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Ficha Técnica

ISSN 0871 - 1267


APRENDER
N.º 27
Maio 2003
Director:
Abílio Amiguinho
Director Adjunto:
Fernando Oliveira
Coordenação do Tema Central
Conceição Cordeiro
Revisão:
Ana Margarida Marques, António Sérgio Silva, João Brás, Luís Henriques.
Capa:
Cristina Sala
Secretariado:
Adelina Roque
Conselho Consultivo:
Nuno Oliveira (Presidente do Instituto Politécnico de Portalegre), Fortunato
Queirós, António Nóvoa, Bártolo Paiva Campos, Domingos Fernandes,
Francisco Cachapuz, Isabel Alarcão, João Pedro Ponte, Jorge Arroteia,
Maria do Céu Roldão, Maria Odete Valente, Natércio Afonso, Rui Canário
e Teresa Ambrósio
Conselho Editorial:
Abílio Amiguinho, Albano Silva, Fernando Oliveira, Isabel Vila Maior, João
Vintém, Manuel Miguéns, Maria João Mogarro e Teresa Coelho
Colaboram neste Número:
Ana Cravo, Ana Mae, Charles R. Garoian, Conceição Cordeiro, Elizabete
Mendes, Francisco Cid, Isabel Pereira, João Emílio Alves, LAM Bick Har,
Leonardo Charréu, Li - Yan Wang, Maria da Graça Martins, Miguel Castro,
Muntsa Calbó Angrill, So Lan Wong, Teresa Eça, Victor da Silva.

Composição:
Cláudia Lopes
Impressão, Montagem e Acabamentos:
Toldigráfica
Edição e Propriedade:
Escola Superior de Educação de Portalegre
Praça da República
Apartado 125
7301-957 PORTALEGRE CODEX
Tiragem:
1000 exemplares
Depósito Legal:
14 293/86
Preço:
3 Euros
Assinaturas:
7 Euros (3 números)
Os artigos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
Não nos comprometemos a publicar colaboração não solicitada.
ÍNDICE

Editorial................................................................3
‘Marginalidade’ da Educação artística - Para onde
Entrevista foram os valores Educacionais
Temática: Os Estudos de Cultura Visual na forma- So Lan Wong.........................................................
ção inicial dos professores de Educação Visual e ..90
Tecnológica
Entrevista de Conceição Cordeiro e Maria da Reconceptualizar a Arte/Educação: análise da
G r a ç a M a r - recente reforma em Hong Kong
tins...........................................................4 LAM Bick Har.......................................................
.99
Tema Central: Educação Artística: Traçados Neste número destacamos
Contemporâneos O Ensino da Arte no Brasil nos inícios do século
XXI
A Cultura Visual e as Novas Perspectivas Críticas Ana Mae...............................................................1
para a Educação Visual 09
L e o n a r d o C h a r -
réu...................................................10 Experiência de Formação e Inovação
Quinta de Educação e Ambiente - Um Projecto de
Drawing in the School Curriculum - Educational Requalificação do Local
Meaning and Pedagogy Revisits Isabel Pereira....................................................114
LAM Bick Har.......................................................
.28 Necessidades Educativas Especiais
Escola Superior de Educação de Portalegre

Comunicação Aumentativa e Alternativa: formar


A instrução artística mediada pelo computador para mudar atitudes
Li-Yan Wang.......................................................... Elizabete Mendes..............................................119
.40
A Geografia na Educação de Infância
Respuestas de la educación artística a la criscis Reflexões Sobre a Introdução da Geografia na
ambiental: ejes y práticas. Educação de Infância
M u n t s a C a l b ó A n - Miguel Castro...................................................127
grill.............................................48
Ciências da Natureza e Formação de Professores
Performance Artística como Pedagogia de O debate actual em torno da influência das
Resistência ciências da natureza no mundo ocidental e suas
C h a r l e s R . G a - implicações na formação de professores - Parte II
roian..................................................61 Francisco Cid....................................................137

Práticas Avaliativas, Momentos Formativos Registo Estatístico


M a r i a d a G r a ç a M a r - Análise Estatística sobre a Região do Alto Alen-
tins..........................................66 tejo: Dados de contextualização e indicadores

Avaliar Portfolios no Ensino das Artes Visuais


Teresa Eça..............................................................
.75

Educação Artística?
V i c t o r d a S i l -
va.........................................................85

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2
A P R E N D E R
Editorial

Como contributo para a divulgação de questões que


preocupam os docentes e investigadores no campo das artes visu-
ais, a Área Científica de Educação Visual e Tecnológica procurou
reunir alguns dos estudos, reflexões e experiências sobre esta
matéria, que se localizam em diferentes partes do globo.
Contámos com a amável colaboração da professora Teresa
Torres, doutoranda na Universidade de Surrey Roehampton,
Inglaterra, para contactar alguns dos autores dos textos que aqui se
publicam.
Directamente intervenientes nesta área, os autores reivin-
dicam uma “sempre” necessidade de apelar para o reconheci-
mento das Artes Visuais como uma das aprendizagens fulcrais no
desenvolvimento do indivíduo.
É notório que cada vez mais esta área se relaciona com
outras, apropriando-se das novas tecnologias e acompanhando o
desenvolvimento global.
Destacamos dois artigos: a entrevista com o Professor
Doutor Fernando Hernández apresentando o conceito de Cultura

Escola Superior de Educação de Portalegre


Visual no ensino das artes visuais e o da Professora Doutora Ana
Mae Barbosa, cuja presença na E.S.E.P., em Outubro de 2001,
muito nos honrou, indicando a sua posição relativamente ao futuro
da Educação das Artes Visuais no Brasil.

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Entrevista
Temática: Os Estudos de Cultura Visu-
al na formação inicial dos professores de
Educação Visual e Tecnológica

Entrevista de: Conceição Cordeiro


Maria da Graça Martins

Fernando Hernández é professor de Educação das Artes


Visuais e Cultura Visual na Faculdade de Belas Artes da Universidade
de Barcelona. Desde há vários anos está implicado em processos de
inovação e melhoria da escola, em particular naquelas propostas que
Entrevista

tratam de mudar a “gramática da escola”, isto é, a compartimentação


do currículo em disciplinas fechadas, em tempos, em espaços, no
agrupamento dos alunos por idades, no fechamento da escola e dos
professores. Publicou mais de uma centena de artigos e vários livros. Entre estes últimos foram
editados em português os seguintes:
Escola Superior de Educação de Portalegre

1998: A organização do currículo por projectos de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas.
Con M. Ventura.

1998: Transgressão e mundança na educação. Os projectos de trabalho. Porto Alegre:


Artes Médicas.

2000: Cultura Visual, Mudança Educativa e Projecto de Trabalho. Porto Alegre, Brasil:
Artes Médicas.

2000: Aprendendo com as inovações nas escolas. Porto Alegre: Artes Médicas. Con Sancho.
J.Mª.; Carbonell, J.; Tort, T.; Sánchez-Cortés, E. y Simó, N.

A formação inicial de professores de Deste modo, procurámos, junto do


Educação Visual e Tecnológica tem revelado Professor Fernando Hernández, esclarecer
uma predominância da vertente técnica, nas suas algumas questões que possam servir de contri-
componentes artístico-pedagógicas, resultante, buto para uma nova abordagem sobre o ensino
em larga medida, de uma conceptualização da Arte nas escolas, na actualidade.
tradicionalista e ainda modernista da educação
artística. Conceição Cordeiro (C.C.) - Qual a
nomenclatura que mais se aproxima, no seu
A um mesmo tempo, em Portugal, não entender, de como abordar a temática
existe uma tradição de cursos de especiali- artística nas escolas? Educação Visual, Arte/
zação e de pós-graduações, do que resulta Educação, Educação Artística ou outra?
um défice de investigação científica nestas
matérias. Eu penso que estou seguindo, de

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uma maneira bastante global, as tendências que, para mim, tem três temas fundamentais. O
internacionais no campo da educação, das primeiro tema é uma reflexão sobre a visu-
artes e das artes visuais. alidade, quer dizer, maneiras de olhar, não
Neste momento, para mim, as duas é tanto sobre os objectos, como se faz a
denominações mais relevantes seriam: uma, perspectiva na História da Arte, mas de quem
a ideia da educação das artes visuais, olha esses objectos. O segundo é uma reflexão
porque é uma noção mais ampla, que vai sobre as tecnologias do olhar, as tecnologias
mais além das Belas-Artes ou da Arte; a outra que ajudam a olhar e a construir olhares. De
noção a da Educação e Cultura Visual ou outra maneira e por último, é a circulação dos
Educação para a Cultura Visual, pois é um significados que estão nos sujeitos, nos
conceito muito mais amplo e muito mais artefactos, nas imagens e sobretudo que estão
compreensível, no qual se incluem olhares nos diálogos que constroem os sujeitos.
e metodologias que não se encontram tão Para mim, do ponto de vista educa-
presentes na Educação das Artes Visuais. cional, está precisamente nesse olhar que
os sujeitos constroem e no papel da escola e
C.C. - Como se relaciona o enquadramento dos educadores, que podem contribuir para
do ensino artístico ou das expressões, nas criar um olhar diferenciado, o que eu
finalidades educacionais do mundo contem- denomino de olhar compreensivo e crítico,
porâneo? Formação de artistas ou sensibili- quer dizer, que se constroem novos olhares,
zação dos indivíduos em geral? que se constroem novas produções, a partir do
indagar das significações em que nós nos

Entrevista
Para mim, fica muito claro que o ob- encontramos quando nos relacionamos com
jectivo deste espaço de saberes, que seria o o que nós produzimos ou com o que os ou-
da Educação das Artes Visuais, da Educação tros produzem. E também quando somos
e da Cultura Visual, não é seguramente para observados e interpretados (chamados à
formação de artistas, o que seria mais da atenção) pelos olhares das imagens e das suas

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responsabilidade das Universidades e de outras representações sobre nós próprios.
Instituições.
Eu penso que o espaço das artes visuais, C.C. - Face à Cultura Visual, quais as
ou da cultura visual, é um espaço privilegiado propostas que considera mais relevantes para
para que os sujeitos possam aprender com um a realidade educativa actual? E para a forma-
olhar crítico sobre a sua realidade, para que ção inicial dos futuros professores?
os sujeitos possam projectar uma perspectiva
criativa sobre os seus próprios percursos, para Em primeiro lugar, é a aposta pela
que possam projectar qual é o seu caminho constatação do que são as barreiras. Duran-
em frente diante dos universos visuais de que te muito tempo, pensámos que a Educação
fazem parte. Portanto, não é uma questão de das Artes Visuais tocava apenas os sujeitos
sensibilidade. É uma questão de construção de artísticos. Hoje, estamos trabalhando os
formas de diálogo, de posicionamentos críticos, sujeitos artísticos também, como são
de projecções das próprias expectativas e dos trabalhados pelos artistas e os artistas, hoje,
próprios olhares e, basicamente, é o desenvol- estão dialogando com a cultura dos mass-
vimento de um olhar crítico perante a realidade media, com a cultura popular, com as formas
visual de hoje, das representações, da forma visuais do passado.
como nos sentimos representados, com a qual Então, isso, para mim, é um elemento
nos confrontamos, e da qual os professores, as muito importante. É, sobretudo, construir
crianças e os adolescentes fazem parte. formas de diálogos entre obras, entre traba-
lhos, entre as experiências das crianças e dos
C.C. - O que é, no seu entender, a Cultura adolescentes e as experiências que circulam no
Visual? quotidiano (não só nos museus e nos centros
de arte).
A Cultura Visual são diversas coisas. Em Hoje, um elemento essencial em todas
primeiro lugar, é um novo campo de estudos as propostas educativas das instituições de

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arte e no trabalho dos próprios artistas é criar teórica específica, deverão ser os
diálogos, entre as obras, diálogos entre os professores das áreas artísticas os agentes
sujeitos, diálogos entre as perspectivas. Para da agregação de uma consciência social à
mim, a proposta educativa fundamental, e componente plástica?
principalmente no mundo que habitamos, é a
necessidade de construir formas de diálogo. Não necessariamente. Nós estamos
Eu penso que, na formação inicial, o desenvolvendo uma pós-graduação em Cul-
primeiro passo é trabalhar e desmontar os tura Visual e nessa pós-graduação participam
preconceitos. Depois, começar a ajudar a sociólogos, participam arquitectos, partici-
trabalhar por tematizações. Depois, devem pam artistas visuais, participam psicólogos e
interrogar-se, a todo o momento, sobre o que educadores.
é que eles querem que os meninos aprendam O que é importante é saber que hoje a
e, finalmente, começar a construir também a formação, o conhecimento se constrói a partir
experiência da sua formação, uma experiência de polifonias e não de um único olhar.
onde se constroem formas de diálogo, porque, Portanto, hoje, os artistas alimentam-se
em geral, a formação foi baseada em dizer aos de outras referências, de outras fontes e não só
docentes o que eles têm de fazer e não lhes da referência de uma prática artística fechada
é permitido que visualizem também os seus e pensada como era a prática das Belas-Artes
medos, as suas posições e as suas produções. tal como nos foi apresentada, pois também é
Eu começaria pelo caminho da verdade que os artistas se alimentam de
construção de formas de diálogo com outras referências múltiplas, mas a construção
Entrevista

realidades, com as suas próprias experiências, romântica do artista despojou-o de todos es-
com as suas biografias, com a sua própria ses saberes e no-lo mostrou puro, íntegro, de
representação visual e, com tudo isso, traçar- maneira que tudo saía do seu interior. Mas isto é
-se-ia primeiro o caminho e depois dotá-lo de apenas mais uma página do mito do artista.
significação teórica, de significação educativa,
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de significação referencial. C.C. - Que alternativas têm os professores


no activo, com formações distintas, quando
C.C. - No currículo da formação inicial de se deparam com estes “novos olhares” sobre
professores, qual o peso que deverão ter a educação artística e sobre a leitura da
as cadeiras de Sociologia, Antropologia e imagem, tal como vem propondo nos seus
Psicologia (da Arte) face às cadeiras de livros, artigos e comunicações?
formação artística especializada?
Eu penso que, basicamente, os docentes
Eu penso que muitas das nossas têm de decidir-se a começar a experimen-
instituições universitárias e de formação es- tar, decidir se querem continuar olhando o
tão situadas por detrás da realidade. Hoje, o mundo com o olhar do passado ou se querem
campo, por exemplo, dos estudos da cultura ma- começar a olhá-lo com o olhar do presente.
terial já não é da especialidade da antropologia. Se os docentes querem assumir posturas de
Hoje, o campo dos estudos dos media não é do risco, ou querem continuar actuando na escola
campo da sociologia. Hoje, o campo do estudo segundo uma gramática que foi escrita há cerca
da cultura visual não é do campo da História das de cento e cinquenta anos. Isso é a primeira
Belas-Artes. Hoje, as instituições de formação decisão que têm de tomar. Tenho de continuar
têm de ultrapassar as barreiras e começar a olhando o passado, ou quero olhar o hoje, o
criar espaços de interdisciplinaridade à volta que está a acontecer hoje? Esta é a primeira
de problemas, à volta de emergências e ver que decisão. Se dão o passo a partir daqui, podemos
contribuições se podem fazer a partir daí. começar a trabalhar.
Se isso não se incorpora dentro da
formação, é muito difícil que depois os Graça Martins (G. M.) - “(...) os objectos da
docentes, quando chegam às escolas, entrem cultura visual que maior presença têm entre
com perspectivas e olhares novos. os meninos, as meninas e os adolescentes são
C.C. - Na inexistência desta formação os que recobrem as paredes dos quartos (...)”.

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Como integra as vivências individuais da grupo, com políticas de prazer etc.
população discente nas abordagens edu- No fundo, o que se lhes propõe é
cativas actuais? Ou seja, que relação, no uma perspectiva de investigação sobre que
seu ponto de vista, se estabelece entre a significado têm essas coisas, não só na sua vida,
escola e a vida? mas também na vida dos outros.

Penso que o que a pergunta quer dizer G. M. - Qual o papel que desempenha o
é: como se integram as experiências e as rela- saber-fazer plástico numa abordagem
ções que os adolescentes e as crianças têm nos segundo a cultura visual?
diferentes elementos da cultura visual, no que
pode ser a escola? Uma das críticas que algumas pessoas
Se esta é a pergunta, uma possível me fizeram, sobretudo nos Estados Unidos, é a
resposta seria que um dos desafios que a perspectiva e a reflexão que alguns de nós es-
perspectiva da educação das artes visuais, tamos a querer fazer no que se relaciona com
baseada nos estudos da cultura visual, coloca é a cultura visual; supõe deixar de falar de arte
a ideia de romper limites. modernista ou da arte que é considerada em
Não se trata tanto de incorporar o que História da Arte, que podemos dizer que acaba
forma parte da vida dos meninos dentro da com Picasso, e, por outro lado, que colocamos,
escola, porque eu particularmente creio que que intelectualizamos ou resgatamos o valor da
têm de ter os seus espaços de privacidade e palavra, mas não o valor do fazer.
não se pode escolarizar tudo. Pode-se sim abrir Isto, do meu ponto de vista, está

Entrevista
perspectivas novas, olhares novos, sobre os seus completamente afastado. Eu continuo a dar
objectos que chamamos de quotidiano. valor a um sentido do fazer, mas não é um
Tendo em conta que os objectos que sentido do fazer descontextualizado. É um
chamamos de quotidiano se encontram sentido do fazer que tem um contexto, que se
carregados de sentido, nós, através deles, vincula a um projecto, que se vincula a uma

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com os adolescentes, o de temos que ver é a indagação do tipo crítico, que se vincula à
perversão dos seus objectos, é a manipulação educação de um olho crítico, que se vincula à
dos seus objectos, ou como nos conduzem eles ideia de que tu podes precisamente usar essa
a actuar e a colocarmo-nos como consumido- linguagem, usar essas possibilidades, essas
res ou como agentes (para evitar a conotação imagens para que a linguagem do fazer pos-
de determinismo e passividade associada ao sa desmontar outros relatos, relatos que te
consumo). mostram, relatos que são alternativos, relatos
Eu, particularmente, penso que os que nos levam a pensar, relatos que mostram a
adolescentes já sabem que são induzidos a tua reflexão sobre um acontecimento, sobre o
serem consumidores e que dela (sociedade de teu presente, sobre o mundo onde vives.
consumo) fazem parte. Isso implica também um trabalho que
Eu penso que essa valorização negativa, podemos dizer manual, mas isso é simplesmente
que muitos educadores têm, não é posicio- uma dicotomia. Esse trabalho manual não se
narem--se, mas sim entender como as coisas pode fazer sem um olhar, sem um conhecimento,
funcionam, entender como as imagens se sem um estudo, etc.
relacionam com outras imagens, entender como Inclusivé, no próprio prazer, no acto
é possível colocarem-se perante elas e contar próprio de fazer as coisas por prazer, eu creio que
histórias. se deve alimentá-lo de ideias; há que alimentá-lo
Não se trata de fazer ideologia ou fa- de contrastes, de estudos, há que alimentá-lo de
zer frente à ideologia dominante. Trata-se conhecimentos. Portanto, esse fazer mantém-se,
precisamente de ver que a escola se preocupa mas re-situa-se, recoloca-se, como na realidade
com o que os preocupa a eles. Não para os sempre tem sido a História da Arte fora dos
tornar pedagógicos, mas sim para os relacio- mitos modernistas, essencialistas.
nar com maneiras de ver, com conotações G. M. - A cultura visual tem como objec-
históricas, com relatos pessoais, com tivo “(...) desenvolver uma perspectiva de
conhecimentos de outros, com identificações de estudo(...) estabelecer nexos entre problemas,

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lugares e tempos (...)”. Será a cultura visual a difusão de toda a problemática referente
uma solução para uma crise de identidade à cultura visual contribuirá para o enfoque
da educação global ou será apenas mais mais significativo das áreas artísticas?
uma possível abordagem para uma educação
artística (uma vez que a CV critica a Bom, na pergunta existe uma
funcionalidade da escola por disciplinas, contradição. Eu não sei se o significativo hoje
entre outras coisas)? é dar mais sentido às áreas artísticas. Não sei
se hoje é mais significativo dar mais sentido à
Bem, quem conhece a minha trajectória geografia ou à história.
sabe que a mim o que me preocupa é a escola; a O que sempre presenciei foi um
mim o que me preocupa é a educação e, dentro currículo que se baseia em oito disciplinas (em
da educação, uma parcela, entre muitas que Espanha), quando existem milhares de cam-
trabalho, é a educação das artes visuais. A pos disciplinares. Porque são essas oito e não
mim, o que me interessa é repensar a escola, outras, quando sabemos, através da História do
questionar ou abordar que, hoje (em Espa- Currículo, que essas disciplinas correspondem
nha,) continuamos com um currículo que foi a decisões de grupos de pressão, a decisão de
pensado há cento e cinquenta anos, para grupos corporativos, a interesses dentro da
pessoas de há cento e cinquenta anos e criação do estado nação, etc.?
continuamos a usá-lo, que continuamos A tendência que hoje existe, em muitos
dividindo e usando o tempo da escola de países, é para o que poderíamos chamar o
uma maneira que, simplesmente, o que faz é “currículo por problemas”, ou por temas e não
Entrevista

fragmentar, é delimitar, disciplinar e coisificar por disciplinas. Eu penso que o tema serve
os indivíduos, que continuamos agrupando os para valorizar, ou não, a área Educação Artís-
indivíduos com critérios decididos e propostos tica. Ele é importante, porque se trata de uma
no séc. XVIII. revista (REVISTA APRENDER) que está
A mim, o que me interessa hoje é preocupada com o tema, mas, já que mo
Escola Superior de Educação de Portalegre

precisamente recolocar o lugar do sujeito que pergunta, eu penso que é muito mais ambicio-
aprende, do sujeito que ensina. O que me so. O que nós estamos apresentando é uma
interessa é incorporá-lo, pois hoje sabemos m a n e i r a d e p e n s a r, u m a m a n e i r a d e
que os alunos ou os sujeitos também aprendem fazer, uma maneira diferente de se relacio-
melhor. Interessa-me a reflexão sobre nar dentro da escola. Isso é algo que é mais
comunidades de aprendizagem e tudo isso. ambicioso do que uma educação artística ou
A educação das artes visuais, na não. O que acontece é que os educadores das
perspectiva dos estudos da cultura visual, artes visuais acorrem a este espaço como seu,
oferece um marco, precisamente porque mas sei que terão um papel diferente, um papel
desequilibra, porque rompe os limites, por- de agitação, um papel de rotura, um papel de
que é difícil dizer se o que estamos a fazer é questionamento nasinstituições e, por isso, será
arte visual ou é literatura, ou é história, ou é necessária e mais visível.
antropologia, ou é sociologia.
Interessa-me a posição, porque desesta- G. M. - Por que ordem coloca a sua forma-
biliza, interessa-me a posição, porque recoloca, ção: como humanista, como pedagogo ou
porque questiona definitivamente tal como está como psicólogo? Ou melhor, qual das suas
organizada a escola hoje, tal como estão orga- formações académicas tem influenciado mais
nizados os conhecimentos na escola, tal como o seu modo de ver a educação artística?
estão organizadas as posições dos objectos.
Por isso, interessa-me não a posição A verdade é que não sei. Construí o
em si mesma e não pela educação das artes meu itinerário, a minha formação de diferentes
visuais, mas porque permite fazer outras pontos de vista com diferentes finalidades e
colocações e situar-se noutras dimensões e com diferentes narrações e o que tenho sempre
noutros lugares. conseguido é como um aprendiz, como um
amador que se move nas margens. É inegável
G. M. -Segundo a sua perspectiva, crê que que o estudo da psicologia me deu uma perspec-

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tiva sobre a realidade, sobre o sujeito e sobre o
conhecimento. Também é verdade que na
psicologia sempre transitei entre margens, por
exemplo, a psicologia que ensino na Universi-
dade tem muito pouco a ver com a psicologia
que se ensina na Faculdade de Psicologia; por
outro lado, a minha visão da pedagogia,
dedicando-me ao estudo das inovações edu-
cativas e à formação dos docentes, também
se coloca entre margens, e tem muito pouco
a ver com o que se passa nas Faculdades de
Pedagogia ou nas Faculdades de Educação.
Não sei. Eu considero que em alguns
aspectos sou um diletante, sou alguém que
se move chamado por interesses, pelo que
desperta a minha curiosidade e, sobretudo,
que permite colocar-me em posições que
possibilitam criar narrações, criar projectos
de investigação que favoreçam um repensar
das coisas, um reconstruí-las, um redefini-las.
Sobretudo, posicionar o sujeito tal como foi

Entrevista
situado, com posições históricas, como aluno,
como docente, como pedagogo, etc.
Sou..., não sei, não me sinto à vontade
com os limites, porque o que me define são os
problemas que estudo. Os problemas que

Escola Superior de Educação de Portalegre


estudo, posso estudá-los desde a psicologia,
desde a antropologia, desde a sociologia, desde
a pedagogia ou desde qualquer área que me
interessa, ou seja, creio que tudo isso está
presente. Por exemplo, o meu trabalho em
Belas-Artes tem sido um trabalho que me tem
marcado, a reflexão sobre as artes visuais,
sobretudo sobre a arte contemporânea, foi
uma coisa que me marcou; a reflexão sobre a
estética contemporânea, o pós-modernismo e a
pós-modernidade, foi uma coisa que me marcou,
mas é difícil dizer qual é o que predomina e não
sei onde colocar-me. Talvez esta indefinição seja
um mau exemplo para quem precisa sentir-se
protegido por um saber, uma profissão que lhe
dê identidade. Actualmente, parece-me que os
sujeitos movem-se mais em posições de trânsito
que de estabilidade. E isto é algo que me preo-
cupa em relação à escola.

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A Cultura Visual e as Novas
Perspectivas Críticas para a
Educação Visual
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Leonardo Charréu
Departamento de Pedagogia e
Educação
TEMA CENTRAL

A cultura visual como um num sentido lato, pela globalização pós-mo-


novo campo de conhecimentos trans- derna do visual e pela sua participação na vida
disciplinares quotidiana. Muitos críticos num número vasto
de disciplinas, tais como a história da arte, o
cinema, os estudos de media, a sociologia e a
educação (entre muitas outras disciplinas), têm
“ A experiência humana é agora mais começado a descrever este campo emergente
Escola Superior de Educação de Portalegre

visual e visualizada do que alguma vez foi no como “cultura visual” (Duncum, 1997; Bar-
passado. Do satélite às imagens médicas do nard, 1998; Hernandéz, 1997 e 2000; Drucker,
interior do corpo humano. Na era do écran 1999; Lloyd, 1999; Mirzoeff 2001; Rose, 2001;
visual, o nosso ponto de vista é crucial (...) ver é etc.).
muito mais do que acreditar. Não é apenas uma
parte da vida diária, é a vida diária.” A cultura visual não depende das
Nicholas Mirzoeff próprias imagens, mas da tendência moderna
para fotografar e visualizar a existência, e das
O hiato entre a riqueza da experiência novas formas de relacionamento humano que
visual na cultura contemporânea (que enten- o mundo da “imagem” passou a proporcionar
demos como pós-moderna1 ) e a competência no quotidiano social. Esta visualidade cres-
requerida para analisar esse facto, que deveria cente torna o período moderno radicalmente
ser, por conseguinte, uma nova função escolar, diferente do mundo antigo e medieval.
consciencializa-nos quer para a oportunidade, “Enquanto tal visualização se foi tornando
quer para a necessidade da cultura visual como comum durante o período moderno, tornou-se
um novo campo de estudos. Esta nova área de agora compulsiva” (Mirzoeff, 2001:5-6), o que
estudos é incontornável2 e fundamental para a constitui, para muitos autores, uma qualida-
compreensão das dinâmicas culturais que se de distintiva do pós-moderno em relação ao
desenvolvem no mundo polifacetado que é hoje moderno. A segunda geração de telemóveis
o nosso. pessoais - capazes de transmitir imagens - é o
melhor exemplo desta tendência. A voz é
Enquanto os diferentes media visuais importante, mas necessita da imagem para que
tinham vindo a ser estudados de forma um sentido de totalidade de comunicação se
independente, regra geral, sob uma perspecti- estabeleça. No entanto, corremos riscos de nos
va historicista e descritiva, existe agora uma envolvermos no tecnofetichismo para que Ker-
necessidade de interpretar os efeitos causados, ckchove ( 1997: 31) nos alerta.

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O facto de a sua identificação, configu- A definição de Barnard3 (1998, citado
ração e necessidade, como um novo campo de por Duncum, 2001) procura não só evitar as
saber, ter partido de várias áreas disciplinares, contingências da definição de Mirzoeff, mas
é a mais consistente prova de que a “cul- sobretudo situar o novo campo4, ou área de
tura visual” é, de facto, por definição e por estudos, sob uma perspectiva mais consensual.
coerência das suas articulações, mais uma área Decompondo o conceito, oferece, na verdade,
transdisciplinar do que uma “disciplina” nova. não uma, mas duas definições. Numa atende
ao termo “cultura” e noutra atende ao termo
O facto de não haver, por enquanto, “visual” da cultura visual.

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


nenhuma “estrutura institucional” individuali-
zada (Duncum, 2001), à qual se possa associar - O termo “cultura” é entendido como
a cultura visual, cria-nos dificuldades para lhe “o conjunto das instituições, objectos, práticas,
articularmos uma definição coerente. Todavia, valores e crenças por intermédio dos quais uma
é de esperar que as suas definições variem sociedade é visualmente produzida, reproduzida
significativamente, tal como aliás a própria e contestada”(Barnard, 1998:7).
definição de arte, que está inserida numa - Por sua vez, por “visual” entende-
secular superestrutura institucional, cujas se: “tudo o que é visualmente produzido,
dinâmicas, próprias do organismo vivo que é, interpretado ou criado pelo homem, e que
pouco ou nada a beneficiaram no sentido da possui, ou a que é atribuída uma intenciona-

TEMA CENTRAL
elaboração de uma definição satisfatória lidade comunicativa e/ou estética” (Barnard,
(partindo do ponto de vista que em arte seja 1998:18).
possível haver algum tipo de definição satis- A cultura visual tem, entretanto,
fatória). uma genealogia que tanto necessita de ser
explorada e definida para o período moderno,
Segundo Mirzoeff (2001:3), “a cultura como para o período pós-moderno5 (Foucault,
visual preocupa-se com acontecimentos e 1998). Para alguns críticos, a cultura visual é

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factos visuais nos quais a informação, signifi- “a história das imagens” manipuladas segundo
cado ou fruição são pensados pelo consumidor uma noção semiótica de representação (Bryson,
numa situação de interface com a tecnologia et al.1994: xvi). Esta definição cria um conjun-
visual”. Entendendo-se por tecnologia visual to de material tão vasto que uma única pessoa
qualquer forma de aparato concebido quer ou um único departamento universitário terão
para ser olhado, quer para facilitar e enrique- dificuldades em cobrir com suficiente rigor.
cer a visão natural, desde pintura a óleo, até à Esta constatação abre, obviamente, uma mina
televisão e à internet. inesgotável de material para investigação
pós-graduada.
No entanto, Duncum (2001) contes-
ta a definição de Mirzoeff, considerando-a No entanto, para outros, é um meio de
problemática em três pontos: criar uma “sociologia da cultura visual” que
- qualquer definição que seja dependente estabelecerá uma “teoria social da visibilida-
da tecnologia tende a ser pobre e limitada; de” (Jencks,1995: 1) Esta aproximação parece
- será certamente possível, mesmo abrir-se a uma perspectiva que atribui ao visual
numa sociedade crescentemente consumidora, uma independência artificial a partir de outros
considerar as pessoas de uma forma mais dig- sentidos que têm pouco a ver com a experiência
na e mais aberta do que simplesmente como real.
meros “consumidores”, e, finalmente;
- a educação artística está principal- O visual, deve então, ser utilizado num
mente interessada em “significado” e em sentido mais activo, concentrado no papel
“prazer” desinteressado (no sentido de fruição determinante da “cultura visual” no vasto
estética), e isso ultrapassa a análise crítica da campo da cultura geral, à qual pertence. Tal
informação visual propriamente dita (embora história da cultura visual deveria sublinhar
não a anule). aqueles momentos em que o visual é
contestado, debatido e transformado, como

aprenderMaio de 2003
pág 11
espaço constantemente desafiante de interacção nas sociedades contemporâneas que uma boa
social e de definição em termos de classe, géne- parte do conhecimento, tal como muitas formas
ro, e identidades sexuais e raciais. de entretenimento, são visualmente construídas,
A cultura visual é, por conseguinte, uma e o que vemos é tão ou mais importante do que o
área resolutamente interdisciplinar no sentido que lemos ou ouvimos6 (Hernandéz, 2001b).
dado ao termo por Roland Barthes, para o qual
a realização de trabalho interdisciplinar não O triunfo do “visual” tem causado
passava apenas por pegar num tema e rodeá- algum alarme, não apenas sobre o impacto
lo por duas ou três ciências, (esperando que alegadamente negativo que as tecnologias
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

nenhuma delas canibalizasse as outras). O visuais têm causado nas crianças (Buckin-
estudo interdisciplinar consiste, sim, em gham, 2000) como também sobre os alegados
criar um novo objecto, que não pertença, em comportamentos alienantes e anti-sociais
rigor, a nenhuma delas. Como já tem sido que eventualmente alguns dos seus produtos
frequentemente argumentado (McNair, 1995:xi), tecnológicos (como a televisão, o cinema e
isto implica “assumir elevados graus de a publicidade) e respectivas estratégias de
incerteza, risco e arbitrariedade” do que apresentação têm provocado no indivíduo.
aqueles que têm sido utilizados até agora. Isto No entanto, a questão talvez se devesse colo-
também implica, necessariamente, quebrar car mais sobre que conteúdos são veiculados
visualmente. A imagem como o texto podem
TEMA CENTRAL

velhas barreiras disciplinares e colocar ou-


tras mais permeáveis no seu lugar (Mirzoeff, ser utilizados para os mais variados fins. É o
2001:4). conteúdo e a intencionalidade (boa ou má, sob
o ponto de vista social e moral) que tornam
Reconceptualização da ideia de o que é visto e o que é lido, como algo de
educação artística em Artes Visuais. socialmente significativo. Por isso, acusar o
“visual” de potencialmente pernicioso para a
Durante a década de 90 consolidou-se educação é não reconhecer-lhe capacidades
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uma mudança, que se pode considerar para- que historicamente sempre possuiu e partir de
digmática, em relação à educação artística uma posição dogmática, viciada à partida e
em artes visuais. Surgiu, então, uma categoria epistemologicamente débil: a de que o “visual”
mais “inclusiva” – a de Cultura Visual – que é intrinsecamente mau.
vai muito além do estudo de temas, factos,
datas, “movimentos” ou destrezas técnicas, Todavia, o estudo da Cultura Visual na
pertencentes ao mundo institucionalizado escola não responde a um snobismo, mas sim
daquilo que, desde o século XVIII, se con- a uma necessidade (Hernandéz, 2001a). Não se
vencionou chamar de “Belas Artes” (Dun- trata de ensinar a educação artística, utilizando
cum, 2001) e que, sob influência francesa, um novo conceito, mas antes reconhecer que
a partir de finais da década de 60 e iní- o visual se “pulverizou” num sem número de
cios da década de 70, se tinha passado a tecnologias e de suportes, o que qualitativamente
designar “artes plásticas”. tem vindo a transformar a nossa sociedade.

As profundas transformações e mutações A educação artística como estudo


que têm ocorrido na sociedade contemporâ- das representações culturais e como
nea, em que a imagem requer agora leituras e universo de significados
abordagens diferentes das que foram
tradicionalmente realizadas, vieram originar que “A arte actua, sobretudo, como um
um número crescente de educadores (Hernan- mediador cultural de representações sociais
déz, 1997, 2000, 2001a e 2001b; Barnard 1998, relacionadas com a beleza, a religião, o poder, a
Drucker, 1999 e Freedman, 2000, entre muitos paisagem, as relações sociais , o corpo, etc.”
outros) tenham definido e centralizado o seu Fernando Hernandéz
tópico de estudo não na “arte” mas na “cultura
visual” que, segundo Mirzoeff (1998:6), “ainda A ideia de educação artística, onde nos
continua a ser uma ideia em construção”. situamos, passa por reconhecer que vivemos
inundados por uma enorme quantidade não só
O “visual” adquiriu uma importância tal aprender
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Maio de 2003
12
de imagens, (a nossa própria, as das pessoas identidade enquanto instituição científica. Isto
da nossa relação, a da nossa divindade, as dos não serve de desmotivação para aqueles que
nossos heróis, as dos nossos mitos etc.), procuram investigar o visual partindo de
mas também de inúmeros imaginários visu- “dentro” da universidade e aceitando as suas
ais (a colecção de arte moderna do museu regras científicas, antes pelo contrário, é um
visitado, as imagens da decoração infantil do incentivo para os que acreditam que é possí-
jardim-escola dos nossos filhos, as imagens da vel conjugar texto e imagem de modo fiável,
exposição de fotografia visitada, as imagens criativo.
“tradicionalmente” ligadas a determinado tipo O nosso uso das imagens9 e a aprecia-

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


de publicidade, as imagens de determinados ção que fazemos de determinadas imagens,
websites, das capas de revista, etc.); cada (artísticas e não-artísticas) revela simulta-
imaginário vinculado a diferentes estratégias neamente uma função social e uma função
da dinâmica cultural, umas já mais ou menos estética: “diz algo sobre quem somos e
consolidadas, histórica e socialmente, outras como queremos ser vistos” (Rose, 2001:28)
ainda em fase de afirmação e consolidação. e como “queremos ver”. Esta perspectiva
Nesta perspectiva, o conceito de cultura implica expandir as nossas noções e os nossos
visual é “novo”, precisamente devido ao seu conceitos relativamente à educação artística,
interesse no visual, como “lugar” onde os tradicionalmente ligados à “leitura” passiva”

TEMA CENTRAL
significados são criados e contestados, e de imagens baseada nos pressupostos analítico-
também relativamente ao interesse que -composicional de tipo formal (linhas, texturas,
manifesta pelas imagens da cultura do esquemas composicionais, etc.) (Jay, 1996 e
quotidiano, considerando-as com o mesmo Hernandéz, 2000:46). Isto significa colocar
estatuto, geralmente atribuído às imagens da em segundo plano a crença no universalismo
chamada alta cultura (onde se incluem as estético 10 e considerar a “arte como um
chamadas belas artes). mediador cultural”, o que lhe confere uma
importância extraordinária, se for analisada sob

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A emergência da cultura visual veio o ponto de vista educativo.
também dar origem a desenvolvimentos que
Mitchell chamou de “teoria da imagem”, Devemos, então, prestar atenção à
fundamentada na consciência de que, mesmo compreensão da cultura visual e isso passa por
entre outras disciplinas, alguns aspectos da definir estratégias de abordagem às imagens
filosofia ocidental (Bergson, Merleau-Ponty, (a potencialmente todas as imagens), pondo de
Goodman, etc.) terem vindo a adoptar um lado os limites disciplinares que historicamente
ponto de vista mais pictórico do que textual em sempre marcaram os critérios de gosto mais ou
relação ao mundo, o que nos permite dizer que menos oficializado (Hernandéz, 2000:46).
se estabeleceu um desafio significativo para a No contexto sócio-cultural determina-
noção de mundo como texto escrito7 . do pelos fenómenos da pós-modernidade11 ,
Na opinião de Mitchell, a “teoria da aludidos anteriormente no capítulo 1, te-
imagem” é gerada a partir da realização que mos então o caminho aberto para estudar “a
o espectador pode efectuar (o olhar, a “olha- capacidade de todas as culturas para produ-
dela”, as práticas de observação, a vigília, a zir imagens (artísticas e não artísticas) no
fruição visual etc.), que pode ser mais ou menos passado e no presente com a finalidade de
intensa consoante as variadas formas ou pos- conhecer os seus significados e como afectam
turas de “leitura” (decifração, descodificação, as nossas visões sobre nós próprios e sobre o
interpretação, etc.), admitindo-se, de antemão, universo visual no qual estamos imersos” (Her-
que essa experiência visual poderá não ser nandéz, 2000: 46).
completamente explicada sob o modelo da
textualidade8 (Mitchell, 1994:16). Este facto Assim, ao ser a cultura o contexto
continua a conferir ao “visual” uma posição
epistemologicamente débil num meio univer-
sitário que continua a alicerçar no texto a sua

aprenderMaio de 2003
pág 13
simbólico significativo em que se inscrevem construam a sua relação-representação com
os acontecimentos humanos, o que se trata de os objectos materiais de cada cultura. Neste
fazer é, por meio da educação artística, sentido, a cultura visual contribuiu para que
interpretar o sentido do valor das acções os indivíduos fixem as representações sobre si
simbólicas dos homens. Nessas descri- mesmos e sobre o mundo, bem como os seus
ções interpretativas das condutas pautadas modos de pensar-se. A importância primordial
culturalmente, deve proceder-se ao que Geertz da cultura visual é mediar no processo como
chama “uma descrição densa”, revelando uma olhamos e como nos olhamos, e contribuir para
hierarquia estratificada de estruturas a produção de mundos, quer dizer, que os seres
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

significativas onde se produzem, percebem e humanos saibam muito mais do que aquilo
interpretam as imagens simbólicas elaboradas que experimentaram pessoalmente e que a sua
pelos homens (Nicolás Durá na introdução de experiência dos objectos e dos fenómenos que
Geertz,1996: 26). constituem a realidade seja realizada através
desses objectos mediadores que denominamos
Esta abordagem culturalista da edu- como artísticos”.
cação artística considera a arte num patamar
Uma educação artística fundamentada
situado muito para além da visão sistémica de
no conceito de cultura visual depende, todavia,
Bonito-Oliva. Esta última talvez faça senti-
de premissas sem as quais perderia coerência
do num contexto de uma “educação para a
TEMA CENTRAL

interna. Uma delas consiste em admitir, a priori,


arte”, que no ensino secundário normalmente
que não existe nenhum ambiente sócio-cultural
conduz os alunos para a frequência do ensino
que tenha uma identidade independente da
superior artístico. Mas num contexto básico de
forma como os seres humanos utilizam os
“educação com arte” o posicionamento
significados, os meios tecnológicos e as
sociológico de Zolberg (1990, citado por
comunicações, mediante os quais cada um
Hernandéz, 2000:47) parece-nos mais
constrói a sua subjectividade e a sua vida
adequado.
mental.
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Neste posicionamento, a arte não é


A educação artística surge, assim,
dependente do sistema identificado por
como uma possibilidade de, ultrapassando as
Bonito-Oliva, é antes considerada como uma
experimentações expressivas oficinais (que
construção social que muda no espaço, no
continuam a fazer sentido e não se negam)
tempo e na cultura, e que hoje continua a
podermos expandir o nosso campo de acção
reflectir-se nos objectos artísticos, é certo, mas
educativa em direcção ao estudo das represen-
expande agora o seu campo de acção, reflec-
tações culturais. Isto leva-nos a considerar as
tindo-se também nas instituições, (como nos
obras artísticas, bem como qualquer objecto
museus, centros de arte moderna e galerias que
ou manifestação de cultura visual (Barnard,
já não são apenas considerados como mos-
1998:108), como objectos e manifestações que
truários passivos, mas organismos vivos onde
nos levam a reflectir também sobre as formas
muitas obras adquirem significados novos)
de pensamento da cultura onde são produzi-
nos meios de comunicação, nos artistas e no
dos e onde ocorrem essas manifestações. Esta
público (onde muitas vezes a obra “se reali-
perspectiva engrandece e enobrece a educação
za”).
artística em artes visuais. Mas, mais importante
A função “mediadora” da arte, que do que a mudança de estatuto, é a possibilida-
destacamos no texto-citação do início deste de de, sob esta perspectiva, podermos olhar
ponto, deriva do conceito de mediação de uma manifestação artística de outro tempo
Vigotsky, que concebe qualquer objecto que ou de outra cultura e podermos penetrar mais
se apresente como signo como “possuidor de profundamente no substrato de uma cultura
significado”. Partir deste princípio é supor, como que se encontra mais para além do visual. Isto
Hernandéz (2000: 47-48), que: significa olhar mais atentamente e entrar –
mediados pela arte, pelos objectos comuns da
“a arte, os objectos e os meios da cul- cultura visual e pelos comportamentos sociais
tura visual contribuem para que os humanos – na vida da sociedade que se faz representar

aprender
pág
Maio de 2003
14
nesses elementos.
- a criação artística continuou a penetrar
o âmbito da actividade intelectual relegando
Esta perspectiva de olhar os factos os processos materiais para um plano secundá-
artísticos (e extra-artísticos) é um “olhar rio, facto que ocorreu e se desenvolveu, com
cultural”. Assim, aquilo a que chamamos inúmeras estratégias, durante todo o século XX.
“cultura”, de acordo com Geertz (1983), seria A educação artística de hoje não deverá apenas
“a construção e participação dos indivíduos conceber-se como uma “educação perceptiva”
num sistema geral de formas simbólicas, e o passiva e limitada às instâncias mais elemen-
que denominamos “arte” seria uma parte dessa tares das nossas relações com o facto visual

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


cultura”. ou artístico, ou como uma educação activa
frente aos processos criativos de simples valor
Para partirmos de uma posição como esta
decorativo (perceptivo). Hoje, a educação
teremos que considerar a arte, a cultura visual e
artística deve assumir uma concepção formativa
o significado segundo as combinações e as con-
integral, comprometida com a nossa cultura e
cepções sintetizadas por Hernandéz (2000:49),
com o perfil ou os perfis que, numa perspectiva
nas quais:
de pluralismo, lhe corresponderá. Isto implica
- a arte e a cultura visual actuam como a revalorização do seu fundamento intelectual
mediadoras de significados; e do seu compromisso com a aventura do nosso

TEMA CENTRAL
- o significado pode ser interpretado e conhecimento.
construído;
- Então, a criação artística e o seu
- os objectos artísticos12 produzem-se
ensino, devem conceber-se a partir de um novo
num contexto de relação entre quem os realiza
ponto de vista, abandonando definitivamente
e o mundo;
os esquemas obsoletos articulados em função
- os artefactos visuais podem informar
da proeminência do processo material e ba-
os observadores sobre eles próprios e sobre
seados na estanquicidade da aprendizagem.
temas relevantes do mundo.
Assim, a “integração das artes” segue a par

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Como o significado é fundamental como com a “integração dos conhecimentos”14, sendo
conteúdo educativo, uma educação para a atribuída à criação artística a mesma importân-
compreensão da cultura visual vai tê-lo cia que é atribuída a qualquer outro campo do
sempre como guia e como elemento distintivo conhecimento que proporcione ao aluno “mais
em relação às outras posturas concorrentes de uma forma” de relacionar-se integralmente com
educação artística. o mundo exterior. (Perela, 1991: 243)
As propostas educativas da cultura Assim, da mesma forma que na época
visual e da educação artística para a da generalização da palavra impressa o papel
compreensão. da educação era o de ensinar as pessoas a ler e
escrever, hoje, na época da generalização da
arte, que chega com a maior das facilidades
A Educação Artística – que será mais do
à nossa percepção (via televisão, cinema
que “Educação Visual”– deverá então “manter
video-documentário, internet, etc.), o papel
um mínimo de conexão com os problemas
da educação deveria ser o de lutar contra o
culturais do seu tempo” (Perela, 1991:243). Isto
analfabetismo estético (Mendéz, 1991:125),
significa considerar que:
mas também o de assumir a mudança pa-
radigmática que procuramos identificar
- a criação artística (considerada como
anteriormente e constituir-se como mais um
mais um elemento do nosso sistema cultural)
meio de compreensão da(s) cultura(s) huma-
está intimamente relacionada com as variáveis
na.
que compõem o dito sistema, de maneira que
deverá submeter-se ao quadro estrutural, aos A educação, desde a idade mais
meios tecnológicos 13, aos nossos modelos precoce, deve então servir para despertar e
de pensamento e, dentro destes últimos, às formar nos alunos a vocação e a capacidade
preocupações e questões estéticas geradas no de aproveitar não só os livros, o teatro e os
seio da nossa sociedade; museus, mas também o cinema, a rádio, e a
televisão, as reproduções 15 das obras
aprenderMaio de 2003
pág 15
segundo Mendéz (1991:125), deverá realizar mesmo com uma preparação mínima, fazer uma
um grande esforço com vista a integrar os manipulação de imagem e alterar-lhe a forma e
múltiplos elementos da cultura artística para os conteúdos ao nível dos significados. Mais,
formar a “capacidade de compreensão e de qualquer indivíduo pode, em segundos, divul-
utilização” desta multifacetada linguagem gar essa imagem à escala planetária16 com um
artística “em igualdade com a linguagem impacto que, em relação a muitos conteúdos,
técnico-científica.”. Algo que como sabemos está ainda por estudar e avaliar.
está ainda num estado muito embrionário, pese
embora a quantidade de literatura desenvol- Chega-se inclusivamente a um ponto
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

vida sobre a importância e a necessidade das em que as economias de países desenvolvidos,


artes na educação (Arnheim, 1993; Eisner, internacionalizando-se e operando em
1995; Gardner, 1997; etc.) e das pontes que mercados de consumo altamente competitivos,
necessita de fazer para fora do seu âmbito cada vez mais globalizados, se baseiam cada
restrito (Efland, Freedamn & Sthur, 1996; Dru- vez mais na produção de imagens (Mirzoeff,
cker, 1999; Hernandéz, 2000, 2001a e 2001b; 2001: 3 e Barber, 1995:90) e de bens estilizados
Duncum, 2001, etc.). do que na produção de bens utilitários (como
ferramentas ou maquinarias).
A mudança verificada para a cultura
visual ocorre devido a um número variado A educação, contudo, não tem de andar
TEMA CENTRAL

de razões (Duncum, 2001), que podemos so- necessariamente a reboque da economia, mas
mar a todas as outras que já referimos atrás, deve atender aos sinais de mudança cultural
mas a principal de todas prende-se com o que nos submergem por todos os lados e que
reconhecimento de que, quer as sociedades exigem uma resposta educativa mais eficaz .
economicamente desenvolvidas sejam vistas Isto significa abrir-se à mudança que talvez
como uma “sociedade do espectáculo” (Debord, passe por ensaiar novas posturas e novas
1967), quer sejam vistas como uma “sociedade experiências educativas que sintetizamos nos
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de vigilância” (Foucault, 1977), parece não quadros que apresentamos.


haver dúvidas de que a mudança cultural (Har- Em concreto para nos acercarmos dos
vey, 1989) ocorrida na sociedade implicou objectos que formam parte da Cultura Visual, é
também uma “mudança visual”(Jay, 1989:49) ou necessário um modelo sistémico, ou um ciclo
uma “mudança gráfica” (Mitchell, 1994:13). que tenha em conta a produção, a distribui-
ção e o consumo desses objectos. (Walker &
Nunca antes na história a imagem e a Chaplin,1997; Rose, 2001, Hernandéz, 2001
iconografia foram tão centrais como agora para a e 2001b). Cada um desses momentos supõe
a criação de identidade ou para a procura e diferentes perguntas, em relação com a
distribuição do conhecimento (Chaplin, compreensão ou a investigação que se
1994). Nunca antes a estilização dos produtos pretende seguir. Consequentemente teremos de
estéticos tinha sido tão intensa como agora ter em consideração dois factores:
(Lash & Urry, 1995), do mesmo modo, nunca
antes como agora a produção e distribuição - o estudo do papel regulador das
de imagens foi tão óbvia e a tecnologia da instituições (porque são as que facilitam e
imagem tão facilmente manipulável (Ro- controlam o visual),
chlin,1997) nem nunca foi tão imersiva como
agora (Doheny-Farina, 1996). Também nun- - o estudo das relações culturais e
ca antes como agora as imagens foram tão económicas que se produzem à volta do
auto-referenciais e indiscutivelmente tão universo visual.”
sedutoras (Baudrillard, 1983 e 1995). Nunca
antes como agora as imagens serviram tanto “Tudo isto faz com que o estudo da
para a manipulação do público como para a Cultura Visual se nos apresente como um
manutenção da autoridade (Postman, 1985). campo móvel, que tanto a partir do ponto
Existe hoje um conjunto enorme de software de vista das representações, como do ponto
informático que permite a qualquer indivíduo, de vista das tecnologias da informação e da

aprender
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comunicação, vai deixando obsoletas porâneos produzem em determinados tipos de
determinadas aproximações, ao mesmo tem- audiências. A partir de uma perspectiva edu-
po que recobre e expande o conteúdo das cativa, os objectos da cultura visual que maior
diferentes produções que diariamente se presença têm entre as crianças em idade
incorporam no campo que denominamos de infantil e entre adolescentes poderiam ser
Cultura Visual. Campo de estudos que existe, óptimos pontos de partida17 para investigações
ao mesmo tempo, fora e dentro de cada um. sob a plataforma da cultura visual.
Daqui que seja necessária acercarmo-nos
da existência material dos objectos e do seu Então a nossa intenção não foi, nestes

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


impacto e recepção óptica, cognitiva e últimos parágrafos, elaborar uma prescrição
emocional”. (Hernandéz, 2001 a) para uma disciplina individual que, vimos
anteriormente, será sempre insuficiente como
A quantidade e a multiplicidade de plataforma para o estudo da cultura visual
objectos que se produziram e se produzem, contemporânea, onde se inclui a cultura
sobretudo, nestes últimos anos, tornam artística. Como a cultura visual é acima de
necessário a realização de uma espécie de tudo uma área transdisciplinar (ou uma “tácti-
triagem – onde o papel do professor é mui- ca”), procuramos, sim, nos quadros seguintes,
to importante – de modo a que o estudo da sublinhar e destacar as ideias e as posturas que

TEMA CENTRAL
Cultura Visual inclua aspectos relacionados julgamos fundamentais para percebermos os
com a qualidade dessas “produções” que se traços originais e distintivos de uma renova-
escolham para estudo por serem, precisamente, da pedagogia que eleva as áreas curriculares
mais representativas. artísticas mais acima das simples manualidades
para onde tinham sido remetidas pela visão
Segundo Hernandéz (2001 a), um curricular modernista.
critério de selecção poderia ser a recepção
que determinados objectos e ícones contem-

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Objectivos Pedagógicos da Cultura Visual

Adaptação de textos inéditos de Kerry Freedman (materiais policopiados fornecidos pela autora no curso
EAAV, da FBA-UB, em 2 – 2 – 1998).

aprenderMaio de 2003
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Componentes e orientações “gerais” para o ensino da Cultura Visual
Educação Artística: Traçados Contemporâneos
TEMA CENTRAL

Adaptação de textos inéditos de Kerry Freedman (materiais policopiados fornecidos pela autora no curso EAAV,
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da FBA-UB, em 2 – 2 – 1998)

As possibilidades e as implicações da
cultura visual no panorama curricu-
lar

com a arte e na imposição sobre esta última de


É certo que a modernidade, segundo esquemas puramente descritivos e historicistas
Levin (1993), supõe o império do visual, mas dos quais a história da arte, como disciplina já
não é menos certo que a “alta cultura”, a cultura autónoma, tem tido dificuldades em abandonar
que normalmente o senso comum considera (e que os conteúdos dos quadros procuram
“de carácter”, continua a ser predominante- responder).
mente textual. Dá-se uma espécie de sistema Escolhemos a história da arte, como
hierárquico, segundo o qual a análise da poderíamos escolher qualquer outra disciplina
imagem ocupa um lugar secundário se do currículo. A vantagem da história da arte
comparado com o prestígio da crítica lite- reside na sua dimensão retrospectiva e do
rária, da filosofia, da história política ou do conjunto de materiais visuais que sempre
pensamento, sempre por via escrita. A histó- consegue reunir. No entanto, um bom estudo
ria da imagem artística costuma utilizar-se de cultura visual poderia passar por questionar
como ilustração de outras disciplinas, ou (o a natureza das escolhas das “histórias” da arte
que é pior), estas disciplinas servem de marco
dignificador para a obra visual, como durante
muitos anos ocorreu na relação da história

aprender
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18
Tendências recentes da História da Arte

Adaptação de Freedman (1992: 85)

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Já por si, os posicionamentos e as ultrapassam as fronteiras das disciplinas acadé-
propostas tão simples quanto as que Kerry micas tradicionais. Neste sentido:
Freedman sistematiza (1992:85) implicam
profundas transformações em relação às “(...) a cultura visual é uma táctica e
práticas prevalecentes entre a maioria dos não uma disciplina académica. É uma estrutura
professores 18 desta disciplina (que poderia interpretativa fluida, centrada na compreen-
servir de plataforma de aglomeração de são da resposta a conteúdos visuais, quer de
disciplinas para um projecto de estudo de indivíduos quer de grupos. Procura investigar
cultura visual). por detrás dos tradicionais limites universitá-
rios para interagir com a vida quotidiana das
Para alguns autores, a cultura visual pessoas” (Mirzoeff, 2001: 4-5).
pode parecer perder-se num vasto âmbito de
temas ligados aos mais variados objectos li- Já para Hernandéz (2001a), a cultura
gados a um uso prático (Barnard, 1998:108) visual não se concebe como mais uma
e, consequentemente, pouco nobres para uma disciplina, nem como mais uma matéria.
abordagem académica. Como pouco nobre Essencialmente, “trata-se de uma perspectiva
poderão ser “as experiências vitais dos alu- que tem a intenção de estabelecer nexos entre
nos” que constituíram o âmago do nosso problemas, lugares e tempos, com a finali-
instrumento empírico. É verdade que a cultu- dade de opor-se ao potencial etnocentrista e
ra visual não se adapta confortavelmente às uni-direccional dos enfoques que seguem as
estruturas universitárias existentes. Toma disciplinas actuais e na forma como estas se
sobretudo parte num corpo emergente de reflectem nos manuais de estudo”.
esforços académicos “pós-disciplinares”, que
Fundamentado-se na história, Mirzoeff
vão dos estudos culturais, aos estudos sobre
procura encontrar, uma razão para o facto de a
minorias étnicas e minorias religiosas, en-
dimensão visual da cultura ter sido conside-
tre muitos outros. Estes focos de interesse

aprenderMaio de 2003
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da historicamente como uma manifestação “Quando se denuncia o lugar
cultural de segundo nível. Este autor encon- vergonhoso para o qual a universidade tradi-
tra na pesada influência da filosofia platónica cional relegou as ciências da imagem pela sua
algumas das causas mais consistentes. suposta falta de base científica, não podemos
Sobretudo na sua República, e na sua famosa fazer outra coisa senão unirmo-nos a essa
alegoria da caverna, onde considera que tudo denúncia dado que as ciências da imagem
o que existe na natureza (incluindo as pesso- alcançaram nos últimos tempos um importante
as) são apenas cópias do perfeito ideal desses grau de desenvolvimento científico, fundin-
objectos. Isto leva a considerar as obras de do as suas raízes na história da arte e em
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

arte visual produzidas pelos artistas como más múltiplas achegas sobre a análise da imagem
cópias do real, dado que sendo “cópias de que foram desenvolvidas pelas diversas metodo-
cópias” fazem assim aumentar ainda mais a logias da historiografia artística”. (Castellary,
possibilidade de distorção. As obras de arte e 1997: 3-4).
qualquer tipo de representação visual estão, No entanto, como vimos anteriormente,
assim, na perspectiva platónica, longe da ideia o “objecto” da cultura visual é bem diferente
de verdade que vai constituir um conceito e ultrapassa claramente os objectivos co-
de referência em toda a filosofia ocidental municacionais puros procurados por muitos
até à contemporaneidade. Será o conceito autores 19 . Um dos méritos reconhecidos à
TEMA CENTRAL

fundamental do mundo universi- cultura visual também foi o de destronar de


tário. Segundo Mirzoeff (2001:9): “Esta cima do pedestal imperial o papel excelso
hostilidade para com a imagem tem tido uma normalmente atribuído às belas artes, em ris-
influência enorme no pensamento ocidental co de fossilização definitiva se não aceitarem
até à actualidade. Algumas imagens têm sido integrar e fazer parte das novas dinâmicas
consideradas demasiado perigosas para culturais da sociedade contemporânea. Elas
existirem, levando os iconoclastas a procu- passam não só pela necessidade de uma
rarem a sua destruição ou a sua remoção do
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mudança de designação - de “belas artes” para


olhar do público. Em tais campanhas, distinções “artes visuais”20 – que paradoxalmente encerra
entre belas artes e cultura popular têm na sua simplicidade uma complexidade de
normalmente pouco peso para aquilo que é campos e de âmbitos que vão agora dos
considerado correcto”. tradicionais suportes matéricos aos suportes
Por outro lado, importa também digitais, em que os “zeros” e os “uns” ditam
considerar que levamos algum tempo a agora a sua lei, vingando-se do esquecimento
sublinhar a necessidade de que os investiga- a que as artes visuais votaram as outras áreas
dores, em particular os das ciências humanas, do conhecimento (atitude recíproca, ao que
compreendessem o papel revolucionário parece) durante uma boa parte do século XX.
que para a cultura poderia desempenhar o
audiovisual e a interactividade, ligando a A cultura visual como estratégia e
história da arte com a imagem mecânica e resposta “curricularmente aberta”
reivindicando o carácter científico da imagem
audiovisual. “O que interessa é explorar a visualidade
humana, quer dizer, a leitura sobre a humanidade
Num artigo de referência, Jimenéz
que provém do universo do visual, na sua dupla
(1993), citado por Castellary (1997:3), refere-
dimensão de presença e reflexo. Este é o campo
se à “dívida académica” que devem pagar os
que delimita e a finalidade que pretende a Cul-
que se dedicam ao estudo da imagem. Esta
tura Visual”. Fernando Hernandéz
dívida não é outra senão a que reclamam “os
reaccionários da universidade napoleónica”
Assentar o currículo sobre as premissas
pela incorporação do universo do audiovisu-
da cultura visual não significa, portanto, criar
al no âmbito universitário, acusando os seus
mais uma disciplina – o que seria problemático
investigadores de falta de identidade e de
no actual contexto de “encolhimento” curri-
carecerem de um autêntico estatuto epistemo-
cular – antes pelo contrário, procura dar uma
lógico.
resposta ao que Postman (1999) citado por
aprender
pág
Maio de 2003
20
Hernandéz (2001a) denomina de “crise de individualizada, mas sim um modo mais crítico
narrativa” de que padecem a escola e a de operar no seio da educação. Numa perspec-
educação actuais e que, não sendo casos tiva ampla, pode aceitar as oficinas artísticas,
isolados, acabam por ser o reflexo de uma no início de um trajecto curricular, para depois,
crise mais profunda que afecta a maioria das apoiando-se na idade e numa maior competência
estruturas morais e económicas das socieda- e maturidade cognitivas dos alunos, reveladas
des contemporâneas. A maioria dessas crises na sua passagem da infância à adolescência,
deve-se às mudanças que afectam a época chegar a assertos mais críticos e mais analíti-
pós-moderna (Lyon, 1997; Hargreaves, 1998; cos, conforme os contidos na figura da página

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Giddens, 2000, etc.) e estão relacionadas com seguinte.
aspectos da vida nas sociedades contemporâne-
as, sistematizados principalmente por Hargrea- Deste modo, em educação, assumir uma
ves (1998: 43-102). “nova narrativa”1 implica ultrapassar de vez a
ideia de escola compartimentada por disciplinas,
A Cultura Visual pode servir como um onde os agentes educativos, em particular os
exemplo a partir do qual se esboce um caminho professores, como o demonstraram Hargreaves
a seguir, no sentido de se encontrarem respostas (1998), Goodson (1999) e Hernandéz (2001a),
para as mudanças que experimentamos, ultra- procuram, em primeiro lugar, uma legitimação

TEMA CENTRAL
passando aquilo que Hernandéz (2001a) con- individual, ao mesmo tempo que também pro-
sidera como “soluções milagrosas”4, que, como curam legitimar o seu saber e o tipo de mundo do
dogmáticas que são, “não questionam o sentido qual são mediadores (muitas vezes mediadores
e a função do saber escolar, a organização do distraídos). Os instrumentos de legitimação são
currículo por disciplinas, a compartimentação sobretudo os manuais de estudo e, na prática
por idades, a consideração da criança, menino lectiva, as avaliações formais (testes e exames).
ou menina, como “aprendizes” e não como Esta visão educativa do saber compartimen-
sujeitos, a predominância da instrução sobre a tado acaba por não servir para dar respostas a

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educação”. questões complexas que a contemporaneidade
nos coloca e que escapam ao rigor de análise
As opções fundamentalmente oficinais de uma única disciplina. Consequentemente:
de raiz auto-expressiva (apresentadas com “deixam à margem (excluem) muitas questões
frequência como verdades absolutas), que fundamentais (tanto as pertencentes à via do
fizeram escola, têm ainda uma presença conhecimento como as pertencentes à via das
bastante forte no seio do currículo, em várias experiências) que têm um papel essencial na
disciplinas formais próximas do conceito de compreensão e actuação sobre o mundo e no
educação artística, (oficina de artes, história conhecimento de si mesmo, das crianças e dos
da arte, educação visual, etc.) caídas na rotina, adolescentes” (Hernandéz, 2001a).
raramente questionam as visões do mundo e
da realidade que estão tentando mediar. Da Assim para se constituir como “uma
mesma forma, raramente procuram questionar estratégia curricular aberta”, expressão que
que papel se outorga à construção da identidade privilegiamos no título deste ponto capitular,
nestas actividades escolares, e a estrutura de a cultura visual não é mais do que uma pers-
racionalidade e noção de arte mais adequada pectiva cujo objectivo fundamental é o de
para uma função educativa mais adequada à estabelecer nexos entre problemas, explorando
contemporaneidade. campos de conhecimento híbridos e mestiços
Quando nos referimos, então, à cultura (Debray,1994), que ajudem a contribuir para
visual, como resposta e estratégia “curricular- construir uma “história do olhar” em vez de uma
mente aberta”, não aspiramos a que esta seja a “história dos objectos artísticos”. Talvez resida
base do currículo, mas sim que esteja concep- aqui uma das diferenças fundamentais entre
tualmente presente nas estratégias transversais5
que levem uma ou várias disciplinas a abordar
uma dada problemática educativa. Porque, na
verdade, a cultura visual não é uma disciplina

aprenderMaio de 2003
pág 21
Educação Artística: Traçados Contemporâneos
TEMA CENTRAL

cultura visual e história da arte. Não se rais para aprender com eles. Estes objectos
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trata, pela definição, de diminuir a história da (identificados por Barnard, 1998:108) tanto
arte, mas sim conferir-lhe um estatuto equitativo podem ser ferramentas, objectos utilitários,
relativamente à cultura visual; esta pode ser decorativos e outros objectos de nível cultural
um modo de operar dentro da história das artes entendido como superior (termo entendido
visuais. Sem dúvida, um modo mais crítico não no sentido imperial e discriminatório, com
e mais atento a outros contextos, que não que é normalmente utilizado), como as obras
propriamente os que estão directamente de arte. Este conjunto de objectos de cultura
relacionados com a obra. representa um “mundo” e não são inanimados
(Duncum, 2001). Nem no sentido cultural, nem
A construção de uma “história do olhar” no sentido estético e semiótico, têm uma relação
é, pois, um primeiro patamar preliminar de com a vida das pessoas que, por sua vez, os
qualquer projecto de investigação que se apoie utilizaram e/ou os contemplaram em diferentes
na cultura visual. Esta construção supõe a épocas, em diferentes lugares (Chalmers, 1981;
aceitação da ideia de que “os objectos não têm Chapman, 1978 e Duncum, 1993).
vida, mas que adquirem sentido por intermédio
da experiência de quem os olha ou de quem os É este relacionamento da arte e dos
possui” (Hernandéz, 2001a). objectos culturais abrangidos pela cultura
visual com as pessoas que os experimentaram
Por outro lado, e partindo de uma pre- em vários níveis que interessa revelar, mais
missa da arqueologia, devemos considerar até do que provar a genialidade do artista, ou a
que os objectos também são uma fonte de dimensão intemporal da obra de arte.
conhecimento sobre uma determinada cultura A partir desta aproximação, “a cultu-
de um determinado tempo e de um determi- ra aparece como um sistema organizado de
nado lugar (onde incluímos a cultura urbana significados e símbolos que guiam o
ocidental). Então, daí advém a necessidade comportamento humano, permitindo-nos
de investigar sobre estes objectos cultu- definir o mundo, expressar os nossos

aprender
pág
Maio de 2003
22
sentimentos e formular juízos. Este olhar como a linguagem, mas que em relação à qual
cultural leva-nos a considerar que a noção de não é possível reduzir ou aplicar o modelo da lin-
arte expandiu-se durante todo o século XX, guagem. O que interessa é explorar a visualidade
mas de maneira especial nestas últimas décadas, humana, quer dizer, a leitura sobre a humanidade
assim como o tipo de objectos que se incluem que provém do universo do visual, na sua dupla
nela” (Hernandéz, 2001 a). dimensão de presença e reflexo. Este é o campo
que delimita e a finalidade que pretende a Cul-
A abertura curricular que a cultura tura Visual. (Hernandéz, 2001a).
visual exige advém também do facto de, na

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


actualidade, o estudo da imagem requerer não Assim, para abordarmos este campo
só visões formalistas, mas também teorias cultural da imagem, extraordinariamente
sociais. Por isso, teremos de transitar não só mutante, e para construirmos interpretações
pelas ciências da comunicação e da imagem sobre as manifestações do visual e situá-las na
como também pelas ciências humanas já esfera do social, que deveria ser o objectivo
constituídas e as que estão a emergir (como educativo principal, não podemos ficar apenas
os estudos culturais). Para Duncum (2001), com as disciplinas tradicionais do currícu-
apesar de o número de objectos que estuda- lo, como a história da arte, a estética, ou os
mos estar extraordinariamente alargado, a estudos e a crítica de arte, nem inclusivamente

TEMA CENTRAL
tónica deve ser colocada nos “mundos sociais” com a semiótica. Necessitamos da antropolo-
do imaginário visual, sejam estes mundos gia, da teoria crítica, dos estudos culturais, da
constitutivos de atitudes, de crenças ou de psicanálise, da linguística, da teoria literária,
valores. Por isso, o inestimável valor educativo da fenomenologia, dos estudos dos meios,
da cultura visual. do feminismo etc. Todavia, entenda-se que
estas áreas de estudo só fazem sentido numa
Como observar a nova visibilidade da perspectiva de educação avançada 2 e
cultura não é o mesmo que compreendê-la pós-graduada pelo que não as apontamos no

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(Duncum, 2001 e Mirzoeff, 2001), a finalidade nosso esquema da Figura 1 (por entendermos
da educação e do seu instrumento poderoso – que as áreas disciplinares indicadas apenas
que é cultura visual – deverá ser não só a de fazem sentido num contexto de educação
providenciar meios e técnicas para os jovens básica e secundária). Então, de todos estes
interpretarem e “lerem” imagens, mas sim a campos flui a fundamentação da qual se
de proporcionar competências críticas e ana- alimentam os estudos da Cultura Visual, para
líticas para que consigam “situá-las na esfera “ajudar-nos a explorar, mediante o visual, a
social,” nas estruturas da subjectividade, da dimensão social do olhar” (Hernandéz, 2001
identidade, do desejo, da memória e da a).
imaginação, para as quais não tem havido
grande interesse por parte das tradicionais
abordagens disciplinares (em regra mais
interessadas na produção ou na apreciação
estética “desinteressada” da obra).

