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2, 2306 (2014)
www.sbfisica.org.br
Neste trabalho nós revisamos a dinâmica dos freios ABS e propomos um modo simples de discuti-la no ensino
médio.
Palavras-chave: dinâmica, forças de atrito, freios ABS.
In the present article we review the dynamics of the ABS breaking system and discuss a simple way of intro-
ducing this topic at the high school level.
Keywords: dynamics, frictional forces, ABS brakes.
1. Introdução
u−w
s= , 0 ≤ s ≤ 1, (1)
u
onde w = ωR, sendo R o raio efetivo da roda, ou seja Figura 1 - Em vermelho na versão digital, vemos marcardo o
é o raio do conjunto pneu e roda, a distância entre um raio efetivo da roda, R (adaptado de http://pt.wikipedia.org/
wiki/Pneu).
ponto na superfı́cie do pneu e seu eixo de rotação, como
mostra a Fig. (1). Veja também o diagrama mostrado
na Fig. 2. Percebendo isso e procurando um modelo que pu-
Portanto quando as rodas rolam sem deslizar desse ser discutido com universitários alunos de cursos
(u = w), s = 0, e quando as rodas estão travadas de fı́sica introdutórios, Tavares [2] propôs fazer a apro-
(w = 0) s = 1. ximação para o modelo de atrito estático e cinético,
tomando o para µe o valor máximo obtido para µ(s),
Entretanto, µ(s) é um função complicada, e este
e para µc o valor mı́nimo, uma vez que µe > µc . As
modelo só pode ser resolvido numericamente [2], o que
distâncias de frenagem, com o uso de freios ABS, encon-
está fora do nosso interesse. Contudo, de acordo com
tradas por ele usando este modelo simplificado são bas-
o modelo proposto por Denny [1], µ(s) atinge um valor
tante próximas às encontradas usando o modelo mais
máximo quando o valor de s está próximo de zero, e
complexo, o que mostra que a aproximação é válida [2].
começa a cair, enquanto o valor de s se aproxima de 1.
Ou seja, µ(s) tem seu valor máximo, aproximadamente, Assim, partiremos deste modelo, descrevendo nas
quando as rodas rolam sem deslizar (s ≈ 0), e seu valor próximas seções a dinâmica da frenagem e, por fim, pro-
mı́nimo quando as rodas estão travadas (s = 1). pondo um modelo para ser aplicado no Ensino Médio.
1 E-mail: tort@if.ufrj.br.
Vamos analisar o movimento de um automóvel durante 2.1. Rodas rolando sem deslizar
a frenagem. Por simplicidade vamos considerar o peso
Primeiro vejamos a situação em que as rodas ro-
do veı́culo igualmente distribuı́do nas quatro rodas,
lam sem deslizar. Neste caso o atrito entre elas e a pista
dessa forma a força normal, N, é a mesma em todas
é o atrito estático, e motorista deve controlar a pressão
elas. Também para simplificar vamos supor que o carro
no freio, consequentemente controlando G, de tal forma
esteja se locomovendo apenas na direção horizontal, as-
que entre a e α valha a relação
sim a soma de todas as forças que atuam no corpo na
direção vertical é nula. Pela 2a lei de Newton, para o a = αR. (5)
movimento do centro de massa do carro, temos [2]
Como estamos interessados em calcular a distância
M a = −nFat , (2) de frenagem precisamos determinar a aceleração do au-
tomóvel, que deve obedecer à condição imposta pela Eq.
onde M é a massa, e n é o número de rodas do veı́culo
(5). Substituindo Fat , obtido na Eq. (2), na Eq. (4),
e a é a aceleração do centro de massa do veı́culo e Fat
obtemos
é a força de atrito em cada roda. a RM a
Apenas com essa equação podemos calcular a I = −G − . (6)
R n
distância mı́nima necessária para parar o veı́culo, no
Neste momento é interessante definir duas grande-
entanto, como vamos analisar a influência dos freios
zas adimensionais, o torque reduzido, Γ, e o momento
ABS, que tem por finalidade impedir o travamento das
de inércia reduzido, ν, dados por [2]
rodas, é interesante resolvê-la em função da pressão que
o motorista exerce no pedal do freio no momento da fre- GR
Γ≡ , (7)
ada. Ig
Isto pode ser feito, olhando-se para as rodas do au-
tomóvel. De acordo com a dinâmica dos corpos rı́gidos M R2
ν≡ , (8)
vale a seguinte Eq. [3] In
onde g é a aceleração da gravidade.
