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Capítulo 6: Sociologia do Corpo: Saúde, Doença

e Envelhecimento
Anthony Giddens

Sociologia
Jan Mason gozou e m tempos de uma saúde de ferro. industrializados. O número de praticantes de medici-
Ma s, quando começou a sentir depressão e um can* na alternativa está a aumentar, o mesmo sucedendo às
saço extremo, descobriu que o seu médico habitual formas de tratamento disponíveis. Dos produtos das
não podia fazer muito para aliviar o mau-estar que ervanárias à acupunctura, da reflexologia aos trata-
sentia: mentos quiropráticos, assiste-se na sociedade moder-
na a uma explosão nos cuidados de saúde alternativos
6.a Edição Antes, era uma pessoa em boa forma física. Conseguia que permanecem fora do sistema médico "oficial" ou
se lhe sobrepõem. Estima-se que um em cada quatro
nadar, jogar squash , correr e, de repente, fui-me abaixo.
Fui ao médico mas ninguém conseguia dizer-me do que britânicos já consultou um praticante de medicina
sofria. O meu médico de família disse que se tratava de alternativa. O perfil do indivíduo«tipo que procura
uma febre glandular, e receitou-me antibióticos, que me formas alternativas de cura é mulher, jovem ou de
Tradução de provocaram uma ansiedade terrível. Passou depois a meia-idade, e de classe média.
dizer-me que não sabia ao certo do que sofria (...). Fiz A maior parte das unidades de saúde mais evoluí-
Alexandra Figueiredo
todas as análises possíveis. Encontrava-me realmente de das e bem equipadas de todo o mundo situam-se nos
Ana Patrícia Duarte Baltazar rastos. Isto durou meio ano. Continuava doente e os países industrializados. Por que razão, então, um
Catarina Lorga da Silva médicos continuavam sem saber do quê (citado em número cada vez maior de pessoas opta por virar cos-
Patrícia Matos Sharma, 1992: 37). tas ao sistema de saúde oficial, em favor de trata-
mentos «não científicos», como a aromoterapia ou a
Vasco Gil
O médico de Jan chegou à conclusão de que ela hipnoterapia? Em primeiro lugar, é importante real-
sofria de problemas de stress, tendo-lhe receitado çar que nem toda a gente que recorre às medicinas
antidepressivos. Jan sabia que este tipo de medica- alternativas o faz em substituição dos tratamentos
Coordenação e revisão científica de mentos não era a solução para o seu problema, embo- médicos ortodoxos (embora algumas abordagens
ra reconhecesse que o seu estado de saúde, ainda sem alternativas, como a homeopatia, rejeitem por com-
José Manuel Sobral pleto as bases da medicina oficial). Muitas pessoas
um diagnóstico, tinha-se tomado uma grande fonte
de stress. Ao ouvir um programa de rádio, Jan sus- conjugam elementos de ambas as abordagens. É por
peitou de que o seu estado letárgico podia ser o resul- esta razao que alguns autores preferem chamar às téc-
tado de um síndroma de fadiga de origem virai. nicas não-ortodoxas medicina complementar, em vez
Seguindo o conselho de um amigo, procurou ajuda de de medicina alternativa (Saks, 1992).
um homeopata - um praticante de medicina alterna- Há um certo número de razões que levam as pes-
tiva que primeiro avalia o estado de saúde do corpo soas a procurar os serviços de praticantes alternati-
no seu conjunto e só depois, receitando minúsculas vos. Para algumas pessoas, a medicina ortodoxa reve*
doses de várias substâncias, trata «o igual com o la-se incapaz ou deficiente para aliviar dores crónicas
igual», partindo do princípio de que os sintomas de ou incómodas, ou sintomas de stress e ansiedade.
uma doença fazem parte do processo de cura desen- Outras estão descontentes com a forma como funcio-
volvido peio próprio corpo. Depois de ter descoberto nam os sistemas de saúde modernos - com longas lis-
um homeopata com quem se sentiu à vontade, Jan tas de espera, múltiplas consultas em cadeia de espe-
ficou satisfeita com o tratamento (Sharma, 1992). cialistas , restrições financeiras e de outro tipo. Além
Jan faz parte do número cada vez maior de pessoas disso, há receios quanto aos efeitos secundários noci-
que procuram incorporar práticas médicas alternati- vos dos medicamentos e ao carácter intrusivo das
vas nos seus cuidados de saúde. Na última década, cirurgias - as duas técnicas que constituem a base dos
F U N D A Ç Ã O CALOUSTE G U LB EN K I A N
assistiu-se a um crescimento do interesse pelas poten- sistemas modernos de saúde. A relação de poder assi-
Serviço de Educação e Bolsas métrica entre médicos e pacientes é um aspecto fun-
cialidades da medicina alternativa em muitos países
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artrite, cancro e outras doenças) são males cada vez a mudar, e formas «alternativas» de medicina tor-
mais comuns nas sociedades industrializadas. Embo- nam-se cada vez mais populares.
ra estas maleitas existam há muito, parecem causar A próxima secção analisa os fundamentos sociais
hoje mais do que nunca uma maior perturbação na da saúde, nomeadamente os padrões de saúde e de
saúde das pessoas. Estudos recentes revelaram que o doença e a forma como estão relacionados com as
stress suplantou a constipação vulgar como a princi- desigualdades sociais. Examinaremos, depois, o nas-
pal causa de absentismo laboral. A Organização cimento da medicina científica e a emergência do
Mundial de Saúde prevê que dentro de vinte anos a modelo biomédico de saúde. Observaremos estes
depressão será a doença mais debilitante a nível mun- dois processos e os princípios que sustentam a medi-
dial. Ironicamente, estas consequências da moderni- cina contemporânea, bem como as críticas que lhes
dade são aquelas que a medicina oficial sente maior foram feitas. Em seguida, a nossa atenção virar-se-á
dificuldade em tratar. Embora não seja provável que para algumas perspectivas sociológicas sobre a
a medicina alternativa possa ultrapassar a medicina saúde, e m especial para o trabalho dos interaccionis-
«oficial», tudo indica que a sua importância continu* tas simbólicos que investigaram a experiência da
rá a crescer. doença. Por fim, analisaremos o envelhecimento do
corpo. Tal como muitos outros aspectos das nossas
vidas nas sociedades modernas, o envelhecer j á não é
A sociologia do co rpo o que era. O processo de envelhecimento não é ape-
nas físico, pois hoje em dia a posição das pessoas
O campo de estudos conhecido como sociologia do
mais velhas na sociedade está a mudar em muitos
cor po investiga as formas como os nossos corpos são
A acupunctura é uma das muitas técnicas da medicina complementar escolhidas pelas pessoas que adoptam um papel
aspectos fundamentais.
afectados por influências sociais. Enquanto seres
mais interventrvo no seu tratamento médico e que questionam o modelo biomédico de saúde. humanos, somos corpóreos - isto é, todos possuímos
um corpo. M as o corpo não é algo que nos limitemos
A b a s e social da s a ú d e
a ter, nem algo puramente físico que existe separado
damental que leva algumas pessoas a procurar ajuda ção à nossa disposição - a partir de fontes muito da sociedade. Os nossos corpos são profundamente No século XX, assistiu-se nos países industrializados
na medicina alternativa. Sentem que o papel de variadas - a qual nos permite fazer escolhas acerca afectados pelas nossas experiências sociais, bem a um aumento significativo da esperança média de
«doente passivo» lhes retira poder de acção decisivo das nossas vidas. Os cuidados de saúde não consti- como pelas normas e valores dos grupos a que per- vida. Doenças c omo a poliomielite, a escarlatina e a
sobre o seu próprio tratamento e o processo de cura. tuem excepção. As pessoas estão cada vez mais a tor- tencemos. Só recentemente os sociólogos começaram tuberculose foram praticamente erradicadas. Em
Por último, algumas pessoas declaram ter objecções narem-se «consumidores de saúde» - adoptando uma a reconhecer a natureza profunda das interligações comparação com outras partes do mundo, os padrões
filosóficas ou religiosas em relação à medicina orto- postura mais activa em relação à sua própria saúde e entre corpo e vida social. Por conseguinte, este de saúde e de bem-estar são relativamente mais ele-
doxa, que tende a tratar o corpo e o espírito separa- bem-estar. Não só temos a capacidade de escolher o campo é uma área de estudos relativamente nova, vados. Atribuíram-se ao poder da medicina moderna
damente. Acreditam que as dimensões espiritual e tipo de clínicos que queremos consultar, como somos mas muito promissora. muitos destes avanços na saúde pública. De acordo
psicológica da saúde e da doença não são levadas também mais exigentes em relação ao nosso próprio A sociologia do corpo abrange um certo número com uma ideia generalizada, a investigação médica
muitas vezes e m conta pela medicina ortodoxa. tratamento e cuidados de saúde. Desta forma, o cres- de questões essenciais que analisaremos ao longo do tem tido - e continuará a ter - sucesso na descoberta
Como veremos ao longo do capítulo, todas estas cimento da medicina alternativa prende-se com a presente capítulo. Um tema crucial é o dos efeitos da das causas biológicas das doenças, bem como no
preocupações são, explícita ou implicitamente, críti- expansão do movimento de auto-ajuda, que envolve mudança social sobre o corpo - da mesma forma que, desenvolvimento de tratamentos eficazes para as
cas do modelo biomédico de s aúd e , a base em que grupos de apoio, círculos de aprendizagem e manuais ao longo de todo o livro, é dada uma grande ênfase à controlar. Segundo este argumento, à medida que o
assenta a medicina ocidental oficial. O modelo bio- de cura. As pessoas estão hoje mais do que nunca dis- mudança social. O mundo de hoje, em rápida trans- saber e o conhecimento médico evoluem, assistire-
médico de saúde define a doença em termos objecti- postas a tomar o controlo das suas vidas e a reconfi- formação, apresenta novos riscos e desafios que mos a uma melhoria constante e sustentada no campo
vos e acredita que um corpo pode voltar a ser saudá- gurá-las activamente, e m vez de dependerem das ins- podem afectar os nossos corpos e a nossa saúde. Mas da saúde pública.
vel, submetendo-se a um tratamento médico de base truções ou opiniões de terceiros. proporciona-nos igualmente a possibilidade de fazer- Embora esta abordagem à saúde e à doença tenha
científica. mos as nossas próprias escolhas acerca de como viver sido extremamente influente, é de certa forma insufi-
Outra questão interessante para os sociólogos está
O crescimento da medicina alternativa coloca uma relacionada com a mudança na natureza da saúde e da o quotidiano e como cuidar da nossa saúde. A medi- ciente para os sociólogos, pois ignora o papel impor*
série de questões interessantes do ponto de vista da doença no período da modernidade tardia. Muitas das cina e os sistemas de prestação de cuidados de saúde tante que as influências sociais e ambientais têm nos
Sociologia, Em primeiro lugar, e mais importante que maleitas e doenças que levam as pessoas a procurar passam presentemente por transformações profundas, padrões de saúde e doença. Os avanços globais regis-
tudo, é um reflexo fascinante das transformações que tratamentos médicos alternativos parecem ser produ- que permitem que os indivíduos tenham hoje um tados na saúde pública nos últimos cem anos não
estão a ter lugar nas sociedades modernas. Vivemos to da própria era moderna. Insónia, ansiedade, stress, papel mais importante no seu tratamento. O relacio- podem dissimular o facto de que a saúde e a doença
hoje numa época onde cada vez temos mais informa- depressão, fadiga e dores crónicas (causadas por namento entre especialistas médicos e pacientes está não se distribuem da mesma forma entre a população.
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Investigações levadas a cabo revelaram que determi- infantil (as crianças que morrem no primeiro ano de Quadro 6.1 Mortalidade infantil no Reino Unido, em função da classe social (taxas por cada 1.000 nados-vivos)
nados grupos de pessoas tendem a gozar de uma vida) e à morte de crianças, as pessoas mais pobres
saúde melhor do que outros. Estas desigualdades de correm um risco maior de morrer, seja em que idade
1981 1991 1996
saúde estão aparentemente relacionadas com padrões for, do que as pessoas mais abastadas.
socioeconómicos mais amplos. Brown e Bottrill (1999) resumiram algumas das
No casamento
Sociólogos e especialistas em epidemiologi a principais desigualdades de saúde baseadas na classe 3.6
Profissionais liberais e executivos de topo 7.8 5.0
social - cientistas que estudam a distribuição e a inci- social. Estas incluem: 4.4
Dirigentes e técnicos 8.2 5.3
dência de doenças entre a população - tentaram 5.4
Trabalhadores especializados náo-manuais 9.0 6.2
explicar a relação existente entre a saúde e algumas • Os trabalhadores manuais não especializados no
Trabalhadores especializados manuais 10.5 6.3 5.8
variáveis como a classe social, o género, a raça, a fundo da escala ocupacional (classe social V) cor-
Trabalhadores semi-especializados 12.7 7.2 5.9
idade e a localização geográfica. Embora a maior rem um risco duas vezes maior de morrer antes de
Trabalhadores não especializados 15.7 8.4 7.8
parte dos autores reconheça a existência de uma cor- atingir a reforma do que os executivos e profis-
Outros 15.6 11.8 8.3
relação entre saúde e desigualdades sociais, não estão sionais liberais do topo da escala ocupacional
de acordo nem acerca da natureza dessa relação nem (classe social 1). Total no casamento 10.4 6.3 5.4
acerca do modo como se deve lidar com as desigual- • O número de nado-mortos ou de óbitos na pri-
dades de saúde. Uma das principais áreas de debate meira semana de vida entre as famílias de traba- Fora do casamento
centra-se em tomo da questão da importância relati- lhadores não especializados é o dobro do regista- Registo conjunto 14.1 8.7 6.9
va das variáveis individuais (como o estilo de vida, o do entre as famílias de profissionais do topo (ver Registo monoparental 16 .2 10 . 8 7.2
comportamento, a dieta e os padrões culturais) versus quadro 6.1).
factores estruturais ou ambientais (tais como a distri- Total fora do c asamento 15.0 9.3 7.0
• Um indivíduo nascido na ciasse social I (mem-
buição da riqueza e da pobreza). Nesta secção, anali- bros das profissiões liberais do topo, executivos) A mortalidade infantil catcula-se através do número de óbitos no primeiro ano de vida; a classe social aqui é determinada
saremos variações nos padrões de saúde na Grã-Bre- viverá, em média, mais sete anos do que alguém a partir da situação profissional do pai.
tanha em função da classe social, género, raça e loca- que nasça na classe social V (trabalho manual não Fonte: Office for National Statistics, General Registar Office for Scotland; Northern treland Statistics and Research Agency.
lização geográfica, e passaremos em revista algumas especializado). tn Social Trenós, 29 (1999), p. 120.
das explicações para o facto.
• Cerca de 90% das principais causas de morte são
mais comuns nas classes sociais IV e V (ver figu- ISO 200 150
ra 6.1).
Classe e saúde 120 m
• As pessoas da classe trabalhadora visitam o médi- tSO
Pesquisas efectuadas em tomo da saúde e da classe co mais frequentemente, e por causa de uma gama
revelaram uma relação clara entre padrões de morta- maior de males do que as pessoas nos segmentos
lidade e morbilidade (doenças) e a classe social dos ocupacionais mais elevados; a incidência de
indivíduos. Dois grandes estudos efectuados sobre a doenças de longa duração é 50% mais elevada
saúde na Grã-Bretanha - o Relatório Black, de 1980, entre os trabalhadores manuais do que entre os
Neoptaeiae malignas Cancro do pulmão lesões e envenenamento Doença» do aparelho
e The Health Divide, de 1987 - tiveram um papel par- que se encontram no topo. circulatório
ticularmente relevante na divulgação da importância • As desigualdades de sai^le baseadas na classe aoo 200
que a classe tem nas desigualdades de saúde. Muitas social são ainda mais acentuadas entre os desem-
pessoas ficaram chocadas com os resultados. Embo- pregados de longa duração. As pessoas com {
ISO

