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EDIÇÃO 151 | ABRIL_2019

questões ambientais

O APOCALIPSE DOS INSETOS


O futuro sinistro de um mundo sem mosquitos nem abelhas
BROOKE JARVIS

Cientistas tentaram calcular os benefícios que os insetos produzem. Trilhões deles polinizam cerca de três quartos de
nossas colheitas, serviço que chega a valer 500 bilhões de dólares por ano CRÉDITO: MATT DORFMAN_BRIDGEMAN IMAGES

Tradução de Sergio Tellaroli


Consultoria técnica dos professores Osmar Malaspina
e Favizia Freitas de Oliveira
S
une Boye Riis andava de bicicleta com o filho caçula,
desfrutando do sol que se punha atrás dos campos e bosques
perto de sua casa, ao norte de Copenhague, quando de repente
se deu conta de que tinha alguma coisa esquisita no ar – ou, mais
precisamente, de que não tinha alguma coisa no ar, naquele passeio.

Era verão, e Riis se deslocava depressa pelo caminho. Estranhamente,


porém, não estava engolindo nenhum mosquito.

Por um momento, lembrou-se de sua infância na ilha dinamarquesa


de Lolland, no mar Báltico. Naquela época, quando andava de
bicicleta no verão tinha que manter a boca bem fechada enquanto
atravessava densas nuvens de insetos, embora pouco adiantasse: ele
sempre engolia alguns. Quando estava no carro com os pais, o para-
brisa muitas vezes ficava tão coalhado de insetos mortos que não
dava para ver nada do outro lado. Isso tudo, no entanto, parecia
distante. Riis já não se lembrava da última vez que precisou lavar o
para-brisa do carro para se livrar dos bichos. Chegou a se perguntar
se as fábricas não teriam inventado algum tipo novo e sofisticado de
película para vidros, à prova de insetos. A ausência deles – Riis
percebia agora, um tanto alarmado – parecia circundá-lo também.
Para onde tinham ido? Desde quando? E por que ele não havia
notado antes?
Enquanto observava o filho, que seguia em disparada pela tarde linda
sem engolir nenhum mosquito, Riis viu-se tomado por um
pensamento melancólico: à infância do garoto faltaria aquela
experiência específica, isto é, a de comer insetos. Era estranho sentir
saudade de uma coisa assim, sem dúvida. Mas ele não conseguia se
livrar de certo sentimento de perda. “É normal pensar que tudo era
melhor quando a gente era criança”, diz. “Talvez eu não gostasse de
comer mosquito quando andava de bicicleta, mas, olhando para trás,
acho que é uma experiência que todo mundo deveria ter.”

C
onheci Riis, um professor magricela de ciências e matemática
no ensino médio, num dia quente de junho, no ano passado. Ele
estava ansioso porque ainda não tinha escrito o discurso para a
cerimônia de formatura, que ocorreria à noite. Precisava fazer algo
antes disso. Pegou uma grande rede de caçar insetos na garagem da
casa e foi de carro até um cruzamento nas proximidades. Ali, desceu
do veículo e prendeu a rede à capota. Feita de tela branca, ela se
estendia por toda a extensão do carro; uma estaca a erguia na frente, e
a rede se afunilava em direção a uma pequena bolsa removível, atrás.
Os motoristas que passavam por ele giravam a cabeça para olhar.
Enquanto ajustava a engenhoca, Riis contemplava o carro
estacionado, com certo nervosismo. “Isso não está 100% dentro da
lei”, disse, “mas, em nome da ciência…”

Não conseguia parar de pensar no desaparecimento dos insetos.


Quanto mais pesquisava, mais sua nostalgia se transformava em
preocupação. Os insetos são polinizadores e recicladores vitais dos
ecossistemas e estão na base das teias alimentares[1] por toda parte.
Riis não foi o único a notar seu declínio. Nos Estados Unidos,
cientistas descobriram recentemente que a população de borboletas-
monarca diminuiu em 90% nos últimos vinte anos, uma perda de 900
milhões de indivíduos; a abelha Bombus affinis, outrora encontrada em
28 estados norte-americanos, teve sua população reduzida em 87% no
mesmo período. Em relação a outras espécies de insetos, menos
estudadas, um pesquisador de borboletas me disse: “Tudo que
podemos fazer é abrir os braços e constatar: ‘Não estão mais aqui!’” E,
no entanto, o mais inquietante não era o desaparecimento de certas
espécies de insetos, e sim a preocupação, mais grave e que muitos
compartilham com Riis, de que todo o mundo dos insetos pode estar
pouco a pouco desaparecendo, uma perda que pode afetar o planeta
com consequências ainda desconhecidas. “As perdas, nós notamos”,
diz David Wagner, entomologista da Universidade de Connecticut,
“mas não a diminuição.”

Como os insetos existem em legiões e são difíceis de ver e de rastrear,


o receio de que o número deles tenha diminuído muito é antes
pressentido que documentado. As pessoas notavam isso perto de
canais, em seus quintais e sob a luz dos postes à noite – lugares bem
conhecidos, mas que, vazios, se tornaram estranhos. O sentimento se
espraiou tanto que os entomologistas lhe deram um nome popular,
baseado no modo como as pessoas percebiam que não estavam vendo
tantos insetos quanto antes: o fenômeno do para-brisa.

Para comprovar aquilo que, a princípio, era apenas uma suspeita de


que havia algo de errado, Riis e mais de duzentos dinamarqueses
passaram o mês de junho vagando por estradas do interior em seus
carros equipados com redes. Colaboravam com um estudo conduzido
pelo Museu de História Natural da Dinamarca, num esforço conjunto
com a Universidade de Copenhague, a Universidade de Aarhus,
também na Dinamarca, e a Universidade Estadual da Carolina do
Norte. As redes fariam as vezes dos para-brisas nas excursões que os
voluntários empreenderiam por hábitats diversos – áreas urbanas,
florestas, plantações, campos não cultivados e brejos –, na esperança
de quantificar a sensação de perplexidade com o fato de, nas palavras
de um dos idealizadores do estudo, “faltar no presente algo do
passado”.

Quando os pesquisadores começaram a planejar esse estudo, em 2016,


não tinham certeza se alguém mais iria querer participar dele. Mas,
quando as redes ficaram prontas, um artigo de uma obscura
sociedade entomológica alemã já dera considerável ênfase ao
problema do declínio dos insetos. O estudo descobrira que, medida
simplesmente pelo peso, a abundância geral de insetos voadores nas
reservas naturais alemãs tinha decaído 75% em apenas 27 anos. Se
examinados os picos populacionais de meados do verão, a queda
chegava a 82%.

