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Carta Internacional, vol. 1, nº 3, novembro/2006, pp.

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Coluna | Luiz A. P. Souto Maior

Um mundo
pós-proliferação

A
insistência iraniana em pros- tuação de paz pelo terror se pudesse sobre ele. No quadro da Guerra Fria,
seguir com o seu programa manter, era preciso, entretanto, que a tal condição era plenamente satisfei-
de enriquecimento de urânio, arma atômica e os respectivos meios ta: cada uma das duas superpotências
o recente teste nuclear realizado pela de lançamento permanecessem em estava consciente de que um ataque à
Coréia do Norte e uma certa perple- mãos de um número muito limita- outra – ou a qualquer dos aliados da
xidade da comunidade internacional, do de países. Primeiro, quanto maior outra – a tornaria inevitavelmente o
particularmente dos membros per- o número de Estados detentores de alvo das ações retaliatórias correspon-
manentes do Conselho de Segurança, tais instrumentos militares, maior a dentes. Este não seria, porém, o caso
quanto à melhor forma de enfrentar possibilidade de sua eventual utiliza- se, numa região como, por exemplo, o
essas situações deram ao problema da ção, inclusive por um erro de cálculo. Oriente Médio, conturbado por rivali-
não proliferação de armas nucleares Segundo, a concentração do poder dades várias, diversos Estados, árabes
uma renovada premência. nuclear bélico em uns poucos países e não-árabes, dispusessem de armas
Desde 1945, a ordem mundial tem fazia das cinco potências nucleares nucleares. Nesta hipótese, a capacida-
sido marcada, direta ou indiretamen-
te, pela existência da bomba atômica. O TNP, tal como formalmente aprovado pela
O conhecimento das conseqüências comunidade internacional em 1968, está moribundo:
catastróficas da sua eventual utilização
–sobejamente demonstradas sobre nem levou ao desarmamento nuclear geral, nem tem
os infelizes habitantes de Hiroshima impedido que aqueles Estados que dispõem das
e Nagasaki – tornou impensável um
conflito bélico entre potências nucle-
condições materiais e políticas necessárias adquiram a
ares. A Guerra Fria, que durante mais bomba atômica e os meios de lançá-la.
de quatro décadas condicionou a or-
dem mundial, ilustra bem tal estado de então uma espécie de pentarquia de de o armamento atômico assegurar
de coisas: duas superpotências dispu- político-estratégica, capaz de gerir as a paz pelo terror ver-se-ia considera-
tavam a liderança política e estratégi- grandes questões de interesse mun- velmente diluída. Em tais circunstân-
ca do planeta, mas tinham o cuidado dial, situação altamente convenien- cias, evitar a proliferação de armas
constante de evitar situações suscetí- te para os beneficiários de tal estado atômicas e dos respectivos veículos de
veis de levar a um enfrentamento mi- de coisas. Terceiro, para que a reação lançamento era não apenas uma ques-
litar direto entre elas. de um Estado nuclear eventualmente tão de segurança coletiva, mas um ele-
Por vários motivos, para que tal si- atacado tivesse um poder dissuasó- mento importante para a manutenção
rio efetivo, seria necessário que ele da ordem mundial vigente, com todas
Luiz A. P. Souto Maior é diplomata soubesse com segurança qual o res- as suas assimetrias.
aposentado. Foi Embaixador junto às ponsável pela agressão, de modo que, O Tratado sobre a Não Proliferação
Comunidades Européias, e Ministro por sua vez, um possível atacante não das Armas Nucleares (TNP), adotado
Conselheiro na Delegação permanente tivesse qualquer dúvida de que as con- pela Assembléia Geral das Nações
em Genebra. seqüências de sua iniciativa recairiam Unidas em junho de 1968 e vigente
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desde 5 de março de 1970, tratava, ções tendentes “ao desarmamento nu- se modifique significativamente a situ-
pois, de complementar, no plano mi- clear e sobre um tratado de desarma- ação atual, segundo a qual se aceitam
litar, um estado de coisas já consa- mento geral e completo, sob estrito e formalmente as noções subjacentes
grado juridicamente pelo poder de eficaz controle internacional”1 provou ao TNP, mas, frente à impossibilidade
veto dos membros permanentes do ser absolutamente utópica. comprovada de pô-las em prática com
Conselho de Segurança da ONU. Sua Assim, o TNP, tal como formal- os meios assegurados pelas institui-
grande falha – e a principal causa do mente aprovado pela comunidade in- ções existentes, entrega-se às grandes
que hoje aparece claramente como ternacional em 1968, está moribundo: potências, especialmente aos EUA,
o seu fracasso – foi tentar impor em não levou nem aparentemente levará a tarefa de inibir a proliferação. Um
caráter permanente uma situação de ao desarmamento nuclear (muito me- dos problemas é que tais noções são
assimetria política e estratégica entre nos ao convencional) geral – objetivo falaciosas. Se a posse de armas nucle-
ares é intrinsecamente perigosa para a
A grande falha do TNP foi tentar impor um caráter comunidade internacional, achar que
a segurança mundial está assegura-
permanente a uma situação de assimetria política e da porque apenas (!) cinco países as
estratégica entre Estados soberanos, sem oferecer possuem já é claramente incoerente,
garantias adequadas àqueles que renunciassem à posse sobretudo quando se recorda que o
único país a lançar mão da bomba atô-
da bomba atômica. mica numa ação militar foi justamente
um desses cinco. Pior ainda. Às cinco
Estados soberanos, sem oferecer ga- presumivelmente nunca desejado pe- potências nucleares “legais” teríamos
rantias adequadas àqueles que renun- las grandes potências – nem tem im- de acrescentar hoje os três já citados
ciassem à posse da tão temida bomba pedido que aqueles Estados que dis- (Índia, Israel e Paquistão), muito pro-
atômica. A conseqüência – previsível, põem das condições materiais e po- vavelmente a Coréia do Norte e, tal-
mas aparentemente não prevista pelos líticas necessárias adquiram a bomba vez, num futuro não muito distante, o
promotores do TNP – foi que um cer- atômica e os meios de lança-la. Diante Irã. Acresce ainda que cada novo país
to número de Estados, percebendo- de tal situação, Washington, que ain- militarmente nuclearizado aumenta o
se ameaçados em seus interesses ou da lidera a campanha anti-prolifera- incentivo para que outros lhe sigam
objetivos nacionais, passaram a pro- ção, assumiu uma atitude pragmáti- o exemplo – por simples emulação
curar meios de se dotarem de armas ca, afagando os aliados e punindo os ou por se perceberem potencialmen-
nucleares. E, aos poucos, alguns deles desafetos. Assim, assinou um acordo te ameaçados. Em suma, da maneira
os foram encontrando. Ainda antes da de cooperação nuclear com a Índia, como formalizada no TNP, a idéia da
nuclearização da Coréia do Norte, três ostensivamente detentora de bombas não proliferação de armas nucleares
países (Índia, Israel e Paquistão), além atômicas, mas defende sanções da está morta. No máximo, poderia sub-
das cinco potências nucleares “legais”, ONU contra o Irã, caso este país não sistir a prática atual, pela qual se acei-
dispunham da bomba. A iniciativa de abandone seu programa de enriqueci- ta, ainda que a contragosto, a nuclea-
Pyongyang de prover-se de armas atô- mento de urânio. Entretanto, as rela- rização de países amigos e se procura
micas, culminando com o teste sub- ções de poder têm-se modificado, e os inibir – até agora com êxito limitado
terrâneo recentemente realizado, au- Estados Unidos, embora sejam a única – a dos que não o são. Em suma, de-
mentou o número de Estados dotados superpotência no mundo pós-Guerra vemos reconhecer que a idéia de não
de tal armamento. Mais do que isso, Fria, nem sempre podem atuar sozi- proliferação converteu-se num pe-
tornou maior a probabilidade de que nhos, sendo, pois, levados a recorrer à noso processo de proliferação lenta e
um ou mais dos seus vizinhos – como ajuda de Estados regional ou circuns- gradual, mas inevitável.
a Coréia do Sul, o Japão ou Taiwan tancialmente mais influentes, como Comentando, num artigo recente,
– decidam seguir o mesmo caminho, são os casos da China em relação à o que fazer na hipótese de um possí-
apesar de alguns desmentidos oficiais Coréia do Norte e, possivelmente, da vel mundo pós-proliferação, Stephen
a respeito e das promessas america- Rússia em relação ao Irã. Peter Rosen assinala que quase toda
nas de defende-los contra eventuais Em suma, a comunidade interna- a discussão em torno do problema da
ataques. Enquanto isso, o Irã prosse- cional vê-se hoje na contingência de proliferação nuclear tem-se concen-
gue com seu programa nuclear, que considerar o que será um mundo em trado em como evitá-la, embora, no
poucos acreditam ter objetivos estri- que a proliferação nuclear, vista como entender do autor, nem medidas de
tamente pacíficos, como asseveram as uma ameaça para a segurança mundial, força nem outras, como o controle de
autoridades daquele país. Ao mesmo já não seja mero perigo a ser evitado, armamentos ou a negociação, tenham
tempo, a idéia – constante do próprio mas um fato a ser enfrentado. No fu- probabilidade de alcançar tal objeti-
TNP – de se levarem a cabo negocia- turo previsível, parece improvável que vo. Os poucos observadores que se