ra, de uma forma geral, haja a tendência para uma emprego tendem a viver mais tempo do que aque- 1Q0
melhoria de saúde global na sociedade britânica, las que o não têm.
existem disparidades significativas entre as várias 50
classes, que afectam os indicadores de saúde, como o Estudos levados a cabo em outros países indus-
peso à nascença, a tensão arterial ou o risco de con- trializados confirmaram que existe de facto um claro Doenças do eereçlo Doença» do aparelho Doenças respiratórias
trair uma doença crónica. Em média, os indivíduos desnível de classe em termos de saúde. Alguns auto- vascular cer A r a i
pertencentes aos estratos socioeconómicos mais ele- res acreditam que as desigualdades de saúde entre os A màdta esperada da poputaç&o em geral 4100. As tsaas de tttt» acima de 100 sâo maiores do quão esperado; as laxas menores do que o esperado estio abaixo de 100.
vados gozam de uma saúde melhor, são mais altos e membros mais ricos e os membros mais pobres da
fortes, e vivem mais do que aqueles que se encontram sociedade estão a aumentar. No entanto, embora as Figura $.1 Mortalidade no período 1 9 7 6 - 8 9 de homens com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos, por causa
no fundo da escala social. Embora as diferenças pesquisas efectuadas com o objectivo de revelar a de morte e em função da sua classe social em 1971.
sejam maiores no que diz respeito à mortalidade relação entre as desigualdades de saúde e a classe Font*: Dados de Populâtion Itertós, 60 (1995). In Socidogy Revi&w, 9.2 (Novembro 1999), p.3.
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social sejam cada vez em maior número, os autores 4 As explicações ambientais ou materialistas con-
não têm conseguido identificar com sucesso os meça- cebem as causas das desigualdades de saúde em
função de estruturas sociais mais vastas, como a Educação deficiente (especialmente Baixos rendimentos
nismos que, na prática, as relacionam. Foram já
em relação à saúde) e ignorância dos
avançadas várias explicações diferentes para as cau- pobreza, a distribuição do rendimento e da rique- Mu Fias horas de trabalho, serviços de saúde e ds assis-
sas subjacentes à correlação: za, o desemprego, a habitação, a poluição e as más em stress e a m tência social disponíveis
condições Assistência social e médica
condições de trabalho. De acordo com esta pers- deficiente e falta de acesso
1 As explicações que defendem que a relação entre pectiva, os padrões de desigualdades de saúde à saúde e aos serviços
sociais
as variáveis decorre de artefactos estatísticos cen- entre classes sociais decorrem da privação mate*
Isolamento e exclusão social -
tram-se na natureza problemática da produção de ríal. A redução das desigualdades de saúde só será estar nas margens da sociedade
estatísticas. Alguns especialistas argumentam que possível se atacarem as causas das desigualdades e ter pouco controlo sobre
a própria vida Ausência de serviços de
a medição das variáveis de saúde e de classe pode sociais em geral. lazer ou de acesso a
parques e jardins
ser sujeita a variadas formas de enviesamento, tor*
Viver e m zonas industriais,
nando-se pouco fiável. Por isso, qualquer relação O Relatório Black, trabalho encomendado peio correndo o risco de poJufçâo, com
que pareça existir entre as duas variáveis deve ser Governo Britânico com o objectivo de analisar os estradas muito movimentadas
e fraca qualidade do ar Fumar e beber em exces*
encarada com cepticismo, pois tal pode resultar dados sobre as desigualdades de saúde e fazer reco* t \ so, consumo de drogas
simplesmente da forma como os dados foram Mau esta do ilegais, nâo praticar
mendações em termos de políticas a seguir e investi-
recolhidos. de s a úd e ^ sexo seguro
gações a ter lugar, centrou-se sobretudo nas explica-
2 As explicações selectivas de saúde defendem que ções materialistas das desigualdades de saúde. Embo-
ra não descartando a validade de outros argumentos, Viver numa zona de
a saúde de um indivíduo influencia a sua posição grande criminalidade
social, e não o inverso. De acordo com esta pers* o relatório salientou ser necessário promover uma
pectiva, as pessoas que gozam de uma boa saúde estratégia integrada de combate à pobreza e melho-
tendem a ter mais sucesso e maior mobilidade rias na educação de maneira a poder combater melhor
social ascendente, enquanto as pessoas com pro- as desigualdades de saúde. Muitas pesquisas poste- Nâo comprar
Ausência de regulamentos
blemas de saúde ficarão naturalmente na base da riores apoiaram estas conclusões (Macintyre, 1997). Mau planeamento em ou cozinhar ali-
em matéria de saúde e de
termos de transportes, mentos adequados
escala social. Por exemplo, uma criança que desde Contudo, no que diz respeito às desigualdades de e deficiente acesso segurança no trabalho
aos transportes púbficos
cedo tenha problemas de saúde pode vir a não saúde, a política oficial do governo britânico tem sido
conseguir alcançar mais tarde o mesmo nível de no sentido de se centrar em explicações culturais ou
Educação e socialização
estatuto educacional ou ocupacional que os seus comportamentais. O governo conservador liderado por inadequadas
Falta de condições na habi-
tação, com humidade, frio
pares. De acordo com este argumento, uma saúde Margaret Thatcher menosprezou os resultados do estu- e sobrepopulaçâo
deficiente pode levar à exclusão do emprego, de do e optou por não agir em conformidade com as suas
promoções ou de nomeações profissionais. conclusões, considerando a despesa pública exigida
3 As explicações comportamentais ou culturais pelo relatório irrealista e imprevisível. Os governos Figura 6.2 Influências materiais e culturais sobre a saúde.
enfatizam a importância dos estilos de vida indivi- que se seguiram continuaram a dar mais importância fonte'. Brown, K., An Introduction to Sociotogy, 2.* edição, Po%, 1998- In Sociotogy Review, 9.2 (Novembro 1999), p. 5.

duais na saúde de uma pessoa. As classes sociais às campanhas de saúde pública destinadas a influen-
mais baixas tendem a tomar parte em determinadas ciar as escolhas individuais de estilo de vida. As cam-
actividades - como fumar, beber álcool de modo panhas de combate ao tabaco e os programas a favor
excessivo, ou seguir uma dieta alimentar pobre de uma alimentação saudável são dois exemplos desse
O governo trabalhista de Tony Blair optou por suas causas - desemprego, habitação e educação
-inimigas de uma boa saúde. De acordo com este tipo de esforços para mudar o comportamento público.
uma abordagem mais abrangente em relação às desi- deficientes.
argumento, os indivíduos detêm a responsabilida- Campanhas como estas incentivam os indivíduos a gualdades de saúde, reconhecendo tanto a importân-
de primária pela sua má saúde, uma vez que a tomar a responsabilidade pelo seu próprio bem*estar,
cia dos factores culturais como dos materiais para a
escolha dos estilos de vida é feita livremente. mas prestam menos atenção à forma como a posição Género e saúde
saúde das pessoas. O relatório de 1998, Our Heal-
Alguns defensores desta abordagem argumentam social pode condicionar as escolhas e as possibilidades thier Nation, salientou o leque de diversas influências
das pessoas. Por exemplo, a fruta e os vegetais, que As disparidades de saúde entre homens e mulheres
que tais comportamentos estão enraizados no pró* - sociais, económicas, ambientais e culturais - que, foram também objecto de pesquisa. De uma forma
prio contexto da classe social, e não sob o contro- são cruciais para uma boa alimentação, são alimentos em conjunto, produzem problemas de saúde (alguns
mais caros do que muitos outros alimentos ricos em geral, as mulheres têm em relação aos homens uma
lo exclusivo dos indivíduos. Seja como for, estes dos quais se podem ver na figura 6.2). Propôs tam- maior esperança de vida em quase todos os países do
últimos não deixam igualmente de identificar os gordura e colesterol. Escudos realizados demonstram bém um a série de iniciativas governamentais articu- mundo. Ao mesmo tempo, as mulheres sofrem de
estilos de vida e os padrões de consumo como as que são precisamente os grupos sociais mais ricos ladas para lidar nâo apenas com os sintomas associa-
quem mais consome alimentos saudáveis. uma maior incidência de doenças, especialmente na
causas principais de uma saúde deficitária. dos a um mau estado de saúde, como também com as terceira idade. Em comparação com os homens, as
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Quadro $.2 Problemas de saúde declarados no Reino Unido, por género e idade, em 1996-7 (em percentagem)

Coesão social - a chave para uma melhor saúde?