Riis ficou sabendo desse estudo alemão por intermédio de um


trabalho entregue por um grupo de alunos dele. Devem ter citado
errado, pensou. Mas não tinham. De acordo com o site da Altmetric,
que mede a repercussão de pesquisas científicas diversas, aquele
estudo se tornaria rapidamente o sexto artigo científico mais
discutido de 2017. Manchetes do mundo todo advertiam para um
“apocalipse dos insetos”.

Poucos dias após anunciar seu projeto de coleta, o Museu de História


Natural da Dinamarca foi obrigado a recusar dúzias de voluntários
ansiosos por colaborar. Ao que parecia, havia gente como Riis por
todo lado, pessoas que tinham notado uma mudança, mas não sabiam
o que pensar. Como uma coisa tão fundamental como insetos no céu
podia simplesmente desaparecer? E o que seria do mundo sem eles?

Q
ualquer um que já tenha retornado a um local da infância e
descoberto que, por algum motivo, tudo parece ter se tornado
menor, sabe que lembrar o passado com exatidão não é o forte
dos seres humanos. Isso se aplica em particular quando se trata de
mudanças no mundo natural. É impossível manter uma perspectiva
fixa, como notou Heráclito há 2 500 anos — o rio não é o mesmo, mas
tampouco nós somos os mesmos.

Peter H. Kahn e Batya Friedman, num estudo de 1995 sobre o modo


como algumas crianças de Houston experimentavam a poluição,
resumiu da seguinte forma essa nossa cegueira: “A degradação
ambiental aumenta a cada geração, mas cada uma delas entende
como norma a degradação que percebe.” A bióloga marinha Loren
McClenachan encontrou uma imagem perfeita para esse fenômeno –
muitas vezes chamado de “síndrome da mudança de referencial” – ao
examinar fotos de pescadores erguendo o produto de sua pescaria em
Florida Keys ao longo de décadas. Os peixes foram ficando cada vez
menores, a ponto de presas agora premiadas serem suplantadas por
peixes que, no passado, eram empilhados e ignorados. Mas os
sorrisos nos rostos dos pescadores permaneciam do mesmo tamanho.
O mundo jamais sente que decaiu, pois nos acostumamos à queda.

Em certa medida, os insetos são a vida selvagem que conhecemos


melhor, os animais não domesticados cujas vidas se entrecruzam
mais intimamente com a nossa: aranhas no chuveiro, formigas no
piquenique, carrapatos enterrados na pele. Às vezes sentimos que os
conhecemos bem demais. Em outro sentido, no entanto, eles são um
dos maiores mistérios do planeta, um lembrete do pouco que
sabemos sobre o que acontece no mundo à nossa volta.

Já nomeamos e descrevemos 1 milhão de espécies de insetos, um


conjunto espantoso de tripes – como lacerdinhas e barbudinhos –,
traças, formigas-leão, tricópteros, cigarrinhas e outras famílias
enormes de pequenos animais que a maioria de nós é incapaz até de
nomear. Aqueles que pensamos conhecer bem, nós não os
conhecemos: existem 12 mil tipos de formigas, quase 20 mil
variedades de abelhas, cerca de 400 mil espécies de besouros – tantas
que o geneticista J. B. S. Haldane teria dito que Deus deve ter uma
afeição extraordinária por eles. Um pedacinho de solo fértil, uma
pequena faixa de 30 centímetros quadrados com mais 5 centímetros
de profundidade, pode facilmente abrigar duzentas espécies de
ácaros, cada uma delas, supõe-se, com um trabalho ligeiramente
diferente a realizar. E, no entanto, entomologistas estimam que toda
essa variedade espantosa, absurda e pouco estudada representa,
talvez, apenas 20% da diversidade real de insetos no planeta, e que há
milhões e milhões de espécies inteiramente desconhecidas da ciência.

Com toda essa abundância, é muito provável que jamais tenha


ocorrido à maioria dos entomologistas do passado que seu farto
objeto de estudo poderia algum dia vir a escassear. Enquanto se
debruçavam sobre estudos acerca do ciclo de vida e da taxonomia das
espécies que os fascinavam, poucos pensaram em medir ou registrar
coisa tão aborrecida quanto sua quantidade. Além disso, rastrear
quantidade é tarefa lenta, tediosa e desprovida de glamour. Implica
montar e verificar armadilhas, esperar anos ou décadas para que os
dados comecem a tomar forma e lidar com perguntas básicas e
imediatas, abrindo mão de questões mais sofisticadas. E quem
pagaria por isso? Boa parte do financiamento para a pesquisa
acadêmica é de curto prazo, e, quando se está interessado numa
mudança invisível, geracional, afirma Dave Goulson, entomologista
da Universidade de Sussex, “um programa de monitoração de três
anos não serve para nada”. Isso é especialmente verdadeiro quando
se trata de populações de insetos, que são naturalmente variáveis e
apresentam amplas e obscuras flutuações de um ano para outro.

Q
uando os entomologistas se puseram a observar e investigar o
declínio no número de insetos, eles lamentaram a inexistência
de informação sólida do passado na qual ancorar a experiência
presente. “Vemos centenas de certo tipo de inseto e acreditamos que
está tudo bem”, diz o entomologista David Wagner. “Mas e se, duas
gerações atrás, esse número fosse de 100 mil?” Rob Dunn, ecologista
da Universidade Estadual da Carolina do Norte que ajudou a projetar
o experimento com as redes na Dinamarca, recentemente saiu em
busca de estudos que demonstrassem o efeito da pulverização de
pesticidas no número de insetos que viviam nas florestas próximas.
Ficou surpreso ao descobrir que tais estudos não existiam. “Nós
ignoramos questões realmente básicas”, ele diz. “Acho que pisamos
feio na bola, todos nós.”
Se, por um lado, faltavam dados aos entomologistas, por outro, eles
dispunham, sim, de pistas muito preocupantes. Além da impressão
de que, em seus experimentos ao ar livre, estavam vendo menos
insetos em suas próprias vasilhas e redes – uma espécie de fenômeno
do para-brisa para aqueles que se valem de vasilhas e redes –,
documentos comprovavam o declínio de insetos bem estudados,
como vários tipos de abelhas, mariposas, borboletas e besouros. Na
Grã-Bretanha, verificou-se que de 30% a 60% das espécies
diminuíram em variedade. Tendências mais amplas revelaram-se
mais difíceis de constatar, embora um estudo publicado em 2014 na
Science tenha tentado quantificar esses declínios sintetizando as
descobertas até então apontadas em trabalhos diversos – concluiu-se
que a maioria das espécies monitoradas estava decaindo, em média,
45%.

