrâneo venezia­
sua família, o que lhes confere uma vivacidade no, convida-o a ir a Veneza e, depois de alguns
dramática e um tom pessoal bastante particu­ meses, entrega-o à Inquisição, que o faz passar
lar. Filippo tinha quinze anos quando entrou por um longo processo, primeiro em Veneza e
para a ordem dos dominicanos de Nápoles. depois em Roma. Bruno começa dando teste­
Foi quando escolheu seu nome monástico: munho de contrição, mas em seguida se recusa
Giordano. Logo se revolta contra a vida mo­ a revogar suas ideias. Por isso foi condenado
nacal e é acusado de exercer má influência em à fogueira, que era a punição usual para os
seus confrades. hereges.
Ameaçado de processo por heresia, ele foge
para Roma e depois para o norte da península. TRÊS DIÁLOGOS EM UM As obras de
Por fim, ele se refugia em locais em que o ca­ Giordano Bruno, escritas na maior parte sob
tolicismo não é tão predominante. Em Gênova, a forma de diálogo, são redigidas em latim
ele reúne-se com os calvinistas e logo entra em e italiano. O latim era a língua utilizada nas
conflito com seus dirigentes, seguindo um pro­ universidades, e o italiano era importante pelo
cedimento que irá repetir-se frequentemente: fato de ser a língua das pessoas cultas nas cortes

giordano bruno e os diálogos italianos 47


A “Roda da memória” de Giordano Bruno, do
livro De Umbris Idearum (Da sombra das ideias),
tal como foi reconstruida por Frances Yates em
1952. Fragmento, © Warburg Institute, londres

da França e da Inglaterra. Também não é de se gos


espantar que muitas de suas obras tenham sido e
publicadas em italiano em Londres, quando filósofos.
Bruno aí residia, entre 1584 e 1585. Em Spaccio Por isso,
della bestia trionfanti (Expulsão da besta triunfan- Júpiter atri­
te), três diálogos se desenrolam em dois níveis. bui a culpa à besta
Dois personagens estão conversando: Saulino e “pior do que a Hidra de
Sofia, a Sabedoria. Mercúrio aparece em cena Lerna, que espalha seu veneno
duas vezes. Sofia conta a Saulino o que está mortal por meio de uma multidão de heresias”
acontendo no mundo dos deuses. Júpiter está (Lutero), e, para combatê-la, resolve enviar
mudado, pois o “ano do mundo” dos trinta e Hércules à Terra. Assim, Momo, que desempe­
seis mil anos de seu império estão quase termi­ nha o papel de um crítico celestial e, ao mes­
nando, e o deus supremo teme ser destronado. mo tempo, de um alter ego de Bruno, formula
Então, ele convoca os deuses e propõe uma re- soluções radicais: “Basta acabar com essa seita
forma: todas as constelações que povoam o céu de bandidos pedantes que não fazem nenhum
e dão testemunho de fatos antigos – principal- bem de acordo com as leis divinas e naturais,
mente os fatos marcantes da volúpia dos deu­ que acham que são agradáveis aos deuses e que-
ses – seriam retiradas do céu depois de serem rem ser considerados como eles; de acordo com
julgadas. Em lugar delas, seriam instaladas as seu catecismo, acham que fazer o bem é bom e
virtudes, que iriam expulsar os vícios capitais e fazer o mal é mau, mas pensam que não é pelo
secundários, e deveriam indicar o caminho para bem que fazem ou pelo mal que não fazem que
uma renovação ética e religiosa. as pessoas se tornam dignas e agradáveis aos
A passagem iminente de um século a outro (do deuses, mas sim pela esperança e pela fé.”
século XVI ao XVII) constitui a razão deter­ No segundo diálogo, Bruno passa a palavra a
minante desse diálogo, que se relaciona dire­ Sofia: “Júpiter deu ordem para que o julga­
tamente com a Reforma. O diálogo alegórico mento se realize: ele a deu e ordenou a fim de
relativamente longo foi ressaltado pelos ataques descobrir se é verdade que eles (os católicos
ferozes dos heterodoxos, principalmente teólo- tradicionalistas) incitam o povo a desprezar os