16*44 45-64 65-74 75 ou mais 16 e mais
Na tentativa de deslindar a s causas das desigualda- distribuição do rendimento. Os habitantes d e países
Homens des de saúde, um número cada vez maior de sociólo- como o J apão e a Suécia, que s ão vistos como
Dores ou mal-estar 18 39 52 56 32 gos está a voltar a sua atenção para o papel d a ajuda alguns dos p aí se s mais igualitários do mundo,
Mobilidade 6 22 36 50 18 e da coesão social na promoção da saúde. Como tal* gozam em média de maiores níveis de s aúde do que
Ansiedade ou d epressão 12 19 20 19 15 vez ainda s e recorde da discussão acerca da obra de os cidadãos d e país es onde a distância entre pobres
Problemas em desempenhar a s tarefas habituais 5 16 21 27 12 Durkheim no capítulo 1 («O que é a Sociologia?»), a e ricos é mais pronunciada, como é o c aso dos Esta*
Problemas em cuidar de si póprio 1 6 ô 14 5 solidariedade social é um dos conceitos mais impor* dos Unidos.
tantes da Sociologia Para Durkheim, o tipo e o nível Na perspectiva d e Wilkinson, o fosso crescente
Mulheres de solidariedade d e uma sociedade era uma das sua s na distribuição do rendimento mina a coes ão social
Dores ou mal-estar 20 40 51 65 34 características principais. No seu estudo em torno do e torna mais difícil a gestã o dos riscos pelas pes-
Mobilidade 6 21 37 60 19 suicídio, por exemplo, o autor chegou à conclusão de soas. Um isolamento social mais elevado e a inca*
Ansiedade ou dep res são 18 24 25 30 22 que os indivíduos e os grupos bem integrados na pacidade d e lidar com o stress reflectem-se em indi-
Problemas em desempenhar a s tarefas diárias 7 17 23 40 15 sociedade apresentavam uma tendência menor para cadores de saúde. Wilkinson defende que o s facto-
Problemas em cuidar d e si póprio 2 5 9 21 6 cometer actos suicidas. res sociais - a força dos contactos sociais, os laços
Percentagem de inquiridos que declararam ter sofrido problemas com a saúde em gerai e dificuldade em cumprir as tarefas do dia-a-dia. Em diversos artigos e numa obra posterior, no interior d a s comunidades, a disponibilidade de
Fonte-. General Household Survey, Office for National Stafcstics; Continuous Household Survey, Northern Ireland Statistics and Research Unheatthy Societies: The Affíictions of inequality apoio social e um sentido de segurança - s ã o os
Agency. In Sodal Trends, 29 (1999), p 120. determinantes principais da s aúde relativa de uma
(1996), Richard Wilkinson defende que a s socieda*
d e s mais saudáveis do mundo nã o s ã o o s paí se s sociedade.
mais ricos, m a s aqueles onde o rendimento está dis- A te se de Wilkinson provocou respostas enérgi-
tribuído d e uma forma mais justa e os níveis d e inte- cas. Há quem diga que a su a obra devia ser de lei-
gração social s ã o mais elevados. Segundo o autor, tura obrigatória, para os políticos e outros decisores.
níveis elevados d e riqueza nacional não s e traduzem Concordam com a afirmação d e Wilkinson d e que
Homens Mulheres necessariamente num maior bem-estar da popula- tem sido colocada uma ênfase excessiva nas rela-
160 ção. Ao observar dad os empíricos de diferentes paí- çõ es de mercado e na marcha para a prosperidade.
Doenças coronànas s e s do mundo, Wilkinson descobriu uma relação Argumentam que est a última abordagem tem deixa-
120 clara entre a s taxas de mortalidade e os padrões d e do de lado muitos membros da sociedade; chegou o

80

Cancio do pulmão
Doenças coronárias
40
Alagues de coraçèo Cancro da mama mulheres tendem a procurar mais cuidados médicos e acidentes e episódios de violência são maiores entre
a apresentar maiores taxas de doenças autodecl aradas os homens, que possuem também maior propensão
Suicídio Cancro do putmôo Ataques de coração
— r T " (ver quadro 6.2). Nos países industrializados, as para o alcoolismo e para a toxicodependência. De
1986
1971 1976 1981 1991 "l997 1971 1976 1961 1986 1991 1996 mulheres declaram um nível de ansiedade e depres- uma forma geral, os homens têm tendência a estar
são duas vezes superior ao dos homens. Em traços doentes com menos frequência, ainda que as doenças
gerais, no que diz respeito à saúde das mulheres nos que os afligem sejam tendencialmente mais ameaça-
Figura 6.3 Taxa de mortalidade para pessoas abaixo de 65 anos, por género e causa específica de morte, no Reino
Unido, 1971-97 (taxa por 100.000 habitantes)
países desenvolvidos, estas vivem mais tempo do que doras para a saúde.
os homens, mas têm mais doenças e sofrem mais de As circunstâncias materiais parecem influenciar o
Ponte. Office for Nalional Statistics; General Register Office for Scotland: Northern treland Statistics and Research Agency. In Sociai Trenós,
situações de invalidez (Doyal, 1995). estado de saúde das mulheres, embora tal tenha sido
29 (1999), p. 132.
As causas de morte e os padrões de doença tradicionalmente um factor negligenciado. No passa-
demonstram algumas diferenças entre homens e do, muitos estudos tenderam a classificar as mulheres
mulheres (ver figura 6.3). Embora as doenças de em função da classe social do marido, promovendo
coração constituam a maior causa de morte para uma distorção da saúde feminina (ver capítulo 10,
ambos os sexos, as taxas de mortalidade associadas a «Classe, Estratificação e Desigualdade»). Alguns
153 S O C I O L O G I A DO CORPO: SAÚDE, DOE. NCA E ENVEl HE CIMENTO 15 4 SOCIOLOGIA DO CORPO: SAÚDE , DOE. NCA E EN VE l HECIMENTO

- podem levar a um aumento do nível de stress femi- parecem mais susceptíveis à acção do raquitismo do
nino, contribuindo para taxas de doença mais altas. que as de outras origens.
tempo de tomar em consideração políticas mais factos é prejudicial em termos físicos e psicológicos, Segundo Lesley Doyal, os padrões femininos de Como no caso das diferenças de saúde em termos
h uman as e socialmente mais responsáveis qu e mas algumas estratégias para lidar com o m esmo - saúde e de doença podem ser adequadamente expli- de género, têm sido avançadas explicações genéticas
apoiem os mais desfavorecidos. Outros criticam o como fumar - s ão também prejudiciais. Graham cados em função dos principais campos de activida* para padrões de doença deste tipo. Parece claro que
seu estudo do ponto d e vista metodológico e argu- defende q U $ fumar constitui um modo d e reduzir a de que constituem a vida das mulheres. De uma determinadas condições, como a anemia, são heredi-
menta m que o mesmo não mostrou a existência d e tens ã o quando o s recursos pessoais e materiais forma geral, a vida feminina é intrinsecamente dife- tárias e possuem, por isso, um carácter genético. Mas
uma relação causal clara entre a desigualdade em atingem um ponto d e exaustão. Ocupa, por isso, rente da vida dos homens em termos dos papéis e a genética possivelmente não pode por si só explicar
termos de rendimento e uma s aúd e pobre (Judge uma posição paradoxal na vida d a s mulheres - tarefas desempenhados normalmente - trabalho as amplas variações registadas na distribuição racial
1995). Segund o o s críticos, a doença podia ser cau- aumenta o s riscos de s aú de para a s mulheres e os doméstico, reprodução sexual, educação dos filhos, da doença. Estas têm de ser entendidas no contexto
s a d a por quaisquer outros factores mediadores. se us filhos, enquanto permite simultaneamente que regulação da fertilidade através de métodos contra- de influências de maior amplitude.
Est es defendem que a s conclusões de Wilkinson elas lidem com circunstâncias difíceis (Graham ceptivos, e por aí adiante. De acordo com a autora,
Alguns estudiosos voltaranvse para explicações
são no melhor d o s casos sugestivas. 1987, 1994). «os efeitos acumulados destes vários tipos de traba-
de carácter cultural e comportamental, De um modo
Enquanto Wilkinson investiga as ligações entre a Ann Oakley e o s s eu s colegas estudaram o lhos constituem as principais influências no estado de
similar ao que ocorre com as explicações culturais de
coe são social e a s a ú de a o nível de toda a socieda- papel do apoio social na s aú de de mulheres e saúde das mulheres (1995, p. 22). Assim sendo, toda
desigualdades de saúde assentes no factor classe,
de, outros sociólogos têm feito incidir a s ua atenção crianças desfavorecidas em quatro cidades ingle- e qualquer análise da saúde feminina deve tomar em
coloca-se muita ênfase nos estilos de vida individuais
sobre determinados seg mentos da população. Hea- s as. A autora defend e que a relação entre stres s e consideração a interacção entre factores sociais> psi-
e de grupo que se pensa terem como consequência
ther Graham estudou os efeitos do stress na saú de s a úde s e aplica tanto à s gran des crises da vida cológicos e biológicos.
uma saúde pior. Esses estilos de vida são vistos fre-
d a s mulheres brancas da ciass e trabalhadora e como a problemas de menor dimensão, e que é quentemente como ligados a crenças religiosas ou
revelou q ue a s mulheres com o estatuto socioeco- sentida de modo particularmente agudo n as vidas culturais, como os hábitos alimentares e culinários ou
nómico mais baixo têm um menor ac e ss o a redes de d a s p es s o as da classe trabalhadora. Oakley assi- Raça e Saúde a consanguinidade (a prática de matrimónios endogá-
apoio em tempos de crise do que a s mulheres da nala que o apoio social - como os serviços de micos ao nível dos primos segundos). Todavia, tais
classe média. A autora c ham a a atenção para o facto aconselhamento, as linhas de atendimento telefóni- explicações podem traduzir perspectivas etnocêntri-
Embora a sáude nas sociedades industrializadas obe-
de a s mulheres d a classe trabalhadora tenderem a co ou as visitas domiciliárias - p ode actuar com o cas da saúde. Ao culpar indivíduos e comunidades,
deça a padrões de raça, o nosso entendimento da rela-
confrontar-se com crises d e vida (como a perda de um "tampão 0 contra a s consequências negativas implicam que as culturas étnicas são de algum modo
ção entre saúde e raça é, no melhor dos casos, parcial.
emprego, o divórcio, a expulsão de ca sa ou a morte para a s a ú de do stress sofrido habitualmente pelas inferiores e produzem uma saúde deficiente. Há pou-
Existe um número crescente de estudos sobre raça e
d e uma criança) mais frequentemente do que outros mulheres (Oakley et aí. 1994). Outros estudos mos- cas provas de que tal suceda. Por exemplo, não se
saúde, mas as suas conclusões não possuem um carác-
grupos, mas possuírem em geral menor capacidade traram que o apoio social é um factor importante pode afirmar que as dietas "culturais" são uma causa
ter definido. Uma das dificuldades principais reside
para lidar com elas e terem menos es c apes para a que pode ajudar a s p es s o a s a ajustarem-se à da falta de saúde, na medida em que os desequilíbrios
no facto de os conceitos de raça e de etnicidade per-
sua ansiedade. Não só o stress que decorre dest es s a úde e à d oen ça (Eli 1996). nutricionais nas diéticas étnicas apenas emergem
manecerem ambíguos. Tal dificulta os processos de
recolha de dados, na medida em que não há acordo quando estas são "perturbadas" - quando é difícil
quanto às definições ou ao modo de classificação dos adquirir determinados ingredientes básicos e se têm
grupos étnicos. É necessário, por conseguinte, lidar de encontrar substitutos. Os críticos defendem que as
com precaução com os dados relativos à raça e à abordagens culturais não identificam o problema
totalidade das diferenças. Pelo contrário, o mais certo saúde. Em alguns casos, atribuíram-se tendências à principal - as desigualdades estruturais que afectam
factos são, no entanto, claros. De modo geral as
é os padrões de saúde dos homens e das mulheres raça, ignorando outros factores, como a classe e o os grupos étnicos e o racismo e discriminação com
mulheres idosas têm rendimentos mais baixos do que
resultarem de factores sociais e diferentes condições género, que também podem ser significativos. que deparam no sistema de saúde.
os homens. Esta discrepância pode traduzir-se num
acesso reduzido aos recursos que promovem a inde- materiais. Os padrões de trabalho dos homens e os Contudo, a incidência de certas doenças é mais As explicações socio-estruturais dos padrões de
pendência e facilitam a vida activa. Outra diferença seus estilos de vida podem, de uma forma geral, por elevada entre os indivíduos das Caraíbas de origem distribuição de saúde concentram-se nos contextos
reside na saúde das mães solteiras em relação aos exemplo, envolver maiores riscos do que os das africana e os asiáticos. A mortalidade decorrente do sociais em que vivem os naturais das Caraíbas de ori*
pais solteiros - de uma forma geral, as mães solteiras mulheres, o que ajuda a explicar as taxas de mortali- cancro do fígado, da tuberculose e dos diabetes é gem africana e os de proveniência asiática. Estas
têm pior saúde. dade mais elevadas derivadas de episódios de violên- muito mais elevada nestas populações do que entre os populações enfrentam múltiplas desvantagens que
Foram apontadas algumas explicações genéticas cia e acidentes. De uma forma geral, em relação aos brancos. Os africanos das Caraíbas possuem taxas de podem ser daninhas para a sua saúde. Entre elas
para explicar as diferenças na saúde de homens e homens, as mulheres são mais desfavorecidas econo- hipertensão mais elevadas. Nesta população existe encontram-se o alojamento deficente ou sobrepovoa-
mulheres. Embora seja possível que factores biológi- micamente e sofrem mais dos efeitos da pobreza. uma proporção de anemia muito mais elevada do que do, taxas elevadas de desemprego e uma enorme pro-
cos contribuam para determinadas discrepâncias ao Segundo alguns autores, os múltiplos papéis em outros grupos. As pessoas oriundas do subconti- porção de empregos precários e mal remunerados.
nível da saúde (como a resistência a doenças de cora- desempenhados pelas mulheres - trabalho doméstico, nente indiano têm uma mortalidade mais elevada A estes factores de natureza material juntam-se os
ção), não é provável que estes consigam explicar a educação dos filhos, responsabilidades profissionais devido a doenças cardíacas; as crianças asiáticas efeitos do racismo, sentido tanto de modo directo sob
155 S O C I O L O G I A DO CORPO: SAÚDE, DOE . NCA E ENVEl HECIMENTO 156 SOCIOLOGIA DO CORPO: SA ÚDE , DOE. NCA E ENVEl HECI ME NTO

