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MG
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo registrar a duradoura e intensa ocupação de uma escola estadual Mayra Cristina
de Alfenas/MG, que integrou-se ao movimento nacional de ocupações secundaristas ocorridos no ano de 2016 Costa
no Brasil. Foram 50 dias, sendo 19 com paralisação total das atividades. A partir das vivências dos autores nesse Graduanda
processo, são descritos os desafios- de caráter coletivo, subjetivo, institucional, político e social- enfrentados em Química
pelos(as) estudantes, buscando contribuir com reflexões para o campo educacional e apontar para a possibili- (Licenciatura)
dade de construção de uma escola que contemple mais a juventude, compreenda e valorize tais experiências de pela Universidade
resistência. Federal de Alfenas
Abstract: This work aims at recording the long-lasting and intense occupancy of a state school located in Alfe- Gabriel Barreto
nas which joined the national movement of occupancy by high school students which occoured in Brazil in 2016. Lopes
It lasted 50 days, 19 days from them counted on downtime of all activities. From the experience the authors Graduando
got following this process, the challenges – of collective, subjective, institutional, political and social characters em Pedagogia
– faced by the students are depicted, seeking to contribute - through reflections - to the educational field and (Licenciatura)
to point to the possibility of building a school able to contemplate the youth better and able to understand and pela Universidade
appreciate such resistance experiences. Federal de Alfenas.
Palavras-chaves:
Ocupações
Introdução 1. Ocupar: Já estava (inconscientemente) secundaristas.
decidido Educação escolar.
Em 2015, secundaristas de São Paulo ocuparam Juventude.
centenas de escolas como forma de mobilização e Em outubro de 2016, após cerca de 20 dias do iní- Keywords:
luta contra o projeto de reorganização escolar pro- cio do movimento, quando as ocupações secundaris-
posto pelo governador Geraldo Alckmin, que foi revo- High school
tas cresciam pelo país, estudantes de uma turma da
gado como uma vitória significativa desse movimento student occupancy.
segunda série do ensino médio de uma escola da rede
(CATINI & MELLO, 2016; CORTI, CORROCHANO, School Education.
estadual em Alfenas/MG fomentaram uma discussão
SILVA, 2016; PAES & PIPANO, 2017). No ano seguinte, Youth.
sobre a conjuntura nacional. Estes estavam em uma
inspirados por esse processo, no Paraná, São Paulo, aula de geografia5 e iniciaram a discussão sobre a 1 Disponível em: http://ubes.org.
Minas Gerais, Distrito Federal, entre outros estados, Medida Provisória 746 (Reforma do Ensino Médio) e a br. Acesso em: 30 jul.17.
assistiu-se a emergência e consolidação de um movi- PEC 55 (“PEC do Teto de Gastos”). 2 Aprovada no Senado em
mento nacional de ocupações estudantis, que atingiu 13 de dezembro de 2016 e
Por consequência, o movimento de ocupações se- promulgada em 15 de dezembro
o número expressivo de mais de mil universidades,
cundaristas, que vinha ocorrendo em todo o Brasil, de 2016, a PEC 55, conhecida
institutos federais e principalmente escolas de ensino como “PEC do Teto dos Gastos”,
tornou-se tema do diálogo. Em um ponto da conver- foi encaminhada pelo governo
médio1. de Michel Temer, tendo como
sa, os(as) estudantes afastaram as carteiras da sala justificativas o equilíbrio das
Em geral, os(as) estudantes secundaristas colo- de aula para as paredes, sentaram-se todos em roda contas públicas por mecanismos
rígidos de controle de gastos
caram-se como protagonistas contra a situação de e um aluno apresentou em seu celular uma foto e um públicos por 20 anos e um novo
precarização e sucateamento da educação pública manual resumido, cujo título era “Como Ocupar seu
regime fiscal. Contudo, alvo
de discussões na sociedade
no país, tendo como pautas centrais a luta contra Colégio”6. civil, tal proposta foi levantada
como pauta central na luta dos
a Proposta de Emenda Constitucional nº 55/2015 movimentos de ocupações e
A aula de geografia acabou, porém os(as) estu-
(PEC 55)2, a Medida Provisória nº 746/2016 (MP de outros movimentos sociais,
dantes não pararam a discussão por aí, na medida que apontavam para a sua
746/20163), e o Projeto de Lei nº 867/2015 (PL “Es- inconstitucionalidade e para
em que, intrigados, entraram em contato com uni- os impactos negativos sobre
cola sem Partido”4). investimentos essenciais e
versitários da universidade federal do município, cuja estratégicos, como saúde,
Nesse contexto, no município de Alfenas, localiza- reitoria se encontrava ocupada. Após esse contato, os educação e assistência social.