Tu d o i s t o t e m c o m o o b j e c t i v o
“compreender a visualidade humana”, hoje
sujeita ao que Mitchell (1995), citado por
Hernandéz (2001a), denomina uma mudan-
ça gráfica. Esta compreensão da visualidade
humana, como já referimos atrás, constitui o
traço verdadeiramente distintivo da cultura
visual.
Esta mudança considera a visão e o visual
como uma forma de expressão cultural e de co-
municação humana tão fundamental e extensível

aprenderMaio de 2003
pág 23
Notas tes visuais tradicionais na constru-
ção de significado nas sociedades
1
Segundo Mirzoeff, (2001:3): “o pós-moder- contemporâneas.
nismo tem sido frequentemente considerado como a
crise do modernismo. Neste contexto, isto implica que o 5 Partindo-se do princípio, que
pós-moderno resulte de uma crise causada pelo mo-
dernismo e pela cultura moderna confrontando a fa-
é contestável, de que as condições
lência da sua própria estratégia de vizualização. Por culturais que definiam o período
outras palavras, é a crise visual da cultura que cria a moderno, de facto, já não são adapta-
pós-modernidade, não a sua textualidade. Enquanto
das para a definição cultural da pós-
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

a cultura impressa não irá certamente desaparecer, o


fascínio pelo visual e os seus efeitos, que marcou o modernidade contemporânea.
modernismo, engendrou a cultura pós-moderna, que será
tanto mais pós moderna quanto mais visual for”. 6 Este aspecto é reforçado pelo
novo conceito e pelas novas poten-
2 O que não quer dizer que a sua cialidades do hipermédia que “permite
consciencialização e aceitação pelas uma utilização simultânea do texto com
altas esferas dos decisores escolares a imagem, o audio e a grafia, estabe-
seja um facto consumado. Paul Duncum lecendo-se a base da velha dicotomia
(1997) refere mesmo que os teóricos cul- e primazia entre o visual e o textual e
TEMA CENTRAL

turais, partindo sobretudo da antropolo- criando uma relação dinâmica entre


gia e da sociologia, já nem sequer defen- ambos” (Castellary, 1997:3).
dem hoje a distinção entre alta cultura e
cultura popular, questionando mesmo
7
Esta noção dominou a discussão intelectual e
até quando estarão os educadores de
levou ao despertar de movimentos baseados na linguística
(tais como o estruturalismo e o pós-estruturalismo).
arte imunes aos novos ventos que so- 8
A cultura ocidental e a sua extensão universi-
pram das ciências sociais.
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tária têm privilegiado normalmente a palavra falada e


escrita como a mais alta forma de prática intelectual e
3
A 1ª edição da obra de Mirzoeff é de 1999, o viram sempre as representações visuais como meras
que significa que terá tido acesso à obra de Barnard que ilustrações de ideias de segundo plano. Deste modo,
cita na sua bibliografia. A não reformulação da definição a consideração do “visual” e da “arte visual” (uma
de cultura visual, nas duas reedições posteriores (a nossa nobre manifestação), como “área de conhecimento”
edição é de 2001) só demonstra aquilo que Duncum encontra-se no seu grau zero de desenvolvimento, o que
afirma em 2001 (cf. Bibliografia) que é o facto de equivale a dizer que novas metodologias de investigação
“qualquer definição dever ser vista como provisória e científica que atribuem ao visual a mesma dignidade
contestável”. científica atribuída historicamente a outras áreas do
conhecimento encontram-se por conceber.
4 Inserida na cultura visual, en-
contra-se uma extensa lista de objectos 9
As que penduramos nas paredes dos nossos
identificados por Barnard (1998:108): lares, nas paredes dos gabinetes das instituições onde
“a moda, os têxteis, a cerâmica, os trabalhamos, as que vemos (ou ignoramos) nos locais
públicos e privados, etc.
mais variados objectos comuns como
secadores de cabelo e máquinas de
10
Esta “crença” baseia-se na ideia de que o valor
barbear, os automóveis, a arquitectura,
estético depende de uma resposta universal, que, por sua
vez, depende da qualificação e legitimação outorgada
o design de jardins, os cartazes com pelos connoisseurs (críticos, teóricos, comissários,
as imagens populares e corporativas, conservadores etc.) da comunidade.
o cinema e a televisão, os jogos de 11
Como “a globalização”, “o mosaico fluído,
computador, as páginas in- “a compressão do tempo e do espaço, que colocam
ternet, os mais variados virtualmente todas as culturas, ou pelo menos uma
grande parte delas, em contacto umas com as outras.
produtos do design gráfi-
co, incluindo as letras e as 1 2 P a r a B o n i -
embalagens de todos os ti- to Oliva (1992:18) o objecto
pos”. Todos estes objectos artístico norte-americano é
concorrem com as chamadas ar- um objecto que “nunca se
aprender
pág
Maio de 2003
24
assume simbolicamente” e que da nossa sociedade tem exercido sobre
tem “o uso pragmático que domina nós.
toda a sociedade anglo-saxónica”, 16
Este facto e este poder comunicativo sem
enquanto o equivalente europeu ma- precedentes, cuja avaliação ainda se encontra por fazer,
nifesta-se de forma mais monumental é uma constatação que faz com que os instrumentos
que tende, inclusive, a uma ideia de tradicionais (orais e verbais) da cultura, por um lado,
invejem esta capacidade imediata de globalização do
“curto-circuito de tipo simbólico”. visual digitalizado; por outro lado, desconfiem da
13
Isto passa por considerar, como Barilli, (1994: maioria das estratégias de sedução do visual na
competição aberta por novos públicos.

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


103) que : “tanto os suportes bidimensionais como os
materiais para a versão de obras plásticas variaram
infinitamente no decurso da história, e continuarão 17
Estamos a referirmo-nos às imagens e aos
certamente a variar, dando lugar também, como ainda objectos que decoram e cobrem as paredes dos seus
agora se referiu, a uma rica casuística de hibrida- quartos de dormir, as imagens das suas capas da
ções recíprocas. Os factores de variação devem ser escolares, as revistas que lêem, os programas de
procurados nas condições gerais das culturas televisão que vêem, as representações dos grupos
gradualmente atravessadas, incluindo habitualmente na musicais, os jogos de computador, as suas imagens na
acepção de cultura as grandes escolhas tecnológicas” rede, a roupa, os seus ícones musicais, desportivos e
14
populares etc
O que equivale a dizer que a compreensão 18
Justificamos esta posição pela “observação
da arte, como a de qualquer facto humano, não tem que

TEMA CENTRAL
etnográfica” directa, decorrente da nossa actividade
obedecer a critérios específicos de aprendizagem, mas de orientação de estágio pedagógico (na Universidade
sim aos mesmos critérios que seguem o conhecimento de de Évora). A maioria dos alunos estagiários repete e
todas as ciências sociais. reproduz modelos de ensino que viu os seus professores
15
praticarem no ensino secundário.
Estas artes de massa só são possíveis de- 19
Acrescentando o que dissemos anteriormente,
vido à possibilidade de reprodução mecânica e, a cultura visual tem como objecto o estudo da imagem
consequentemente à sua facilidade de circulação e (artística e não-artística) ao longo da história, mas nun-
difusão. Todavia tal facto vai implicar uma mudança ca separada do observador época. O que a distingue da
de estatuto da obra de arte, bem referenciada por Walter história da arte “dura” em que raramente se considera “o

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Benjamin (1936)15 . Segundo o pensador alemão, “no que observa” no processo de conhecimento. Por outras
início do século XX, a reprodução técnica tinha atingido palavras trata das relações entre as imagens e as pessoas
um nível tal que começara a tornar objecto seu, não só para as quais estão destinadas, não se dissociando nem
a totalidade das obras de arte provenientes de épocas dos seus objectivos nem das circunstâncias históricas
anteriores, e a submeter os seus efeitos às modifica- em cujo seio encontra as suas lógicas de criação e
ções mais profundas, como também a conquistar o seu comunicação (Castellary, 1997:30).
próprio lugar entre os procedimentos artísticos”
(Benjamin, 1992:78). Isto leva ao questionamento da 20
Segundo Millet, (2000:26 citando Lawren-
noção de “aura” o que vai provocar um profundo abalo ce Alloway) “o papel atribuído às belas artes é o de
na tradição. Segundo Benjamim (1992:79) “poderia representar uma das formas possíveis de comunicação no
caracterizar-se a técnica de reprodução dizendo que seio de um sistema em expansão, que inclui igualmente
liberta o objecto reproduzido do domínio da tradi- as artes de massa”.
ção. Ao multiplicar o reproduzido, coloca no lugar de 21
Estas soluções milagrosas têm nomes como
ocorrência única a ocorrência em massa. Na medida psicologia da instrução, inteligências múltiplas, ensi-
em que permite à reprodução ir ao encontro de quem
apreende, actualiza o reproduzido em cada uma das
situações”.
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TEMA CENTRAL
Cambridge: Cambridge University Press.

Escola Superior de Educação de Portalegre

aprenderMaio de 2003
pág 27
Drawing in the School Curriculum
– Educational Meaning and Peda-
gogy Revisits
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

LAM Bick Har


Hong Kong Institute of Education

Abstract: vors. Correspondingly, a redefinition of drawing


in education may be timely to renew understan-
This review brings together relevant clas- ding for reorientation. What is supposed to be
TEMA CENTRAL

sical and modern literature to revisit some funda- good practice of drawing lessons? How drawing
mental beliefs on drawing to look for pedagogi- can be rendered in the school curriculum to
cal implications. It argues that flexibility, mental achieve the virtue educationally? The answers of
reflection, subject interpretation, psychological the questions can be obtained from the bygone
well being, and aesthetic experience are the es- literature revisited in below:
sential value of drawing that should be carefully
considered by teachers. The ideas are further The Flexible Nature of Drawing
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translated into some guiding principles to give


directions to the planning and instructions of It is difficult to isolate a definition for
drawing and art lessons in schools in the paper, drawing as it may carry specific meaning and
namely, exposure to visual stimuli, reflection and usage in individual disciplines. Drawing can
dialogue, reorganization of ideas, and presen- be analyzed as visual modeling (Tovey, 1986;
tation. The conclusion illustrates how the iden- Moses, 1990), visuo-spatial thinking (Rezabek
tified theories can be integrated into classroom & Cochenour, 1995), and a strategy (Garner,
practice, which can shed light to improve the 1990) when it is used in technical design. In
drawback of current practice found in schools the artistic world, the definition is more en-
and the community. compassing. Drawing as a form of art has much
flexibility – it can be achieved in various ways,
Introduction provided that it is done on a surface that forms
a background (Grottanelli, 1961; Pinto, 1999).
Drawing is a primitive form of art appea- The discussion about drawing and its pedagogy
red early in history. It is a past time event in the specific to the educational context deserves a
daily life of people. However, the art of drawing close examination.
is institutionalized as our society evolves, it is
ever since a principle area of learning in diffe- In art teaching, whether drawing should
rent forms of schools, in both the east and west or should not be the accurate visual represen-
countries. Henceforth, conscious effort has been tation of observed reality has always been a
made by teachers to facilitate beginning drawers controversial issue. In art history, the expressive/
to better achieve the virtue of drawing functions dynamic drawing of ‘romanticism’ is a reaction
on school students. History has brought many against the linear/contour and realistic style of
changes to the art curriculum over the years, ‘classicism’. When defining
from a skill orientation towards humanistic and
cultural understanding through artistic endea-

aprender
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Maio de 2003
28
what a drawing is, the issue of representation of view do not mention the visual effect of the
or non-representation remains a center of the objects on the drawer.
debate.
Drawing is Mental Reflection
To draw mainly with the purpose to
represent reality was regarded as a mechanic Rowland (1978) cited an experiment
process. During the Renaissance, drawing was showing children’s tendency to produce diffe-
relegated to a kind of manual representational rent renderings of visual experience, in ‘free
skills. Lenardo da Vinci (1568) claimed that to expression’ situations, after they have been

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


draw to represent the truth was a science and exposed to different visual environments. The
it had to be accomplished through techniques. experiments was carried out in Germany in
According to him, the term ‘manual work’ the 1970s, children were divided into different
referred to the ‘process of work’, but not the groups, and each group was surrounded by
‘outcome of work’ pictures of different styles, such as Egyptian
pictures, pictures painted in a style consistent
“All the sciences are the result of expe- with modern graphic design and pictures painted
rience that has passed through our own senses, in a kind of commercial idiom taken from colo-
… if you say that these true successes that are ring books. The result shows that children are

TEMA CENTRAL
founded on observation must be classed as me- affected by the pictures around them to where
chanical because they do not accomplish their their own manner of painting and drawing no-
end without manual work, I reply that all arts ticeably changes. Rowland asserted that “The
that pass through the hands of scribes are in the visual quality of a child’s environment is a most
same position for which arises in the mind of the powerful and effective agent in moulding his
contemplator but cannot be accomplished with or her expressive ability, and in affecting his
manual operation.” (Assunto, 1961) experience.” (Rowland, 1964, 14).

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He accepted the expression of internal The ‘mental image’ suggested by Piaget
vision and the artistry of work, and stressed free (1953) appeared to confirm that visual image in-
interpretation of drawing. However, because he fluences the drawing outcome. He saw drawing
saw drawing as a science, to draw was a tech- as a major signifying system, through which
nical process in which skills had to be adopted children produced their ‘mental image’ and this
to represent the truth. image was formed upon the real image.

After the Renaissance, drawing develo- “Drawing is a form of the semiotic func-
ped in various ways including abstract drawing. tion which is like symbolic play in its functional
If drawing is seen as the representation of things pleasure and autotelism, and like the mental
in the visual world, what is the status of abstract image in its effort at imitating the real.” (Piaget
drawing? Thomas & Silk (1990) saw drawing as and Inhelder, 1969, 63)
a means of communication, like language, and
suggested that it should not be the representation We cannot deny the influence brought
of the real world. They pointed out that both by the visual world since we are exposed to it.
these kinds of communication use symbols to Matisse said that the creation of art begins with
denote reality, vision, but stressed that the ‘genuine creative
effort’ comes from within. The meaning of wi-
“Pictures are a symbolic and arbitrary thin was that the artist (drawer) assimilates the
code and that ‘seeing’ a picture need bear no external world within himself, so the objects
specific relation at all to visual perception of he produces in the picture is not only a direct
the world.” (ibid., 43) copy from life, but the projection of his personal
feeling.
From their point of view, the in-
terpretation of drawing is widened to the “To create is to express what we have
non-representative. However, the above points within ourselves. Every genuine creative effort

aprenderMaio de 2003
pág 29
comes from within. We have also to nourish our
feeling, and we can do so only with materials de- He valued the therapeutic aspect of
rived from the world about us. This is the process children’s drawing with belief that art is the
whereby the artist incorporates and gradually means to project children’s internal feeling.
assimilates the external world within himself,
until the object of his drawing has become like a We can find examples from the history of
part of his being, [underlining mine] until he has art to illustrate the emotion of the artist and the
it within him and can project it on to the canvas objects or scene they draw. Van Gogh’s (1853-
as his own creation.” (Matisse, 1953, 21) 1890) famous work ‘Cypresses and Stars’ 1889
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

shows the projection of his emotion into forms.


Chinese drawing or painting uses a spe- The cypresses looks as if they are blowing by
cial representational method, in dealing with strong wind, and the stars in the sky seems to
space and image, which is believed to be the be carried by the heavy moving clouds. Based
prerequisite to draw. Being an apprentice, one on the subjective scenery or observable objects,
have to learn from a master and the practice is images can be rearranged by imaginations ac-
to repeat standardized brush strokes. Drawing cording to the artist’s emotion and experience.
is believed to be a means to train the person’s Grottanelli defined drawing with regard to the
mind and morality. Until then freedom will relationship between the observable image and
TEMA CENTRAL

eventually achieved through discipline of the the artist himself,


work (Smith & Otero, 1976). In this sense,
freedom is in fact not in the format of presenta- “To draw means to make a subjective
tion, but the mind of the person in making the image extrinsic, to give it a limit, a position in
skill. This conception also assimilates the above space, and a form. It is impossible to postulate
idea but with specification that the freedom or an origin for the art of drawing that does not lead
part of the self in drawing is determined by the back to signs or symbols which form in common
handling of skill. ground between the experience of the artist and
Escola Superior de Educação de Portalegre

the man in general.” (Grottanelli, 1961, 460)


From this point of view, the effect of the
visual image on the drawer is not merely a pro- He stressed the impossibility of not re-
cess of visual recording. Croce (1966) pointed lating to subjective image when one drew, but
out that the image recorded was based on the asserted that the image should be extrinsically
drawer’s ‘pure intuition’. He said that image in related to the artist’s experience.
art (drawing)
Consensus about Interpretation
“… does not classify objects, nor pro-
nounce them, real or imaginary, nor qualify Goodman’s definition of drawing, ela-
them, nor define them. Art feels and represents borates three elements of interpretation in
them, but nothing more.” (quoted in Read, drawing,
1967, 752)
“ Repleteness refers to the way in which
By the assimilation of the external world more aspects of an object become significant
with the artist’s own feeling, the person who when it is viewed as a work of art than when it
draws is in a position to create. is not treated as art. Repletenss of a drawing as
a work of art, for example, refers to the way in
Lowenfeld, an influential art educator in which variations in the thickness, density and
the 1980s, asserted that art was not the represen- smoothness of a line, in addition to the thing
tation of things but the representation of expe- it represents, can all contribute to its artistic
rience the drawer has of things. He emphasized impact.
the ‘subjective relationship’ between the image
and the artist, “ art is never the representation
of things but it is the expression of our subject
relationship to things.” (Lowenfeld, 1982, 96)

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what a drawing is, the issue of representation of view do not mention the visual effect of the
or non-representation remains a center of the objects on the drawer.
debate.
Drawing is Mental Reflection
To draw mainly with the purpose to
represent reality was regarded as a mechanic Rowland (1978) cited an experiment
process. During the Renaissance, drawing was showing children’s tendency to produce diffe-
relegated to a kind of manual representational rent renderings of visual experience, in ‘free
skills. Lenardo da Vinci (1568) claimed that to expression’ situations, after they have been

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draw to represent the truth was a science and exposed to different visual environments. The
it had to be accomplished through techniques. experiments was carried out in Germany in
According to him, the term ‘manual work’ the 1970s, children were divided into different
referred to the ‘process of work’, but not the groups, and each group was surrounded by
‘outcome of work’ pictures of different styles, such as Egyptian
pictures, pictures painted in a style consistent
“All the sciences are the result of expe- with modern graphic design and pictures painted
rience that has passed through our own senses, in a kind of commercial idiom taken from colo-
… if you say that these true successes that are ring books. The result shows that children are

TEMA CENTRAL
founded on observation must be classed as me- affected by the pictures around them to where
chanical because they do not accomplish their their own manner of painting and drawing no-
end without manual work, I reply that all arts ticeably changes. Rowland asserted that “The
that pass through the hands of scribes are in the visual quality of a child’s environment is a most
same position for which arises in the mind of the powerful and effective agent in moulding his
contemplator but cannot be accomplished with or her expressive ability, and in affecting his
manual operation.” (Assunto, 1961) experience.” (Rowland, 1964, 14).

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He accepted the expression of internal The ‘mental image’ suggested by Piaget
vision and the artistry of work, and stressed free (1953) appeared to confirm that visual image in-
interpretation of drawing. However, because he fluences the drawing outcome. He saw drawing
saw drawing as a science, to draw was a tech- as a major signifying system, through which
nical process in which skills had to be adopted children produced their ‘mental image’ and this
to represent the truth. image was formed upon the real image.

After the Renaissance, drawing develo- “Drawing is a form of the semiotic func-
ped in various ways including abstract drawing. tion which is like symbolic play in its functional
If drawing is seen as the representation of things pleasure and autotelism, and like the mental
in the visual world, what is the status of abstract image in its effort at imitating the real.” (Piaget
drawing? Thomas & Silk (1990) saw drawing as and Inhelder, 1969, 63)
a means of communication, like language, and
suggested that it should not be the representation We cannot deny the influence brought
of the real world. They pointed out that both by the visual world since we are exposed to it.
these kinds of communication use symbols to Matisse said that the creation of art begins with
denote reality, vision, but stressed that the ‘genuine creative
effort’ comes from within. The meaning of wi-
“Pictures are a symbolic and arbitrary thin was that the artist (drawer) assimilates the
code and that ‘seeing’ a picture need bear no external world within himself, so the objects
specific relation at all to visual perception of he produces in the picture is not only a direct
the world.” (ibid., 43) copy from life, but the projection of his personal
feeling.
From their point of view, the in-
terpretation of drawing is widened to the “To create is to express what we have
non-representative. However, the above points within ourselves. Every genuine creative effort

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comes from within. We have also to nourish our
feeling, and we can do so only with materials de- He valued the therapeutic aspect of
rived from the world about us. This is the process children’s drawing with belief that art is the
whereby the artist incorporates and gradually means to project children’s internal feeling.
assimilates the external world within himself,
until the object of his drawing has become like a We can find examples from the history of
part of his being, [underlining mine] until he has art to illustrate the emotion of the artist and the
it within him and can project it on to the canvas objects or scene they draw. Van Gogh’s (1853-
as his own creation.” (Matisse, 1953, 21) 1890) famous work ‘Cypresses and Stars’ 1889
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

shows the projection of his emotion into forms.


Chinese drawing or painting uses a spe- The cypresses looks as if they are blowing by
cial representational method, in dealing with strong wind, and the stars in the sky seems to
space and image, which is believed to be the be carried by the heavy moving clouds. Based
prerequisite to draw. Being an apprentice, one on the subjective scenery or observable objects,
have to learn from a master and the practice is images can be rearranged by imaginations ac-
to repeat standardized brush strokes. Drawing cording to the artist’s emotion and experience.
is believed to be a means to train the person’s Grottanelli defined drawing with regard to the
mind and morality. Until then freedom will relationship between the observable image and
TEMA CENTRAL

eventually achieved through discipline of the the artist himself,


work (Smith & Otero, 1976). In this sense,
freedom is in fact not in the format of presenta- “To draw means to make a subjective
tion, but the mind of the person in making the image extrinsic, to give it a limit, a position in
skill. This conception also assimilates the above space, and a form. It is impossible to postulate
idea but with specification that the freedom or an origin for the art of drawing that does not lead
part of the self in drawing is determined by the back to signs or symbols which form in common
handling of skill. ground between the experience of the artist and
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the man in general.” (Grottanelli, 1961, 460)


From this point of view, the effect of the
visual image on the drawer is not merely a pro- He stressed the impossibility of not re-
cess of visual recording. Croce (1966) pointed lating to subjective image when one drew, but
out that the image recorded was based on the asserted that the image should be extrinsically
drawer’s ‘pure intuition’. He said that image in related to the artist’s experience.
art (drawing)
Consensus about Interpretation
“… does not classify objects, nor pro-
nounce them, real or imaginary, nor qualify Goodman’s definition of drawing, ela-
them, nor define them. Art feels and represents borates three elements of interpretation in
them, but nothing more.” (quoted in Read, drawing,
1967, 752)
“ Repleteness refers to the way in which
By the assimilation of the external world more aspects of an object become significant
with the artist’s own feeling, the person who when it is viewed as a work of art than when it
draws is in a position to create. is not treated as art. Repletenss of a drawing as
a work of art, for example, refers to the way in
Lowenfeld, an influential art educator in which variations in the thickness, density and
the 1980s, asserted that art was not the represen- smoothness of a line, in addition to the thing
tation of things but the representation of expe- it represents, can all contribute to its artistic
rience the drawer has of things. He emphasized impact.
the ‘subjective relationship’ between the image
and the artist, “ art is never the representation
of things but it is the expression of our subject
relationship to things.” (Lowenfeld, 1982, 96)

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Expression (or metaphorical exemplifica- inversion, transformation, change of stress, etc.
tion) in a work of art refers to the extent to which Not all of them had a balanced form. It is possi-
it conveys feelings, moods or ideas. ble that the artist may want to convey a special
feeling, an abstract concept, an intangible feeling
Composition of a work of art, such as a that may result in an unbalanced or special form.
drawing, refers to the way in which the drawing The outcome may not be harmonious but it may
has a structure, so that, for example, the two have a strong impact on the viewer. Could this
halves of the picture are in visual balance. Of not be seen as a legitimate product of drawing?
course, many things which are not works of art Perhaps it is justified to say that drawing allows

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have balanced structures, but structure or com- different forms of interpretation.
position is particularly important in works of
art.” (cited, Thomas & Silk, 1990, 141-142) We have examined the notion that dra-
wing is not necessarily the representation of
The notion of ‘repleteness’ and ‘expres- reality. Some people draw closely to reality,
sion’ correspond to Croce’s and Mattise’s idea while some would draw visual objects but mo-
that the image in drawing has to be made throu- dify them (Hoyland, 1972). Others may draw
gh the artist’s intuition. However, in the third in an abstract style, all of them exercising their
element, he refer to the rules of composition of own ‘interpretation’. Since drawing is not only

TEMA CENTRAL
drawing, and to the importance of structure. a representational exercise, the skill used to
make a drawing should not necessarily be the
The idea of visual balance is reminiscent representational/pictorial skill. Drawing skills
of the ‘logic of art’ theory put forward by Ba- are a device which help the artist to bring out
ensch (1923). He identified the principle of art the image he wants to express, as summarized
as ‘rhythm’: by Assunto,

“ the alternation between heavy (stressed) “ … technical training as instruments

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and light (unstressed or less stressed) parts, in so that release and promote spontaneous vision
far as it follows certain rules … In the construc- and individual expression, rather than as curbs
tion of such rhythmic sensuous unities, next to that guide the expressive capacity of the student
each other, in each other, and one above another, in a predetermined direction.” (Assunto, 1961,
the form of work of art originates: it is nothing 457)
else but its total rhythm. Only inasmuch as
work has form i.e. rhythm.”[underlining mine] Psychological Effect of Drawing on
(Baensch, quoted in Read, 1961, 753) Children

This is not unlike the ideas of ‘gestalt The psychology of art, views drawing
theory’ as put forward by Arnheim (1948) that from the percipient’s point of view. He is the
“ the artist strives towards a structural person to control what he going to express,
pattern of maximum simplicity, stability, and present or convey, regardless of whether he is
regularity as a means of bringing about a si- an adult or a child. Ott considered the process of
milar condition in his own mind.” (Arnheim, making art as the reflection of human’s inward
1961, 777) feeling. In his work “children as artist”, he
asserted that,
Putting together the views of Goodman,
Baensch, and Gestalt theory, we find that the “ This is because it is an inwardly recor-
composition of a drawing should result in a ded reflection of the life of the artist and is not
balance form in which rhythm is maintained. evolved from the realm of conscious thought.
How would they consider a drawing that did Through the unconstrained means of art, chil-
not have a balanced structure or a rhythm, such dren also can be brought to that receptive state
as a conceptual picture? of being.” (Ott, 1953, 24)
Freud (1959) analyzed the drawing of a
number of people and identified different styles. Piaget saw drawing as a kind of ‘symbo-
They included displacement, condensation,
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pág 33
lic play’ that through the use of representative mitive form of thinking, that of the visual image,
objects and mental images, children can obtain is likely to be the favoured medium and to have
a kind of fulfillment, the most direct emotional appeal. In children’s
play with toys, in their spontaneous drawings,
“to permit the fulfillment of wishes, to paintings, or modeling, we find the expression
compensate for reality, to allow free satisfaction of a turn of thought, an emotion or a problem.”
of subjective needs, in short, to permit the fullest (underlining mine) (Wall, 1953, 31)
possible expansion of the ego as distinct from
material and social reality” (Piaget, 1953, 22) According to him, drawing, a visual form
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

of expression, would be a direct means for chil-


According to Piaget (1953), children need dren to express spontaneously their emotions.
a particular means of expression to express their He argued that visual images were the means
life determined by reality, and also the life lived of developing children’s thinking and may
by the ego in them. In his opinion, drawing acts well serve as a reliable means of understanding
as a channel of expression for children. children’s thought,

This mean of expression (and others) are “Early thinking is largely by means of
said to be a need in the process of children’s visual images and even when other means
TEMA CENTRAL

growth. According to Wall (1953), have been developed, particular individuals


may always think visually and all of us tend
“ Expression, whatever form it may take, to revert to visual imagery when tired or, in
is itself an instrument of growth and a necessity the form of dreams, when asleep. Whether
of development.” (Wall, 1953, 31) the visual language is developed in any given
child, the form it takes, and its serviceability
The forms of expression include symbolic to the emotional life will be determined by the
and verbal forms. When children are young, opportunity afforded by the culture generally
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their verbal expression has limits, and so they and by the facilities existing in the children’s
may turn to symbolic forms of expression. When environment.“ (ibid., 33)
they are able to control the pencil, they may feel
free to express through scribbling on paper. He points out that whether drawing can be
the means of children’s expression depends on
However, not every child would choose the opportunities children are provided. In this
drawing as their medium of expression, and the respect, art education in our culture is crucial in
scribbles of the child may not necessarily be his providing children chances and in helping them
expression. It may only be the kind of motor ple- to express and create, it is equally important in
asure gained from the exercise (Burk 1902). helping children to build up a concept of art.

Wall noted the difference between chil- Aesthetic Experience as to Develop


dren in choosing their forms of expression. He Cognition
also observed that the image children make
may not definitely refer to their inward feelings. Discussion about art in general in the li-
Nevertheless, he concluded that drawing is a terature can shed light to pedagogy of drawing.
favourable medium of expression for children, One dimension of looking at art is the specific
cognition that matters human perception and
“ This does not mean that every produc-
tion of a given child fully expresses his whole
personality. Nor does it mean that all children
gave an equal facility in non-verbal self-ex-
pression or even that there is a tendency for all
children to choose the same media of expression.
The most that can be said is that expression in
visual form, since it corresponds to the most pri-

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34
experience. This adds on a cognitive element to of human brain, his finding about the artistic
the above defined emotive function of drawing dimensions in different areas of intelligences
(a form of art). Green (1983) suggested that art indicates the incompleteness of cultivating the
has an “artistic-aesthetic” effect as one of the “knowledge” aspect of learning a subject. His
range of “provinces of meaning” available to theory in fact complement with Read’s pro-
individuals for interpreting their experience, position that in comprehending or making an
this, as he defined, is to open a diversification art with aesthetic perception one is immersing
of perspectives, a way of escaping restrictive feeling and spiritual sentiment into the structure
frames of mind of people. Green’s idea further and knowledge of the piece. This recalls the idea

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substantiate the “intrinsic value” of art that ad- that drawing is a mental reflection.
vocated by art educators such as Lanier (1955)
and Feldman (1982), as Kahrmann & Karolak The aesthetic perspective further substan-
(1998) reiterates in modern time, tiates the incomplete interpretation of affective-
Aesthetic education is not the means emotional perspective of drawing discussed
to an end, nor is it a vehicle for non-aesthetic earlier. With this, drawing as an art for children
purposes. It makes us capable of perceiving is a way of learning to perceive, understand, and
and experiencing things in a manner which is at the same time developing a kind of cognition.
independent and has its own intrinsic value. It This will largely benefit the overall development

TEMA CENTRAL
also gives us the aptitude for the creative shaping of a person.
of reality or other imaginable possibilities (in).
Drawing as an art also opens a perspective Reflection in Art Practice
of understanding for children who engage in it,
irrespective of age. More concrete identifica- The content and method of drawing has
tion of this perspective is suggested by various been renewed due to the complexity of the living
educators, specific to the discipline nature of society in recent centuries. Current art educators,
art known as “literacy” (Green, 1983; Feldman, Kahrmann & Karolak (1998) sharply pointed out

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1976; Ramsey, 1993; Beauchamp, 1995) which the deficit of people’s cognitive function today.
is in parallel with the emotional and therapeutic They suggested that “detailed feeling and sen-
definitions of this literacy. sing, reflection and evaluation”, which are useful
in perceiving problems and events in our living,
It has been the battle to fight for training are not common in human living nowadays. This
of skill and technique versus the whole person mentality may reinforce an ideology of output
in art education for long in the literature. The oriented education. Many art educationalists has
aesthetic sensibility defined by Read (1956) recalled the problem and recommended that the
earlier and Bersson (1982) and Kahrmann & aforementioned aesthetic education is indispen-
Karolak (1998) later suggested a different kind sable in curing the unhealthy situation.
of intelligence which supplements the specific
“literacy” perspective. These authors define aes- Ross (1993) has wistfully remarked
thetic sensibility as a kind or quality of physio- the situation in the practice of art teaching in
logical operation in the human nervous system school,
which implies an “intuitive, organic organizing
power, involving direct sensuous contact with …The pupil selects from her experience
the environment coupled with a natural feeling in order to fit the function of the question she
response of the organism” (Keel, 1972). It is is asked. Where questions function to make
different from the intellectual functioning of rigorous selection and particular ordering of
memorization, discursive knowledge, logical experience a necessity for the one who answers,
analysis according to given rules. Keel sum- it is perhaps little wonder that the more open and
marized precisely that this intelligence is not “a active form of aesthetic knowing should have
matter of manipulating relatively fixed counters evaded traditional assessment criteria and even
according to relatively fixed rules”. been judged unassessable (pp. 58)
Gardner’s multiple intelligences theory Ross mentioned the adverse effect of
just come to fill the gap of the dichotomy of today’s art training in schools on not being able
the “affective” and “cognitive” functioning
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to enhance aesthetic sensitivity, what student did standardized models, and the skill of copying is
is to “select and fit in” rather than to “perceive believed to be the prerequisite of achieving free
and create”. Along this line of thinking, John expression. The outcome is that students would
Dewey (1956) has pushed forward the magical only consider drawing as something technical
assumption of art experience with a clear defini- and external to their own feeling.
tion. He assimilated “aesthetic experience” as a
contemplative conjecture that a person can gain Research studies suggest that teaching
intense experience with individual background. instructions can make great influence to stu-
Not necessarily related to art, the evaluative dents’ conception of learning (Kember & Kwan,
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

value of this aesthetic experience is recalled in 2001), and the culture and environment of the
Schon’s (1983) ideal type of “reflective practi- surrounding in fact shapes the way young chil-
tioner”, which concerns about reflection upon dren perceive their world (Cole, 1997). The way
action to improve practice. In fact, the reflective children learn art attributes to their conception
capacity must concern the most in the process of art and conception forms at earlier years is
of art experience. usually unchangeable (Sigel 1985). Therefore,
it is paramount for teachers to create a better
In a micro perspective, Osbourn (1988) environment to young children that will lead
reported from his study on visual aesthetic them to positive and healthy development in
TEMA CENTRAL

responses and found that it was a kind of “sa- terms of artistic ability.
tisfaction that derived from the maintenance
of investigative activities” (p.125). His work What is the environment to be given to
supports Ross’s (1991) in the rationale of art le- students to enable a higher level of achievement
arning through the interactivity of human mind. in drawing lesson? How may a teacher use dra-
Kafka’s (1992) three principles of art are also wing in such a way to help children to benefit
consistent with the idea of the above authors. His from this means? I will provide the answer by
emphasis on leisure, differentiated perception, distilling some simple guiding principles from
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and self-organized action has developed the me- the points made above.
diation or contemplative pedagogy which brings
along the reflective and critical elements within The drawback I observe from present
self expression. The highlight of the cognitive drawing classes in schools and private orga-
and reflective elements in art gives insightful nization is the lack of a process or experience
implications to the pedagogy of drawing. for students when they are asked to draw. Very
often, young children are told to draw either by
Conclusion imagination or copying without having develo-
ped personal relevancy to the activity. In fact,
Pedagogy of Drawing drawing is usually seen as a product oriented
In Hong Kong, there is a popular trend for activity without the rendering of an aesthetic
parents to send their children to private drawing process, which should be the essential part in
classes during weekends and holidays. While art education. If teachers would like students
this may indicate a good sign on the enhanced to develop a right conception of art on young
status of art in our society, the curriculum and children, it is very important that drawing is used
instruction of these past time drawing classes as a means of expression for them, rather than a
are under skepticism as concentration of skill specific format to be learnt. A “free pedagogy”
and technique appeared to be the main focus. can be introduced for early year students by
There are two specific, localized factors that using pen and paints on paper,
may influence students in learning to draw.
One is the academic approach of learning in
Hong Kong that causes students to concentrate
their effort on representational skills, which are
explicit to be assessed in a piece of drawing.
The other is the usual practice of traditional
Chinese drawing that encourages the copying of

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36
this can develop their tactile sense. Howe- might mean to an individual. However, the focus
ver, children rely on adult’s guidance to relate of learning the history of art is not on memo-
them more closely to the visual and emotional rizing the fact but on the value of how student
world, and help them to discover the techniques can appreciate different art and relate that to the
to be used. Teachers should assist students in life of people (Panofsky, 1970). The exploration
such a way they can be aroused the curiosity hence enriches their capacity to make art.
and have the basic understanding of handling
materials and tools. It is desirable if students Observation is a traditional way of te-
can perceive their world with reflection that aching drawing, nevertheless, its traditional

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


generated from their senses, and that they can nature may repress student creativity. While it
develop creative expressions of their own inte- is true that drawing objects can be used as a me-
rest. It is a subtle thing for young children to feel, ans to induce expression, it is harmful to leave
taste, and re-organize their personal experience students to technical copying. A step should be
in their art - drawing. Lowenfeld & Brittain made to relate the series of objects or observed
(1956) suggested an example of drawing that scenery to the drawers’ personal feeling and ex-
can be referred in relating students’ feeling to perience, such as to allow them to touch, sense,
the drawing production. They let young children reorganize, and reinterpret, and then come up
to taste a sweet and asked them to observe the with possible presentations. At the same token,

TEMA CENTRAL
process from removing the package of the sweet imaginative drawing without any facilitation
to their mouth, and assisted them to present may risk the possibility of trivial attempt; it
the scenario on paper. What they suggested is should be allowed a process to relate students’
something that teachers may do, in a conscious, experience in order to make the work intrinsic
intentional way. and meaningful.

To proceed along, in terms of skill and As discussed above, drawing is the visual
expression, it is important for students to be able diary of students, portraying their thought and

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to observe and explore. It is useful then students feeling, it is a process which reflects artistic
can be able to expose to rich possibilities of vi- decision and is itself a presentation. To enhance
sual stimulus to sharpen their visual and tactile the process, it is useful to enable students to have
senses, and to explore and invent methods of a chance to share ideas and reflect on their own
presentation. The visual stimulus may trigger experience, in a collaborative way. The perspec-
aesthetic experience that is important to stu- tives and understanding gained from interaction
dents thinking and sense perception, they can will surely benefit insiders, in refining ideas and
be obtained from mainly two sources. One is developing skills. Teachers should participate
the natural environment and human interaction in students’ reflection and share the creative
within the environment, as many art educators experience together, the best way is to work with
has experimented in their projects (Kahrmann students in the same task and share with them
& Karolak, 1998; Tsuji, 1998). The nature is a in equal status and manner.
rich resource for art education and a stimulus
to develop feeling, understanding, and skills. The principles of using drawing in art
One way of making use of this source of inspi- lessons discussed above are relevant to promi-
ration is to integrate drawing lesson with school nent educational theories, such as experiential
extra-curricular activities such as community learning (Dewey, 1993), individualistic involve-
programs. The lesson learnt from an excursion ment of learner (Su, 1995), personal experience
can provide students with rich experience that and freedom to learn (Rogers, 1983), adaptation
can be developed into an art, such as drawing to the leaning process, inner development of a
or singing. The other stimulus can be found in child and the enhancement of the five senses
the exemplaries of artists in history. The appre- (Montessori, 1995). They are the key to suc-
ciation of particular style and evaluation of the cessful teaching pedagogy that can be shared in
cultural and historical perspective of art can help drawing lessons, with the expectation to enable
students to understand how art (any forms such rich life experience that leads to positive cogni-
as drawing) is used at different time and what it tive development.

aprenderMaio de 2003
pág 37
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TEMA CENTRAL Escola Superior de Educação de Portalegre

aprenderMaio de 2003
pág 39
A instrução artística mediada pelo
computador
Li-Yan Wang
University of Cincinnati, Ohio, USA.
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Com o advento da idade das imagens trabalho electrónico para exercitar e praticar
electrónicas, aconteceram rápidas mudanças (Sandholtz, Ringstaff & Dwyer, 1998).
sociais e a proliferação de novas tecnologias Por que é que os professores não estão
imediatamente afectou todos os aspectos das a aproveitar completamente a tecnologia dos
nossas vidas. Especialmente no mundo das computadores? Como é que os professores
artes, os computadores estão a fazer novas e poderão enfrentar o desafio da instrução
TEMA CENTRAL

únicas experiências estéticas e a mudar o modo artística mediada pelo computador? Este
como a arte é concebida, criada e percebida artigo identifica factores que contribuem para a
(Goodman, 1987). Numerosas imagens são relutância dos professores em relação ao uso de
produzidas com software interactivo facilmente computadores. Feito com base em experiências
disponível e fácil de utilizar. de quatro professores de artes de K-121 no Ohio,
Muitas pessoas que sabem trabalhar este artigo oferece informação contextual para
com técnicas tradicionais acharam que os ajudar os professores a ultrapassar a praxis no
computadores lhes oferecem um novo cami- ensino e fornece um ponto de partida para poste-
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nho para a arte. Os artistas estão a utilizar os rior comunicação, reflexão e debate sobre o uso
computadores de variadas maneiras: para dos computadores no ensino das artes.
produzir imagens digitais, animação 3D,
realidades virtuais, produções multimédia, etc. Factores que influenciam a relação dos
Cada vez mais as pessoas envolvidas nas artes professores com os computadores
se tornam mais conscientes do impacto dos
computadores e da sua presença crescente no Vários factores foram identificados
mundo da criatividade. Revistas de educação como sendo influentes no modo como os
artística publicam cada vez mais artigos sobre professores encaram os computadores. In-
a implementação de programas gráficos para cidiremos sobre a literatura relevante e
computador e muitos programas escolares as opiniões de professores focando aspectos
exploram as capacidades dos computadores como o treino de professores nos computadores,
como uma ferramenta da criação e apreciação tempo, suporte administrativo, o conflito entre
artística. Um novo mundo abriu-se para os arte e tecnologia e discriminação no acesso aos
artistas, para os educadores e para os computadores.
estudantes. O desenvolvimento da tecnologia
parece exigir que os profissionais do ensino O inquérito de 1999 da Educational Week
operem mudanças sem precedentes. sobre o uso de meios digitais pelos professores
relatou que os professores que não utilizam
Infelizmente, apesar das promessas e software ou web sites no ensino parecem achar
profecias feitas pelos investigadores da que o problema reside na falta de computa-
educação dos anos oitenta, nalgumas salas de dores nas salas de aulas (Fatemi, 1999). Em
aulas os computadores continuam a ocupar os relação a professores de artes, David Burton
cantos escuros e a ganhar pó. Noutras salas (1998) conduziu um inquérito nacional, em
de aulas, eles são utilizados como jornais de 1977, ao qual responderam 249 professores, o

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40
que correspondeu a 24,9% das respostas Se for verdade que os professores
esperadas. Os resultados do inquérito mostra- ensinam da maneira como foram ensinados,
ram que a maioria (61,8%) dos respondentes vale a pena recordar que o uso da tecnologia
usava computadores para processamento dos computadores não faz parte do background
de texto. Outros usos do computador foram educacional dos professores de arte. Também
mencionados, incluindo escrever artigos de não existe informação de como a tecnologia
investigação (40,9%), preparar aulas (42,9%) dos computadores é actualmente ensinada nos
e preencher formulários administrativos cursos de formação de professores.
(41,3%). A investigação de Burton foi a úni-

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


ca que encontrei a um nível nacional sobre Arte e Tecnologia: Noções conflituo-
o uso de computadores pelos professores de sas
artes. Apesar do baixo índice de respostas no
inquérito de Burton, o que faz com que os Sobre a possibilidade de o computa-
resultados sejam pouco representativos, Burton dor se tornar um medium poderoso, não me
faz observações alarmantes. Os professores parece... Nunca nada poderá substituir a
inquiridos achavam que eram receptivos ao uso relação sensual com a pintura e a tela, papel
da tecnologia electrónica . Os seus respondentes e lápis, aguarela e pincel, barro e mãos...etc..
sentiam que tinham preparação, mas que não etc...etc. Eu não encontro ainda isso nos com-

TEMA CENTRAL
tinham equipamento, verbas e infraestructu- putadores...
ras (58,9%). Burton concluiu que a falta de (San D., Novembro 28, 1998).
computadores, equipamento periférico e ou-
tros recursos limitava severamente o uso de Além dos problemas de formação e
computadores no ensino. background educacional, muitos investiga-
dores identificaram um conflito histórico no
Formação de professores nas novas modo como os educadores de arte americanos
tecnologias encaram a arte e a tecnologia. No entanto, não

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creio que isso seja um factor de maior peso
Alguns estudos também referem que na questão do uso de computadores pelos
existe uma relação positiva entre a formação professores de arte; não creio que alguns
de professores e o uso das tecnologias. Os professores de arte vejam a tecnologia como
professores que recebem mais formação algo que não esteja positivamente ligado à ideia
parecem usar mais as novas tecnologias nas da criação artística.
suas aulas. Harold Wenglinsky, do Educational Crown (1988) escreveu que as atitudes
Testing Service (citado por Archer, 1998), por negativas dos professores de artes em relação
exemplo, descobriu que a formação nas novas ao uso de computadores no ensino da arte
tecnologias está ligada ao uso efectivo dos eram influenciadas pela insegurança no trabalho
computadores nos 4º e 8º graus nas aulas de com os computadores, pelo medo que os pro-
matemática. “ O uso efectivo”, para Wen- fessores sentiam de perder a criatividade dos
glinsky, significa não só usar computadores para estudantes, e pelos altos custos da tecnologia.
praticar exercícios mas também a sua Alguns professores acreditam que a arte pode
utilização para desenvolver o pensamento apenas ser feita através da criação humana
através de simulações e aplicações. directa; além disso, acham que a tecnologia
Segundo um inquérito realizado pela contamina a criação artística. Heise e
Corporation for Public Broadcasting (1997), Grandgenett (1996) suspeitaram que alguns
a vasta maioria dos professores (90%) teve professores de arte rejeitavam os media
alguma formação em tecnologias educacio- electrónicos porque tinham medo que a forma
nais durante a sua carreira. Mas o National tomasse o lugar do conteúdo e que o resultado
Assessment of Educational Progress relatou, fosse a perda de espiritualidade associada à
em 1997, que os professores tinham menos arte. Parece haver uma atitude tradicional, pelo
formação em tecnologias mais avançadas como menos por parte de alguns educadores de arte
multimédia e internet. que vêem os computadores apenas como veícu-
los de transporte de informação, de modo que
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pág 41
eles até podem ser úteis em disciplinas como fazerem eles teriam de ser auto-motivados
ciências e matemática, mas não na arte. para aprender e desenvolver os conhecimentos
Relacionado com o comentário de San necessários fora do seu horário profissional.
D., uma outra professora de arte, Maggie, Esta falta de tempo para preparar aulas e
dizia: ‘Eu sou a única professora de arte na aprender as últimas novidades da tecnologia
escola e como tal sinto-me obrigada a ensinar digital aplica-se a todos os professores
aos estudantes as técnicas básicas das “mãos e não só aos professores de arte.
na massa” (Maggie White, Nov, 28, 1998). Eu Além das dificuldades de tempo para
suspeito que o que ela queria dizer com “mãos aprender e compreender a tecnologia digital
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

na massa” era técnicas tradicionais como e preparar estratégias do seu uso na sala de
pintura, telas, papel, lápis, aguarela e barro. O aulas, o tempo limitado das aulas de arte é
uso da tecnologia dos computadores não está outro problema de tempo que os professores
incluído na ideia de “mãos na massa”. E outra de arte têm. A história da arte foi marginaliza-
professora, Gail (Nov.28, 1999), descreve o da na disciplina porque o tempo efectivo das
mesmo fenómeno como ‘temos de aprender a aulas de arte é reduzido. Normalmente, os
gatinhar antes de poder andar’. alunos da escola elementar e middle school2
têm 35-40 minutos de aula de Arte por semana.
Tempo Esta limitação pressiona os professores, que
TEMA CENTRAL

sentem que devem fornecer aos estudantes


“Tenho muito mais ideais sobre como experiências com as técnicas tradicionais das
incorporar a tecnologia dos computadores, artes. E assim a tecnologia digital é vista como
mas é muito difícil desenvolver essas ideias, uma moda interessante, mas não absolutamente
porque ensino seis turmas muito numerosas essencial.
por dia. Mesmo que os professores queiram
ensinar aos alunos programas gráficos de Suporte administrativo
computador, eles têm de aprender primeiro
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e não têm redução de horário para o fazer. “Eu sou a directora do comité para a
Continuam a ter turmas superlotadas e a tecnologia da minha escola. A minha escola não
planear as aulas para os alunos... tratar dos valoriza o uso dos computadores. Eu sou uma
recursos, exposições a montar, salas a manter, especialista e, por isso, sou considerada abaixo
lições a preparar, reuniões, etc, etc.” dos outros professores.”
(Sandra Hildreth, Nov.28, 1999) (Grail, Nov.29,1998)

Comparando com disciplinas onde se “...parece que desde que me puseram “on
utilizam testes estandardizados, como mate- a cart” [ ela não tem uma sala própria para a
mática e ciências, os professores de arte pa- arte]3 sou uma cidadã de segunda classe.”
recem ter mais liberdade e flexibilidade para (Ann Carolan, Nov.29, 1998)
experimentarem novas estratégias. Os
professores de arte não estão pressionados pela Nas conversas com os professores de
obtenção de resultados em testes formais, mas arte, é notório que eles se sentem como cida-
outras pressões se exercem, por exemplo, a dãos de segunda classe, menos importantes que
falta de tempo. Eles ensinam cinco ou seis os outros professores. Os professores de arte
turmas numerosas por dia e têm outras res- descrevem a sala de arte como o último lugar
ponsabilidades como descreveu Hildreh; é onde os computadores poderiam ser colocados
díficil para eles encontrarem tempo para de- e não podem usar computadores com os alunos
senvolverem estratégias novas de integração porque não existem computadores nas salas.
da tecnologia dos computadores na prática O acesso aos computadores para a arte parece
pedagógica. É verdade que esta tecnologia não sugerir conflitos profundos na cultura da
faz parte das suas experiências educacionais escola.
nem da sua formação; portanto, não se pode Os professores de arte sentem que de-
assumir que eles tomarão a iniciativa de a vem constantemente justificar o seu trabalho e
introduzir na sua prática. Parece que para o justificar a importância do ensino da arte no

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42
para lutar pelos computadores na sala de comunidades mais pobres foram as que inves-
Arte - isso parece fazer parte da sua inseguran- tiram mais em tecnologias de processamento
ça. Existe também da parte dos organismos de básico. Na sua opinião, isto pode ser causado
administração das escolas falta de compre- porque a administração dessas escolas pensa
ensão sobre a necessidade de computadores que os alunos de grupos sociais desfavorecidos
na arte. O acesso aos computadores é visto só precisam de aprender as ferramentas básicas
como mais importante para outras áreas ou (Archer, 1998).
disciplinas. Parece que os administrado-
res não apoiam a arte como apoiam outras Em resumo, a investigação aponta a

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


disciplinas e, por isso, as salas de arte não têm seguinte constatação: os professores precisam
o equipamento tecnológico adequado para a de condições e apoio a vários níveis para serem
introdução dos meios digitais na disciplina. capazes de utilizarem com sucesso a tecnolo-
gia dos computadores, na sua prática. Means
Segundo Computer and Classrooms: The (1994) enfatiza fortemente que os professores
Status of Technology in U.S. Schools (Coley, precisam de ser claros quanto às suas metas
Cradler & Engels, 1997), é aparente a iguali- para usar a tecnologia dos computadores. Os
dade de oportunidades nas escolas americanas. professores precisam do suporte dos admi-
Embora 98% das escolas tenha computado- nistradores, colegas e outro pessoal da in-

TEMA CENTRAL
res, o acesso aos computadores nas escolas é fraestrutura escolar, que pode dar prémios,
diferenciado. Nas escolas com uma grande menções honrosas, discutir problemas, apoiar
maioria de estudantes pobres e oriundos de os esforços dos professores e ajudar a manter
minorias, os alunos têm menos acesso a tipos o software (Veen, 1993: Sheniderman, 1998).
de tecnologia como computadores multimédia, Precisam de um fácil acesso a hardware e sof-
televisão por cabo, internet, portas de cd rom, tware (Veen, 1993), precisam de formação e
videodiscs, tecnologia de satélite do que os de tempo para realizarem mudanças pessoais,
estudantes de outras escolas. conceptuais e pedagógicas (Schrum, 1995; Lee,

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1997). É preciso apoiar os professores no uso
Além do menor acesso às novas tec- inovador de computadores. São necessárias
nologias, os alunos oriundos de grupos mi- verbas para suportar financeiramente o esfor-
noritários têm menos oportunidades de usar ço dos professores (Lee, 1997; Sheniderman,
computadores nas aulas de inglês e na reso- 1998). Outro factor que parece importante é o
lução de problemas em matemática e ciências. uso de computadores pelos professores nas suas
Em vez disso, são mais orientados para usar casas (Veen, 1993).
computadores nas aulas para processar dados e
programação. Exemplos
Na investigação de Wenglinsky sobre Apesar das dificuldades, muitos
a relação entre o uso de computadores e os professores tomaram a iniciativa de integrarem
resultados escolares em matemática e ciências, os computadores nas suas práticas pedagógicas.
ele observou que os alunos pobres e negros Nesta secção, descrevemos quatro exemplos
parecem ter menos professores que usam dessas iniciativas.
completamente as vantagens das novas
tecnologias (Archer, 1998). Na opinião de Bessie
Wenglinsky, usar os computadores tirando
partido completo das suas vantagens signifi- Bessie ensina numa escola primária
ca simulações e capacidades de resolução de numa área suburbana a este de Columbus,
problemas em oposição ao uso comum de ma- Ohio. O distrito escolar é satisfatório. Bessie é a
nipulação básica de software de processamento única professora de arte da escola e ensina
de texto e de dados. Margaret Honey, directora turmas de K-54; ela é também a coordenadora
do New York City-based Center for Children dos professores de arte no distrito. Quando
and Technology, fez observações deveras a visitámos, em Novembro de 1999, Bessie
interessantes. Ela referiu que as escolas das tinha, na sua sala de aula, três computadores.
aprenderMaio de 2003
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Embora tivesse admitido que não sabia muito termos de equipamento e facilidades tecnoló-
sobre computadores, Bessie estava receptiva gicas como “fenomenal e espantosa”. Existem
à ideia de os usar no ensino. Ela desenvolveu dois laboratórios de computadores, cada um
um projecto multimédia com os seus alunos deles com mais de vinte computadores. Todos
utilizando o programa Astound, para os computadores da escola estão conectados, o
investigar as histórias das famílias dos alunos. que facilita a recepção e envio de informação
Os alunos trouxeram de suas casas de umas salas para as outras. Os alunos do sexto
objectos e artefactos que faziam parte das suas grau têm aulas de computadores onde aprendem
famílias. Um fotógrafo profissional fotografou a trabalhar com processamento de texto, teclado,
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

os objectos trazidos pelos alunos. Os alunos database, publishing, produção multimédia e


também trouxeram fotografias dos álbuns de PowerPoint.
família, os vestidos de casamento das avós, Cheryl tinha começado a integrar o
certificados e objectos da guerra civil e computador na sua prática pedagógica desde
uma grande variedade de outras coisas. As os anos oitenta usando APPLE IIEs. Para ela, é
fotografias dos objectos foram digitalizadas importante fornecer aos alunos da middle school
pelos alunos e usaram Astound para criar uma uma grande variedade de media. Para ela, o
apresentação multimédia combinando texto, computador é um medium válido e pode ser
imagens e registos áudio sobre a história das utilizado para expandir a compreensão da
TEMA CENTRAL

suas famílias. O projecto foi bem recebido arte. Cheryl costuma realizar vários projec-
pela comunidade; muitos pais comentaram que tos nas aulas durante o ano, incorporando as
os filhos tinham mostrado um interesse muito novas tecnologias. Na maioria, os computa-
grande pela história da família. dores são usados para pesquisar e para criar
imagens. Na escola, também existe um museu
Com o número limitado de computa- virtual. Cheryl tem apenas um computador na
dores, o projecto demorou alguns meses a ser sua sala mas usa o laboratório quando precisa.
completado. Bessie tinha os alunos a trabalhar As suas aulas começam normalmente pela
Escola Superior de Educação de Portalegre

rotativamente nos computadores e ao mesmo apresentação do projecto e por demonstração de


tempo desenvolvia outro projecto. O uso do técnicas. Pede aos alunos para responderem de
computador ajudou a fazer interligações entre forma imaginativa nos seus trabalhos. Guiões e
disciplinas- estudos sociais e arte. Devido aos exemplos são fornecidos aos alunos assim como
resultados positivos, Bessie decidiu continuar o a descrição do tipo de expectativas para os alu-
projecto no ano seguinte. nos entenderem a avaliação dos trabalhos.
Na opinião de Bessie, os computado- Hearty bowl and plentful dinner6 .
res são, demasiadas vezes, tidos como um Cheryl pensa que o uso de computado-
substituto do papel e lápis. A sua intenção era res motiva os alunos para aprender história
explorar os potenciais do computador e não da arte. Um dos projectos de trabalho que ela
substituir mediums tradicionais. O projecto propôs aos alunos consistia em pesquisar na
da Bessie foi um sucesso, em parte, porque internet a obra de um artista à escolha dos
ela conseguiu ultrapassar os conceitos de alunos. Os alunos escolhiam 3 imagens de obras
técnicas tradicionais e atingir uma nova for- desse artista e procuravam informação sobre o
ma de ensinar. Também foi importante que o artista e o seu estilo. Então escreviam relató-
projecto estivesse relacionado com a rios que incluíam as imagens, a sua crítica das
experiência de vida dos alunos. imagens e factos sobre o trabalho do artista.
Depois, pedia aos alunos para desenhar uma
Cheryl mesa posta com uma taça, copo e pratos
segundo o estilo do artista escolhido. Os
Cheryl ensina numa middle school 5 trabalhos dos alunos, assim como taças mo-
recentemente estreada numa área suburbana deladas em barro pelos alunos, eram expostos
de Columbus, Ohio. A escola atraiu muitos e vendidos numa mostra aberta à comunidade
professores quando abriu, em Setembro de para angariar fundos para os sem-abrigo. Eles
1999, por causa dos seus recursos e aposta na conseguiram, nesse ano, 2000 dólares.
tecnologia. Um professor descreveu a escola em

aprender
pág
Maio de 2003
44
Museu de grupo virtual. trabalhos resultantes são avaliados da mesma
Entrevistei alguns alunos de Cheryl. forma que os primeiros mas adicionando um
Eles mostraram-me os seus trabalhos no novo critério: inovação. O grau de dificuldade
computador e descreveram-me o museu de do estudante, o tempo utilizado nas tarefas e a
grupo virtual que estavam a construir durante ética de trabalho do estudante são também
as actividades extra-curriculares. O projecto considerados.
tratava de coligir todos os trabalhos feitos pe-
los alunos das aulas de Arte da escola e de os Andy Warhol project
seleccionar segundo critérios que eles próprios Numa conversa pessoal, Ingrid

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


tinham estabelecido. O resultado apresentava- confessou-me: “Se Andy Warhol fosse vivo,
se em Power Point e todos os meses um outro de certeza que usava computadores” (Março,
grupo - os Virtual Art Team (graus 6,7 e 8) 2000). Outro projecto de Ingrid com utiliza-
- convertia a apresentação para a web page da ção dos computadores, para as aulas de Photo
escola: http://www.westerville.k12.oh.us/Ge- II, é o retrato. Depois de os alunos fazerem o
noa/Acad/FineArts/Art/virtual.htm. retrato, Ingrid fala-lhes de Andy Warhol - a sua
vida, o seu estilo, a escolha dos seus temas - e
Este uso do computador facilitava a do movimento pop art. Então, pede aos alu-
colaboração entre os alunos de vários anos. nos para digitalizarem um dos seus retratos e,

TEMA CENTRAL
Os alunos aprendem a trabalhar em grupo, a utilizando o programa Photoshop, criarem uma
construir critérios de avaliação e a compreender série como Andy Warhol. Os alunos devem
conceitos de design. criar séries de pelo menos 4 retratos com a
mesma fotografia. Os 4 retratos devem incluir
Ingrid um que saliente cores pastéis ou cores quentes
e dois que usem os filtros do programa. Os
Ingrid trabalha numa high school 7 alunos podem usar comandos básicos como
suburbana. Os recursos do distrito escolar são copy, paste, image, adjust, rotate e layers.