Os entomologistas sabiam também que as mudanças climáticas e a


degradação do hábitat global são, de modo geral, péssimas notícias
para a biodiversidade, e que os insetos estão enfrentando os desafios
específicos acarretados por herbicidas e pesticidas, bem como pelos
efeitos que provoca a redução de prados, florestas e até mesmo de
áreas ocupadas por ervas daninhas, espaços que lhes foram tomados
pela expansão incansável dos humanos. Estudos voltados para outras
espécies, mais bem compreendidas, sugeriam, ademais, que os insetos
associados a elas podiam estar em declínio também. Pesquisadores
que estudam os peixes descobriram que agora eles dispunham de
menos efemerópteros para comer. Ornitólogos seguiam descobrindo
que os pássaros que comem insetos estavam em dificuldades: oito de
cada dez perdizes haviam desaparecido das fazendas francesas, com
declínios de 50% e 80% no caso de rouxinóis e rolas, respectivamente.
Metade de todos os pássaros que viviam em terras cultiváveis por
toda a Europa desapareceu em apenas três décadas. De início, os
cientistas imaginaram que isso tudo decorria da já conhecida
destruição do hábitat, mas depois começaram a se perguntar se os
pássaros não estavam simplesmente morrendo de fome. Na
Dinamarca, um ornitólogo chamado Anders Tottrup foi quem teve a
ideia de transformar carros em rastreadores de insetos para o estudo
sobre o fenômeno do para-brisa, uma ideia que lhe ocorreu depois de
ter notado que rolieiros, pequenas corujas, ógeas e abelharucos –
todos eles pássaros que se alimentam de grandes insetos, como
besouros e libélulas – haviam de súbito desaparecido da paisagem.

Os sinais eram com certeza alarmantes, mas eram apenas sinais. Não
justificavam grandes declarações sobre a saúde dos insetos como um
todo ou sobre o que estava provocando uma diminuição disseminada
de todas as espécies. “Não existem dados quantitativos sobre insetos
e, por isso, o que temos é apenas uma hipótese”, explicou-me Hans de
Kroon, ecologista da Universidade Radboud, na Holanda – o que não
constitui propriamente uma declaração capaz de incitar as pessoas a
correr para as barricadas.

Foi então que apareceu o estudo alemão. Os cientistas seguem


cautelosos quanto às possíveis implicações de suas descobertas em
outras regiões do mundo. Mas esse estudo produziu o tipo de dado
longitudinal que eles vinham procurando, e não se limitava a um só
tipo de inseto. Os números eram desoladores, indicando um vasto
empobrecimento de todo um universo de insetos até mesmo em áreas
protegidas, onde eles deveriam estar expostos a estresse menor. A
velocidade e a escala do declínio eram chocantes inclusive para os
ornitólogos, já angustiados com abelhas e vaga-lumes, ou com para-
brisas imaculados.

E os resultados surpreenderam em outro aspecto também. Os


detalhes históricos sobre a abundância dos insetos, dados de um tipo
que ninguém imaginava que existisse, não haviam sido publicados
num periódico de prestígio nem provinham de cientistas vinculados a
alguma universidade, e sim de uma pequena sociedade de
apaixonados por insetos com sede na modesta cidade alemã de
Krefeld.
K
refeld fica a meia hora de carro de Düsseldorf, perto da margem
oeste do Reno. É uma cidade de construções de tijolos e jardins
cheios de flores, e com um Stadtwald – floresta e parque
municipal – onde pedalinhos flutuam num lago, guarda-sóis
protegem áreas para piqueniques e (não pude deixar de notar) a luz
vespertina que atravessa as árvores ilumina pequenas miríades de
insetos dançantes.

Perto do Centro da cidade velha, um pedaço de papel não muito


maior que um cartão de visitas identifica o impassível quartel-general
da sociedade cuja pesquisa causou tanta comoção. Quando foi
fundada, em 1905, ela funcionava em outro prédio, destruído durante
um bombardeio inglês na Segunda Guerra Mundial. (No momento
em que as bombas caíram, os preciosos registros e as coleções de
insetos – algumas datadas da década de 1860 – já haviam sido
transferidos para um bunker subterrâneo.) Hoje em dia a sociedade
funciona numa velha escola de três andares, que destina 560 metros
quadrados de seu espaço para a armazenagem. O visitante que pedir
para ver coleções vai ouvir descrições como: “Esta sala é toda
dedicada aos lepidópteros”, referindo-se a uma antiga sala de aula
repleta do que, de início, pensei serem estantes de livros, mas que na
verdade são inúmeras borboletas e mariposas emolduradas em
madeira. Ou, no que diz respeito a uma sala ainda maior: “Cada
mamangava nesta sala foi obtida antes da Segunda Guerra Mundial,
de 1880 a 1930.” E, sobre uma gaveta cheia de abelhas-do-suor, da
família Halictidae: “É uma coleção nova, tem só trinta anos.”

Nas estantes que de fato contêm livros, contei 31 volumes claramente


muito apreciados da série Besouros da Europa Central. Um livro de 395
páginas que cataloga espécimes de marimbondos-caçadores de
aranhas do Paleártico Ocidental – registrando onde haviam sido
coletadas e onde estavam armazenadas – trazia na capa: “1948-2008”.
Perguntei a meu guia, Martin Sorg, membro da sociedade e um dos
principais autores do célebre artigo, se aquelas datas indicavam
quando os espécimes tinham sido coletados. “Não”, ele respondeu,
“indicam o tempo que o autor precisou para desenvolver esse
trabalho.”

Sorg, que enrola seus cigarros, usa óculos ao estilo John Lennon e
cujos cabelos grisalhos descem muito além dos ombros, não tem nada
de hippie quando se trata do trabalho com os insetos. E é só de seu
trabalho que ele realmente quer falar. “Achamos que o que importa
são os detalhes sobre o declínio da natureza e da biodiversidade, e
não sobre a vida dos entomologistas”, explica, depois de ele e Werner
Stenmans – outro membro da sociedade e coautor do artigo de 2017 –
terem descartado minhas perguntas sobre o emprego deles. Receoso
de atuar como protagonista da reportagem, Sorg não quis falar sobre
o que o havia atraído para a entomologia quando criança, nem
mesmo sobre o que o seduzia em certos tipos de vespa capazes de
levá-lo a dedicar tanto tempo de sua vida a estudá-las. “Em geral,
essas histórias a gente conta quando a pessoa morre”, ele diz.