do ao sul de Minas Gerais, o movimento de ocupações secundaristas foram convidados a conhecer a ocupa- 3 Defendendo alterações na
foi iniciado em uma escola pública de ensino médio, ção universitária e sua organização, observando como estrutura do ensino médio,
última etapa da educação
sendo seguida temporalmente por universitários da as comissões se separavam e como havia um esforço básica, tal MP, encaminhada
também pelo governo federal
instituição federal de ensino superior do município e diário para arrecadar doações de alimentos e para ga- e aprovada com mudanças
por mais três escolas públicas. rantir uma programação culturalmente diversa, sem pelo Senado em fevereiro de
2017, propõe a ampliação da
Dito isso, considerando o envolvimento direto dos abrir mão dos debates políticos. carga horária mínima anual,
a implementação de escolas
proponentes deste relato com o movimento de ocu- No dia seguinte a essa visita, esse grupo de es- em tempo integral, tornava
inicialmente facultativo o ensino
pação de uma destas instituições escolares, tomada tudantes secundaristas percorreu todas as salas do da arte e da educação física
como experiência para a presente problematização, ensino médio da escola, recolhendo assinaturas de
nessa etapa, além de outras
mudanças curriculares. Criticada
buscar-se-á alcançar um objetivo não tão preten- todos(as) aqueles(as) que concordavam com a ocupa- por grupos e entidades ligadas
à educação, principalmente pelo
sioso, mas fundamental: registrar, na forma de me- ção daquele espaço escolar, visando registrar de for- seu caráter arbitrário, enquanto
morial, os acontecimentos, para que outras pessoas ma escrita a porcentagem de estudantes favoráveis.
medida provisória, e pela falta de
possam ler e para marcar a história destes estudan- Ademais, junto a essas assinaturas recolhidas, foi fei-
tes (ocupantes e resistentes) na produção científica to o registro daqueles(as) estudantes que, de alguma
da área educacional. maneira, gostariam de ajudar no processo de ocupa- 56
ção da escola, compondo as comissões organizativas,
arrecadando alimentos, entre outras atividades.
Feito isso, na parte da tarde desse dia, tais es-
tudantes realizaram uma reunião na sala de vídeo da
escola para deliberar alguns pontos importantes. Com
as assinaturas recolhidas em mãos, foi concluído que
aproximadamente 90% dos estudantes frequentes do
ensino médio eram favoráveis à ocupação da escola.
Contudo, como a escola em questão funciona em dois
turnos7, era necessário dialogar também com os(as)
estudantes do Ensino Fundamental II. E assim foi fei-
to.
No dia seguinte, houve a divisão em duas frentes Fig. 1: Autorização elaborada pelos secundaristas
dos estudantes que haviam se reunido anteriormen-
te: metade ficou responsável por ir à escola recolher era preciso realizar uma assembleia estudantil com
as assinaturas dos estudantes do turno vespertino todos os estudantes da escola, feita na manhã do dia
favoráveis à ocupação e a outra metade foi para as 28 de outubro de 2016, contando com a presença de
ruas do entorno arrecadar alimentos e outros man- três secundaristas de outra escola estadual do muni-
timentos. Entendiam que o diálogo com os(as) estu- cípio —que já se encontrava ocupada há 4 dias —e de
dantes do Ensino Fundamental II era essencial para um advogado, tendo como pautas a discussão sobre
o futuro da ocupação, já que representavam mais de a legalidade das ocupações e os possíveis enfrenta-
50% dos estudantes da escola. Além disso, em mo- mentos futuros.