Escola Superior de Educação de Portalegre


satisfatórios, mas Ingrid levou sete anos para Depois das séries completas, Ingrid guarda-as
conseguir obter seis computadores para a sua na sua zip para as avaliar, e depois, com os
sala de aulas. A formação inicial de Ingrid é a alunos, imprime-as, ajudando-os a explorar
fotografia. Ela pede aos alunos, pelo menos uma tamanhos, tipos de papéis para impressão e
vez por ano em cada turma, para desenvolverem modos de enquadrar as imagens. Ingrid diz que
um projecto de trabalho utilizando a tecnologia gostaria de ir mais além com os produtos finais
dos computadores. nos futuros projectos e não se ficar somente pela
Dream collage impressão em papel.
Um dos projectos de trabalho da aula de
Photo I chama-se Colagens de Sonho. Ingrid Chuck Close project
introduz os conceitos da colagem e do sur- Na aula de Photo II, Ingrid introduziu
realismo, apresenta obras de Salvador Dali, um outro projecto que combina história da
René Magritte, Marcel Duchamp e Man Ray. arte, gráficos e outros media e elementos for-
Pede aos alunos para usar fotos de revistas, mais. O projecto começa com a distribuição
jornais e as suas próprias fotografias para criar de uma curta biografia de Chuck Close, mos-
uma colagem de 8,5 x 11 inch que represente trando slides de obras do artista. O trabalho
um sonho ou um pesadelo num estilo surrealista. consiste na escolha de um retrato feito durante
Ingrid avalia os trabalhos dos alunos segun- as aulas, digitalização da imagem, selecção e
do: (1) tema ou estado de espírito criado; (2) re-dimensionamento da face do retrato
composição e colocação das imagens, so- segundo a grelha e medidas precisas, pos-
breposição, profundidade, destaque; (3) terização da imagem para mostrar a
domínio das técnicas e materiais. Então, separação de grão e impressão a preto e
Ingrid introduz o programa Photoshop; os branco. Seguidamente, a imagem impressa
alunos digitalizam as imagens e com o Pho- é colocada sob uma grelha e é trabalhada
toshop manipulam-nas ao mesmo tempo utilizando uma técnica à escolha do aluno
que registam os tempos de execução. Os (têmpera, lápis, pastel, crayon). O produto
final é feito em técnicas tradicionais, noutro
aprenderMaio de 2003
pág 45
suporte maior utilizando o método de redi- alunos contribuem para a discussão, o que
mensionamento com grelhas. A avaliação do quebra a tradição de dicotomia entre professor
trabalho considera se os alunos são capazes e aluno. Para Elbert, a natureza on line deste
de digitalizar imagens, guardar, manipular/ curso permite flexibilidade e colaboração.
posterizar, imprimir, criar grelhas, repro- Influenciado pelo livro de Perelman: - School
duzir detalhes no produto final utilizando Out -, Elbert está muito entusiasmado com o
convenientemente as grelhas, utilizar as impacto do ensino à distância e acha que este
técnicas escolhidas e o grau de fidelidade do modelo poderá ser a escola do futuro.
produto final com o original.
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Conclusão
Elbert
Tal como outras facetas do trabalho e
Elbert ensina fotografia comercial no da sociedade, a educação reinventa-se em face
Career Center da Arts Academic High School do crescimento das tecnologias digitais. Fo-
and Career Center. Elbert começou a usar ram referidas muitas vozes que proclamam a
computadores nos anos setenta para retocar importância da integração da tecnologia dos
os seus trabalhos de design e logo sentiu que computadores na sala de aulas. No entanto,
os computadores tinham um impacto enorme vários aspectos devem ser considerados.
TEMA CENTRAL

para as artes. Nos anos oitenta, começou a usar Neste artigo, sintetizei resultados de
o computador no ensino através da utilização investigadores sobre os factores que influen-
do Superpaint para retocar fotografias num ciam o uso de computadores pelos professores
laboratório de computadores Macintosh. Actual- e descrevi o trabalho de quatro professores de
mente, ele ensina fotografia em cursos de Arte Arte, focando a maneira como eles incorporam
e Design Comercial. No curso, os estudantes os computadores na sua prática pedagógica.
fazem paginação, edição de livros e revistas Dum ponto de vista prático, este artigo foi
usando aplicações como PageMaker, Photo- escrito para os professores que se sentem
Escola Superior de Educação de Portalegre

shop. Os alunos dos últimos anos desenvolvem frustrados, mas que são entusiastas dos
produtos multimédia, cd roms e websites. Elbert computadores nas aulas. Espero que os
ajuda os alunos a fazerem o anuário da escola, a professores aprendam com as experiências
revista literária Fortfolio e a publicar um cd rom dos seus colegas e que isso os possa ajudar a
todos os anos com os trabalhos dos alunos. Em melhorar as suas práticas de ensino. Espero
1999, Elbert começou a trabalhar no programa também que este artigo seja um ponto de
Virtual High School (VHS) é um curso semes- partida para iniciar o diálogo, a reflexão
tral ou anual dado pela internet para alunos em e o debate entre os educadores de arte e
várias partes do mundo. Os estudantes acedem investigadores sobre os méritos e eficácia do
ao curso através do site : http:// vhs.concord.org. computador na sala de aula.
São cursos muito especializados e selectivos. Joseph Corn, editor de Imaging Tomor-
A disciplina de Elbert chama-se “Expanding row, nomeou as três falácias mais comuns
Artistic Visions Through Photography”. Esta na predição do impacto das novas tecnolo-
disciplina foca o olhar para e o fazer a fotogra- gias: “(1) as novas tecnologias trazem uma
fia: olhar não só para as fotografias dadas mas revolução total e substituirão todas as outras
também para as fotografias dos alunos. Elbert formas; (2) as novas tecnologias realizarão
está mais interessado na exploração da visão somente as tarefas conhecidas e satisfarão só
fotográfica para facilitar a expressão pessoal do necessidades conhecidas ; (3) as novas tecnolo-
que em aspectos técnicos específicos. Os alunos gias vão trazer mudanças milagrosas, utópicas e
inscritos usam a câmara e o scanner para enviar globais” (citado por Lovejoy, 1997, p.253).
os seus trabalhos electronicamente e juntam-se
ao grupo de discussão online para a crítica dos Eu concordo com Corn, acredito que as
trabalhos. novas tecnologias não substituem as antigas.
O assincronismo deste curso permite Os
aos alunos e professores de regiões e escolas
distantes participar na mesma disciplina. Os

aprender
pág
Maio de 2003
46
artistas continuarão a pintar, desenhar e New York, NY: Times Mirror.
esculpir. Mas novas e emergentes tecnologias
Grandgenett, N., & Harris, J. (1994). Factors associated
poderão expandir o potencial e a definição da with intensive telecomputing use among teachers.
arte, assim como o leque de possibilidades da Journal of Technology and Teacher Education,
expressão, percepção e comunicação (Lovejoy, 2(1), 3-16, Charlottesville, VA: Association for the
1997). Projectando-me no futuro, consigo ver Advancement of Computing in Education.
o poder da tecnologia dos computadores e o
Heise, D. & Grandgenett., N. F., (1996). Perspectives on
seu impacto na arte, ciência e educação, assim the use of internet in art classrooms. Art Education,
como nas nossas vidas quotidianas. No entanto, 49 (6), 12- 18.

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


a tecnologia só por si não mudará a educação. O
que interessa agora é como é que ela é utilizada Lee, K. (1997). Impediments to good computing practice:
Some gender issues. Computers in Education, 28
(Sandholtz, Ringstaff, & Dwyer, 1997). (4), 251-259.

Lovejoy, M. (1997). Postmodern currents: Art and artists


in the age of electronic media (2nd ed.). Upper
Notas: Saddle River, NJ: Prentice Hall.

1 K-12. equivalente ao 12º ano. Nota da tradutora. Means, B. (1994). Technology and education reform. San
2 2º e 3º ciclos. Francisco, CA: Jossey-Bass Publishers.

TEMA CENTRAL
3 Algumas escolas básicas america- Sandholtz, J.H., Ringstaff, C. & Dwyer, D.C.
nas introduziram o modelo “cart”: as (1997). Teaching with technology: Creating
várias disciplinas especializadas são student-centered classroom. New York, NY: Teach-
ers College Press.
introduzidas no horário semanal dos
alunos segundo as políticas educativas Schrum, L. (1995). Educators and the internet: A case
adoptadas pela escola a partir de uma study of professional development. Computers in
Education, 24 (3), 221 – 228.
espécie de projecto educativo anual ou

Escola Superior de Educação de Portalegre


semestral, num espaço comum para Shneiderman, B. (1998). Relate-Create-Donate: a tea-
todas as disciplinas. ching/learning philosophy for the cyber-genera-
tion. Computers & Education, 31, 25 – 39.
4 5º ano.
5 3º ciclo. Veen, W. (1993). How teachers use computers in instruc-
6 Projecto de trabalho de Cheryl. tional practice – Four case studies in a Dutch se-
7 condary school. Computers in Education, 21 (1/2).
Escola secundária.
1-8.

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cational Week, 19 (4), 5 - 11.

Goodman, C. (1987). Digital visions: Computers and art.

aprenderMaio de 2003
pág 47
Respuestas de la educaci-
ón artística a la crisis am-
biental: ejes y prácticas.
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Muntsa Calbó Angrill


Universidad de Girona, Catalunya,
Departamento de Didácticas Específicas,
Unidad de artes plásticas y visuales.

En este artículo se mantiene una con- Abordar la crisis ambiental desde la


TEMA CENTRAL

cepción de la educación ambiental: la edu- educación artística.


cación ambiental es sobre todo una edu-
cación en valores y para la transformación En esta comunicación pretendemos
crítica de las actitudes con respecto a las demostrar que en el campo de la educación
relaciones entre humanidad y naturaleza, artística se desarrolla desde hace algunos años
relaciones que se dan precisamente como una tarea más o menos eficaz para la transfor-
consecuencia de percepciones ético-culturales mación de nuestras percepciones del ambiente,
Escola Superior de Educação de Portalegre

del mundo (Caduto, 1993). En este sentido, la tanto a nivel material como a nivel perceptivo
crítica fundamental se basa en la transformaci- y conceptual. Esta tarea no ha sido recogida ni
ón de algunos de los valores de la modernidad, ordenada de manera sistemática y por lo tanto
especialmente aquellos que se refieren a cre- no es accesible a una mayoría de los educadores
encias sobre el valor del lenguaje, el cono- (Mc Fee, 1999[2]).
cimiento, la naturaleza y los seres humanos, En esta parte de nuestra investigación,
individual y colectivamente hablando[1]. intentamos crear un marco para situar cualquier
La interdependencia, y no la independencia; aproximación educativa del arte al ambiente.
la colaboración, y no la competecencia; el Este marco se ha organizado atendiendo a los
beneficio a medio y largo plazo, y no a corto pla- vínculos entre los planteamientos identificados
zo; la unidad, y no la separación; la pertenencia especialmente en dos ámbitos: la reflexión eco-
a la Tierra, y no el dominio… lógica aplicada a la práctica estética y la propia
También entenderemos el concepto de teoría y práctica de la educación ambiental
arte y educación artística como metáforas de contemporánea.
una comprensión amplia del hecho artístico,
que reúne todo tipo de prácticas estéticas Reconexión del arte con la vida.
culturales, en el sentido de la educación para
la comprensión de la cultura visual a la que Los análisis en estos dos campos nos han
diversos autores contemporáneos hacen referen- convencido de la fuerte coherencia entre lo que
cia (Hernández, 1997, 1999). hemos llamado ejes o dimensiones eco-sociales
Creemos, y ésta fue la asunción original de la educación en general, y lo que hemos
de nuestra investigación, que la interpretación llamado características o dimensiones, de una
de valores eco-sociales a través del proceso incipiente “estética ecológica”, entendida ésta,
artístico es la base para enfrentarnos a un reto definitivamente, como un campo en el que teoría
urgente y necesario: abordar la crisis ambiental y práctica se funden.
desde la educación artística. De forma abreviada, recogemos en la

aprender
pág
Maio de 2003
48
tabla la interpretación que vincula ambos cam- visualizar, explicitar, criticar, las conexiones del
pos a través de sus ejes principales, e introduci- arte con la vida, la sociedad, la política, la religi-
mos ya las vías para la reconexión del arte con ón, el entorno físico… tiene por derecho propio
la vida, que parece constituir la base para una rasgos ambientales.
regeneración ecológica en educación artística De la misma forma, una propuesta de EA
(ver tabla 1). que busque la identificación afectiva y emocio-
A partir de estas conexiones interdimen- nal con el lugar y la comunidad, o que aproveche
sionales, podremos comprender algunos aspec- los recusos del entorno inmediato, que provoque
tos ambientales que a menudo pasan desaper- la participación de los alumnos para mejorarlo…

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


cibidos: el problema del aislamiento cognitivo, también presneta rasgos ambientales. Teniendo
por ejemplo, es uno de los que se abordan en en cuenta que la preocupación por la crisis
cualquier proceso ambiental en EA. Un modelo ecológica y la
o una teoría o una práctica de EA que pretenda

Tabla 1

TEMA CENTRAL Escola Superior de Educação de Portalegre

Ejes eco-sociales en educación y arte.


M.Calbó, 2001

aprenderMaio de 2003
pág 49
correlación de ésta con la crisis social son bran a enfatizar una o varias de las dimensiones,
bastante recientes, es interesante observar que y por otra parte, se elaboran preferentemente en
un campo como el de la educación artística ha alguno de estos niveles o modos de comprensión
sido un receptor inmediato de las necesidades de los valores del arte: niveles estéticos.
identificadas por la educación ambiental. Con esta tabla (tabla 2), pues, queremos
Educación artística y ambiente en la sugerir el marco de nuestro análisis, pero también
perspectiva contemporánea. la voluntad de considerar todas las aportaciones
Con estos ejes como trasfondo, hemos como positivas, dada la urgencia del problema, y
estudiado las propuestas ambientales para la a la vez, proporcionar una orientación para todos
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Educación Artística, intentando a la vez no los educadores interesados en éste.


desvirtuar su contenido estético que al fin y al En este texto no pretendemos ni
cabo es la base de las enseñanzas en nuestra podemos explicar todas y cada una de las
área. Así, hemos elaborado un análisis que propuestas y prácticas reales o teóricas que
atiende también, respecto de cada uno de los hemos revisado, tan sólo sugerir una posible
ejes, a los niveles o modos estéticos en los que organización de los contenidos, métodos y
se plantea. A modo de síntesis, la educación objetivos a través de los cuales se enfoca la
artística vinculada y ocupada en la mejora de cuestión ambiental en la educación artística, y
nuestras relaciones con la Tierra y todos sus valorar la pertinencia y sensibilidad de todos los
TEMA CENTRAL

seres, se enfoca a uno o varios de estos ejes, y puntos de vista.


se desarrolla o plantea en diferentes niveles de El eje de la crítica de las representaciones
comprensión de los valores estéticos: ambientales en el arte.
1. Respecto de la crítica de las metáforas Aunque en la breve historia de la
ambientales transportadas por el arte: el estudio educación ambiental esta dimensión es la
de obras de arte con una perspectiva ecológica última que aparece, contemporáneamente la
puede realizarse entre los niveles de la pura consideraremos básica, si comprendemos que
sensación hasta la crítica cultural. en la base de cualquier aproximación de la EA
Escola Superior de Educação de Portalegre

2. Respecto de los modos de conocer: las al ambiente existe una asunción, una decisi-
propuestas ambientales que se enfocan al desar- ón, una crítica, de lo que las obras y procesos
rollo y valoración de modos de conocer alterna- artísticos son y cómo se relacionan con el res-
tivos a la epistemología moderna, varían desde to de aspectos de nuestra vida física, social,
la experiencia sensorial y la acción directa, hasta intelectual…y de por qué razón son importantes
la interdisciplinariedad e incluso la participación en educación.
activa en el proceso de la comunidad. Lankford (1997, 1998) propone di-
3. Respecto de la teoría estética, que rectamente a los educadores el estudio
desde el punto de vista ambiental se funde con ecológico de obras de arte en las clases. Es decir,
una teoría ética, las versiones que sostienen e considera necesario para la transformación de
incluso centran las prácticas se pueden orde- nuestras actitudes respecto de la naturaleza y los
nar como una estética de la pura sensación, demás empezar por tomar conciencia de las per-
expresionista, formalista, o explicitamente cepciones y valores ambientales que sostienen
ecológica. las obras y procesos de arte, cosa que implica
4. Respecto de la incidencia en el de- la conciencia de que el mundo se puede percibir
sarrollo del sentido de lugar, eje metodológi- de modos distintos, y por tanto, que podemos
co de la transformación educativa encarada transformar esta percepción.
al ambiente, entre los niveles de reconocimen- En niveles o actitudes menos culturalis-
to, la empatía y la respuesta afectiva, hasta la tas, otras perspectivas plantean el estudio de las
crítica para la transformación, restauración o obras de arte en el proceso de concienciación
conservación de aspectos locales y comunita- ambiental: a veces, para apreciarlas como parte
rios. del entorno; otras, como objetos de estudio
Creemos que estos cuatro ejes estan interdisciplinar, e incluso,
conectados y que existe una coherencia entre
niveles y ámbitos, en cualquier propuesta. Los
modelos, ideas y programas concretos acostum-

aprender
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Maio de 2003
50
Tabla 2

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


TEMA CENTRAL Escola Superior de Educação de Portalegre
Niveles y ejes de las perspectivas ambientales en educación artística.
M.Calbó, 2001

como ejemplo para la creación con fina- el ambiente (arquitectura, diseño, escultura, arte
lidades ecológicas. Existen ejemplos para todos público) (Adams, 1990b). Y también los enfo-
estos modos de apreciación del valor ecológico ques que consideran la posibilidad de encontrar
del arte. en las obras de arte los mismos elementos for-
males y figurativos que en la apreciación visual
Obras de arte y perspectiva sensorio- y táctil del entorno (Joicey, 1986).
perceptiva.
Obras de arte, emoción y sentido de
Reunimos en esta perspectiva tanto las unidad.
propuestas que toman el entorno como hecho ar-
tístico, que se puede experimentar estéticamen- Con el objetivo de enseñar arte de forma
te; las que directamente se acercan a aquello que, que promueva la comprensión de la interdepen-
definido como arte, se manifiesta físicamente en dencia y la interconexión de todas las cosas,

aprenderMaio de 2003
pág 51
Blandy i Hoffman (1993) recomiendan aprove- perspectivas ambientales, y que es una imple-
char “que existen ciertos ejemplos de arte que mentación de las perspectivas anteriores.
son explícitamente ecológicos, desarrollados
directamente desde una conciencia de nuestro
lugar en la naturaleza, un arte del que deriva el
respeto por el entorno y la posibilidad de apren-
der desde la unidad y la continuidad”. Obras de arte como ejemplos de con-
En este sentido, proponen trabajar en las tenido ambiental.
clases investigando sobre las obras, funciones
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

y procesos artísticos en los que el arte influen- En este nivel queremos reunir algunos de
cia el modo de vida de la gente, o es un medio los casos en que las obras de arte se presentan
para implicar a la gente en cuestiones sociales y como ejemplos para la creación (en relación a
políticas; en los procesos de arte que despiertan su material, a su tema, a su forma, a su lugar) y
la gente hacia su entorno, o que representan también como lugares para la crítica (añadiendo
mediante metáforas las visiones del lugar; y a los anteriores los procesos performativos, la
en definitiva, aquéllos que construyen maneras cultura visual de los mass-media, los logoti-
de ver el mundo holísticas y ambientalmente pos y señales, etc.) superando la perspectiva
responsables (Gablik, 1991). disciplinar por laperspectiva cultural y ética.
TEMA CENTRAL

En uno de los ejemplos, Pam Taylor


Perspectivas disciplinares y relaciones explica que empezó el curso “enseñando algu-
arte-ambiente. nas diapositivas y pidiendo a los estudiantes
que escribieran sus pensamientos sobre como
En este epígrafe queremos recordar las el artista y la sociedad en que trabaja valora
aproximaciones que, basadas en los dominios el ambiente. Comparamos obras como “Una
artísticos (DBAE) o las dimensiones de Eisner tarde de domingo en la Grade Jatte”, de Seu-
(1972) para la Educación Artística, se propo- rat, con “Culturas del trigo y preparación de
Escola Superior de Educação de Portalegre

nen estudiar obras de arte con el objetivo de tortillas”, de Diego Rivera; las pinturas de las
desarrollar la conciencia ambiental. Haremos Cuevas de lascaux con los “Gatos radiactivos”
referencia a un modelo propuesto por Max de Sandy Skoglund, o el Partenón con la Casa
Darby (1986), educador artístico australia- de la Cascada, de Frank Lloyd Wright.” (Taylor,
no, que combina dimensiones artísticas con 1997).

aprender
pág
Maio de 2003
52
Desarrollar “otros” modos de conocer el menosprecio del afecto y la emoción como
en Educación Artística. constructores de conocimiento, la ausencia
de la sensación y del cuerpo… y todavía, la
El enfoque característico de las propues- no pertinencia de la opinión divergente, la
tas en este eje parte de la convicción de que el argumentación crítica y la tolerancia respecto
arte, por sus características, es un proceso activo del modo de pensar del otro. Sin embargo,
de conocimiento, aprendizaje y significación que todas estas maneras de conocer y aprender se
precisamente utiliza unos modos alternativos, pueden considerar incluso típicas del campo
críticos con los aspectos de fragmentación y artístico.

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


jerarquización del saber propios de la epistemo- Algunas de las maneras de ver y actuar
logía moderna, que se percibe como causa de la en el mundo características de los procesos
percepción demasiado fragmentada e indepen- del arte se pueden considerar mediadoras de
diente del mundo. valores ambientales. Aunque aquí no podemos
Una respuesta rápida a las primeras detallarlas, podríamos encontrar ejemplos
demandas de tratamiento educativo de la crisis explícitos para cada uno de los niveles
ambiental fue un curso interdisciplinar que identificados:
se realizó en la Open University (RU, 1977). a) Considerar la sensorialidad: potenciar
Este curso editó unos materiales y propuestas el conocimiento ambiental a través de la refina-

TEMA CENTRAL
didácticas que todavía hoy tienen resonancias ción y desarrollo de la sensación y la percepción
en la pedagogía artístico-ambiental. Recogeré (Adams, 1982; Joicey, 1986; etc.).
aquí sus objetivos, que permiten la compara- b) Considerar la expresión y la emoción:
ción con las características de otras propuestas potenciar la respuesta afectiva al entorno, al
que estamos ahora revisando y comentando. El mundo, al lugar, a los otros, a través del arte
rasgo fundamental, según nuestro análisis, es el (Adams, 1982, 1990a; Keaney, 1996; Admetlla,
énfasis en abrir el camino hacia modos de co- 1998).
nocer dejados de lado y, en profunda conexión, c) Conectar disciplinas: Trabajar, a

Escola Superior de Educação de Portalegre


el trabajo interdisciplinar, para alcanzar (Open través de tópicos concretos, como la arquitectura
University, 1977): (Orr, 1999) o el reciclaje (Stephenson, 1994), las
1. Aumentar la percepción sensorial y la relaciones interdisciplinares, tanto en los enfo-
conciencia sensorial del mundo. ques estéticos, como sobre todo las conexiones
2. Estimular y desarrollar la capacidad entre ciencia y arte (Larson, 1993), a través de la
para la actividad creativa. creatividad y la capacidad analógico-metafórica
3. Aumentar la competencia en diversos de la imagen (Snively-Corsiglia, 1994).
medios, particularmente otros que las palabras d) Considerar la dimensión local, par-
o los números (formas visuales, imágenes, soni- ticipativa y activa del saber: Participar en
dos, performance, uso creativo del lenguaje). proyectos reales de la comunidad; trabajar,
4. Adquirir conciencia de la relación aprendiendo modos sociales, estéticos y
entre el arte y los sentimientos y emociones. políticos de relación con el entorno, en proyectos
5. Adquirir conciencia de la variedad de implicados en cambios en comunidades concre-
comunidades que crean sus propios entornos, y tas (Neperud, 1997).
participar activamente en ellas. En nuestro análisis, por ejemplo, pode-
6. Comprender algunas relaciones entre mos descubrir en la propuesta de Mc Coubrey
la actividad artística y la cultura de que forma (1994), interpretada según nuestros parámetros
parte. El curso entero intenta proporcionar una en la tabla siguiente, en donde podemos ver
visión del arte como actividad enraizada en la como modos de conocer alternativos algunos
sociedad, en oposición a verla como una acti- de los que el arte contribuye a desarrollar y que
vidad puramente estética. son promotores del cambio de percepciones
Prácticamente en todas las propuestas de la naturaleza y el mundo y de las acciones
que hemos revisado, la EA se realiza a través ambientales necesarias.
de unos métodos diferentes de los comunes en
otras áreas, como, además de los números y Los contenidos éticos de la estética en
las palabras: la experiencia de segunda mano, la base.

aprenderMaio de 2003
pág 53
Tabla 4
Educação Artística: Traçados Contemporâneos
TEMA CENTRAL
Escola Superior de Educação de Portalegre

Projectes per a apreciar i tenir cura de l’entorn des de l’EA segons Sharon McCoubrey,
1994. M.Calbó, 2001

responde de manera coherente a los valores


En este apartado se trataría de abrir los de la ética ambiental, a qué nivel, y en qué
ojos hacia el enfoque estético de las propuestas, sentido.
considerando especialmente aquéllas en las Como en los anteriores ejes, intentaremos
que ésta es la cuestión central, característica; resumir en cuatro modos o niveles el tipo de
para subrayar, finalmente, si este contenido valores éticos, estéticos y ambientales en los que
estético, esta teoría del valor arte, se cor- se sitúan, explícitamente, los argumentos.
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Estética como refinación de la senso- Conectando con las anteriores ideas,
rialidad. Adams vincula la necesidad de valorar y
provocar experiencias sensoriales, perceptivas
Recuperamos una concepción del arte que y expresivas en los niños con la adquisición
está en la base de bastantes de las propuestas de un lenguaje apropiado para la crítica y la
educativas para el ambiente (Adams i Ward, comunicación verbal. El lenguaje formalista
1982; Joicey, 1986; Adams, 1991; Keaney, 1996; y los valores que destaca en el arte ha sido
etc.). En ellas se trata de desarrollar, con diferen- criticado desde un punto de vista ambiental,

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


tes métodos, la percepción del entorno a través ecológico, por su carácter universalista, autorita-
de los sentidos. En una opción característica rio y, aún peor, fragmentador. Pero si retomamos
de la escuela italiana, Gennari (1998) también las razones vinculantes de algunos educadores,
la explicita en su “Estetique del’ambiente”, no podremos negar que los procesos artísticos,
pedagogía para el punto de visto estético con incluso los más modernos, desvelan con su
el objetivo de valorar, recuperar o transformar, lenguaje de formas, colores y texturas la mara-
bajo decisiones argumentadas, el ambiente. En villa y, porqué no, el drama, de nuestro entorno
su texto, como en otros menos explícitos, la (Anderson, 1999), y muchas veces, facilitando
perspectiva estética se trata como experiencia precisamente a través del elemento formal, una

TEMA CENTRAL
del ambiente en el sentido de Dewey, como nueva percepción del mundo:
completa e integral; en el sentido clásico, como Mirar “los campos y los espacios”, o “los
experiencia de los sentidos; y todavía, como la edificos en el paisaje”, puede convertirse en
experiencia característica del artista en lo que una tarea dantesca. ¿Por dónde tiene que em-
respecta a capacidad de imaginación en el sen- pezar el niño? Pero pedidle que tome nota de la
tido literal: reconceptualización y comprensión “textura” o del “módulo” de estos campos o
del paisaje como imagen percibida. edificios, y le habréis dado una estructura para
ordenar la información y los medios para de-

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Estética de la empatía, o los valores ex- sarrollar un lenguaje para analizar y explicar
presivos del arte. lo que está viendo, y para expresarse a tra-
vés del dibujo. En otras palabras, les habréis
Completando casi siempre el anterior proporcionado los medios para empezar a
enfoque, aparece también una teoría de base desarrollar una creciente conciencia de su
expresionista, en la que se procura desarrollar entorno y una creciente interrelación con él.
la materialización de la reacción, la respuesta (Joicey, 1986: 19)
emotiva, respecto de esta experiencia percep- Basándose en Santayana (1896), He-
tiva del ambiente. Malcom Ross (en Adams & tha Kauppinen elabora una propuesta para la
Ward, 1982) defiende el valor de las creaciones educación basada en la estética ambiental, en
artísticas como indicadores de una creciente la que se distinguen los valores sensoriales,
concienciación y percepción ambiental: “A formales y expresivo-simbólicos del arte. A
través de la producción de imágenes accedemos través del enfoque a estos tres tipos de valor,
al mundo de los sentimientos. Pensar en imá- propone estudiar estos factores ambientales:
genes es sentir”. Y añade, todavía: “Dar sentido a) El cambio del entorno: todos los
a la experiencia implica actuar sobre ésta. La cambios (geológicos, climáticos, estacionales,
representación transforma las sensaciones en cíclicos, tecnológicos) “afectan las cualidades
facultades perceptivas.” visuales del entorno”.
Este tipo de valoración de la producción b) La historia del entorno: la historia
artística anima las propuestas en que la repre- revela como han surgido las formas actuales, a
sentación y la expresión son fundamentales nivel geológico, biológico o socio-político.
para la percepción significativa, afectiva, y c) La experiencia secuencial del
completa del ambiente. entorno: “Dewey (1934) estaba particular-
mente interesado en las relaciones espacio-
Formalismo, conceptualización y abs- temporales en el entorno y en el carácter
tracción del recorrido ambiental. secuencial de nuestra percepción”. Los en-

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Educação Artística: Traçados Contemporâneos
TEMA CENTRAL

tornos pueden considerarse como secuencias vincula.


de “vistas” que escaneamos, por partes o · La recuperación de géneros, estilos y
unidades. artistas “menospreciados” o directamente “ob-
viados”; en su caso (Reino Unido), por ejemplo,
Renovación ecológica de la estética en las tradiciones nacionales de paisaje y en general
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educación artística. toda la figuración.


· El trabajo creativo con materiales
Por su interés y novedad, en este epígrafe naturales, poniendo un ejemplo tan sencillo
queremos introducir las propuestas que por su como el barro, que reconecta a los niños con la
fundamento teórico plantean el análisis del arte, experiencia de la Tierra.
de cualquier época y cultura, desde el punto · El diseño relacionado con una visión
de vista eco-social, como contenido esencial comunitaria de las funciones sociales del arte,
para la renovación ecológica de la educación relacionado con el lugar, la tradición, y el
estética. entorno bio-físico, además de sus características
Peter Abbs (1989) apunta una re- simbólicas de unidad y belleza.
clamación general para reformar la edu- Recogiendo y ampliando las consi-
cación artística basándola en una estética deraciones estéticas de su anterior artículo
conservacionista, que supera y se opone a (Blandy & Hoffman, 1993), Blandy, Congdon
cualquier conservadurismo, y a la vez, a la y Krug (1998) proponen una clasificación
estética moderna. Además de reincidir en los de tipos y categorías estéticas totalmente di-
aspectos sensoriales y experienciales, llama la ferente a los aspectos que resalta la estética
atención sobre el hecho de la vinculación con moderna, para recoger y comprender algunos
la Naturaleza de gran parte de la tradición que tipos de arte que facilita la exploración desde
precisamente ha sido menospreciada en las el punto de vista eco-social; y al mismo tiempo,
propuestas de la modernidad, tanto en crítica contienen una “restauración” socio-cultural que
como en filosofía. Para ser breves, sintetizamos parece ser necesaria para una auténtica “restau-
algunas de sus “propuestas de recuperación”: ración ecológica”. En síntesis, hablan de tipos y
· La promoción de la comprensión y formas de arte en relación a:
la crítica del arte, negando la aproximación · El uso de materiales ordinarios:
innatista; el contenido fundamental de la EA vulgares, populares, tradicionales, de desecho,
es comprender el arte y los contextos a que se naturales.

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· La consideración de la naturaleza i de natural, un tipo de sistema, un clima), el pa-
la etnicidad trimonio histórico-cultural o el patrimonio
· El reciclaje y el lugar natural, etc., los programas se desarrollan a
· El género y el eco-feminismo distintos niveles (sensorio-perceptivo, expre-
· La devastación ambiental sivo, cognitivo-discipinar y ético-cultural)
· Los textos como señales de aviso y como ya hemos estado siguiendo en los
reclamación anteriores puntos de esta comunicación.
· La restauración ecológica Desde la preparación perceptiva para
· La restauración cultural reconocer e identificar un lugar, el uso de los

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Este tipo de ordenación no se corres- medios artísticos para representar la experien-
ponde para nada con las categorías forma- cia que se tiene de él, el conocimiento de los
les o compositivas; son categorías propias materiales a veces únicos o característicos de
de una estética ecológica que reconecta el un lugar, fuertemente marcados por la tradici-
arte con la vida social y cotidiana, y como ón nativa, los procesos basados en el sistema
consecuencia, con la cultura y el sistema natural local, hasta la creación de tipo rei-
ecológico. Cualquier estrategia que “desar- vindicativo y comunicativo a través de
rolle la enseñanza de cuestiones conceptuales símbolos y metáforas, el enfoque a las prác-
vinculadas a la relación del artista con los mate- ticas simpáticas con la naturaleza del lugar,

TEMA CENTRAL
riales, los lugares, el activismo y la protección el estudio de obras y artistas fuertemente
ecológica” (Blandy, Congdon i Krug, 1998: implicados en la reclamación ecológica desde
241), contribuirá a esta renovación del papel un lugar, tanto de carácter simbólico como
del arte en educación. documental, e incluso la participación en
proyectos comunitarios de restauración social
El Sentido de Lugar en educación y cultural, de cambio en los entornos escolares,
artística. de recuperación de las identidades y la diversi-
dad cultural, se pueden comprender todo tipo

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Eje fundamental en educación ambien- de propuestas que en definitiva se dirigen al
tal, el sentido de lugar se desarrollaría tanto a desarrollo de los valores de la interdependencia
partir de aspectos conceptuales del curri- y la proximidad, al superponer el sentido de
culum y los materiales didácticos como comunidad, el respeto por el otro, la crítica del
metodológicamente, apartándose de los abuso, la explotación o el desprecio entre seres
aspectos universales y desconectados de humanos y sus creaciones, a la conservación y
los currícula modernos y aprovechando las el respeto por la naturaleza.
características locales del entorno socio- No podemos ahora detallar las diversas
físico. Adams (1991) resalta la necesidad experiencias revisadas desde este punto de
de “desarrollar una educación efectiva para vista, pero recordemos el proyecto “Learning
el entorno urbano, que anime unas conexiones Through Landscapes”[3], en el Reino Unido,
más positivas entre la gente y los lugares, que centrado en el uso, diseño, dirección y desar-
desarrolle capacidades críticas y capacite a rollo de los entornos escolares, o el conocido
la juventud para visualizar un futuro mejor”, ejemplo de la escuela Elemental de Pickerington
a través de la educación estético-artística. (USA, 1992-93), en el que los niños y las niñas
Situaremos en este eje acciones e ideas que se siguieron el proceso de la comunidad, incluyen-
enfatizan estos modos o niveles: do autoridades e instituciones, para recuperar
· Apreciar, conocer y reconocer el un espacio de marismas muy devastado por la
entorno modernización de la agricultura y el desarrollo
· Comprender, sentir y reclamar el lugar residencial.
· Conocer y conservar el Patrimonio En cuanto al arte público como eje de
· Restaurar y transformar los lugares/ proyectos educativos, cabe decir que es un
comunidades campo abierto que por el momento se enfoca
Esto significa que a partir de trabajos y desde el reconocimiento o el ejemplo hasta
proyectos que se centran en el entorno urbano la crítica y la participación. También cabe
de la escuela, el arte público de un lugar, las recordar que existen muy distintos tipos de arte
características de la naturaleza (un parque
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pág 57
público, y que en concordancia con el conteni- nos en la construcción histórica.
do estético manifestado en el epígrafe anterior, Cabe destacar que estos educadores
es diferente abordarlo (como artista, como creen que las estrategias y capacidades que se
educador, o como alumno) desde un punto de desarrollan en el aprendizaje centrado en el
vista formal, desde un punto de vista material, lugar y característicamente, en el Patrimonio,
expresivo-simbólico o desde un punto de vista son, además de la percepción y la expresión de
participativo y reconstructivo (ver Thurber, las propias emociones, decisiones y opiniones
1997). En definitiva, no todo el arte público respecto del lugar (primeros niveles de reco-
propicia la identificación y el sentido de perte- nexión ambiental), la interdisciplinariedad y
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

nencia a un lugar (Gablik, 1989, por ejemplo), el trabajo en equipo, la combinación de oficios
pero el arte público, como el arte en general, tradicionales con nuevas tecnologías, la cone-
puede funcionar como un desvelador y como un xión con la cultura que produce el monumento
promotor de la identidad cultural, de creación y sus funciones, el planteamiento del futuro
de una historia personal y colectiva (Adams a partir del significado que encarna el lugar
1990b). hoy en día, y el aprendizaje como proceso de
Como ocurre con el uso de los entornos investigación; estrategias y habilidades que
escolares o del arte público como núcleos de superan el marco estricto de la educación
la educación artística para el sentido de lugar, artística y configuran, en gran parte, los procesos
TEMA CENTRAL

el uso del Patrimonio puede ser muy discutible de educación ambiental.


dependiendo del nivel y el enfoque que se tome.
En definitiva, el hecho de usar el entorno natural A modo de conclusión provisional.
o urbano, el arte público o la herencia histórica
como núcleos y temas educativos no asegura la No pretendíamos ofrecer un archivo de
calidad ecológica de los proyectos, es decir, no las prácticas reales o posibles mediante las
implica el enfoque a una transformación de los cuales la educación artística contribuye a la
valores que sostienen nuestras relaciones con educación ambiental, sino procurar ordenar
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la Tierra, incluyendo a los seres humanos. El en un marco o contenedor holístico, los ejes y
patrimonio puede ser visto como una metáfora niveles en los que estas prácticas pare-
de la autoridad y de la superioridad cultural o cen desarrollarse, para destacar el acuerdo
como reafirmación política, o puede ser analiza- explícito e implícito con los planteamientos de
do como parte de la historia de un lugar, como la educación ambiental contemporánea, es decir,
transmisor de valores humanos a través de la su cualidad y su pertinencia ecológica.
historia, como, incluso, fundamental en el factor A la vez, también creemos haber plan-
histórico de la construcción de un lugar, en el teado una posible guía para situar, en investi-
sentimiento ambivalente de posesión y pertenen- gación o en educación, preguntas, procesos,
cia que se define como sentido de lugar. conceptos y estrategias a desarrollar en esta
En este segundo sentido, las propuestas encrucijada eco-estética; por nuestra parte,
se apartarían de las catalogaciones y actitudes la investigación doctoral de la que forma
conservadoras para, por ejemplo, incluir en la parte este estudio se centró en el desarrollo
definición de patrimonio una fuente, un molino fundamental del primer eje, la interpretaci-
de viento, un tejado de paja o una pared de pie- ón y la crítica de las metáforas del ambiente
dra, además de los monumentos oficialmente transportadas por los procesos llamados
reconocidos y los objetos museísticos. Por otra artísticos.
parte, existen comprensiones ampliadas del Por último, y aunque sea a manera de
patrimonio, que incluyen el patrimonio natural trasfondo y sugerencia, pretendíamos abrir
y los mass media (Juanola, 1997; Huerta, 1995) los ojos a las múltiples vías de acceso a la
y por supuesto, el arte público. La mayoría transformación del sistema de valores que
de educadores implicados en esta perspectiva parece ser el contenido y el objetivo de la
resaltan la necesidad, profundamente ética, de educación ambiental, proceso que pasa tal vez
desarrollar en la población joven, tan influencia- en primer lugar por la concienciación de los
da por el sistema de consumo rápido y novedad propios educadores de arte hacia sus propios
tecnológica, la apreciación de los valores huma- conceptos estéticos, sus cánones artísticos, y

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Tabla 6

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


TEMA CENTRAL Escola Superior de Educação de Portalegre
Dimensiones eco-sociales y educación artística.

sus métodos educativos; concienciación respec- Referências Bibliográficas


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aprender
pág
Maio de 2003
60
Performance Artística como
Pedagogia de Resistência
Charles R, Garoian
Director da School of Visual Arts e

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Professor da Art Education Penn State
University

Em todas as épocas novas tentativas James Luna. Assim, evocarei metáforas como
devem ser feitas para arrancar a tradição do “resistência” (endurance), “persistência” e

TEMA CENTRAL
conformismo que dela se apodera. “sobrevivência” para representar as estra-
Walter Benjamim (1968, p.255) tégias físicas e conceptuais que os artistas
pós-colonialistas utilizaram para expor a
memória e história cultural do corpo e exa-
Neste artigo, tratarei das estratégias minar e criticar as circunstâncias alienantes
da performance artística como pedagogia no do colonialismo, globalização, expatriação,
ensino das artes, conceptualizando a sua imigração e Diáspora. Discutirei também

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polémica incorporação. Irei argumentar que circunstâncias similares do meu trabalho
a performance artística como pedagogia de performance artística como membro da
representa um espaço criativo e intelectual primeira geração de arménios-americanos,
através do qual os estudantes podem aprender filho de refugiados que sobreviveram ao
a expor, examinar e criticar os paradigmas genocídio e que imigraram para os Esta-
culturais opressivos a partir das suas diferentes dos Unidos. Além disso, irei caracterizar a
perspectivas vivenciais. A conjunção de “pedagogia da resistência” na performance
conteúdos académicos “públicos” com os artística de duas maneiras: primeiro, como
conteúdos “privados” dos estudantes, que persistência e sustentação do corpo devido
ocorre através da incorporação do discurso e à fisicalidade da “performance” artística, e
da prática da performance artística, transforma segundo, a persistência e sustentação da
a sala de aulas num espaço contencioso onde subjectividade do corpo, a sua identidade
as assunções da escola podem ser desafiadas a apesar da filiação cultural. Tal resistência ao
partir das perspectivas das memórias pessoais domínio cultural sugere que a performance
dos estudantes e das suas histórias culturais. artística é uma forma pós-moderna e pós-
A performance artística implica resistência e colonial de discurso da pedagogia e da prá-
persistência das identidades culturais hetero- tica que permite a persistência, resistência, e
géneas dos estudantes no acto de desafiar a sobrevivência da subjectividade.
resistência da cultura tradicional institucional
e homogénea. A perfomance artística do artista
taiwanês-americano Tehching Hsieh, com a
Focarei a minha argumentação nos duração de um ano, representa estratégias
exemplos de performances artísticas como críticas da temporização do corpo, marcando
pedagogia ilustrados nas performances so- e insinuando a sua identidade no tempo e no
bre o tempo do artista americano-taiwanês espaço, e testando a sua resistência
Tehching Hsieh e do artista nativo americano (Shaviro, 2000). Através das suas performan-

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pág 61
fisicamente e emocionalmente exaustivas, a sua memória e história cultural asiática e a
Hsieh expõe, examina e critica a fisicalidade sua nova identidade de americano assimilado.
do corpo, identificando-a como uma “peça A fronteira da sua identidade nunca é estável;
do tempo”, um artefacto socialmente e his- ele está a ser permanentemente recordado da
toricamente construído. A resistência do seu temporalidade da sua existência.
corpo à reificação cultural satisfaz a metáfora
pedagógica para atingir finalidades políticas e Tal como no trabalho cultural de Hsiet,
criativas. Enquanto ele labora, exaure e resiste a pedagogia da performance artística opera
durante 365 dias nas suas performances, Hsiet na assunção de que o corpo e a sua identidade
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

desafia as assunções determinadas e expecta- são construídos através da escolaridade, dos


tivas temporariamente quantificáveis impos- mass-media, religião e outras formas normativas
tas ao seu corpo, desafia o “controlador do de aprendizagem institucionalizadas. Como
tempo” que opera através da escolaridade, tal, o corpo serve como artefacto cultural,
os mass-media, capitalismo global e outras palimpsest sobre o qual os códigos dominan-
formas de cultura institucionalizada. Conse- tes e assunções da cultura são continuamente
quentemente, a sua crítica do controle do corpo inscritos e re-inscritos. O corpo escrito desta
na sua performance artística representa uma maneira sugere naturalização, um processo
estratégia pedagógica, uma forma crítica de condicional de cidadania através do qual a sua
TEMA CENTRAL

cidadania e a prática da democracia radical. identidade, os seus desejos, as suas escolhas


são julgadas como aceitáveis se historica-
Em Time Piece (1980-1981), um filme mente e socialmente reconstituídas através
misterioso onde a performance de um ano foi das assunções rarificadas e reificadas da cul-
comprimida em seis minutos, Hsiet documenta tura de chegada. As assunções culturais do
literalmente a materialidade do seu corpo, o seu corpo são rarificadas quando elevadas, feitas
lugar físico com a câmara de filmar e o espaço prioridade, essencialmente através de uma
da sua identidade com um relógio/temporizador epistemologia enciclopédica iluminista, que
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industrial que lança cartões de hora a hora. O que compartimenta, categoriza e privilegia alguns
este filme revela é o poder do relógio no corpo de aspectos em detrimento de outros. As assunções
Hsiet, a trajectória do seu tempo, a incorporação reificadas são incluídas em clichés, lugares
do tempo da máquina, o currículo do corpo, uma comuns e ideias estereotipadas, imagens, e as
táctica com a qual se desafia a tecnologia do con- acções consideradas dinâmicas e relevantes
trole do tempo, o absurdo do tempo histórico e a para as circunstâncias culturais contemporâ-
sua compressão e opressão no corpo. Time Piece neas transformam-se em metáforas inertes e
parodia o discurso e a prática do capitalismo e, congeladas. O teórico Antonin Artaud (1958)
fazendo-o, continua a tradição de “resistir não é refere as condições de rarefacção e reificação
rejeitar” os impulsos imperialistas do mercado como “ cultura petrificada” (p.12). A peda-
da arte (Heathfield, 2001, p.88) da performance gogia transgressora da performance artística
artística do passado século vinte. O pequeno corresponde às estratégias críticas dos ideais
filme, bi-produto, o único registo do trabalho pós-modernos da educação progressiva, que
de Hsiet, é questionável no seu valor de uso. A desafia as ideologias históricas da cultura
montagem disjuntiva de clips enlaçados sugere petrificada de modo a facilitar intervenções e
tanto a acumulação do labor de Hsiet como o desenvolver a cidadania dos estudantes.
seu vasto produto. Ironicamente, o filme insinua Em Use and Abuse of History (1957),
que Hsiet aquiesceu ao controle e administração o filósofo Friedrich Nietzsche distingue três
do tempo do capitalismo sem no entanto o ter espécies de representação histórica: monumen-
feito. Tendo entrado nos EUA como um alien tal, arqueológica1 e crítica (p.12). A história
ilegal, Hsieh compreende as circunstâncias ge- monumental é compreendida pelos “grandes
ográficas e geopolíticas do seu corpo fugitivo. eventos” do passado que atingiram fama
Como um expatriado ou como um refugiado, através das representações históricas. Nietzs-
ele deve procurar na mudança de terreno o que che advoga que a história monumental assume
ele experiencia enquanto procura asilo continu- uma posição de imutável inasmuch porque
amente. Apesar da sua eventual naturalização “nunca poderá ser reproduzida, e o peso da sua
como cidadão dos EUA, ele foi apanhado entre
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62
autoridade é evocado do passado para o tornar cepção de espacialização da memória pessoal
absoluto” (p.17). Por comparação, a história e cultural de Benjamim pode ser caracterizada
arqueológica evoca o contentamento e o prazer como “arqueológica”, uma escavação que ma-
do passado. Um arqueólogo é um tradiciona- terializa “ideias e experiências como ruínas”.
lista nostálgico com uma relação sentimental Isto para re-clamar, re-considerar, re-lembrar e
com a história. Segundo Nietzsche, “a história re-presentar o texto do passado individual como
arqueológica degenera a partir do momento em um meio para imaginar e criar novas ideias,
que deixa de dar uma alma e inspiração à vida imagens, mitos, identidades e utopias. As
fresca do presente... apenas compreende como implicações curriculares e pedagógicas do

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


preservar a vida, não como a criar... (p.20). materialismo histórico como performance
Nietzsche descreve a história crítica do seu artística sugerem um espaço liminal onde os
terceiro exemplo como fornecedora da “ for- estudantes aprendem a desafiar os conteú-
ça para quebrar com o passado, e aplicá-lo dos académicos do currículo escolar e os
também na vida” (p.21). De tal modo, invoca espectáculos dos mass-media a partir das suas
uma prática de oposição parecida com o modo diversas perspectivas culturais. A pedago-
como a performance da memória pessoal e gia como performance artística permite esse
história cultural critica e rompe as formas espaço onde os estudantes aprendem a rom-
petrificadas da cultura monumental e per com a universalidade do historicismo

TEMA CENTRAL
arqueológica, o que eu considero como insinuando as suas memórias e histórias
característica essencial da performance culturais como conteúdos significantes no
artística como pedagogia. Portanto, as ensino das artes.
histórias críticas realizadas perante as histórias
monumentais e arqueológicas permitem não O artista James Luna critica o histo-
só a ruptura com o passado, mas também a ricismo expondo a sua inscrição cultural,
sua recordação e re-presentação como ima- objectificação e petrificação do seu corpo
gens, ideias e acções relevantes para a vida nativo americano. Luna é um membro do que

Escola Superior de Educação de Portalegre


contemporânea. resta da tribo Luiseño que vive em La Jolla,
reserva índia nas colinas do norte de San Die-
O crítico Walter Benjamin (1968) re- go, Califórnia. Em Artifact Piece, um trabalho
fere a sua teoria crítica como “ materialismo de performance artística/endurance, que foi
histórico” que se opõe ao perfeccionismo da realizado pela primeira vez em 1987 no Museu
tradição, ou ao que ele chama “historicismo”. do Homem em San Diego, ele jazia num leito
Correspondendo às assunções de Artaud sobre de areia encaixado numa vitrine , um exposi-
a cultura petrificada, o “historicismo fornece tor do museu, durante vários dias ao lado dos
a imagem eterna do passado; [enquanto que] artefactos Kumeyaay expostos no museu. A
o materialismo histórico proporciona uma tribo Kumeyaay também é oriunda da Califór-
experiência única com o passado” (p.262). nia do Sul. O corpo de Luna estava legendado
Sobre os escritos de Benjamin, a crítica Susan com etiquetas identificando o seu nome e
Sontag (1980) argumentou que ele pesquisou as comentários sobre as cicatrizes, as inscrições
memórias pessoais e culturais “espacialmente” literais no seu corpo indicando as circunstân-
mais do que “temporalmente” . Usando uma cias do abuso de bebidas. Duas outras vitrines
metáfora teatral , ela descreve a memória como continham documentos pessoais de Luna e
“ o palco do passado [que] transforma o fluir objectos rituais da reserva índia de Luiseño.
dos acontecimentos em quadros. Benjamim
[sugere Sontag] não tenta retomar o seu Artifact Piece parodia a museologia dos
passado mas sim compreendê-lo : condensá- nativos americanos por agências, tais como
lo em formas espaciais, as suas estruturas o Bureau of Indian Affairs, cuja perniciosa
premonitórias” (p.116). Por comparação, uma política de preservação continua a limitar a
preocupação temporal com o passado corre o identidade nativo - americana a artefactos
risco de materializar uma relação de antiquá-
rio, de nostalgia e sentimental, com a história,
uma tradição imutável, que é o historicismo.
Em contraste com esta temporalidade, a con-
aprenderMaio de 2003
pág 63
históricos e à sua existência em níveis de made of sackcloth/that previously contained
subsistência nas reservas índias. A teórica de flour She was a seamstress/she wore dresses/
linguística Linda Hutcheon argumenta que made of sackcloth/that previously contained
artistas como Luna, que parodiam a opres- flour.
são cultural, são activos através da distância
irónica “exorcizando fantasmas pessoais ou Depois de peneirar um grande pedaço de
inserindo-os na sua própria causa” (p.35). A farinha, cheguei a um lugar perto de uma pedra
exposição das cicatrizes de Luna, as con- grande, que se situava aproximadamente a 60
sequências da bebida, expõe duplamente e pés do vestido. Aí, sentei-me no chão, contra o
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

permite a re-examinação e paródia da natura- vestido, agarrei a pedra, colocando-a entre as


lização, representações estereotipadas como minhas pernas e comecei a deslizar em cima
“índio bêbado” e o impacto de tais metáforas do chão cheio de farinha, empurrando a pedra
opressivas no crescente alcoolismo dos nativos com os movimentos do meu corpo. Para inter-
americanos. Como exemplos do materialis- romper a conjunção de imagens e de acções,
mo histórico de Benjamim, as performances um monólogo gravado com a minha voz era
críticas de Luna têm implicações significantes emitido. Contava a história que tinha ouvido,
para a prática do ensino das artes, dada a institu- quando criança, narrada pelos meus pais acerca
cionalização do corpo e da sua identidade pelos da sua opressão cultural e da sua experiência
TEMA CENTRAL

museus e escolas. do genocídio arménio levado a cabo pelo


governo da Turquia em 1915. Cada vez que me
Em Breaking Water, uma das minhas afastava da pedra tentava recuperá-la; repetia
performances sobre a resistência da identi- este gesto de cada vez e assim recapitulava o
dade em face à opressão cultural, um vestido saque das “jóias da família” mencionado no
vermelho monumental de sete pés estava monólogo gravado, como a única “proprieda-
pendurado no tecto iluminado por um largo de” que tinha restado, secretamente suspensa
écran de vídeo que se situava atrás do vesti- entre as pernas da minha avó e que tinha
Escola Superior de Educação de Portalegre

do. A cor vermelha do vestido alerta para os permitido comprar a sua liberdade. Eis um
perigos que podem ser revelados no monólogo. excerto desse monólogo:
O “olho” do monitor de vídeo projectava uma While breaking water, you muttered in
imagem close-up dos meus olhos fixando o distress,
vestido para salientar e implicar a perversidade It’s not polite to look up a woman’s
do olhar masculino e da cultura da televisão. dress.
A imagem dos meus olhos fixando o vestido Penitent, I found you in duress.
sugere que estou a olhar para trás, para o “lu- As I clung to your legs you continued to
gar do meu nascimento”, o ventre simbólico confess.
da minha mãe, da minha avó e da memória You walked from Kharphert to Izmir after
colectiva e história cultural da minha família. the murder of Mardiros.
Contra este fundo, situado no chão, estava um In exodus, you fled for your life with us
saco de farinha, uma peneira e uma taça grande three infants in tow.
de vinho tinto cujo aroma forte impregnava o A refugee, you lost your home, your land,
espaço da performance. Estes ingredientes e and all your possessions.
utensílios eram parecidos com os que a minha Now, aside from us, a sack and its con-
mãe e a minha avó usavam na cozinha onde tents were all that remained.
me contaram os horrores do genocídio. Depois Hidden under your frock, the sack dan-
de entrar na quietude do espaço da performan- gled freely between your legs.
ce, abri o saco de farinha e devagar comecei With two strands of twine, it was loosely
a peneirá-la, espalhando-a no chão enquanto tethered around your waist.
repetia a seguinte frase como um mantra: Taboo, in your secret hiding place, no one
knew its cache.
She was a seamstress/she wore dresses/ It swayed as you walked-back and
made of sackcloth/that previously contained forth-pounding against your thighs.
flour/She was a seamstress/she wore dresses/ In moments of imminent danger, you

aprender
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Maio de 2003
64
scurried to a place of safety. performance artística na sala de aulas assu-
There you admonished us to take refuge under mem que a subjectividade é uma construção
your dress. contínua. O que Time and place, Artifact
Piece, Breaking Water e outras performances
À medida que deslizava no solo, as artísticas representam para os estudantes é a
minhas mãos deixavam marcas e o meu corpo possibilidade pedagógica de aprenderem a
desenhava um trilho na farinha em direcção ser agentes críticos, intelectuais públicos na
ao vestido vermelho. Quando cheguei à taça cultura contemporânea, e assim aprenderem
do vinho tinto, levantei-me, peguei nela, e em tudo o que há a aprender sobre as culturas

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


mantive-a no ar sobre a pedra. Durante os académicas com um persistente e resistente
últimos 5 minutos do monólogo, continuei cepticismo. Aqui reside a promessa da
de pé. O meu corpo esperava ansiosamente, pedagogia como performance artística.
persistia e resistia no tempo real; coincidindo
com o peso, persistência e resistência do fardo Notas:
da grande taça, era também o fardo psicológico 1
Nota do tradutor: o termo “história arqueológica” é uma
da minha memória das recordações dos meus tradução possível , outras traduções aproximadas poderão
pais. A audiência esperava com complacência ser “história erudita” ou “história tradicionalista”.
que alguma coisa sucedesse à taça de vinho.

TEMA CENTRAL
Então, quando senti que a audiência tinha
percebido que a performance terminara, deixei Referências Bibliográficas
cair a taça de vidro, a taça quebrou o silêncio Artaud, A. (1958). The theater and its double. New York:
das expectativas da audiência ao mesmo tempo Grove.
que atingia o sentido de “breaking water”, o
Benjamin, W. (1968). Theses on the philosophy of history.
dilúvio de histórias que tinha percorrido In H. Arendt (Ed.), Illuminations: Walter Benja-
com a minha trajectória através das histórias min, essays and reflections (pp.253-264). New
que os meus pais me contaram sobre as suas York: Schocken.