Havia uma razão para essa cautela. Os membros da sociedade não


gostam de se verem descritos como “amadores” em artigos de revista,
o que ocorre de tempos em tempos. Acreditam que essa é uma
categorização que reflete um entendimento muito estreito do que
significa ser um especialista ou mesmo um cientista – do que significa
ser um estudioso do mundo natural.

Há tempos, amadores fornecem boa parte do conhecimento


fragmentado que temos da natureza. Aqueles estudos sobre a abelha
e a borboleta? A maior parte depende da mobilização em massa de
voluntários dispostos a caminhar por aí coletando dados e contando
insetos de quinze em quinze dias ou anualmente, por anos a fio. Os
números assustadores sobre o declínio dos pássaros foram coletados
também dessa maneira, mas, como pode ser difícil ver um pássaro, os
voluntários muitas vezes precisam aprender a identificá-los pelos
sons que eles produzem. A Grã-Bretanha, que tem uma tradição
particularmente forte de naturalismo amador, tem os insetos mais
bem estudados do planeta. Por mais avançada que esteja nossa
tecnologia, o mundo natural ainda é um lugar muito grande e
complexo, e a melhor maneira de saber o que se passa é ter um monte
de gente que o observe por um bom tempo. “Amador”, afinal,
designa primordialmente “aquele que ama”.

Alguns desses cidadãos-cientistas são, de fato, principiantes que não


largam o manual ilustrado; outros, levados pela paixão e dando
continuidade a uma longa tradição de naturalismo “amador”, estão
longe de serem novatos. Pense nos vitorianos com suas redes para
apanhar borboletas e em seus gabinetes de curiosidades; ou em
Vladimir Nabokov, cujas teorias sobre a evolução da Polyommatus,
gênero de borboletas de cor azul, foram ignoradas até que, trinta anos
após a morte do escritor, testes de DNA provaram que as
especulações dele estavam corretas; ou no jovem Charles Darwin,
matando aulas em Cambridge para ir coletar besouros em Wicken
Fen, um dos quais ele certa vez guardou na boca, vivo, porque suas
mãos já estavam cheias de insetos.

A
sociedade de Krefeld é dirigida por voluntários, muitos dos
quais com empregos em áreas completamente diferentes, mas
com vasto conhecimento sobre insetos, acumulado ao longo de
anos e resultado de uma atenção que a outros poderia parecer
obsessiva. Alguns estudam a ecologia ou a taxonomia evolutiva de
suas espécies prediletas, ou mapeiam suas populações, ou criam
insetos para poder estudar a história de vida deles. Todos
aperfeiçoam a capacidade de identificar diferentes espécies
acumulando suas próprias coleções de insetos cuidadosamente
guardadas e etiquetadas, como aquelas que enchem as salas da
sociedade. Sorg estima que, de seus 63 membros, um terço é formado
em disciplinas como biologia ou ciências da terra. Outro terço, diz, é
“altamente especializado e qualificado, mas nunca frequentou
universidade”, ao passo que o terço final é de amadores de fato,
pessoas ainda a caminho de se tornarem entomologistas “de
verdade”. “Alguns podem inclusive ter diploma universitário, mas,
do nosso ponto de vista, são iniciantes.”

Os projetos dos membros da sociedade muitas vezes envolviam


montar as chamadas armadilhas Malaise – parecidas com barracas de
camping, são umas redes que direcionam a uma garrafa de etanol os
insetos que voaram para dentro delas. Por causa de seus padrões
científicos, seguiam certos procedimentos: sempre empregavam
armadilhas idênticas, costuradas a partir de um modelo usado pela
primeira vez em 1982. (Sorg me mostrou com grande solenidade o
original enrolado em papel pardo.) As armadilhas eram dispostas
sempre nos mesmos lugares. (Antes do advento do GPS, isso
demandava um processo minucioso de triangulação com o auxílio de
equipamentos de agrimensura. “Podia dar um erro de uns poucos
centímetros”, Sorg admite.) Guardavam tudo que coletavam,
independentemente de qual fosse o propósito central do experimento.
(A sociedade comprou tanto etanol que atraiu a atenção de uma
unidade de narcóticos.)

As garrafas de insetos foram reunidas em milhares de caixas, hoje


amontoadas nos antigos escritórios da escola, no andar superior do
prédio. Quando os membros da sociedade, assim como
entomologistas em outras partes, começaram a notar que estavam
vendo menos insetos, tinham como mensurar suas preocupações.
“Não jogamos nada fora, armazenamos tudo”, Sorg explica. “Isso nos
dá hoje a possibilidade de voltar no tempo.”

Em 2013, os entomologistas de Krefeld confirmaram que o número


total de insetos capturados numa reserva natural era, num mesmo
ponto, 80% menor que em 1989. Tinham amostras de outros lugares
também, analisaram dados antigos e chegaram a declínios parecidos:
onde, trinta anos antes, com frequência era preciso uma garrafa de 1
litro para cada armadilha por semana, agora em geral uma garrafa de
meio litro é o suficiente. Mas até mesmo entomologistas altamente
preparados precisariam de anos de trabalho meticuloso para
identificar todos os insetos nas garrafas. Assim, a sociedade se valeu
de um método padronizado para pesar insetos em álcool, o que,
simplesmente por mostrar quanto a massa geral de insetos havia
decaído ao longo do tempo, resultou numa poderosa constatação.
“Um declínio da mistura de insetos”, afirma Sorg, “é coisa bem
diferente do declínio de apenas umas poucas espécies.”

A sociedade trabalhou em colaboração com Hans de Kroon e outros


cientistas da Universidade Radboud, na Holanda, que fizeram uma
análise de tendências dos dados fornecidos por Krefeld, atentando
para fatores como os efeitos provocados pelas plantas na vizinhança,
pelo clima e pela cobertura florestal nas flutuações das populações de
insetos. O estudo final, abrangendo 63 áreas de preservação e 17 mil
dias de amostragens, encontrou declínios semelhantes em todo tipo
de hábitat pesquisado. Isso sugeria, escreveram seus autores, “que
não apenas as espécies vulneráveis, mas a comunidade de insetos
voadores como um todo tem sido dizimada ao longo das últimas
décadas”.

Para alguns, esse estudo significou um acerto de contas. “Os cientistas


achavam esses dados chatos demais”, afirma o ecologista Rob Dunn.
“Mas aquelas pessoas achavam lindo, amavam aquilo. Elas é que
estavam prestando atenção no planeta por todos nós.”