τext = Iα, (3) Como podemos observar por suas definições Γ está
onde τext é o torque das forças externas, I é o momento relacionado ao torque feito nas rodas pelo sistema de
de inércia da roda e α é a sua aceleração angular. freio, e portanto é controlado pelo motorista, enquanto
Observando a Fig. (3) vemos que, em cada roda, ν caracteriza o veı́culo.
devemos considerar o torque feito feito pela força de Substituindo as Eqs. (7) e (8) na Eq. (6) temos
atrito entre os pneus e o solo e o torque feito pelo sis-
tema de freio (G). Aplicando a Eq. (3) para cada roda a = −gΓ − νa. (9)
obtemos [2] Finalmente rearranjando a Eq. (9) encontramos a
Iα = −G + RFat , (4) aceleração do veı́culo como função de Γ e ν que se lê
As forças de atrito e os freios ABS 2306-3
Se supusermos que as quatro rodas sejam idênticas, Vamos comparar essa distância detrans com a obtida
as acelerações angulares, αD e αT também devem ser sem levar em consideração a transferência de peso, de ,
iguais, e admitindo que o torque exercido pelo sistema dividindo a Eq. (27) pela (17)
de freios seja o mesmo em todas as rodas, ou seja
detrans 2 + µe
GD = GT , podemos concluir que a força de atrito será = . (28)
de 2
a mesma em todas elas, FD = FT .
Assim a força de atrito máxima nas rodas, para Como µe é positivo, podemos concluir que detrans >
que todas continuem rolando sem deslizar, seria a força de .
de atrito máxima nas rodas traseiras, dada por µe NT , Outra hipótese que devemos considerar é a possi-
onde NT é a força normal nas rodas traseiras. Para bilidade, quando se leva em conta a transferência de
determiná-la vamos supor que o centro de massa do peso, das rodas traseiras travarem, enquanto as diantei-
veı́culo seja equidistante dos eixos traseiros e dianteiros, ras continuam rolando sem deslizar. Como a força nor-
e que sua altura seja a metade dessa distância, como na mal é menor no eixo traseiro, a força de atrito estático
Fig. (4). máxima também o é. Sendo assim o torque feito pelo
sistema de freios, nas rodas traseiras, pode ser maior
que o feito pela força de atrito, provocando o trava-
mento das mesmas, e menor do que o da força de atrito
nas rodas dianteiras, permitindo que elas continuem ro-
lando sem deslizar.
Nessa situação, segundo Whitmire e Alleman [4], a
força normal nos eixos, dianteiro e traseiro, admitindo-
se as aproximações feitas anteriormente em relação à
posição do centro de massa, seriam dadas por
Figura 4 - A altura do centro de massa, h, é a metade da distância 2 + µc
dos eixos até o centro de massa, L. ND = M g, (29)
4 + µc − µe
Essa suposição foi feita por Whitmire e Alleman [4], e
resultando que 2 − µe
NT = M g. (30)
4 + µc − µe
Mg O atrito nas rodas traseiras seria cinético, dado por
NT = . (23)
2(2 + µe ) µc NT , e nas rodas dianteiras seria estático. Para cal-
cularmos a distância mı́nima necessária para frenagem,
Dessa forma a força de atrito estático máxima nas
devemos considerar esse atrito como tendo seu valor
rodas traseiras seria
máximo, dado por µe ND . Dessa forma a força de atrito
µe total nas quatro rodas seria µc NT + µe ND . A 2a lei de
FT (M AX) = M g. (24)
2(2 + µe ) Newton, seria assim escrita
µe
Assim, se FD = FT = 2(2+µe ) M g, a força total nas M a = µc NT + µe ND . (31)
2µe
quatro rodas será 2+µe M g, e a força de atrito em cada Substituindo os valores de ND e NT , Eqs. (29) e
uma (30), na Eq. (31), podemos calcular a aceleração do
veı́culo
2µe M g
Fat = . (25)
2 + µe n 2(µc + µe )
a= g. (32)
4 + µc − µe
Substituindo o valor de Fat obtido na Eq. (25), na