a forma de violência, ameaças ou discriminação, para um fornecimento de serviços de saúde assimé- nos comuns, não havia uma autoridade externa que se sexual e da actividade sexual considerada aceitável.
como sob formas "institucionalizadas" (ver capítulo tricos é conhecida como a lei dos cuida dos inversos. preocupasse com a sua saúde, como acontece hoje Por exemplo, as «perversões» sexuais, como a
9, "Raça, Etnicidade e Migração"). com os sistemas públicos de saúde. A saúde era um homossexualidade, a masturbação ou o sexo fora do
Tem-se assinalado a presença de racismo na pres- assunto privado, não uma preocupação pública. casamento foram discriminadas e condenadas.
tação de cuidados de saúde. Os grupos étnicos podem Medicina e So c ied ade A ideia de saúde pública começou a tomar forma,
Demografia: estudar a população humana
sofrer os efeitos de um acesso desigual ou problemá- numa tentativa de erradicar «patologias» da popula-
tico aos serviços de saúde. A linguagem pode consti- A emergência d o modelo biomédic o de saúde No entanto, o aparecimento do estado-nação e a ção - o «corpo social». O Estado começou a assumir
tuir um obstáculo à informação; os profissionais dos industrialização vieram mudar drasticamente a situa- a responsabilidade pela melhoria das condições de
serviços de saúde podem não tomar em consideração Tal como muitas ideias exploradas ao longo deste ção. A emergência dos estados-nação com fronteiras vida da população. Desenvolveram-se então as redes
entendimentos culturais específicos da doença e do livro, «saúde» e «doença» são termos cultural e bem delimitadas produziu uma transformação na ati- públicas de água e de saneamento para proteger os
tratamento. O Serviço Nacional de Saúde tem sido socialmente definidos. O que se considera ser saudá* tude perante os cidadãos, que deixaram de ser sim- habitantes de doenças. As estradas foram pavimenta-
alvo de críticas por nâo exigir aos seus funcionários vel e normal varia de acordo com as culturas. Embo- plesmente os habitantes de um território para passa- das e deu-se atenção às condições de habitação.
uma maior consciência da existência de crenças cul- ra todas elas possuam concepções de saúde física e de rem a ser uma população sob a admnistração de uma Impõs-se gradualmente regulamentação específica
turais e religiosas e por dar menor atenção a doenças doença, a maior parte do que actualmente entende* autoridade central. A população humana foi vista aos matadouros e às fábricas de produtos alimentares.
que ocorrem predominantemente no seio da popula- mos por medicina é uma consequência de desenvol- como um recurso que devia ser gerido e regulado As práticas funerárias foram regulamentadas de
ção não branca. vimentos que tiveram lugar na sociedade ocidental enquanto parte do processo de maximização do poder maneira a garantir que não constituíam uma ameaça
Não há consenso no que diz respeito à relação nos últimos três séculos. Nas culturas pré-modemas a e da riqueza nacional. O Estado começou a ter um à saúde da população. Emergiu toda uma série de ins-
entre raça e desigualdades em termos de saúde. Na família constituía a principal instituição que tinha a interesse maior na saúde da sua população, na medi- tituições, como as prisões, os asilos, as casas de cor-
verdade, há ainda muita pesquisa a fazer. É, no entan- responsabilidade de lidar com a doença e o sofrimen- da e m que o bem-estar dos seus membros afectava a recção, as escolas e os hospitais, como parte do pro-
to, claro que esta problemática deve ser analisada no to. Houve sempre indivíduos que se especializaram produtividade nacional, o nível de prosperidade, as cesso de regulamentação, controlo e reforma dos
contexto dos factores mais amplos de ordem social, como curandeiros, usando uma mistura de remédios capacidades de defesa da nação e a taxa de cresci- hábitos das pessoas.
política e económica que afectam a experiência das físicos e mágicos, e muitos desses sistemas tradicio* mento. O estudo da Demografia ~ a dimensão, com-
minorias étnicas na Grã-Bretanha. nais de cura permanecem vivos nas culturas não oci- posição e dinâmica das populações humanas - passou
dentais. Um grande número desses tipos de sistemas a assumir uma maior importância. Introduz iram-se O modelo biomédico
de tratamento pertence à categoria das medicinas recenseamentos para registar e regular as mudanças
A lei d o s " c u i d a d o s i n v e r s o s " alternativas descrita no início do capítulo. As práticas médicas estavam intimamente ligadas às
sofridas pela população. Foram coligidos e calcula-
mudanças sociais acima descritas. A aplicação da
dos dados estatísticos de todo o tipo: taxa de nasci*
Já vimos de.que modo a classe social, o género e a Desde há mais ou menos dois séculos, as ideias ciência ao diagnóstico médico e aos processos de
mento, taxa de mortalidade, média de idade no casa-
raça influenciam os padrões e a experiência de saúde ocidentais dominantes acerca da medicina têm sido cura é a característica principal dos sistemas de saúde
mento e na geração de filhos, taxa de suicídio, espe-
da população. Também se podem encontrar desigual- expressas pelo modelo biomédico, descrito atrás. modernos. A doença passou a ser definida de uma
rança média de vida, dieta alimentar, doenças mais
dades regionais em termos de saúde. As desigualda- Esta concepção de saúde e doença desenvolveu-se a forma objectiva de acordo com sintomas identificá-
comuns, causas de morte, e por aí adiante.
des de saúde possuem uma dimensão espacial. par do crescimento das sociedades modernas. Na ver- veis. A prestação de cuidados médicos formais por
Na Grã-Bretanha, as principais diferenças regio- dade, pode ser vista como uma das principais carac- Michel Foucault deu um contributo influente para parte de «especialistas» treinados para o efeito tor-
nais em termos de saúde ocorrem entre o norte e o sul terísticas deste tipo de sociedades. A sua emergência o nosso entendimento do surgimento da medicina nou-se a forma aceite de tratar tanto as doenças físi-
do país. No seu conjunto, o sul dispõe de maiores esteve intimamente ligada ao triunfo da razão e da moderna, ao chamar a atenção para a acção do Esta- cas como as mentais. A medicina tornou-se um intru-
recursos e há um melhor acesso da população aos ciência sobre os modos de explicar o mundo tradicio- do em matéria de regulação e acção disciplinar sobre mento de reforma dos comportamentos e das práticas
cuidados de saúde. Contudo, em geral, o estado de nais ou de carácter religioso (ver discussão acerca de os corpos. O autor defende que a sexualidade e o entendidas como «desviantes» - do crime à homos-
saúde é influenciado pela combinação de um certo Weber e a racionalização). comportamento sexual tiveram uma importância fun- sexualidade, passando pela doença mental.
número de factores - os quais diferem de região para Antes de discutir os pressupostos em que assenta o damenta! neste processo. O sexo era, simultaneamen- O modelo biomédico de saúde assenta em três
região. O clima, a poluição, a qualidade da água, os modelo de saúde biomédico, tomemos por breves te, a forma pela qual a população se podia reproduzir pressupostos fundamentais. Em primeiro lugar, a
tipos de alojamento, os padrões de trabalho e desem- instantes em consideração o contexto social e históri- e crescer, e uma ameaça potencial à sua saúde e bem- doença é vista co mo uma ruptura do funcionamento
prego, e os níveis globais de privação variam através co onde teve a sua origem. Como já foi referido, os -estar. A sexualidade não relacionada com a reprodu- «normal» do corpo humano. At eo ri a dos germes da
do país. Estas variações reflectem-se na saúde da membros das sociedades tradicionais dependiam em ção era algo que devia ser reprimido e controlado. doe nç a, desenvolvida no final do século XIX, defen-
população. grande medida de medicamentos populares, trata- Esta regulação da sexualidade por parte do Estado de que existe sempre um determinado agente identi-
mentos e técnicas de cura que passavam de geração fazia-se em parte através da recolha de informação ficável como estando subjacente a cada doença. Para
Alguns sociólogos chamaram a atenção para o
em geração. A maior parte das vezes as doenças eram acerca do casamento, do comportamento sexual, da devolver a saúde ao corpo doente, é necessário isolar
facto de nem sempre existirem recursos adequados às
vistas numa perspectiva mágica ou religiosa, sendo filiação legítima e ilegítima, do recurso à contracep- e tratar a causa da doença.
necessidades de saúde da população. Por outras pala-
atribuídas à acção de espíritos malignos ou à punição ção e ao aborto. Esta vigilância andou a par da pro-
vras, os grupos com pior saúde vivem frequentemen- Em segundo lugar, o espírito e o corpo podem ser
por pecados cometidos. Para os camponeses e citadi- moção de normas públicas apertadas acerca da moral
te nas regiões com menores recursos. Esta tendência tratados separadamente. O doente representa um
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157 S O C I O L O G I A DO CORPO: SAÚDE, DOE . NCA E ENVEl HECIMENTO

Ouadro 6.3 Pressupostos e criticas ao modelo biomédico

Pressupostos Criticas

A doença constitui uma ruptura no funcionamento A doença é uma construção social, não algo que
do corpo humano causada por um agente biológico possa ser revelado pela "verdade científica".
específico.

O paciente é um ser passivo cujo "corpo doente" As opiniões do paciente e a experiência da doença
pode ser tratado em separado da sua mente. sã o cruciais para o tratamento. O paciente é um ser
activo e "integrar, cujo bem-estar global é impor
tante e não apenas a sua sa úde física.

O s médicos possuem um "conhecimento especiali- O s médicos não são a única fonte de conhecimen-
zado" e oferecem o único tratamento válido para a to sobre a s aúde e a doença. Há formas alternativas
doença. de conhecimento igualmente válidas.