mento algum, os organizadores da ocupação levaram Mesmo se tratando de uma assembleia dos es-
em consideração que esses(as) estudantes não se- tudantes, foi presenciado que professores e alguns
riam capazes de dialogar e entender a situação por membros da equipe gestora da escola levantavam as
serem mais novos. mãos e chegavam a interromper as falas dos secun-
Nesse sentido, a resposta de uma estudante se- daristas. Contudo, era necessário respeitar a autori-
cundarista, quando questionada sobre o tratamento dade de fala e a legitimidade daquele espaço, sendo
para com os(as) estudantes do Fundamental II e de isso muito bem exposto pelos(as) estudantes.
uma suposta incapacidade de compreensão destes Ademais, essa manhã de discussão deixou os(as)
em relação à ocupação, foi a seguinte: , “Jamais os estudantes eufóricos(as) por mudanças, na medida
subestimamos, não faríamos com eles o que fazem em que, segundo relatos informais dos próprios se-
conosco. Não tem lógica reproduzirmos isso.” (Estu- cundaristas, era perceptível que tinham muitas coi-
dante B, mulher, 17 anos). sas a falar. Alguns deles, inclusive, chegaram a se
Tal resposta parece vir ao encontro de um ques- emocionar ao comentar sobre seus irmãos pequenos,
tionamento feito por nós aos secundaristas, sobre o entendendo que estavam ali dispostos a lutar para
comportamento dos professores e funcionários da que seus familiares não passassem por situações se-
instituição escolar, no período em que organizavam melhantes ou piores do que aquela.
a ocupação, buscando entender se haviam ocorrido Nesse sentido, acreditamos que tal assembleia
maiores discussões e consulta empecilhos ou se alguém tentou os impedir. Uma representou o primeiro momento em que alguns
à sociedade, tornou-se também
pauta de luta das ocupações.. das estudantes respondeu que os organizadores da dos adultos que trabalhavam na escola começaram
4 Tal projeto, pautado na defesa ocupação não enfrentaram nenhuma dificuldade mais a acreditar que os(as) estudantes não iriam recuar.
da neutralidade e imparcialidade
dentro das escolas, buscando
significativa, mas mesmo que os professores e fun- Destarte, ao fim da assembleia, foi entoado pelos(as)
defender os alunos da suposta cionários —salvo algumas exceções—acreditassem estudantes, aos pulos, o grito “ocupar e resistir”, re-
doutrinação de professores,
têm sido alvo de críticas de que a luta fosse legítima, tomavam aquele movimento produzido nacionalmente em várias ocupações secun-
vários movimentos de educação,
destacando os seus riscos e a
como algo imediatista, como “fogo de palha”. Em suas daristas. Estava oficialmente deliberado: a escola seria
censura proposta, principalmente palavras, “Era como se fôssemos invisíveis, como se ocupada às 17h daquele dia.
no que se refere à discussão
de temas como gênero, política, nada estivesse acontecendo na escola.” (Estudante A, A decisão de ocupar na sexta-feira foi uma es-
homofobia, machismo e religião.
mulher, 17 anos). tratégia para não haver enfrentamentos diretos logo
5 É importante registrar que
o professor de geografia não
Quando recolheram as assinaturas, os organiza- no primeiro dia do movimento e os estudantes en-
só iniciou a discussão, mas a dores concluíram que um número muito superior à tendiam também que já havia alimentos suficientes
fomentou, cedendo a sua aula
para que os(as) estudantes metade dos(as) estudantes era a favor do movimen- para que todos passassem o fim de semana naquele
pudessem refletir sobre e
analisar a conjuntura que o
to. A ocupação iria acontecer! Entretanto, pensando espaço. Dessa forma, sendo inclusive instalado um
país se encontrava naquele nos estudantes menores de 18 anos, era preciso ela- chuveiro em um dos banheiros da escola, os(as) estu-
momento..
borar uma autorização, a ser assinada pelos pais ou dantes começaram a trazer suas coisas.