Escola Superior de Educação de Portalegre


experiências opressivas como vítimas e
Heathfield, A. (2001). End time now. In Goat Island, K.
refugiados do genocídio. Christopher, M. Goulish, L. Hixson, M. Jeffery,
C.J. Mitchell, and B. Saner (Eds.), School book
Teorizando o significado de tais 2: Goat Island (pp. 83-92). Chicago: Goat
Island.
memórias e histórias pessoais, o crítico Ja-
Hirsch, M. (Winter 1992-93). Family pictures: Maus, mour-
mes E. Young (1998) escreve sobre Maus: A ning, and post-memory. Discourse, 15, 8-9.
survivor’s Tale, a banda desenhada que ilus-
tra as memórias de Art Spiegelman, sobre as Hutcheon, L. (1985). A theory of parody: The teachings
experiências de horror vividas pelo seu pai of twentieth-century artforms. New York: Me-
thuen, Inc.
durante o Holocausto judeu. Para ilustrar a
importância da experiência por proximidade e Internet. (2001). James Luna: Artifact piece.
re-presentação das histórias do seu pai como <http//www.emory.edu/ENGLISH/
Bahri/ArtifactPiece.html>
arte política, Young invoca a “estética da
pós-modernidade” da crítica Marianne Hirsch Nietzsche, F. (1957). The use and abuse of history. A.
(Primavera, 1992-93). Fazendo-o, Young Collins (Trans.). Indianapolis: The Bobbs-
Merrill Company, Inc.
argumenta que Maus incorpora pós-memórias
na forma de “histórias recebidas”- uma narra- Shaviro, S. (2000). Performing life: The work of Tehching
tiva híbrida que se tece a partir dos eventos do Hsieh. In T. Hsieh (Ed.), Tehching Hsieh one
Holocausto e as formas como eles nos foram year performance: Art documents 1978-1999
(DVD-ROM). New York: Tehching Hsieh.
transmitidos (Young, 1998, p.669). Semelhan-
te a Maus: A survivor’s Tale de Spiegelman, Sontag, S. (1980). Under the sign of saturn. New York:
Breaking water é a performance artística da Farrar, Straus and Giroux.
pós-memória baseada na recepção da história Young, J. E. (Spring 1998). The holocaust as vicarious past:
do genocídio de meus pais. Pós-memória, Art Spiegelman’s Maus and the afterimages of
re-clamação, re-cordar e a re-presentação da history. Critical Inquiry, 24, 666-699.
memória e história cultural pessoal através da

aprenderMaio de 2003
pág 65
Práticas Avaliativas, Momentos Formativos.

Maria da Graça Martins


Escola ES/3 de Maria de Lamas
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Tores Novas

Estou seguro de que o que está errado


no nosso sistema educativo é precisamente o No âmbito da 1ª República, João de
hábito de estabelecer territórios separados e Barros (1881-1960) desencadeou uma
fronteiras invioláveis; e o que proponho (...) campanha pela Educação Artística: “Não há
tem por único objectivo a integração de todas sociedade democrática que possa viver, progre-
TEMA CENTRAL

as faculdades biologicamente úteis numa dindo, sem o culto da arte” (João de Barros, cit.
única actividade orgânica. Afinal não faço por CNE 1998, pp.5), secundado por Aurélio
distinção entre ciência e arte, excepto no que da Costa Ferreira, que em 1916 publica um
respeita aos métodos, e julgo que a oposição texto sobre “Arte na Escola” (ao encontro dos
criada entre elas no passado se deveu a uma conceitos dos jardins-escola de João de Deus,
visão limitada de ambas as actividades. A arte fundados em 1911), e por Cardoso Júnior e
é a representação, a ciência a explicação - da Leonardo Coimbra: “A primeira educação
mesma realidade. deve ser artística”. Todavia, o regime ditatorial
Escola Superior de Educação de Portalegre

Herbert Read (1986) instaurado na sequência do 28 de Maio de 1926


não propiciaria o desenvolvimento curricular
das áreas de índole artística.
Apesar do carácter conceptual do
desenho curricular do ensino básico e secundá- Arquimedes Silva Santos, (1950, cit. por
rio, a educação em geral não está dissociada de CNE 1998, p.6), impulsiona novas dinâmicas,
uma ideia mesclada de sedimentações culturais nomeadamente, estimuladas pela criação da
e sociais que influem na definição de uma Associação Internacional de Educação pela
concepção de Educação Artística, muitas Arte, sendo de referir o trabalho desenvolvido
vezes entendida como um saber informal, por Calvet de Magalhães, Alice Gomes, entre
ou uma habilidade funcional de importância outros.
duvidosa, e não como um campo de conheci-
mentos organizados, que pode protagonizar a Por iniciativa de Madalena Perdigão
interpretação do passado, da realidade (cit. por CNE 1998, p.6), em 1971, promove-
presente e, ainda, configurar uma ideia de -se na Fundação Gulbenkian um “Colóquio
futuro. sobre o projecto de reforma do ensino
artístico”, na sequência do qual resulta a
O século XX, em Portugal, trouxe reforma do Conservatório Nacional.
para o ensino algumas inovações referentes à
Educação Artística das quais se apresenta um Em Abril de 1974, com o 25 de Abril, e
breve resumo referenciado no documento do de acordo com as mudanças políticas, cultu-
Conselho Nacional da Educação (1998) sobre rais e sociais, assiste-se a uma renovação do
“Educação Estética, Ensino Artístico e sua pensamento e da acção na área artística.
Relevância na Educação e na Interiorização Em 1978, o Ministério da Educação cria o
dos Saberes”: Gabinete Coordenador do Ensino Artístico que,
sob a direcção de Madalena Perdigão, apresen-

aprender
pág
Maio de 2003
66
tou em 1979 um Plano Nacional de Educação reconhecida como mecanismo estruturante de
Artística, não adoptado. Note-se, no entanto, qualificação pessoal e social.
que até à década de 80, a legislação que regula-
mentava o ensino artístico remontava à década Em diversos países com experiência
de 30. mais sólida que a portuguesa, repensa-se a
intervenção na área das artes. Portugal tem a
Com a Lei de Bases do Sistema Educativo oportunidade de participar, em paralelo, numa
de 1986, em vigor, consagrou-se a importância movimentação que procura adequar os sistemas
das Artes na Educação. Consequentemente, em educativos às exigências da contemporaneidade

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


1987, nasce o projecto “Escola Cultural”, que (CNE 1998, pp.6-7).
em 1989 é substituído pelo projecto “A Cultura
começa na Escola”, entretanto desaparecido. Um sistema educativo que se con-
figure na realidade actual deverá veicular
Em 1990, é aprovado o diploma quadro soluções versáteis, que respondam a uma
do Ensino Artístico, em vigor. O Decreto- sociedade em mudança. Para o efeito, será ne-
Lei 344/90 referencia a experiência anterior, cessário implementar um debate curricular, que
destacando-se o já referido Plano Nacional de contemple uma investigação aprofundada, no
Educação Artística de 1978. domínio da Educação Artística.

TEMA CENTRAL
Em 1991, é criado o GETAP - Gabinete Do mesmo modo, compreender as
de Educação Tecnológica, Artística e Profissio- propostas para a avaliação apontadas no actu-
nal do Ministério da Educação, (actualmente al desenho programático das disciplinas que
desarticulado). formam a Educação Artística são, entre ou-
tros, patamares de discussão possíveis para a
Em 1993, o programa PAIDEIA - Arte procura de uma melhor compreensão sobre o que
nas escolas, que abrangeu, até 1997, 180 está a acontecer com a Educação em Portugal.

Escola Superior de Educação de Portalegre


escolas secundárias, é lançado pelo Minis-
tério da Educação, a Secretaria de Estado da A discussão sobre as disciplinas de artes
Juventude e o Clube Português de Artes e passa ainda pela constatação da influência de
Ideias. velhos dogmas, cuja herança se caracteriza
pela concepção de que a criatividade é um dom
Na década de 90, assiste-se à multi- e, deste modo, não é necessária a Educação
plicação dos projectos locais de actividades Artística. Ou seja, que a Educação Artística
artísticas ligados a escolas, seja na continua- deve destinar-se apenas a alunos considera-
ção de acções com alguma longevidade, seja dos mais dotados que, mesmo sem formação
na utilização da chamada “Área Escola”, ou específica, se definirão como artistas. Outra
outros mecanismos similares anteriores, concepção associada à Educação Artística
seja através de parcerias entre organizações aponta para o facto de os seus objectivos e
culturais e escolas. conteúdos fazerem referência a um conjunto
de experiências agradáveis, divertidas, com
Em 1996, foi nomeada uma Comissão carácter lúdico, sem constituírem, no entanto,
Conjunta entre o Ministério da Educação e o um conhecimento útil que contemple reconhe-
Ministério da Cultura para estudar a situação cimento social (Hernández, 1997, pp.95). O
do Ensino Artístico e avançar com propostas que se aprende na educação artística parece,
globais de reforma. numa leitura imediata, ter pouco a ver com as
estratégias de racionalidade reclamadas por
Verifica-se como esta matéria tem sido uma sociedade competitiva, produtiva e de efi-
de tratamento volátil e pouco consequente, cácia. De facto, uma tradição de racionalidade
mantendo em estado de desarticulação as veicula o desenvolvimento da inteligência a
estruturas existentes, não maximizando as suas um modelo lógico de raciocínio, o que levou a
potencialidades e não criando condições para
que este domínio tenha a relevância que lhe é

aprenderMaio de 2003
pág 67
considerar a experiência subjectiva de segun- o professor e para o aluno, se mostra bastan-
da categoria, face ao objectivismo científico te educativo e bem mais divertido quando
(Hernández, 1997, pp.95). Este facto contribuiu acompanhado de uma intenção estimuladora
largamente para o desenvolvimento de mitos da sensibilidade e da necessidade da pesquisa
sobre o que é importante e necessário para a documental.
sociedade e para a educação escolar, colocan-
do a Educação Artística num plano residual, É mais fácil aprender quando se gos-
disseminando a massificação do analfabetismo ta, para que seja mais fácil gostar do que se
visual e estético, em paradoxo com as ideias que aprende.
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

transpareceram em Portugal, com uma Expo98,


ou uma Capital Europeia da Cultura. Como para mudar é essencial não
se fazer mais do mesmo (Sampaio,1998, pp.
Por tudo isto, o não entendimento da 33), é necessário criar, a par da mudança,
pertinência da Educação Artística, no plano mecanismos de avaliação. Neste contexto,
curricular dos estudantes, acentua a distância precisamos ter retroacções sobre a forma como
em espaço e tempo, da consecução dos ob- estamos a ensinar. A dificuldade em definir o
jectivos da reforma educativa e dos planos conceito de avaliação aumenta quando procu-
europeus para a educação. De facto, embora ramos caracterizá-lo em disciplinas de índole
TEMA CENTRAL

não muito discutido, o tema não deixa de ser artística, nomeadamente pela quase inexistente
referenciado por autores, alguns citados no documentação referente a esta temática no
decorrer deste texto, que defendem uma nosso país, assim como pela falta de discus-
aprendizagem, ancorada no desenvolvimento são entre os professores da área. Deste modo,
de capacidades inatas de todos os indivíduos, o tema deste texto surge essencialmente
através das expressões - a aprendizagem pela pela constatação da dificuldade em avaliar
sensibilidade para o conhecimento, no sentido desempenhos artísticos, a par do desconhe-
da sabedoria. cimento dos processos avaliativos praticados
Escola Superior de Educação de Portalegre

pelos professores que leccionam as disciplinas


O tema aqui em discussão não foi, de artísticas.
todo, resolvido. A Educação Artística em
Portugal carece de investigação histórico/ A Educação Artística em Portugal,
documental acessível, e uma abordagem mais sendo um tema que suscita interesse, e até
profunda exigiria uma análise detalhada pe- debate, por vários sectores da educação, não
los arquivos das Academias de Belas-Artes e reflecte a um mesmo tempo uma preocupa-
pelos programas de formação de professores de ção prática de transformação em qualidade e
educação artística. Todavia, neste todo que quantidade. De facto, como já foi referido, as
está por fazer, urge levantar o véu que se abate áreas das expressões são constantemente re-
sobre esta área disciplinar e, assim, aprovei- legadas para planos secundários do currículo,
tando esta vontade de mudança que se faz onde protagonizam uma precária influência
sentir no actual Sistema Educativo, procurar na formação dos jovens estudantes, o que
dignificar as expressões enquanto veículo para se poderá traduzir, a curto prazo, numa
o saber. situação de profundo débito cultural.
Face ao exposto, sobressaem, entre
outras, as seguintes questões: Em contexto de inovação, considera-se
que aprofundar a investigação neste domínio
· Estará o Sistema Educativo satisfeito pode criar, eventualmente, um pretexto para a
com a qualidade visual do nosso país? discussão pedagógica de uma disciplina pouco
· Será possível formar indivíduos estudada e menos discutida, mesmo ao nível
divergentes, tolerantes e de espírito aberto, sem dos grupos disciplinares, proporcionando um
uma adequada educação artística e estética? melhor entendimento curricular desta área
educacional.
Consideramos que o espaço da aula,
enquanto local de aprendizagem comum para Relativamente às práticas avaliativas na

aprender
pág
Maio de 2003
68
Educação Artística, deve-se distinguir Ensino é pessoal, cívica, científica, cultural, técni-
da Arte de Educação Artística, uma vez que os ca e prática. A intervenção do estado deve
seus propósitos são diferentes, assim como os pautar-se pela promoção das condições para
“clientes” a que se destinam. O ensino artísti- o desenvolvimento do processo educativo, pela
co necessita de critérios gerais de apreciação, concretização dos princípios da equidade e
necessita de ter uma plataforma de entendi- da igualdade de oportunidades, pela atenção
mento entre os actores envolvidos, e tem como particular às pessoas e grupos mais des-
referente a educação compreensiva de uma f a v o re c i d o s e m re c u r s o s m a t e r i a i s e
determinada realidade. A Arte apresenta-se culturais, pela correcção das assimetrias

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


noutro suporte dimensional, não tem como sociais e regionais mais gravosas. (pp.9)
objectivo primordial a formação dos indivíduos, Nesse sentido, a utilização coerente e
antes, é a representação das sociedades comu- sistematizada de novos instrumentos de
nicantes e dos indivíduos que constituem essas avaliação poderá ser garante de uma prática
sociedades. avaliativa mais abrangente e mais justa, do
Os estudantes são frequentemente ponto de vista do aluno, uma vez que a sua
avaliados de acordo com modelos que fazem participação não só se formaliza como se
sobressair as suas dificuldades, mais do que justifica. As novas teorias da avaliação
as suas potencialidades, traduzindo uma ava- apresentadas por vários autores defendem,

TEMA CENTRAL
liação descontextual, que privilegia, em geral, hoje, uma avaliação mais contextualizada e
capacidades de memorização e não de in- participada, recorrendo a instrumentos de
ferência, interpretação e análise crítica. avaliação que, embora complexos quanto à sua
Se o enfoque da educação é promover nos realização, aplicação e interpretação, permitem
estudantes a capacidade de aplicar o uma avaliação mais global. Uma avaliação
conhecimento em diferentes situações e em que as práticas avaliativas constituem
diferentes aplicações, será porque eles deverão privilegiados momentos formativos.
aprender a criar novos entendimentos e novas Como refere Gardner (1994, pp.84,

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compressões de uma determinada realidade cit. por Hernández, 1997, pp.197), com a
(Hiebart e Calfee, 1989, cit. por Zimmerman, utilização do portfolio é possível identificar
1992, pp.15). questões relacionadas com o modo como os
Verifica-se a reincidência de critérios que estudantes ou os professores reflectem,
atribuem à educação artística um lugar onde não identificar os objectivos do processo de
poderá desempenhar um papel determinante ensino-aprendizagem e analisar quais os objec-
no desenvolvimento educativo dos estudantes. tivos que efectivamente se cumpriram.
Esta situação contribui para a dificuldade de Nunca é demais acentuar que a avaliação
afirmação da área artística, também compo- deve ser encarada como um instrumento de
nente primordial assegurada na Lei de Bases do educação sem carga punitiva ou compensató-
Sistema Educativo português, (embora não ria, como há muito tempo tem sido encarada.
considerada na realidade, apesar de se Efectivamente, poucas vezes tem sido enten-
constatar ser um condutor privilegiado para dida como um processo de diagnóstico para
alicerçar valores de cidadania, que promo- melhorar o que se faz nas escolas, em geral, e
ve cidadãos responsáveis e não acríticos, nas salas de aula, em particular.
características que consolidam a definição dos Em resumo, a avaliação da experiên-
objectivos programáticos das disciplinas de cia artística, ou a avaliação da apreciação
índole artística). de uma obra de arte, requer que sejam feitas
Não se podem esquecer premissas como inferências, passando daquilo que se pode
as proclamadas nos princípios gerais do Pacto observar para aquilo que se pode inferir (Eis-
Educativo para o Futuro (1996): ner, 1972, pp.201). Mais ainda, a avaliação da
A finalidade essencial do processo experiência artística constitui um instrumento
educativo é o desenvolvimento e a formação pedagógico de elevado sentido didáctico.
global de todos, em condições de igualdade É necessário definir critérios para a
de oportunidades, no respeito pela diferença e avaliação no ensino artístico. Definir critérios
autonomia de cada um. A formação global

aprenderMaio de 2003
pág 69
base, um ponto de partida comum para todos · Os professores, embora tenham muitos
os professores e alunos. Ao mesmo tempo, anos de ensino, revelam falta de formação no
definir propostas para a utilização de instru- domínio da avaliação;
mentos de avaliação adequados e tópicos para · Os professores sentem-se seguros com
respectiva interpretação, como um guião a sua prática avaliativa, mas expressam falta de
flexível que todos possam ler, mas cujas formação nesta área;
interpretações se individualizem consoante os · Os professores apontam críticas
intervenientes. relativamente à ausência de oportunidades
No enquadramento teórico deste texto, para a troca de experiências sobre a prática
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

assinalaram-se autores que, de um modo ou pedagógica.


de outro, têm vindo a redefinir o papel da · A codificação da avaliação, no entanto,
avaliação e a determinar um novo conceito poderá suscitar interpretações diferenciadas,
das suas finalidades e propósitos num novo pelo que a análise sistemática desta proble-
enquadramento de mudança, onde a formação mática, em conselhos pedagógicos e de grupo,
contínua da profissão docente protagoniza a poderá minimizar dificuldades de interpretação
base estrutural dessa mudança. Esses autores e aumentar a cultura avaliativa dos actores
são, entre outros, Fernandes (1992), Estrela e educativos.
Nóvoa (1993); Pacheco (1994); Gardner (1992);
TEMA CENTRAL

Eisner (1972); Moss et alii (1992); Archbald e O ensino artístico, na sua diversidade, é
Newmann, (1992); Perrenoud (1993 e 1997); um mundo repleto de interesses múltiplos, que
Zimmerman (1992); Hernández (1997); Woods estimula a aprendizagem cognitiva e promove
(1991) e Esteve (1991). Esta nova interpre- a valorização do espírito crítico, sendo um
tação vem igualmente definida no despacho instrumento ímpar para o entendimento da
Normativo n.º 98-A/92 para o ensino básico multiculturalidade (Zimmerman, 1994, pp.
e no despacho Normativo n.º 338/93 onde se 16). De facto, as disciplinas de índole artística
determina um novo regime de avaliação para o podem sustentar o conceito de um ensino
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nível secundário, pelo que se torna incompre- realmente para todos, cuja tarefa se encontra
ensível o desnível entre o que se defende e o falível no actual desenho educativo. Através
que se efectiva. do ensino artístico, os alunos podem apren-
A avaliação só poderá ser pedagogi- der múltiplas tarefas e desenvolver aptidões
camente consequente se permitir um olhar determinadas em disciplinas consideradas
retrospectivo sobre a aprendizagem do aluno e mais científicas. A actividade artística permite
um olhar prospectivo face ao seu desenvolvi- impulsionar o ensino e a aprendizagem de
mento educativo. outras áreas disciplinares. Através da integra-
No âmbito dos objectivos da reforma ção do conhecimento e da compreensão, as
educativa, avaliar não deverá ser apenas uma artes ajudam os estudantes a transformar a
prática interpretativa e descritiva. Ela deve informação em sabedoria (CNE, 1998, pp.27).
desempenhar, do mesmo modo, uma função
compreensiva, se perspectivar a formação Mais ainda, a exploração das activida-
dos indivíduos enquanto cidadão críticos e des artísticas permitem convidar os pais e as
conscientes do seu papel na sociedade. famílias a entrarem nas escolas e a participarem
em actividades culturais, contribuindo para o
Na investigação que sustenta este texto reconhecimento e auto-estima dos membros
destaca-se que: da família.
· Avaliar os alunos também se constitui
elemento de auto-avaliação do professor. As artes, enquanto forma de comunica-
· Os professores apresentam já algumas ção universal, contextualizam a diversidade
rotinas caracterizadas pelo número de anos que cultural, quebrando as barreiras que dividem
leccionam. as diferentes culturas e permitindo o encontro
· Os professores orientam-se princi- cultural para o entendimento e a harmoniza-
palmente através da intuição e dos anos de ção. Constituem a ponte entre o passado e o
experiência; futuro, pois revelam à sociedade a natureza

aprender
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Maio de 2003
70
humana e a sua cultura e são indissociáveis do A poética da obra aberta apresenta-
desenvolvimento cultural da humanidade. nos precisamente uma possibilidade histórica
Uma maior cultura artística reivindica homens deste tipo: o afirmar-se de uma cultura pela
socialmente mais empenhados, mais sensíveis qual seja admitida, perante o universo das
aos valores reais de uma sociedade, mais ca- formas perceptíveis e das operações inter-
pazes de encontrar a harmonia na diversidade pretativas, a complementaridade de inspec-
e na multiculturalidade, mais empenhados na ções e de soluções diferentes; a justificação
construção de um futuro para a humanidade. de uma descontinuidade da experiência,
tomada como valor em vez de uma continui-

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Face ao exposto, as questões que dade convencionalizada; a organização de
prevalecem são, entre outras: diferentes decisões explorativas reduzidas à
· Qual o critério que sustenta a não unidade por uma lei que não lhes prescreve
valorização da educação artística no nosso uma solução absolutamente idêntica, mas que,
sistema educativo? pelo contrário, as veja como válidas precisa-
· Porque prevalece a desvalorização mente enquanto se contradizem e se completam,
curricular do ensino artístico, nas suas diversas entram em oposição dialéctica gerando assim
ramificações (dança, música, pintura,...)? novas perspectivas e mais amplas informa-
· Será possível formar indivíduos ções.

TEMA CENTRAL
divergentes, tolerantes e de espírito aberto sem
uma adequada educação artística e estética? No fundo, um dos momentos de crise
para a civilização burguesa contemporânea é
Os novos conceitos sobre a avaliação dado pela incapacidade, por parte do homem
vêm também no sentido de uma mudança médio, de se subtrair a sistemas de formas
estrutural no sistema educativo. A sua adquiridas que lhe são fornecidas do exterior,
definição legal não traduz a aplicação efectiva que ele não obteve através de uma exploração
nas práticas dos professores. A avaliação de pessoal da realidade. Doenças sociais como o

Escola Superior de Educação de Portalegre


desempenhos educativos necessita de uma conformismo ou a heterodirecção, o gregarismo
redefinição que passa largamente pelo de- e a massificação, são precisamente o fruto de
senvolvimento profissional dos professores. uma aquisição passiva de standards de com-
Qualquer investigação sobre a avaliação faz pressão e de julgamento que são identificados
transparecer esta lacuna que prevalece nas com a «boa forma» na moral como na política,
práticas, pouco consistentes, dos actores edu- na dietética e no campo da moda, ao nível
cativos. dos gostos estéticos e dos princípios pedagó-
A terminar este texto e, considerando gicos. As persuasões ocultas e as excitações
que a Educação Estética corresponde a um subliminares de todos os géneros, da política
processo global, evolutivo e sequencial e à publicidade comercial, apoiam-se na aqui-
desempenha etapas no desenvolvimento da sição pacífica e passiva de «boas formas» em
pessoa, abre horizontes, estimula os interes- cuja redundância o homem médio repousa sem
ses e integra a razão com os sentimentos e as esforço.
emoções, contribui para a sensibilização ao Pergunta-se, portanto, se a arte contem-
conhecimento, através de uma intuitiva porânea, educando para a contínua ruptura
apropriação dos saberes e das aprendizagens dos modelos e dos esquemas - elegendo, como
(CNE, 1998, pp.16), fica a preocupação de modelo e como esquema, a transitoriedade dos
Humberto Eco (1989) que coincide com o modelos e dos esquemas e a necessidade da sua
enfoque deste texto: que a escola não esteja alternância, não só de obra para obra, mas
a cumprir o seu papel de, também ela pró- no interior de uma mesma obra - não poderá
pria, obra em movimento e que, ao relegar a representar um instrumento pedagógico com
educação artística, esteja a reproduzir o anal- função de libertação; e em tal caso o discurso
fabetismo visual e estético, diferenciando superaria o nível do gosto e das estruturas
significativamente os que podem e sabem ver, estéticas para se inserir num contexto mais
dos que são apenas receptores inconsequentes amplo, e indicar ao homem moderno uma
de uma possível linguagem visual. possibilidade de recuperação e de autonomia.

aprenderMaio de 2003
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TEMA CENTRAL
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74
Avaliar Portfolios no ensino das ar-
tes visuais
Teresa Eça

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Escola Secundária Alves Mar-
tins - Viseu

Resumo: trazemos respostas, mas sim possibilidades


de debate; as alternativas propostas não são
Este texto apresenta um quadro con- soluções, mas antes procura de clareza de
ceptual para avaliação de portfolios no linguagem e consenso de interpretação entre os
ensino das artes visuais, tendo em conta a utilizadores do sistema de avaliação no ensino

TEMA CENTRAL
natureza da disciplina, a validade do instru- das artes visuais.
mento de avaliação e a fiabilidade dos proces-
sos de correcção. Apresentam-se domínios de 1. Modelo de aprendizagem e avalia-
aprendizagem e avaliação baseados nas ção em artes visuais
características de processos e produtos
criativos, incluindo uma listagem de conheci- Os processos de avaliação dependem
mentos e capacidades a avaliar nos trabalhos dos dos conceitos sobre a educação artística. Para
desenhar o instrumento de avaliação proposto

Escola Superior de Educação de Portalegre


alunos através de um exemplo possível de crité-
rios e matriz de avaliação em arte e design. partiu-se das perguntas:
Quais são os grandes domínios de
aprendizagem em arte e design?
Introdução O que se pode aprender em arte e design e
quais são os conhecimentos e capacidades que
“Conhecer pode ser o processo de se podem avaliar no trabalho dos alunos?
examinar a realidade de uma forma ques- O modelo teórico escolhido para a
tionadora e de construir “visões” e aprendizagem em arte e design é um modelo
“versões” não só perante a realidade presen- que encara a aprendizagem do ponto de vista
te, como também perante outros problemas e da reconstrução social. Três grandes princípios
realidades”. (Hernandez, 1997, p. 61)1 foram tidos em conta: Diferença, Pluralidade
e Pensamento independente. A aprendizagem
Este texto baseia-se numa proposta que foi compreendida como negociação de ideias
está a ser experimentada com alunos do Ensino através do levantamento de questões
Secundário em Portugal. Trata da avaliação de pertinentes e procura de respostas variadas, em
trabalhos de alunos na área das artes visuais vez de procura de respostas únicas. Focou-se
e partiu da necessidade de repensar práticas a aprendizagem no aluno como sujeito activo
e modelos de avaliação correntes. Mas trata possuidor de conhecimentos e vivências, isto
também de conceitos gerais sobre educação, é, a aprendizagem do ponto de vista dinâmico
de maneiras de ver o conhecimento e de e interactivo : aprender a aprender e não edu-
modos de pensar a educação nas artes cação como instrução. Neste contexto, o prin-
visuais. Os pressupostos de partida sobre estas cípio de diferença é essencial porque os alunos
questões levaram a escolhas decisivas sobre não são entidades abstractas e uniformes, mas
o tipo de instrumento de avaliação e a possí- sujeitos social e psicologicamente diferentes.
veis caminhos para avaliar conhecimentos e
capacidades adquiridos pelos alunos. Não
aprenderMaio de 2003
pág 75
O segundo princípio - a pluralidade - é tam- 212- 216) acredita que o que se pode avaliar
bém essencial porque a educação deve incluir nas artes são capacidades técnicas, aspectos
métodos e meios variados, maneiras múltiplas estético-expressivos e imaginação criativa.
de ver e de resolver as questões, diferentes Dobbs (1992, p.11) acredita que as artes
respostas e posicionamentos. E, finalmente, a visuais promovem a criatividade, ou seja, o
promoção de pensamento independente para desenvolvimento de competências para
desenvolver a personalidade, onde se inserem exprimir visualmente pensamentos, sentimen-
as capacidades de desafiar, resistir e inventar, tos e valores. A criatividade não foca apenas a
próprias do indivíduo criativo. Estas manipulação de elementos formais, técnicas e
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

capacidades são tão importantes para os materiais; foca, sobretudo, processos de pensar
professores como para os alunos. Os prin- e fazer representações do mundo.
cípios indicados incorporam a promoção de
tomada de riscos, pesquisa pessoal e desafio Pensar a avaliação em arte e design
de ortodoxias vigentes e hierarquias cultu- passa obrigatoriamente por considerações
rais (Swift & Steers, 19992 ). A partir desses sobre o trabalho criativo. O pensamento cria-
princípios delinearam-se domínios de apren- tivo é uma actividade complexa e as concep-
dizagem incluindo conhecimento disciplinar, ções actuais de criatividade são tão diversas e
processos criativos, pensamento crítico, abrangentes que se torna necessário pensá-lo
TEMA CENTRAL

capacidades de resistência a ideologias dentro de actividades cognitivas e metacog-


dominantes e capacidades de intervenção na nitivas específicas (Feldhusen & Goh, B.E.,
comunidade. 1995, p.231)4 , tais como conhecimento dis-
ciplinar, procura de problemas, pensamento
Estes pressupostos de base não contra- crítico, capacidades de avaliação de decisões,
riam os programas vigentes da aprendizagem tomada de decisões, resolução de problemas,
nas artes visuais, mas implicam uma interpre- capacidades de comunicação e de persuasão.
tação diferente desses programas, dando mais Apesar de não existir uma definição universal
Escola Superior de Educação de Portalegre

importância a finalidades e objectivos gerais. para criatividade, existe consenso sobre as-
Implicam um papel mais activo do professor pectos criativos, como capacidades de rever e
na operacionalização dos conteúdos, reque- re-estruturar informações e conhecimento,
rendo do professor grandes capacidades de capacidades de produzir ideias, invenções,
imaginação, planificação e adaptação. objectos artísticos validados por uma
Implicam um constante repensar do papel do comunidade de peritos segundo o seu valor
professor e auto-confiança nas suas decisões científico, social, estético ou tecnológico.
mais ousadas e imaginativas. Implicam uma
mudança de conceitos sobre o aluno, ofere- Para Csikszentmikalyi’s (1990), 5 a
cendo-lhe maior autonomia e possibilidade de criatividade não depende só de factores
escolhas através do desenvolvimento de inqué- individuais, mas situa-se em sistemas sociais.
rito crítico e auto-aprendizagem. Implicam um A criatividade é um sistema de interacções
alargamento de campos e exemplos a estudar entre um domínio, uma pessoa e um campo. O
mais direccionados para a vida quotidiana domínio é um conjunto de oportunidades e
dos alunos e suas motivações, como ponto de constrangimentos para o indivíduo. A pessoa
partida para a aprendizagem. produz um conceito novo ou re-estruturado.
O campo define-se pelo conjunto de pessoas
2. O processo criativo como aspecto que validam o conceito ou produto realizado
fundamental do ensino das artes pelo indivíduo. A pessoa criativa deverá então
visuais persuadir o campo (peritos) sobre o mérito da
A criatividade aparece como um aspecto sua proposta, conceito ou produto. A criati-
comum a muitos modelos de avaliação nas vidade depende, então, da interacção de pelo
artes e no design, embora nem sempre explí- menos três elementos: um sistema cultural
cito; muitas vezes é referida através de termos que contém regras simbólicas, uma pessoa
como ‘invenção’, ‘originalidade’, ‘novidade’, que traz inovação para essas regras simbólicas
‘imaginação’ (DePryck, 1993)3 . Eisner (1972 e um conjunto de peritos que reconhecem e
p.
aprender
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76
validam a inovação (Csikszentmihalyi , 1997, purposive, themes” - is an act of fundamental
p.6). Esta perspectiva é muito importante para creativity when it manifests a new product
as artes, porque inclui as interacções entre um through the creative process (Goswami, 1996,
meio social que produz informação e inputs, a p.56)9 .
pessoa que interpreta e re-estrutura os inputs,
criando algo de novo ou diferente e o público 3. Avaliar processos e produtos
que valida o trabalho artístico. A proposta de criativos
Ross e dos seus colegas (1993, p. 51)6 , para um
perfil de aprendizagem e avaliação dos alunos Avaliar processos e produtos criativos

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


em artes, considera também a existência destes pode ser complicado, porque não existem
três grandes elementos. O trabalho artístico definições universais para criatividade
desenvolve-se a partir de um universo (Treffinger, 1987) 10. No entanto, algumas
colectivo onde existem as convenções ou pesquisas mostraram possíveis orientações
regras simbólicas, que deverão ser compre- para a sua avaliação. Por exemplo, uma inter-
endidas pelo aluno; um universo pessoal onde pretação consensual de critérios foi apontada
o aluno se apropria dessas convenções e as como essencial (Amabile , 1990, p.65)11 para
transforma em algo de novo; e, de novo, o a fiabilidade dos resultados de avaliação de
meio como universo colectivo de pessoas que processos e produtos criativos.

TEMA CENTRAL
vão validar as transformações publicadas de
acordo com critérios de julgamento consensu- Outro aspecto relevante para uma
ais. avaliação justa e fiável de processos e produtos
criativos é a definição clara dos domínios onde
O aluno não só recolhe estímulos se inserem os conhecimentos e capacidades que
externos do meio através de inputs de in- os alunos devem revelar. A definição proposta
formação fornecida pela escola e pelo seu por Eisner (1972, p. 217-222)12 foi pioneira
envolvimento social, mas também é influen- nesse sentido. Os domínios base considerados

Escola Superior de Educação de Portalegre


ciado por estímulos internos relacionados por Eisner são os domínios do movimento
com as suas motivações, intenções e propó- Discipline Based Art Education e incluem (i)
sitos (Amabile, 1990)7 . O processo criativo crítica de arte, (ii) estética, (iii) história da arte
desenvolve-se através de processos de me- e (iv) produção artística. Não se trata propria-
morização, pesquisa, descoberta, interpre- mente de um modelo conceptual, mas mais
tação, crítica e avaliação de dados, procura de uma organização por disciplinas, vendo a
de problemas, germinação de ideias através educação artística desenvolvida a partir dos
de apropriação e transformação dos dados campos expressivo/produtivo, perceptual,
recolhidos, exploração, experimentação, analítico/ crítico e histórico/cultural.
tomada de decisões, avaliação, produção de
respostas ou resolução de problemas, justifi- Eisner refere que se deve avaliar os
cação e publicação das respostas encontradas. trabalhos criativos segundo (i) alargamento de
Não é um processo linear, mas sim um pro- limites, (ii) invenção, (iii) ruptura de limites
cesso holístico (Goswami, 1996)8 . Cada aluno e (iv) organização estética. ‘Alargamento de
tem a sua própria sequência no processo e o limites’ inclui capacidades de estender o
progresso dá-se através de saltos, regressões conhecimento. ‘Invenção’ não é apenas desco-
e descontinuidades. Embora se possa falar de berta mas também transformação organizada
etapas ou fases de desenvolvimento - como, por segundo um propósito. ‘Ruptura de limites’
exemplo, Preparação, Incubação, Iluminação, inclui capacidades de criticar as teorias e
Manifestação - essas etapas nem sempre se dados conhecidos e de desenvolver novas
podem seriar de modo contínuo. propostas. Os alunos deverão ser capazes de
We cannot see the potency of creativity estabelecer uma ordem e estrutura equa-
without realising that creativity at its highest cionando os problemas encontrados e as
context is a discontinuous jump of consciousness suas ideias. Organização estética inclui
out of known contexts. Such a discontinuous apreciação e avaliação estética de formas
jump out of the system - “involving a trans-
cendent realm of consciousness of universal,
aprenderMaio de 2003
pág 77
visuais, requerendo coerência e harmonia nos à produção expressiva, ao desenvolvimento
trabalhos. O conceito de alargamento e de de ideias e produção de respostas pessoais.
ruptura de limites é bastante importante para Incluímos aqui a apropriação e transformação
compreender o trabalho dos alunos, porque do conhecimento e informação, onde processos
se trata de uma definição clara de processos cognitivos e meta-cognitivos actuam, como por
de apropriação e transformação das regras exemplo: procura de problemas, pensamento
simbólicas, inputs externos, como o conheci- crítico, flexibilidade, tomada de decisões,
mento disciplinar e objectos da cultura visual resolução de problemas, persistência, fluência,
que influenciam o aluno, e de inputs internos, originalidade, elaboração, síntese, curiosida-
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

como motivações pessoais. de, abertura, tomada de riscos, planificação;


organização, avaliação, etc. Este domínio
Mas para esta experiência não se desenvolve-se entre processos de germinação
utilizaram os domínios do DBAE advogados por de ideias, experimentação e exploração de
Eisner e seus seguidores. Tentou-se encontrar possibilidades, reflexão crítica sobre a ade-
uma estrutura de domínios que respeitasse o quação das possibilidades aos propósitos,
aluno como possuidor de conhecimento e como avaliação e escolha de alternativas. Grosso
indivíduo interveniente no seu contexto social modo, trata-se de alargamento e ruptura de
e cultural, que inserisse em todas as etapas limites, invenção, imaginação e avaliação.
TEMA CENTRAL

a avaliação e auto-avaliação de processos e E, finalmente, o terceiro grande domínio


produtos, porque a avaliação tem um papel que desenhámos incide sobre comunicação
fundamental em todas as fases do processo e publicação; inclui os produtos finais e sua
criativo (Feldhusen & Goh , 1995).13 publicação tendo em conta a validação do
mérito do trabalho, significado e função por
Estruturou-se um quadro possível juízes externos, professores, colegas dos
definindo três grandes domínios de aprendi- alunos e outros elementos da comunidade.
zagem e avaliação a partir dos pressupostos Aqui inserem-se capacidades de resolução e
Escola Superior de Educação de Portalegre

iniciais. À partida, definiu-se um grande avaliação de problemas, inovação, originali-


domínio em que os alunos se informam e dade, capacidades técnicas, capacidades de
pesquisam sobre a linguagem dos objectos justificar propósitos, decisões e intenções
da cultura visual: percepção, regras, conven- dentro de contextos de intervenção na
ções, impacto social e objectos de contextos comunidade e de persuadir o público sobre o
variados (vários períodos históricos, diferentes seu mérito.
culturas e diferentes meios de expressão,
técnicas e materiais). Neste domínio engloba-
mos conhecimento disciplinar, porque ele é
fundamental para desenvolver processos
criativos (Alexander,199214 ; Amabile, 1987),
como, por exemplo, conhecimento de técni-
cas de exploração e manipulação, porque são
condição necessária para a produção artística
(Best, 1996, p.89; Dobbs, 1992), e conheci-
mento de processos de contextualização e de
análise crítica e de objectos da cultura visu-
al. O conhecimento pessoal do aluno, ou a
informação e motivações que o aluno traz, são
também essenciais dentro deste domínio, isto
é, o conhecimento não formal que influencia as
disposições, interesses e propósitos dos alunos.
É de todo o interesse que durante a avaliação se
tenha em conta a capacidade de compreensão
dos alunos, tanto em relação ao conhecimento
formal (disciplinar) como informal.
Um outro grande domínio diz respeito
aprender
pág
Maio de 2003
78
Educação Artística: Traçados Contemporâneos
TEMA CENTRAL Escola Superior de Educação de Portalegre
4. Portfolio como instrumento de Arts Propel; Project Zero; Holanda; Finlân-
avaliação dia). É também utilizado por várias escolas
superiores artísticas e universidades como
Dados empíricos coligidos durante 2002 instrumento de selecção de alunos.
junto de uma amostra de 100 alunos portugue- Vários investigadores demonstraram
ses do primeiro ano de cursos de arte, design, as potencialidades do portfolio como ins-
arquitectura e multimédia indicaram que os trumento de avaliação válido para as artes (
estudantes portugueses consideravam o por- Gardner, 19921 ; Beattie, 19942 ; Boughton,
tfolio como o instrumento de avaliação mais 19963 ). O portfolio inclui processo e produto,
adequado para as artes visuais. Segundo as suas favorece a autonomia dos alunos, o inquérito
opiniões, a avaliação deveria incidir sobre o crítico, a constante reflexão sobre progressos e
processo (investigação, registo de intenções e dificuldades; favorece a integração da
motivações e estudos de desenvolvimento) e avaliação na aprendizagem; respeita as bases
sobre os produtos finais. teóricas da educação em arte e design; inclui
um variado leque de conteúdos, e tarefas
O portfolio é um instrumento de motivadoras para os estudantes, e, pela sua
avaliação aplicado em vários países tanto na flexibilidade, apresenta riscos reduzidos de
avaliação contínua como na avaliação externa discriminação de grupos ou minorias.
ou exames finais (International Baccalaureate;
aprenderMaio de 2003
pág 79
Um portfolio é uma colecção de necessário que exista consenso sobre eles tanto
trabalhos seleccionados pelo aluno segundo um da parte dos professores como dos alunos. A
propósito ou tema. Exibe esforço, progresso utilização de exemplos visuais ajuda a atingir
e resultados em mais do que uma área; inclui interpretações comuns.
reflexões críticas e justificação de tomada de O próprio conceito de avaliação referida
decisões. O portfolio é realizado a partir de ao critério não nos parece muito adequado à
um tema ou tópico dado ou à escolha do alu- natureza da arte e do design. Ao propormos
no e mostra trabalhos onde o aluno explora o estes critérios possíveis temos em conta que a
tópico, planifica, elabora, apresenta e avalia o avaliação em artes deve ser holística, e, para
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

seu projecto (Lindström, 19984 ). O portfolio nós, os critérios devem ser utilizados com
facilita a fiabilidade de resultados, porque um flexibilidade, como ‘janelas’ para olhar e não
vasto leque de trabalhos revelando as mesmas como normas taxativas. Os exemplos que
qualidades ou qualidades semelhantes pode apresentamos são apenas exemplos baseados
ser apreciado, verificando-se assim, por várias no quadro conceptual proposto. Tentámos
vezes, a consistência da avaliação. As fun- seleccionar o que acreditamos que seja
ções do portfolio são flexíveis e respeitam fundamental avaliar nos portfolios dos alunos
estilos de aprendizagem diferentes e diferentes para servirem como modelo de negociação
motivações dos alunos. A fiabilidade do entre professores e alunos.
TEMA CENTRAL

instrumento não depende da uniformidade das


tarefas mas sim da interpretação consensual das CA1: Regista ideias, experiências,
qualidades a procurar nos trabalhos dos alunos. informação dada e opiniões em formas visuais
Alunos e professores deverão compreender e outras apropriadas às intenções.
claramente os critérios de avaliação, para que
os alunos possam inserir trabalhos que revelem Este critério incide sobre as capacidades
o que se procura avaliar. A figura 2 esquema- de registar e organizar ideias e motivações
tiza o tipo de evidência que se pode incluir no assim como capacidades de planificação do
Escola Superior de Educação de Portalegre

portfolio: trabalho.

CA2: Analisa criticamente e utiliza no


seu trabalho fontes da cultura visual mostrando
compreensão de propósitos, significados e
contextos.

Este critério incide sobre capacidades


de coligir, organizar e analisar as fontes que o
aluno investigou como relevantes para o seu
portfolio.

CA3: Desenvolve ideias através de


Figura 2 exploração, experimentação e avaliação.

5. Proposta de critérios alargados de Neste critério poderão ser desenvolvidos


avaliação subcritérios, focando capacidades técnicas,
exploração e manipulação de materiais,
A maior dificuldade da avaliação nas experimentação, desenvolvimento e selecção
artes e no design reside nas diferentes interpre- de ideias (em quantidade e qualidade) em
tações dos critérios; muitas vezes os critérios função das intenções.
são vagos ou mal explicados. A formulação
de critérios e descritores de níveis é muito CA4: Apresenta um conjunto organiza-
importante e necessita de grande clareza de do de trabalhos e produto final, evidenciando
linguagem. No entanto, critérios bem formu- uma resposta pessoal coerente e informada, e
lados não chegam para uma avaliação fiável; é realizando intenções.

aprender
pág
Maio foca
Este critério de 2003
essencialmente o portfo-
80
lio como um todo e os produtos finais. Poderá ser de preparação, capacidades de planificação
desdobrado segundo capacidades técnicas espe- e de trabalho persistente. Requer, também,
cíficas: compreensão e utilização dos elementos capacidades críticas e de avaliação, através de
da linguagem plástica, estilo pessoal, etc. expressão escrita, oral e visual que, embora
incluídas em finalidades e objectos gerais
CA5: Avalia e justifica o mérito do seu da educação artística, nem sempre são
trabalho. sistematicamente operacionalizadas na prática
Este critério, apesar de servir essen- curricular.
cialmente para a avaliação do relatório de

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


auto-avaliação, pode ser aplicado nas anotações Acreditamos que este modelo pode ser
dos alunos e jornais de trabalho que revelem aplicado não só no ensino secundário, como
capacidades de avaliação crítica do aluno em preparação para os estudos superiores, mas
relação ao processo de trabalho e produtos também em outros graus de ensino. O que
finais. apresentámos como fundamentos da
aprendizagem e da avaliação em arte e design
A partir dos critérios propostos, tentámos foram linhas gerais. Tanto os domínios como
elaborar uma matriz de avaliação de portfo- os critérios propostos são flexíveis e sujeitos
lios (Apêndice 1). Mais uma vez frisamos a a maior ou menor desenvolvimento, segundo

TEMA CENTRAL
necessidade de interpretar os critérios e os contextos educacionais. O nosso propósito
definição de níveis de consecução de modo essencial foi lançar um debate sobre a
flexível, incluindo sempre uma avaliação necessidade de clareza de linguagem e
holística final do portfolio para verificar a interpretação consensual de qualidades e
consistência dos julgamentos na unidade do conhecimentos a avaliar em arte e design, não
trabalho apresentado. apresentamos receitas mas, sim, possibilida-
des.
6. Conclusão

Escola Superior de Educação de Portalegre


Esta proposta deverá ser vista como uma
Notas
possibilidade e não como regras rígidas. Ela
foi baseada na opinião de estudantes e profes- 1 Hernandez, F. (1997). Educación Y
sores portugueses, em escritos teóricos sobre
Cultura Visual. Sevilla: Morón.
educação artística e criatividade, e 2
Swift, J. & Steers, J. (1999). A manifesto for art in schools.
estruturou-se tendo em conta programas de arte Journal of Art & Design Education 18 (1), pp. 7-13.
e design do ensino secundário em Portugal. 3 DePryck, K. (1993) paper presented
Foi analisada a sua validade, numa fase inicial, at Creativity 93 World Congress in Ma-
através de análise documental, de opiniões de drid
peritos sobre avaliação em artes e duma
4 Feldhusen, J.F. & Goh, B.E. (1995)
experiência piloto com 53 alunos e 7
professores do ensino secundário. Esta Assessing and Accessing Creativity: An
experiência piloto envolveu tanto avaliação Integrative Review of Theory, Research,
interna (pelo professor do aluno), como and Development. in Creativity Research
avaliação externa (por correctores treina- Journal Vol 8 (3), pp. 231-247.
dos). Os resultados encontrados nesta fase 5 Csikszentmikalyi, M. (1990) The do-
inicial foram satisfatórios em termos de grau main of creativity. In M. A. Ruco and
de fiabilidade de correcção e validade do R.S. Albert (Eds.) Theories of Creativity
instrumento de avaliação. No entanto, foi uma (pp.190-212). Newbury Park, CA: Sage.
amostra muito pequena e acreditamos que a 6 Ross, M., Radnor,H.,Mitchell,S., Bier-
proposta apresenta alguns problemas, ton, C. (1993). Assessing Achievement in
sobretudo porque implica um grande es-
the Arts. Buckingam: Open University Press.
forço por parte de professores e alunos, e
reformulação de atitudes para com a prática 7 Amabile, T. M. (1990) Within you,
artística nas escolas. O portfolio requer gran- without you: The social psychology of

aprenderMaio de 2003
pág 81
10 Citado por Feldhusen, J.F. & Goh,
B.E. ( 1995) Assessing and Accessing
Creativity: An Integrative Review of
Theory, Research, and Development.
Creativity Research Journal Vol 8 (3),
pp. 231-247.
11 Amabile, T. M. (1990) Within you,
without you: The social psychology of
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

creativity, and beyond. In M. A. Ruco and


R.S. Albert (Eds.) Theories of Creativity
(pp.61-91). Newbury Park, CA: Sage.
12 Eisner, E. (1972). Educating Artistic
Vision. London: Macmilian.
13 Feldhusen, J.F. & Goh, B.E. ( 1995)
Assessing and Accessing Creativity: An
Integrative Review of Theory, Research,
and Development. Creativity Research
TEMA CENTRAL

Journal Vol 8 (3), pp. 231-247.


14
Alexander, P.A. (1992). Domain Knowledge: Evolving
themes and emergent concerns. Educational Psychologist,
27(1), 33-51.
15
Gardner, H. (1992). Assessment in Context: The Alterna-
tive to Standardized Testing. In Guifford,B & O, Connor
M.C. (Eds.), Changing Assessment: Alternative Views of
Aptitude, Achievement and Instruction. Boston: Kluwer.
16
Beattie, D. K. (1994). The Mini-Portfolio: Locus of a
Escola Superior de Educação de Portalegre

Successful Performance Examination. Studies in Art Educ.


47, 2, 14-18.
17
Boughton, D. (1996). Assessment of Student Learning in

aprender
pág
Maio de 2003
82
Critérios de avaliação Nível: 1-4 Nível: 5-9 Nível: 10-14 Nível: 15-17 Nível: 18-20

CA1: Regista ideias, ex- Registo muito limitado Alguns registos apropria- Conjunto razoável de Amplo conjunto de Um conjunto excelente
periências, ou inapropriado dos. O aluno sabe o que observações apropriadas observações e opiniões de registo de observações
informação dada O aluno não tem consci- quer fazer, mas as O aluno tem intenções apropriadas. As intenções apropriadas ao trabalho
e opiniões em formas ência das suas intenções intenções não são visíveis, claras, mas nem sempre do aluno são com reflexões pessoais. As
visuais e desiste facilmente é óbvio, mostra um certo óbvias, mostra persis- intenções estão claramente
outras apropriadas às grau de curiosidade e tência e combina alguma apresentadas. Aborda vá-
intenções persistência informação de acordo rios temas e problemas se-
com as intenções. gundo várias perspectivas
(1,5/6pts) e desenvolve muitos rascu-
(30 pontos) nhos, esboços, e tentativas

aprenderMaio de 2003
(15/21) (22,5/25,5) articulando e combinando
(7,5/13,5) informação coligida com
as suas ideias. (27/30
pts)

CA2: Analisa criticamente O aluno apenas utiliza as O aluno mostra algum O aluno procura activa- O aluno procura com O aluno procura com en-
e utiliza no seu trabalho fontes aconselhadas pelo interesse na descoberta mente fontes para gerar entusiasmo várias fontes tusiasmo e reflecte critica-
fontes da cultura visual professor, apenas colige de fontes que o professor as suas próprias ideias. de várias culturas e mente sobre várias fontes
mostrando informação sobre essas aconselhou e que ele(a) Revela que pode coligir, períodos históricos de várias culturas e perío-
compreensão de fontes. próprio encontrou mas organizar e usar uma relacionadas com o tema dos históricos relacionadas
propósitos, limita a pesquisa à co- variedade de fontes pri- utilizando-as de um modo com o tema revelando uma
significados e contextos lecção e organização de márias e outras no seu bem integrado no seu boa compreensão de con-
informação trabalho. Apresenta trabalho. Colige, organi- textos e utilizando-as de
(1,5/6pts) poucas reflexões críticas za, selecciona, analisa, um modo versátil, indepen-
sobre propósitos, e interpreta com alguma dente e bem integrado no
significados e contextos. crítica pessoal informa- seu trabalho
(7,5/13,5) ção relativa aos propósi- (colige, organiza, selec-
(15/21) tos e intenções revelando ciona, combina, critica e
uma boa compreensão de reorganiza)
contextos

(22,5/25,5) (27/30 pts)

(30 pontos)

Escola Superior de Educação de Portalegre


TEMA CENTRAL
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

83
pág
84
Educação Artística: Traçados Contemporâneos
Escola Superior de Educação de Portalegre

pág
TEMA CENTRAL

CA3: Desenvolve ideias A aluna(o) frequentemente


Um conjunto inadequado O trabalho revela uma O trabalho evidencia uma O trabalho ilustra uma
através de procura, formula ou
de ideias óbvias, não ex- exploração limitada ou exploração razoável mas exploração compreensiva de
experimentação, reformula problemas de
perimenta possibilidades. pouco clara de ideias pouco ousada de ideias ideias apropriadas (experi-
exploração e avaliação um modo independente.
Não reflecte sobre as ex- apropriadas . Repetição apropriadas. Resolução mentação, exploração
Experimenta e explora pos-
periências desenvolvidas e de ideias. A falta de razoável de conceitos, me- arriscada), e uma boa
( 60 pontos) sibilidades constantemente e
decisões tomadas persistência e de domí- dia e expressão técnica em resolução de conceitos,
com ousadia (alarga e rompe
nio técnico impede o seu alguns trabalhos mas pouca media e expressão técnica na
limites) e frequentemente
desenvolvimento. Sem reflexão sobre as experiên- maioria dos trabalhos. Mos-
encontra possibilidades e
reflexão sobre as expe- cias desenvolvidas e deci- tra alguma reflexão crítica
soluções não esperadas. Mos-
riências desenvolvidas e sões tomadas sobre as experiências desen-
tra reflexão crítica sobre as
decisões tomadas volvidas e decisões tomadas
experiências desenvolvidas e
tomadas de decisões.
(45/51)
(45/60)
(3/12 pts) (15/27) (30/42)
Um grande conjunto de
CA4: Apresenta um con- Um conjunto criteriosamente
Um pequeno conjunto O conjunto de trabalhos Um considerável conjunto trabalhos e produto final foi
junto organizado de tra- seleccionado de trabalhos e
inadequado de trabalhos e o produto final de trabalhos e produto final produzido e demonstra uma
balhos e produto final produto final foi apresentado
foi produzido demons- revelam capacidades foi produzido demonstrando boa compreensão de
evidenciando uma revelando capacidades técni-
trando um conhecimento técnicas e utilização da uma compreensão conceitos e técnicas da ex-
resposta pessoal coerente cas e utilização da
limitado sobre conceitos linguagem e meios adequada de conceitos e pressão artística.
e informada, realizando linguagem plástica e meios
e técnicas da expressão expressivos plástica técnicas da expressão expressivos excelente.
intenções artística. Produto final limitadas artística.
( 60 pontos) inapropriado. (45/51)
(45/60)
(15/27)
(3/12 pts) (30/42)
Avalia as características
Avalia as características
CA5: Avalia e justifica o É incapaz de explicar as Utiliza os critérios de Avalia as características e mérito do seu trabalho
mérito do seu trabalho e mérito do seu trabalho uti-
razões do seu trabalho ou avaliação, explica e mérito do seu trabalho utilizando vocabulário es-
lizando vocabulário específi-
intervenção. vagamente as intenções utilizando vocabulário es- pecífico, fundamenta satis-
co, fundamenta com fluência
e utilização de fontes, pecífico, fundamenta razo- fatoriamente as qualidades
as qualidades do trabalho
mas não fundamenta a avelmente as qualidades do do trabalho explicando o

Maio de 2003
explicando o processo e pro-
qualidade do seu trabalho explicando o pro- processo e progresso referin-
(20 pontos) gresso referindo intenções,
trabalho nem o tipo de cesso e progresso referindo do intenções, fontes e pro-
fontes e problemas encon-
intervenção intenções, fontes e proble- blemas encontrados. Explica
trados.
(0/3) mas encontrados. satisfatoriamente a sua inter-
Explica fluentemente a sua
Explica vagamente a sua venção dentro de contextos
intervenção dentro de contex-
intervenção dentro de con- sociais e culturais.
tos sociais e culturais.
textos sociais e culturais.

aprender
«Educação artística?!»