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voltam para o problema do que seria as duas percepções parecem conter los Cinco Grandes. Assim, o que quer
um mundo pós-proliferação tendem, um certo exagero: a proliferação nu- que aconteça com o ditador norte-co-
segundo Stephen Rosen, a dividir-se clear não tornará a guerra nuclear reano e com os aiatolás iranianos, há o
entre os pessimistas – para os quais “praticamente certa”, mas tampouco sério risco de que partes consideráveis
os riscos de confrontação crescerão assegurará a paz pelo terror, que só do planeta venham a ser incineradas
exponencialmente com o aumento do prevaleceu durante a Guerra Fria por- num futuro que pode não ser tão re-
número de Estados nucleares, sendo que, embora houvesse cinco potências moto. Porque o maior perigo não está
necessário redobrar os esforços para nucleares, a possibilidade de conflito nos réus hoje indigitados, mas no sis-
evitar a proliferação e uma catástro- era na realidade controlada por duas tema internacional e naqueles que,
fe futura praticamente certa – e os delas. Hoje, um mundo com oito ou podendo mudá-lo, não o fazem...
otimistas, para os quais as armas nu- nove potências nucleares que perse-
cleares trarão para o mundo o tipo guem interesses nem sempre coinci- Notas
de estabilidade que trouxeram para a dentes tornou-se um lugar bem me-
confrontação entre as superpotências nos seguro. E a história recente tem
1
- Tratado sobre a não proliferação das
armas nucleares, art. VI.
durante a Guerra Fria. No entender provado que este número tenderá a
destes últimos, a proliferação nuclear aumentar. Em tais circunstâncias, não
2
Rosen, Stephen Peter, “After
Proliferation – What to Do If More States
terminaria por ser uma “solução rela- há alternativa sensata para a proscri-
Go Nuclear”, Foreign Affairs, September/
tivamente barata e fácil (...) do velho ção total e bem controlada das armas October 2006.
problema da guerra.”2 nucleares. O problema é que tal solu-
Na forma como resumidas acima, ção provavelmente não será aceita pe-

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