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questões ambientais
Cientistas tentaram calcular os benefícios que os insetos produzem. Trilhões deles polinizam cerca de três quartos de
nossas colheitas, serviço que chega a valer 500 bilhões de dólares por ano CRÉDITO: MATT DORFMAN_BRIDGEMAN IMAGES
C
onheci Riis, um professor magricela de ciências e matemática
no ensino médio, num dia quente de junho, no ano passado. Ele
estava ansioso porque ainda não tinha escrito o discurso para a
cerimônia de formatura, que ocorreria à noite. Precisava fazer algo
antes disso. Pegou uma grande rede de caçar insetos na garagem da
casa e foi de carro até um cruzamento nas proximidades. Ali, desceu
do veículo e prendeu a rede à capota. Feita de tela branca, ela se
estendia por toda a extensão do carro; uma estaca a erguia na frente, e
a rede se afunilava em direção a uma pequena bolsa removível, atrás.
Os motoristas que passavam por ele giravam a cabeça para olhar.
Enquanto ajustava a engenhoca, Riis contemplava o carro
estacionado, com certo nervosismo. “Isso não está 100% dentro da
lei”, disse, “mas, em nome da ciência…”
Q
ualquer um que já tenha retornado a um local da infância e
descoberto que, por algum motivo, tudo parece ter se tornado
menor, sabe que lembrar o passado com exatidão não é o forte
dos seres humanos. Isso se aplica em particular quando se trata de
mudanças no mundo natural. É impossível manter uma perspectiva
fixa, como notou Heráclito há 2 500 anos — o rio não é o mesmo, mas
tampouco nós somos os mesmos.
Q
uando os entomologistas se puseram a observar e investigar o
declínio no número de insetos, eles lamentaram a inexistência
de informação sólida do passado na qual ancorar a experiência
presente. “Vemos centenas de certo tipo de inseto e acreditamos que
está tudo bem”, diz o entomologista David Wagner. “Mas e se, duas
gerações atrás, esse número fosse de 100 mil?” Rob Dunn, ecologista
da Universidade Estadual da Carolina do Norte que ajudou a projetar
o experimento com as redes na Dinamarca, recentemente saiu em
busca de estudos que demonstrassem o efeito da pulverização de
pesticidas no número de insetos que viviam nas florestas próximas.
Ficou surpreso ao descobrir que tais estudos não existiam. “Nós
ignoramos questões realmente básicas”, ele diz. “Acho que pisamos
feio na bola, todos nós.”
Se, por um lado, faltavam dados aos entomologistas, por outro, eles
dispunham, sim, de pistas muito preocupantes. Além da impressão
de que, em seus experimentos ao ar livre, estavam vendo menos
insetos em suas próprias vasilhas e redes – uma espécie de fenômeno
do para-brisa para aqueles que se valem de vasilhas e redes –,
documentos comprovavam o declínio de insetos bem estudados,
como vários tipos de abelhas, mariposas, borboletas e besouros. Na
Grã-Bretanha, verificou-se que de 30% a 60% das espécies
diminuíram em variedade. Tendências mais amplas revelaram-se
mais difíceis de constatar, embora um estudo publicado em 2014 na
Science tenha tentado quantificar esses declínios sintetizando as
descobertas até então apontadas em trabalhos diversos – concluiu-se
que a maioria das espécies monitoradas estava decaindo, em média,
45%.
Os sinais eram com certeza alarmantes, mas eram apenas sinais. Não
justificavam grandes declarações sobre a saúde dos insetos como um
todo ou sobre o que estava provocando uma diminuição disseminada
de todas as espécies. “Não existem dados quantitativos sobre insetos
e, por isso, o que temos é apenas uma hipótese”, explicou-me Hans de
Kroon, ecologista da Universidade Radboud, na Holanda – o que não
constitui propriamente uma declaração capaz de incitar as pessoas a
correr para as barricadas.