O
declínio da biodiversidade em todo o mundo é popularmente
conhecido como a sexta extinção: a sexta vez, na história da
humanidade, que um grande número de espécies desaparece
numa rapidez incomum – agora não por culpa de asteroides ou eras
glaciais, mas dos seres humanos. Quando refletimos sobre a perda da
biodiversidade, tendemos a pensar naquele último rinoceronte-
branco-do-norte, protegido por guardas armados, ou em ursos
polares sobre blocos de gelo cada vez menores. A extinção é uma
tragédia visceral, universalmente compreendida: é um caminho sem
volta. O sentimento de culpa por permitir que uma espécie única
desapareça é eterno.

Mas a extinção não é a única tragédia que vivemos hoje. E as espécies


que ainda existem, mas apenas como uma sombra do que foram? Em
The Once and Future World [O Mundo do Passado e do Futuro], o
jornalista J. B. MacKinnon cita registros de séculos recentes que
sugerem o que está sendo perdido: “No Atlântico Norte, um cardume
de bacalhaus paralisa um navio no meio do oceano; perto de Sydney,
na Austrália, um capitão navega do meio-dia ao pôr do sol por entre
um grupo de cachalotes a perder de vista. […] Pioneiros do Pacífico
reclamam às autoridades que salmões saltando na água podem
provocar inundação nas canoas deles.” Já houve relatos de leões no
sul da França, de morsas na foz do Tâmisa, de bandos de pássaros
que cruzam o céu por três dias ininterruptos, de se avistar até cem
baleias-azuis no oceano Antártico, lá onde hoje se vê apenas uma.
“Essas não são imagens de alguma era remota de fogo e gelo”,
MacKinnon escreve, “estamos falando de coisas vistas por olhos
humanos, gravadas na memória humana.”

O que estamos perdendo não é apenas a diversidade na palavra


“biodiversidade”; estamos perdendo a bio também: a vida em sua
quantidade, pura e simplesmente. Enquanto eu escrevia esta
reportagem, cientistas descobriram que a maior colônia de pinguins-
rei do mundo encolheu 88% em 35 anos, e que mais de 97% dos
atuns-rabilho que habitavam o oceano desapareceram. O número das
girafas de brinquedo Sophie vendidas na França num único ano é
nove vezes maior que o número de girafas ainda existentes na África.

Consolar-se com a sobrevivência de uns poucos animais simbólicos é


ignorar o valor da abundância, de um mundo natural que prospera
com base na riqueza, na complexidade e na interação. Os tigres, por
exemplo, ainda existem, mas isso não muda o fato de 93% da área na
qual eles costumavam viver não acolher hoje um único exemplar. E
esse fato importa por razões que nada têm de românticas: animais
grandes, sobretudo grandes predadores como os tigres, conectam
ecossistemas e levam energia e recursos de um a outro simplesmente
por caminhar, se alimentar, defecar e morrer ali. (No fundo do
oceano, carcaças de baleias compõem a base de ecossistemas inteiros
em locais pobres de nutrientes.) Uma consequência dessa perda é o
que se conhece por cascata trófica: o tecido de um ecossistema se
desfaz à medida que populações de presas explodem e colapsam, e os
vários níveis da teia alimentar já não regulam um ao outro. Locais
assim são mais vazios, empobrecem-se em milhares de aspectos sutis.

Cientistas têm falado numa extinção funcional (contrapondo-se


àquela mais conhecida: a numérica). Animais e plantas
funcionalmente extintos seguem existindo, mas já sem a prevalência
que lhes permita afetar o funcionamento de um ecossistema. Alguns
se referem a esse fenômeno como a extinção não de uma espécie, e
sim de todas as suas interações anteriores com o ambiente – ou seja, a
extinção da dispersão das sementes, da predação, da polinização e de
todas as outras funções ecológicas realizadas por um animal, o que
pode ser devastador, ainda que alguns espécimes persistam. Quanto
maior o número de interações perdidas, mais desordenado se torna o
ecossistema. Um artigo de 2013 da revista Nature, no qual se
apresentavam modelos de teias alimentares tanto naturais como
gerados por computador, sugeria que a perda de abundância de uma
espécie, ainda que de 30%, pode ser desestabilizadora a ponto de
outras espécies começarem a se extinguir por completo – na verdade,
em 80% dos casos, a primeira a desaparecer é uma criatura afetada
apenas secundariamente. Um exemplo famoso desse tipo de efeito
cascata no mundo real é o das lontras-marinhas. Quando elas foram
quase varridas do Pacífico Norte, suas presas, os ouriços-do-mar,
proliferaram de um modo espantoso e dizimaram as florestas de
algas pardas, transformando em deserto um ambiente rico e,
possivelmente, contribuindo para extinções numéricas, notadamente
a da vaca-marinha-de-steller.

Os conservacionistas tendem a concentrar a atenção em espécies raras


e ameaçadas, mas são as espécies comuns, por sua abundância, o
motor dos sistemas vivos do planeta. A maioria das espécies não é
comum, mas, dentro de muitos grupos de animais, a maior parte dos
indivíduos – cerca de 80% deles – pertence a espécies comuns. Como
o sol que se põe vagarosamente, seu declínio é difícil de perceber. O
abutre-indiano-de-dorso-branco quase sumiu da Índia antes que
houvesse uma percepção generalizada de seu desaparecimento. Ao
descrever esse fenômeno no Bioscience Journal, Kevin Gaston,
professor de biodiversidade e conservação da Universidade de
Exeter, escreveu: “Os seres humanos parecem ter uma melhor
capacidade inata de detectar a perda completa de uma característica
do meio ambiente do que de notar sua mudança progressiva.”

Além de extinção (a perda completa de uma espécie) e de extirpação


(uma extinção localizada), os cientistas hoje falam também em
defaunação: a perda de indivíduos, de abundância, de toda vida
animal de um lugar. Num artigo de 2014 da Science, pesquisadores
postulavam que o termo deveria se tornar tão conhecido e influente
quanto o conceito de desmatamento. Em 2017, outro artigo informava
que grandes perdas de população e variedade se estendiam inclusive
a espécies consideradas de baixo risco de extinção. Seus autores
prediziam “consequências negativas em cascata para o
funcionamento dos ecossistemas e de serviços vitais à manutenção da
civilização” e propunham outro termo para a perda disseminada da
fauna selvagem no mundo todo: “aniquilação biológica”.

Estima-se que, desde 1970, as várias populações de animais selvagens


terrestres perderam, em média, 60% de seus membros. Concentrando-
nos na categoria mais aparentada a nós, a dos mamíferos, cientistas
acreditam que, de cada seis criaturas selvagens que já comeram, se
entocaram e criaram filhotes, resta apenas uma. O lugar daquelas que
desapareceram foi ocupado por nós. Um estudo publicado em 2018
nos Proceedings of the National Academy of Sciences descobriu que, se
observarmos os mamíferos por peso, 96% dessa biomassa compõem-
se de humanos e de animais de criação; apenas 4% são de animais
selvagens.