Vitor da Silva
Prof. Auxiliar da Faculdade de
Arquitectura da Universidade

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


do Porto

O tema que vos proponho para o debate artística. A minha interrogação parece-se com
de hoje tem como título: «Educação artística?!». uma falta (falha, fala) de educação, mas o
O modo interrogativo mostra bem a implicação que ela sugere, antes de tudo, é tentar pensar
de uma dúvida e, também, o efeito de surpre- a normatividade, descarregar uma ordem dos
sa, de admiração e de ironia sem a qual nada discursos e a consciência de um adquirido.
poderia perguntar. A questão anunciada no A abordagem que proponho parecer-vos-á,

TEMA CENTRAL
título desta comunicação suspende, de facto, por isso, excessivamente interrogativa, for-
algumas condições fundamentais. Em primeiro malista, crítica, vaga e até mesmo abstracta.
lugar: quem fala?, quem pergunta? Claro está Não é esta a minha intenção. Tentarei expor e
que quem vos fala e quem vos dirige a palavra explicar a minha única motivação de princípio
é o conferencista, neste momento, mas também relativamente ao tema, assunto sobre o
o professor de desenho, o pintor, o espectador, qual me considero suficientemente céptico e
a pessoa comum e, ainda, o aluno que fui, as desiludido.
lições e as experiências que soube colher. São,

Escola Superior de Educação de Portalegre


naturalmente, diferentes identidades, persona- A Educação Artística, compreendêmo-
gens e situações que participam na colocação la como educação da arte ou como uma
do problema. Falo-vos então de um lugar qualidade da educação? A Educação artística
preferencial, onde se sucede uma heteronomia é o mesmo que a educação da arte? Podemos
do sujeito, ao mesmo tempo, um e «outros», dizer que existe uma educação artística do
memória e esquecimento. Portanto, o sujeito mesmo modo que dizemos que há uma
que vos fala não é categoricamente uno, nem educação científica, uma educação literária,
vos deseja falar de uma experiência unitária e uma educação musical? Por exemplo, em que
absoluta. Apenas questiona, de uma maneira é que distingue a educação artística da edu-
imediata, e talvez por isso mesmo mais crítica, cação musical? Ou da educação da dança? O
a possibilidade de aceder à descrição de um que é que vem dizer a arte, ou o seu adjectivo,
problema. Em segundo lugar: «Educação artístico, à educação? Se existe uma educação
artística?». Porquê interrogar? A interrogação artística ou uma educação da arte, significa que
lançada permite-me pensar aquilo que falta se conhece o objecto ou objectos (serão estes
(ou falha, ou fala) na articulação dos dois «artísticos»?!) que ela se propõe educar? A
termos, entre o substantivo “educação” e o educação artística educa os objectos de arte?!
adjectivo “artística”. A função do ponto de O adjectivo “artístico” qualifica uma discipli-
interrogação e de admiração, o lapso ou o na, os objectos ou fins dessa disciplina? E a
recuo que estabelecem na enunciação da frase, educação, as ciências da educação incluí-
constituem, na verdade, sinais, a figura de uma das, que objectividade podem encontrar nos
deformidade, que, tal como numa caricatura, me objectos da arte? São científicos os objectos da
impele a ver e a pensar, não só com a comici- arte? O que se educa na Educação Artística é
dade do traço carregado como com a ironia do a arte? A música, a dança, o teatro, o cinema?
«retratado». A interrogação procura, assim, O que é a arte e quais são os seus objectos?
interferir na imagem de estabilidade e de As respostas a estas questões não nos
legalidade que parece constituir a educação satisfazem se não re-interrogarmos a eficácia

aprenderMaio de 2003
pág 85
com a qual se fundou a educação da arte, e a ainda se desempenha grande parte da forma-
particularidade dos seus métodos e objectos. ção «subjectiva» e artística. Mas também tem
Problema da arte ou problema de educa- sido o seu desenvolvimento, em pressupostos
ção? Questão, sem dúvida, simultaneamente técnicos e objectivos, que lhe modificou a
colocada à educação e à arte, à transmissão dos matriz «educativa». O modelo problemático do
saberes e à produção de objectos de arte, que desenho cedeu o lugar às novas e produtivas
encontrou a sua metodologia e a sua forma na concepções no domínio dos objectos funcio-
positivação de uma disciplina maior: a História nais. A potenciação de forças e de energias que
da Arte. O meu ponto de partida distingue, exprimem o mundo sensível da arte, desde
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

portanto, as questões colocadas à educação o didactismo da concepção platónica até à


(ensino, instrução, pedagogia) da arte, como «vigilância» das vanguardas, tornou-se em
problemas colocados à definição dos objectos optimização e limitação de forças no corpo dos
da arte, e por ironia do destino, aos proble- objectos úteis. O design, hoje, não é mais do
mas colocados à História da Arte e, enquanto que a aplicação, no universo das formas, de uma
disciplina central na definição de uma teoria norma de regulação e de inflexão, de hábitos
do conhecimento, que envolve e implica a e de atitudes que reflectem as exigências de
apreensão dos seus próprios objectos e uma sempre renovada re-produção de objectos.
saberes. Pensar a educação da arte significa, Penso que, hoje, a educação artística conserva
TEMA CENTRAL

por isso, pensar a confrontação prática com a a lógica desta formação, não como um seu
disciplina da História da Arte, onde a interpre- exclusivo, mas calculada e preparada pelas
tação dos processos, dos factos e dos objectos exigências «liberais» e técnico-profissionais.
da arte se multiplica e se objectiva em função A educação artística promove (esta é a palavra
de uma consciência crítica, paroxística, isto é, exacta) formas e maneiras úteis de formação
em função de uma técnica de saberes e de usos dita «artística», que por sua vez o funcionalis-
do saber. A História da Arte fundou a arte na mo converte numa educação vectorizada, na
objectividade, num poder sobre os objectos exigência de uma educação «democrática»
Escola Superior de Educação de Portalegre

artísticos, cuja existência se reduz à a todo o custo. Sabemos que a educação


significação objectiva, resultado de um de- artística, tal como a arte, opera numa espécie
terminismo, de um ideal de progresso e de de «contrato» com a sociedade, com os seus
sabedoria. O modelo de saber da história modos de produção. Os hábitos e os usos, os
legitimou uma definição extensa de objectos, modos de vida, constituem a verdadeira fonte
permitindo nomear todos os objectos possíveis da objectividade e da subjectividade, à qual a
como determinação da unidade de uma mesma educação artística corresponde com a formula-
metodologia. Mas serão os objectos da arte ção, quer teórica quer prática, de uma constân-
objectos do saber? Objectos de um mesmo cia normativa, transformada no esgotamento
«saber»? Tudo o que se pode saber e aprender das suas possibilidades, na prescrição de uma
acerca de uma obra de arte será que nos explica regra «cultural», isto é, na concepção estável
o olhar, os movimentos, a atitude que com ela e durável de uma forma de identidade e de
compomos? Creio que um dos factos consu- controle da cultura. Na educação artística
mados da educação artística reside no impera- existe este imperativo de eficácia, eficácia de
tivo da prática, isto é, na formação empírica, um saber que transporta o seu próprio nome, e
técnica e expressiva de processos e de regras, cujo saber apenas se objectiva num equívoco
que intervêm na concepção e elaboração de qualitativo: «artístico». A educação artística é o
procedimentos que podemos qualificar de imperativo da regra e da cultura, o instrumento
objectos artísticos. Os efeitos de uma das opiniões da arte.
«imitação» da experiência artística são
ensaiados e promovidos a exercícios mais Se a educação artística se reconhece
ou menos disciplinados. Basta olhar para o na eficácia de uma razão prática e em proces-
exemplo prático, pedagógico, histórico e sos de apreensão técnica da cultura, esta não
disciplinar que o desenho tem constituído ao exclui o campo de uma filosofia ou de uma
longo dos séculos. Na realidade, a educação doutrina natural ou espontânea com a qual
artística pelo desenho demonstra esse campo ela ordena a adequação das suas próprias
«original» de procedimentos práticos, onde experiências e finalidades. As ciências da
aprender
pág
Maio de 2003
86
educação constituem este campo de autorida- e da arte contemporânea. Se a crítica da arte
de que a arte, por seu lado, há muito conhe- o «usa» é como função, como legitimação de
ce nos limites da sua própria razão crítica. funções naturais, individuais, psicológicas,
A ordem dos discursos e das práticas artísticas sociais ou políticas do artista. O inconsciente
soube encontrar, na idade da semelhança e realiza-se na catarse tal como a obra se pro-
do reconhecimento, a palavra mágica para a cura realizar na utopia social. O inconsciente
formulação de um saber e de um poder sobre si nada nos sugere sobre a viagem do olhar no
mesmo - essa palavra é o desenho. O desenho interior das próprias obras de arte. (Hoje a este
determinou não só um campo de realização respeito o panorama, quer da crítica, quer da

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


artística como emprestou o seu nome à história da arte, tem-se transformado
operação metafísica, que no Renascimento enormemente, centrando-se na experiência dos
estabelece a primeira síntese intelectiva das objectos da arte. Os exemplos de Louis Ma-
artes. O desenho era, na singularidade da sua rin, de Hubert Damish, de Didi-Hubermann,
concepção, o modelo «teórico» e «cultural» de Manlio Brusatin, de Schefer ou de Hans
que a pluralidade e a manualidade oficinal das Belting, ou ainda de José Gil dizem-nos muito
outras artes, por si só, não conseguiam celebrar acerca da intenção das respectivas escolhas
como síntese imaginativa e criativa. A ideia filosóficas). As tensões psíquicas como a
do desenho desempenhou um duplo papel de melancolia, a fúria, a angústia, a morte

TEMA CENTRAL
socialização e de intelectualização do artista, convertem-se numa tematização, num valor de
enquanto cabia à História (e ao historiador) da saber, de esperança e de imortalidade. A morte
Arte formalizar a lei da sua própria disciplina. da arte, como muitas vezes a morte do artista,
A educação artística foi, assim, contemporâ- passa a ser esta condição elementar para que
nea da educação do artista, ao mesmo tempo ela, a arte, e ele, o artista, possam renascer,
que a História da Arte garantia uma forma, a para que, assim, ambas se possam continuar a
biografia, e se preparava para constituir, com afirmar de um renascimento e de um progresso
Panofsky e a filosofia crítica de Kant, uma me- da arte. Último recurso metafísico que sonha

Escola Superior de Educação de Portalegre


todologia científica. com uma educação que nos salvaria de toda a
violência, que nos salvaria da morte, para nos
Desde Vasari que a História da Arte se lançar na imortalidade, na fama e na glória, de
tem instituído como disciplina «humanista», que é feita a sua história e os seus heróis - os
como disciplina que não faz outra coisa se- artistas.
não apelar a uma educação civilizada, a uma
conjuração da violência, da barbárie, do disse- A educação artística, para além das suas
melhante, do «inumano», do «obscuro» e da boas ou más intenções, integra uma finalidade
diferença, que, por outro lado, a arte sempre da qual está mais ou menos consciente. Ela
soube transportar. A concepção da arte, pelo constitui uma participação e uma integração
historiador, sob este ponto de vista, distin- da cultura: ela é uma regra da cultura. É certo
gue-se do espectador comum, porque, como que a cada sociedade a sua cultura, a sua regra,
diz Panofsky, tem consciência desta situação. a sua respectiva educação artística, os seus
Porque sabe que só há ciência com consciên- instrumentos e finalidades. Estes são
cia. Por isso, se a consciência da arte cria a processos de pertença e de identificação, onde
própria existência dos seus objectos, delimi- cultura popular e cultura erudita se cruzam,
tando um espaço de existência, logo, a arte onde cultura ocidental e outras culturas se
e os seus objectos não admitem outra coisa combinam. Imagem não conflitual da cultura,
senão a consciência. Os objectos de arte são imagem «humanista» demasiado humana da
objectos de consciência, fabricados, pensados e cultura. Imagem onde a virtude das imagens
consumidos em consciência. São objectos bem é a virtude de uma educação artística; virtude
educados, tanto melhor se úteis e funcionais. onde mais do que tudo importa minimizar a
Sabemos que para a História o inconsciente contradição, resolvendo-a, integrando-a, sem
não existe, tal como para a História da Arte o violência. A educação artística move-se deste
inconsciente também não existe, apesar de
Freud, de Lacan, de Kofman, do surrealismo

aprenderMaio de 2003
pág 87
modo, aquém e para além de uma relação a representação da histeria. Noutra hipótese,
com as «imagens» que fazem violência. Na de Bernard Cache, a histeria é o «intervalo no
realidade, a educação tende a desincarnar tempo do mundo através do qual olhamos a pura
esta experiência; idealiza-a, aliena-a ou, pior instantaneidade», graficamente podendo ser
ainda, reincarna-a na consciência de um mal representada como uma superfície de variação
absoluto, segundo uma identificação do mal, e contínua, em movimento variável e perpétuo.
de uma ética que funciona como uma anestési- Histeria, sintoma, deformidade, fantasma,
ca, ou uma anestética, feita de senso comum, desordem, violência, movimento, lapso, falha,
de informação, de opinião, de «boa educação». rasgamento, desimplicação, ambiguidade,
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

A dificuldade da arte nasce da facilidade com cinismo. Ou assimptota, como diz Paul Auster
que os seus objectos se objectivam. Este é um acerca da criação da obra literária, ou «zona»,
problema comum à arte e à educação artística. tal como a definiu Daniele Del Giudice, ou
A objectivação da arte, reduzida e deduzida da Tarkowsky no filme Stalker, ou «estados de
sua forma e das suas virtudes históricas parece ordem», como Pollock paradoxalmente lhe
só saber consolidar-se em conhecimento que soube dar nome. Toda a criação artística ope-
por sua vez se pode e deve conhecer. Desim- ra neste território, com este solo (Straub),
plicar o saber, o conhecimento, é a primeira com a pele (Bacon), com a exigência de uma
palavra que encontro para renunciar às palavras transformação contínua, onde pouco lugar
TEMA CENTRAL

mágicas e sintéticas, tão bem intencionadas da parece ter a educação. Na verdade, o sintoma
história, onde efectivamente se faz e se continua mostra o que não se pode, ao mesmo tempo
a fazer a educação artística. Trata-se de fazer que recusa mostrar o que se deve. Imoralidade
emergir uma noção do inconsciente capaz de se do sintoma, inconveniência, para o saber que
opor à consciência que tudo sabe e interpreta. o evita, para a educação que o recalca, sendo
Trata-se de verificar como o destino da ele mesmo o regresso do recalcado. Nunca a
educação da arte deve operar com os lapsos educação artística poderia ser uma parado-
e as falhas dos processos de conhecimento. xologia. Porque nunca a interpretação dos
Escola Superior de Educação de Portalegre

Trata-se não de compreender, mas de operar objectos da arte e dos seus processos seria a
com o «contraditório», com os sintomas, sem mesma, com a encenação dos paradoxos que
ordens, nem certezas, em acordo e em desa- neles efectivamente operam. Na realidade, o
cordo simultâneos. Da mesma maneira como pensamento do sintoma não é um pensamento
quando estamos diante de uma obra de arte, do saber. Trata-se mais de uma economia da
pintura, vaso ou ornamento, e olhamos a par- dúvida implícita nos objectos da arte do que
tir desse lado implicado e desimplicado que de uma iconologia velada nos pressupostos da
separa aquilo que é representado, identi- representação e da demonstração. Não propõe
ficado e lembrado de tudo aquilo que se uma perspectiva de educação, a não ser a de
apresenta como esquecimento, como vazio, provocar uma certeza: a da impossibilidade
não-referenciável, não-sabido. Na linguagem da certeza acerca dos seus objectos, e da sua
do insconsciente, o sintoma não se deixa tra- finalidade. Trata, por isso, de resistir à forçagem
duzir nem interpretar com uma finalidade. O de uma interpretação ou definição simples.
sintoma é algo que irrompe e acontece mobili- Recusa a facilidade, refuta a objectividade,
zando os sentidos, numa produção ela mesma manifesta-se contra a opinião. O pensamento
feita de sensações, de sentidos e de non-sense. do sintoma não é a arte, mas, paradoxalmente,
Uma «lógica do sentido» comporta-se assim, como diz Lacan, só há «dois modos de desfa-
sob o ponto de vista de qualquer pedagogia zer o sintoma: a arte e o equívoco, a arte de
ou educação da arte, de um modo cínico, na mostrar e o equívoco de demonstrar».
medida em que parece que cada coisa pode ser
simbolizada pelo seu contrário e desta manei- A educação da arte tende a constituir-
ra, simbolizando a ambiguidade, representa, se como uma história de processos mais ou
com o propósito de deformar, de chocar. O menos bem sucedidos, susceptíveis sempre de
sintoma funciona na realidade como implica- um progresso. Importa, talvez por isso mesmo,
ção desimplicada, na acepção de José Gil, ou pensar a história das pedagogias impossíveis,
como cinismo, para Charcot, no estudo sobre incertas, utópicas, mas portadoras de um
destino crítico. Imagino uma educação feita de
aprender
pág
Maio de 2003
88
excepções, de acasos, de situações imprevisí- Giorgio Agamben, Stanze, ed. Einaudi, Turim 1977;
veis, uma educação artística capaz de operar
Hans Belting, La fine della Storia dell’Arte o la libertà
com a contradição, com os sintomas, com o dell’Arte, ed. Einaudi, Turim 1990, 1ªed. 1983;
«teatro da crueldade» capaz de forçar o corpo
das imagens e dos objectos da arte a existir Manlio Brusatin, Storia delle Colori, ed. Einaudi, Turim
para nós, que através delas procuramos olhar. 1983, Storia delle Linee, Einaudi, Turim 1993,
Storia dell’immagini, Einaudi, Turim 1989, Arte
Imagino uma educação da arte onde importa
e meraviglia, Einaudi, Turim 1986;
percorrer a polivalência dos seus discursos e
do seu saber, o valor táctico dos seus usos, bem Humbert Damish, Théorie du nuage, Seuil, Paris 1972;

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


como dos seus equívocos, com os objectos
que cria. Porque importa intensificar o campo Georges Didi-Hubermann, Devant l’image, Minuit,
Paris 1990;
de elaboração possível de uma pedagogia da
arte. A prova dada pelas diferentes práticas e José Gil, Imagem-nua e as Pequenas Percepções,
objectos da arte constitui-se contra a suposição Relógio de água, Lisboa 1996;
de uma formação permanente e objectiva das
Louis Marin, De l’Entretien, Minuit, Paris 1997;
expressões artísticas, sejam elas quais forem.
O desenho, o design, o desenho assistido por Jean Louis Schefer, Question de style, L’Harmattan,
computador operam criticamente não só sobre Paris 1995 Du movement du monde et des images,

TEMA CENTRAL
a realidade e a virtualidade de uma educação Cahiers du cinema, Paris 1997.
artística como sobre a sua definição e inde-
finição, sobre a interrogação que constitui
a sua fal(h)a original. Para mim, trata-se de
refutar o poderoso alibi da educação artística:
o de um saber sem contradições, onde cada
vez mais o olhar sobre os objectos da arte não
existe. Trata-se por isso, cada vez mais, de

Escola Superior de Educação de Portalegre


compreender e de fazer compreender a
natureza dos objectos da arte, a sua con-
dição de fétiche, de «objecto transicional»
tanto da estética como do «esteticismo».
Pela minha parte, trato de dar continuidade à
fidelidade a que pertenço. À boa educa-
ção da arte contraponho o tão insuportável
cinismo. Contra a educação da arte prefiro
pensar numa pedagogia da arte, numa
pedagogia das imagens, que seja mais uma
economia da dúvida, mais uma lição de des-
pojamento e de desimplicação do que de
saber. Contra a regra da cultura trata-se de
elucidar sobre a verdade que a obra de arte
prescreve para nós, que a prescrutamos, a
olhamos e a pensamos numa pedagogia.

Referências Bibliográficas

aprenderMaio de 2003
pág 89
‘Marginalidade’ da educação
artística - Para onde foram os
valores educacionais humanísti-
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Wong, So Lan
Vice-Presidente da Hong Kong
Society for Education in Art

Resumo: disciplina Arte foi, e ainda é, parte essencial


da educação básica, tal como foi referido no
TEMA CENTRAL

Para analisar a situação do ensino das documento da reforma. No entanto, eu acredi-


artes em Hong Kong, deveremos primeiro to que ninguém pode negar, neste momento,
compreender o seu contexto. Olhando para que a Arte tem sido uma disciplina marginal.
o nosso passado sistema educacional, não Deveremos então perguntar se a Arte/Edu-
encontramos nenhum interesse na função do cação não ajuda a conseguir metas sociais e
ensino das artes e no seu papel no desenvol- educacionais, ou se o público em geral não
vimento individual. O governo de H.K. vê a compreende o seu significado. Provavelmen-
Escola Superior de Educação de Portalegre

educação como um tipo de ‘recursos humanos’ te, a Arte/Educação serve, de facto, apenas
para desenvolver a produtividade nacional. propósitos decorativos.
Sob tal atmosfera ideológica, a aprendizagem A Arte/Educação tem tido os seus
é vista como um ‘investimento’ para adquirir problemas de ‘marginalidade’ em vários países
credenciais ou certificados e, assim, subir o (Eisner, 1988). Embora a maioria das pessoas
‘valor de mercado’. Por isso, durante muito aceite que a Arte/Educação é importante, não
tempo, só as disciplinas que podiam ter uma lhe prestam muita atenção, porque pensam
‘avaliação formal’ e ser ensinadas aos mais que se trata de uma coisa que não pode ser
‘aptos’ eram olhadas como conhecimento ensinada. Mesmo que acreditem que se possa
‘válido e útil’. A maioria das pessoas negli- ensinar, é posta de lado porque pensam que a
gen- ciou a educação baseada em valores educação serve para preparar as crianças para
humanísticos e, além disso, o ensino das artes futuras carreiras. Mais ainda, no tempo do
foi visto como marginal no sistema educa- currículo nacional projectado para obter
cional. Recentemente, as pessoas que tomam certificados, a Arte/Educação é inevitavelmente
decisões no sistema educativo de H.K. parecem posta de lado porque não pode ser avaliada, ou
ter compreendido que “um sistema educacio- pelo menos assim se pensa.
nal monolítico só pode produzir elites dentro
de um sentido muito restrito”. Será que o Herbert Spencer (1911) perguntou ‘Que
ensino das artes receberá um suporte mais tipo de conhecimentos é mais útil?’. E para
positivo no futuro? responder colocou o conhecimento em cinco
categorias segundo a ordem da sua importân-
1. Introdução cia: auto-preservação, meios de ganhar a vida,
manutenção de relações sociais e políticas
Para analisar a situação do ensino das apropriadas e actividades de entretenimento.
artes em Hong Kong, deveremos primeiro A Arte/Educação é de menor importância, foi
compreender o seu contexto de desenvolvimen- pensada como actividade de entretenimento. Era
to. A partir do currículo oficial, sabemos que a
aprender
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Maio de 2003
90
muito claro, para Spencer, o conceito utilitário investigação sobre a situação da educação.
de vida (Low-Beer, 1969). Para ele, o conhe- No mesmo ano, ele submeteu um relatório ao
cimento mais válido era o das ciências, que governo - Report on Education in Hong Kong.
proporcionam ‘auto-preservação’ e ‘meios Nesse relatório criticava-se a actuação do
para ganhar a vida’. Portanto, enquanto as Director da Educação que apenas favorecia
ciências são pensadas como os fundamentos a educação inglesa elitista, a ausência de
da auto-preservação e de meios para ganhar a formação de professores, a inexistência de
vida, todas as experiências de aprendizagem educação básica para os chineses e população
pessoais ou com pouca utilidade são postas de pobre. Burney também questionava a ausên-

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


lado, fora da corrente da educação formal. cia de educação física, educação das artes e
ofícios e educação musical (Burney, 1935, p.11).
Eu acredito que a Arte/Educação é Nesse tempo, era claro que o governo colonial de
importante. Não só pode providenciar Hong Kong seguia orientações para uma educa-
desenvolvimentos diversificados, mas também ção elitista e não chinesa e que a Arte/ Educação
ajudar a criar cidadãos de qualidade. Por ou- não se incluía nessas orientações.
tro lado, a Arte/Educação pode ser ensinada,
também pode ser avaliada, mas não através de Até 1949 (Hong Kong Education De-
testes ou exames escritos. Penso que a arte é partment, p.23), o Director da Educação apon-

TEMA CENTRAL
uma disciplina ‘escolástica’. O que temos de tava: “Um dos aspectos mais gratificantes da
fazer para o provar não passa por colocar a arte educação em Hong Kong desde a guerra é o
nas listas do currículo ‘técnico-racionalizante’, desenvolvimento dos conteúdos escolares como
mas sim por demonstrar ao público como é valores sociais e morais e não como apenas
importante, vital, equilibrada uma educação disciplinas escolásticas”. Isto revelava que
diversificada que possa desenvolver valo- novos pontos de vista emergiam. No entanto,
res humanísticos nos indivíduos. O termo o Director exprimia as suas opiniões sobre a
‘educação equilibrada’ aparece nos documen- Arte/ Educação deste modo: “A música e os

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tos do nosso currículo oficial desde há mais trabalhos manuais são para aqueles com
de cinquenta anos. Mas a nossa educação interesses e habilidades menos literários e
continua a enfatizar apenas as disciplinas que menos académicos, com interesses práticos
são formalmente avaliadas, escolásticas e cre- e artísticos”. (p.41). Isto indica que, nesta
denciadas. A Arte/Educação continua a ser vista altura, o governo favorecia as disciplinas
apenas como entretenimento. académicas. Para o nosso governo e as suas
instituições educacionais, a Arte/Educação
2. O Desenvolvimento do contexto da era só para os alunos menos competentes nas
Arte/Educação em Hong Kong disciplinas académicas. No meio dos buro-
cratas do governo, o nosso sistema educativo
Para podermos compreender as razões começava a mostrar a cauda através da estrati-
por que Hong Kong ainda não conseguiu ficação do conhecimento.
atingir a meta de uma educação equilibrada,
não deveremos olhar apenas para os ‘valores de 2.2. Arte como disciplina de carácter
mercado’ das disciplinas académicas, mas de desenvolvimento
também discutir a consciência colectiva do
nosso sistema burocrático. Desde os anos cinquenta que a arte foi
pensada como uma disciplina de carácter de
2.1. Os primeiros passos da Arte/ desenvolvimento. Nas palavras de Wha Kiu Po
Educação (1951, p.91), “as autoridades da educação em
Hog Kong adoptam uma política equilibrada em
Os primeiros relatos de educadores relação a planos curriculares. Não se ensinam
sobre Arte/Educação em Hong Kong datam só disciplinas literárias e línguas, mas outras
de 1935. Nesse ano, um educador britâni- disciplinas como artes, ofícios, educação físi-
co, Burney, foi convidado para fazer uma ca

aprenderMaio de 2003
pág 91
e música são também obrigatórias para os educação. A Arte/Educação, como meio para
alunos dos ensinos secundário e primário. A desenvolver o carácter, é baseada em valores
meta dos ensinos secundário e primário é geral humanísticos.
e não especializada; não excluiremos nenhuma
disciplina que promova o bem estar e 2.3. Humanismo e sustentação da Arte/
desenvolvimento dos nossos alunos”. Educação
Esta abordagem do governo revelava Para explorar o lado artístico do hu-
um currículo de duas vertentes: uma literária manismo, deveremos voltar ao Renasci-
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

e académica e a outra de disciplinas de desen- mento. Em Itália, o Renascimento


volvimento. A importância de uma educação marcou o revivalismo da arte e da filosofia
equilibrada era constantemente repetida nos clássicas (Antiguidade Romana e Grega). A
documentos oficiais. A Arte/Educação fazia educação humanística também pode ser tra-
parte da escola pública sem ter o carácter çada a partir de Atenas e de Roma clássicas
de formação especializada de artistas. Esta com o seu conceito central de humanidade. Os
abordagem pode ainda ser encontrada em educadores contemporâneos partilham a
vários documentos recentes. Por exemplo: vontade de humanizar os alunos no espírito da
School Education in Hong Kong: A statement liberdade intelectual e moral, da autonomia e
TEMA CENTRAL

of Aims (Education Comission, 1993), Cur- da democracia plural (Nimrod, 1999). Estes
riculum Guides (Curriculum Development educadores acreditam que as crianças
Council, 1993 a,b,c,d), Reform Proposals for possuem habilidades para se exprimirem, pois
the Education System in Hong Kong (Educa- podem observar o mundo e construir os seus
tion Commission, 2000) e Learning to Learn: próprios significados. Portanto, a Arte/Edu-
The Way Forward in Curriculum Development cação deveria dar liberdade e autonomia às
(Curriculum Development Council, 2001). crianças para se exprimirem a partir de
Todos estes documentos focam a importância
Escola Superior de Educação de Portalegre

diferentes formas e práticas.


de uma educação equilibrada, por exemplo:
educação moral, cognitiva, física, social e O desenvolvimento da Arte/Educação
estética. No entanto, isto não é o caso quando em Hong Kong iniciou-se nos anos cinquenta
se operacionaliza o currículo. Porquê? Por com a influência de um funcionário britânico,
que é que durante tantos anos se usou um o Sr. Michael Griffith. Foi ele quem estabe-
slogan sobre uma educação diversificada e leceu a Cultural Crafts Section of Education
equilibrada e por que é que só se tratou de um Department. Ele trouxe também uma visão
slogan citado pelas autoridades? humanística para a Arte/Educação inspirado
por Franz Cizek e Herbert Read. Esta aborda-
Talvez porque, tal como diz Althusser gem foi a primeira orientação para o currículo
(1969), as ideologias nos influenciem de modo desde os anos cinquenta. Em Art and Craft
inconsciente. Nos dias do reinado colonial, Syllabus, escrito em 1981 (Curriculum Deve-
Hong Kong descrevia-se como um ‘lugar lopment Committee, p.81), encontrava-se a
emprestado’ e ‘um tempo emprestado’. Desde visão de que “a criança deve ser encorajada a
os anos sessenta que imigrantes da terra mãe experimentar as suas possibilidades através de
(China) se sentiam convidados ou visitantes. várias actividades”. Esta sugestão foi aceite
Eles esperavam ganhar algum dinheiro o mais pelos professores do ensino primário. Para o
depressa possível para depois regressarem à ensino secundário, o Cultural Crafts Sec-
terra mãe. O governo colonial tratava Hong tion of Education Department publicou os
Kong como um mercado. Não tinha nenhuma primeiros Art Syllabus for Secondary Scho-
intenção de criar um sistema educativo em Hong ol em 1960, onde, além de se promover a
Kong. Apenas pretendia treinar algumas elites liberdade de auto-expressão, se recomenda-
que pudessem falar e escrever inglês para se va a articulação com o design comercial e
tornarem ajudantes de negócio. Debaixo de uma industrial. Um velho companheiro de Griffi-
crença geral de elitismo e um limitado sentido th, o Sr. Ng, salientou-lhe as necessidades do
de sustentação, a maior parte de nós parecia comércio e da indústria de Hong Kong e Griffith,
esquecer o humanismo como fundamento da
aprender
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que não via futuro para a Arte/Educação nas das pelos meus entrevistados - O Sr. Kwok,
belas artes, adicionou os elementos de design ex-director principal da secção, e a Sra. Tam,
aos conteúdos do ensino secundário nos anos ex-inspectora da mesma instituição. Kwok
sessenta (Wong, 2001). acredita que proporcionar um bom ambiente à
produção artística, com instruções limitadas e
Estas mudanças não foram do agrado algumas ideias para os estudantes, era o mais
dos inspectores. O Sr. Kwok, ex-inspector importante para eles fazerem o que quisessem.
principal da Cultural Crafts Section, foi um Para Tam, a arte poderia ser ensinada a partir
deles. O Sr. Kwok disse-me, durante uma da apreciação estética e da demonstração de

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


entrevista (Wong, 2001, pp. 104-105): técnicas e práticas. Ela concordava com a
“Michael Griffith disse que deveria concepção de Arte/Educação de Eisner, que se
haver design e não só arte. Primeiro, ele reflecte na DBAE (disciplina based education),
mudou os nomes para art e design no ensino promovida desde finais de oitenta.
secundário; art e craft no ensino primário. Foi
o primeiro a fazê-lo, ele até tinha pensado em Podemos categorizar estas duas
retirar a palavra arte. [Mais ainda,] ele vertentes em duas abordagens principais: a
costumava dizer “a arte não pode ser ensi- primeira como educação centrada na crian-
nada mas o design sim”. Eu fui contra... Isto ça e a segunda como educação centrada na

TEMA CENTRAL
aconteceu nos anos 70.” organização curricular. Estas duas abordagens
utilizam elementos humanísticos diferentes.
Para os burocratas dos anos 60 e 70, A educação baseada na criança promulga a
o desenvolvimento da economia ditava a ideia de que todas as crianças são artistas que
inclusão de conteúdos de design. Eu, como aprendem por si próprios (Eisner, 1972). A
partidária do humanismo, penso que a educação baseada em disciplinas foi cri-
expressão dos seres humanos e a estética de- ticada por promover a fragmentação do
vem usar a palavra ‘humano’ como pedra base conhecimento. Com o advento das ideias pós-

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da educação. Isto realça o desenvolvimento -modernas, os educadores perceberam que
humano e ajuda a repensar as relações entre os a arte não só desenvolve o ser mas, mais
indivíduos, a sociedade, a nação e o mundo. importante do que isso, promove o desenvol-
Não penso que seja errado ter adicionado vimento individual, ajuda a explorar e repen-
conteúdos de design à Arte/Educação. A par- sar as nossas relações com outras pessoas e
tir da entrevista do Sr. Ng e do Sr. Leung, sociedades através de experiências artísticas e
compreendemos que o design é aprendizagem culturais diversificadas.
de resolução de problemas. Pode melhorar No entanto, o fosso entre currículo e
habilidades de investigação e de pensamento prática é muito grande. O currículo falha
crítico (Wong, 2001). No entanto, quando a sempre na sua implementação. Por exemplo,
Arte/Educação é distorcida para se transfor- uma professora de artes dizia-me que, para os
mar em treino prático, servindo os sectores pais, o currículo está dividido em duas par-
comerciais e industriais, temos o direito de tes: a parte mais importante e as disciplinas
colocar algumas questões: Qual o valor da Arte/ menores; e as disciplinas das artes pertencem
Educação? Para onde foi o valor humanístico da às menos importantes. Eles pensam que as
educação? Deverá a educação ser despromovida escolas deveriam revelar mais as discipli-
para treino vocacional? nas mais importantes e deixar as outras para
actividades extra-curriculares ou de lazer
2.4. Conceitos diversos de Arte/ (Siu-Fu, 1999, p.9). Recentemente, entrevistei
Educação uma professora do 1º Ciclo reformada que fora
directora de uma escola, pois queria saber
O conceito de Arte/Educação na por que é que os directores das escolas primárias
Cultural Craft Section tem duas vertentes: uma costumam deixar as artes para serem
baseada na exploração e produção artística
livre e outra na importância da aprendizagem
estética. Estas duas vertentes foram aborda-
aprenderMaio de 2003
pág 93
leccionadas por professores não especiali- Council [CDC] de Hong Kong trouxe uma
zados e por que costumam dar ainda menos proposta curricular, desenvolvida segundo o
importância às artes plásticas do que à música conceito de oito áreas-chave da aprendizagem
ou à educação física. Ela disse-me: (Key Learning Areas [KLAs]) para substi-
“Antigamente, as artes eram um tuir as disciplinas tradicionais. Em 2000, foi
suplemento, eram olhadas como uma sugerido que se descrevessem nove competên-
disciplina menor. Para a música era diferen- cias (skills) genéricas no contexto das KLAs.
te; não podíamos contratar um professor não Oito KLAs e nove competências (skills) fa-
especializado porque eles não deixavam riam um guião para um currículo holístico da
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

(Education Department). As disciplinas mais aprendizagem escolar (CDC, 2000a). O


importantes para o Institute of Education eram governo parece querer tentar modificar o
o Chinês, o Inglês, a Matemática; no fim vinha conceito tradicional da classificação e selecção
a Música e a Educação Física e, bem no fim, dos conhecimentos. Em breve, as disciplinas
como última, a Arte.” das artes farão parte das KLAs, nomeadamente
a Arte/Educação.
A partir desta entrevista, podemos ver
que a arte era tratada como a última das últimas As autoridades da educação tentaram
disciplinas devido ao sistema de valorização reformar o currículo unidireccional existente,
TEMA CENTRAL

enviesado das instituições. O destino da Arte/ sugerindo dois novos conceitos - “nova cultura
Educação foi assim determinado por razões da aprendizagem e ensino” e “aprendizagem
diversas. ao longo da vida”. Comparando com o antigo
currículo de disciplinas académicas, o
3. Análise da Reforma Curricular para novo modo de ensino das artes enfatiza a
a Educação em Hong Kong aprendizagem a partir da experiência e da
prática. Em 1999, foram eliminados os
No passado, o currículo das artes enfa- manuais obrigatórios, mas em Arte/Educação
Escola Superior de Educação de Portalegre

tizava a produção: construir cartões de Natal, os manuais obrigatórios não eram tradicional-
fazer esculturas e desenhos expressivos. Como mente usados. Os professores de arte sempre
resultado, a Arte/Educação era vista como acti- encontraram actividades inovadoras tais
vidade de lazer. Não “tem nada que aprender”, como desenho no exterior, participação em
“não se pode ganhar a vida com isso”. exposições, visitas a galerias, etc. A Arte/
Educação já trabalhava na perspectiva da
Face à presente reforma, deveremos “aprendizagem ao longo da vida”: os alunos
recolocar a questão: “Quais os conhecimentos tinham oportunidades de participar em
que valem a pena? Qual é o significado da Arte/ actividades alargadas dentro e fora das aulas.
Educação? Quando a tecnologia da informação Esta nova perspectiva de aprendizagem e
avança rapidamente, poderemos imaginar o que ensino não é nada nova para a Arte/Educação,
vai ser o adulto ideal? no entanto, até agora não se tinha prestado
A partir dos documentos da reforma muita atenção a esta vertente. Portanto, face
educativa, o governo de Hong Kong está a a estas mudanças, será possível para a Arte/
seguir as tendências do Ocidente. Parece que Educação um futuro mais radioso? Será que o
se quer apagar as barreiras dos conteúdos e currículo multifacetado e diversificado é um
deixar aberturas entre os vários campos mito? Será que o desenvolvimento individual
disciplinares, ao que Bernstein (1973) chamou e de valores humanos vai ser tratado com mais
de currículo integrado, com vários graus de seriedade em Hong Kong?
integração. Será que esta relação aberta entre
as disciplinas beneficiará a Arte/Educação ou 3.2. As artes e o ponto de viragem da
será que isso a fará ainda mais marginal no ‘transmissão de poder’
futuro?
Neste momento, só existem duas
3.1. Estrutura da reforma curricular disciplinas de artes disponíveis nas escolas
Em 1999, O Curriculum Development

aprender
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Maio de 2003
94
de Hong Kong - a música e as artes plásticas.
Na nova reforma, sugere-se a inclusão do 3.3. KLA de Arte/Educação e as nove
drama, da dança e dos multimédia nas KLAs competências (skills) genéricas
da Arte/Educação. É fácil ver que se tenta
copiar as tendências de países ocidentais como, A resposta aos professores de arte e
por exemplo, a Austrália (Curriculum Corpora- de música por parte do CDC foi: ‘não temos
tion, 1994) e os Estados Unidos (The Writing intenções de ter currículos únicos integrados
Task Forces, 1994). nem pedir aos professores para ensinarem
Os professores estão apreensivos com disciplinas para as quais não têm especializa-

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


estas mudanças. Durante uma reunião da Hong ção’ (CDC, 2001, p.58). E houve a promessa
Kong Society for Education in Art [HKSEA], de incluir dois modelos para a Arte/Educação
durante o período consultivo das propostas no futuro (ver figuras 1 e 2): o primeiro -
governamentais, um professor exprimiu o seu “disciplinas separadas com uma experiência de
medo perante as KLAs. Ele disse: “se não po- aprendizagem alargada e inter-relacionada com
demos neste momento conseguir um ensino de diferentes formas de artes e outras disciplinas”;
qualidade, como poderemos integrar diferentes o segundo - “um currículo geral para as artes,
formas de arte?” (HKSEA, 2001, p.7). Noutra incluindo artes visuais, música, dança, drama e
reunião para debater as reformas, em 2000, um outras formas de arte” (CDC, 2000b, p.24).

TEMA CENTRAL
outro professor de artes exprimiu apreensão A integração do modelo da figura 1
sobre a reforma em curso na sua escola: “o diz-nos que os professores de arte e de música
currículo integrado soa muito bem. Mas as podem integrar outras formas de artes e até
artes já cobrem conteúdos muito grandes. No outras disciplinas. O segundo modelo, da
futuro, teremos de enfrentar outras formas de figura 2, é mais controverso. Ele sugere que se
arte. Quem é que é capaz de as ensinar? Neste substituam as originais disciplinas de música
momento o nosso maior problema está em e de arte por uma nova disciplina - ‘currículo
distribuir o poder entre os diferentes grupos de de artes geral’ - que inclui diferentes formas de

Escola Superior de Educação de Portalegre


professores, de música e de arte. Se tivermos de arte. Olhando para o texto do Consultation
integrar mais disciplinas dentro de uma KLA, Document (CDC, 2000b, pp.41-58), podemos
quem vai ser o professor responsável?” ver como as autoridades estão mais a favor do
primeiro modelo, o que também foi salienta-
A partir deste exemplo, podemos ver que do no trabalho de colaboração e experiência
a reforma está a ameaçar o espaço da profissão, piloto desenvolvido pelos Education Depart-
afectando também o equilíbrio da organização ment e Hong Kong Arts Development Council,
do poder entre os professores. Problemas (Arts-in-Education).
como modos de integração e colaboração entre De futuro, será que a Arte/Educação
várias disciplinas são de considerar. No integrará outras formas e outras disciplinas?
passado, entendíamos o campo das disciplinas Como fazer a integração? Será que isso vai
a partir do grau de especialização e distribui- ajudar ao desenvolvimento completo das
ção de recursos. Este movimento de integra- crianças, das suas potencialidades, e à transcen-
ção envolve a construção de novos valores dência de valores humanos?
para identidades disciplinares (Young, 1971).
Também muda o conceito de ‘que tipo de
conhecimento’ para ‘ como fazer a aquisição
do conhecimento’. No entanto, no caso das
disciplinas ‘marginais’, tais como as artes,
será que a integração curricular serve para
redistribuir o poder? Os exemplos descritos
dizem-nos que esta reforma curricular fornece
um outro modo de ‘transmissão de poder’. A
questão é: ‘será que isto vai beneficiar a Arte/
Figura 1: Modelo baseado em disciplinas separadas
Educação?. A minha resposta é: ‘esperamos
para ver’.

aprenderMaio de 2003
pág 95
Mas será que isto tem algum sentido?
Por exemplo, para competências numéricas, o
documento (CDC, 2000b, p.12) refere que
“através da invenção e reconhecimento de sig-
nos e símbolos, as artes contribuem para apli-
cações numéricas tais como padrão, repetição,
sequência, variação e valor”. Acham que isto
tem algum sentido? Qual é o significado para
Figura 2: Modelo baseado no currículo geral das artes a Arte/Educação? Será que os construtores do
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

currículo entendem alguma coisa de Arte/Edu-


Realmente, não me parece que a in- cação? Será que eles acreditam que a educação
tegração por si só possa ser uma solução; a deve tratar os seres humanos como o assunto
integração é um tópico muito complicado, principal e desenvolver as suas potencialidades
envolvendo várias questões pedagógicas. como seres humanos? Ou será que esta reforma
Segundo Drake (2000, p.1) , “não se trata é a história de “O rei vai nu ...”
só de colocar conteúdos de diferentes áreas
disciplinares... muitas das questões fundamen- A partir da leitura do documento con-
tais da educação devem ser consideradas”. sultivo, vemos que, em Valores e Atitudes, é
TEMA CENTRAL

Por exemplo, qual é a ponta de lança da inte- indicado que “o desenvolvimento de valores
gração entre as disciplinas? Como resolver o sociais e pessoais, atitudes associadas, é
problema da ‘balcanização’? Será que a indubitavelmente a maior finalidade do
formação de professores pode apreender o currículo das artes” (CDC, 2000b, p.12).
conceito da integração e das artes integradas? Isto traz à baila as relações entre indivíduos,
De algum modo, o DBAE é uma espécie de comunidade, sociedade, meio político e
integração. Então, que tipo de integração económico. Ninguém pode negar que a
proporciona uma experiência de aprendizagem intenção é veicular valores humanísticos.
Escola Superior de Educação de Portalegre

alargada e diversificada ? Para concluir, a in- Todos concordamos que a experiência artística
tegração curricular não é só pôr as diferentes é válida para o desenvolvimento da criança.
disciplinas juntas para conseguir as finalidades A Arte/Educação ajuda a próxima geração a
da reforma. De facto, a integração curricu- compreender a vida e a criar os seus signi-
lar não é um remédio mágico para a nossa ficados. Ajuda a compreender a sua própria
educação e reforma curricular. cultura e a estabelecer identidades culturais.
É importante porque a cultura dá-nos algo em
Consideremos as sugestões das que acreditar: sistemas de valores e padrões de
competências (skills) genéricas das KLAs: vida (Ballenges, Morris e Sturh, 2001). Então,
aprender a aprender; aprendizagem ao longo da a Arte/ Educação deveria atingir a compreensão
vida; desenvolvimento pessoal. O documento profunda e valores da vida através do conhe-
oficial (CDC, 2001, p. 6) diz que “as compe- cimento da nossa cultura e de nós próprios.
tências (skills) genéricas são fundamentais para Ironicamente, a nova reforma parece limitar-se
ajudar os alunos a aprender melhor. São para a nove competências. Além disso, deveríamos
ser desenvolvidas através da aprendizagem e perguntar à nossa Comissão para a Educação
do ensino nos contextos das diferentes disci- se as nove competências são baseadas em
plinas das KLAs e transferíveis para diferentes valores humanísticos ou em valores comer-
situações de aprendizagem”. Portanto, sob ‘a ciais. Estaremos a treinar seres humanos como
supervisão central’, os oito comités das objectos utilitários? Como não sou adivinha,
KLAs são responsáveis pelas propostas de não posso responder pelas consequências da
operacionalização das nove competências reforma que será implementada em 2002.
(skills) genéricas dentro da KLA correspon-
dente. Claro que nada é impossível para uma 4. Conclusões
‘burocracia técnico-racional’: nove competên-
cias (skills) podem ser desenvolvidas para a No currículo formal, o que deveria ser
KLA da Arte/Educação. ensinado ou não é um “futebol político” (Ap-

aprender
pág
Maio de 2003
96
ple, 1990). Sabemos que o ‘grupo dominante’ para se tornarem naquilo que não são”, isto é,
influencia o currículo e lidera o fenómeno. Os apesar das infinitas variações que o indivíduo
alunos são os ‘objectos’ da educação. Recente- possa ter quando nasce, é dever do professor
mente, as reformas têm vindo a alastrar em todo eliminá-las, a não ser que elas se conformem
o mundo. No texto “Reform Proposals for the com o tipo ideal de carácter determinado pelas
Education System in Hong Kong” (Education tradições da sociedade da qual o indivíduo se
Commission, 2000, p.4) diz-se que “apesar tornou membro involuntário (p.2). Sabemos
dos esforços na educação, os resultados dos que Read era partidário da primeira posição e
alunos não são promissores; a aprendizagem é com ela baseou a sua visão de educação através

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


liderada pelo sistema de exames e pouca da arte (1958). Ele acreditava que “a educação
atenção se dá a ‘aprender a aprender’. A vida deve promover o crescimento do individu-
nas escolas é monótona, não se proporcio- al em cada ser humano, e ao mesmo tempo
nam geralmente aos alunos actividades de harmonizar a individualidade com a unidade
aprendizagem para pensar, explorar e criar”. orgânica do grupo social a que pertence” (p.8).
O Sr. Anthony Leung, ex-presidente Ele também achava que um currículo bem
da Education Commission (2000), também desenvolvido é vital para o desenvolvimento
referiu: “Excelência é essencial para a individual e a sua potencial realização.
sociedade, mas um sistema educativo mo-

TEMA CENTRAL
nolítico só pode produzir elites para um Para dizer a verdade, através da história
mundo muito limitado. As elites de que do nosso sistema educativo, não vejo nenhuma
necessitamos hoje são multifacetadas e ênfase nas funções da Arte/Educação nem no
apenas um sistema educacional multifacetado, seu contributo para o desenvolvimento dos
com currículos diversificados e métodos de indivíduos. O governo de Hong Kong vê a
ensino e de avaliação pode produzir as pessoas educação como capital humano para melhorar
que esperamos com múltiplos talentos”, (p.1). a produtividade nacional. Sob tal clima, ou
Parece que o governo de Hong Kong está ideologia, a aprendizagem é naturalmente

Escola Superior de Educação de Portalegre


determinado a mudar o sistema educacional olhada como um investimento, para a obtenção
monolítico de cinquenta anos ao enfatizar a de certificados válidos ou credenciais para que
importância de um sistema educativo a vida tenha um valor de mercado. Por isso,
equilibrado e multifacetado. Parece eviden- durante muito tempo só as disciplinas que
te que o objectivo é “ajudar a conseguir um podiam ser ‘formalmente avaliadas’ e ensi-
desenvolvimento completo” e “produzir nadas aos ‘mais hábeis’ podiam ser olhadas
pessoas multi-talentosas que são esperadas pela como válidas e úteis (Goodson, 1991). Muitas
sociedade”. Será que estamos a mudar de uma pessoas desprezam a educação baseada no
política educacional utilitária para uma mais ‘humano’ ou nos valores humanísticos. A
humanística? natureza humanística da Arte/Educação
relegou-a para a marginalidade. Recentemente,
“Nós acreditamos que todos os alu- o governo de Hong Kong pareceu entender
nos têm potenciais e que a educação ajuda a que “o sistema educativo monolítico só pode
desenvolver as suas potencialidades” (Education produzir elites num sentido restrito”. Será que,
Commission, 2000, p.1). Em 1943, Herbert como consequência, a Arte/Educação terá mais
Read declarou, no seu livro Education Throu- suporte positivo no futuro?
gh Art, (1958) que existem pelo menos duas
posições irreconciliáveis em Arte/Educação. Referências Bibliográficas
Para uns, o homem deve ser educado para se
tornar naquilo que é, isto é, “cada indivíduo Althusser, L [1969] Pour Marx. London: Allen
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permite uma infinita variação de tipos” ( p.2). tural art and visual cultural education in a
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aprender
pág
Maio de 2003
98
Reconceptualizar a Arte/Educa-
ção: análise da recente reforma em
Hong Kong

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


LAM Bick Har
Hong Kong Baptist University

Resumo emoções, da sua sobrecarga de trabalho e


outros constrangimentos, os professores estão
Este artigo é um comentário à recen- receptivos à reforma e consideram-na como um
te reforma de Hong Kong. A metodologia ponto de partida para a mudança do seu tipo de

TEMA CENTRAL
utilizada é uma descrição narrativa aparentada ensino.
ao inquérito naturalístico. Esta abordagem
reflecte a atitude do praticante reflexivo A recente reforma marca um período
que busca o aperfeiçoamento. Começa pela importante do desenvolvimento da história
exposição da origem e natureza da reforma, seu da educação em Hong Kong. O conceito de
conteúdo e programas. Sugere que a reforma educação levou um tremendo abanão, deixou a
educativa trouxe uma situação constrangedora tradicional transmissão de conhecimentos para
no que respeita ao seu desenvolvimento nas adoptar o desenvolvimento de potencialidades.

Escola Superior de Educação de Portalegre


escolas: a limitada concepção da arte sob o No entanto, esta reforma proposta merecia
signo do utilitarismo, a segregação do mais debate e discussão antes de ser imple-
desenvolvimento nas escolas, a emergência de mentada. Enquanto, oficialmente, se diz que as
um clima competitivo e o fosso entre teoria mudanças educacionais deveriam nascer do
e prática. Também aponta o efeito negativo seio dos professores, do fundo do sistema, para
da reforma sobre a prática profissional dos ser possível a modificação do modelo de base
professores, o que foi salientado a partir da (CDC, 2000; CDC 2001), a mesma mentalida-
procura e pedidos de formação de professores de deveria ser desenvolvida para formular as
durante o período de revisão do sistema. Este orientações da educação na nossa sociedade.
comentário conclui-se com uma especulação As vozes dos participantes são cruciais para
sobre a Arte/Educação no futuro, onde se tenta ajudar a entender o tipo de educação para o
recapturar a natureza humanística e estética futuro, capaz de promover qualidade de vida
das artes em relação ao desenvolvimento dos para os indivíduos e para a sociedade.
alunos. Esta reconceptualização interessará
aos professores de artes de todas as partes do Com este fim em mente, este artigo faz
mundo. uma revisão dos recentes desenvolvimentos da
reforma da Arte/Educação. Antecipa problemas
Introdução e aspectos que Hong Kong deverá ultrapassar
na reforma do sistema educativo em curso.
Ao chegar ao ano 2000, a reforma Acredita-se que o caso aqui apresentado pode
educativa de Hong Kong influenciou muito representar uma miniatura da realidade da
a nossa sociedade. As mudanças abrangeram reforma neste momento; o resultado pode, além
todas as disciplinas. Há uma preocupação disso, ser utilizado para especular sobre as
muito grande em saber como os professores mudanças de um modo mais bem sucedido e
vão embarcar numa mudança tão sistemática do significativo.
currículo a partir de 2002. Apesar das suas
aprenderMaio de 2003
pág 99
Metodologia dos alunos com o fim de promover o auto-
desenvolvimento.
Este artigo é um comentário a um fe-
nómeno conceitualizado pela investigadora. A Reforma e o novo currículo -
O texto é escrito partindo de algumas fontes novo fundamento
empíricas. Utiliza documentos tais como os
relatórios oficiais publicados por: Education Ao chegar ao fim do último milénio,
Commission (1999, 2000), Education De- fizeram-se ouvir vozes sobre a reforma edu-
partment (1997, 1998, 2000), e Curriculum cativa, que foram ouvidas desde o topo nos
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

Development Council (1999, 2000, 2001). canais oficiais. Desde a publicação do Edu-
Outras publicações de individualidades ou cation Report No. 7, a promessa sobre a re-
organizações tais como: Hong Kong Arts novação da educação pairava no ar. Ouvimos
Development Council, Hong Kong Society as preocupações sobre o desenvolvimento
of Education in Art; também são referidas pessoal dos alunos, a necessidade de alargar as
circulares do governo para as escolas. O visões sobre a educação devido às mudanças
período em que essas publicações foram im- na sociedade e nas tecnologias da informa-
pressas vai de 1997 a 2001. Comparativamente ção (Education Department, 1997). As razões
a outras metodologias, esta revisão metodoló- para a mudança na educação reflectem um
TEMA CENTRAL

gica tem a vantagem de poder destilar dados progresso natural à medida que se avança para
de um modo muito parecido com o inquérito a modernidade; mais ainda, a sociedade aponta
naturalístico (Owens, 1982; Park, 1994). A detalhes significantes na medida em que se
investigadora situa-se dentro do fenómeno, verifica o insucesso dos jovens no mundo aca-
sistematizou as suas reflexões sobre a situação, démico e no mundo do trabalho (“Employers
assim como a informação e conhecimento comment,” 1999). A partir deste pano de
efectivo que coligiu a partir da realidade, don- fundo, o guião da reforma educativa é
de retira continuamente as suas reflexões e
Escola Superior de Educação de Portalegre

moderadamente consultado em 1999 (Edu-


inspiração de um modo natural. A reflexão e cation Commission, 1999a; 1999b) e drasti-
análise seguem o modo do “reflective practi- camente implementado em 2000 (Education
tioner” (Schon, 1987) com a finalidade de se Commission, 2000) o que levou à presente
aperfeiçoar na profissão. situação.

A credibilidade da análise é provada a A reforma ultrapassou as mudanças que


partir do fundamento que equaciona os dados inicialmente se previam só para a construção
como demonstração da situação sugerida por de currículos. Os fundamentos básicos visam
evidência crítica sobre o tópico da discus- a formação de alunos capazes de enfrentarem
são. Esta abordagem também coincide com a os desafios do mundo do futuro, capazes de se
natureza formativa da investigação qualitativa adaptarem a mudanças e desafios, capazes de
(Stake, 1994), visando a compreensão crítica e serem inovadores e criativos e de contribuirem
a melhoria (Munby, 1986; Ben-Peretz, 1986). para a qualidade da economia e da sociedade
Como o comentário é realizado por um ser (Education Commission, 2000; CDC, 2000).
humano, o local pessoal do autor torna-se no A reforma proposta tenciona saltar sobre o
esqueleto do argumento, no entanto, é cru- anterior modelo académico do sistema educa-
cial que este comentário motive a reflexão de tivo.
outras pessoas sobre as reformas educativas.
Este texto está organizado segundo A prática curricular concebida como
tópicos temáticos para sugerir uma lógica ensino, aprendizagem e avaliação também
sensível. Discutem-se observações sobre teve que mudar. O documento publicado pelo
a implementação da reforma à luz de uma Curriculum Development Council, em 2000 e
compreensão conceptual da reforma ideal. 2001, apresentou um plano holístico alinhado
São discutidos problemas relativos à reforma com a reforma. A grande diferença é que o
em curso e a conclusão refere a concepção,
por parte da autora, de uma proposta de Arte/
Educação visando promover a educação estética
aprender
pág
Maio de 2003
100
leque de matérias introduzidas no currículo O conceito-chave da pedagogia é
escolar foi agora redefinido como áreas-chave de aprender ao longo da vida : “life-wide learning”
aprendizagem: ‘key learning areas’ (KLAs). (CDC, 2001). Relacionado com a aprendizagem
É suposto os alunos desenvolverem-se interactiva com os acontecimentos do mundo
nestas oito KLAs, durante o período educati- real, aprender é entendido como o contacto
vo, onde serão desenvolvidas competências1 directo com o mundo e, portanto, de natureza
genéricas e cultivados valores, atitudes e experimental. O modelo tradicional das aulas
comportamentos (CDC, 1999, CDC, 2000), não proporciona este modo de aprender. Esta
visando o desenvolvimento pessoal completo. oportunidade de aprendizagem é vista como um

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


O novo modelo implica uma reorganização meio efectivo para desenvolver competências
curricular de conteúdos e de práticas peda- e domínios afectivos. Segundo este conceito,
gógicas. O slogan de propaganda do novo a aprendizagem activa é recomendada e para
currículo é ‘aprender a aprender’ (CDC, 2000; isso as comunidades estão a receber recursos
CDC, 2001), apontando a intenção de produzir para subsidiarem as escolas. A introdução de
aprendizes competentes que possam adquirir variados inputs e diferentes fontes a partir de
conhecimentos de um modo independente. situações reais e acontecimentos pode levar os
alunos a uma melhor compreensão, providen-
O novo currículo das artes ciando múltiplos modos de aprendizagem que se

TEMA CENTRAL
adaptam a diferentes estilos de aprendizagem
A Arte/Educação é comum às outras (Gauillaume, 2001). Vários relatos na literatura
KLAs, sendo vista como um ponto fulcral de fazem eco das vantagens de uma aprendizagem
desenvolvimento pessoal. Os conteúdos da contextual com finalidades sociais (Vygotsky,
Arte/Educação alargaram-se, incluindo agora 1978), cognitivas (Edwards & Mercer, 1987;
todas as artes como, por exemplo, a música, a Bruner, 1990), afectivas (Guillaume, 2000),
dança e o drama. As finalidades gerais da Arte/ ou seja, que contribui para a qualidade total da
Educação são: desenvolver a criatividade e aprendizagem (Henriques, 1990).

Escola Superior de Educação de Portalegre


imaginação; desenvolver competências (skills)
e processos, cultivar respostas críticas, compre- Implementaram-se, em escolas-piloto,
ender as artes nos seus contextos (CDC, 2000). os chamados ‘projectos semente’ que têm a
Estas finalidades definem áreas da estrutura da intenção de promover a prática experimental
aprendizagem artística que, no passado, eram em grande escala (CDC, 2001). Esta iniciativa
completamente deixadas à livre interpreta- assume um papel pro-activo na transição para
ção dos professores. A reforma sugere que a a reforma, recrutando peritos académicos e
aplicação do currículo integrado e de estudos apoio das comunidades para ajudar os
temáticos servirá para integrar o desenvolvi- professores envolvidos na experiência da
mento da percepção e da inteligência pessoal. reforma. Este período de transição e de
Teoricamente, estas medidas poderão eliminar experimentação da reforma poderá trazer
as desvantagens da segregação disciplinar que ideias e exemplos para a sua completa imple-
era praticada anteriormente. mentação.

Promover talentos artísticos e


criativos na sociedade

Ao nível das comunidades, promove-


se o desenvolvimento de talentos artísticos e
criativos. A implementação da Cultural He-
ritage Commission lança questões no âmbito
do desenvolvimento da prosperidade humana
e cultural (Cultural Heritage Commission,
Figura 1: As 4 metas da Arte/Educação 2001). Esta estratégia envolve particularmente
Adaptado de “Learning to learn” by Curriculum Develo- a Arte/Educação nas escolas. Assume-se que
pment Institute (2000). no futuro a qualidade da sociedade poderá ser
aprenderMaio de 2003
pág 101
melhorada se a educação fomentar o subtom académico. A sua intenção é forne-
desenvolvimento cultural. Defende-se que o cer um enquadramento para os estudantes
desenvolvimento artístico e a actividade abordarem a aprendizagem. O resultado se-
cultural poderão aumentar o nível da qualidade ria uma maior sofisticação da compreensão
de vida das pessoas. das artes. A abordagem da aprendizagem
inclina-se para a pesquisa académica
Desenvolvimento de potencialidades (Greer, 1988). Dentro da estrutura administra-
para o utilitarismo ou para o huma- tiva racional da escola, a natureza exploratória
da arte e a sua função de promoção da percep-
nismo
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

ção humana perdem gradualmente o efeito


desejado. Na realidade, a Arte/Educação trata
Os fundamentos teóricos da reforma
superficialmente o uso sensório dos materiais e
situam-se nas múltiplas inteligências (Grad-
o desenvolvimento do sentido da percepção.
ner, 2000) e na aprendizagem construtivista
(Vygotsky, 1978; Bruner, 1990). A aprendiza- Não há nada de errado com o modelo
gem é definida como uma actividade cultural. racional de pesquisa. O conteúdo da Arte/
O documento da reforma é inspira-se nas Educação relaciona-se com a noção de
finalidades definidas através do ‘desenvolvi- ‘aprender a aprender’, tendendo para o desen-
mento das potencialidades do aluno’2 cujo volvimento das potencialidades de aprender.
TEMA CENTRAL

lema é ‘aprender a aprender’ (CDC, 2000). Do Deste modo, o design e a planificação racional
ponto de vista educacional já não é válido falar são apropriados para permitirem o progresso
de memorização ou reprodução de factos. No pessoal dos alunos. Neste sentido, o modelo
entanto, para desenvolver bons aprendizes é racional de pesquisa pode ser considerado
necessário um longo e subtil processo, e apropriado. A essência do problema é que
diferentes concepções desse processo podem quando o design racional domina as escolas,
resultar. O documento da reforma enfatiza o a Arte/Educação torna-se num guião estrutu-
Escola Superior de Educação de Portalegre

produto, o bom desempenho, não prestando rado, o que constrange as potencialidades dos
muita atenção ao desenvolvimento pessoal. alunos. Os alunos deixam de ter estímulos
variados através de materiais sensórios, deixam
A aprendizagem individualizada é de ter oportunidade de experimentar, criar e
abordada no contexto da maximização do exprimir-se.
desenvolvimento, em vez de focar interesses
pessoais ou faculdades humanas. Esta situa- No passado, o currículo das artes era
ção é comum nas escolas. O melhor exemplo menos rígido e o espaço para experimentação
para ilustrar a política utilitária da educação era mais amplo. O novo currículo das artes
em Hong Kong reside na separação de alunos exige a integração de vários conteúdos e cam-
com excelentes resultados (outperformers) e pos das artes de forma holística, num espaço
alunos com resultados muito maus (unde- estruturado, baseado no modelo de desenvol-
rachievers). Isto faz com que as escolas vimento de competências (skills). Habituados
sigam standards académicos, a educação a um ensino baseado na mestria técnica, os
baseia-se no desenvolvimento da econo- professores têm sentido dificuldades em
mia, o que quer dizer formar alunos para a adaptarem-se a este enquadramento, decla-
excelência e para isso o humanismo foi rando-se incompetentes. Cursos de formação
suprimido. O paradigma da reforma reflecte técnica estão a ser oferecidos aos professores.
a abordagem tecnocrática que caracteriza a No entanto, a natureza mediadora e o discur-
sociedade. Esta mentalidade pode ser ilustrada so interactivo das artes necessitam de outros
pelo caso da Arte/Educação. formatos menos estruturados. O novo currícu-
lo não entendeu o processo da aprendizagem
Uma definição limitada da Arte/ artística, e não teve em conta a essência da
Educação experiência estética.