Sorg, que enrola seus cigarros, usa óculos ao estilo John Lennon e
cujos cabelos grisalhos descem muito além dos ombros, não tem nada
de hippie quando se trata do trabalho com os insetos. E é só de seu
trabalho que ele realmente quer falar. “Achamos que o que importa
são os detalhes sobre o declínio da natureza e da biodiversidade, e
não sobre a vida dos entomologistas”, explica, depois de ele e Werner
Stenmans – outro membro da sociedade e coautor do artigo de 2017 –
terem descartado minhas perguntas sobre o emprego deles. Receoso
de atuar como protagonista da reportagem, Sorg não quis falar sobre
o que o havia atraído para a entomologia quando criança, nem
mesmo sobre o que o seduzia em certos tipos de vespa capazes de
levá-lo a dedicar tanto tempo de sua vida a estudá-las. “Em geral,
essas histórias a gente conta quando a pessoa morre”, ele diz.
A
sociedade de Krefeld é dirigida por voluntários, muitos dos
quais com empregos em áreas completamente diferentes, mas
com vasto conhecimento sobre insetos, acumulado ao longo de
anos e resultado de uma atenção que a outros poderia parecer
obsessiva. Alguns estudam a ecologia ou a taxonomia evolutiva de
suas espécies prediletas, ou mapeiam suas populações, ou criam
insetos para poder estudar a história de vida deles. Todos
aperfeiçoam a capacidade de identificar diferentes espécies
acumulando suas próprias coleções de insetos cuidadosamente
guardadas e etiquetadas, como aquelas que enchem as salas da
sociedade. Sorg estima que, de seus 63 membros, um terço é formado
em disciplinas como biologia ou ciências da terra. Outro terço, diz, é
“altamente especializado e qualificado, mas nunca frequentou
universidade”, ao passo que o terço final é de amadores de fato,
pessoas ainda a caminho de se tornarem entomologistas “de
verdade”. “Alguns podem inclusive ter diploma universitário, mas,
do nosso ponto de vista, são iniciantes.”
O
declínio da biodiversidade em todo o mundo é popularmente
conhecido como a sexta extinção: a sexta vez, na história da
humanidade, que um grande número de espécies desaparece
numa rapidez incomum – agora não por culpa de asteroides ou eras
glaciais, mas dos seres humanos. Quando refletimos sobre a perda da
biodiversidade, tendemos a pensar naquele último rinoceronte-
branco-do-norte, protegido por guardas armados, ou em ursos
polares sobre blocos de gelo cada vez menores. A extinção é uma
tragédia visceral, universalmente compreendida: é um caminho sem
volta. O sentimento de culpa por permitir que uma espécie única
desapareça é eterno.
C
ientistas já tentaram calcular os benefícios que os insetos
produzem pelo simples fato de irem tocando a vida sendo tão
numerosos. Trilhões deles, voando de flor em flor, polinizam
cerca de três quartos de nossas colheitas de alimentos, um serviço que
chega a valer 500 bilhões de dólares por ano. (Isso não inclui os 80%
de plantas que florescem de forma selvagem e contam com os insetos
para sua polinização – plantas que são os pilares da vida em toda
parte.) Se cálculos monetários como esse parecem estranhos, pense no
que ocorreu no vale do condado de Maoxian, na China, onde a
escassez de insetos polinizadores exigiu a contratação de
trabalhadores humanos para substituir as abelhas, a um custo diário
de até 19 dólares por trabalhador. Cada pessoa faz de cinco a dez
árvores por dia, polinizando manualmente flores de macieira.
Comendo e sendo comidos, os insetos transformam plantas em
proteína e são o motor do crescimento de todas as incontáveis
espécies que dependem deles para se alimentar – o que inclui os
peixes de água doce e a maioria dos pássaros –, sem falar em todas as
criaturas que comem essas criaturas. Nós nos preocupamos em salvar
o urso-pardo, diz o ecologista especializado em insetos Scott Hoffman
Black, mas o que será do urso-pardo sem a abelha que poliniza as
frutinhas que ele come ou os mosquitos que sustentam o filhote de
salmão? O que será de nós, aliás?