48 pentagrama 1/2011
Afinal, entre dez mil desse tipo de pedan­
tes, nem sequer um só respeita seu próprio
catecismo. Se ele ainda não o publicou, então
está em vias de fazê-lo, ele, que apenas con­
sidera bom o seu modo de pensar e sempre
encontra em todos algo para observar, para
le- criticar e do que duvidar.”
gis­
ladores VIRTUDE. A IMPORTÂNCIA DO QUE É
e as leis, ou ÚTIL, DA FORÇA E DA VIRTUDE
pelo menos a A Igreja de Roma também não sai ilesa de tudo
demonstrar frieza isso: “Mercúrio declara que o que desencadeou
em relação a eles, dando a ação da Inquisição em Nápoles foi uma enor­
a entender que esses legislado­ me cupidez, sob o pretexto de preservar a reli­
res têm tarefas impossíveis. […] E, quando eles gião.” Essa é a grande diferença de Bruno e das
dizem que querem reformar as leis e as religi­ teorias revolucionárias de Rousseau no século
ões, eles acabam alterando todo o bem que aí XVIII: ele não tenta defender, absolutamente,
se encontra. […] E, por fim, quando eles (os a ideia de uma Época Áurea. Pelo contrário: no
católicos) se cumprimentam desejando ‘a paz’, terceiro diálogo ele afirma que estar isento de
estão brandindo a lâmina da discórdia onde pecados, como na antiga Época Áurea, ainda
quer que entrem. Então, tiram os filhos de seu não significa que se possui “a força e a virtude”.
pai, o próximo de seu próximo, o cidadão de Os deuses deram mãos aos homens justamente
sua pátria e causam outras terríveis separações para que eles agissem e se distinguissem dos
que vão contra a natureza e todas as leis. E animais. Indiretamente, Bruno exige o retorno
se, fingindo ser servidores daquele que traz os da primazia do livre-arbítrio contra o “recru­
mortos à vida e cura os doentes ( Jesus), eles (os tamento” de Lutero. Em seguida, ele fala que
católicos tradicionalistas) são os piores de todos a sabedoria dos antigos egípcios está na ideia
os que a terra alimenta: eles torturam ou levam de que “Deus está na natureza” e até mesmo
os vivos à morte, com sua língua pérfida e com que a natureza (como todos devem saber) não
o fogo de sua espada. representa nada mais do que a presença de Deus
E que espécie de paz e união eles fazem cintilar em todas as coisas.” Ao reverenciar a natureza,
aos olhos do povo pobre? […] No mundo in­ os antigos egípcios reverenciavam a Divindade.
teiro, não se encontra tanta divisão e discórdia “Em certo sentido, à medida que ela se mani­
como entre eles. festa, a Divindade desce à natureza, assim como

giordano bruno e os diálogos italianos 49


Monumento edificado em homenagem a Giordano Bruno. Nele há a seguinte inscrição:
A Giordano Bruno – Il secolo da lui divinato – Qui dove il rogo arse (A Giordano Bruno – no
século que ele profetizou – aqui, onde a fogueira ardeu) (Roma, Campo di Fiore, 1889).

o homem se eleva por meio da natureza até a objetivo na vida, depois de morrerem ficam
Divindade. Ele se alça no decorrer da existência impossibilitadas de fazer o que quer que seja
através das coisas aparentes da natureza até a por si mesmas ou por outras.” É um ataque sem
vida superior.” disfarces à veneração dos santos na época da
Contra-Reforma.
O ANO MUNDIAL DE 1600 No livro Parece claramente que Bruno vê na chegada
Expulsão da besta triunfante também encontra­ iminente do ano de 1600 o término de toda a
mos o conceito de escada, que permite chegar a tradição mosaico-cristã. Isso deve trazer uma
Deus por meio da “magia natural” – que é algo renovação da moral por meio de um retorno
completamente diferente da prática das pesso­ à clássica “virtude” dos antigos romanos, que
as de hoje, que “adoram os deuses e possuem Bruno aprecia tanto; “magnanimidade, equida­
quase tanto espírito quanto nossos animais. de e graça agradam aos deuses. Por essas razões,
Realmente, no final das contas, essa adoração os deuses elevaram o povo romano acima de
acaba fazendo com que essas pessoas se tornem todos os outros povos, pois, por seus atos bri­
mortais sem valor, escandalosas, idiotas, fanáti­ lhantes, eles chegaram a igualar-se aos deuses
cas, sem honra, miseráveis, obsedadas por maus muito mais do que outros povos. E como seus
espíritos, desprovidas de cérebro, de eloquência costumes e seus gestos correspondiam às suas
e de “virtude”. Como não tinham nenhum leis e à sua religião, foram-lhes distribuídas