6 Cartilha produzida pela página
“O mal educado”, relatando a responsáveis. Tal autorização, apresentada a seguir, Portanto, considera-se que toda a organização
experiência de estudantes do comprovava a ciência por parte da família de que o(a) e várias decisões importantes foram tomadas de
Chile e da Argentina e explicando
como ocupar uma escola. estudante permaneceria na ocupação e dormiria na maneira muito rápida, já que da aula de geografia à
7 No período matutino são escola. assembleia estudantil se passaram apenas três dias.
ofertadas turmas de Ensino
Médio e no turno vespertino, Os(as) estudantes já haviam dividido as comis- Além disso, no esforço de rememorar tais aconteci-
turmas de Ensino Fundamental
II.
sões: organização, programação, comunicação, lim- mentos e investigar a história da ocupação, percebe-
peza, alimentação e segurança. Tinham também os mos que em nenhum momento, tanto o grupo inicial
registros sobre a quantidade de estudantes que eram de dez estudantes, quanto aqueles que se somaram
57 a favor, a autorização dos responsáveis e uma quan- ao movimento- buscando ajudar de alguma forma,
tidade grande de alimentos arrecadados. Porém, ainda falaram oficialmente ou votaram pela ocupação. Se-
gundo uma das secundaristas, que presidiu a assem- tal fato ficou extremamente latente, pois a ocupação
bleia estudantil do dia 28 de outubro, na qual foi feita possibilitou àqueles(as) que estavam ali olhar para
a deliberação pela ocupação, eles e elas sabiam que dentro de si individualmente e coletivamente— pro-
queriam ocupar e tocaram a organização para fren- cesso que não é fácil ou simples. Além das dificulda-
te. “Perderíamos a coragem se pensássemos demais. des inerentes à movimentação, como o fato de estar
Não era necessário ficar debatendo se queríamos ou o tempo todo em um ambiente que não era nossa
não, já estava inconscientemente decidido” (Estudan- casa, os alimentos regrados e algumas vezes escas-
te A). sos, as retaliações midiáticas e institucionais, havia
ainda, portanto, o “eu para comigo mesmo”.
2. Aspectos gerais da “Ocupa” Portanto, os autores se inseriram no processo en-
tre a organização dos(as) estudantes para a ocupação
se consolidar (descrito anteriormente) e a posterior
Para fins de esclarecimento, é importante regis- eclosão da ocupação total, apresentada a seguir. As
trar como se deu a inserção dos autores desse relato falas relatadas resultam de conversas registradas
no espaço da referida ocupação. Nesse sentido, nos durante e após a ocupação. Por fim, o relato que se
momentos de organização e mobilização menciona- segue é fruto da vivência dos autores e da maneira
dos acima, os autores possuíam relação direta com a como procuraram relacionar-se com a escola, com
escola, visto que a autora realizava estágio supervi- seus estudos educacionais e para onde dirigiram seus
sionado na mesma e o autor coordena um cursinho olhares.
popular que faz uso da infraestrutura da instituição.
Dito isso, a aproximação de ambos com a movi-
mentação ocorreu por volta de dois dias após a ocu-
3. 19 Dias de Ocupação Total: Criando la-
pação da escola. Inicialmente, houve a intenção de se ços, resistindo e reexistindo
aproximar dos(as) estudantes, conhecer a dinâmica da
ocupação e ajudar no que fosse preciso. Nesse bojo,
cabe mencionar que os(as) estudantes secundaristas
foram muito receptivos(as), acolhendo efetivamente
aqueles(as) que batiam à porta da escola para contri-
buir de qualquer maneira, pernoitando ou não naquele
espaço.
Sendo assim, desde o terceiro dia de ocupação
escolar, os autores passaram a pernoitar na escola
e consideram que integraram-se à mesma, atuando,
principalmente nos dias de ocupação total, como me-
diadores dos diálogos estabelecidos entre os(as) ocu-
pantes e professores, membros da Superintendência
Regional de Ensino e demais estudantes da escola. Fig. 2: Fachada da escola na manhã seguinte à ocupação.