O lugar apropriado para o tratamento é o hospital, Não é necessário que a cura tenha lugar no hospi-
onde a tecnologia médica está concentrada e é tal. O s tratamentos que utilizam tecnologia, medica-
mais bem empregue. ção e cirurgia não s ã o necessariamente superiores

campo da cirurgia e os antibióticos só passaram a Em terceiro lugar, os críticos argumentam que a


Os médicos e o «olhar médico» trazem uma formação cientifica e uma abordagem impessoal ao tra- influenciar de forma significativa as taxas de morta- medicina científica se coloca a si própria como algo
tamento da doença, por vezes para desespero do paciente. lidade nas últimas décadas. Os antibióticos usados superior a todas as outras formas alternativas de
para tratar as infecções bacterianas apareceram nos medicina ou cura. Tem sido perpetuada a ideia de que
anos trinta e quarenta do século XX, enquanto as tudo o que não é "científico» é necessariamente infe-
vacinas (contra doenças como a poliomielite) foram rior. Com o já se viu, a ideia de que a medicina
desenvolvidas mais tarde. Alguns autores que adop- moderna é de alguma maneira uma forma mais váli-
corpo doente - uma patologia - e não um indivíduo muitas vezes de uma determinada conjugação entre tam uma postura crítica, como Ivan IUich (1976), têm da de conhecimento está a ser posta em causa pela
na sua totalidade. A ênfase é colocada na cura da tecnologia, medicação ou cirurgia. sugerido que a medicina moderna tem, na realidade, popularidade crescente das formas alternativas de
doença, e não no bem-estar do indivíduo. O modelo O quadro 6.3 sintetiza os principais pressupostos e feito mais mal do que bem. Uma vez desaparecidos medicina, com o a homeopatia ou a acupunctura.
biomédico defende que o corpo doente pode ser críticas do modelo biomédico. os cuidados próprios de saúde e as formas tradicio- Em quarto lugar, alguns sociólogos têm defendido
manipulado, investigado e tratado de forma isolada, nais de cura, as pessoas passaram a estar mais depen* que a profissão médica exerce um poder imenso na
sem ter em consideração outros factores. Os especia- dentes dos médicos, em vez de se apoiarem nas suas
C rí ti cas ao mod el o biomédi co definição do que é ou não doença. Tem a possibilida-
listas médicos adoptam um «olhar médico», uma próprias capacidades e conhecimentos. de de recorrer à sua posição de juiz da «verdade cien-
abordagem distanciada na observação e tratamento Nas últimas décadas, o modelo biomédico de doença
Em segundo lugar, a medicina moderna tem sido tífica» para submeter ao controlo médico um número
do paciente. Neste sentido, o tratamento é levado a acima descrito tem sido alvo de um número cada vez
acusada de ignorar a opinião e experiências dos doen- cada vez maior de esferas da vida humana. Algumas
cabo d e uma forma neutra, coligindo-se e compilan- maior de críticas. Em primeiro lugar, alguns autores
tes que pretende curar. Em virtude de a medicina se das maiores críticas deste teor provêm de mulheres
do-se informação médica na ficha oficial do doente. têm defendido que se "exagera" a eficácia da medici-
basear supostamente em concepções objectivas e que defendem que os processos de gravidez e parto
Em terceiro lugar, os especialistas médicos com na científica. Mau grado o prestígio adquirido pela
científicas das causas e curas de determinadas malei* têm sido apropriados e «medicaiizados» pela mediei*
formação académica são considerados os únicos pro- medicina moderna, a melhoria global da saúde pode
tas físicas, não é muito sentida a necessidade de ouvir na moderna. Deixando de estar nas mãos de mulheres
fissionais com capacidade para tratar a doença. ser atribuída muito mais a mudanças sociais e
as interpretações dos próprios doentes acerca da sua - em casa, com a ajuda de parteiras - o parto tem hoje
A profissão médica enquanto corpo adere a um códi- ambientais do que à competência médica. A existên-
condição. Cada paciente é um «corpo doente» que em dia lugar em hospitais sob a direcção de médicos
go ético reconhecido e é constituída por profissionais cia de serviços de saneamento eficazes, melhor nutri-
deve ser tratado e curado. Segundo os críticos, no especialistas predominantemente do sexo masculino.
acreditados que completaram com sucesso uma for- ção, a canalização da água e melhorias na higiene
entanto, um tratamento eficaz só pode ocorrer quan» A gravidez, um fenómeno natural e comum, é tratada
mação extensa. Não há lugar para curandeiros auto- foram, de um modo geral, os factores que fizeram a
do o paciente for tratado enquanto um ser pensante e como uma «doença» repleta de riscos e perigos. As
didactas e práticas médicas «não-científicas». O hos- diferença, especialmente no que toca à redução da
capaz, que tem as suas próprias concepções e inter- feministas defendem que as mulheres perderam o
pital representa o ambiente propício para tratar as taxa de mortalidade infantil e da morte de crianças
pretações válidas. controlo deste processo, na medida em que as suas
doenças mais graves: estes tratamentos dependem (McKeown, 1979). Os fármacos, os avanços no
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160 SOCIOLOGIA DO CO RPO: SAÚDE, DOE .N CA E E NVE l HECIMENTO

Hoje em dia, nos países industrializados estas graves


doenças infecciosas tornaram-se uma causa de morte
A «medi cal izaçào da hiperactividade» menor: algumas foram substancialmente erradicadas.
Nestes países, as causas de morte mais comuns são
Na última década, o número d e prescrições médi- No entanto, o s críticos do Ritalin defendem que o actualmente doenças crónicas não-infecciosas, como
ca s do fármaco Rítalin aumentou de forma expo- medicamento est á longe d e ser a «pílula mágica» o cancro, as doenças cardíacas, a diabetes ou doenças
nencial. Nos Estados Unidos da América, qua se 3% inofensiva que multas vezes s e quer fazer crer do aparelho circulatório. Chama-se a esta transfor-
d a s crianças com idades compreendidas entre os Ainda q u e seja receitado em quantidades cada vez mação tr ans içã o na saúde. Enquanto nas sociedades
cinco e os dezoito a n o s tomam Ritalin. Em 1996, na maiores n os EUA e no Reino Unido, nã o foi levada pré-modemas as taxas elevadas de mortalidade se
Grã-Bretanha foram p as s a da s mais d e 125.000 a c abo nenhuma investigação exaustiva acerca dos verificavam entre bebés e crianças muito novas, hoje
receitas do medicamento - qua ndo em 1995 s e us hipotéticos efeitos a longo prazo sobre o corpo em dia a incidência destas mesmas taxas aumenta
haviam sido p a s s a d a s apenas 3.500. O que é o e o cérebro da s crianças. O facto talvez mais preo- com o avançar da idade. Em virtude de as pessoas
Ritalin e que têm os sociólogos a ver com o medi- cupante será a afirmação d e que o Ritalin s e tornou viverem mais tempo e sofrerem maioritariamente de
camento? O Ritalin é um fármaco receitado à s uma «solução» conveniente para algo que, efecti- doenças crónicas degenerativas, uma nova aborda-
crianças e ad olescentes com Síndroma d e Deficit vamente, nem sequer é um problema físico. O s que gem à saúde e aos cuidados de saúde torna-se neces-
de Atenção e Hiperactivkjade - uma desordem psi- s e opõem a o Ritalin alegam que o s «sintomas» do sária. Dá-se igualmente uma ênfase maior às «esco-
cológica que, segundo muitos médicos e psiquia- Síndroma d e Deficit de Atenção e Hiperactividade lhas de estilo de vida» - como fumar, fazer exercício
tras, s e manifesta pela falta d e atenção d a s crian- são, ria verdade, um reflexo da press ã o e car ga s de físico, cumprir uma dieta alimentar equilibrada - que
ças, dificuldade de concentração e incapacidade de stress crescente q u e as crianças moderna s enfren- são tidas como algo que influencia o aparecimento de
aprendizagem na escola. O Ritalin tem sido descri- tam - um ritmo de vida c ad a vez mais rápido, o efei- muitas doenças crónicas.
to como «a pílula mágica». Ajuda a s crianças a con- to estonteante d a tecnologia da informação, a feita
centrarem-se, acalma-as e ajuda a qu e aprendam d e exercício físico, dietas alimentares com um ele- Não é possível descortinar com clareza se estas
de uma forma mais eficaz. Segundo alguns profes- vado nível d e açúcar e o desgas te da vida familiar. mudanças actuais em torno dos cuidados de saúde
sores, a s crianças que a nte s eram conflituosas e Graças ao Ritalin, dizem, a profissão médica con- irão desembocar num novo «paradigma de saúde»
problemáticas na sala d e aula, assim que começa- seguiu «medicalizar» a hiperactivkjade e a falta de que substituirá o modelo biomédico, como alguns
ram a tomar o medicamento, tornaram-se alunos atenção d a s crianças, e m vez d e chamar a atenção autores têm defendido. O certo é que hoje assistimos
«angélicos». para a s c aus as sociais dos sintomas observados. a um período de reformas rápidas e importantes na
medicina moderna e nas atitudes das pessoas em rela-
Opções de vida como fumar estão cada vez mais em ção a ela. Sarah Nettleton (1995) sintetizou as princi-
causa, à medida que as pessoas vivem mais tempo e pais tendências na prestação de cuidados de saúde em
têm de lidar com as consequências nefastas dos seus
sete alterações gerais (ver figura 6.4).
opiniões e saber são considerados irrelevantes pelos prazeres anteriores.
«especialistas» que agora supervisionam os proces-
Doença .téÊÊÊÊ Saúde
sos reprodutivos (Oakley, 1984). Receios semelhan-
tes levantam-se em torno da medicalizaçâo de condi- Pers pecti vas s ociológica s s o b r e
Hospital Comunidade lhas que fazemos na vida quotidiana em termos de
ções "normais**, como sucede e m relação com a hi- a s a ú d e e a doen ça
peractividade nas crianças (ver caixa), a tristeza ou dieta alimentar, exercício físico, padrões de consumo
Aguda M 3 H HUÊÊK^- Crónica
depressões ligeiras (enfrentadas geralmente com a e estilos de vida em geral. Estes novos caminhos do Uma das principais preocupações dos sociólogos
ajuda de medicamentos como o Prozac), e o cansaço senso comum e m relação à saúde, juntamente com as consiste em analisar a experiência de doença - como
Cura Prevenção
(muitas vezes rotulado como Síndroma de Fadiga críticas à medicina científica atrás discutidas, estão a o facto de se estar doente, ter uma doença crónica ou
Crónica). contribuir para algumas transformações profundas estar incapacitado é vivido e interpretado pela pessoa
intervenção - ^S ÊÊÊ Monitorização
nos sistemas de prestação de cuidados de saúde nas doente e por aqueles que a rodeiam. Se já alguma vez
TVatamento ^ S m Cuidado sociedades modernas (ver figura 6.4). esteve doente, ainda que por um curto período de
A m ed i c i n a e a s a ú d e n u m m u n d o em m u d a n ç a No entanto, neste aspecto, outros factores são tempo, sabe que os padrões da vida quotidiana são
Paciente m t ^ Pessoa igualmente relevantes: a natureza e a escala da pró- temporariamente modificados e as suas interacções
Há uma consciência cada vez maior de que não são pria doença têm vindo a mudar. Antigamente, as com os outros transformadas. Tal acontece porque o
apenas os médicos que detêm saber e compreensão doenças principais eram doenças infecciosas como a funcionamento «normal» do corpo é uma parte vital,
Figura 6.4 Principais tendências na saúde e medicina sobre a saúde e a doença. Todos estamos em posição mas frequentemente não visível, das nossas vidas.
tuberculose, a cólera, a malária ou a poliomielite.
contemporâneas.
de interpretar e configurar o nosso bem-estar através Doenças que tomavam com frequência proporções de Esperamos que os nossos corpos funcionem correcta-
Weton.S., TheSoc&oçyofHeatthMHhêss, Poíty, 1995. do entendimento do nosso corpo, e através das esco- mente: o nosso próprio sentido de identidade pessoal
epidemia e podiam ameaçar uma população inteira.
161 S O C I O L O G I A DO CORPO: SA ÚDE, DO E. NCA E ENVEl HECIMENTO 16 2 SOCIOLOGIA DO CORPO: SAÚDE, DO E. NCA E ENVEl HECIMENTO