50 pentagrama 1/2011
muitas honras e felicidades.” Na verdade, esse combater transforma-se no próprio Hércules,
encorajamento a um novo impulso moral é o que vence o cão Cérbero, que está coroado por
lado mais utópico de Bruno: no entanto, as uma tiara (mitra papal). Essa contradição ou
estruturas utópicas como a “Cidade ideal” de essa mudança de direção nem por isso sugere
Thomas Morus ou as tentativas desse tipo o que Bruno negue todas as ideias expressas no
deixavam bastante indiferente. diálogo: suas ideias formam muito bem um
sistema bastante coerente. Resumindo: aí estão
O PRETO E O BRANCO No debate sobre as dois pontos cruciais – Os enlevos do amor fala
constelações de Órion e Centauro, na última a respeito do amor do homem pelo divino,
parte do terceiro diálogo, Bruno ataca disfarça­ em oposição ao amor comum, bem dentro da
damente o cristianismo. Tratando a respeito de tradição platônica do Eros celeste e do Eros
Órion, por exemplo, Momo declara: “Porque terrestre. Como a união com o divino não
ele faz milagres e, como Netuno sabe, ele anda pode realizar-se inteiramente durante uma vida
sobre as águas sem afundar nem molhar os pés e humana, o amor heróico é de natureza trági­
ainda traz em sua sacola os truques mais incrí­ ca e, para o filósofo, uma tortura sem fim. De
veis. Vamos enviá-lo aos seres humanos a fim qualquer modo, a Divindade o conduz para o
de que lhes conte o que quer e lhes faça crer alto, ao longo de uma escada que resume vários
que o branco é preto, que a inteligência huma­ processos que levam ao conhecimento. Esse
na é cega exatamente onde ele acha que está texto é considerado uma obra-prima, na qual
enxergando melhor, e que o que é bom, racio­ já se prefigura o destino de Bruno e sua atitude
nal, excelente e superior é vil, mau e corrompi­ imperturbável diante da Inquisição.
do […]”
Esse diálogo, como todos os diálogos de Bruno, A VISÃO HELIOCÊNTRICA DO MUNDO
precisa ser considerado como um texto po­ A opinião sustentada por Giordano Bruno
lêmico, um momento no caminho do autor. sobre o cosmo é de grande importância. Em
Também não precisamos espantar-nos com O banquete da Quarta-feira de Cinzas (1548), ele
o fato de que logo em seguida Bruno apa­ defende Copérnico como sendo “[…] alguém
rece nos centros luteranos, como as cidades muito superior a Ptolomeu, Hiparco, Eudóxio
de Wittenberg e Helmstedt, louvando o re­ e todos os que seguiram seus passos. Ele atinge
formador religioso alemão (Lutero) em sua essa superioridade quando se liberta de alguns
Oratio Valedictoria (1588), que foi seu discurso axiomas errôneos da filosofia comum e vulgar
de despedida realizado na Universidade de – em outras palavras, da cegueira. No entanto,
Wittenberg. No livro A expulsão da besta, o ele não pôde distanciar-se muito disso porque,
monstro da heresia que Hércules precisa vir a sendo mais matemático do que físico, não pôde

giordano bruno e os diálogos italianos 51


A amplitude da influência de Bruno é difícil de ser estimada. É
bem provável que Espinosa tenha conhecido sua obra.