As quatro finalidades da aprendizagem


aprender
artística apresentam-se no currículo sob um

pág
Maio de 2003
102
Segregação das actividades artísti- professores de arte sentiram que os directores
cas das suas escolas faziam projectos à pressa só
para conseguirem obter o dinheiro e assim
Acontece que os programas das artes aumentarem o prestígio da escola. A situação
e a participação das escolas em actividades piorou porque a agência responsável pelos
artísticas vivem uma situação pouco satisfa- projectos não conseguiu estabelecer
tória. critérios educacionais válidos. O Quality
A reforma educativa encoraja a Education Fund foi criticado por subsidiar
colaboração entre escolas e comunidades. No projectos com pouca qualidade orientados para

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


entanto, muitas escolas não são chamadas a produção de actividades. Isto provocou muita
colaborar ou porque não fazem parte da frustração nos professores e eliminou muito do
reduzida lista de escolas chamadas a participar entusiasmo que se tinha sentido inicialmente no
em tais actividades ou porque essas escolas professorado. Os resultados trouxeram apenas
não estão interessadas em participar devido a mudanças superficiais e reformas triviais, ao
factores sócio-económicos. mesmo tempo que aumentou o descrédito na
competência profissional dos professores.
Esta situação reflecte a segregação de
classes característica na nossa sociedade no Devido a esta ideologia orientada

TEMA CENTRAL
que respeita a actividades artísticas. É um fe- para o mercado, as agências, normalmente,
nómeno comum o facto de os alunos de origens recusavam-se a custear programas que não
economicamente mais desfavorecidas tivessem um impacto explícito ou que não
participarem menos nas actividades artísticas, tivessem um grande número de participantes,
especialmente em actividades como espectá- mesmo que esses projectos fossem muito
culos de ballet e concertos de música clássica. bem feitos em termos de finalidades artísti-
As actividades artísticas na nossa sociedade cas ou educacionais. O programa anual das
precisam de uma maior divulgação e abertura actividades da Hong Kong Society forEduca-

Escola Superior de Educação de Portalegre


ao público. A participação em experiências tion, por exemplo, prefere trabalhar com temas
estéticas deveria ser uma prioridade para a emergentes do que apresentar espectaculares
aprendizagem artística porque isso ajudaria produtos finais. Os programas que visavam
os alunos a autodesenvolverem-se. A socie- debates críticos na formação contínua fo-
dade deveria proporcionar mais actividades ram simplesmente eliminados, porque não
artísticas abertas a todo o tipo de alu- apresentavam produtos imediatamente obser-
nos para alargar as suas perspectivas. De váveis.
outro modo, a Arte/Educação continuará a ser
uma actividade com fins economicistas. Os programas e actividades das artes
na educação floresceram com o apoio do
Education Department e do Hong Kong Arts
Competição intensa
Development Council nos últimos dois anos. No
entanto, se as agências que os subsidiam não se
A reforma educativa criou um cenário
preocuparem com a qualidade dos projectos e
competitivo que está a ter efeitos negativos nas
tiverem uma visão limitada da Arte/Educação,
escolas em termos de valores educacionais.
os recursos serão mal utilizados e a actual
Muitas escolas fizeram grandes esforços para
reforma não terá sucesso.
adquirirem recursos para actualizarem os seus
planos de reforma e, assim, terem mais prestí-
gio. Foi o que aconteceu com o concurso para Teoria e prática de ‘Aprender a
o Quality Education Fund, através do qual as Aprender’
escolas se candidatavam a ‘projectos semente’,
como escolas-piloto da reforma. Muitas vezes, Tal como foi sugerido, a base teórica
por causa da competição, o mais importante não da reforma educativa é fundamentada na
era a finalidade do projecto mas, sim, fazer literatura sobre educação. No entanto, o
parte das escolas eleitas para o subsídio. Muitos transplante e a adaptação das teorias criaram

aprenderMaio de 2003
pág 103
uma série de ramificações. As numerosas 2000).
competências (skills) genéricas podem Esta situação é compreensível, os
transformar-se em metas rígidas e a abundân- professores pensam que, face à reforma, não
cia de áreas-chave de aprendizagem, segundo possuem os saberes artísticos completos,
um formato aberto e integrado, pode motivar acham que não possuem competências técnicas
o desinteresse dos alunos. A primeira grande necessárias; os professores estão mais pre-
questão é a forma como os professores podem ocupados com o know-how do que com a
traduzir o novo conceito de educação dentro do actualização das suas filosofias educacionais.
novo paradigma, sem serem influenciados pela Infelizmente eles não se preocupam muito com
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

ideologia tradicional da cultura escolar. São os fundamentos teóricos da reforma. De facto,


dois paradigmas diferentes que não podem ser a inclusão das quatro grandes áreas nas artes,
misturados. segundo o modelo de integração de conteúdos,
exige uma grande preparação por parte dos
Observei várias vezes este problema. professores, mas as iniciativas da reforma não
Algumas escolas que tentavam fazer currículos podem ter sucesso apenas pela mera absorção
integrados eram incapazes de integrarem os de competências e técnicas específicas nos
conteúdos curriculares para benefício dos planos de aulas.
alunos. Por exemplo, com o tema de trabalho
TEMA CENTRAL

‘consciência ambiental’, um professor de artes Se o governo assumir a prática da


só conseguiu ensinar aos alunos como dese- reforma educativa, muito terá de ser feito ao
nhar paisagens e usou critérios específicos de nível da formação de professores, caso
avaliação (tais como capacidades técnicas de contrário, a estrutura da reforma pode facilmente
desenho) na avaliação. As competências ser quebrada e os alunos não tirarão nenhum
genéricas foram intencionalmente medidas, benefício.
mas não foram adequadamente nas metas de
aprendizagem. Este exemplo ilustra o fos- Conclusão
Escola Superior de Educação de Portalegre

so entre teoria e prática e precisava de ser


considerado pelos reformadores. Os
Reconceptualizar a Arte/Educação - Desenvol-
professores trabalham segundo a tradição,
ver os sentidos e a percepção humana
talvez devido à sua limitação de ideias sobre
a educação ou devido à rotina, e isso pode Esta revisão do que está a acontecer nas
ser confrangedor (Calderhead, 1984; Lyons fases iniciais da implementação da reforma
& Freitag, 1993). Muito mais esforço seria implica a atenção e o esforço do governo para
preciso para que as mudanças resultassem, o melhorar o sistema, a partir da compreensão
que incluiria melhorar a qualidade profissional do que se passa na realidade das escolas, da
do professorado. De outro modo, os professo- tomada de decisões e estratégias segundo as
res acabarão por “coser o novo enquadramento ramificações negativas da implementação em
nas velhas concepções” sobre o ensino (Cohen, curso.
1991) o que não é nada bom para os alunos e,
com o tempo, acaba por degradar a profissão. Baseada na situação da reforma educativa
de Hong Kong, será discutida a proposta que se
Vistas curtas na formação de segue para a Arte/Educação.
professores
O desenvolvimento de competências é
Ao mesmo tempo que se promovia o insuficiente e inadequado segundo uma
novo currículo, fazia-se um esforço na formação ideologia utilitária da educação. É também
de professores, mas a maior parte dos progra- insuficiente e inadequado para a Arte/
mas de formação incidia sobre o desenvolvi- Educação. A importância da Arte/Educação,
mento de técnicas específicas. Um inquérito tal como foi expresso em tempos idos no oci-
recente sobre a necessidade de formação de dente e no oriente, reside no seu carácter de
professores sugeriu que a prioridade estava no refinamento moral (Kern, 1985). Recentemente,
desenvolvimento de competências (HKSEA,

aprender
pág
Maio de 2003
104
racional de pesquisa dominaram o pensamen- para propósitos não estéticos. Ela ajuda a
to dos Arte Educadores e dos construtores de percepção e a experiência das coisas de
currículos. Nos anos 90, o modelo baseado em um modo independente e tem o seu valor
disciplinas (DBAE) influenciou rapidamente intrínseco. Também, nos dá aptidões para
Hong Kong, tal como se pode observar nas formarmos criativamente a realidade de
revisões efectuadas (CDC, 1995; 1997). O possibilidades imagináveis (in Kahrmann &
currículo presente tentou alargar os conteúdos Karolak, 1998).
e perspectivas da arte, mas não pode efectuar O nosso mundo quotidiano, no presente,
ainda a mudança na prática pedagógica. está caracterizado pela informação excessiva,

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Por muito tempo, na história da Arte/ a nossa cultura vive sob o signo do utilitaris-
Educação, o fundamento baseou-se nas mo e a vida das pessoas é baseada no mate-
linguagens artísticas e nos conhecimentos rialismo. Nesta sociedade, as pessoas tomam
disciplinares (Spratt, 1987). Os educadores decisões apressadas para conseguir recompen-
de arte utilizaram teorias tiradas da literatura sas imediatas (Lam, no prelo). A sensibilidade,
sobre psicologia (Piaget, 1953), filosofia (Rous- sentimentos profundos, reflexão e avaliação não
seau, 1911), linguística (Langer, 1953), cognição são muito úteis nem comuns no nosso modo
(Eisner, 1997), inteligências (Gradner, 1989), de viver. A partir desta mentalidade foi criado
cultura (Gotshalk, 1947) e comunicação (Theall, um género de educação vocacionada para a

TEMA CENTRAL
1973) para provar que as artes podem contribuir produção. Muitos educadores artísticos têm
para os campos cognitivo e moral. Todas essas referido com acutilância este problema e
teorias ajudaram as artes a ganhar um lugar de recomendado a necessidade da educação
maior destaque no currículo. A consequência estética para remediar a situação (Kahrmann
foi o aparecimento mais sistemático da arte nas & Karolak, 1998). Ross (1993) relatou com
escolas e, dum modo geral, no mundo inteiro. clareza a prática do ensino das artes.
A Arte/Educação surgiu mais estruturada e or-
ganizada nos currículos. …O aluno escolhe na sua experiência

Escola Superior de Educação de Portalegre


a resposta que melhor se adequa à função da
O esforço para definir as orientações e pergunta que lhe foi feita. Quando as
conteúdos do currículo da Arte/Educação foi perguntas servem para seleccionar e orde-
positivo a nível operacional. Ajudou a focar nar a experiência particular para aquele que
e orientar os conteúdos dos estudos e a forma responde, talvez seja pouco dizer que quan-
de avaliação. It guides the focus and content to mais aberto e activo for o conhecimento
of study, of which student learning can be estético mais ele se evade dos critérios
assessed. No entanto, isso pode ser nefasto tradicionais de avaliação, podendo até ser
se contarmos apenas com um enquadramento considerado impossível de ser julgado, inava-
racional, quando o currículo é definido de liável (pp. 58).
modo limitado, ou quando a atenção dos pro-
fessores se volta para questões administrativas As artes existem em diferentes
deixando de lado os valores educacionais, tal contextos e têm diferentes funções. A
como foi acima demonstrado. Um currículo abstracção do conhecimento da arte pode ser
rígido não fornece aos alunos oportunidades inapropriada para definir a finalidade ou a
de viverem experiências estéticas, oportuni- função de qualquer tipo de actividade
dades que implicam espaço e liberdade para o relacionada com a arte. A arte pode ser pra-
impulso da criação (Dewey, 1926). A zer, lazer, material de estudo profundo, um
preocupação com o desenvolvimento estéti- modo de percepção, etc. Nas artes, o processo
co na experiência quotidiana é hoje em dia estético (Dewey, 1958) deveria ser valori-
reiterada, devido aos excessos do mundo zado como um meio essencial para ajudar o
materialista. Klafki (1992) salientou a desenvolvimento pessoal dos jovens e a sua
importância da educação estética referindo o auto-realização. Este processo de realização
valor intrínseco da arte. tem sido elaborado através do desenvolvimento
A educação estética não é um meio cultural e espiritual tal como foi sugerido por
para atingir um fim, também não é um veículo Wicks e outros (Wicks, Parsons, & Capps,

aprenderMaio de 2003
pág 105
1993), a partir da perspectiva psicológica são a chave do desenvolvimento pessoal, eles
sobre o domínio afectivo ou pessoal. Este deveriam ser revisitados na reforma em curso
tipo de educação estética não funciona só nas para complementar a orientação produtivista da
dimensões pessoal e social, acredita-se que tem educação na nossa sociedade,
também um efeito sobre as actividades sociais e
económicas (Kahrmann & Karolak, 1998). Pode Estas explicações servem de esqueleto
enriquecer a vida das pessoas. para a minha proposta de Arte/Educação. As
tradições da arte podem ser o conteúdo do
Estas ideias encontram-se na literatura currículo das artes sem desacordos, no entanto,
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

clássica. Herbert Read (1956) lutou durante é essencial que se incluam muitas variedades
a sua vida pela noção de “education through e possíveis recursos. A natureza é o maior
art”. Ele equacionou uma assunção válida e recurso para motivar e enriquecer a criação
precisa sobre a aprendizagem da arte como artística. Ao planificar um currículo ou um
contribuição para o estilo de vida. Piaget (1953) projecto artístico, é importante que os
valorizou a criatividade das crianças através professores possam levar os alunos para um
dos jogos como desenvolvimento cognitivo. ambiente aberto à exploração, no entanto,
John Dewey (1956) trouxe a visão mágica da deverão ser desenvolvidas linhas orienta-
“experiência artística” como contemplação, doras e focalizantes para guiar e orientar as
conjuntura onde as pessoas ganham uma
TEMA CENTRAL

experiências dos alunos. Deveriam ser iden-


experiência individual intensa. Sem estar tificadas fases do processo de aprendiza-
necessariamente relacionada com a arte, a gem. Essas fases poderiam incluir um está-
avaliação do valor desta experiência estética gio exploratório para encorajar a percepção
foi examinada por Schon (1983) para construir interna e externa, um estágio de desenvolvi-
o seu tipo ideal de “reflective practitioner”, mento e um estágio de reflexão para repensar as
que consiste em reflectir sobre as acções para experiências. A natureza mediadora do processo
aperfeiçoar a prática. Dentro de uma estético deveria ser mantida para permitir aos
Escola Superior de Educação de Portalegre

micro-perspectiva, Osbourn (1988), a partir do alunos energia criativa vinda das suas experi-
seu estudo sobre respostas estéticas visuais, ências, sentimentos e emoções. Os professores
concluiu que existe uma espécie de “satisfa- deveriam participar nas reflexões dos alunos
ção derivada das actividades de investigação” sobre os seu próprio trabalho e partilhar
(p.125). O seu trabalho fundamentou Ross experiências criativas; a melhor maneira é
(1991) quando elaborou a sua justificação trabalhar com eles de igual para igual.
para a aprendizagem artística através da
interactividade da mente humana. Os três Estas considerações sobre a educa-
princípios da arte de Kafka (1992) aplicam as ção estética podem ajudar os professores a
ideias sobre experiência estética proposta por revitalizar o novo currículo das artes pro-
estes autores. Ele enfatiza o lazer, a percepção posto pelo CDC. Como o utilitarismo e
diferenciada, a auto-organização das acções e a racionalidade dominam a sociedade e a
desenvolve a pedagogia de mediação ou con- educação, é extremamente importante que
templação, o que contrasta fortemente com os os professores repensem os valores da Arte/
conteúdos dos currículos das artes usados hoje Educação e revejam o foco da educação do
em dia. novo currículo, segundo finalidades estéticas. As
expectativas para a geração futura são de
Estas abordagens à aprendizagem massas criativas. No entanto, a realização
artística são relevantes para muitas visões da de tais planos depende da maneira como os
pedagogia, tais como a aprendizagem expe- professores consigam fazer mudanças no
riencial (Dewey, 1911), desenvolvimento cenário presente.
individual do aluno (Su, 1995), experiência
pessoal e liberdade para aprender (Rogers,
1983), adaptação do processo de aprendiza-
gem, desenvolvimento inato e cultivo dos cinco
sentidos (Montessori, 1995). Estes elementos

aprender
pág
Maio de 2003
106
Notas mission Report No. 7: Quality School Education.
The author.
1
Nota da tradutora: adoptou-se o termo ‘competências’ Education Department (E. D). (Education Department)
para a tradução de ‘skills’ embora se possam considerar (2000) Transforming schools into dynamic and
outras possíveis traduções tais como ferramentas, habili- accountable professional learning communities:
dades ou perícias. school based management consultation document.
2
Nota da tradutora: Para ‘Student ability development’, Hong Kong Government.
foi utilizado o termo ‘potencialidade’, preferível a com-
Education Department (E. D.). (1998) Quality education
petências, termo de longe mais usado em artigos sobre
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educação porque ‘competência’ não abarca totalmente o
Department.
sentido de ‘ability’.

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


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aprender
pág
Maio de 2003
108
Neste número destacamos...

O Ensino da Arte no Brasil nos


inícios do século XXI

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


Ana Mae
Professora Doutora da Universidade
de S. Paulo-Brasil
Conselheira Mundial da InSEA

No Brasil, a aprendizagem da Arte é necessidade são suficientes para garantir a


obrigatória pela Lei de Diretrizes e Bases da existência da Arte no currículo. Leis tão
Educação Nacional no ensino fundamental (da pouco garantem um Ensino/Aprendizagem
educação infantil ou Jardim da Infância à 8a que torne os estudantes aptos para entender a
série) e no ensino médio. Contudo, algumas Arte ou a imagem na condição pós-moderna

TEMA CENTRAL
escolas estão incluindo a Arte apenas numa contemporânea.
das séries de cada um desses níveis porque Somente a ação inteligente e empática do
a LDBEN não explicitou que seu ensino é professor pode tornar a Arte ingrediente
obrigatório em todas as séries. essencial para favorecer o crescimento
No caso do Ensino Médio, algumas individual e o comportamento de cidadão como
Secretarias de Educação estão usando o fruidor de cultura e conhecedor da construção
subterfúgio da interdisciplinaridade e incluem de sua própria nação.

Escola Superior de Educação de Portalegre


todas as Artes na Literatura com um único Portanto, os poderes públicos, além de
professor - o de língua e literatura. É uma reservarem um lugar para a Arte no currículo
forma de eliminar as outras linguagens de Arte e se preocuparem em como a arte é ensinada,
fazendo prevalecer o espírito educacional precisam propiciar meios para que os professo-
hierárquico da importância suprema da res desenvolvam a capacidade de compreender,
linguagem verbal e conseqüente desprezo pela conceber e fruir Arte. Sem a experiência do
linguagem visual. prazer da Arte, por parte de professores e
Daí a necessidade de esclarecimento, alunos, nenhuma teoria de Arte/Educação será
e até mesmo campanha, em favor da Arte na reconstrutora.
Escola, muito embora os Parâmetros Cur- Em minha experiência, tenho visto que
riculares Nacionais tenham reconhecido as artes visuais ainda estão sendo ensinadas
seu lugar de destaque no currículo, ao dar à como desenho geométrico, seguindo a tradi-
Arte a mesma importância que deu às outras ção positivista, ou continuam a ser utilizadas
disciplinas. principalmente na comemoração de festas, na
Entretanto, os PCN estão resultando produção de presentes muitas vezes estereo-
muito pouco. Nunca fui defensora de currícu- tipados para os dias das mães ou dos pais. A
los nacionais. O Canadá resistiu à globaliza- chamada livre-expressão, praticada por um
ção neoliberal que os ditou, nunca produziu professor realmente expressionista, ainda é
currículo nacional e tem hoje um sistema de uma alternativa melhor que as anteriores, mas
educação que é um dos mais eficientes do sabemos que o espontaneísmo apenas não
mundo. Nem mesmo na Inglaterra, que deu basta, pois o mundo de hoje e a Arte de hoje
origem a essa síndrome internacional por ho- exigem um leitor informado e um produtor
mogeneização do sistema escolar na época de consciente. A falta de uma preparação de
Margaret Thatcher, o currículo nacional deu pessoal para entender Arte antes de ensiná-la
bons resultados em termos de qualidade. é um problema crucial, nos levando muitas
No Brasil, como vemos, nem a mera vezes a confundir improvisação com cria-
obrigatoriedade nem o reconhecimento de tividade. Embora já exista boa produção
aprenderMaio de 2003
pág 109
teórica e um grande número de pesquisas professores estão se familiarizando e deveriam
nas Universidades (mais de 200 teses), é estar analisando, criticando, interpretando
necessário ampliar o número de cursos de selecionando o que é relevante para sua
pós- graduação com linhas específicas em cultura, seu meio, sua ideologia, assim como
Arte/Educação. para as crianças com quem convivem. Em vez
Hoje, existem apenas dois: o da disso, receberam um outro pacote dos PCNs
Universidade de São Paulo, ligado ao mastigados que tem o título de Parâmetros em
Programa de Artes Plásticas, e o da Universida- Ação que determina as imagens a serem lidas e
de Federal do Rio Grande do Sul no Programa até quanto tempo deve-se discutir cada uma. A
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

de Educação. Outras três linhas de pesquisa escolha das imagens aprofunda a contradição in-
em ensino da Arte estão se organizando na terna dos PCNs, que recomendam a pluralidade,
Universidade de Goiânia, na Universidade mas são um instrumento de homogeneização.
Federal de Minas Gerais e na Universidade No caso da escolha das imagens, os PCNs
Federal de Santa Maria. Mesmo assim, são em Ação começam receitando a Santa Ceia
quantitativamente insuficientes para atender de Leonardo da Vinci num país com enorme
a demanda das 98 licenciaturas no país. Por diversidade religiosa. Onde está o respeito ao
outro lado, falta estímulo para que os pluralismo? Esqueceram do enorme avanço da
professores de sala de aula busquem cursos Igreja Evangélica no Brasil, entre as camadas
TEMA CENTRAL

de aperfeiçoamento e de especialização mais populares que freqüentam a Escola Pública?


aprofundados que os cursos de curta duração E a religião africana tão difundida entre nós,
que quase sempre apenas treinam para receitas brasileiros de todas as cores e de todas as
de ensinar e agora apenas treinam para usar os classes sociais?
PCNs. Para determinar os temas a serem
A falta de um aprofundamento dos discutidos, aproveitei dois cursos para
professores de ensino fundamental e médio professores de Arte que ministrei, um em
pode retardar a Nova Arte/Educação em sua Minas (PUC-PREPES) e outro em São Paulo
Escola Superior de Educação de Portalegre

missão de favorecer o conhecimento nas e (NACE-NUPAE- USP) e inquiri os profes-


sobre Artes Visuais, organizado de forma a sores. As perguntas foram formuladas nas
relacionar produção artística com análise, seguintes direções:
informação histórica e contextualização. Como as mudanças no ensino/aprendi-
Nas Artes Visuais, estar apto a produzir uma zagem da Arte estão sendo percebidas por eles,
imagem e ser capaz de ler uma imagem e seu professores, como agentes dessa mudança? Que
contexto são duas habilidades inter-relaciona- mudanças são essas? Quais os aspectos dessa
das, o desenvolvimento de uma ajudando no mudança que são mais problemáticos, pouco
desenvolvimento da outra (Analice D. Pillar e entendíveis e mais difíceis de implementar ?
Denise Vieira, 1990). As respostas deles/as determinou mi-
Esta integração corresponde à episte- nhas prioridades e os temas dos programas que
mologia da Arte, aos modos como se aprende foram ao ar em Abril de 2000 com enorme
Arte. sucesso.
A trajetória conceitual das relações A minha pesquisa revelou não só em
entre o fazer e o ver, fundando novas me- que sentido mudou a Arte/Educação, mas
todologias e práticas da Arte na Escola, principalmente como as mudanças estão sendo
emergirá dos textos aqui apresentados. percebidas pelos professores.
Em 1999, fui convidada como consultora
de 5 programas de TV sobre Arte/Educação. Mudanças no Ensino da Arte
A mim coube escolher os temas e os
professores convidados. 1. Maior compromisso com a cultura e
Propus que a série abordasse os com a história.
problemas que caracterizam as grandes Até aos inícios dos anos 80, o compro
mudanças no ensino da Arte nos últimos vinte
anos, que em sua maioria foram mencionadas
nos Parâmetros Curriculares, com os quais os

aprender
pág
Maio de 2003
110
misso da Arte na Escola era apenas com o criatividade através do fazer Arte, mas tam-
desenvolvimento da expressão pessoal do aluno. bém através das leituras e interpretações das
Hoje, à livre-expressão, a Arte /Educação acres- obras de Arte. Para o Modernismo, dos fatores
centa a livre-interpretação da obra de Arte como envolvidos na criatividade, o de máximo va-
objetivo do ensino. O slogan modernista de que lor era a originalidade. Hoje, a elaboração e a
todos somos artistas era utópico e foi substituído flexibilidade são extremamente valorizadas.
pela idéia de que todos podemos compreender Desconstruir para reconstruir, selecionar, ree-
e usufruir da Arte. laborar, partir do conhecido e modificá-lo de
2. Ênfase na inter-relação entre o fazer, acordo com o contexto e a necessidade são

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


a leitura da obra de Arte (apreciação interpre- processos criadores, desenvolvidos pelo fazer
tativa) e a contextualização histórica, social, e ver Arte, fundamentais para a sobrevivência
antropológica e/ou estética da obra. no mundo cotidiano.
Para isto se baseiam os arte educado- 5. A necessidade de Alfabetização
res na construção do conhecimento em Arte, Visual vem confirmando a importância do
que se dá segundo pesquisadores (Elliot papel da Arte na Escola. A leitura do discurso
Eisner, 99Brent Wilson, 99) na interseção da visual, que não se resume só a uma análise de
experimentação, decodificação e informação. forma, cor, linha, volume, equilíbrio, movi-
Só um saber consciente e informado mento, ritmo, mas principalmente é centrada na

TEMA CENTRAL
torna possível a aprendizagem em arte. significação que estes atributos em diferentes
3. Não mais se pretende desenvolver contextos conferem à imagem, é um imperativo
apenas uma vaga sensibilidade nos alunos da contemporâneidade. Os modos de recepção
através da Arte, mas também se aspira influir da obra de Arte e da imagem ao ampliarem o sig-
positivamente no desenvolvimento cultural dos nificado da própria obra a ela se incorporam.
estudantes através do ensino/aprendizagem da Não se trata mais de perguntar o que o
Arte. Não podemos entender a Cultura de um artista quis dizer em uma obra, mas o que a
país sem conhecer sua Arte. A Arte, como uma obra nos diz, aqui e agora, em nosso contexto,

Escola Superior de Educação de Portalegre


linguagem aguçadora dos sentidos, transmite e o que disse em outros contextos históricos a
significados que não podem ser transmitidos outros leitores.
através de nenhum outro tipo de linguagem, Em nossa vida diária, estamos rodeados
tais como a discursiva e a científica. Dentre por imagens veiculadas pelos media, vendendo
as artes, as visuais, tendo a imagem como produtos, idéias, conceitos, comportamentos,
matéria-prima, tornam possível a visualiza- slogans políticos, etc. Como resultado de nossa
ção de quem somos, onde estamos e como incapacidade de ler essas imagens, nós aprende-
sentimos. mos por meio delas inconscientemente.
Relembrando Fanon, eu diria que a arte A leitura das imagens fixas e móveis da
capacita um homem ou uma mulher a não publicidade e da Arte na Escola nos exercita
ser um estranho em seu meio ambiente nem a consciência acerca daquilo que aprendemos
estrangeiro no seu próprio país. Ela supera através da imagem. Por outro lado, na Esco-
o estado de despersonalização, inserindo o la, a leitura da obra de Arte prepara o grande
indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando público para a recepção da Arte e, nesse sentido,
e ampliando seus lugares no mundo. Arte/ Educação é também mediação entre Arte
A Arte na Educação, como expressão e público.
pessoal e como cultura, é um importante Te s t e m u n h a m o s h o j e u m a f o r t e
instrumento para a identificação cultural e o tendência para associar o Ensino da Arte à
desenvolvimento individual. Através da Cultura Visual.
Arte, é possível desenvolver a percepção e a 6. O compromisso com a diversidade
imaginação, apreender a realidade do meio cultural é enfatizado pela Arte/Educação
ambiente, desenvolver a capacidade crítica, pós-moderna. Não mais somente os códigos
permitindo analisar a realidade percebida e europeus e norte americanos brancos; porém,
desenvolver a criatividade de maneira a mudar mais atenção à diversidade de códigos em
a realidade que foi analisada. função de raças, etnias, gênero, classe social,
4. O conceito de criatividade também etc.
se ampliou. Pretende-se não só desenvolver a
aprenderMaio de 2003
pág 111
Para definir diversidade cultural, e pela produção do povo e que estabelecem um
nós temos que navegar através de uma relacionamento entre a Cultura da Escola e a
complexa rede de termos. Alguns falam Cultura da Comunidade, por mais pobre que
sobre multiculturalismo, outros sobre plu- seja a Comunidade.
riculturalidade (PCN), e temos ainda o Arte/Educação baseada na Comunida-
termo a meu ver mais apropriado- de é uma tendência contemporânea que tem
-Interculturalidade. Enquanto os termos “Mul- apresentado resultados muito positivos em
ticultural” e “Pluricultural” significam a projetos de educação para a reconstrução
coexistência e mútuo entendimento de dife- social, quando não isolam a cultura local mas a
Educação Artística: Traçados Contemporâneos

rentes culturas na mesma sociedade, o termo discutem em relação com outras culturas.
“Intercultural” significa a interação entre as 7. Outro aspecto importante da Arte na
diferentes culturas. Isto deveria ser o objetivo Escola em nossos dias é o fato de reconhecer que
da Arte/Educação interessada no desenvolvi- o conhecimento da imagem é de fundamental
mento cultural. Para alcançar tal objetivo, é importância não só para o desenvolvimento da
necessário que a Escola forneça um conheci- subjetividade mas também para o desenvolvi-
mento sobre a cultura local, a cultura de vários mento profissional.
grupos que caracterizam a nação e a cultura de Um grande número de trabalhos e
outras nações. profissões estão direta ou indiretamente
TEMA CENTRAL

No que diz respeito à cultura local, relacionados à arte comercial e propaganda,


pode-se constatar que quase sempre apenas out-doors, cinema, vídeo, à publicação de
o nível erudito dessa cultura é admitido na livros e revistas, à produção de capas de
escola (Tarsila, Portinari etc.). As culturas de discos, fitas e Cds, cenários para a televisão, e
classes sociais economicamente desfavore- todos esses campos do “design” para a moda
cidas continuam a ser ignoradas pelas insti- e indústria têxtil, “design” gráfico, decoração
tuições educacionais, mesmo pelas que estão etc. Não posso conceber um bom “designer”
envolvidas na educação destas classes. Nós gráfico que não possua algumas informações de
Escola Superior de Educação de Portalegre

aprendemos com Paulo Freire a rejeitar a História da Arte. Não só “designers” gráfi-
segregação cultural na educação. As déca- cos mas muitos outros profissionais similares
das de luta para que os oprimidos possam se poderiam ser mais eficientes se conhecessem,
libertar da ignorância sobre eles próprios nos fizessem arte e tivessem desenvolvido sua ca-
ensinaram que uma educação libertária terá pacidade analítica através da interpretação dos
sucesso só quando os participantes no trabalhos artísticos em seu contexto histórico.
processo educacional forem capazes de Tomei conhecimento de uma pesquisa
identificar seu ego cultural e se orgulharem que constatou que os camera men da televisão
dele. Isto não significa a defesa de guetos cul- são mais eficientes quando têm algum contato
turais ou negar às classes populares o acesso à sistemático com apreciação da arte.
cultura erudita. Todas as classes têm o direi- O conhecimento crítico de como os
to de acesso aos códigos da cultura erudita conceitos formais, visuais, sociais e históricos
porque esses são os códigos dominantes - os aparecem na arte, como eles têm sido perce-
códigos do poder. É necessário conhecê-los, bidos, redefinidos, redesignados, distorcidos,
ser versado neles, mas tais códigos continua- descartados, reapropriados, reformulados,
rão como um conhecimento exterior a não ser justificados e criticados em seus processos
que o indivíduo tenha dominado as referências construtivos ilumina a prática da arte, mesmo
culturais da sua própria classe social, a porta quando essa prática é meramente comercial.
de entrada para a assimilação do “outro”. A Aqueles que defendem a arte na esco-
mobilidade social depende da inter-relação la meramente para liberar a emoção devem
entre os códigos culturais das diferentes lembrar que podemos aprender muito pouco
classes sociais e o entendimento do mundo sobre nossas emoções se não formos capazes
depende de uma ampla visão que integre o de refletir sobre elas. Na educação, o subjetivo,
erudito e o popular. a vida interior e a vida emocional devem
Grande ênfase vem sendo dada aos
projetos de Arte / Educação que demonstram o
mesmo valor apreciativo pela produção erudita
aprender
pág
Maio de 2003
112
progredir, mas não ao acaso. Se a Arte não é
tratada como um conhecimento, mas somente FERRAZ, M. Heloisa e FUSARI, M.F. Metodologia do
Ensino da Arte. São Paulo:Cortez, 1993.
como um “grito da alma”, não estamos ofere-
cendo uma educação nem no sentido cogni- FRANGE, Lucimar Bello. Por que se esconde a viole-
tivo, nem no sentido emocional. Por ambas a ta? Isto não é uma concepção de desenho, nem
Escola deve se responsabilizar. pós-moderna, nem tautológica. São Paulo, Anna-
Blume/Uberlândia, EDUFU, 1995.
Mas é responsabilidade excessiva sobre
os ombros dos professores; eles precisam ter seu FREEDMAN, Kerry e HERNANDÉZ, Fernando. Cur-
ego cultural reforçado e melhores salários. riculum, culture and Art Education. NY: State

Educação Artística: Traçados Contemporâneos


No sentido de contribuir para um University of New York Press,1998.
diálogo participante que ajude a refletir e po-
MACHADO, Regina. A formiga Aurélia e outros jeitos
tencializar as ações, escolhi para os debates de ver o mundo. São Paulo: Companhia das Le-
os conteúdos que foram considerados pelos trinhas, 1998.
professores que entrevistei como os mais
importantes e que necessitam urgentemente de NEPERUD, Ronald. Context,content and community in Art
Education: beyond postmodernism. NY, Teachers
esclarecimentos para assegurar as mudanças
College Press, 1997.
e transformações do ensino da Arte que têm
como um grande guarda-chuva o binômio: Arte PILLAR, Analice Dutra (org.). A educação do olhar no

TEMA CENTRAL
como subjetividade e Arte como cultura na sala ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 1999.
de aula.
PILLAR, Analice Dutra. Desenho e construção de
conhecimento na criança. Porto Alegre: Artes
Médicas,1996.

PILLAR, Analice Dutra; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a


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Escola Superior de Educação de Portalegre


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aprenderMaio de 2003
pág 113
Quinta de Educação e Ambiente -
Um projecto de Requalificação do

Isabel Pereira
I.C.E. - Coordenadora do Projecto das
Escolas Rurais do Alentejo Litoral
Experiência de Formação e Inovação

Criada a partir do Projecto das Escolas mental, a casa da amassaria e o forno do pão,
Rurais – Núcleo do Concelho de Santiago do os estábulos dos animais, a horta de cheiros e
Cacém –, a Quinta de Educação e Ambiente é sabores, o Centro de Interpretação e a adega.
uma proposta de desenvolvimento integrado Ainda pora o território da Reserva Natural
viabilizada pela parceria construída entre o estão previstos uma casa do artesão/núcleo mu-
Instituto das Comunidades Educativas, o seológico e o Centro de Anilhagem de aves.
Instituto da Conservação da Natureza, a
Câmara Municipal de Santiago do Cacém e a
Junta de Freguesia de Santo André.

O território educativo, a que se deu


Escola Superior de Educação de Portalegre

corpo através deste projecto, engloba as


comunidades da Costa de Santo André, Brescos,
Aldeia de Santo André, S. Francisco da Serra,
Santa Cruz, Roncão, Cruz de João Mendes e A concepção deste projecto teve por
S.Bartolomeu da Serra. base alguns pressupostos em que se aposta no
domínio do desenvolvimento local, entre
O centro aglutinador das actividades outros, o do desenvolvimento do mundo rural
situa-se na Reserva Natural das Lagoas de em crise.
Santo André e da Sancha, devido não só à Em primeiro lugar, crê-se que a crise
grande variedade de recursos e potencialidades do mundo rural é uma crise estrutural que
que oferece, mas também às problemáticas que passa, nomeadamente, pela reduzida com-
lhe são inerentes. petitividade, no mercado dominante e em
Detentora de praias, ilhotas arenosas, expansão, dos seus bens culturais, sociais e
margens vasosas, ribeiras, caniçais, pântanos económicos. Não é possível levá-lo a compe-
e riachos, constitui um espaço privilegiado de tir com os mesmos bens do mercado que lhe
nidificação de muitas dezenas de espécies de trouxe a crise, mas pela promoção/produção
aves selvagens e o habitat para uma variedade de novos bens dotados de novas competiti-
muito vasta de espécies de plantas protegidas vidades (nomeadamente pelos seus traços de
por leis nacionais e internacionais. especificidade/raridade). É esse o caso das
É aqui que está sedeado o “Monte manchas de património natural, que se
do Paio” que, tal como o nome indica, é um oferecem como espaços de lazer e de
monte alentejano, recuperado para o desenvol- conhecimento, sem equivalente no mercado
vimento do projecto e onde se encontram as urbano e industrial. A Quinta de Educação e
principais infra-estruturas de apoio, Ambiente oferece-se precisamente como um
nomeadamente: o Centro de Acolhimento para desses produtos, únicos pela especificidade que
alojamento dos visitantes, o Centro Experi- podem proporcionar.

aprender
pág
Maio de 2003
114
Em segundo lugar, considera-se que a entrecruzam num dado espaço social. Nas-
superação da crise do mundo rural implica cido da convergência de quatro instituições,
necessariamente a recriação das relações dos o projecto tem como objectivo estratégico
seus habitantes com o seu presente e, mais implicar/entusiasmar os vários actores sociais
precisamente, a requalificação/valorização das abrangidos por este território e, em primeiro
representações que têm de si mesmos e dos seus lugar, os que de alguma forma dependem das
contextos. suas riquezas – residentes, pescadores, agricul-
O complexo industrial de Sines veio tores, artesãos, etc.
alterar a vida destas gentes. E, se é verdade
que veio trazer alguns postos de trabalho Assim, tendo por base estes pressu-
para os mais novos, consigo também trouxe a postos, a Quinta de Educação e Ambiente
alteração de hábitos. A cultura rural foi surge-nos com duas grandes finalidades:

Experiência de Formação e Inovação


fortemente abalada e a população apresenta uma por um lado, fazer da Reserva um território
grande descrença no futuro. educativo (promovê-la enquanto fonte de
A superação da crise pressupõe que as conhecimento e património potencialmente
novas competitividades intervenham (tam- qualificador) e, por outro, contribuir para
bém) como processos sociais de produção de a contextualização das aprendizagens e da
auto-estima e de identidade. Daí que sob a escola. Constitui-se como um território in-
designação de Quinta de Educação e Ambien- tegrador de conhecimentos advindos dos
te se entenda, de facto, a noção de território ensinos formal, informal e da própria vida,
vivido e produzido por quem o habita. Não se conciliando as componentes até aqui um pouco
trata de uma Quinta Pedagógica à semelhança desencontradas: o desenvolvimento, a identi-
de muitas que vêm sendo criadas; não se defi- dade cultural e o conhecimento do ambiente
ne apenas pelos produtos que “vende”; é um físico e natural com toda a riqueza a ele
espaço social em (re)construção que implica inerente.
(também) a (re)descoberta e um reconheci- Neste sentido, são objectivos específicos

Escola Superior de Educação de Portalegre


mento quer da riqueza patrimonial da Reserva deste projecto:
Natural quer dos saberes e práticas culturais dos
seus habitantes. Propõe-se funcionar como um 1. Dinamizar social e culturalmente a
espaço de lazer e de conhecimento, implicando, Reserva, levando os seus habitantes a:
nas dinâmicas, as pessoas que a habitam, com · Identificar-se com a importância da sua
potenciação e divulgação dos seus saberes. defesa e promoção;
A animação da Quinta tende a “recair”sobre · Potenciar os seus saberes e compe-
as crianças das Escolas Rurais e sobre os tências pela criação de novas actividades
habitantes das comunidades implicadas. e/ou requalificação das existentes (pesca,
Em terceiro lugar, pressupõe-se que agricultura, artesanato…);
cabe à acção educativa, em geral, e à acção da · Intervir como” formadores” de quem
escola, em particular, um papel importante no visita a Reserva (crianças, jovens, curiosos...).
conhecimento, afirmação, promoção e visibili-
dade dos valores e do valor que se escondem 2. Potenciar a Reserva enquanto fonte de
na realidade em que se inserem ou na qual conhecimento
intervêm. Naturalmente, esta perspectiva · Estimulando o interesse pelas
pressupõe que a Reserva – o seu património, as aprendizagens num contexto integrado e integra-
culturas das suas gentes, os seus segredos – surja dor das crianças da região e de crianças oriundas
como um traço de especificidade contextual que de outros pontos do país;
defina e dê sentido aos processos de aprendiza- · Criando núcleos de investigação
gem como ao projecto educativo no seu todo. (observatório, centro de interpretação, centro
Em quarto lugar, pressupõe a ideia de que experimental, centro de documentação).
a superação da crise tem necessariamente por
esteio a solidariedade a construir e a encon- 3. Qualificar a Reserva investindo na
trar entre os diversos parceiros e interesses, recuperação/criação de bens patrimoniais
ainda que eventualmente em conflito, que se

aprenderMaio de 2003
pág 115
passíveis de reflectir a memória da região um público-alvo, colóquios, distribuição de
(núcleo museológico, casa dos artesãos ). folhetos, cartazes e produção de algumas
brochuras.
4. Reforçar o sentido de cidadania das Nesta fase inicial do Projecto da Quin-
comunidades e das crianças envolvidas; ta de Educação e Ambiente, este trabalho
decorre tendo por base os problemas já
5. Implicar diferentes tipos de instituições identificados e que provocam perturbações
e parcerias. no equilíbrio ecológico (praga de lagostins,
biocidas utilizados na agricultura, detritos
Sendo este um projecto que se pretende orgânicos resultantes da suinicultura intensi-
de desenvolvimento integrado, é necessário va). Posteriormente, ter-se-á por base o estudo
encontrar formas alternativas de produção de integrado do sistema lagunar de Santo André,
Experiência de Formação e Inovação

riqueza, onde um estudo da viabilidade eco- aquando da sua conclusão.


nómica para a sua auto-sustentação se torna
fundamental. O núcleo museológico, a instalar numa
Em primeiro lugar, realizar-se-á o cabana típica, réplica das primeiras habita-
estudo para a re-utilização de algas e ções de pescadores na Lagoa de Santo André
caranguejos na produção de rações para a totalmente desaparecidas, funcionará como
piscicultura, aproveitando os que involunta- espaço de permanência de exposições dos
riamente são capturados na pesca. A sua re- produtos resultantes do projecto, dos produ-
utilização pode tornar-se uma fonte de receitas tos que representem a memória da região, e
para a comunidade de pescadores. também como centro de informações úteis à
Seguir-se-á o estudo da viabilidade população e visitantes.
económica da produção de plantas aromáticas
e medicinais como alternativa a culturas actu- Tal como atrás foi referido, um dos
almente praticadas e não compatíveis com o objectivos deste projecto é dar visibilidade
Escola Superior de Educação de Portalegre

sistema lagunar. à cultura local. O artesanato ou arte popular,


Posteriormente, prevê-se a possibilidade como também, por vezes, é designado, faz parte
da certificação da enguia, que, pela excelência integrante da cultura de um povo, transmi-
culinária, é considerada uma das melhores a tindo de geração em geração um conjunto de
nível nacional. tradições e saberes, de técnicas e formas de
representar o seu mundo. Fazer a divulga-
Para efeitos demonstrativos, serão ção e a promoção das actividades artesanais
instalados, no Monte de Paio, um Sistema praticadas neste território junto de crianças,
Húmido Construído (S.H.C.) – sistema de turistas, visitantes, e, de um modo geral, de
tratamentos de efluentes com utilização de todos aqueles que procuram conhecer a cultura
plantas aquáticas – e uma Central de rural, é também uma das nossas metas. Para
Compostagem de Resíduos Vegetais de tal, está pensada uma Oficina de artesanato ao
pequenas dimensões. Enquanto o primeiro vivo – Casa dos Artesãos – onde, além de se
poderá ser utilizado futuramente, nas sui- poder observar a arte de fabrico de cestaria em
niculturas da zona, evitando a poluição das cana, trabalhos de cortiça, olaria, tecelagem,
águas das ribeiras e da Lagoa de Santo An- redes, aproveitamento das plantas como tintos
dré, a segunda representa uma forma muito naturais, impermeabilização de tecidos (japo-
acessível de cuidar esteticamente do ambiente nas, oleados,…), também se poderá fazer a
enquanto se produz matéria orgânica. aquisição de qualquer destes produtos. A par
dos artesãos “consagrados”, os idosos serão
Será simultaneamente realizado os grandes animadores deste espaço, trazendo,
“trabalho de campo” visando a sensibiliza- trocando e passando as suas “habilidades”aos
ção/envolvimento da população, tendo em intervenientes no projecto.
conta os problemas de natureza ambiental da
bacia hidrográfica da Lagoa a que se tentará Nesta fase inicial do projecto, procedeu-
responder com reuniões temáticas dirigidas a -se ao reconhecimento e identificação das

aprender
pág
Maio de 2003
116
diferentes áreas de intervenção. Também aqui se recorre frequentemen-
As actividades foram pensadas no te à participação de elementos comunitários,
sentido de envolver e implicar os intervenien- principalmente se os temas a tratar estiverem
tes, descobrir a Reserva enquanto ecossistema ligados à agricultura, pesca, passado histórico,
natural e humano e as suas possibilidades meteorologia, utilização de plantas para fins
enquanto espaço educativo. estéticos, medicinais ou gastronómicos, etc.
As escolas rurais, num trabalho Após a conclusão dos trabalhos,
conjunto, elaboraram o seu plano de estudo e numa das escolas pertencentes ao grupo,
acção, a que se seguiu o trabalho de campo – juntam-se todos os alunos para comunicarem e
observação, identificação e pesquisa sistemática apresentarem entre si os produtos realizados.
– indutor das aprendizagens em sala de aula. Desta forma, as noções básicas sobre
zoologia, botânica, meteorologia, os nomes

Experiência de Formação e Inovação


Semanalmente, um grupo de alunos científicos de aves e plantas surgem
desloca-se à Reserva, onde, acompanhado naturalmente pela descoberta feita
pelo professor e por um ou dois técnicos do aprendizagem e pelo intercâmbio entre eles.
Conselho de acompanhamento e Orientação, faz Aqui, as coisas de que se fala são algo que se
as suas observações e registos para identificação viu e de que se aprendeu a gostar.
do espaço envolvente. Para tomada de posições colectivas,
É notório o entusiasmo das crianças. organizam-se “Oficinas Infantis”, onde as
A apropriação do projecto faz-se de uma crianças, em trabalho de grupo, analisam,
forma natural. Há muito que a expressão “a discutem e reflectem, socializando o que
nossa Quinta” surgiu entre eles. As regras de aprenderam, partilhando poder e assumindo
utilização do espaço são rigorosamente uma responsabilização conjunta.
cumpridas. É em ar festivo que todas as Nas suas escolas de pertença, vão
segundas-feiras fazem os passeios pedestres, realizando actividades para apetrechamento do
muitas vezes de alguns quilómetros, não lhes espaço e/ou angariação de verbas. São disto

Escola Superior de Educação de Portalegre


passando despercebidos animais ou plantas por exemplo a colecção de postais de Natal, feita
mais pequenos que sejam. Qualquer habitante colectivamente e cujo produto de venda foi
que encontrem é fonte de informação para utilizado na compra das árvores para a horta e
saber mais qualquer coisa. a sementeira de medronheiros para a constru-
ção de sebes e/ou repovoamento de zonas da
Reserva que se encontrem mais empobrecidas.
A verba, resultante da venda dos
produtos realizados pelos alunos, é gerida
exclusivamente por eles, cabendo-lhes eleger
trimestralmente a escola responsável.

Além de se construírem afectiva e


cognitivamente, ligadas à Reserva, ao seu
conteúdo natural, com todo o potencial para o
futuro que tal possa trazer, as crianças são

aprenderMaio de 2003
pág 117
também construtoras de consciência dos
adultos. Por sugestão das crianças, o Monte
do Paio tornou-se passeio de fim-de-semana
de muitas famílias, onde assumem o papel de
guia.
No decorrer deste ano lectivo, será dado
um passo em frente, logo que o Centro de
Acolhimento se encontre apetrechado. A
Quinta passará a receber visitantes que ali
permanecerão em actividades durante três ou
quatro dias. São os alunos das escolas rurais
envolvidas no projecto que, ajudados por
Experiência de Formação e Inovação

habitantes e técnicos, orientarão as crianças


visitantes intercambiando com elas os saberes
e segredos de que a pouco e pouco se vão
apoderando. A animação dos serões estará a
Escola Superior de Educação de Portalegre

aprender
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Maio de 2003
118
Comunicação Aumentativa e
Alternativa: formar para mu-
dar atitudes
Elizabete Mendes
Escola Superior de Educação
de Portalegre

Necessidades Educativas Especiais


FENACERCI

O presente artigo pretende abordar a este grupo populacional, comparativamente a


utilização dos sistemas de comunicação au- outros países europeus, sendo de referir que
mentativa e alternativa no nosso país, a qual apenas nas duas últimas décadas houve
tem vindo a ser implementada através da progressos significativos neste campo.
colaboração entre instituições de ensino Considerando a importância primordial da
superior e organizações no domínio da comunicação para a autonomia pessoal e
reabilitação. No decurso deste processo, inclusão social das pessoas com deficiência
tem-se tornado cada vez mais evidente a mental, há uma necessidade urgente de desen-
necessidade de mudar as atitudes dos volvimento neste domínio.
profissionais, sobretudo daqueles que trabalham
com crianças e jovens com deficiência mental O primeiro sistema alternativo de co-

Escola Superior de Educação de Portalegre


ou multideficiência. municação a ser introduzido em Portugal foi o
Assim, são discutidos os resultados de Sistema Bliss1(Fig. 1). Isto ocorreu em1981,
um projecto direccionado para a formação de após a realização de acções de formação por
profissionais, com vista à mudança de atitu- profissionais da Universidade de Cardiff e os
des e desenvolvimento de competências no Centros de Reabilitação de Paralisia Cere-
domínio da interacção comunicativa. bral tiveram um papel pioneiro na introdução
desta nova forma de comunicação, visto este
Historial sistema ser sobretudo usado com crianças e
jovens com paralisia cerebral ou outros tipos
A comunicação aumentativa e de deficiência motora. Uma aplicação mais
alternativa é uma área de intervenção relati- alargada dos sistemas aumentativos e alterna-
vamente recente em Portugal, particularmen- tivos de comunicação, particularmente para
te no que diz respeito ao apoio a crianças e a pessoas com deficiência mental, surgiu em
jovens com deficiência mental e problemas meados dos anos 80 com a realização de cur-
graves de comunicação oral. O facto é que os sos que tiveram por base um acordo entre o
recursos têm sido praticamente inexistentes para governo português e o governo sueco na área

Fig. 1 - Sistema Bliss

aprenderMaio de 2003
pág 119
Fig. 2 - Sistema PIC

da educação especial. Entre outras iniciativas, Muitos dos primeiros estudos realizados
esta cooperação levou à criação de um Centro no domínio da comunicação aumentativa e
de Recursos no Ministério da Educação para a alternativa centraram-se no uso de signos ges-
produção de material pedagógico adaptado a tuais e na aceitação da língua gestual como
Necessidades Educativas Especiais

diferentes tipos de deficiência, e que tam- uma verdadeira língua materna para as pessoas
bém realizava formação contínua para os com deficiência auditiva, o que constituiu uma
profissionais que apoiavam crianças com base importante para o seu desenvolvimento.
necessidades educativas especiais. A comu- Em Portugal, existiu durante muitos anos uma
nicação aumentativa e alternativa era um dos corrente oralista muito forte, o que limitou o
conteúdos programáticos abordados nos cursos desenvolvimento e uso dos signos gestuais na
para os profissionais que trabalhavam com educação das crianças surdas, assim como o
crianças e jovens com deficiência mental, e foi uso dos signos gestuais e gráficos para as pes-
neste contexto que o Sistema PIC2 (Fig. 2) foi soas sem dificuldades auditivas. A publicação
introduzido, visto este sistema ser mais ade- do Gestuário (Dicionário da Língua Gestual
quado e eficaz do que o sistema Bliss para este Portuguesa) (Fig. 4) pelo Secretariado Na-
grupo populacional. cional de Reabilitação, em 1991, representou
A primeira tentativa para a utilização também um passo importante na utilização da
Escola Superior de Educação de Portalegre

dos sistemas aumentativos e alternativos de língua gestual para populações ouvintes e com
comunicação com crianças e jovens com problemas de linguagem oral.
deficiência mental foi uma consequência Paralelamente a estas iniciativas, foi
desta iniciativa. Uma versão portuguesa do criado o Comité de Comunicação Não-Vocal,
sistema PIC, adaptada às nossas referências através do Centro de Análise e Processamento
culturais, foi publicada em 1989 pelo Centro de de Sinais da Universidade Técnica de Lis-
Recursos do Ministério da Educação e a sua boa, o qual promoveu seminários temáticos e
implementação mais alargada resultou de um cursos realizados por peritos neste domínio,
protocolo de colaboração entre a Direcção no sentido de sensibilizar os profissionais que
Geral do Ensino Básico e Secundário e a trabalhavam nesta área de habilitação, com
Federação Nacional de Cooperativas de particular ênfase na formação para utilização de
Educação e Reabilitação de Crianças tecnologias de apoio.
Inadaptadas, a qual promoveu acções de Durante os últimos anos, houve real-
formação para a utilização do sistema e mente um grande progresso nesta área e um
efectuou a sua divulgação a nível nacional. interesse crescente por parte dos profissionais
Mais recentemente, em 1994, o Sistema SPC3 na implementação de uma intervenção basea-
(Fig. 3) foi também traduzido para português e da na comunicação aumentativa e alternativa.
está a ser comercializado no nosso país. Este progresso iniciou-se com a realização de

Fig. 3 - Sistema SPC

aprender
pág
Maio de 2003
120
Fig. 4 - Língua Gestual Portuguesa

projectos de investigação-acção relativamen- vas, com o intuito de promover um nível mais


te ao desenvolvimento de metodologias de elevado de interacção comunicativa. No final

Experiência de Formação e Inovação


intervenção e de tecnologias de apoio para deste primeiro estádio de desenvolvimento
promover a inclusão de crianças com neces- da comunicação aumentativa e alternativa em
sidades educativas especiais. A publicação Portugal, sentiu-se a necessidade de maior
dos resultados destes projectos, assim como a rigor metodológico, particularmente no que diz
tradução de artigos e livros para a língua respeito ao enquadramento teórico e ao uso de
portuguesa, constitui um factor significativo estratégias de intervenção.
para encorajar a utilização dos sistemas au-
mentativos e alternativos de comunicação e Bases teóricas de intervenção
levar à compilação de uma bibliografia em
português sobre a sua implementação. Isto é O enquadramento teórico da interven-
particularmente importante porque a literatura ção em comunicação aumentativa tem vindo
em línguas estrangeiras é ainda inacessível a incrementar o seu desenvolvimento baseado
à maioria da população. O progresso neste numa abordagem interaccionista (del Rio, 1995;
domínio no nosso país também começa a ser Soro-Camats et al. 1995; Vygotsky, 1962). De

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evidente pelo facto de algumas Universida- acordo com esta perspectiva, a interacção im-
des e Escolas Superiores de Educação terem plica a participação activa dos interlocutores,
incluído módulos no domínio da comunica- que são mutuamente influenciados pelo uso que
ção aumentativa e alternativa no currículo de fazem dos seus próprios recursos comunicativos.
educadores e professores, tanto ao nível da Todos os processos ou acções envolvidas no
formação inicial como complementar. desenvolvimento comunicativo são essencial-
Nos primeiros 10 anos de envolvimen- mente interactivas e apoiadas pelo processo
to alguns profissionais foram pioneiros neste de adaptação mútua. Neste sentido, os adultos
campo, tentando encontrar soluções para os têm que sentir que podem deixar-se influenciar
problemas das crianças com graves dificuldades pela criança e a partir daí desenvolver as suas
de comunicação. Foi um período caracteri- próprias intervenções educativas. Contudo,
zado por falta de recursos e de conhecimento apesar das influências mútuas na interacção
sobre procedimentos de intervenção que comunicativa, os adultos têm maior respon-
deveriam ser adoptados e dificuldade em sabilidade e controlo no que acontece durante
aceder aos sistemas aumentativos e alternati- estas interacções (Rondal, 1988). Por isso, têm
vos de comunicação. Para além disso, o foco que prestar atenção aos sinais da criança, para
da intervenção era muito direccionado para os poderem seguir as suas iniciativas, esperar e
sistemas enquanto tal, considerando as suas responder-lhes. Os adultos têm que estruturar
características e detalhes técnicos. Contudo, as situações de diálogo assim como promover e
tornou-se evidente que a mera introdução dos aumentar as oportunidades de comunicação.
sistemas não conduzia por si só à melhoria Os sinais atípicos e as reacções produzi-
da comunicação, em particular nos casos de das pelas crianças e jovens com deficiência po-
crianças com problemas de comunicação e dem alterar a interacção de modo significativo.
deficiência mental. Assim, o foco da inter- Os sinais da criança podem não ser entendidos
venção deveria mudar da simples provisão do pelos adultos, o que por sua vez pode tornar-se
sistema para o ensino de funções comunicati- confuso e consequentemente falhar na

aprenderMaio de 2003
pág 121
adequação das estratégias de interacção dizagem e interacção; negativos se, por essa
(Ryan,1997). As crianças com deficiência razão, a importância e a pertinência deste
mental podem encontrar-se em situações que comportamento para o processo de intervenção
não propiciam a manutenção da interacção e a não for percebida. Como a interacção é um
comunicação com as pessoas que as rodeiam. processo de influências mútuas que exclui a
Estas dificuldades podem ter um efeito ne- possibilidade de atribuir a responsabilidade
gativo no desenvolvimento da fala, tornando a apenas um dos interlocutores, é importante
necessário criar meios que, para aumentar as que os profissionais tenham consciência da sua
suas tentativas de comunicação e produzirem responsabilidade e mudem as suas atitudes em
sinais fiáveis, podem conduzir, de um modo função disso.
natural, a respostas contingentes dos seus inter- No sentido tradicional, uma atitude é
locutores (Gràcia e Urquia, 1994). “uma reacção afectiva positiva ou negativa
Os adultos têm um papel crucial na face a um objecto ou a uma situação concre-
Necessidades Educativas Especiais

resolução desta situação, e por essa razão pre- ta ou abstracta” (Wrightsman, 1972, p.216).
cisam de meios para melhorar a interacção com Neste artigo, uma atitude é entendida como a
crianças com deficiência e facilitar a aquisição predisposição para usar um conjunto de
de competências comunicativas. Contudo, tem estratégias, que podem ou não capacitar o adulto
sido registada ineficácia no processo interac- para ensinar e promover a aquisição de com-
tivo tanto por parte dos pais como por outros petências comunicativas. A atitude poderá ser
interlocutores adultos que não aprenderam a influenciada e modificada através da formação
responder às tentativas de interacção das crian- em metodologias de intervenção para apoiar
ças (Soro e Basil, 1996). Assim, não se trata o desenvolvimento da comunicação e lingua-
apenas de uma questão de fornecer à criança gem. Foi este tipo de mudança de atitude que
com deficiência um código comunicativo, mas, constituiu o foco do projecto de formação dos
sobretudo para aquelas com deficiência mental profissionais.
profunda e características muito especificas,
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pode ser necessário encorajar necessidades Formação de Profissionais


emergentes de comunicação e o uso de funções
comunicativas (von Tetzchner e Martinsen, Durante alguns anos, a FENACERCI
2000). A intervenção efectuada pelos profis- realizou cursos a nível nacional, nos quais
sionais é por isso extremamente importante. A se divulgavam os sistemas aumentativos e
sua responsabilidade em estabelecer condições alternativos de comunicação e se dava
para o desenvolvimento da comunicação torna formação específica para a utilização do
necessário influenciar o seu comportamento no sistema PIC. Contudo, e apesar da neces-
processo interactivo e, assim, promover uma sidade de se divulgar informação sobre os
mudança de atitude que impulsione a aquisi- diferentes sistemas e sua utilização, o estudo
ção de funções comunicativas pelas crianças e do enquadramento teórico para o uso de me-
jovens com problemas de comunicação. Para todologias de intervenção mais eficazes tem
atingir este objectivo, os profissionais precisam emergido como uma das prioridades, pois tem
de estar conscientes do seu próprio compor- sido reconhecido que, independentemente do
tamento interactivo e de apreender e aplicar sistema usado, o verdadeiro desafio é o desen-
diversas estratégias que facilitam à criança volvimento das competências comunicativas
tomar a iniciativa e manter a interacção do indivíduo. De acordo com os testemunhos
comunicativa (Soro e Basil, 1993). de diversos formadores na área da comunica-
A interacção em relação ao desenvol- ção aumentativa, um número significativo de
vimento da linguagem em contextos naturais profissionais que frequentaram as acções de
pode ser definida como um processo educativo formação parecia acreditar que a simples
implícito, no qual o ensino é produzido de uma introdução do sistema aumentativo e alternativo
forma espontânea. Isto pode ter tanto efeitos de comunicação resolveria as dificuldades de
positivos como negativos: positivos porque comunicação da criança. Como consequência
diz respeito a um processo natural, quase destes relatos, foi decidido que a maior parte
espontâneo que cria oportunidades de apren- da carga horária dos cursos deveria ser diri-

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Maio de 2003
122
gida às estratégias para promover as funções da mesma instituição ficaram responsáveis
comunicativas da criança com perturbações da por cada caso. Inicialmente, cada um deles foi
linguagem, assim como às competências que caracterizado com particular ênfase nas
os próprios profissionais precisariam, a fim de competências comunicativas, tendo sido
serem capazes de interagir de modo mais posteriormente efectuada uma avaliação
eficiente com os indivíduos com dificuldades compreensiva, a partir da qual se estabeleceu
de comunicação. um plano de intervenção.
Devido a estas reflexões, foi desenvol- A intervenção efectuada pelos profis-
vido um projecto pela FENACERCI, que se sionais foi regularmente registada em vídeo
centrava nos seguintes domínios: (30 minutos todos os meses) e analisada em
- Formar profissionais para implementar reuniões de supervisão. A análise dos registos
a comunicação aumentativa e alternativa com em vídeo incidia sobre os progressos efectua-
base numa perspectiva interaccionista. dos pela criança ou jovem e nas prestações dos

Necessidades Educativas Especiais


- Investigar metodologias direccionadas profissionais. As sessões de supervisão eram
para melhorar a aquisição de competências realizadas individualmente ou em peque-
comunicativas. nos grupos de discussão com o consultor do
- Desenvolver meios que promovessem projecto de dois em dois meses. Os objectivos
as aptidões comunicativas de pessoas com das sessões de supervisão eram encorajar as
deficiência mental e/ou motora e problemas iniciativas dos profissionais e promover
graves de comunicação, com particular ênfase mudanças nas suas atitudes, particularmen-
nas estratégias de interacção dos profissionais. te com vista às suas próprias estratégias
Um grupo de 22 profissionais (com de interacção. Apesar do facto de terem
idades entre os 30 e 55 anos) de diferentes participado nos seminários de formação e
regiões do país foi convidado a partici- discutido a importância das suas atitudes na
par no projecto, o qual incluía: psicólogos, interacção, os primeiros registos em vídeo não
educadoras de infância, professores, pro- mostraram evidência de grandes alterações

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fessoras especializadas, terapeutas da fala e no seu comportamento. Os profissionais não
terapeutas ocupacionais. Estes profissionais foram capazes de demonstrar os seus
representavam diferentes graus de experiência conhecimentos durante as primeiras sessões de
na implementação de intervenção no domínio da trabalho com as crianças e jovens. Este facto
comunicação aumentativa e alternativa. levou à conclusão de que deveria ser dada
Na primeira fase do projecto, com prioridade ao comportamento dos profissionais
a duração de seis meses, os profissionais no sentido de se atingir uma adequada interacção
receberam formação teórica e prática. A comunicativa.
formação incluiu: desenvolvimento da lin- No final, foi efectuada uma avaliação
guagem e comunicação numa perspectiva do trabalho realizado, baseada na análise dos
interaccionista; sistemas aumentativos e registos de vídeo e num questionário elabora-
alternativos de comunicação; avaliação de do para recolher as opiniões dos profissionais
pessoas com deficiência mental e motora; relativamente à intervenção em comunicação
estratégias de intervenção; e, tecnologias de aumentativa e alternativa e às mudanças nas
apoio como recursos auxiliares de comuni- suas atitudes e comportamentos comunicati-
cação. Esta fase consistiu em leituras orien- vos depois do projecto. Foram avaliadas as
tadas e produção de sínteses escritas sobre seguintes áreas:
os constructos teóricos, e na realização de - Adaptação da linguagem usada pelos
seminários temáticos para análise e discussão profissionais às características dos indivíduos
teórico-prática relacionada com cada um dos com deficiência.
tópicos referidos. - Papel das estratégias de interacção no
A segunda fase do projecto, duran- desenvolvimento dos planos de intervenção.
te um ano, consistiu na intervenção prática. - Adaptação funcional do uso da
Seleccionaram-se crianças e jovens com proble- comunicação aumentativa e alternativa aos
mas de comunicação que se enquadravam nos diferentes contextos.
objectivos do projecto, e pares de profissionais - Organização do espaço e localização

aprenderMaio de 2003
pág 123
dos materiais para optimizar a interacção conversa”.
comunicativa.
“Inicialmente, quando estava a trabalhar
- Planificação de actividades que po-
com a criança, confundia o ensino dos signos
dem incentivar o desenvolvimento de funções
gráficos com a necessidade de desenvolvimen-
comunicativas.
to de funções comunicativas. Pensava que o
Para além disso, perguntou-se espe-
ensino dos signos gráficos podia, por si só,
cificamente aos profissionais como tinham
melhorar as aptidões comunicativas.”
percebido eventuais mudanças nas suas
atitudes, como resultado do projecto, e qual Outro tópico estava relacionado com a
a natureza das alterações mais significativas estruturação dos contextos, a organização da sala
que tinham ocorrido no seu comportamento e dos materiais, numa tentativa de atingir condi-
comunicativo durante a sua participação no ções óptimas para a interacção e assim estimular
projecto. o desenvolvimento da comunicação.
Necessidades Educativas Especiais

“Antes de participar no projecto,


Mudança de Atitudes escolhia os signos gráficos sem ter em conta
os diferentes contextos de vida da criança, eles
Algumas das mudanças nos comporta- centravam-se essencialmente no uso na sala de
mentos e atitudes dos profissionais foram rela- aula. Depois, tentei expandir a sua utilização a
tadas como tentativas para adaptar a linguagem outros locais na escola, dando especial atenção
às características da pessoa com deficiência: ao grupo de pares e ao contexto familiar.”
“Comecei a ficar consciente de todas as “O espaço da sala de aula foi reorganiza-
tentativas, modos e possibilidades usadas pela do e os materiais identificados com signos gráfi-
aluna para comunicar, dando-lhe tempo para cos no sentido de promover a interacção.”
tomar a sua vez, evitando situações em que os
seus esforços acabassem em frustração e mal As mudanças de atitudes dos profissionais
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entendidos”. tornaram-se evidentes nas suas expectativas


“O factor mais importante foi desen- relativamente às aptidões comunicativas das
volver as minhas competências enquanto crianças e dos jovens:
interlocutor. Aprendi a observar, a estar aten- “Estudar o enquadramento teórico e
to e a reagir melhor ao comportamento da a pesquisa relativa às metodologias de in-
criança. Comecei a adaptar o meu discurso ao tervenção foi essencial para mim para poder
meu parceiro de comunicação”. compreender a criança com deficiência.
Os profissionais revelaram ter Fez-me olhá-la e tratá-la de um modo
compreendido que, se fosse atribuído signifi- completamente diferente.”
cado e dada resposta às expressões das crian- “Sentia-me ansiosa na minha relação
ças mesmo quando atípicas, a comunicação com a criança; o melhor conhecimento das
podia ser melhorada. Outras mudanças diziam suas capacidades aumentou as minhas expec-
respeito à promoção do desenvolvimento de tativas”.
competências comunicativas, particularmen- Os profissionais expressaram a ideia
te no que concerne à aquisição de funções de que passaram a lidar com as crianças de
comunicativas: um modo diferente, mais adequado e com um
“Houve muitas mudanças. Através das maior nível de interacção comunicativa. Os
estratégias que aprendi, fui capaz de melho- profissionais enfatizaram ainda que se sentiam
rar as competências comunicativas do jovem. inseguros sobre o que tinham que fazer ao
Anteriormente, tinha-lhe ensinado sobretudo interagir com crianças com grandes dificul-
a usar o sistema e algum vocabulário. Depois dades para se expressarem. Quando lhes foi
de introduzir algumas estratégias de interac- ensinado como deveriam reagir e esperar as
ção, ele aprendeu e começou a usar algumas respostas das crianças, tornaram-se mais
funções comunicativas, tais como iniciar um confiantes. O conhecimento reduziu a sua
diálogo, mudar de assunto e terminar a ansiedade.

aprender
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Maio de 2003
124
As mudanças nas atitudes foram sua interacção comunicativa com as crianças e
também manifestadas numa maior flexibilida- jovens com deficiência como resultado da sua
de, com um maior esforço direccionado para a participação no projecto foram corroboradas
obtenção de simetria nos turnos de conversação no seu comportamento durante as sessões de
durante a interacção: vídeo na última fase do projecto. Os resultados
indicam que os profissionais desenvolveram
“Antes do projecto, eu pensava que as
as suas competências comunicativas, o que
dificuldades e as capacidades se centravam
conduziu a uma maior confiança na sua
apenas na criança. Por isso nem sempre
intervenção. Aumentou a atenção dada pelos
existia equilíbrio entre o que eu esperava do
profissionais aos sinais emitidos pelas crianças
jovem e aquilo que ele era capaz de produzir.
e jovens fazendo-os atribuir mais intenção e
Durante o projecto, penso que mudei o meu
significado a estes sinais. Como aprenderam
comportamento. Comecei a acreditar que o
que não é necessário esperar pelo desenvol-
jovem tinha capacidades específicas e que o

Necessidades Educativas Especiais


vimento de determinados pré-requisitos antes
adulto tem um papel importante em atingir
de se implementarem modos alternativos de
sincronia e tomar a vez.”
linguagem, os profissionais aumentaram a
“Aprendi a esperar, falar menos, e a intervenção comunicativa. Finalmente, reco-
atribuir significado às iniciativas da criança.” nheceram que as dificuldades nas interacções
A tomada de consciência do significado comunicativas não se centram apenas nas
do seu próprio papel como interlocutores foi pessoas com deficiência, mas residem muitas
particularmente evidente nos comentários dos vezes nos próprios profissionais, ou nos outros
profissionais e nas estratégias usadas nas inte- interlocutores.
racções:
“Através do esforço de introduzir Conclusão
efectivamente as estratégias na minha inter-

Escola Superior de Educação de Portalegre


venção, tomei consciência do meu papel en-
quanto interlocutor e do seu significado para o Vários factores que podem influenciar
desenvolvimento de competências comunica- o desenvolvimento de uma efectiva interac-
tivas.” ção na comunicação foram identificados nos
cursos realizados antes deste projecto. O mais
“A minha intervenção deixou de ser
importante foi o reconhecimento do facto
uma pura adaptação intuitiva ao desempenho
de que a implementação da comunicação
comunicativo da criança, e tornou-se na
aumentativa e alternativa não é apenas uma
aplicação deliberada de estratégias adequadas
mera questão de disponibilizar sistemas de
para desenvolver e optimizar as capacidades
comunicação, mas de a enquadrar com uma
comunicativas da criança.”
adequada compreensão do desenvolvimento
Para concluir, o ensino explícito de da linguagem e das consequências do processo
estratégias de interacção revelou ter capacita- comunicativo alterado. Mais crítico do que
do os profissionais para usá-las de um modo ensinar formas de linguagem ou um código
natural e desenvolver atitudes positivas face vocal ou não-vocal foi ensinar as crianças e
às crianças. As estratégias implícitas relata- os jovens a comunicarem, dando-lhes acções
das por Rondal (1988) e Moerk (1988) para estratégicas que lhes permitiram intervir nos
apoiar a comunicação e levar à aquisição da contextos do dia a dia.
linguagem parecem não se desenvolver
No projecto de formação, foi dada
espontaneamente, nem a adaptação intuitiva
prioridade à criação de funcionalidade
às características da criança. Os parceiros de
comunicativa. A formação levou a que os
comunicação tiveram que aprender como usar
profissionais ficassem mais conscientes das
estratégias adequadas a fim de poderem interagir
realidades práticas e alertou-os para o facto de
de um modo adequado.
que as dificuldades no processo comunica-
As opiniões expressas pelos profis- tivo não residem apenas nos indivíduos com
sionais sobre as mudanças que ocorreram na problemas de linguagem, mas também nos

aprenderMaio de 2003
pág 125
interlocutores. Quando os profissionais, du-
rante o projecto, foram ensinados a ter em
consideração os factores anteriormente
mencionados, houve um efeito positivo na
aquisição e desenvolvimento da comunica-
ção e linguagem das crianças e jovens com
necessidades educativas especiais.
Neste projecto, o envolvimento dos pais
não foi um objectivo específico. A justificação
para este facto baseou-se na consideração de
que seria importante deixar os profissionais
ganharem a necessária confiança para
trabalhar neste tipo de intervenção antes de
Necessidades Educativas Especiais

estarem preparados para colaborar activamente


com as famílias. Não sabemos exactamente se
esta precaução seria necessária, de qualquer
modo, uma relação mais próxima com as
famílias e a extensão da intervenção em
comunicação aumentativa e alternativa aos
contextos naturais são os próximos passos
neste processo.