depende da expectativa de que os nossos corpos faci- com a ajuda dos outros - quando adoecem. O papel privilégios adicionais que sâo parte do papel de doen- estigmatização parecida - apesar do facto de, como
litarão, e não impedirão, as interacções e as activida- de doente assenta em três pilares: te podem não ser sentidos uniformemente. Freidson no caso da lepra, o perigo de transmissão da doença
des d o dia-a-dia. (1970) identificou três versões do papel de doente em situações normais do dia-a-dia ser praticamente
A doença possui dimensões pessoais e públicas. 1 A pessoa doente não é pessoalmente responsável que correspondem a diferentes tipos e graus de doen- nulo. Contudo, os estigmas raramente se baseiam em
Quando adoecemos, não só nós sentimos dor, mal- por estar doente. A doença é vista como o resulta- ça. O papel de doente condicional aplica-se a indiví- concepções válidas, nascendo de estereótipos ou per-
•estar, confusão e outras maleitas, como também os do de causas físicas que estão para além do con- duos que sofrem de um estado de doença temporário, cepções que podem ser falsas, ou só parcialmente
outros se vêm afectados. As pessoas muito próximas trolo do indivíduo. O desencadear da doença não do qual podem recuperar. Espera-se que a pessoa verdadeiras.
de nós podem mostrar compaixão, preocupação e está relacionado com as acções ou o comporta* doente «fique melhor», e ela recebe alguns direitos e
privilégios em função da gravidade da doença. Por Avaliação
apoio. Podem esforçar-se por encarar o facto de estar- mento do indivíduo.
mos doentes ou arranjar maneira de o incorporar nos 2 São concedidos certos direitos e privilégios à pes- exemplo, alguém que tenha uma bronquite terá direi- O modelo do papel de doente foi de uma grande
padrões das suas próprias vidas. Outras pessoas com soa doente, que incluem o cancelamento das suas to a maiores benefícios do que alguém com uma sim- importância teórica, revelando claramente a forma
quem entramos em contacto podem igualmente reagir responsabilidades habituais. Dado a pessoa doen- ples constipação. O papel de doente legitimado in- como a pessoa doente é parte integrante de um con-
à doença: essas reacções, por sua vez, ajudam a confi- te não ser responsável pela doença, fica isenta de condicionalmente diz respeito a indivíduos que texto social mais abrangente. Mas pode ser objecto
gurar as nossas próprias interpretações e podem cons- determinadas tarefas, papéis e comportamentos sofrem de doenças incuráveis. Dado a pessoa doente igualmente de um certo número de criticas. Alguns
tituir desafios ao nosso sentido de identidade pessoal. pelos quais seria normalmente responsável. Por nada poder fazer para recuperar a saúde, ela tem autores defendem que a «fórmula» do papel de doen-
exemplo, pode "libertar-se" a pessoa doente do automaticamente direito a desempenhar o papel de te não tem capacidade para capturar a experiência da
Duas formas de entender a experiência da doença
cumprimento das tarefas domésticas habituais. doente. O papel legitimado incondicionalmente pode doença. Outros assinalam que o modelo não é de
têm sido particularmente influentes no pensamento
Pode desculpar-se um comportamento menos edu* aplicar-se a indivíduos que sofrem de alopecia (queda aplicação universal. A teoria do papel de doente não
sociológico. A primeira, associada à escola funciona-
cado e atencioso do que o habitual. A pessoa total de cabelo) ou de grave ataque de acne (em se aplica, por exemplo, quando o médico e o pacien-
lista, debruça-se sobre as normas de comportamento
doente ganha o direito de ficar na cama, por ambos os casos não há direito a privilégios especiais, te discordam acerca do diagnóstico ou têm interesses
que se pensa que os indivíduos adoptam quando
exemplo, ou de faltar ao emprego. antes o reconhecimento de o indivíduo não ser res- opostos. Também não consegue explicar aquelas
doentes. A segunda perspectiva, favorecida pelos
ponsável pela doença), ou de cancro e doença de Par- «doenças» que não conduzem a uma suspensão das
interaccionistas simbólicos, é uma tentativa mais 3 A pessoa doente deve esforçar-se por recuperar a kinson - que acarretam importantes privilégios e o actividades normais, como a gravidez, o alcoolismo,
vasta de revelar as interpretações atribuídas à doença saúde, recorrendo à consulta de um médico e direito a abandonar muitas ou a maior parte das obri- determinados estados de incapacidade ou algumas
e a forma como esses significados influenciam as aceitando assumir-se como «pacienteO papel gações. O último papel de doente é o papel ilegítimo* doenças crónicas. Além do mais, assumir o papel de
acções e comportamentos das pessoas. de doente é de natureza temporária e «condicio- obtido quando alguém sofre de uma doença ou pro- doente não é sempre um processo linear. Alguns indi-
nal». dependendo do facto de a pessoa doente pro- blema de saúde estigmatizado pelos outros. Nestes víduos - com o Jan Mason, cujo caso foi discutido no
curar activamente recuperar a saúde. De maneira casos, há a noção de que o indivíduo pode de alguma
O p a p e l de* d o e n t e início do capítulo - sofrem durante anos de dor cró-
a poder desempenhar este papel, a pessoa doente forma ser responsável pela doença: direitos e privilé- nica ou de sintomas que são repetidas vezes mal diag-
O proeminente pensador funcionalista Talcott Par- tem de obter a concordância de um médico, que gios adicionais não são necessariamente atribuídos. nosticados. Até obterem um diagnóstico claro do seu
sons avançou a noção do papei de doente para des- legitima as queixas de doença da pessoa. A con- A SIDA é talvez o melhor exemplo de uma doença problema de saúde, é-lhes negado o papel de doente.
crever os padrões de comportamento que a pessoa firmação do estado de doença por via da opinião estigmatizada que afecta o direito do doente a assu- Noutros casos, factores sociais como a raça, a classe
doente adopta para minimizar o impacto desorgani- de um especialista permite que aqueles que mir o papel de doente. social ou o género podem afectar quando, e com que
zador da doença (Parsons, 1952). A corrente funcio- rodeiam a pessoa doente aceitem a validade das
prontidão, o papel de doente é atribuído. Este não
nalista defende que as sociedades operam geralmen- suas queixas. Espera«se do paciente que este coo- Um estigma é qualquer característica que distinga pode ser separado das influências sociais, culturais
te de forma tranquila e consensual. A doença é vista, pere na sua recuperação seguindo as «ordens do um indivíduo ou grupo da maioria da população, o ou económicas que o rodeiam.
portanto, como uma disfunção que pode alterar radi» médico». Uma pessoa doente que se recuse a con- que faz com que o indivíduo ou grupo sejam tratados
calmente o curso deste estado normal de ser. Um sultar um médico, ou que não preste a devida com suspeição ou hostilidade. Como já vimos, a As realidades da vida e da doença sâo mais com-
indivíduo doente, por exemplo, pode não ser capaz de atenção às indicações da autoridade médica, colo- maior parte das formas de doença originam senti» plexas do que o papel de doente parece sugerir.
assumir todas as suas responsabilidades quotidianas ca o seu estatuto de pessoa doente em risco. mentos de pena ou de compaixão entre as pessoas A ênfase crescente nos estilos de vida e saúde na era
ou estar menos apto ou eficiente do que o normal. Em saudáveis e a pessoa doente recebe «privilégios» moderna traduz-se numa concepção que atribui às
virtude de as pessoas doentes não serem capazes de especiais. Contudo, quando uma doença é vista como pessoas uma responsabilidade cada vez maior sobre o
O "papel de doente" de Parsons foi sujeito a refina-
desempenhar os seus papéis habituais, a vida das pes- especialmente infecciosa, ou é percebida como um seu próprio bem-estar. Tal está em contradição com a
mento por parte de outros sociólogos, que defendem
soas que as rodeiam entra em ruptura: as tarefas labo- sinal de vergonha ou de desonra, as pessoas que primeira premissa do papel de doente, a de que o
que, no que toca ao papel de doente, nem todas as
rais ficam por concluir e são uma fonte de stress para sofrem dela podem ser rejeitadas pela população indivíduo não é culpado da sua doença. Além do
doenças são iguais. Segundo estes autores, a expe-
os colegas de trabalho, as responsabilidades domésti- «saudável». Isto aplica-se aos leprosos da Idade mais, nas sociedades modernas o lugar de destaque
riência do papel de doente varia e m função do tipo de
cas nao são desempenhadas, e por aí adiante. Média, que eram renegados e forçados a viver em passou das doenças infecciosas agudas para as doen-
doença, pois as reacções das pessoas a uma pessoa
doente são influenciadas pela gravidade da doença e colónias isoladas. De uma forma não tão extrema, a ças crónicas, o que tornou o papel de doente menos
Segundo Parsons, as pessoas aprendem o papel de
pela sua percepção desse facto. Assim, os direitos e SIDA provoca frequentemente, hoje em dia, uma aplicável. Embora este possa revelar-se útil para
doente através da socialização e desempenham-no -
163 S O C I O L O G I A DO CORPO: SAÚDE, DOE.NCA E ENV E l HECIMENTO 16 4 SOCIOLOGIA DO CORPO: SAÚDE, DOE. NCA E E NV El HECIMENTO

entender melhor doenças agudas, no caso de doenças podem ter efeitos imprevisíveis sobre o corpo, tal
crónicas a sua utilidade é menor: não há uma fórmu- como uma perda súbita de controlo sobre o intestino
la única para as pessoas com uma incapacidade ou ou a bexiga, ou náuseas violentas. Os indivíduos que
doença crónica seguirem. Viver com a doença é expe- sofrem tais males desenvolvem, frequentemente,
rienciado e interpretado de inúmeras maneiras pelas estratégias para melhor lidar com a sua doença na
pessoas doentes - e por aqueles que as rodeiam. vida quotidiana. Estas estratégias incluem tanto con-
Abordaremos agora algumas das formas pelas siderações práticas - como, quando num lugar desco-
quais os sociólogos da escola do Interaccionismo nhecido, procurar descobrir sempre a localização da
Simbólico tentaram compreender a experiência da casa-de-banho - bem como aptidões para gerir as
doença. relações interpessoais, sejam íntimas ou banais.
Embora os sintomas da doença possam ser embara-
çosos e desorganizadores, as pessoas desenvolvem
A d o e n ç a c o m o « e x p e r i ê n c i a vi v i da » estratégias de adaptação, de modo a levar uma vida
Os interaccionistas simbólicos estão interessados nas tão normal quanto possível (M. P. Kelly, 1992).
formas pelas quais as pessoas interpretam o mundo Ao mesmo tempo, a experiência da doença pode
social e os significados que lhe atribuem. Muitos transformar ou pôr em causa a noção de identidade
sociólogos aplicaram esta abordagem ao campo da pessoal das pessoas. Isto passa-se tanto por via das
saúde e da doença de modo a perceber a forma como reacções reais dos outros face à doença, quer através
as pessoas passam pela experiência da doença ou de reacções imaginadas. Para os doentes crónicos ou
concebem a doença dos outros. Como é que as pes- em estado de invalidez, as interacções sociais que
soas reagem e se ajustam quando recebem a notícia muita gente considera banais tomam-se algo repleto
que sofrem de uma doença grave? Como é que a de riscos e de incertezas. Os entendimentos partilha-
doença molda a vida quotidiana das pessoas? De que dos que estão na base das interacções quotidianas
forma viver com uma doença crónica afecta a noção comuns nem sempre estão presentes quando está em
de identidade pessoal de um indivíduo? causa a doença e a incapacidade, e as interpretações
Já vimos que os padrões de doença têm vindo a das situações banais podem ser muito diferentes.
mudar nas sociedades modernas. Neste tipo de socie- Uma pessoa doente pode necessitar de apoio, mas
dades, as pessoas vivem agora mais e sofrem de nâo querer parecer dependente, por exemplo. Um
doenças crónicas na última fase da vida, e já não mor- indivíduo pode sentir comiseração por alguém a
rem de doenças agudas e infecciosas como se passa- quem foi diagnosticada uma doença, mas hesitar em
tão da vida quotidiana - manter o relacionamento que também viver mais tempo com a doença e o
va antigamente. A medicina tem capacidade para ali- falar abertamente da questão. Esta mudança no con-
com os outros, continuar com as tarefas domésticas e sofrimento.
viar a dor e o mal-estar associado a alguns destes texto das interacções sociais pode provocar transfor-
lutar por interesses profissionais ou pessoais. O tra-
estados de saúde, ainda que um número cada vez mações na identidade pessoal.
balho biográfico envolve aquelas actividades que a
maior de pessoas se confronte com a possibilidade de S a ú d e e envelhecimento
Alguns sociólogos investigaram a forma como os pessoa doente pratica como parte do esforço de cons-
viver com a doença durante um longo período de indivíduos com uma doença crónica conciliam as truir ou reconstruir a sua narrativa pessoal. Por outras Vivemos numa sociedade em envelhecimento, onde a
tempo. Os sociólogos estão interessados em saber de suas doenças com o contexto gera} das suas vidas palavras, é o processo de incorporação da doença na proporção de pessoas com idade superior a sessenta e
que forma, nesses casos, a doença é incorporada na (Jobling, 1988; Williams, 1993). A doença pode con- vida do indivíduo, conferindo*lhe significado e cinco anos está a aumentar de forma sustentada. Ao
«biografia» pessoal do indivíduo. sumir muitíssimo tempo, energia, força e reservas desenvolvendo formas que permitam explicá-la aos mesmo tempo, a questão da importância social do
Um outro tema explorado pelos sociólogos é o da emocionais da pessoa. Corbin e Strauss (1985) estu- outros. Este processo pode ajudar as pessoas a devol- envelhecimento é uma das que possuem um alcance
forma como os doentes crónicos aprendem a lidar daram os regimes de saúde que pessoas com doenças ver sentido e ordem às suas vidas, depois de aceita- maior. Aquilo em que consiste a terceira idade - as
com as implicações práticas e emocionais da sua crónicas desenvolvem de modo a organizarem as rem o facto de viver com uma doença crónica. oportunidades que proporciona e os fardos que impli-
doença. Certas doenças exigem a prestação regular suas vidas quotidianas. Os autores identificaram três O trabalho dos interaccionistas simbólicos em ca - está de facto a mudar drasticamente. A geronto-
de cuidados de saúde ou uma atenção permanente, o tipos de «trabalho» incluídos nas estratégias quoti» torno da experiência da doença crónica é uma das logia, o estudo do envelhecimento e dos idosos, trata
que pode afectar o dia-a-dia normal das pessoas. dianas das pessoas. Por trabalho de doença enten- dimensões mais importantes da Sociologia do Corpo. não só dos processos físicos associados ao envelheci*
A hemodiálise, as injecções de insulina ou ter de dem* se as actividades que dizem respeito à forma Como veremos na parte final do capítulo, vivemos mento, mas também dos factores sociais e culturais
tomar um grande número de comprimidos, por exem- como lidam com o seu estado de saúde, como tratar a hoje mais que nunca numa sociedade onde as pessoas relacionados com o mesmo.
plo, obriga os indivíduos em causa a ter que ajustar dor, fazer exames de diagnóstico, ou submeter-se a vivem mais tempo e levam vidas mais activas na fase Estão em causa aqui dois processos francamente
os horários em função da doença. Outras doenças terapias. O trabalho do quotidiano diz respeito à ges- finai da vida, ainda que em alguns casos tal signifi- contraditórios. Por um lado, os idosos nas sociedades
165 S O C I O L O G I A DO CORPO: SAÚDE, DOE . NCA E ENV E l HECIMENTO 166 SOCIOLOGIA DO CORPO: SAÚDE, DOE.NCA E ENVEl HECIMENTO