escavar mais profundamente para desenraizar relativos. Em todas essas concepções, Bruno
todos os falsos e inúteis princípios, para resolver coloca-se como um precursor da ciência mo­
todas as dificuldades, para libertar a si mesmo derna. A amplitude da influência de Bruno
e aos outros das pesquisas inúteis e direcionar é difícil de ser estimada. Até que ponto um
solidamente suas observações para objetos in­ pensador como Galileu tinha conhecimento de
dubitáveis e bem estabelecidos. Apesar de tudo, suas ideias? Não há certeza sobre isso; o mes­
apreciemos, por seu justo valor, esse alemão* mo acontece com Espinosa, por mais que seja
que, sem preocupar-se com o povo sem inteli­ provável que ele tenha lido essa ou aquela obra
gência, operou com tanta constância na contra­ de Giordano Bruno.
corrente das crenças.” Na Holanda, não houve grande interesse com
relação a Giordano Bruno. A Rozekruis Pers
Essa apologia de Copérnico, mais explícita ain­ dedicou-lhe um volume na série Symposionreeks.
da no diálogo Acerca do infinito, do universo e dos A editora Ambo publicou no ano 2000 a obra
mundos, veio treze anos antes de um texto que intitulada Italiaanse dialogen, que dá uma visão
não estava previsto para ser publicado, em que de conjunto brilhante de toda a sua obra µ
Galileu iria afirmar a mesma coisa, e um século
antes da publicação de seu Diálogo sobre os dois *Apesar de Copérnico ser polonês, é assim mesmo que Giordano o
principais sistemas do mundo (1632). apelida em seu livro (NT).

Bruno vê o universo como uma imensidão, do Fontes:


mesmo modo que o filósofo latino Lucrécio Speelman, R. Rondom een brandstapel: Bruno en Campanella in de
havia feito tantos anos antes, e postula a exis­ Italiaanse letterkunde anno 1600 (Em torno de uma fogueira: Bruno e
tência de muitos mundos semelhantes ao nosso. Campanella na literatura científica italiana do ano 1600).
Além disso, não considera o universo como um Bruno, G. Italiaanse dialogen (Diálogos italianos). Amsterdam:
espaço vazio. No interior do universo – que Ambo, 2000.
não tem nem centro nem direção absolutos em
seus movimentos, tudo se move, tanto os “sóis”
como as “terras”. Peso e leveza são conceitos

52 pentagrama 1/2011
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D.B. Santos Neves somente em Deus e não no próprio ego.”
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“Se deixares de lado algumas discussões sobre o vocabulário,
descobrirás, meu filho, que o Espírito, a Alma de Deus, reina Diálogo – Uma conversa sobre a criação, o
verdadeiramente sobre tudo: sobre o destino, sobre a lei, sobre todo
homem e a linguagem da alma
o resto – e que nada lhe é impossível.”
Vivemos em diálogo: tudo fala

Hermes não poderia ter se expressado mais positivamente que dentro de nós
isso. Aqui, é dito intencionalmente que, mesmo no caso em que Uma conversa sobre a criação
um ser humano tenha degradado e transgredido de maneira Sobre o homem
extremamente grave as leis elementares da vida, se ele se entregar
Conversa consigo mesmo
e se confiar à alma eterna, ela poderá romper com o destino,
por mais fatal e aprisionador que ele seja, graças ao perdão dos
pecados. É por essa razão que não vamos contra nenhum ser, nem
contra o que ele poderia ter feito de mal em seu passado. Que
ele somente se entregue de forma positiva à sua alma e que ele
dê testemunho dela por meio de sua atitude. O estado de aluno
deve ser demonstrado concretamente: o aluno deve dar provas
disso. O ensinamento sobre o erro, sobre a remissão dos pecados e
a respeito da graça é um ensinamento hermético clássico. Todos
vós que podeis declarar isso e demonstrá-lo com base na fé dos Profundidade, silêncio,
evangelhos de milhões de anos da Gnosis original de Hermes,
pensamento, consciência,
todos vós nos trazeis muita alegria! Esse grandioso e maravilhoso
palavra
consolo chega até nós pela certeza de que a alma verdadeira é bem
mais elevada e poderosa do que todos os destinos. A profundidade da palavra

de Giordano Bruno
J. van Rijckenborgh
A Edda: O destino dos deuses

jAn/fEv 2011 númErO 1

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