Ademais, pode-se citar outras atividades reali-
zadas pelos autores naquele espaço: arrecadação de
Para garantir o fechamento dos portões e iniciar
doações e de dinheiro para a compra de suprimentos
efetivamente a ocupação, às 17h de 28 de outubro de
alimentícios; contato com educadores da universidade
2016 (sexta-feira), um grupo de estudantes pegou as
pública e de outras instituições municipais para auxi-
chaves de vários espaços da escola. Haviam poucos
liar na organização diária da programação da ocupa-
professores e três funcionários na escola, mas não
ção; integração às comissões de limpeza, entre outras.
houve nenhum tipo de represália nesse momento.
Destarte, considera-se que esse papel de media- Além disso, às 16h do mesmo dia, foi criada então
ção foi importante no processo de estabelecimento de uma página no Facebook, visando garantir a divul-
diálogo entre as diferentes partes daquele contexto, gação das atividades nas redes sociais e solicitar ali-
já que as conversas em roda —realizadas no pátio da mentos e outras ações. Assim, quando a escola foi
escola —apresentaram-se como espaços em que os fechada, os alimentos e produtos de limpeza foram
atores envolvidos se ouviam (ou não), já que, em algu- organizados no pátio de entrada e a cada dia a dis-
mas vezes, não foram totalmente pacíficas. pensa ficava mais cheia, devido ao esforço dos(as)
Além desses espaços, houve conflitos de diferen- estudantes.
tes naturezas durante todo o percurso da ocupação, Embora fosse um final de semana, os(as) estudan-
que não deve ser vista apenas como um movimento tes se preocupavam em não deixar o tempo ocioso,
heroico e em geral, harmonioso. Tais conflitos foram buscando definir as atividades da programação. Logo
de caráter prático: por exemplo, na execução de ta- no primeiro sábado, houve prática de ioga, oficina de
refas e divisão de trabalhos, que foram considerados teatro, confecção de cartazes e slackline8. A cozinha 8 Prática corporal realizada
fáceis de resolver, uma vez que os jovens lançaram trabalhava a todo vapor, por meio do trabalho da co- em uma fita estreita e flexível,
tencionada em dois fixos, onde
mão de maturidade e real disposição para estarem ali; missão de alimentação, sendo que dois irmãos gê- são realizados movimentos,
e conflitos nas relações entre professores específi- meos de origem pernambucana se responsabilizaram
buscando a harmonia entre
corpo e mente. Disponível em:
cos, estudantes que não participaram da ocupação e pelas atividades e pelo revezamento dos auxiliares, http://www.slackproof.com/o-
que-e-slackline. Acesso em:
os(as) estudantes ocupantes, as quais foram se ten- tanto no momento de preparo das refeições quanto 30 jul.17.
sionando com o passar dos dias. no momento de limpeza dos utensílios e lavagem da
Cada estudante ocupante teve também seus cozinha/refeitório. Dessa forma, tornou-se mais que
conflitos subjetivos, sendo que em alguns momentos, um espaço de refeições, mas de sociabilidade e de
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estreitamento dos vínculos afetivos. pervisão e orientação das escolas do município), pro-
Já que há no município uma feira livre às quar- fessores, equipe gestora da instituição, funcionários,
tas-feiras e aos domingos, os(as) estudantes apro- família, imprensa e a comunidade em geral.
veitaram também esse espaço para a arrecadação Tais enfrentamentos se resumiam principalmen-
dos alimentos. Além disso, estabeleceram outros dois te à necessidade de convencimento e reafirmação —
dias ao longo de cada semana para a arrecadação em frente a esses grupos de pessoas —da legitimidade
residências e no comércio, tanto de comidas quanto das pautas defendidas e da própria ocupação em si.
outras doações. Dessa forma, havia arrecadação em Nesse bojo, na própria segunda-feira, duas estudan-
tes foram submetidas a mais de cinco horas de reu-
niões fechadas, primeiramente com todos os profes-
sores da escola e em seguida com uma representante
regional de ensino, em conjunto com a supervisora
pedagógica da instituição.