Referências Bibliográficas
Escola Superior de Educação de Portalegre

Mendes, E.; Rato, J. (1996). From system to communica-


tion: staff training for attitude change. In Tetzchner
and Jensen (eds.), Augmentative and alternative
communication: European perspectives (pp. 342-
354). London: Whurr.

Von Tetzchner, S. ; Martinsen, H. (2000). Introdução à


Comunicação Aumentativa e Alternativa. Porto:
Porto Editora.

Notas

1 Sistema Bliss (Comité Internacional de Símbolos


Bliss – Bliss, 1965), é formado por 100 signos básicos
que se podem combinar para formar palavras novas; foi
inicialmente criado para formar uma linguagem
internacional escrita, usando o chinês como modelo.

2 Sistema PIC (Pictogra-


mas e Ideogramas para
Comunicação – Maharaj,
1980), consiste em desenhos
estilizados que formam si-
aprender
pág
Maio de 2003
126
Reflexões Sobre a Introdução
da Geografia na Educação de
Infância

A Geografia na Educação de Infância


Miguel Castro
Escola Superior de
Educação de Portalegre

I – A importância de uma cultura directa ou indirectamente, relacionado com a


espacial utilização, mais ou menos racional, de como
organizamos e usufruímos do nosso suporte
Estas reflexões surgiram, pela primei- espacial.
ra vez, durante a leccionação do módulo de Por muito que nos custe, se pensarmos
Geografia na cadeira de História e Geografia maduramente, chegamos à conclusão de que
para a Infância. muitos dos problemas sociais estão direc-

Escola Superior de Educação de Portalegre


Sendo a educação espacial em Portugal tamente relacionados com a forma como o
praticamente descurada, sentimos necessidade espaço está organizado. Se esta conclusão
de sistematizar algumas ideias e reflexões que não é particularmente inovadora, a verdade é
foram surgindo ao longo da nossa experiên- que na nossa educação formal (escolar) estes
cia profissional, uma vez que a bibliografia aspectos não são considerados como factor
específica sobre esta matéria é quase ine- fulcral na formação do indivíduo.
xistente. A educação para os aspectos Nos curricula escolares pensa-se na
espaciais só é efectivamente tomada em conta Geografia como uma ciência acessória, para
no 3º Ciclo Ensino Básico e no Secundário; fornecer ao cidadão uma estrutura de
porém, ela está mais virada para aspectos de conhecimento factual, quase sempre acrítico,
uma geografia descritiva do espaço nacional, que lhe permita integrar outros saberes, esses
europeu e mundial. A relação do Ser Humano sim, mais importantes, como por exemplo ser
com o espaço físico envolvente e como suporte perito na máquina com que escrevo este texto,
da actividade humana, pretende-se, ao que ou arranhar alguns vocábulos na língua de
parece, que seja de ‘geração espontânea’. comunicação universal – o Inglês. Longe de
Assim se justifica que aspectos tão comuns nós considerar acessórios ou de menor rele-
como entrar ou sair de uma sala de aula, ou vância estes “skills”, apenas nos limitamos a
a utilização de um autocarro público, sejam constatar que inglês sem organização do
para as nossas crianças, e infelizmente adultos, espaço, ou utilizar um computador sem a
aventuras, que, se bem que interessantes para noção da localização de Portugal no mun-
um observador exterior, para o comum utiliza- do, é semelhante a uma ideia fantástica sem
dor são experiências ricas em sensações pouco possibilidade de a compreender; é falar com
abonatórias para um país do chamado “mundo um japonês, pela internet, e não (re)conhecer a
ocidental”. diversidade cultural do parceiro interlocutor.
O facto é que aquilo a que nós, comum- Numa altura em que as fronteiras se esbatem
mente, chamamos qualidade de vida está, e o mundo se globaliza, é fundamental a

aprenderMaio de 2003
pág 127
consciência espacial; caso contrário, os fe- Todos nós dependemos de pontos de
nómenos perdem o seu sentido profundo, referência espaciais para a concretização das
ficamos apenas pelo sensitivo e pelo superfi- nossa tarefas mais elementares. Levado ao
cial. Como perceber fenómenos actuais como extremo, podemos imaginar uma mesa posta
guerras, conflitos religiosos ou catástrofes com os talheres fora do lugar e a dificuldade
naturais, sem a noção exacta da sua posição de realizarmos uma tarefa tão simples como
e localização geográfica? Compreender os alimentarmo-nos. Para um adulto, será apenas
acontecimentos na instável Península Balcânica necessária uma reposição dos instrumentos
não é, de todo, ver os conflitos como um mero gastronómicos habituais nos “locais de origem”.
jogo de futebol, onde uma equipa ganha e a Para uma criança, a ocorrência já não será tão
outra é derrotada; ou ver qualquer produção simples. Necessitará de toda uma reorganização
de Hollywood, onde, por um lado, temos os do ambiente espacial para realizar a tarefa.
A Geografia na Educação de Infância

bons e, por outro, os maus da fita. O aspecto da Para manipularmos o nosso mundo,
organização espacial, da posição estratégica do necessitamos de pontos de referência es-
local face a um todo europeu e mediterrânico, paciais; assim, para podermos desfrutar da
ajuda a perceber a complexidade do fenóme- descoberta ou do acto de aprender necessitamos
no. de ‘conhecer o espaço’. Este acontecimento
Ao longo de vários anos a lidar com não se reduz ao concreto e à efectiva realidade
alunos de diferentes classes etárias, temos conhecida; vai mais além. Conhecer o espaço é,
feito pequenos testes, sobre a percepção e inte- também, conhecer e reconhecer a forma como
riorização do espaço, que nos dão, embora sem lidar com espaços desconhecidos a partir de
validade científica, uma percepção da quase skills e conhecimento indirecto adquirido para
inexistente consciência espacial. No caso dos tal. Concretizando, muitos adultos conseguem
mapas mentais, que são um bom indicador perder-se numa cidade que pela primeira vez
para nos apercebermos do fenómeno atrás re- visitam e culpa-se o sentido de orientação! No
ferido, o que temos verificado é que a Europa, entanto, a maioria das pessoas perde-se, por-
Escola Superior de Educação de Portalegre

para além de Espanha, é uma mancha difusa, que não consegue interiorizar a forma como os
sem limites nem fronteiras; e quando é pedida espaços urbanos estão organizados. Esta
uma esquematização do espaço citadino onde ocorrência pode suceder pela simples razão de
habitam, o tecido urbano que fica para lá dos em toda a educação, formal ou informal, não
percursos habituais, é uma amálgama de tra- se ter tido em conta o desenvolvimento das
ços abstractos que nem os próprios autores suas naturais capacidades de compreensão e
conseguem decifrar. Desta forma dá-se uma percepção do meio geográfico onde se inse-
descontextualização da informação, que re, nem lhe terem desenvolvido a principal
favorece a inacção e a passividade face a uma ferramenta de interpretação do meio – a
realidade que não se sabe se longe se perto. observação.
Não pretendemos, porém, dizer que a Se o facto de nos perdermos não
noção e interiorização do espaço é panaceia para prejudica o mundo, já o despertar para a
todos os males; pretende-se, apenas, chamar a realidade globalizada dos nossos dias pode
atenção para a sua importância, bem como para apresentar-se como um ‘handicap’ algo gra-
a necessidade de maior relevo nos curricula do voso para uma sociedade que se diz disposta a
sistema educativo. Neste aspecto, e uma vez formar cidadãos conscientes e interventivos.
que estas notas surgiram no âmbito da educação Preocupa-nos o que nos é próximo. O distante
pré-escolar, este será o nosso campo de não nos é familiar – é diferente; ficamo-nos
reflexão. pela realidade sensitiva dos mass-media ac-
tuais! Para nos preocuparmos, precisamos de
II – Para uma espacialização do referências, e uma, de entre muitas, é a
quotidiano geográfica – a espacial.
Se, como nos querem fazer crer,
A nossa vida decorre no espaço! pretendemos, nas escolas, formar cidadãos de
Constatação evidente, mas tantas vezes por ‘corpo inteiro’, a educação para o espaço e a
todos nós descurada. sua organização deve começar desde logo. Se,

aprender
pág
Maio de 2003
128
para um adulto, possuir pontos de referência no sensações; as experiências afectivo-sociais
espaço e no tempo (que me desculpe Einstein!) é desenvolvem-se num local – a casa.
condição para que possa desenvolver a sua nor- Assim, a entrada no mundo escolar é,
mal rotina quotidiana, podemos imaginar uma como qualquer transição, abrupta, traumática.
criança perdida pela primeira vez na ‘imensidão’ Um dos papéis da educação pré-escolar será,
da sala de aula. então, o de proporcionar à criança um segundo
Para a criança, a necessidade de ter espaço onde se sinta tão integrada como em sua
uma relação próxima e até afectiva com o es- casa, isto é, um local onde possam ocorrer as
paço quotidiano é um dos elementos que lhe suas vivências de aprendizagem num sentido
pode proporcionar segurança e, como é quase lato.
inevitável em classes etárias mais baixas, A aprendizagem faz-se, também, por
bem-estar. A importância do ambiente espacial processos de tentativa-erro, mas nada faz

A Geografia na Educação de Infância


que nos envolve é tanta que nos serve como surgir com mais facilidade o sentimento de
uma peça de vestuário muito usada; por vezes, frustração face a um ‘falhanço’ do que quando,
nem lhe reconhecemos o valor para o nosso para além do pequeno insucesso, nos encon-
conforto. tramos num espaço com o qual não tenhamos
Decorre desta reflexão a importância, criado uma empatia e não nos sirva de refúgio
não só da organização e cuidado com o espa- perante a contrariedade. Óbvio é também que
ço que o Educador deve ter, como também a nem só o ambiente reconforta. Seria tal atitude
necessidade de educação para o meio geo- petulante e sem sentido, pondo em causa tantos
gráfico, sendo entendido como o suporte para outros factores pertinentes; no entanto, esta
qualquer experiência social e física, onde se chamada de atenção dever-nos-á fazer reflectir
inclui, de forma marcante, a aprendizagem sobre um aspecto aparentemente banal que faz
ou, se quisermos, todo o processo de ensino/ parte de um puzzle que só faz sentido quando
aprendizagem. todas as peças tiverem encaixado – o espaço.
Assim, cabe ao Educador proporcionar A Escola é um mundo novo e, para ser

Escola Superior de Educação de Portalegre


experiências de apropriação do espaço onde devidamente interiorizado, a criança deve
irá decorrer grande parte da vida da criança e passar por um processo de assimilação do
onde ela irá formar parte do seu Eu, bem como espaço que, se bem que lento, poderá pro-
adquirir ferramentas para um desenvolvimento porcionar-lhe uma segurança e bem-estar
harmonioso. essenciais para o seu equilíbrio. Desta forma,
Sem crianças formadas integralmente, a sala de aula é um espaço que a criança deve
formaremos adultos de fraca capacidade de conhecer e com o qual deve estabelecer uma
intervenção crítica; sendo o suporte espacial relação de empatia que lhe permita superar a
um dos que fornecem mais informação e for- mudança de ambiente.
mação para o nosso desenvolvimento, cabe à Será, assim, o educador o responsável
educação pré-escolar o papel de introduzir por desenvolver um ambiente propício ao pro-
conceitos e desenvolver capacidades para que cesso de ensino/aprendizagem. O conhecimento
mais tarde as crianças possam lidar com aqui- da sala de aula e da sua organização espacial
lo que lhes é inevitável – a realidade ou, se desempenhará uma parte no desenvolvimento
quisermos, a Geografia. de uma relação afectiva e efectiva com o meio
escolar.
III – Do Jardim de Infância a Casa O conhecimento e contacto com as
diversas áreas em que se organiza o ‘espaço/
A casa, ou o lar, é a nossa primeira sala’ será um instrumento de integração da
experiência de apropriação do espaço. Faz criança. Esse conhecimento e contacto deve-
parte do universo da criança antes de qualquer rá ser efectuado de forma lúdica e orientada,
outro; é nesse espaço que ela começa a possuir de modo a fornecer à criança os elementos
consciência do Eu. Ora, se no início da idade essenciais para que ela forme os seus próprios
pré-escolar a criança não distingue claramen- pontos de referência e inicie a sua apropriação
te o Eu do meio em que se insere, não será de um ambiente estranho. Assim, as actividades
descabido falar de um “Eu espacial”. O meio que desenvolvam e orientem o poder de
ambiente confunde-se com as suas próprias
aprenderMaio de 2003
pág 129
observação serão aquelas que permitam a fácil vai assimilar todos esses espaços; não obs-
movimentação e utilização do espaço da sala tante, o seu à-vontade pode aumentar se lhe
de aula, tornando, desta forma, mais eficaz proporcionarmos acções e actividades que lhe
todas as outras actividades que nela se dêem uma noção de apropriação do espaço
desenrolarão. escolar e da sua organização. Essas actividades
Todo este discurso só fará sentido se deverão ter um carácter integrador e não se
ponderarmos sobre o verdadeiro peso da limitarem aos aspectos da funcionalidade orga-
apropriação do espaço. Não se pretende dizer nizativa do espaço, pois a realidade é multifa-
que sem ‘educação para o espaço’, o processo cetada e não segmentada.
educativo seja ineficaz; porém, ele também Uma das actividades que pode resultar,
faz parte da educação, e, como tal, deverá ser e que de alguma forma desenvolve a capaci-
levado em conta de forma a alcançar uma dade da abstracção das crianças, são pequenos
A Geografia na Educação de Infância

maior eficiência de desempenho. “pedi-papers” ou “Caça ao Tesouro” na esco-


Naturalmente que se não se der la, ou plantas de tamanho ‘gigante’ (grande
conhecimento da sala de aula às crianças, elas escala), onde, por expressão plástica ou
tomarão contacto e apropriar-se-ão do meio fotografias dos espaços, se possa ir
autonomamente. No entanto, o espaço não preenchendo a realidade esquematizada. Uma
é ‘meu’, é ‘nosso’! A sua funcionalidade planta da escola onde cada sala aparecesse com
não é ‘minha’, mas de um todo colectivo. A a fotografia do(a) Educador(a); na cantina um
funcionalidade e organização do espaço está, prato com talheres; no pátio, um baloiço...
na sala de aula, ao serviço de todos. Levar a Este exercício poderia dar à criança a ideia de
criança a aceitar e compreender esta realidade que podemos representar a realidade de forma
é, antes de mais, formar e educar num sentido esquemática e abstracta; mais ainda, que o
amplo. O educador deverá então empreender nosso ambiente está organizado segundo uma
tarefas que, de forma democrática, levem a funcionalidade. Poder-se-ia ainda extrapo-
uma organização do espaço em função de um lar para outros espaços que são comuns ao
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todo. Por exemplo, os lápis de cor terão de estar mundo da criança, como por exemplo a casa.
colocados num local a todos acessível e não só Provavelmente a criança faz a sua higiene na
ao menino mais alto, mesmo que seja consensual casa de banho e janta na sala. Tal como em
que ele seja um brilhante desenhador. casa, na escola ou no jardim o espaço está
Promover ‘reuniões’ da turma para pensado para uma determinada utilização.
organizar algumas partes ou áreas da sala não A interiorização do espaço educa, forma e
só induz a criança a atribuir importância à facilita a predisposição para a aprendizagem.
forma de organização do seu meio como, A criança sabe que na área (cantinho) das
ainda, transmite regras e comportamentos histórias terá de assumir um comportamento
democráticos que formam o Eu. Este aspecto específico que lhe permita assimilar esta
torna-se ainda mais importante quanto é sabida actividade, como sabe que o seu grau de
a incapacidade de aceder ao ponto de vista autonomia é maior na “casinha” ou na
do outro – egocentrismo infantil. Pretende-se, “garagem”, onde coopera com os seus pares.
desta forma, ‘contrariá-los’ e, face à comuni- Insistindo ainda no aspecto casa/escola,
dade envolvente, orientá-los no processo de seria também impensável pedir a uma crian-
crescimento e educação individual e social. ça, no início do pré-escolar, para elaborar um
Assim, actividades de observação de mapa mental do percurso entre o seu local de
objectos de várias áreas da sala, arrumação residência e o jardim de infância. Podemos, no
individual ou cooperativa, etc. não só entanto, através de questionários e pequenos
fornecem regras e valores de convivência como debates, chamar a atenção para diferentes
proporcionam e desenvolvem um raciocínio de espaços que atravessa. Passa por um jar-
organização espacial. dim? Pelo campo? Como é o jardim? Etc...
A sala de aula está, no entanto, inserida Posteriormente, e através da expressão
num meio mais vasto - a escola ou o jardim plástica, a criança exprime a sua ideia do
de infância; a criança não está apenas na sala percurso interiorizando e concretizando, de
de aula, também vive na escola, vai à cantina, alguma forma, a sua realidade geográfica.
à casa da banho, ao pátio, etc. Por si só, ela Importante será chamar a atenção das
aprender
pág
Maio de 2003
130
crianças para a organização e diferentes te. Se, numa segunda fase desta actividade,
funções que o espaço desempenha, não de começarmos por colocar uma folha de papel
forma isolada mas integradora de outras áre- debaixo da maqueta, desenharmos o contorno
as. O educador deverá considerar a realidade e seguidamente retirarmos os blocos, a crian-
espacial e tentar que os seus educandos a ça percebe que a realidade representada é a
concretizem e interiorizem tal como as ou- mesma e introduzimos algo puramente abs-
tras áreas. Este aspecto, para além de ser tracto que é uma planta e, consequentemente,
importante para a formação integral da sua um mapa. A partir desse papel/planta podemos
identidade, permite o desenvolvimento de seguidamente representar, por expressão
outros factores associados que complementam e plástica, cada uma das áreas em que se
enriquecem o processo ensino/aprendizagem. organiza a sala, tornando novamente a tentar
concretizar para que a criança não perca o
IV – A “abstracção” do conhecimento

A Geografia na Educação de Infância


sentido do espaço representado. Num jogo
geográfico simples como este, que pode ter a participação
de grupos relativamente grandes, introduzimos
A introdução da Geografia na educação simultaneamente o conceito de escala e de
pré-escolar não passa apenas pela interiorização perspectiva – o mapa (ou neste caso a planta)
do espaço; esta área do conhecimento, como é a realidade vista de cima. O material elabo-
ciência de síntese que é, presta-se a tornar-se rado pode servir, se construído num suporte
numa ferramenta multifacetada e integradora suficientemente duradouro (cartão, papel de
de várias áreas nas quais recaem as Orientações cenário, etc...), para localizar os meninos na
Curriculares para a Educação Pré-Escolar. sala de aula (localização relativa) ou, ainda, para
O problema põe-se fundamentalmente distribuir a quantidade de meninos que po-
no que respeita à introdução e manipulação de dem brincar ou desenvolver actividades numa
conceitos relativamente abstractos ou determinada área da sala, levando-os ao hábito
desconhecidos, e portanto para a criança ine- de consultar uma planta, tarefa eminentemente

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xistentes, que esta ciência comporta. Um dos geográfica.
instrumentos fundamentais da Geografia são Como já foi referido na parte III des-
as cartas, que são representações abstractas da tas reflexões, as plantas podem também ser
realidade. Ora, nas classes etárias abrangi- exploradas para jogos do tipo “caça ao
das pela Educação de Infância, as crianças tesouro” e abrangendo espaços cada vez mais
necessitam de concretizar, movem-se com amplos (o próprio jardim de infância). Se for
dificuldade no abstracto, ainda que possam construída uma planta da escola, onde este-
utilizar conceitos não concretos. No que diz jam identificados os vários espaços de forma
respeito aos mapas, no entanto, eles são concreta e inequívoca, podemos traçar
puramente uma abstracção! Para que a crian- percursos, com postos de controlo e tarefas
ça possa manipular e entender a realidade a realizar em cada uma das paragens, que
cartográfica, ela necessita de compreender obrigam a introduzir a utilização de cartas
como se chega à abstracção. Este efeito pode esquemáticas. Mais ainda, as tarefas propostas
ser conseguido com maior ou menor êxito se podem servir para aplicar conhecimentos de
pudermos concretizar a realidade abstracta. outras áreas como o “Conhecimento do
Podemos conseguir este feito por Mundo”, de “Formação Pessoal e Social” e
técnicas relativamente simples como são os “Expressão e Comunicação”, abrangendo,
blocos de encaixe. Por exemplo, construir uma desde que se pretenda, os domínios que são
maqueta da sala de aula e situar as crianças propostos nas Orientações Curriculares, como
dentro dessa reprodução do espaço. Esta são os casos da expressão motora, dramática,
prática transmite à criança vários ensinamen- plástica, musical, matemática, linguagem oral,
tos tipicamente geográficos: primeiro, leva a etc. A partir de uma actividade de introdução à
criança a perceber que uma realidade concre-
ta e por ela conhecida pode ser representada
por um modelo que reproduz a realidade; em
segundo lugar, transmite a noção de posição
relativa do Eu em relação ao espaço envolven-
aprenderMaio de 2003
pág 131
Geografia, podemos integrar até à exaustão, outra área do conhecimento) será aconselhável
se assim o entendermos, todo um leque de co- abordá-las por dentro do seu próprio universo.
nhecimentos variados, que tornam a educação Como tão bem demonstra Kieran Egan nas
pré-escolar numa preparação essencial para a suas obras2 , às crianças atrai mais o exótico,
formação das crianças. o estranho, o diferente, do que uma realidade
Mas, se anteriormente partimos dos quotidiana que tão bem conhecem e a qual é
blocos de encaixe para uma realidade abstracta, valorativamente menos interessante do que um
este tipo de brinquedo também pode ser um mundo tão misterioso como o de Harry Potter!
importante ponto de partida para explorar Ora, independentemente das fantasias que
outras realidades do espaço envolvente. podemos integrar, elas necessitam de um
Podemos construir casas, bairros, cidades, ilhas, espaço físico concreto e real, ou seja,
montanhas, lagos, etc. Isto é, podemos alargar geográfico.
A Geografia na Educação de Infância

horizontes espaciais e voltamos a partir de um A diversidade de meios naturais e de


motivo geográfico explorando o conhecimento formas de vida atrai mais se for exótica. O
do meio, não só de uma forma estritamente deserto com as suas dunas imensas, os seus
geográfica, mas mais abrangente e completa. escorpiões perigosíssimos, cobras de venenos
Podemos contar casas, distâncias e contar potentes e lagartos alados que fazem as criatu-
histórias num ambiente construído a partir de ras fantásticas parecer meras brincadeiras, são
uma representação abstracta da paisagem. mais atraentes do que o jardim da esquina, que
Este tipo de actividades leva as crianças praticamente não tem segredos para desco-
a visualizar o espaço de formas diferentes e brir. A apresentação de um ambiente como o
a perceber a mudança de uma representa- deserto possui várias vantagens: permite,
ção tridimensional para uma representação por um lado, introduzir conceitos como o de
bidimensional. Este aspecto é tanto mais planície, calor, secura; e, por outro lado, sen-
importante quanto os estudos recentes mostram do uma realidade não próxima, pode ser um
a dificuldade que os adultos têm em interpre- campo fértil para a imaginação, passando
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tar um gráfico, um esquema ou uma simples a ser cenário de história e acontecimentos


planta turística de qualquer cidade. Pressu- fantásticos, que por seu lado podem integrar
por que as crianças em idade pré-escolar não outras áreas do currículo, desde a Expressão
possuem capacidades de percepção do espaço Dramática ou Plástica até à Matemática.
ou de utilizar uma planta simples não só não A diversidade de ambientes climáti-
é verdade como estudos realizados em países cos e geomorfológicos pode ser facilmente
Anglo-Saxónicos demonstram exactamente o explorada, nos dias de hoje, com recurso a tec-
contrário1. A prática da orientação desenvol- nologias que podem ir das mais sofisticadas,
ve desde cedo a capacidade de utilização de como os simuladores de voo em computador,
mapas, esquemas e desenvolve o poder de até às mais simples como vídeos. Pode-
observação directa da realidade, predispondo mos até não recorrer a nenhuma tecnologia
as crianças para a interpretação do conceptual e socorrermo-nos dos tradicionais livros e
e do abstracto. imagens que de forma alguma são menos actu-
ais, eficazes ou apelativos.
V – A Geografia como elo de ligação Desta forma, podemos ir da montanha
das diversas áreas à planície, do litoral ao interior, da floresta
ao deserto, encontrar uma ilha no meio do
Nem só de mapas vive a Geografia! oceano, visitar as neves eternas ou grutas com
Sendo uma ciência que estuda a paisagem e formas fantasmagóricas. Tudo isto pode ser
os impactos naturais ou humanos que nela se apresentado de forma lúdica e emocionante,
reflectem, a Geografia permite outras como numa história de Piratas e Corsários,
abordagens integradoras das várias áreas do Índios e Cowboys ou de Princesas Encantadas
currículo, desenvolvendo ao mesmo tempo e Príncipes (nem todos horríveis como sapos).
aspectos especificamente geográficos. Mais uma vez, aspectos geográficos, como os
Para que se possa atrair a atenção das ambientes naturais, e variações de temperatu-
crianças para a Geografia (ou para qualquer ras podem ser o elo de ligação entre as várias

aprender
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Maio de 2003
132
áreas propostas nas Orientações Curriculares, pátio pode transformar-se num deserto de be-
uma vez que a transversalidade da ciência duínos façanhudos ou na perigosa floresta da
geográfica assim o permite. A partir de uma serra mais próxima.
qualquer história onde se introduzem valores e Seguindo ainda Egan3, se a história for
conceitos de cidadania, podemos seguramente bem contada, a ida à padaria com a mãe pode
chamar a atenção e explorar os aspectos que ser uma luta entre a sobrevivência e o repasto
essa narrativa contém, pois qualquer história, escasso, onde o pai é acusado de ser ‘um fraco
por mais fantástica que seja, tem um suporte caçador de víveres para a família!’. A ideia é
espacial, ainda que imaginário (por exemplo, do distante para o próximo e do geral para o
andar numa nuvem). particular. Desta forma, o mundo vivenciado
No entanto, não devemos esquecer a pode entrar no universo do significativo para
necessidade de concretização que é inerente à a criança; ela aprende que também no seu

A Geografia na Educação de Infância


interiorização e apropriação dos conceitos por quotidiano existem experiências e observações
parte das crianças. Assim, além das imagens, da realidade onde se confrontam aspectos que
sejam elas apresentadas em que suporte for, a se podem coadunar com o seu imaginário e que
construção de maquetas, a expressão plástica, formam o seu Eu e a sua percepção espacial.
a exposição de fotografias, as dramatizações, No seu mundo diário pode ver montanhas,
as lengalengas ou canções conduzirão a uma planícies, rios, lagos, vales - A paisagem.
efectiva aprendizagem. Este tipo de procedi-
mento consolida o conhecimento e desenvolve VI – A narrativa como instrumento
o interesse pelo novo e pela diversidade. para a introdução do conhecimento
A diversidade de paisagens pode e deve geográfico
ser explorada uma vez que é praticamente
infinita na sua variedade; porém, a diletante Se pensarmos de forma estrita nos
inteligência infantil é fértil e carente de no- estádios de desenvolvimento cognitivo, pa-
vas realidades. Ao contrário do que muita da rece não haver forma de introduzir conceitos

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literatura sobre o conhecimento do mundo geográficos mais abstractos na educação
nos diz, depois de conhecermos, ainda que infantil, uma vez que se pressupõe que é
indirectamente, outras paragens, poderemos necessário partir do concreto para o abstrac-
valorizar mais facilmente as nossas. Desta to e do particular para o geral. Se assim é, a
forma, não é necessariamente certo que criança não poderá ir além, na educação pré-
devemos partir da realidade próxima para uma escolar, da realidade da escola, da casa ou, no
realidade mais distante e abrangente. Se um caso dos mais velhos, uma ténue iniciação do
grupo de excurcionistas portugueses se parar percurso casa/escola e de algumas realidades
de ‘boca aberta’ diante de ‘Notre Dame’, há próximas muito concretas. Ora, Kieran Egan
sempre uma voz, sabe-se lá vinda de onde, propõe exactamente (ou quase) o contrário: a
que grita baixinho: “Eh pá! A gente também lá criança pode manipular conceitos abstractos se
tem os Jerónimos!!”. Para conduzir a criança à apresentados de acordo com o seu microcos-
sensação de que, também no seu espaço, se mos “fantástico”, que é bastante mais vasto
passam coisas verdadeiramente interessan- do que a realidade quotidiana4. Não que o
tes, o segredo pode ser o paralelismo que se concreto deixe de existir; ele vai, por
estabeleça e a capacidade de fazermos aproximações sucessivas, sendo construído e é
despertar, na imaginação da criança, o gosto fundamental na interiorização do abstracto, para
pelo que lhe está perto. Se lhe mostrarmos que que a criança possa, mais tarde, contextualizá-lo
também existem escorpiões em Portugal, e face a situações reais.
que na serra de S. Mamede (para onde estou a Se assim é, os conceitos geográficos
olhar neste momento) existem plantas insectí- mais abstractos ou distantes podem passar a ter
voras e víboras cornudas, então a criança pode sentido. Se a Geografia estuda a paisagem e
transportar as aventuras do seu mundo também a representa, será necessária uma
fantástico para o pé da porta e despertar, para simplificação dos conceitos a introduzir sem,
uma realidade próxima. Este salto cabe ao no entanto, nunca os falsear. A paisagem é
Educador saber dá-lo! O parque infantil do “viva”! Ela transforma-se, distende-se,

aprenderMaio de 2003
pág 133
enruga-se, cresce, aparece como que vinda do montanha (ou cordilheira) por contacto en-
nada e desaparece não se sabendo para onde. A tre placas tectónicas pode ser um excelente
natureza e os seus processos de construção princípio para elaborar uma narrativa em que
da paisagem são, em si mesmos, emocionan- se defrontem forças contrárias e conceitos an-
tes; o nascimento de uma montanha pode ser tagónicos.
visto como um processo heróico; a Deriva Como todas as histórias pode começar
Continental conta histórias que por vezes com o inevitável «Era uma vez...» e depois
nem as imaginações mais delirantes (não as «...uma grande bola redonda chamada Mun-
infantis) conseguem dar uma pálida ideia. do. Era tão grande que nela existiam grandes
Para a criança, o mundo natural é pedaços de rocha que navegavam errantes
imutável. A cidade não se expande; a serra conforme se mexia. Por vezes o Mundo tinha
não cresce; o rio não envelhece e o clima não um acordar mal disposto e levantava-se com
A Geografia na Educação de Infância

muda. Mas apresentar o conceito de natureza em tanta força que os pobres blocos de rocha se
mutação, ou de dinâmica urbana, pode ser, moviam sem saber para onde iam; alguns
se nos limitarmos ao concreto, uma tarefa ficavam tristes, pois eram mandados para lo-
impossível. Fazer perceber a um adulto que cais onde passavam muito frio; outros tinham
a Serra da Estrela se foi elevando ao longo de se separar dos amigos e ir para locais tão
de milhões de anos e que a paisagem de hoje quentes, tão quentes que desesperavam de sede.
não será a de amanhã é já de si uma vitória, se Mas ao Mundo nada lhe importava! Não se
pensarmos nos níveis de literacia que o país ralava que ao mexer-se juntasse ou afastasse
apresenta. amigos de amigas, pais de filhos, maridos de
Sabemos, porém, que a criança pode mulheres!
manipular conceitos espacio-temporais se lhe Certo dia, dois grandes pedaços de
forem introduzidos de forma que sejam para rocha, ao fim de algum tempo de estarem
ela significantes. próximos, começaram a ter um ‘fraquinho’ um
“As histórias para crianças utilizam pelo outro. Ele era forte e grande como um
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oposições binárias abstractas e poderosas como guerreiro, mas a sua voz era suave e carinho-
bom/mau, valente/cobarde, segurança/receio. sa quando falava para ela (o outro pedaço de
Isto é, as crianças desde muito cedo estão na rocha). Ela era bonita e elegante e, embora
posse de alguns dos mais poderosos e abstractos não conseguisse chegar perto dele, sentia uma
conceitos na compreensão do Mundo.”5 grande ternura pelo seu companheiro. Ele
Sendo estas afirmações correctas, tinha o nome de Ásia e ela chamava-se Índia.
podemos planear os aspectos geográficos para Certo dia, Mundo acordou particular-
a educação de infância de forma a sermos mente enfurecido e esbracejou, gritou, pulou e
“Sensíveis aos conceitos abstractos poderosos mexeu-se com tal violência, que sem dar por
sobre os quais podemos estruturar o conteúdo isso, aproximou ainda mais Índia do seu belo
concreto. Não é demais insistir que só atra- guerreiro. Ásia ficou feliz. Finalmente estavam
vés da associação do conteúdo concreto com juntos, mesmo com as ‘maldades’ que Mundo
poderosas oposições binárias abstractas do lhes fizera; eles estavam agora juntos e ambos
pensamento infantil poderemos esperar tornar decidiram não se separar mais e abraçaram-
esse conteúdo significativo para os alunos.”6 se com muita força, com toda, toda a força.
Nada melhor do que a dinâmica geo- Ásia, que era grande e forte, abraçou Índia e
lógica e as forças naturais para criarmos his- juntos suportaram todos os puxões, abanões e
tórias poderosas, exóticas e fantásticas, onde empurrões que Mundo lhes dava.
conceitos próprios da geografia, mas não só, Enfurecido, Mundo gritava e protestava
podem chegar às crianças de uma forma efec- com uma voz tão forte que tudo estremecia.
tiva e atraente, permitindo a interiorização da Índia, ao ouvir aquela voz, sentia-se muito
realidade. Para tal, há que organizar e ima- pequenina e agarrava-se ainda mais ao seu
ginar uma história que prenda emocional guerreiro, que embora fosse muito forte,
e afectivamente as crianças e contenha os também tinha um bocadinho de medo. Mas
ingredientes que estão de acordo com o seu vencia-o!
imaginário. Deste abraço forte e com muita ternura,
Por exemplo, a formação de uma nasceu um filho do belo casal e no meio dos
aprender
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134
dois começou a crescer. Primeiro pequenino; mais, disse aos seus amigos para com muita
depois, a pouco e pouco, amparado pelos pais, paciência e jeito moldarem para sempre as
foi crescendo, crescendo, até que se tornou paisagens.
mesmo muito grande e robusto e os três nunca Índia e Ásia ficaram muito felizes e o
mais se separaram. seu filho, a grande montanha, poderia continu-
Mundo estranhou. Não podia perceber ar a crescer, fruto do seu abraço! A montanha
tal amor e apenas queria continuar a revolver e chama-se hoje Evereste! É a montanha mais
sentir mexer todos os seus “componentes”. Na alta do mundo e tem muitos irmãos. Todos
impossibilidade de afastar aquelas três massas juntos chamam-se “Himalaia.”»
‘imóveis’, resolveu chamar alguns amigos que Este é apenas um exemplo que apa-
os pobres blocos de rocha bem conheciam. receu ao correr da imaginação! Com toda a
Eram eles: a Chuva, o Vento, o Rio, o Calor e certeza que educadores experientes se lembra-

A Geografia na Educação de Infância


o Frio. Todos os blocos de rocha que navega- riam de construir muitas mais histórias, mais
vam pelo Mundo os conheciam por eles serem imaginativas e atraentes; no entanto, o que
responsáveis por os moldarem como se fossem aqui se tenta mostrar é que podemos introduzir
plasticina. Faziam-lhes golpes, mudavam-lhe conceitos, neste caso referentes à Geogra-
as formas, enfim, eram responsáveis por mil fia. Conceitos como erosão, o surgir de uma
tropelias. E Mundo ordenou-lhes que montanha, movimentos tectónicos, transfor-
atacassem aquela alta montanha que se estava mação da paisagem. Não podemos esquecer
a formar e tentassem de todas as maneiras não que existe também uma necessidade de con-
a deixar crescer mais! Eles lá foram... cretização; tal poderia ser conseguido com
O Vento soprou forte, mas tão forte que imagens que acompanhariam a narrativa,
até pedaços da montanha arrancou e com es- imagens essas que deveriam ser, o mais
ses pedacinhos fazia bolas, muito duras, que possível, reais (e que estão disponíveis em
arremessava com violência contra as paredes livros de divulgação e de fácil acesso).
da vítima. Mas ela, cheia de orgulho e sempre Posteriormente, poder-se-ia passar à expres-

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apoiada pela força dos pais, resistia são plástica: o desenho, ou a moldagem são
tenazmente. O Rio tentou outra forma; preferiu hipóteses a desenvolver, acompanhadas pelo
desferir-lhe golpes profundos nas vertentes e vídeo, ou o manuseamento de fotografias,
descer por ela com velocidade para lhe mu- a pesquisa em livros e imagens relativas à
dar a forma e a tornar mais pequena. O Calor história que complementariam e concretizariam
instalou-se em vales profundos, fazendo as a actividade.
pedras das montanha incharem até abrirem As histórias não têm forçosamente de
fendas. A Chuva caía aumentando a força ser imaginadas. A cultura popular, que muitas
do seu companheiro Rio e juntou-se ao Frio. vezes está bem próxima das crianças, deve ser
Assim, a neve cobriu, com o seu bonito man- uma fonte a explorar. As narrativas clássicas
to branco, as partes mais altas da montanha. podem ser outro ponto de partida. Todas elas
Continuaram com as suas partidas, mas a estão estruturadas de forma “binária”, opõem o
montanha ia resistindo e ficando cada vez mais bem ao mal, a honestidade à falsidade, o traba-
bela. lho à preguiça, a ordem ao caos. Todas elas se
Passados muitos anos, o Mundo, quase desenrolam num espaço e introduzem
sem notar, olhou para os blocos de rocha que conceitos relacionados com a paisagem, a sua
nele flutuavam e, de repente, observou como estrutura, a sua modificação, os seus ritmos, e
tudo o que continha em si era belo. Chamou- a forma como o Homem com ela se relaciona,
lhe a atenção uma imponente montanha, alta e como a molda e transforma em seu proveito
forte, com vertentes abruptas e o cume coberto (e infelizmente em seu prejuízo!). Pensemos,
de neve. Achou tudo muito, muito bonito! por exemplo, na história do “Patinho Feio”. Para
Deu-se conta daquilo que os seus movimentos, além de todos os aspectos relacionados com o
mesmo que involuntários, criavam; faziam imaginário infantil, apresenta também aspectos
nascer coisas e dos seus blocos de rocha
surgiam paisagens belas e inesperadas!
Decidiu que nunca mais tentaria contrariar os
movimentos e atracções dos blocos rochosos;
aprenderMaio de 2003
pág 135
do meio que, se explorados, poderão ser o EGAN, Kieran; O Desenvolvimento Educacional; D.
ponto de partida para aspectos geográficos. A Quixote, Lisboa, 1992.
EGAN, Kieran; O Uso da Narrativa como Técnica de
mudança das estações, o frio e as agruras do Ensino; D. Quixote, Lisboa, 1994.
ambiente que o ‘falso pato’ tem de suportar MARQUES, Ramiro; Educação Cívica e Desenvolvimento
são aspectos directamente ligados ao estudo Pessoal e Social – Objectivos, Conteúdos e Méto-
do meio e, como é óbvio, à Geografia. Nestes dos; Texto Editora, Lisboa, 1990.
MOGARRO, Mª João; Histórias da História. Marvão no
casos a transposição para uma realidade
Dia Mundial da Criança; Aprender, Revista da
concreta nem sequer é difícil, é evidente! Escola Superior de Educação de Portalegre, Nº
Chove no Inverno, faz calor no Verão, é 23, Portalegre, 1999.
necessária mais roupa no frio e menos no Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar;
tempo quente das férias. Ministério da Educação, Departamento da Educa-
ção Básica, Lisboa, 1997.
A Geografia está (ou pode estar) em ROLDÃO, Mª do Céu; O Estudo do Meio no 1º Ciclo.
A Geografia na Educação de Infância

todos os aspectos que queiramos abordar. Fundamentos e Estratégias; Texto Editora, Lis-
Felizmente que temos um espaço. Usufruir boa, 1995.
melhor ou pior deste recurso também depende SALGUEIRO, Teresa Barata; Sobre o Valor Educativo da
Geografia; Aprender, Revista da Escola Superior
da educação e quanto mais cedo se iniciar a
de Educação de Portalegre, Nº 10, Portalegre,
introdução dos instrumentos essenciais à vida 1990.
melhor preparados estaremos para sermos SPODEK, Bernard; Ensinando Crianças de Três a Oito
cidadãos de um planeta e, de forma mais Anos; ArtMed, Porto Alegre, 1998.
estrita, de uma comunidade que se deseja
consciente e activa. Notas:
Naturalmente que qualquer criança
facilmente se adapta ao novo espaço físico em
que se insere e “sobrevive” sem dificuldade 1
BOARDMAN, David; O Desenvolvimento da Graficacia:
à mudança, conseguindo movimentar-se com A Percepção Cartográfica dos Jovens, Apogeo, Lisboa,
Dezembro,1991
à-vontade após algumas horas/dias de prática.
Escola Superior de Educação de Portalegre

2
EGAN, Kieran; Estádios da Compreensão Histórica;
Porém, a criança estará apenas a usar o instin- ESEP, Portalegre, 1990 (Doc. Policopiado)
to e não a estimular a inteligência, o que lhe 3
EGAN, Kieran; O Uso da Narrativa como Técnica de
possibilitará uma integração positiva Ensino, Lisboa, D. Quixote, 1994
4
no(s) meio(s) onde se processarão as suas EGAN, Kieran; O Desenvolvimento Educacional;
Lisboa, D. Quixote, 1992
experiências do dia a dia. 5
E G A N , K i e r a n ; E s t á d i o s d a C o m p re e n s ã o
Se, por um lado, a ingenuidade, franque- Histórica; ESEP, Portalegre, 1990 (Doc. Policopiado)
za e fragilidade de uma criança nos fascina e 6
E G A N , K i e r a n ; E s t á d i o s d a C o m p re e n s ã o
tem de ser respeitada, por outro lado, não nos Histórica; ESEP, Portalegre, 1990 (Doc. Policopiado)
podemos permitir menosprezar todas as suas
qualidades e apetência para o saber. Devemos
explorar e alargar os horizontes e potencialida-
des que o Ser Humano, como ser inteligente que
é, possui e que necessitam de ser estimulados,
incentivados e enriquecidos. “De pequenino se
torce o pepino!!”

Referências Bibliográficas

BOARDMAN, David; O Desenvolvimento da Graficacia:


A Percepção Cartográfica dos Jovens; Apogeo,
Revista da Associação dos Professores de Geo-
grafia, Lisboa, Dezembro de 1991.
EGAN, Kieran; Estádios da Compreensão Histórica; (doc.
Policopiado), ESEP, Portalegre, 1990.

aprender
pág
Maio de 2003
136
O debate actual em torno da influên-
cia das ciências da natureza no mundo
ocidental e suas implicações na forma-
ção de professores – Parte II

Francisco Cid
Escola Superior de Educação
de Portalegre

Formação de Professores
Ciências da Natureza e
O presente artigo, cuja “Parte I” foi pu- Nesta “parte II”, tecerei algumas
blicada no número anterior desta revista, tem considerações sobre um outro conjunto de
como objectivo contribuir para uma discus- críticas formuladas à natureza e objectivos do
são em torno da natureza da ciência e do seu conhecimento científico, bem como à me-
estatuto no mundo ocidental, bem como das todologia da actividade científica e às
perspectivas de evolução do conhecimento e circunstâncias em que esta actividade se
pensamento científicos, discussão que pode desenvolve.

Escola Superior de Educação de Portalegre


ter interesse para franjas com significado na
sociedade e que não deve passar despercebida Críticas aos fundamentos da ciência
numa instituição formadora de professores.
Na “parte I” procurei mostrar alguns dos Nas últimas décadas tornou-se um
factores que caracterizam a influência que a hábito responsabilizar a ciência por diversos
ciência moderna, cujas origens mais próximas problemas que o mundo enfrenta. Mas, para
remontam ao século XVI, tem exercido no além desta responsabilização, existe uma
desenvolvimento da civilização ocidental. outra classe de críticas que fez sentir os seus
Apresentei ainda alguns dos resultados, efeitos ao longo do último século e que não se
conceitos e noções que a actividade científica relaciona directa e explicitamente com os
tem produzido e que se aceita serem benéfi- produtos da investigação científica. Nesta
cos para a humanidade, assim como diversos nova classe de críticas é a própria actividade
problemas que o mundo enfrenta, e que, como científica, bem como a influência que exerce
resultado de uma apreciação pouco rigorosa na organização social, económica e política
e sem aprofundamento das causas que estão do mundo que são postas em causa. Quanto
na sua génese, são, com alguma frequência, aos princípios gerais da ciência, como a ra-
referidos como consequências da evolução cionalidade, a objectividade e a causalidade,
científica e tecnológica. Na sequência dessa eles são agora considerados os responsá-
apresentação, foi feita uma análise a três dos veis pelo estado de um mundo que algumas
problemas os relacionados com a poluição, com correntes de pensamento, ainda que com
o aproveitamento da energia nuclear e com as perspectivas e interesses diversificados,
desigualdades entre povos análise que, embora consideram em desagregação.
elementar, permitiu verificar a fragilidade de Em “A Cultura Científica e os seus
alguns dos argumentos das correntes de pensa- Inimigos – o legado de Einstein”, Gerald
mento que sistematicamente os relacionam com Holton, apresenta uma síntese de sucessivas
a evolução da ciência. críticas que têm sido feitas à ciência, com

aprenderMaio de 2003
pág 137
apresentação das justificações correspondentes, com os índices “≥ 40” e “≈ 40”, no que se re-
bem como dos movimentos e pessoas que se têm fere ao indicador económico ”produto interno
distinguido neste processo. bruto em paridade de poder de compra”,
Dessa relação, mas tendo em conside- surgindo algumas economias europeias, como
ração os condicionalismos próprios de um a alemã e a francesa, nos lugares seguintes. A
artigo desta natureza, passo a analisar alguns projecção para 2020 continua a apresentar o
dos exemplos referidos, com a finalidade de índice 100 para os Estados Unidos, mas a
contribuir para a compreensão do conteú- China ascende ao primeiro lugar, com o ín-
do e avaliação da validade dos argumentos dice 140. O Japão mantém o terceiro lugar,
apresentados. sensivelmente com o mesmo valor de 1992,
aparecendo em quarto e quinto lugares a Índia
i) A responsabilidade da ciência pelo eventual e a Indonésia, caindo a Alemanha para sex-
declínio da civilização ocidental to, ainda que mantendo um valor no índice
semelhante ao de 1992. Estes dados parecem
Em 1918 é publicado o livro “A ser concordantes com a previsão de Spengler.
Decadência do Ocidente”, da autoria do No entanto, a assunção desta concordância
Formação de Professores

historiador, filósofo e professor de matemática merece alguma reflexão.


Ciências da Natureza e

Oswald Spengler, onde é previsto o declínio Com efeito, de acordo com o conhe-
da civilização ocidental, nomeadamente de- cimento que hoje temos sobre a evolução do
vido à influência que a ciência exerce nesta desenvolvimento económico e tecnológico
civilização e precisamente quando atingir um dos países, não deixa de parecer paradoxal
elevado estado de desenvolvimento. Alguns que se atribua à ciência uma parte significati-
contornos desta influência são configurados va das responsabilidades do declínio de uma
pelo autor, destacando-se a substituição da alma civilização e se anteveja a evolução de uma
pelo intelecto, a reinterpretação da Natureza e outra, processo que, a ocorrer, teria por base
a adopção da noção de causalidade, em vez da exactamente a transferência de conhecimento
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de destino. científico e tecnológico da civilização em de-


Como Holton salienta, Spengler prevê clínio para a civilização em desenvolvimen-
a quebra de autoridade da ciência para lá dos to. O paradoxo reside nesta circunstância: a
seus laboratórios, devido à tendência em se ciência foi descrita por Spengler como uma das
aplicar ao mundo da História as técnicas que são causas do declínio ocidental, mas actualmente é
apropriadas ao mundo da natureza. Conside- considerada um dos factores que possibilitam a
ra ainda o autor que as conquistas científicas evolução de outras civilizações, nomeadamen-
apenas escondem o facto de a ciência estar te asiáticas. Talvez se compreenda melhor a
destinada a condenar-se a si própria, probabilidade de declínio de uma civiliza-
arrastando consigo as outras componentes da ção e de evolução de outra, se partirmos do
civilização ocidental. pressuposto de que a responsabilidade por tal
eventualidade reside nas diferentes capacida-
Ao considerar a possibilidade de declínio des dos diversos agentes - culturais, sociais,
da civilização ocidental, Spengler ainda prevê políticos e económicos - em promoverem
uma supremacia, primeiro económica e depois dinâmicas que, entre outros e variados com-
militar, exercida por um país do oriente nos portamentos, aproveitem melhor o carácter
finais do século XX, previsão que parece racionalista e universalista do pensamento
estar em concordância com o crescimento científico e as potencialidades criadoras da
económico dos países do sul da Ásia, bem como investigação científica e tecnológica. Acei-
com algumas projecções, apresentadas inclusi- tando este pressuposto, o Ocidente ainda está
vamente pelo Banco Mundial. certamente a tempo de evitar o colapso
De acordo com Mateus e outros, previsto por Spengler.
em 1992, e tomando os Estados Unidos da Quanto à apregoada responsabilidade
América como referência e com o índice 100, da ciência, não deixa de ser curioso que, de
o Japão e a China ocupavam, por esta ordem, o acordo com Holton (1998), seja o próprio
segundo e o terceiro lugares, respectivamente Spengler a elucidar-nos acerca das razões com

aprender
pág
Maio de 2003
138
que justifica a crise científica que arrastará as desta natureza, bem como sobre os centros de
outras componentes da civilização ocidental: poder, nomeadamente os que decidem o finan-
a tendência em se aplicarem ao mundo da ciamento da actividade científica.
História as técnicas que são apropriadas ao Parece ser fácil cairmos na tentação de ge-
mundo da Natureza. Contudo, não é evidente neralizar. Contudo, devemos ter cuidado quando
que as consequências dessa aplicação possam essa generalização afecta de forma muito directa
ser imputadas à ciência. Com efeito, são al- um dos pilares da nossa civilização, a menos
guns dos praticantes de outros domínios do que seja exactamente esse o nosso propósito.
conhecimento os próprios a reclamarem a uti- Compreender-se-á melhor a necessidade de
lização dos métodos próprios das ciências da termos este cuidado se soubermos que, nos casos
natureza para assegurarem o reconhecimento da em que houve uma inventariação de fraude, os
validade das suas práticas, conclusões e resultados mostraram uma ocorrência de redu-
construções teóricas. zido significado. Com efeito, de: “entre as ava-
liações razoavelmente quantificáveis que temos
ii) A questão da fraude e da corrupção na acti- à nossa disposição encontra-se, por exemplo,
vidade científica a Biblioteca Nacional de Medicina, segundo a

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qual, no período de 1977 a 1986, durante o qual

Ciências da Natureza e
A partir da década de 80 do século XX, se publicaram cerca de 2 780 000 artigos na
surgiu uma corrente de opinião, de amplas literatura biomédica mundial, 41 destes tiveram
e graves consequências, segundo a qual a de ser excluídos devido à presença de dados
actividade científica é corrupta e fraudulen- fraudulentos ou falsificados – uma percentagem
ta. Estes presumíveis defeitos, corrupção e abaixo de 0,002% das publicações científicas
fraude, foram, de acordo com Holton, denun- por década”. (Holton, 1998, p. 36)
ciados em livros, relatórios oficiais e artigos Embora se não deva aceitar qualquer
de imprensa e deram mesmo origem à criação caso de fraude, devendo cada um deles ser de
de departamentos governamentais com a fina- imediato denunciado, não é honesto instigar à

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lidade de os analisar. A denúncia de incidentes suspeição sobre toda a comunidade científica,
específicos e pontuais foi de tal forma a partir de um número tão pouco significativo
extremada que afectou a imagem do cientista de casos conhecidos. Certamente não se actua
e da actividade que exerce, especificamente desta forma noutras situações. Como exemplos,
perante a opinião pública. apresento algumas das possíveis situações em
Entre outros eventos, considerem-se, que actuamos de outro modo: quando um agen-
como exemplos deste ataque: i) a publicação te da autoridade é preso não se põe em causa
de um livro, da autoria de dois influentes toda a corporação; quando um magistrado é
redactores científicos do New York Times, cujo acusado de prática fraudulenta no exercício
título, “Traidores à verdade: fraude e logro da justiça não se acusa toda a magistratura;
nas mansões da ciência”, elucida acerca dos quando um responsável político é acusado
propósitos dos autores; e, ii) a elaboração de de fraude ou de comportamento socialmente
um relatório apresentado ao Congresso dos inaceitável não se rejeita toda a actividade
Estados Unidos, pelo Congressional Research política. Pelo contrário, costumamos exigir
Service, intitulado “Comportamento científico que se esclareça a situação para não virmos a
incorrecto na Academia”, onde se sugeria a ser prejudicados por tais acções desenvolvidas
possibilidade de existência de significativos no seio da comunidade onde nos integramos e
comportamentos indecorosos por parte dos que nos é essencial. Nestes casos, ou noutros
cientistas. semelhantes, apenas vejo três razões para
generalizarmos: por incúria ou desconheci-
Este ataque, além de não ter prece- mento; por sabermos que a fraude é fenómeno
dentes, foi vergonhoso, principalmente por corrente, o que deve ser provado e depois
generalizar a partir dos poucos casos que punido; ou, porque estamos interessados em
foram identificados, com a consequente denegrir todos os profissionais da respectiva
influência que exerceu sobre a consciência actividade. Resta então saber qual será, de
colectiva, eventualmente receptiva a fenómenos

aprenderMaio de 2003
pág 139
entre estas, a razão que move todos aqueles que possibilidade de validar.
objectivamente estão a denegrir a ciência. No que concerne à pseudo-ciência, não
O problema da fraude e da possibi- é legítimo falar de desvio. Com efeito, os
lidade de erro em ciência é apresentado de praticantes da pseudo-ciência, que geralmente
forma brilhante por Robert Park em “Ciência não são cientistas, acreditam que estão realmente
ou Vodu – da insensatez à fraude”. Ao abor- a fazer ciência. Na maior parte dos casos, esses
dar a questão do erro, Park admite que ele “é praticantes não conhecem, ou conhecem mal, os
uma componente normal da ciência” e afirma princípios, leis, e metodologias científicas, pelo
que “mesmo alguns cientistas eminentes vi- que cometem erros durante as várias fases das
ram as suas carreiras manchadas por terem suas investigações, apresentando, como conse-
interpretado mal eventos pouco importantes” quência, conclusões erradas, mas que acreditam
(Park, 2002, p. 23). Não obstante, não se pode serem cientificamente válidas.
estabelecer qualquer confusão entre a fraude No universo de actuação da pseudo-
e o erro cometido, divulgado e defendido por ciência, podemos encontrar pesquisas e
um cientista, ainda que este seja conceituado e resultados incorrectos nos mais diversos
respeitado pelos seus pares. A fraude, se domínios, de que destaco dois exemplos que,
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precedida de erro, só começa quando o de entre os mais conhecidos, me parecem ser


Ciências da Natureza e

cientista verificar que errou e continuar a também dos mais divulgados: a procura do
defender o erro, processo que tem o seguinte perpetuum mobile, ou seja, do motor que não
desenvolvimento: “aquilo que pode começar gasta energia; a apresentação, fabricação e
por ser um erro honesto acaba entretanto por, divulgação dos chamados produtos naturais,
através de etapas quase imperceptíveis, evoluir alegadamente com imensas potencialidades na
do engano para a fraude” (Park, 2002, p. 24). prevenção e na cura de todo o tipo de doenças.
Ao caracterizar os desvios à prática No caso do motor perpétuo, são as leis da ter-
científica e que são responsáveis pela maior modinâmica que mostram a sua impossibilida-
parte dos erros e fraudes cometidas, Park de. Quanto aos produtos naturais, como Park
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apresenta quatro categorias: ciência mostra, há pretensos medicamentos em que,


patológica; ciência refugo; ciência fraudulenta; caso se aceite como verdadeira a informação
pseudo-ciência. que os rótulos apresentam sobre o grau de
Os três primeiros desvios podem ser diluição, o paciente teria de tomar cerca de 30
cometidos por cientistas, o que parece litros do produto para ingerir uma molécula da
confirmar que existe fraude, ou pelo menos erro substância activa. Num outro exemplo, pode
grave, nos domínios da actividade científica. deduzir-se que o “medicamento” contém uma
Não obstante, uma análise mais aprofundada molécula da substância activa por cada 10400
mostra-nos que esta conclusão é precipitada. moléculas de água, o que corresponde a uma
Com efeito, os indivíduos que enveredam, quantidade muito, mesmo muito superior à
conscientemente ou não, por qualquer destes totalidade dos átomos existentes no Universo,
desvios, independentemente das suas motiva- pasme-se, superior em 320 ordens de grandeza.
ções, costumam recusar a sujeição das suas O resultado é hilariante, mas há produtos com
práticas e pretensas descobertas aos proce- esta informação que tiveram a sua venda.
dimentos científicos de validação, nomeada- O que é inquietante é que, embora
mente à repetição da actividade experimental completamente errados, ou mesmo fraudu-
e à discussão dos métodos e dos resultados lentos quando lhes é associado o nome de um
obtidos. Nestas condições, facilmente se per- cientista, os resultados e produtos da pseudo-
cebe que não é a comunidade científica que -ciência têm o privilégio de serem divulga-
deve ser acusada de fraude, embora alguns dos dos por uma certa comunicação social (que
seus membros o possam ser. Mas, apesar desta apelidarei de pseudo-científica) e o apoio de
evidência, não deixa de ser curioso que alguns departamentos governamentais, além de
dos movimentos críticos da ciência acusem de merecerem a consideração de uma opinião
elitismo ou mesmo de tirania a comunidade pública mal informada. Perante o carácter
científica, exactamente pela sua relutância em lamentável de tais apoios, seria mais provei-
aceitar teorias ou investigações que não tenha toso para a humanidade que os que acusam a

aprender
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Maio de 2003
140
actividade científica de cometer fraude poderes político e militar na ciência. Como
procurassem e divulgassem os erros e as exemplo, Park apresenta, entre outros, o
fraudes cometidas no âmbito da pseudo- programa conhecido por “Guerra das Estrelas”,
ciência. Seria interessante saber porque não o desenvolvido durante o mandato do Presidente
fazem ou, quando tal acontece, porque o fazem Ronald Reagan. Tratando-se de um projecto dito
tão timidamente. secreto, caso se assumisse, por impossibilidade
No que concerne à existência de uma teórica e experimental de o concretizar, ser frau-
ciência fraudulenta, é assumido que alguns dulento, toda a administração americana seria
cientistas cometeram, ou estiveram em vias posta em causa, pois os custos das primeiras
de cometer fraude. Contudo, as suas propostas investigações foram demasiado elevados.
foram rejeitadas pela comunidade científica, Perante os exemplos apresentados, faz
principalmente a partir do momento em que sentido a pergunta: como é possível que se
recusaram que as suas pretensas descober- venha a criticar a ciência por cometer frau-
tas fossem submetidas aos procedimentos des, se a maior parte das que são detectadas
decorrentes da aplicação dos critérios de ocorrem no âmbito da pseudo-ciência ou,
cientificidade aceites por essa comunidade. quando envolvem cientistas, estes são

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Ao ilustrar este desvio, Park aponta a suposta denunciados pelos seus próprios pares?