Eq. (2), podemos calcular a aceleração do automóvel, Para calcular a distância de frenagem, com as ro-
que será das traseiras travadas e as dianteiras rolando sem
deslizar(dctrans ), basta substituir a aceleração encon-
−2µe trada na equação de Torricelli, obtendo
a= g. (26)
2 + µe 4 + µc − µe v0 2
dctrans = . (33)
Agora podemos determinar a distância mı́nima para 2(µc + µe ) 2g
parar o veı́culo(detrans ), com as quatro rodas rolando Agora podemos comparar essa distância com a me-
e levando-se em conta a transferência de peso. Substi- nor distâcia necessária para parar o veı́culo com as qua-
tuindo a aceleração encontrada na Eq. (26), na equação tro rodas rolando, sem considerar a a tranferência de
de Torricelli, obtemos peso, obtida na Eq. (17), onde temos
2 + µe v0 2 dctrans 4 + µc − µe
detrans = . (27) = µe . (34)
2µe 2g de 2(µc + µe )
As forças de atrito e os freios ABS 2306-5
v0 2 1+ν
Figura 5 - A distância de frenagem diminui com o aumento da dABS = ( ). (50)
2g Γcr − ∆Γ2cr
pressão que o motorista aplica no freio (atrito estático). A par-
tir de uma certa pressão as rodas do veı́culo são travadas e a
distância de frenagem se mantém constante (atrito cinético). A
Se dividirmos a Eq. (50) pela Eq. (12), podemos
1 v0 2 1 v0 2 comparar a distância de frenagem com o uso do ABS,
frenagem mais eficiente ocorre quando µc 2g
≤d≤ µe 2g
.
com a distância mı́nima de frenagem com as quatro ro-
Por isso foi desenvolvido o sistema de freios ABS, das rolando sem deslizar(Γ = Γcr ). O resultado é
que não só evita o travamento das rodas, como procura
fazer com que a força de atrito, entre os pneus e o solo, dABS Γ
=( ). (51)
fique o mais próximo possı́vel de µe N . Este sistema de de Γcr − ∆Γ2cr
As forças de atrito e os freios ABS 2306-7
A Eq. (51) nos mostra que quanto menor for o va- De acordo com Toresan Jr. [9], perito criminal, esse
lor de ∆Γcr , mais a distância de frenagem se aproxima modelo é utilizado para calcular a velocidade de veı́culos
do menor valor possı́vel, no entanto seria interessante equipados com ABS.
calculá-la em função do coeficiente de atrito, como fi-
zemos, nas seções anteriores, quando não consideramos
o uso do ABS. Substituindo Γcr , Eq. (16), podemos Referências
calcular ∆Γcr
[1] M. Denny, European Journal of Physics 26, 1007
∆Γcr = ∆[µe (1 + ν)], (52) (2005).
Considerando ν constante temos [2] J.M. Tavares, European Journal of Physics 30, 697
(2009).
∆Γc = (1 + ν)∆µe , (53)
[3] H. Moysés Nussenzveig, Curso de Fı́sica Básica 1 –
Assim, substituindo as Eq. (16) e (53) em (48), po- Mecânica (Editora Edgard Blücher, São Paulo, 1997).
demos calcular ΓABS
[4] D.P. Whitmire and T.J. Alleman, American Journal of
∆µe Physics 47, 89, (1979).
ΓABS = µe (1 + ν) − (1 + ν). (54)
2
[5] F.L. Silveira, Fı́sica na Escola 8:2, 16 (2007).
Substituindo a Eq. (54) em (50) obtemos
[6] A.A. Kleer, M.R. Thielo, A.C.K. Santos, Caderno Ca-
v0 2 1+ν tarinense de Ensino de Fı́sica 14, 160 (1997).
dABS = . (55)
2g µe (1 + ν) − ∆µ
2 (1 + ν)
e
[7] http://www.dem.ist.utl.pt/acidentes/para/
E finalmente segur_texp.html, acessado em 15/9/2010.
1 v0 2 [8] F.L. Silveira, Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica 33,
dABS = , (56)
µABS 2g 1304 (2011).
onde µABS = µe − ∆µ 2 .
e
[9] W. Toresan Jr., Cálculo de Velocidade para
Com o uso do ABS, a força de atrito entre os pneus Veı́culos Equipados com Sistemas de Freios ABS,
e a pista não é constante, mas podemos calcular uma Disponı́vel em http://www.estradas.com.br/
média, que seria dada por sosestradas/articulistas/wilson_t_jr/calculo_
de_velocidade_veiculos_equip_abs.pdf, acessa em
Fat = µABS N, (57) 4/10/2010.