Nessa primeira reunião, os(as) demais ocupantes
não aceitaram que houvesse a participação somente
das duas estudantes específicas, consideradas pela
supervisora como líderes, embora fosse reafirmado
a horizontalidade do movimento e a ausência de li-
deranças fixas. Sendo assim, em um determinado
momento da reunião que estava ocorrendo na sala
dos professores, cerca de dez estudantes adentraram
o espaço, justificando que a ocupação era organiza-
da de maneira horizontal e que não havia lideranças,
enfrentando a insistência por parte dos demais de
que era necessário dialogar somente com “as líderes”.
Além disso, nesse mesmo espaço, os(as) estudan-
tes foram acusados de serem “vândalos”, “invaso-
res”, sendo inclusive chamados de “débeis mentais”
por um secretário da escola, que afirmou que “após
aquela palhaçada acabar, cada um iria voltar para sua
vidinha”.
Entende-se que, nesses espaços de conflito entre
gerações e de tentativa de reprodução da hierarquia
Fig. 3: Alimentos arrecadados na feira livre do município em 31/10/16. presente cotidianamente na escola, os(as) estudan-
tes apenas reforçavam as convicções e pautas que
haviam sido reafirmadas na assembleia estudantil, o
que estava exposto nos cartazes e o que estava sen-
quatro dos sete dias de toda semana, como forma
do divulgado na página da ocupação na rede social: a
de garantir a permanência física e psicológica, prin-
conjuntura política, a necessidade de lutar, a organiza-
cipalmente.
ção em comissões e a horizontalidade do movimento.
Dessa forma, a primeira reunião foi finalizada para
O primeiro fim de semana prosseguiu sem mui- cessar a tensão, mas logo em seguida começou outra,
tas tensões, mas apesar de tudo estar correndo con- contando com a participação de uma representante
forme os planos estabelecidos, havia uma apreensão regional de ensino, que recebeu uma ligação “emer-
sobre como seria na segunda-feira, quando todos(as) gencial”. Após muita insistência, foi deliberado que
chegassem à escola. No domingo pela manhã, em quatro estudantes e não somente as duas “líderes”
meio a oficina de teatro proporcionada por uma pro- participariam, sendo feita uma série de questiona-
fessora da universidade federal do município, houve mentos para os(as) estudantes a respeito de diversas
a visita surpresa do prefeito e de um vereador re- temáticas: ponto de professores, contrato de profes-
cém-eleitos do mesmo partido, que queriam conhecer sores substitutos, reposição do calendário escolar, as
a ocupação e apoiá-los “no que fosse preciso”. Tais “despesas do Estado” com a ocupação, entre outras.
sujeitos olharam a estrutura da escola, disseram que Entende-se que os(as) estudantes não tinham as
fariam melhorias naquele espaço escolar, pediram por respostas, nem deveriam tê-las, mas os responsáveis
café, mas os(as) estudantes não se esforçaram para por debater os questionamentos não recuaram, sen-
estabelecer diálogo, já que ficaram desconfiados e do a reunião encerrada após uma das estudantes ter
apreensivos. Entretanto, logo os políticos foram em- uma crise de choro e se retirar.
bora e durante os 50 dias de ocupação, não foram
Nos demais dias, enquanto uma programação rica
vistos mais e não foi estabelecido nenhum outro tipo
e diversa de atividades acontecia no pátio, contando
de contato.
com a presença de vários educadores do município,
A partir das 6h30min da segunda-feira, 31 de principalmente professores universitários, vários es-
outubro de 2016, uma série de enfrentamentos foi tudantes eram forçados a se retirar destas para que
iniciada, permanecendo até o último momento da pudessem apresentar as justificativas do movimento
ocupação escolar. Tais enfrentamentos envolviam para os grupos citados acima, o que acabava disper-
diferentes sujeitos: representantes do Estado (ins- sando também aqueles estudantes não-ocupantes,
59 tâncias regionais e estaduais responsáveis pela su- que eram convidados a participar da programação.