M
as a questão crucial do fenômeno do para-brisa, a razão pela
qual a suspeita sinistra da ausência é tão sinistra, é que os
insetos não precisariam desaparecer por completo para que
sintamos sua falta, por razões que vão muito além da nostalgia. Em
outubro último, um entomologista enviou-me um e-mail com um
“Puta merda!” na linha de assunto e um arquivo anexo: um estudo
recém-publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences que
ele chamou de “Krefeld vai a Porto Rico”. O estudo continha dados
da década de 70 e do início dos anos 2010, quando um ecologista
chamado Brad Lister, especializado nos trópicos, voltou à floresta
onde havia estudado lagartos – e, mais importante ainda, suas presas
– cerca de quarenta anos antes. Lister montou armadilhas pegajosas e
estendeu redes pelas folhagens nos mesmos locais em que havia feito
isso na década de 70, mas, dessa vez, ele e o coautor do artigo, Andres
Garcia, apanharam muito menos animais que antes: de dez a sessenta
vezes menos biomassa artrópode do que no passado. (Não se deve
entender essa cifra como 60% menos, mas como sessenta vezes
menos: onde antes Lister capturara 473 miligramas de insetos, ele
apanhava agora apenas 8 miligramas.) “Foi devastador, sabe?”, ele
me disse. Só que mais assustador ainda era como essas perdas
estavam se espalhando pelo ecossistema, com sério declínio no
número de lagartos, pássaros e sapos. O artigo relatava uma “cascata
trófica de baixo para cima e o consequente colapso da teia alimentar
da floresta”. A caixa de entrada de Lister logo se encheu de
mensagens de outros cientistas, em especial de gente que estudava os
invertebrados de solo, todos lhe dizendo que haviam constatado
declínios igualmente assustadores. Mesmo depois de sua descoberta
terrível, Lister ficou abalado com a lista de perdas: “Eu nem sabia da
crise das minhocas!”
D
esde a publicação do estudo de Krefeld, pesquisadores
começaram a procurar outros repositórios esquecidos de
informações que possam oferecer uma janela para o passado.
Alguns dos estudiosos da Universidade Radboud analisaram dados
históricos, coletados por sociedades entomológicas holandesas, sobre
besouros e mariposas em certas reservas. Descobriram quedas
significativas (de 72% e 54%) que corroboravam as de Krefeld.
Segundo o pesquisador Roel van Klink, do Centro Alemão de
Pesquisa Integrativa em Biodiversidade, antes de Krefeld, tanto ele
como a maioria dos entomologistas jamais haviam se interessado por
biomassa. Agora, ele está à procura de conjuntos de dados históricos
– muitos provenientes de pesquisas sobre pestes agrícolas, como o
estudo a respeito dos gafanhotos no Kansas, efetuado ao longo de
décadas – que possam ajudar a compor um quadro mais completo do
que está acontecendo com essas criaturas abundantes, mas que estão
em perigo. Até o momento, descobriu 140 conjuntos de dados antigos,
relativos a 1 500 localidades nas quais se poderia coletar novas
amostragens.
Deter esse declínio, contudo, vai exigir bem mais do que isso. A
União Europeia já havia tomado medidas para encorajar os
polinizadores – entre elas, instituir para os pesticidas uma
regulamentação mais severa do que aquela em vigor nos Estados
Unidos, além de estimular, mediante remuneração aos fazendeiros, a
criação de hábitats para insetos, deixando terras sem cultivo e criando
faixas naturais à margem das plantações –, mas as populações de
insetos seguiram caindo. Novos relatórios conclamam os governos
nacionais a colaborar com abordagens mais criativas, como integrar
os hábitats dos insetos nos projetos de estradas de rodagem, linhas de
transmissão de energia, estradas de ferro e infraestrutura em geral. E,
como sempre, a realizar novos estudos. As mudanças necessárias,
assim como as causas, podem ser profundas. “É só mais uma
indicação de que estamos destruindo o sistema que dá suporte à vida
neste planeta”, diz Lister sobre o estudo em Porto Rico. “A natureza é
resistente, mas nós a estamos conduzindo a um ponto tão extremo
que poderá ocorrer um colapso do sistema.”
N
a Dinamarca, a excursão de Sune Boye Riis em seu carro com
rede levou-nos por uma pequena extensão de bosques, alguns
jardins suburbanos, cercas vivas e uma plantação de pinheiros
de Natal. A coisa mais parecida com o prado pela qual passamos foi
uma grande propriedade militar em que se permitiu à grama crescer
alta e dourada. Riis tinha sido instruído a não ir muito rápido, razão
pela qual uma fila de carros se formou atrás de nós, e alguns
começaram a buzinar. “Bom”, ele disse, “lá se vai a ciência.” Depois
de quase 5 quilômetros, ele deu meia-volta e retornou ao ponto de
partida. Seu para-brisa permanecia zombeteiramente limpo.