Começamos a falar em vida no Antropoceno, um mundo moldado


por humanos. Mas o naturalista e profeta da degradação ambiental
Edward O. Wilson sugere outro nome: “Eremoceno” – a era da
solidão.

Wilson iniciou sua carreira estudando formigas, na qualidade de


entomologista especializado em taxonomia. Não é nos insetos – o
mais distante que se pode chegar de uma megafauna carismática –
que em geral pensamos quando falamos em biodiversidade. E, no
entanto, eles são, nas palavras de Wilson, “aqueles trocinhos que
administram o mundo natural”. Literalmente, ele quer dizer. Os
insetos são um estudo de caso no que se refere à importância invisível
do comum.

C
ientistas já tentaram calcular os benefícios que os insetos
produzem pelo simples fato de irem tocando a vida sendo tão
numerosos. Trilhões deles, voando de flor em flor, polinizam
cerca de três quartos de nossas colheitas de alimentos, um serviço que
chega a valer 500 bilhões de dólares por ano. (Isso não inclui os 80%
de plantas que florescem de forma selvagem e contam com os insetos
para sua polinização – plantas que são os pilares da vida em toda
parte.) Se cálculos monetários como esse parecem estranhos, pense no
que ocorreu no vale do condado de Maoxian, na China, onde a
escassez de insetos polinizadores exigiu a contratação de
trabalhadores humanos para substituir as abelhas, a um custo diário
de até 19 dólares por trabalhador. Cada pessoa faz de cinco a dez
árvores por dia, polinizando manualmente flores de macieira.
Comendo e sendo comidos, os insetos transformam plantas em
proteína e são o motor do crescimento de todas as incontáveis
espécies que dependem deles para se alimentar – o que inclui os
peixes de água doce e a maioria dos pássaros –, sem falar em todas as
criaturas que comem essas criaturas. Nós nos preocupamos em salvar
o urso-pardo, diz o ecologista especializado em insetos Scott Hoffman
Black, mas o que será do urso-pardo sem a abelha que poliniza as
frutinhas que ele come ou os mosquitos que sustentam o filhote de
salmão? O que será de nós, aliás?

Os insetos são vitais para a decomposição que mantém o ciclo dos


nutrientes, o solo saudável, as plantas em crescimento e o
funcionamento dos ecossistemas. Esse seu papel é em grande parte
invisível, até que um dia vem à luz. Quando levaram o gado para a
Austrália na virada do século XIX, os colonizadores logo se viram
impotentes ante o problema das fezes desses animais. Por alguma
razão, lá o esterco de vaca precisava de meses, quando não anos, para
se decompor. As vacas se recusavam a comer perto daquele fedor,
demandando cada vez mais terra para o pasto, e eram tantas as
moscas que se reproduziam nas pilhas de esterco que o país ficou
famoso por aqueles chapéus que os criadores de gado usavam para se
manter livres delas. Foi somente em 1951 que um entomologista
visitante percebeu o que havia de errado: os insetos australianos, cuja
evolução os tornara aptos a comer os excrementos mais fibrosos dos
marsupiais, não davam conta do esterco de vaca. Ao longo dos 25
anos seguintes, a importação de dúzias de espécies do escaravelho
Scarabaeus viettei, postos em quarentena e, depois, libertados, tornou-
se prioridade nacional. E esse era só um dos nichos carentes. (Nos
Estados Unidos, esses escaravelhos poupam aos fazendeiros cerca de
380 milhões de dólares ao ano.) A verdade pura e simples é que não
sabemos tudo que os insetos fazem. Apenas cerca de 2% das espécies
de invertebrados foram estudadas suficientemente para que
possamos avaliar se correm risco de extinção, que dirá para calcular
que perigos sua extinção poderia acarretar.
Quando convidados a imaginar o que aconteceria se os insetos
desaparecessem por completo, os cientistas recorrem a palavras como
caos, colapso, Armagedom. David Wagner, o entomologista da
Universidade de Connecticut, descreve um mundo sem flores, com
florestas silenciosas e enorme quantidade de esterco, folhas velhas e
carcaças apodrecendo, tudo isso se acumulando nas cidades e beiras
de estrada – um mundo de “colapso ou decadência, erosão e de
perdas que se espalhariam pelos ecossistemas”, indo de predadores a
plantas. Edward O. Wilson escreveu sobre um mundo sem insetos,
um lugar em que a maioria das plantas e animais terrestres se
extinguiria, em que fungos se multiplicariam por um tempo,
prosperando com a morte e a podridão, e em que “a espécie humana,
capaz de recorrer outra vez aos grãos polinizados pelo vento e à pesca
marinha, vai sobreviver”, a despeito da fome em massa e das guerras
por recursos. “Lutando para manterem-se vivos em um mundo
devastado e presos a uma Idade das Trevas do ponto de vista
ecológico”, ele acrescenta, “os sobreviventes rezariam pela volta das
ervas daninhas e dos insetos.”

M
as a questão crucial do fenômeno do para-brisa, a razão pela
qual a suspeita sinistra da ausência é tão sinistra, é que os
insetos não precisariam desaparecer por completo para que
sintamos sua falta, por razões que vão muito além da nostalgia. Em
outubro último, um entomologista enviou-me um e-mail com um
“Puta merda!” na linha de assunto e um arquivo anexo: um estudo
recém-publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences que
ele chamou de “Krefeld vai a Porto Rico”. O estudo continha dados
da década de 70 e do início dos anos 2010, quando um ecologista
chamado Brad Lister, especializado nos trópicos, voltou à floresta
onde havia estudado lagartos – e, mais importante ainda, suas presas
– cerca de quarenta anos antes. Lister montou armadilhas pegajosas e
estendeu redes pelas folhagens nos mesmos locais em que havia feito
isso na década de 70, mas, dessa vez, ele e o coautor do artigo, Andres
Garcia, apanharam muito menos animais que antes: de dez a sessenta
vezes menos biomassa artrópode do que no passado. (Não se deve
entender essa cifra como 60% menos, mas como sessenta vezes
menos: onde antes Lister capturara 473 miligramas de insetos, ele
apanhava agora apenas 8 miligramas.) “Foi devastador, sabe?”, ele
me disse. Só que mais assustador ainda era como essas perdas
estavam se espalhando pelo ecossistema, com sério declínio no
número de lagartos, pássaros e sapos. O artigo relatava uma “cascata
trófica de baixo para cima e o consequente colapso da teia alimentar
da floresta”. A caixa de entrada de Lister logo se encheu de
mensagens de outros cientistas, em especial de gente que estudava os
invertebrados de solo, todos lhe dizendo que haviam constatado
declínios igualmente assustadores. Mesmo depois de sua descoberta
terrível, Lister ficou abalado com a lista de perdas: “Eu nem sabia da
crise das minhocas!”