do. Em média, as pessoas vivem até muito mais tarde


1901 65+ do que acontecia há um século atrás, como resultado s« IM S
ll 1' 5 dos avanços na nutrição, na higiene e nos cuidados de
saúde.
90 Em compilação, a soma tf»
Ao analisar as mudanças registadas nas estatísticas tfaspaaa pútfca 4o» pabat
do Q-? am M m , aòuca-
demográficas, alguns sociólogos e especialistas em çéo • inveeigaçâo â deaen-
gerontologia referem-se ao «agrisalhamento» da i vdvímanto ara S.1% 4o P S
em 1999
população (ver figura 6.5). Na Grã-Bretanha de 1850,
a proporção da população com mais de 65 anos era
cerca de 5%. Actualmente, o número é de mais de
15%, e continuará a crescer. A idade média da popu-
lação britânica tem aumentado desde há mais de 150
anos. Em 1800, a média das idades era provavelmen- 8 t5
te 16. No início do século XX, aumentara já para os
-r y/ít
T 7
23 anos. Em 1970, era de 28, e hoje em dia já ultra-
$
6 10 12 passa os 30. A idade média da população irá conti-
I
MHhões nuar a aumentar durante algum tempo, caso não ocor-
ram mudanças significativas nas tendências demo-
Figura A população Idosa no Reino Unido, 1901-2051 gráficas actuais. É provável que possa atingir os 37
Fonte: OPCS, in Socto/ogyflevtetv,Ô.2 (Novembro 1996). no ano 2030.
A Grã-Bretanha não é a única sociedade a passar
por um processo de «agrisalhamento». Quase todos i « 8 te® m m i « tteo t « i9«7
fiança ftUttlWdp EUK
modernas tendem a ter um estatuto inferior e menos os países desenvolvidos assistirão nas próximas
poder do que era costume nas culturas pré-modenias. décadas ao envelhecimento das suas populações.
Nestas, tal como nas sociedades não ocidentais da Peter Peterson descreveu esta transformação como
Figura 6.6 Despesa pública com as pensões e os t>ene- Figura 6.7 Diferenças na percentagem dos idosos a
actualidade (como a índia ou a China), acreditava-se Gray Dawn («alvorada grisalha») (1999). Actual- fícíos de saúde", em sete países diferentes, em 1995 e residir com os filhos, em quatro países diferentes e duas
que a velhice trazia sabedoria, e em qualquer comu- mente, no mundo desenvolvido, uma em cada sete estimativas para 2030. alturas históricas.
nidade os mais idosos eram aqueles que tomavam a pessoas tem mais de sessenta e cinco anos. Dentro de Fonte. OCDE, censos; cálculos do autor, m Peterson, P. G. - Gray Fonte: OCDE. in Peterson, & G. - Cray Oawn, fíandom House.
maior parte das decisões principais. Hoje em dia, o trinta anos, a proporção será de um para quatro. Em Oawn, fíandom House, 1999» p. 69. 1999, p-153.
avançar da idade implica normalmente o oposto. 2030, a percentagem de pessoas com mais de sessen-
Numa sociedade como a nossa, em processo constan- ta e cinco anos irá variar de 33% na Austrália até
te de mudança, o saber acumulado das pessoas mais quase 50% na Alemanha. O número de «velhos
velhas deixou em grande medida de ser considerado velhos» (aqueles com mais de oitenta e cinco anos) vida significa que as pensões de reforma terão de ser as mulheres (dos sessenta da actualidade para os ses-
pelos mais novos como uma reserva valiosa de sabe- está a crescer de forma mais rápida do que o dos pagas por mais tempo do que acontece hoje em dia senta e cinco) c omo para os homens (dos sessenta e
doria, passando apenas a ser visto como algo desac- «velhos novos». No decorrer do próximo meio sécu- (ver figuras 6.6 e 6.7). cinco para os setenta anos), de maneira a compensar
tualizado. lo, o número de pessoas com mais de oitenta e cinco Os programas que sustentam os idosos são, no o aumento na longevidade.
Por outro lado, as pessoas idosas estão hoje em dia anos multiplicar-se-á por seis. Chama-se por vezes entanto, financiados pela população activa. À medida
muito menos predispostas a aceitar o envelhecimento «envelhecimento dos idosos» a este processo. que o rácio de dependência da terceira idade for
O s e f e i t o s f ís ico s d o e n v e l h e c i m e n t o
como um processo inevitável de decadência do Esta mudança significativa na distribuição etária aumentando, crescerá a pressão sobre os recursos dis-
corpo. Podemos, mais uma vez, identificar o impacto da população coloca desafios específicos à Grâ-Bre- poníveis. De acordo com projecções demográficas, A velhice, por si só, não pode ser identificada com a
da socialização da natureza. O processo de envelhe- tanha e a muitos outros países industrializados. Uma os governos, os gnipos de interesse e os decisores doença ou a incapacidade, embora o avanço da idade
cimento era antigamente aceite de uma forma global forma de os entender consiste em pensar em termos políticos serão forçados a precaver o futuro e a tenda a causar problemas crescentes de saúde. Só nos
como uma manifestação inevitável da destruição de rácio de dependência - a relação entre, por um fomentar propostas que salvaguardem as necessida- últimos vinte anos é que os biólogos têm tentado de
operada pelo tempo, mas hoje em dia é visto cada vez lado, o número de crianças e aposentados, e, por des de uma poplução em mudança. Por exemplo, as uma forma sistemática distinguir os efeitos físicos do
menos como uma coisa estritamente «natural»; os outro, o número das pessoas em idade activa. À me- associações de pensionistas avisaram recentemente envelhecimento dos traços associados às doenças.
avanços na medicina e no campo da nutrição mostra- dida que a população idosa continuar a crescer no que o actua] esquema de pagamento de pensões de Conhecer com exactidão o grau de «desgaste» do
ram que muito do que antes era considerado inevitá- século XIX, aumentará a procura de serviços sociais reforma não é viável indefinidamente. Apelaram para corpo provocado pela idade é algo problemático.
vel no envelhecimento pode ser contrariado ou adia- e dos sistemas de saúde. O aumento da esperança de um aumento da idade mínima de reforma, tanto para Além disso, é difícil destrinçar as perdas sociais e
SOCIOLOGIA DO CORPO. SAÚDE. DOLNÇA E ENVELHECIMENTO 167 SOCIOLOGIA DO CORPO. SAÚDE. DOLNÇA E E N V E L H E C I M E N T O 168