Dia após dia, a cada manhã ou tarde, havia esse lado da escola foi assaltado e os indivíduos que come-
tipo de enfrentamento. Era preciso resistência em seu teram o ato delituoso ficaram rondando os muros da
mais puro significado. Conforme era percebido que escola por um longo tempo depois, portando armas de
não iria haver recuos e que os(as) estudantes iriam fogo. Ninguém dormiu aquela noite. Além dessa situ-
manter a ocupação total da escola, com a suspensão ação, pedras e objetos pequenos eram arremessados
das aulas, a própria superintendente de ensino foi en- às janelas enquanto todos dormiam, havia ameaças
viada para falar com os(as) estudantes. de pessoas que passavam pelos portões da escola de
De uma forma que não é possível descrever minu- madrugada, chutando os mesmos, vociferando fra-
ciosamente, devido ao seu caráter subjetivo e ao au- ses de ameaça e repulsa. Portanto, tudo era capaz de
toritarismo vivenciado por nós, tais encontros, vigílias amedrontar aqueles sujeitos que ali estavam.
e outros problemas nas madrugadas constituíram um Contando os finais de semana, foram 19 dias de
espaço extremamente conflituoso. Sendo assim, tal ocupação completa da escola, na qual os(as) estu-
espaço marcou psicologicamente a todos que ali se dantes se esforçaram arduamente para manter os
encontravam na ocupação, sendo necessário inclusive portões fechados e as atividades totalmente parali-
a intervenção e a contribuição de uma psicóloga e sadas, mesmo que houvessem represálias de diferen-
professora universitária, responsável por realizar con- tes natureza, agindo tanto na escola quanto externa-
versações para proteger a saúde mental dos sujeitos. mente, inclusive no âmbito familiar. Nesse contexto,
Mesmo com todas essas tensões, quando a es- cabe mencionar que uma estudante chegou a sofrer
cola se esvaziava no fim de cada período letivo, outro agressões severas de seu pai, devido ao fato de es-
espaço existia. Não havia choro. Havia dança e jo- tar na ocupação, e que após o final desta, conforme
gos. As assembleias estudantis ocorriam sem gritos nos foi relatado, uma outra estudante foi proibida de
e os(as) estudantes não eram acusados de estarem sair de sua casa por meses devido à sua participação,
cometendo crimes. embora seus responsáveis tivessem autorizado for-
malmente no início do movimento.
Era facilmente visível que existia uma dificulda-
de enorme por parte daqueles que estavam de fora Não bastasse tanta pressão, determinados repre-
da ocupação em compreender a horizontalidade da sentantes de canais da imprensa municipal tomaram
mesma, fato que se materializava em diversos mo- atitudes extremamente negativas, publicando notí-
mentos — desde quando queriam achar “uma líder” cias falsas sobre todas as ocupações que ocorreriam
para apontar e culpar, até quando a responsável pela na cidade. Tal fato contribuiu muito para negativar a
gestão regional fazia tentativas frustradas de inter- imagem das ocupações, sendo um fator chave para
romper a fala estudantil. Nesse bojo, pode-se citar se compreender a forma como a opinião pública em
também momentos em que os(as) estudantes foram
“convocados” para comparecer na OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), no Fórum ou na sede de um
partido político.
Ademais, um oficial de justiça bateu à porta da
escola em uma tarde da primeira semana de ocu-
pação dizendo que o juiz queria falar com eles(as),
determinando um dia e horário para comparecerem
ao fórum da cidade. Contudo, obteve a resposta de
que se o juiz quisesse conversar sobre a ocupação, ele
deveria ir até a escola. E respondiam assim a todos
que os chamavam.
Dessa forma, entende-se que na ocupação exis-
tiu a todo momento uma linha muito tênue entre o
que poderia se tornar um desafio e um momento de
paz, como até mesmo dormir, por exemplo. Dormir
de maneira tranquila e saudável era um desafio, já Fig. 4: Nota de Repúdio publicada pelos estudantes.
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