O estranho, disse, é que, apesar de chocantes, todos os declínios que


ele documentara continuavam invisíveis a uma pessoa comum que
caminhasse pela floresta de Luquillo. Na última visita que ele fez, a
floresta seguia “atemporal” e “fantasmagórica”, com “suas cascatas e
tapetes de flores”. Só um especialista notaria que faltava algo ali.
Segundo Lister, contudo, as perdas conduzirão a floresta a um ponto
crítico, depois do qual “haverá uma perda dramática do sistema da
floresta tropical”, e as mudanças se tornarão óbvias para qualquer
um. O lugar que ele tanto ama se tornará irreconhecível.

Os insetos na floresta que Lister estudou não estão em conflito com


pesticidas ou com a perda de hábitat, dois dos problemas que o artigo
de Krefeld apontava. Lister atribui seu declínio à mudança no clima,
que já aumentou em dois graus as temperaturas em Luquillo desde
que ele esteve lá, pesquisando pela primeira vez. Pesquisas anteriores
já sugeriram que insetos tropicais serão particularmente sensíveis a
mudanças de temperatura; em novembro, besouros de laboratório
submetidos a uma onda de calor revelaram-se consideravelmente
menos férteis. Outros cientistas se perguntam se a causa poderia ser
uma seca provocada pelo clima, ou talvez uma invasão de ratos, ou
ainda uma espécie de “morte por mil cortes” – uma confluência de
mudanças diversas nos locais onde os insetos costumavam prosperar.

Como outras espécies, os insetos estão reagindo àquilo que Chris


Thomas, ecologista da Universidade de York especializado em
insetos, chamou de “a transformação do mundo”, não apenas pela
mudança climática, mas também pela conversão disseminada – pela
via da urbanização, da intensificação da agricultura e assim por
diante – dos espaços naturais em espaços humanos, com cada vez
menos recursos “restantes” para a vida de criaturas não humanas. E,
muitas vezes, o que resta de recursos está contaminado. O ecologista
Hans de Kroon caracteriza a vida de muitos insetos modernos como
uma tentativa de sobrevivência de oásis em oásis, todos eles
minguantes e com “um deserto de permeio que, no pior dos casos, é
venenoso”. Preocupantes são, em particular, os neonicotinoides,
neurotoxinas que se acreditava afetarem apenas as culturas em que
foram utilizadas, mas que, conforme se descobriu, acumulam-se na
natureza e são consumidas por toda sorte de insetos. Fala-se na
“perda” de abelhas para o distúrbio do colapso das colônias, e o
termo parece correto: as colmeias afetadas não se mostram cheias de
abelhas mortas, e sim misteriosamente vazias. Uma teoria importante
afirma que a exposição às neurotoxinas torna as abelhas incapazes de
encontrar o caminho de casa. Descobriu-se que mesmo colmeias
expostas a baixos níveis de neonicotinoides coletavam menos pólen e
produziam menos ovos e muito menos rainhas. Alguns estudos
recentes descobriram que as abelhas estão se saindo melhor nas
cidades do que na zona rural.

A diversidade de insetos significa que alguns conseguirão se adaptar


a novos ambientes, alguns vão prosperar (a abundância é uma faca de
dois gumes: monoculturas permitem que certas pestes atinjam níveis
populacionais que jamais conseguiriam na natureza) e outros, em
busca de comida e abrigo num mundo não destinado a eles, vão
perecer. Embora necessitemos de mais dados para entender melhor as
razões ou os mecanismos por trás dos altos e baixos, Thomas afirma
que “a tendência que perpassa todas as espécies ainda é o declínio”.

D
esde a publicação do estudo de Krefeld, pesquisadores
começaram a procurar outros repositórios esquecidos de
informações que possam oferecer uma janela para o passado.
Alguns dos estudiosos da Universidade Radboud analisaram dados
históricos, coletados por sociedades entomológicas holandesas, sobre
besouros e mariposas em certas reservas. Descobriram quedas
significativas (de 72% e 54%) que corroboravam as de Krefeld.
Segundo o pesquisador Roel van Klink, do Centro Alemão de
Pesquisa Integrativa em Biodiversidade, antes de Krefeld, tanto ele
como a maioria dos entomologistas jamais haviam se interessado por
biomassa. Agora, ele está à procura de conjuntos de dados históricos
– muitos provenientes de pesquisas sobre pestes agrícolas, como o
estudo a respeito dos gafanhotos no Kansas, efetuado ao longo de
décadas – que possam ajudar a compor um quadro mais completo do
que está acontecendo com essas criaturas abundantes, mas que estão
em perigo. Até o momento, descobriu 140 conjuntos de dados antigos,
relativos a 1 500 localidades nas quais se poderia coletar novas
amostragens.

Nos Estados Unidos, um dos poucos conjuntos de dados mais antigos


sobre a abundância dos insetos provém do trabalho de Arthur
Shapiro, entomologista da Universidade da Califórnia, em Davis. Em
1972, Shapiro começou a coletá-los, contando borboletas enquanto
caminhava pelo Central Valley e pelas Sierras. Ele pretendia escrever
sobre o efeito das variações climáticas de curta duração nas
populações de borboletas. Mas, quanto mais amostras recolhia, mais
valiosos se tornavam seus dados, oferecendo um sinal claro em meio
ao ruído dos altos e baixos sazonais. “E aqui estou eu, em meu 46º
ano”, ele diz, depois de observar borboletas por quase meio século,
cinco dias por semana, do final da primavera ao final do outono. Ao
longo desse período, Shapiro assistiu ao declínio do número geral
delas e viu desaparecer algumas espécies que costumavam estar por
toda parte, mesmo aquelas que, poucas décadas atrás, “todo mundo
considerava lixo”. Ele acredita ser provável que declínios como os
constatados em Krefeld estejam ocorrendo no mundo todo. “Mas,
evidentemente, eu não estudo o mundo todo”, acrescentou. “Meu
estudo cobre a região da rodovia interestadual 80.”