económicas dos efeitos da deterioração física. A mor- diz respeito aos recursos materiais e ao acesso a exclusivamente em pessoas com idade activa. Um sibilidade de tomarem conta de si próprias é mais
te de familiares e amigos, a separação dos filhos que apoio emocional e a cuidados de saúde. Estas dife- inquérito recente realizado aos estilos de vida de seriamente posta em causa.
vão viver para longe, a perda do emprego, tudo isto renças podem influenciar as hipóteses de os idosos 1.317 idosos britânicos, promovido pela Universida- Grupos activistas começaram também a combater
pode ter consequências físicas. manterem a sua autonomia e o seu bem-estar geral. de de Kent (Milne et ai-, 1999), encontrou indícios da a discriminação etária - pessoas que são discrimina-
Contudo, de um modo geral, o resultado das inves- A classe social, o género e a raça constituem existência de dois «mundos» diferente. Num dos das devido à sua idade - procurando fomentar uma
tigações demonstra que uma saúde precária e o avan- influências importantes na experiência do envelheci* mundos, composto por indivíduos a viver os primei- opinião positiva sobre a velhice e os idosos. A discri-
ço da idade não são de maneira nenhuma sinónimos. mento. Por exemplo, o envelhecimento é um fenó- ros anos de reforma, a habitar numa casa juntamente minação etária é uma ideologia como o racismo ou a
Muitas pessoas com mais de 65 anos dizem possuir meno de género. As mulheres tendem a viver duran- com outras pessoas e a receber uma pensão de refor- discriminação sexual. Existem muitos estereótipos
uma saúde quase perfeita. te mais tempo do que os homens, fazendo da terceira ma, constata-se um estilo de vida razoavelmente con- falsos sobre os idosos, tal como em outros tipos de
O envelhecimento do corpo é afectado por idade uma idade altamente «feminina». Os últimos fortável. No segundo mundo, composto por pessoas discriminação. PorexempIo>juIga-se frequentemente
influências sociais mas, como é óbvio, é também anos de vida são fortemente influenciados pelas com mais de oitenta e cinco anos de idade, a viver que a maioria das pessoas com mais de sessenta e
ditado por factores genéticos. De uma maneira geral, experiências tidas em fases anteriores. Devido às sozinhas e com poupanças reduzidas, constata-se um cinco anos está em hospitais ou em lares, ou que uma
os biólogos aceitam que o ser humano tem uma dura- suas responsabilidades domésticas e de criação dos nível agudo de pobreza, Este estudo revelou que proporção elevada dessas pessoas é senil, ou até que
ção máxima de vida ditada geneticamente - julga-se filhos, as mulheres de uma forma geral participam metade da população idosa com oitenta anos ou mais os trabalhadores mais velhos são menos competentes
que ande por volta dos 120 anos. Tal como o de todos menos do que os homens no trabalho remunerado, vive com 80 libras por semana ou ainda menos. As do que os mais novos. Todas estas crenças sâo erró-
os animais, o corpo humano está geneticamente pro- recebendo igualmente salários mais baixos. Factores preocupações de dinheiro constituíam o segundo neos. A produtividade e a assiduidade dos trabalhado-
gramado para morrer. como estes têm um efeito muito considerável na receio manifestado pelos entrevistados, a seguir às res com mais de sessenta e cinco anos são superiores
Mas quanto tempo levará até à morte? Se os gene- situação material das mulheres idosas, especialmente complicações de saúde. em média às dos grupos etários mais novos. Noventa
ticistas descobrissem uma forma de controlar o enve- se o suporte financeiro provir de esquemas públicos e cinco por cento das pessoas com mais de sessenta e
lhecimento e a morte, seria um dos mais significati- ou privados de pagamento de pensões. Estudos reali- cinco anos vive em residências particulares, e apenas
zados revelam que as mulheres idosas têm um rendi- cerca de 7% dos que têm entre 65 e 85 anos apresen-
vos e importantes aspectos da socialização da nature- Conclus ão : o fut uro d o envelhecimento
za. Os cientistas demonstraram já que células enve- mento pessoa] mais baixo do que os homens, estando tam sintomas pronunciados de senilidade.
lhecidas de animais podem ser manipuladas de também em desigualdade em relação a outros recur-
Numa sociedade que valoriza a juventude, a vitalida- No seu livro, Life After Work: The Arrival of the
maneira a agirem como células novas. Ronald Klatz, sos como a habitação ou o carro. Esta discrepância
de e a aparência física, os idosos tendem a tomar-se Ageless Society, Michael Young e Tom Schuiler
presidente da Associação Americana da Medicina quanto à posse de carro parece ser uma questão de
invisíveis. Não obstante, assistiu-se nos últimos anos (1991) defendem que a idade se tornou um mecanis-
contra o Envelhecimento, afirmou: «Acredito que somenos, mas pode traduzir-se numa restrição signi-
a um certo número de mudanças nas atitudes face à mo opressivo para confinar as pessoas a papéis fixos
assistiremos.a esperanças de vida muito maiores, tal- ficativa da mobilidade geral das mulheres e do seu
velhice. Os idosos provavelmente nunca recuperarão e estereotipados. Muitos idosos estão, porém, a revol-
vez ainda no decurso das nossas vidas. As novas tec- acesso a cuidados de saúde, compras e contacto com
a autoridade e o prestígio que costumavam ser atri- tar-se contra este tratamento e a explorar novas acti-
nologias estão já à nossa disposição, mas precisam de os outros. Com o avanço da idade, as mulheres
buídos aos «mais velhos» da comunidade nas socie- vidades e novos modos de realização pessoal. Eles
ser desenvolvidas. É necessário começar a preparar sofrem mais que os homens de situações de incapaci*
dades antigas. No entanto, à medida que se tornaram contestam aquilo a que Young e Schuiler chamam a
uma sociedade sem idade. O envelhecimento é uma dade. Isto significa que requerem uma maior assis-
uma parcela cada vez maior da população, os idosos «sociedade fechada pela idade».
doença que pode ser tratada» (citado em Kelsey, tência e apoio para desempenhar tarefas quotidianas
adquiriram uma maior influência política. Tornaram- Nas sociedades modernas, os jovens e os velhos
1996, p. 2). e rotinas de cuidados pessoais, como tomar banho e
-se já um importante grupo de pressão política. são classificados de acordo com a idade, e não segun-
entrar e sair da cama. Aproximadamente metade das
mulheres idosas na Grã-Bretanha vive sozinha, em Os últimos anos de vida sâo vistos por muita gente do as suas características, iniciativas e identidades.
comparação com apenas 20% dos homens idosos na cada vez com mais frequência como um tempo de Segundo estes dois autores, os dois grupos deveriam
Pr ob le ma s d o envelhecimento
mesma situação. Verificam-se, portanto, determina* grande importância e mesmo de comemoração. É um aliar-se, de maneira a libertar-se dessas categorias e a
Embora seja um processo que abre novas possibilida- das implicações de género nos padrões de cuidados a tempo de reflexão acerca dos feitos de uma vida, mas criar uma sociedade sem idade. Poderiam ter um
des, o envelhecimento é também acompanhado por serem prestados à população idosa. que permite também que os indivíduos continuem a papel pioneiro não só no que se prende com as suas
um conjunto de novos desafios. À medida que as pes* crescer, a aprender e a explorar. Os anos que com- próprias posições sociais, mas também no que diz
soas envelhecem, enfrentam uma combinação de pro- De um modo geral, os idosos tendem a ser mate- preendem o período em que as pessoas estão libertas respeito à maioria da população trabalhadora.
blemas físicos, emocionais e materiais com que pode rialmente desfavorecidos em comparação com outros das responsabilidades parentais e do mercado de tra- Young e Schuiler defendem que os jovens e os
ser difícil lidar. Uma das principais preocupações das segmentos da população. A reforma traduz-se numa balho é muitas vezes designado como terceira idade. idosos podiam ajudar a afastar a sociedade moderna
pessoas idosas é manter a independência, liberdade diminuição dos rendimentos, o que pode causar uma Nesta altura da vida, que é hoje em dia um período das garras do consumismo. Citando Virginia Woolf,
de movimentos e a possibilidade de participar de importante redução nos padrões de vida das pessoas mais longo do que nunca, os indivíduos s io livres de afirmam que um número cada vez maior de pessoas
forma plena no mundo social. Mas, como seria de idosas. Os sociólogos mostraram que os padrões de levar uma vida activa e independente - viajar, pros- poderia ser libertado do fardo do trabalho, de «ter de
esperar, o envelhecimento não é um fenómeno que desigualdade registados em fases de vida anteriores seguir a formação académica ou desenvolver novas estar sempre a fazer trabalhos de que não se gosta, e
seja sentido de forma uniforme pelas pessoas. Verifi- tendem a manter-se na velhice, embora muitos estu- aptidões. Por quarta idade entende-se, então, os anos fazendo-o com o um escravo, rastejando e bajulan-
cam-se enormes disparidades entre os idosos no que dos sobre a pobreza e a classe social se centrem de vida em que a independência das pessoas e a pos- do». As pessoas poderiam desenvolver as suas pró-
SOCIOLOGIA DO CORPO. SAÚDE. DOLNÇA E ENVELHECIMENTO 169 SOCIOLOGIA DO CORPO. SAÚDE. DOLNÇA E E N V E L H E C I M E N T O 170

prias qualidades e interesses particulares, como o fez «pequeno, mas caro à sua possuidora», iria «extin- possuir uma doença crónica ou incapacitante. A ideia do papel de doente, intro-
Virgínia Woolf de uma forma espectacular. De outro gui r-se e, com ele, eu e o meu espírito (,..) como o duzida por Talcott Parsons, sugere que uma pessoa doente adopta determinadas
modo, pensava que o seu talento para escrever. bolor que consome a frescura da Primavera». formas de comportamento com o objectivo de minimizar os impactos desorgani-
zadores da doença. São atribuídos alguns privilégios concretos a um indivíduo
doente, tais como o direito a não cumprir com as responsabilidades do quotidia-
no, embora este seja, por sua vez, obrigado a procurar activamente a recupera-
1 O campo da Sociologia do corpo centra-se na forma como os nossos corpos são ção da saúde, aceitando submeter-se às instruções do médico.
afectados por influências sociais. As forças ambientais e sociais ajudam a confi- 7 Os interaccionistas simbólicos levaram a cabo investigações em tomo da forma
gurar os padrões de saúde e de doença, tal como se pode constatar pelo facto de como as pessoas lidam com os problemas de saúde e as doenças crónicas no quo-
determinados grupos de pessoas tenderem a gozar de uma saúde melhor do que tidiano das suas vidas. A experiência da doença pode provocar mudanças ao
outros. nível da noção de identidade pessoal de um indivíduo e nas suas rotinas diárias.
2 Investigações sociológicas revelaram uma estreita relação entre a doença e as Em muitas sociedades esta dimensão da Sociologia do Corpo afirma-se como um
desigualdades. Nos países industrializados, os grupos mais pobres têm uma espe- campo cada vez mais relevante: as pessoas vivem hoje em dia durante muito
rança média de vida mais reduzida e estão mais expostos à doença do que os mais tempo e tendem a sofrer mais com situações crónicas debilitantes do que
estratos sociais mais privilegiados. Os países ricos apresentam igualmente espe- com doenças agudas.
ranças médias de vida mais elevadas do que os países mais pobres. Algumas pes*
8 Uma outra área importante da Sociologia do Corpo é a Gerontologia - o estudo
soas acreditam que as desigualdades d e saúde em função da classe social podem
do envelhecimento e da população idosa. A Gerontologia tem como objecto não
ser explicadas por factores culturais e comportamentais, como a dieta alimentar
apenas os efeitos físicos do envelhecimento mas também os factores sociais e
ou os estilos de vida. Outras enfatizam a importância das influências estruturais,
culturais que influenciam este processo.
como o desemprego, deficientes condições de habitação e más condições de tra*
9 A maioria dos países industrializados estão a passar por um fenómeno de «agri-
balho.
salhamento» da população. A percentagem de cidadãos com mais de sessenta e
3 Os padrões de saúde e de doença têm igualmente dimensões raciais e de género. cinco anos está a aumentar de forma progressiva e continuará a crescer assim
De uma forma geral, as mulheres vivem durante mais tempo do que os homens durante as próximas décadas. As sociedades estão perante novos desafios, à
em quase todos os países do mundo, embora estas sofram uma maior incidência medida que o rácio de dependência da população idosa continuar a aumentar.
de doenças do que os homens. Algumas doenças são mais comuns entre deter- Este rácio mede a relação entre o número de reformados e as pessoas em idade
minados grupos étnicos minoritários do que entre a generalidade da população activa. À medida que a população idosa aumenta, crescem também as exigências
branca. Foram já avançadas explicações de ordem genética para explicar as dife- sobre os serviços de segurança social, o regime de pensões e os sistemas de pres-
renças raciais e de género em relação à saúde, embora estas não possam, por si tação de cuidados de saúde, enquanto se verifica existir cada vez menos gente
só, fornecer uma explicação para as desigualdade. Embora possa haver uma base nos trabalhos remunerados que financiam estes serviços.
biológica em determinados problemas de saúde, os padrões gerais de saúde e de
10 O envelhecimento oferece a muitas pessoas a possibilidade de se libertazem das
doença devem tomar em consideração factores sociais e disparidades entre os
obrigações do trabalho. Contudo, acarreta também problemas psicológicos,
grupos quanto às condições materiais.
sociais e económicos aos indivíduos (e frequentemente ao agregado familiar).
4 A medicina ocidental baseia-se no modelo biomédico de saúde - a crença que Para a maioria das pessoas a reforma é uma transição crucial que se traduz nor-
postula que a doença pode ser definida em termos objectivos e que se pode malmente numa perda de estatuto. Pode implicar solidão e desorientação, pois as
devolver a saúde ao corpo doente através de tratamentos médicos de base cien- pessoas têm de reestruturar grande parte das suas actividades quotidianas.
tífica. O modelo biomédico de saúde surgiu a par d o surgimento das sociedades 11 Nos últimos anos, os idosos, que hoje constituem uma grande parte da população
modernas, estando relacionado com o aparecimento da Demografia - o estudo da dos países industrializados, começaram a exercer pressão para que os seus interes-
dimensão, composição e dinâmica das populações humanas - e com o interesse ses e necessidades específicas fossem objecto de maior reconhecimento. A luta
crescente na promoção da saúde pública. Os sistemas de saúde modernos foram contra a discriminação etária é um aspecto importante deste desenvolvimento.
em grande medida influenciados pelo recurso à ciência em matéria de diagnósti-
co médico e de processos de cura.
5 O modelo biomédico de saúde tem sido alvo de um número crescente de críticas.
Há quem defenda que a medicina científica não é tão eficaz quanto se pensa, que 1 O que poderá ser feito para reduzir as desigualdades nos cuidados de saúde?
os profissionais médicos não valorizam as opiniões dos seus pacientes, e que a " 1 I..S1
1 , um" .'I i I ; 2 C omo podem as diferenças na vida dos homens e das mulheres explicar as dife-
profissão médica se considera superior a todas as outras formas alternativas de • i;'! " .i i •; 'íj
i.i !,:. ' i|!< j.;j .i i:".,.
rentes experiências de doença entre os géneros?
cura que não estejam de acordo com as abordagens ortodoxas. 3 Que políticas deveriam ser adoptadas para tornar o Sistema Nacional de Saúde
6 Os sociólogos estão interessados na experiência da doença - no modo como a mais atento à proveniência cultural dos doentes?
pessoa e os que lhe estão próximos passam pela experiência de se estar doente.
SOCIOLOGIA DO CORPO. SAÚDE. DOLNÇA E ENVELHECIMENTO 1 71

4 Será que a medicalização de determinados estados de saúde, como a gravidez e a


tristeza, aumenta o poder do sistema médico, ao mesmo tempo que retira poder
aos doentes?
5 De que forma a história de Jan Mason ilustra a importância de uma pesquisa bio-
gráfica sobre os indivíduos com uma doença crónica?
6 De que forma a experiência de envelhecimento de um indivíduo é configurada por
factores sociais?

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