Há também novos esforços para montar esquemas de monitoração de


insetos do tipo que os pesquisadores gostariam que tivessem existido
décadas atrás, para que ao menos nosso nível de declínio fosse
mensurado. Um deles é um projeto-piloto alemão semelhante ao
estudo feito com carros na Dinamarca. A fim de analisar o que
capturam, os pesquisadores se voltaram para naturalistas voluntários,
como os de Krefeld, com um conhecimento mínimo para saber o que
estão observando. “Não são espécies fáceis de identificar”, afirma
Aletta Bonn, do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa em
Biodiversidade, que supervisiona o projeto. (A capacidade que tal
trabalho requer é “verdadeiramente extrema”, conta o ecologista Rob
Dunn. “Essas pessoas treinam durante décadas com outros amadores
para se tornarem capazes de identificar besouros a partir de sua
genitália.”) Bonn disse que gostaria de remunerar os voluntários por
seu nível de especialização, mas o financiamento segue em crise. Isso
não impediu que os “amadores” decidissem ajudar: “Eles disseram:
‘Só estamos curiosos para saber o que tem aí, gostaríamos de ter
amostras.’”

De acordo com o entomologista Dave Goulson, a tradição europeia de


naturalismo amador pode explicar por que provêm de lá tantas pistas
a respeito da queda na biodiversidade dos insetos. (O desenho da
rede na capota do carro do ornitólogo dinamarquês, por exemplo, foi
inspirado na invenção de um dedicado colecionador amador de
besouros.) Se pouco sabemos sobre a situação dos insetos na Europa,
temos ainda menos informação sobre o que ocorre em outras partes
do mundo. “Não saberíamos nada se não contássemos com eles”, com
os chamados amadores, Goulson afirma. “Ficaríamos restritos ao fato
de que não há insetos no para-brisa.”

Chris Thomas crê que essa tradição naturalista é também o motivo


pelo qual a Europa está agindo bem mais depressa que outros lugares
– os Estados Unidos, por exemplo – no enfrentamento do declínio dos
insetos: o interesse conduz ao rastreamento, que conduz à
consciência, que conduz à preocupação, que conduz por fim à ação.
Desde o surgimento dos dados provenientes de Krefeld, tem havido
audiências sobre a proteção da biodiversidade dos insetos no
Parlamento alemão e também no europeu. Os Estados que compõem
a União Europeia votaram pelo prolongamento da proibição dos
pesticidas contendo neonicotinoides e começaram a investir pesado
em mais estudos sobre o declínio da abundância de insetos, o que o
está provocando e o que pode ser feito a respeito. Quando bati na
porta da sala de Hans de Kroon, na Universidade Radboud, em
Nijmegen, ele examinava fotos de outra reunião que tivera naquele
mesmo dia: Willem-Alexander, o rei da Holanda, havia visitado as
obras em curso para fazer da beira do rio da cidade um hábitat mais
amistoso para os insetos.

Deter esse declínio, contudo, vai exigir bem mais do que isso. A
União Europeia já havia tomado medidas para encorajar os
polinizadores – entre elas, instituir para os pesticidas uma
regulamentação mais severa do que aquela em vigor nos Estados
Unidos, além de estimular, mediante remuneração aos fazendeiros, a
criação de hábitats para insetos, deixando terras sem cultivo e criando
faixas naturais à margem das plantações –, mas as populações de
insetos seguiram caindo. Novos relatórios conclamam os governos
nacionais a colaborar com abordagens mais criativas, como integrar
os hábitats dos insetos nos projetos de estradas de rodagem, linhas de
transmissão de energia, estradas de ferro e infraestrutura em geral. E,
como sempre, a realizar novos estudos. As mudanças necessárias,
assim como as causas, podem ser profundas. “É só mais uma
indicação de que estamos destruindo o sistema que dá suporte à vida
neste planeta”, diz Lister sobre o estudo em Porto Rico. “A natureza é
resistente, mas nós a estamos conduzindo a um ponto tão extremo
que poderá ocorrer um colapso do sistema.”

A esperança dos cientistas é que os insetos tenham uma chance de


levar adiante essa resistência. Enquanto os tigres dão à luz três ou
quatro filhotes por ninhada, está documentado que uma mariposa-
fantasma da Austrália já foi capaz de pôr 29 100 ovos, restando outros
15 mil em seus ovários. A abundante fecundidade característica dos
insetos há de possibilitar sua recuperação, mas apenas se lhes derem
espaço e oportunidade para fazê-lo.

“É um debate que precisamos realizar com urgência”, diz Goulson.


“Se perdermos os insetos, a vida na Terra vai…” – sua voz some,
fazendo uma pausa que me pareceu demasiado longa.

N
a Dinamarca, a excursão de Sune Boye Riis em seu carro com
rede levou-nos por uma pequena extensão de bosques, alguns
jardins suburbanos, cercas vivas e uma plantação de pinheiros
de Natal. A coisa mais parecida com o prado pela qual passamos foi
uma grande propriedade militar em que se permitiu à grama crescer
alta e dourada. Riis tinha sido instruído a não ir muito rápido, razão
pela qual uma fila de carros se formou atrás de nós, e alguns
começaram a buzinar. “Bom”, ele disse, “lá se vai a ciência.” Depois
de quase 5 quilômetros, ele deu meia-volta e retornou ao ponto de
partida. Seu para-brisa permanecia zombeteiramente limpo.

Riis tem quatro amigos que também participam do estudo. Fizeram


uma aposta: quem apanharia o maior inseto? “Estou bem na
retaguarda”, ele diz. “Uma mamangava está ganhando.” Sua maior
presa? “Uma mosca. Nem das grandes é.”
Ao final da excursão, Riis tornou a parar o carro por um instante para
soltar a rede da capota e remover a bolsinha na outra extremidade.
Alguns voluntários, encantados com o que o estudo revelava sobre o
mundo ao redor, pediram bolsas adicionais para coletar mais
espécimes por conta própria. Houve até quem perguntasse se podia
comprar a rede e todo o aparato para instalar no carro. Riis se
contentou em espiar a rede, dentro da qual divisou certo número de
manchinhas pretas de variada pequenez.

Havia também uma única borboleta lá dentro, delicada e de asas


brancas. Riis pensou na aposta que fizera com os amigos, para a qual
não haviam definido o significado de grandeza. Perguntou-se como
estimá-la. O que dá valor a uma criatura?

“Será o peso?”, perguntou, baixando os olhos até a borboleta. Dentro


da bolsa, ela parecia pequena, triste e solitária. “Ou será a graça?”

[1] Uma “cadeia alimentar” é formada por uma sequência de seres

vivos em que um deles serve de alimento para o outro. “Teia


alimentar” é o conjunto de diferentes cadeias alimentares
interconectadas em determinado ecossistema.

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