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descoberta da fusão nuclear a frio, a qual Ao procurarmos elaborar uma qualquer
nunca foi confirmada. Apesar da não confirma- resposta, constatamos que, independente-
ção, a verdade é que os seus autores, Stanley mente de haver ou não desconhecimento, a
Pons e Martin Fleischmann, tiveram todo o principal preocupação de alguns dos críticos
apoio de departamentos governamentais e pós-modernistas da actividade científica reside
viram a sua pretensão de terem descoberto algo na tentativa de deixarem criar na generalidade
realmente importante e cientificamente válido das pessoas a suspeição de que a ciência é
ser amplamente divulgada pela imprensa. Park fraudulenta.
considera que estes dois químicos começaram

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por divulgar, por insensatez, o que lhes pare- iii) A ciência enquanto construção social.
cia ser um resultado científico de qualidade e
de profundas consequências para um mundo Para um movimento bastante heterogéneo,
que necessita de novas fontes de energia. No composto por filósofos, sociólogos, epistemólo-
entanto, admite que, pela forma como defen- gos, antropólogos, jornalistas e funcionários go-
deram o processo experimental utilizado, os vernamentais, que normalmente se integram em
princípios teóricos justificativos e o resul- algum dos designados “programa forte”, “pro-
tado que julgavam ter obtido, aqueles dois grama fraco”, “programa relativista”, “programa
cientistas se aproximaram perigosamente da etnográfico e construtivista” da sociologia da
fraude científica. ciência, bem como no “movimento femininista”,
Porque é que a reacção da comunidade a actividade científica é considerada um mito
científica não foi amplamente divulgada pelos útil, onde prevalece o relativismo, ao ponto de se
que acusam a ciência de fraude, ao invés do considerar que a aceitação de que algo é
que aconteceu com a pretensa descoberta? verdade depende do lugar e da época em que
Mais grave ainda, porque é que se deixou criar o facto ocorre, e de que “existe um grande
na opinião pública a ideia de que esses dois elemento subjectivo no processo pelo qual as
cientistas foram perseguidos pela comunidade ideias científicas são aceites” (Weinberg, 1996,
científica quando apenas procuravam contri- p. 171). Além de ser um mito útil, a ciência
buir para a resolução do problema da falta e do ainda é considerada sexista e machista, bem
elevado custo da energia? como incorrigível e carreirista, ao ponto de
Quando um cientista comete fraude alguns dos seus objectos de estudo mais não
nem sempre é dada à comunidade científica a serem do que ficções socialmente construídas.
possibilidade de comprovar a validade das Tomemos conhecimento de algumas
investigações que estão na origem dessa conclusões de representantes deste
fraude. Situações deste tipo também podem movimento:
ocorrer quando se verifica uma ingerência dos

aprenderMaio de 2003
pág 141
· Segundo Evelyn Fox Keller, “desen- por Weinberg, 1996, p. 172).
volvimentos recentes na história e filosofia da É caso para dizer que o que ninguém tem
ciência levaram à reavaliação que reconhece é a obrigação de acreditar na boa fé do autor.
que os objectivos, métodos, teorias, e mesmo · Sandra Hardings considera que a
os dados actuais das ciências naturais, não ciência está escrita em termos machistas,
estão escritos na natureza; todos estão sujeitos podendo interpretar-se alguns dos textos
ao jogo de forças sociais.” (Keller, citada por científicos como descrevendo a humilhação e
Baptista, 2002, p. 19). a exploração da mulher nas suas relações com
Evelyn Fox Keller tem formação na área o homem. A obra que marca toda a ciência
das ciências da natureza, pelo que faz sentido a moderna, os “Philosophiae naturalis principia
questão: qual será o seu objectivo?; mathematica”, de Newton, é, para Hardings,
· Para Bruno Latour e Steve Woolgar, um manual de violações. Conforme Baptista
“as negociações em relação ao que deve ser nos recorda, a autora chega mesmo a encontrar
considerado uma prova ou em relação ao que metáforas de violação e de tortura nos escritos
constitui uma boa demonstração não são nem de Francis Bacon, que, em concordância com
mais nem menos desordenadas do que qual- algumas teses comummente aceites sobre a
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quer argumento entre advogados e políticos” epistemologia da ciência, foi o filósofo que
Ciências da Natureza e

(Latour e Woolgar, citados por Weinberg, 1996, lançou os alicerces do movimento experimenta-
p. 172). lista em ciência, o qual, na sua fase inicial, esteve
Que significado tem o termo “negocia- intimamente ligado ao trabalho desenvolvido
ções” para os autores? por artesãos, artífices e mestres.
· Andrew Pickering, ao escrever o li-
vro “Construindo os Quarks”, começa por Algumas destas afirmações, principal-
atacar a ciência logo no título. Mas, ao mente as que apresentam a ciência como uma
contrário do que o autor pretende transmitir, construção social, merecem um sério debate.
os quarks são objectivamente constituintes Outras provavelmente não merecem que se
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de um grande número de partículas elementa- lhes dê crédito e importância. Não obstante, e


res, de que as mais conhecidas são os protões porque em sociedades civilizadas seria um mau
e os neutrões, não são construções sociais princípio proibir alguém de manifestar as suas
elaboradas pelos físicos. Como Varela (1996) opiniões, devemos estar atentos porque essas
salienta, é verdade que nos finais da década de afirmações também têm o seu público, o qual,
60 o modelo dos quarks era por muita gente devido ao facto de constantemente ser mal
considerado uma estrutura matemática capaz de informado sobre o papel da ciência na nossa
descrever o mundo das partículas elementares, sociedade, merece ser esclarecido. De acordo
mas havia dúvidas quanto à existência física com Weinberg, não deve haver cientista algum,
dos próprios quarks. Mas, refere ainda que de entre os actuais, que se deixe influenciar
“hoje a situação é radicalmente diferente. [...] a por tais críticas. No entanto, reconhece que
enorme diversidade de evidências experimen- elas podem influenciar a opinião pública e os
tais [...] não deixa margem para dúvidas” centros de poder e de decisão sobre o financia-
(Varela, 1996, p. 230). Mas, para Pickering os mento da investigação científica, ou cientistas
quarks são uma criação dos físicos. No últi- de futuras gerações.
mo capítulo do livro, Pickering ainda escreve No que se refere à presunção de que a
“E, dado o seu extenso treino em técnicas ciência está escrita em termos machistas, para
matemáticas sofisticadas, a preponderância além de ter como possível ou único objectivo
da matemática nas descrições que os físicos denegri-la, não é vislumbrável qualquer outra
de partículas fazem da realidade não é mais razão para a divulgação de tal ideia, a qual, além
difícil de explicar do que a preferência dos do mais, é difícil de provar. Realmente, deve
grupos étnicos pela sua linguagem nativa. ser tarefa trabalhosa, penosa e sem garantias de
Tendo em conta o que foi defendido neste sucesso, tentar encontrar nos textos científicos
capítulo, ninguém tem a obrigação de criar uma qualquer frase que, mesmo muito remota-
visão do mundo que inclua o que a ciência do mente, nos sugira qualquer acto menos digno
século XX tem para dizer.” (Pickering, citado exercido sobre a mulher. Poder-se-á argumen-

aprender
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Maio de 2003
142
tar que durante séculos a actividade científica confirmada a existência do electrão - através
foi desenvolvida quase exclusivamente por do cálculo da relação existente entre a sua
homens, o que, embora sendo verdade, não nos massa e a sua carga eléctrica - e elaborado
dá o direito de a considerarmos machista, pois um novo modelo atómico, evolução tão con-
foi difícil romper com uma tradição cultural siderável que provocou reacções de alguns
proveniente de um ambiente social, no qual cientistas, os quais levantaram dúvidas sobre
alguns dos actuais críticos da ciência provavel- a validade de algumas descobertas. O químico
mente ainda gostariam de viver. A propósito, Sir Frederic Soddy foi um dos que se mostrou
recorde-se que a ciência moderna tem origem céptico, ao ponto de pronunciar as seguintes
na crítica à física aristotélica e, tanto quanto palavras, perante a Sociedade de Física, em
julgo saber, Aristóteles considerava o homem McGill, no dia 28 de Março de 1901:
superior à mulher. Ainda se poderá conjecturar “Avanços recentes, relacionados com a
que os objectos da ciência são manipulados pelo descoberta das radiações dos tipos catódico,
cientista e que ao termo ‘manipulação’ se pode Roentgen e Becquerel, levaram os físicos a
associar a noção de submissão. No entanto, acreditar que estão a lidar com partículas de
como veremos ainda neste ponto, a Natureza matéria mil vezes mais pequenas que a massa

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não é manipulada nem está a ser submissa, absoluta do átomo. Tão certos estão eles da

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apenas a vamos conhecendo, de acordo com interpretação dos seus resultados experimen-
as palavras de Einstein e Infeld, pela reunião e tais e da possibilidade de os explicarem pelas
coordenação de factos pelo pensamento teorias actuais que alguns deles abandonaram
lógico. Perante a falta de outros argumentos, definitivamente a noção correntemente aceite
ainda se pode referir que actualmente são sobre a estrutura da matéria, tendo atacado a
usadas expressões do tipo “tal hipótese não teoria atómica que, como todos sabem, tem con-
deve ser correcta pois parece violar o princípio stituído o alicerce da química desde o tempo de
de ...”. Mas, este tipo de expressões apenas Dalton até hoje. Teorias físicas como esta, para
mostra porque é que determinadas hipóteses não além da imensa satisfação que dão aos seus

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devem ser consideradas bons pontos de partida promotores, devem ser ignoradas pela maioria
para futuras investigações, não sendo lícito dos químicos. [...] O professor Rutherford pode
tirar o verbo “violar” do contexto em que é ser capaz de nos convencer que a matéria que
utilizado e associá-lo a qualquer acto menos ele conhece é a mesma que nós conhecemos
digno. ou, possivelmente, admitirá que o mundo com
Contudo, Sandra Hardings vê mais que lida é um mundo novo que precisa duma
longe, vê o que outras mentes esclarecidas Química e duma Física próprias. Em qualquer
não conseguem ver: a ciência está escrita em caso, estou certo que os químicos continuarão a
termos machistas. Sobre este aspecto estamos acreditar nos átomos como entidades concretas
esclarecidos. e permanentes, senão imutáveis, certamente
A ideia de que a ciência é um mito útil ainda não transmutáveis.” (Soddy, citado por
e de que as suas conclusões são fenómenos Urbano, 1991, p. 15).
socialmente construídos, onde impera o re- A diferença entre Frederic Soddy e os
lativismo, ao ponto de se duvidar da existên- autores que agora proclamam que a ciência
cia de alguns fenómenos, eventos e mesmo é um mito útil e que os dados actuais das
de partículas descobertas pela investigação ciências naturais não estão escritos na
científica, só pode ter duas razões na sua génese: Natureza não está na dureza das palavras
ou se pretende deturpar a noção de ciência, ou pronunciadas, está no seu significado.
então apenas se revela ignorância. Compreendemos bem essa diferença quan-
Na própria história da ciência também do constatamos que poucos meses após ter
encontramos casos de cientistas que duvida- proferido aquelas palavras, já o distinto
ram do trabalho de outros. Nos últimos cinco químico colaborava com Rutherford nas
anos do século XIX a evolução científica foi experiências que possibilitaram a descober-
significativa e de enormes consequências, ta das primeiras leis sobre a radioactivida-
tendo-se nomeadamente descoberto os raios X de. Soddy preocupou-se em aprender, em
e as radiações provenientes do núcleo atómico, conhecer melhor a complexidade da natureza

aprenderMaio de 2003
pág 143
que, como cientista, respeitava. Ao invés, os e à força de pensamento lógico coordená-los,
actuais críticos da ciência preferem manter coerente e extensivamente.” (Einstein e Infeld,
uma discussão, embora conheçam muito bem a 1974?, p. 12).
fragilidade dos argumentos que utilizam. Tal como o leitor de novelas, o cientista
É certo que se pode apontar à ciência tem que seleccionar uma de entre as várias
o facto de rejeitar teorias que antes eram pistas e, neste processo de selecção, pode se-
consideradas verdadeiras, mas isso não é guir a pista errada, elaborando uma teoria que
relativismo. Essa rejeição é uma virtude que depois tem de rejeitar. Para evitar tais erros,
prova que o conhecimento da Natureza passa é natural que a comunidade científica defina
a ser de melhor qualidade. Como afirma o critérios que devam ser seguidos por todos os
grande físico Richard Feynman (1989), não se seus membros, de forma a evitar que algum siga
pode provar que uma teoria está certa, a única pistas erradas. Um destes critérios é elementar: a
coisa que se pode afirmar, de acordo com o validade de uma teoria deve ser verificada pela
que se conhece, é que não está errada. Quando comunidade, o que necessariamente implica
se puder dizer que está errada, isso significa um período de apresentação e de discussão
que a ciência evoluiu, ao ponto de permitir um com base nos conhecimentos que a precedem.
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conhecimento qualitativa e quantitativamente de Quando tal acontece, estabelecem-se acordos


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melhor qualidade sobre a Natureza, bem como acerca das implicações nos princípios ou leis
contribuir para a resolução de problemas cada mais gerais da ciência, bem como acerca da
vez mais complexos. Este é apenas um processo forma como a nova teoria se enquadra nesses
de evolução do conhecimento. princípios ou leis. Deve ainda ser percebido
Quando se procura relativizar a valida- que uma nova teoria se desenvolve no limiar do
de dos resultados da investigação não se tem conhecimento precedente, o que implica uma
em conta a dificuldade que está subjacente à discussão aprofundada em torno do que se deve
elaboração de uma teoria científica. A considerar um facto validamente aceite e que
dificuldade em elaborar teorias não reside seja prova da correcção da nova teoria. Nes-
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apenas em insuficiências teóricas ou práticas, ta perspectiva, fazer ciência é um fenómeno


reside fundamentalmente na complexidade da social, o que não significa que os resultados
Natureza, complexidade que alguns pensadores obtidos dependam de um “jogo de forças
pós-modernos não aceitam. Einstein, porventura sociais”. O estabelecimento de acordos e a
o maior físico de sempre, afirmou “Deus é subtil, discussão em torno do que é uma ideia ou
mas não malicioso”. Quando lhe perguntaram um facto relevante são consequências das
o significado da frase, respondeu: “a Natureza circunstâncias em que a ciência se desenvolve:
não esconde os seus segredos por malícia, mas as pistas a seguir devem ter forte probabilidade
sim devido à própria imensidão” (Pais, 1993, de conduzir o cientista a uma teoria correcta.
preâmbulo). São estes segredos que o cientista Quanto à ideia de que a ciência cria da-
tem de descobrir quando elabora uma teoria. dos que não estão inscritos na Natureza e que
Einstein e Infield (...) mostram muito dependem de factores subjectivos, a questão
bem a dificuldade em investigar a Natureza. merece ser discutida em três dimensões: na
Ao procurarem relacionar o cientista com o primeira devemos distinguir o universo do real
leitor de novelas de ficção, estes dois físicos do universo das representações; na segunda
concluem que essa relação não existe, mas devemos ter presente que a natureza não se
que numa primeira fase da caracterização do tem mostrado tão simples como as primeiras
trabalho científico pode ser útil. Com efeito, fases da ciência moderna admitiam; na terceira
tanto o leitor como o cientista procuram seguir devemos ter presentes os objectivos da
pistas para encontrarem soluções. Contudo, investigação científica.
“o cientista que lê o livro da natureza tem que Como primeiro exemplo, e apresentando
achar a solução por si mesmo; não pode, como as três dimensões, recorro à noção de “campo
o impaciente leitor de novelas, saltar páginas electromagnético”: é uma representação de
para ver o desfecho. Para obter uma solução, interacções na Natureza; mostrou que a teoria
ainda que parcial, o cientista sendo ao mesmo mecanicista estava errada ao reduzir as inte-
tempo leitor e pesquisador tem de reunir factos racções na Natureza a forças de atracção ou

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144
de repulsão; tem sido um dos grandes motores vê-lo e porque essa noção implicava a
do desenvolvimento tecnológico dos últimos existência do vazio e, para Aristóteles, a
cem anos. Fará sentido perguntar se o “campo natureza tinha horror ao vazio. Duvidou-se da
electromagnético” existe na Natureza? Terá a existência do electrão porque também não era
pergunta qualquer significado? O que sabemos possível vê-lo. Felizmente verificou-se que
é que a Natureza responde bem quando se os comportamentos da Natureza se explica-
aplica a noção de campo electromagnético e vam melhor se se aceitasse que a matéria era
a comprová-lo está o desenvolvimento que a formada por átomos e que na sua constituição
aplicação da noção tem vindo a possibilitar. entrava o electrão. Sempre se duvidou daqui-
Mas, isto não significa subjectividade. Pelo lo que não se podia ver, mas a análise desta
contrário, a aplicação da teoria do campo dúvida conduz a outra discussão sobre os
permite caracterizar fenómenos que são significados de “ver” e de “observar”. A
objectivamente reais, tais como as correntes ciência, ao longo da sua história, tem utilizado
eléctricas. Se algum dia a ciência mostrar que uma ou outra noção, mas tudo indica que a
também estes não são fenómenos reais, isso evolução foi mais significativa quando se
só mostra que a ciência evoluiu ao ponto de privilegiou a noção de “observar”, embora se
mostrar que a Natureza ainda é mais complexa deva discutir o que tal noção significa. O que

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Ciências da Natureza e
do que actualmente supomos. não é aceitável é dizer-se que os dados das
Um outro exemplo que pode ser ciências naturais não estão escritos na
apresentado é o do electrão. Em relação a esta Natureza. Se assim se tivesse feito desde há dois
entidade, não faz sentido perguntar se é uma séculos, a evolução que hoje conhecemos não
partícula ou uma onda. O que faz sentido é teria sido possível.
compreender que o podemos estudar pelos
modelos corpuscular e ondulatório. Mas, será iv) A relação entre a ciência e a organização das
que o electrão existe? A única resposta com sociedades
sentido consiste na afirmação de que todas as

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provas de que dispomos comprovam a teoria O desenvolvimento das ciências
de que existe e nenhuma a contraria e, por naturais e da tecnologia e o surgimento das
enquanto, isso é suficiente. tiranias totalitárias constituem, para o filósofo,
A discussão em torno da existência político e historiador Isaiah Berlin, os dois
do electrão exige a abordagem da teoria do factores que mais contribuíram para a Histó-
positivismo e do positivismo lógico. Com ria do século XX. Estes factores, ainda que
efeito, após Thomson ter admitido que diametralmente opostos, estão, para o autor,
descobriu o electrão, Kaufmann, que teve ligados, o que se pode explicar da seguinte
as mesmas possibilidades e que realizou as forma: “o desenvolvimento das ciências
mesmas experiências que Thomson, nunca naturais e da tecnologia modernas pode,
admitiu ter descoberto uma partícula nova. As através das reacções contra elas, ter contribu-
suas convicções positivistas impediam-no de ído, indirectamente e sem que fosse essa a sua
o fazer. intenção, para o aparecimento das “tiranias
O problema tornou-se ainda muito mais totalitárias”.” (Holton, 1998, p. 40).
agudo nos últimos quarenta anos do século XX Esta posição de Berlin corresponde a
com a descoberta das partículas mais elemen- uma visão que tem da evolução da civilização
tares, como os quarks que já foram referidos. ocidental desde o Iluminismo, mas principla-
Todas as provas, quer teóricas quer experi- mente durante a primeira metade do século
mentais, mostram a existência dos quarks, no XX. Numa primeira apreciação, estamos em
entanto, não foi até agora possível isolar esta presença de um homem que rejeitava o que era
partícula. Será que esta impossibilidade é absoluto ou princípio unificador e que, como
razão suficiente para duvidarmos da sua consequência, defendia sem qualquer hesitação
existência? a liberdade individual. Por outro lado, devemos
Sempre tem sido assim. Sempre se ter em consideração que viveu na Rússia até à
duvidou do que não se via. Duvidou-se da instauração do regime soviético e que, quando
existência do átomo porque não podíamos

aprenderMaio de 2003
pág 145
imigrou para o ocidente, assistiu à evolução costumada frieza, pode descrever as diferentes
dos ideais nazis. Também assistiu ao desenvol- vias possíveis de levar à nossa autodestrui-
vimento científico do século XX, bem como ao ção, mas não nos pode oferecer instruções
nascimento da chamada ciência ariana. Estavam verdadeiramente efectivas e praticáveis para
assim criadas as condições para formular uma nos afastarmos dessas vias” (Havel, citado por
opinião sobre a ciência, atribuindo-lhe parte da Holton, 1998, p. 48).
responsabilidade pelo surgimento das ideias Nestas palavras, Havel é muito claro: os
totalitárias. problemas do mundo são da responsabilidade
Prevendo uma instabilidade ci- da objectividade e do racionalismo científicos.
vilizacional, Berlin aponta o movimento Ainda associa os dois princípios científicos
romântico como um dos mais dinâmicos do ao surgimento das ideias comunistas e estabe-
século XX, nomeadamente nas críticas aos lece ainda uma inferência, a de que o fim do
pressupostos da civilização ocidental, onde comunismo marca o fim do pensamento
se destacam a defesa da vontade individual, a moderno.
denúncia da ideia de um mundo ideal (baseado Além destas associações e inferências,
na racionalidade), as objecções levantadas a ainda especifica como responsabiliza a ciência
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certezas anteriormente aceites e a rejeição de pelo modo de viver e de pensar que critica: “A
Ciências da Natureza e

verdades universais e objectivas, bem como a ciência moderna, ao construir a sua imagem
própria noção de objectividade. Embora todos universalmente válida do mundo, rompe as
os pilares da nossa civilização sejam postos em barreiras do mundo natural, do qual só pode
causa pelo romantismo, a ciência é um dos mais ter a imagem de uma prisão feita de precon-
fortemente contestados, fundamentalmente por ceitos da qual devemos sair para ter acesso à
lhe poder ser associada a ideia de mundo ideal luz da verdade objectivamente verificada. [...]
e pelas críticas às noções de racionalidade e Deste modo, é claro, procede à abolição, como
objectividade. mera ficção, até do mais íntimo fundamento
Apesar das suas convicções, a relação do nosso mundo natural. Mata Deus e ocupa
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entre os regimes totalitários do século XX e a o seu lugar no trono deixado vazio, [...]. O
ciência moderna ainda era para Isaiah Berlin o racionalismo moderno e a ciência moderna,
resultado de uma reacção controversa. através do trabalho do homem, que, como
No entanto, tal relação assume, para o qualquer trabalho humano se desenvolve no
dramaturgo e estadista checo, Vaclav Havel, interior do nosso mundo natural, põe-o agora
as características de uma relação causal, o que sistematicamente de parte, nega-o, degrada-
está bem patente na seguinte citação: “A era o e difama-o - e, claro, ao mesmo tempo
moderna tem sido dominada pela crença coloniza-o (Havel, citado por Holton, 1998, p.
maior, expressa de diferentes formas, de que o 50).
mundo [...] é um sistema completamente cog-
noscível governado por um número finito de Estas citações merecem uma análise
leis universais que o homem pode aprender e cuidada.
orientar racionalmente para seu próprio bem. Duma forma geral, e segundo a minha
[...] Foi uma era em que reinou o culto da opinião, o que a ciência realmente fez foi
objectividade despersonalizada, uma era em contribuir para uma melhor qualidade de
que se amontoou e explorou tecnologicamente vida do Homem. Libertou-o de explicações
o conhecimento objectivo, uma era de sistemas, perfeitamente infundadas para os fenómenos
instituições, mecanismos e médias estatísticas. naturais, explicações com frequência baseadas
[...] O comunismo foi o extremo perverso desta na divinização das forças da Natureza e que
tendência. [...] A queda do comunismo pode ser há já 27 séculos foram rejeitadas por Tales de
encarada como um sinal de que o pensamen- Mileto. A ciência não colonizou, não negou,
to moderno - baseado na premissa de que o não degradou o homem. Ao invés, libertou-o da
mundo é objectivamente cognoscível e de ignorância que durante séculos foi um dos
que o conhecimento assim obtido pode ser pilares da preservação do poder instituído: se
absolutamente generalizado - chegou à crise duvidares das sagradas escrituras e da expli-
final. [...] A ciência tradicional, com a sua cação de Platão vais parar ao inferno (entre

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146
os séculos V e XII); se duvidares das sagradas procuraram-se compreender as interacções
escrituras e da explicação de Aristóteles vais entre os corpos celestes, no segundo procurou-
parar ao inferno (após o século XIII); caso -se compreender as leis que regem a vida. O
continues a duvidar serás já castigado, aqui na primeiro mostrou que os vários corpos
Terra. celestes, incluindo o Sol, não se deslocam, por
Quanto aos valores defendidos, não vontade divina, em torno da Terra. Mas, como
há dúvida que Havel se aproxima dos ideais Weinberg salienta, foi o segundo que mais
românticos, tais como a defesa da vontade afectou a crença religiosa na nossa origem
individual, a aceitação da subjectividade e do divina: “a desmistificação da vida teve um
mistério para explicação do mundo e a pro- efeito muito mais importante na sensibilida-
posta do empirismo no estudo dos fenómenos. de religiosa do que qualquer descoberta da
Independentemente da nossa opinião sobre ciência física. Não é surpreendente que se-
estes ideais, a verdade é que o Homem vi- jam o reducionismo em biologia e a teoria da
veu pior quando utilizou a subjectividade e o evolução, e não as descobertas da física e da
mistério nas suas relações com a natureza, astronomia, que continuem a invocar a mais
viveu pior quando investigou a natureza de intransigente oposição.” (Weinberg, 1996, p.

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uma forma empírica. Resta ainda saber se o 227). Como o autor ainda salienta, continua

Ciências da Natureza e
primado da vontade individual não será origem a acreditar-se na interferência divina sobre a
da diminuição das liberdades individuais da própria evolução das espécies: “o mais
maior parte das pessoas e, simultaneamente, respeitável académico crítico da evolução
do aumento dessas liberdades para um número pode ser, actualmente, o professor Phillip
muito reduzido. Johnson,[...]. Johnson aceita que a evolução
tenha ocorrido e que seja por vezes devida
Quanto à relação causal entre a ciência à selecção natural, mas argumenta que não
e o comunismo, há obras fundamentais do existe qualquer <evidência experimental
marxismo que mostram alguma causalidade incontroversa> de que a evolução não é

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naquela relação. Não obstante, a verdade é guiada por algum plano divino” (Weinberg,
que a evolução científica foi um dos pilares da 1996, p. 228).
evolução social e económica da humanidade, Apesar da desmistificação dos céus e da
o que, em traços muito gerais, se caracterizou vida, em nenhum dos períodos foi Deus tirado
pela ascensão da burguesia ao poder e pelo do seu lugar. O que a ciência fez não foi isso.
surgimento de uma nova classe, o proletariado, O que fez foi contribuir para a denúncia do
cujas organizações, independentemente das poder discricionário dos que se apregoavam
nossas convicções políticas, muito contribuí- os arautos de Deus e que em seu nome tantos
ram para o desenvolvimento social dos últimos e tão graves crimes cometeram. Ao invés de
dois séculos. O que o marxismo e o capitalismo concordarmos com Havel, podemos
fizeram foi propor diferentes formas de congratular-nos com a contribuição dada pela
organização política da sociedade, e em ambas ciência ao mostrar a irracionalidade das ideias
as doutrinas estão presentes os princípios mais em que assentava o brutal poder exercido em
gerais das ciências da natureza. nome de Deus. Sem essa e outras contribui-
ções, quanto tempo mais teria durado o poder
No que concerne à parte da citação que de um qualquer inquisidor da laia de Miguel de
acusa a ciência de ter usurpado o trono de Deus, Torquemada?
parece-me ser esta a que merece uma análise Será que o renascimento, o iluminismo
mais aprofundada, exactamente por lhe esta- e a modernidade são co-responsáveis pelo
rem subjacentes variados aspectos da evolução afastamento de Deus do seu trono?
social dos últimos séculos. O que a ciência fez não foi usurpar o
Nesta análise é importante conside- trono de Deus, foi esclarecer o homem de
rarmos dois períodos históricos. O primeiro que os fenómenos naturais não podiam ser
compreende os séculos XVI a XVIII, com a explicados nem compreendidos como uma
desmistificação dos céus. O segundo com- vontade ou capricho divinos. Era fácil manter
preende os séculos XIX e XX, com a des-
mistificação da própria vida. No primeiro
aprenderMaio de 2003
pág 147
uma ordem social em que só alguns (muito Colónia), Cardeal Nicolau de Cusa; Leonardo da
poucos) mantinham todos os privilégios, caso Vinci, ... Alguns destes homens foram os
todos os fenómenos naturais fossem explica- percursores do moderno método científico e
dos como vontade, castigo ou recompensa de da ciência que teve origem no século XVI.
Deus. E tudo era explicado como obra de Deus. Constituirão eles uma bela colecção de totali-
Como exemplo desta última asserção, temos taristas e de ateus que procuravam tirar Deus
as palavras de um estudioso da náutica e dos do seu lugar?
processos de orientação no mar e piloto da É, no entanto, necessário compreender a
carreira da Índia até 1525, João de Lisboa, que Deus é que Havel se refere.
acerca do comportamento da agulha magnética No conjunto de todos os cientistas da
da bússola: “ ... assim o pólo norte como o pólo natureza, existe um grupo, os físicos, para quem
sul são tão sujeitos aos pólos ártico e antártico sempre foi fácil falar de Deus. Weinberg é um
do mundo, pelo dito cevamento [magnetização] digno representante da Física e no livro, já
da pedra, por Nosso Senhor influir nela uma tão referido, Sonhos de uma teoria final, dá a um
singular virtude, que em nenhuma parte repousa dos capítulos o título “E quanto a Deus?”, onde
nem descansa ...” (Albuquerque, 1976/77, p. podemos ler o seguinte:
100). “Algumas pessoas têm uma visão de
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Ciências da Natureza e

No que concerne à vida, teria sido Deus que é tão abrangente e flexível que,
preferível continuar a explicá-la como uma inevitavelmente, encontram Deus onde quer que
dádiva de Deus, sem o conhecimento que o procurem. Ouvimos dizer <Deus é a última
hoje temos sobre os seus mecanismos? Se as de todas as coisas>, ou <Deus é o nosso lado
anteriores explicações tivessem prevalecido positivo>, ou <Deus é o universo>. É claro
como teriam evoluído a medicina e a farmacolo- que, como qualquer outra palavra, <Deus>
gia? Seria preferível continuarmos a morrer, por pode ter o significado que quisermos. Se qui-
exemplo, de peste negra e a termos uma baixa sermos dizer que <Deus é energia>, então
esperança média de vida, só para mantermos a podemos encontrar Deus num monte de carvão.
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fé na origem divina da vida e continuarmos a Contudo, se as palavras têm algum valor para
acreditar que não competia ao homem tentar nós, devemos respeitar o modo como elas têm
compreender o que era uma criação de Deus? sido utilizadas historicamente e, especialmente,
Como todos os movimentos culturais, a devemos preservar as distinções que evitam que
ciência moderna tem uma história que é muito as palavras se misturem com o significado de
anterior ao século XVI. Vaclav Havel deveria, outras palavras.
na sua linha de pensamento, ter criticado as ... parece-me que, se a palavra Deus
eminentes figuras que, ao longo de mais de vinte tem algum significado, deve ser utilizada como
séculos, elaboraram o conhecimento, compi- referindo-se a um deus interessado, um
laram o existente ou criticaram a ignorância criador, um fazedor de leis, que estabeleceu
e as metodologias com que erradamente se não só as leis da natureza e do universo, mas
procurava conhecer a Natureza. De entre todas também os padrões do bem e do mal, uma
essas figuras, podemos destacar: a) no perío- personalidade que se preocupa com as nossas
do de influência da civilização grega - Tales acções, que, em resumo, é apropriado para nós
de Mileto, Pitágoras de Samos, Leucipo e adorarmos” (Weinberg, 1996, ps. 225 e 226).
Demócrito de Abdera, Heraclito do Ponto, Continua depois:
Aristarco de Samos, Euclides de Alexandria, “Uma vez perguntaram a Wolfgang
Arquimedes de Siracusa, Erastótenes de Cirene, Pauli se pensava que um artigo de física par-
Apolónio de Pérgamo, Hiparco de Alexan- ticularmente mal concebido estava errado. Ele
dria, Caro Tito Lucrécio, ...; b) no período de respondeu que uma tal descrição seria
influência do cristianismo - S. Jerónimo, Stº. demasiado gentil – o artigo nem sequer es-
Agostinho, Marciano Capela, João Filipão, tava errado. Acredito que os conservadores
Bispo Stº. Isidoro de Sevilha, Papa Silvestre religiosos estão errados naquilo em que
II, Jean Buridan (reitor da Universidade de acreditam, mas pelo menos não se esquece-
Paris), Robert Grosseteste (Bispo de Lincoln), ram do que significa acreditar realmente em
Roger Bacon (frade franciscano), Pierre de algo. Parece-me que os liberais religiosos nem
Maricourt (monge), Alberto Magno (Bispo de sequer estão errados.” (Weinberg, 1996, p.
aprender
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Maio de 2003
148
237). Não é possível afirmar que a ciência
Embora a opinião expressa por Weinberg matou Deus, nem tão pouco que usurpou o
não seja consensual, chama-nos a atenção, no seu trono. O que fez foi investigar alguns
que por enquanto nos interessa, para a necessi- comportamentos da natureza, foi explicar
dade de sabermos que significado é que Havel que os mecanismos que regulam a nossa vida
atribui à palavra <Deus>. podem ser compreendidos e que essa
Se Havel se refere ao ser que é apro- compreensão e aquela investigação tornam a
priado para adorarmos, podemos, tendo em nossa existência menos penosa.
consideração as manifestações de carácter
religioso a que actualmente assistimos, concluir Embora se possa pensar que as
que ainda não se perdeu a fé em Deus. Pelo concepções de Havel tiveram uma influência
contrário, continuamos a acreditar se com isso reduzida no mundo ocidental, podendo ser
dermos algum sentido à nossa vida, se isso nos menosprezadas, tal não corresponde à verdade.
ajudar a respeitar a liberdade dos outros, se isso Em primeiro lugar, essas concepções inserem-
nos tranquilizar, por exemplo, perante a morte. -se numa corrente de pensamento mais geral,
Como Weinberg reconhece, nunca a ciência sendo influenciadas, de acordo com Ferreira,

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fornecerá, perante a morte, o consolo fornecido por autores como Tomas Masaryk (antigo

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pela religião. No entanto, também afirma não presidente da Checoslováquia) e Jan Pato-
“ver qualquer razão científica ou lógica para cka, inseridos na corrente fenomenológica de
não procurarmos consolo através do ajuste das Husserl, onde se “evidencia a contingência
nossas crenças - apenas uma razão moral, um da realidade, afirmando-a como não passível
ponto de honra” (Weinberg, 1996, p. 239). de completo conhecimento científico”. Como
Se Havel se refere a algum sistema consequência, ”abre-se assim, de novo, o
de crenças, então a História ensina-nos que pórtico da restauração da metafísica e logo,
sempre se perderam crenças que certamente restabelece-se a ligação, quebrada pelo ra-
teriam alguma justificação: Jeová, o Deus cionalismo, entre o ser Humano e a ordem

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dos hebreus, retirou Rá e Amon-Rá aos egíp- transcendental que lhe é superior, mas que
cios; o Deus do cristianismo e Alá da religião lhe está também subjacente” (Ferreira, O
muçulmana retiraram Zeus e os outros deuses Príncipe). E, esta corrente de pensamento
do Olimpo aos gregos, bem como Júpiter e continua a ser actual. Em segundo lugar, Ha-
outros deuses aos romanos. Será que a ciência vel influenciou responsáveis por políticas do
nos deixou agora sem qualquer crença? Não desenvolvimento científico. Conforme Hol-
o pode ter feito porque esse é um assunto do ton nos relata, as suas opiniões influenciaram
nosso foro mais íntimo, é um dogma no qual profundamente congressistas dos Estados
acreditamos, ou não, mas que não podemos Unidos e outros funcionários, de que George
comprovar. É reconhecido que sempre se Brown, presidente do U. S. Congress Com-
perderam algumas crenças, mas devemos fazer mitte on Science, Space and Tecnology é um
a contabilidade entre o que ganhámos e o que exemplo. Perante tais influências, é importante
perdemos. que se reconheça que elas podem acarretar
Se Havel se refere a Deus como a consequências muito nefastas para a socie-
entidade ou símbolo que permitiu manter dade, caso venham a poder interferir com o
um poder discricionário durante mais de um financiamento, com a organização e,
milénio, que serviu para em seu nome se fundamentalmente, com a metodologia da
aterrorizar o ser humano, que permitiu o investigação científica.
fomento da ignorância, que foi usado para Considerando globalmente as críticas de
impedir o conhecimento da Natureza e o Havel, novamente proponho a comparação entre
aproveitamento desse conhecimento na me- o mundo actual e o existente no século XV e que
lhoria das condições de vida das pessoas, que a ciência ajudou a mudar. Em qual deles estaria
foi usada para fomentar guerras, que impediu o homem mais degradado, em qual seria
a evolução, então, esse não é o Deus que os
cristãos querem adorar. Esse Deus foi, em
minha opinião, bem retirado do seu trono.

aprenderMaio de 2003
pág 149
mais difamado, em qual estaria mais sete meses, confrontação em que, de acordo com
colonizado? Os valores de um mundo alicerçado Max Born, Lenard criticou a teoria da relativi-
na ignorância seriam melhores que os actuais? dade de forma anti-semita. Como Gibert nos
Cada um de nós deve tentar responder a estas esclarece, Lenard escreveu mesmo que “a
questões e concluir acerca dos benefícios ou relatividade não passa de um bluff judeu” (Le-
malefícios trazidos pela ciência. nard, citado por Gibert, 1982, p. 73).
Antes destes acontecimentos, já Lenard
Paradoxalmente, também encontramos havia atacado cientistas da craveira de Thomson
ataques aos princípios da objectividade, racio- e Roentgen.
nalidade e internacionalismo científicos na visão Contudo, não era apenas a inveja que
nazi da ciência. A ciência moderna também foi tinha de Thomson e de Roentgen, nem mesmo
considerada por este regime uma construção as convicções anti-semitas que motivavam
social, mas de forma a explicar que a raça do Lenard. “Philipp Lenard ... falou pelo menos
investigador afectava indesejavelmente a sua em nome de uma minoria quando disse que
actividade. a tendência que têm os resultados científicos
Sendo por demais evidente que os para preparar o terreno para progressos prá-
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motivos são diferentes, a verdade é que há ticos tinha levado a uma noção perigosa, a do
Ciências da Natureza e

muitas semelhanças entre algumas posições <domínio> do homem sobre a natureza: tal
românticas e as citações apresentadas de Havel atitude, segundo dizia, apenas revelava a
e a seguinte, atribuída a Hitler: “Estamos no influência de <grandes técnicos espiritualmen-
final da era da razão [...]. Um novo período de te empobrecidos> e do seu <espírito alienado
explicação mágica do mundo está a nascer, uma que tudo mina>”.(Holton, 1998, p. 46). Nestas
explicação baseada mais na vontade do que no palavras estão bem presentes algumas noções
conhecimento. [...] Com o slogan de ciência já nossas conhecidas e que perigosamente se
objectiva, o professorado apenas se queria aproximam das defendidas pelo movimento
libertar da indispensável supervisão do romântico, no que respeita à ciência.
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estado. Aquilo a que se chama crise da ciência Mas, Holton, recorrendo a Fritz Stern e
não é mais do que esses senhores estarem a Alan Beyerchen, identifica outras característi-
começar a ver por si mesmos o caminho cas da ciência ariana, expressas nas seguintes
errado a que foram conduzidos pela sua objec- citações: “alguns cientistas [...] exigiam que
tividade e pela sua autonomia”. (Holton, 1998, fosse criada uma nova ciência [..] baseada em
p. 46). conceitos intuitivos mais do que em concei-
Para melhor se compreender a distorção tos derivados da teoria”; “... a física teria de
da noção de ciência operada pelo regime nazi ser reinterpretada como dizendo respeito ao
basta analisarmos a evolução de Philipp Lenard. espírito, e não à matéria”; “o carácter
Lenard não foi um cientista qualquer. Esteve internacional dos mecanismos de consenso
presente em todas as grandes descobertas da utilizados para chegar a acordo em questões
Física do fim do século XIX e princípios do científicas era também detestável para os ideó-
século XX, e de que destaco: as radiações de logos nazis”. (Holton, 1998, p. 45).
Hertz; as radiações no tubo de Crooks; os raios É espantoso verificar que o apelo à sub-
X; o electrão; e, o efeito fotoeléctrico. Como jectividade, ao mistério e ao individualismo, em
consequência, foi galardoado como Prémio substituição da objectividade, do racionalismo e
Nobel da Física em 1905. Mas, infelizmente, do internacionalismo científicos, tenha servido
tornou-se um nazi convicto e, enquanto tal, interesses tão distintos. Foi, no entanto, a ciência
perseguiu todos os cientistas de origem moderna que sempre esteve em causa.
judaica. Como nos narra Pais, em 12 de
Fevereiro de 1920 ocorreram distúrbios Ao analisar um grande conjunto de
numa aula de Einstein, que o próprio admitiu críticas - ou ataques - à ciência e não
poderem ser interpretados como de nature- conseguindo encontrar justificações razoavel-
za anti-semita, embora as razões invocadas mente fundamentadas para cada uma delas,
explicitamente tenham sido diferentes. Daí até Weinberg escreve: “suspeito de que Gerald
à confrontação com Lenard apenas decorreram Holton está perto da verdade quando afirma

aprender
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Maio de 2003
150
que este ataque radical à ciência é um sintoma
de uma hostilidade mais geral em relação à
civilização ocidental que tem enfeitiçado os
intelectuais ocidentais desde Oswald Spengler.”
(Weinberg, 1996, p. 175).

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Formação de Professores
Lisboa”

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Ferreia, M. O Príncipe

aprenderMaio de 2003
pág 151
Análise Estatística Sobre a Região
do Alto Alentejo:
Dados de contextualização e
indicadores estatísticos

João Emílio Alves


Escola Superior de Educação de
Portalegre
Registo Estatístico

Nota Prévia (e situações de estagnação), a partir de um


conjunto delimitado de variáveis e indicado-
O texto que aqui se apresenta, não res estatísticos relativos a três dimensões de
constituindo uma reflexão sobre um tipo de análise, a saber: território e demografia,
conteúdo como aquele que habitualmente é emprego e actividade económica e, finalmen-
publicado na revista APRENDER, de perfil te, educação e cultura. Para cada uma destas
editorial vocacionado para a problemática da dimensões de análise, optou-se por enquadrar
Escola Superior de Educação de Portalegre

educação e para outros temas convergentes os dados estatísticos relativos ao Alto Alentejo
com esta, não deixa de representar um exercício numa escala mais ampla, situando-os tanto num
analítico de pendor marcadamente descritivo plano regional, como num plano nacional. Desta
e interpretativo, apoiado em informação em- forma, perceber-se-á melhor em que áreas e
pírica e passível, portanto, de difusão nesta domínios o distrito de Portalegre se aproxima
revista. Trata-se de uma reflexão cujo fio con- ou se afasta das dinâmicas de mudança ao
dutor se prende com uma análise genérica, mas nível da região Alentejo na sua globalidade, por
suficientemente esclarecedora, a propósito um lado, e ao nível do país, por outro.
de um conjunto de dinâmicas demográficas,
económicas, educativas e culturais que O processo de selecção, descrição e
caracterizam actualmente um determinado análise dos dados aqui apresentados assenta
território: a região do Alto Alentejo, mais exclusivamente em critérios de ordem técnica
especificamente o distrito de Portalegre, onde e científica, âmbito a que nos reportamos neste
se encontra implantada a Escola Superior de exercício de interpretação estatística, restan-
Educação de Portalegre1 . do acrescentar que se escolheu como base de
informação privilegiada os resultados
definitivos dos Censos 2001, divulgados e
Introdução publicados recentemente pelo Instituto
Nacional de Estatística, a par de alguns
A pesquisa subjacente a este texto, estudos sectoriais da responsabilidade do
longe de representar um estudo aprofundado mesmo organismo. Complementarmente,
sobre a região do Alto Alentejo, corresponde socorremo-nos de alguns trabalhos no âm-
antes a um registo de cunho científico, em bito da Sociologia, relativos a investigações
que o tema organizador privilegiado foi o de levadas a cabo em Portugal, os quais
proceder a uma caracterização da mesma re- permitiram entender e enquadrar as tendências
gião, salientando as suas principais mudanças de mudança e os seus significados, identifica-

aprender
pág
Maio de 2003
152
das e descritas a propósito da região do Alto de desenvolvimento territorial, ou em relatórios
Alentejo, numa perspectiva mais alargada, técnicos na sequência de estudos de avaliação,
coincidente com as dinâmicas que atravessam o como regiões que reúnem vantagens múlti-
país, nas suas esferas demográfica, económica, plas, onde o espaço disponível, um ambiente
produtiva, educativa e cultural. qualificado e a sua identidade histórica e
sócio-cultural potenciam uma intervenção
Dados de Contextualização relevante na função articular do país com a
União Europeia e desta com o Atlântico e se
É sabido que, cada vez mais, com a projectam como elementos de competitividade
integração e a globalização das economias, territorial num contexto, quer de descompres-
especialmente no contexto da União Europeia, são urbana da área metropolitana de Lisboa,
se exige um esforço redobrado no sentido com um acréscimo qualificante para ambas as
da promoção e valorização das capacidades regiões, quer de afirmação de Portugal como
endógenas das regiões, entendendo essas fronteira atlântica da Europa, em geral, e do
capacidades como o conjunto dos recursos e “hinterland” ibérico, em particular. Desta
das múltiplas especificidades locais, traduzíveis acepção resulta, portanto, a consciencialização
em programas e projectos de desenvolvimento. de que existe um conjunto de “trunfos” locais
Assim, as economias regionais alicerçadas específicos da região Alentejo, a começar

Registo Estatístico
numa forte identidade histórica e cultural, pela sua localização geográfica. Com efeito, a
onde os seus recursos e especificidades são proximidade territorial com a área
reconhecidos como factores de qualidade e metropolitana de Lisboa, uma orla marítima
genuinidade, podem constituir uma importante atlântica de dimensão considerável, um espa-
e não menosprezável vantagem comparativa, ço contíguo à região do Algarve e, por fim, a
desde que, nessas regiões, sejam criadas as proximidade fronteiriça com a vizinha Espanha
condições necessárias para a concretização (em especial as regiões da Extremadura e da
de iniciativas e projectos não só inovadores Andaluzia) balizam o território do Alentejo e

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mas também mobilizadores dos vários agentes conferem-lhe uma posição privilegiada num
locais: organizações de diversa natureza e a quadro de articulação territorial, quer nacional
própria sociedade civil. quer transnacional.

No caso da região Alentejo, não obstan- Porém, e neste contexto, constitui já


te a forte identidade sócio-cultural que lhe é lugar comum afirmar que a região Alentejo,
reconhecida, quer nos discursos turístico, apesar de reunir um conjunto de valores
político e mediático, quer do ponto de vista e especificidades potencialmente gerado-
das vivências locais por parte das respectivas ras de mecanismos de desenvolvimento
populações, verifica-se, contudo, uma e sustentabilidade do seu território e das
debilitação dos quadros demográfico e suas populações, acumula simultaneamente
económico, o que se traduz, no presente e fragilidades de ordem demográfica, económica
no futuro, em vectores de competitividade e qualificacional. Com efeito, e não descuran-
bastante frágeis, tanto a nível nacional como do a sua especificidade territorial, subsistem
internacional. Um olhar, ainda que breve e algumas características estruturais que
em jeito de “retrato estatístico” como aquele constituem, nalguns casos, obstáculos e
que aqui levamos a cabo, fornece-nos alguns dificuldades inibidoras de processos de
sinais a respeito de situações, dinâmicas e mudança e desenvolvimento. Muito embora
tendências de mudança a fim de se conhecer e se reconheça um conjunto de especificidades
compreender melhor o contexto territorial do de carácter natural, patrimonial e turístico, que
Alto Alentejo. podem ser, quando convenientemente
enquadradas, traduzidas em oportunidades
Efectivamente, tanto a região Alentejo, de investimento e de criação de riqueza e,
na sua globalidade como, mais especifica- por consequência, em dinâmicas positivas de
mente, a do Alto Alentejo são apresentadas e desenvolvimento, a partir da concretização
caracterizadas frequentemente em programas de políticas e iniciativas, tendentes a uma

aprenderMaio de 2003
pág 153
aproximação e a uma convergência reais, nos baixa densidade populacional em toda a região
planos económico e social, com o resto do país do Alentejo, isto é, 19,8 hab/Km2 – uma das mais
e com a Europa, o que é facto, e continua a baixas do território nacional.
acentuar-se com alguma visibilidade, é a
existência de um quadro simultaneamente Convém referir, que muito embora o
estrangulado por via de algumas variáveis, onde, decréscimo populacional na região Alentejo
para começar, a concentração populacional é não tenha sido muito significativo, se diri-
inversamente proporcional à extensão do seu girmos uma análise mais fina às suas quatro
território. Este aspecto constitui mesmo um sub-regiões, encontramos tendências demo-
dos obstáculos estruturais, transversal a toda a gráficas diferentes. Assim, de acordo com o
região do Alentejo, incluindo, portanto, o Alto quadro 1, o Alto Alentejo a par do Baixo Alen-
Alentejo, como a seguir se demonstrará. tejo correspondem às áreas onde se registam
maiores taxas de decréscimo da população
Indicadores Estatísticos residente, respectivamente –5,6% e –5,5%.
As duas restantes sub-regiões – Alentejo Cen-
A consubstanciar os dados de con- tral e Alentejo Litoral – conhecem variações
textualização avançados atrás, apresen- positivas, embora de valor reduzido,
tam-se, em seguida, três dimensões de análise, respectivamente 0,2% e 1,5%, situação que
Registo Estatístico

em relação às quais se procede a uma descrição converge para um cenário mais de estagnação
e interpretação de vários indicadores, a partir do que propriamente de aumento populacio-
dos quais se chama a atenção para os cená- nal. Contudo, não deixa de ser significativo o
rios de mudança ou estagnação associados à facto de serem estas duas últimas sub-regiões
informação quantitativa recolhida. A pri- aquelas que, no conjunto da região Alente-
meira dimensão de análise sobre a qual nos jo, constituem zonas de maior preferência
ocupamos refere-se ao Território/Demografia. residencial, situação que aliás acompanha a
tendência dominante em todo o país, isto é, a
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Território e demografia afirmação gradual do fenómeno da litoralização


à custa da desertificação do interior3 .
Se tomarmos em linha de conta o facto
de o território do Alentejo, na sua globalidade, Quadro 1
ocupar aproximadamente 30% do território Indicadores demográficos
nacional (o que equivale a uma área
sensivelmente de 27.000 Km2) constata-se que,
num plano inverso, esta região concentra uma
fracção muito pequena da população nacio-
nal. Foi assim em 1991 e assim permanece a
tendência em 2001. Aliás, e de acordo com
os dados definitivos do último censo, a re-
gião Alentejo foi uma das que conheceu uma
variação negativa, na ordem dos –0,7%, entre Neste contexto mais amplo, coincidente
1991 e 2001, situando-se hoje nos 776.585 com a região Alentejo, impõe-se levantar a
indivíduos recenseados como população seguinte questão: que valores e tendências se
residente à data dos censos 2001. Refira-se podem detectar de modo mais particular no
que este valor integra já os dados relativos à Alto Alentejo? Com uma área total de apro-
sub-região da Lezíria do Tejo, na sequência ximadamente 5.953 Km 2 e uma densidade
das alterações à nomenclatura das unida- populacional na ordem dos 21,3 hab/Km2, a
des territoriais 2 . Apesar de o decréscimo segunda mais elevada no território do Alentejo,
populacional não ter sido muito significati- o Alto Alentejo apresenta algumas variações
vo, verificou-se que este incidiu, de modo importantes de registar. Desde logo,
particularmente visível, na população verifica-se uma tendência generalizada de
feminina e nos escalões etários mais jovens. A decréscimo populacional praticamente co-
par destes valores, regista-se igualmente uma mum a todos os concelhos da região, com a
agravante de esse decréscimo ocorrer de modo
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Maio de 2003
154
particularmente visível na população mais cada 100 jovens (refira-se que a média do país
jovem. São, nomeadamente, os casos de Alter é de 102 idosos para cada 100 jovens), o que,
do Chão, Crato, Fronteira, Gavião, Marvão, por outras palavras, significa uma dificuldade
Monforte, Mora e Nisa, só para mencionar os acrescida no que respeita ao necessário reju-
mais significativos (ver quadro 2). O concelho venescimento das gerações, em particular da
de Ponte de Sôr é o único que regista um população em idade activa.
ligeiro aumento da sua população residente,
na ordem dos 2%, valor este que deve ser, Ainda no que respeita aos índices de
contudo, contrabalançado com o valor relativo envelhecimento, a região do Alto Alente-
à população idosa, cujo aumento é bastante jo é aquela que, no conjunto das quatro
expressivo, na casa dos 24%. sub-regiões, apresenta o maior índice de
envelhecimento – 192,8 idosos para cada
Quadro 2 100 jovens - claramente superior à média do
Variação da população residente por território do Alentejo, na sua globalidade. Em
concelhos termos de taxas de natalidade, o panorama
também não é muito animador: com uma
média de 9,1‰ crianças (por mil habitantes)
para a região do Alto Alentejo, a mesma taxa

Registo Estatístico
varia entre 4,2‰ no Crato e 6,2‰ em Avis,
ambas no extremo mais reduzido da lista; e
11,9‰ em Elvas, 10,0‰ em Fronteira e 10,6‰
em Ponte de Sôr, no outro extremo da lista
(valores do ano 2000). No que concerne à
taxa de mortalidade para o Alto Alentejo, o
valor médio respectivo cifrava-se em 15,8‰,
Fonte: INE, Recenseamento Geral da População e superior à média nacional um ano antes,

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Habitação, 2001 (resultados definitivos). situada nos 10,8‰. Os concelhos com valores
mais elevados são o Crato (22,6‰), Arronches
Numa análise de conjunto dos con- (21,9‰), Alter do Chão (20,4‰), Nisa (20,1‰)
celhos do Alto Alentejo, temos, assim, uma e Marvão (20‰); e os concelhos com valores
diminuição da população residente, sobretudo mais reduzidos são Elvas (11,8‰) e Campo
no intervalo etário dos 0 aos 25 anos, na ordem Maior (14,3‰), (valores de 2000).
dos 36,1%. A contrastar com esta tendência
de diminuição, os escalões etários mais ve- Ainda no contexto territorial e demo-
lhos (com 65 ou mais anos) apresentam um gráfico, vale a pena registar mais alguns va-
aumento na ordem dos 12,1%. Uma primeira lores e tendências de evolução, por exemplo
ilação a retirar destes valores relaciona-se com no que respeita às famílias, sobretudo em
o processo de envelhecimento da população termos de número, composição e estado civil;
nesta região em particular, processo que, de e por fim, uma breve referência aos fluxos
resto, é transversal a todo o Alentejo e tam- migratórios que atravessam a região do Alto
bém ao país, traduzindo uma situação que, a Alentejo.
prazo, levanta problemas de sustentabilidade
demográfica e económica a vários níveis. A Vale a pena começar por frisar que as
região Alentejo é mesmo, no contexto famílias aumentaram em Portugal cerca de 16%.
nacional, aquela onde o envelhecimento popula- Porém, no que ao Alentejo diz respeito, esse
cional atingiu uma grande expressão, registando aumento foi de menor amplitude – na ordem
a maior proporção de idosos (22,3%) e simulta- dos 5,8% – constituindo a região do país com
neamente a mais baixa de jovens (13,7%). Esta a menor taxa de crescimento. Para além deste
tendência, não sendo nova, vem reafirmar as dado, é no conjunto das famílias unipessoais
preocupações com os índices de envelhecimen- (constituídas, portanto, por uma pessoa) que
to demográfico, que no caso da mesma região se regista o maior aumento – cerca de 45%,
assumem o valor mais elevado: 163 idosos para aumento este que se processou de forma

aprenderMaio de 2003
pág 155
transversal em todas as regiões do país. Mais ao país, regista-se um aumento significativo
uma vez é no Alentejo que se regista, de modo dos divorciados e dos casados sem registo na
mais significativo, a proporção de idosos a última década. No caso da região Alentejo há
viverem sós, realidade que não surpreende, a salientar uma maior incidência das uniões de
uma vez que, como já foi referido, é nesta re- facto, isto é, casamentos sem registo (4,7%),
gião que se evidencia uma maior tendência de a par das regiões de Lisboa (6,1%) e Algarve
envelhecimento da população. (7,3%), valores que traduzem, afinal, uma
maior informalidade em encarar a conjugali-
Ainda neste contexto e no conjunto das dade à medida que nos dirigimos de norte para
quatro sub-regiões, o Alto Alentejo regista o sul do país. No caso mais específico do Alto
segundo menor número absoluto de famílias Alentejo, os dados disponíveis mostram uma
clássicas residentes, com um valor de 48.564. taxa de divórcio na ordem dos 1,4‰, em 1999,
O valor mais elevado pertence ao Alentejo e uma taxa de nupcialidade de 5,2‰, também
Central. Poder-se-á dizer, de forma comple- em 1999. Estes indicadores assumiam para o
mentar, que são as sub-regiões mais populosas conjunto do país, no mesmo ano, os valores de
que têm igualmente o valor mais elevado em 1,8‰ no que toca à taxa de divórcio e 6,9‰
termos de número de famílias, leitura que tam- relativamente à taxa de nupcialidade.
bém é verdadeira se olharmos especificamente
apenas para o conjunto dos concelhos do Alto Ainda no capítulo da análise demográfica
Registo Estatístico

Alentejo. Também aqui, são os concelhos com e do território, falta fazer uma referência aos
mais população aqueles que, simultaneamente, fluxos migratórios registados nos últimos anos,
registam um maior número de famílias: é o caso em especial os que incidem na região do Alen-
de Portalegre (9.760), Elvas (8.441) e Ponte de tejo, em geral, e no Alto Alentejo, de modo
Sôr (6.974). particular.

Nesta linha de análise, dirigida às Em relação a este último indicador,


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famílias, é importante registar o facto de se sabe-se que o acréscimo populacional, regista-


encontrar no Alentejo, a par de outras regiões do no conjunto do país, se deve sobretudo ao
como Lisboa e Algarve, um número mais reforço da importância da imigração, a qual
significativo de famílias monoparentais, cresceu a um ritmo bastante acentuado.
constituídas por um elemento progenitor Com efeito, a proporção de residentes com
(regra geral, pela mãe) e um ou mais filhos. nacionalidade estrangeira mais que duplicou
Esta situação corresponde, aliás, a um dos entre 1991 e 2001, representando nos últimos
dados mais significativos no âmbito da análi- censos cerca de 2,2% do total da população.
se demográfica proporcionada pelos últimos Este aumento verificou-se em todas as regiões
censos. Saliente-se ainda o facto de, no que do território continental, incluindo obviamente,
toca às famílias constituídas por casais com o Alentejo. No âmbito desta corrente imigrató-
filhos, se conhecer uma variação negativa em ria é importante destacar o facto de a mesma
todo o país, na ordem dos 3,1%. Porém, no se processar por motivos essencialmente de
conjunto dos vários tipos de famílias, estas ainda ordem económica, já que é a população mais
prevalecem, superiores a 50%, sendo a me- jovem, em idade activa, que procura o nosso
nor proporção registada novamente na re- país. É o caso, por exemplo, da população
gião Alentejo. Relativamente a estas últimas proveniente da Europa de Leste, que apresen-
variáveis, não nos foi possível apurar a sua ta também um maior nível de escolaridade e
distribuição especificamente para o Alto Alen- que se encontra disseminada praticamente por
tejo. todas as regiões do país, incluindo obviamente
também o Alto Alentejo, onde o número de
Uma outra referência é dirigida à imigrantes de leste, com contratos registados
caracterização do Estado Civil da população, para obtenção de autorização de permanência,
onde se inclui a menção a indicadores como em 31 de Dezembro de 2001, ascendia já a
os modelos de conjugalidade e as taxas de cerca de 909 indivíduos, num total de
nupcialidade e de divórcio. No que respeita população estrangeira, no distrito, na ordem

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Maio de 2003
156
dos 1.747 (dados do Serviço de Estrangeiros e actividade masculina e feminina (conhecen-
Fronteiras)4 . do a primeira uma ligeira, mas progressiva
descida, e a segunda, uma evolução em
Ainda no que concerne aos fluxos de sentido crescente) convergem ambas para a
população, há a registar um outro tipo de confirmação do processo de feminização do
movimento, com contornos internos e mercado de trabalho em todo o país, surgindo
igualmente significativos. Como vimos atrás, como prolongamento da presença, também
para a região do Alentejo e designadamente maioritária, das mulheres na esfera do sistema
no Alto Alentejo, apesar de se terem registado de ensino, particularmente no ensino superior.
taxas de crescimento populacional negativas na
generalidade dos concelhos, importa assinalar, Relativamente a um outro indicador – a
paralelamente, uma significativa migração taxa de emprego, que mede a relação entre a
em direcção às sedes de concelho, particu- população empregada e a população com 15
larmente para as cidades, casos de Ponte de ou mais anos – verifica-se que a região Alen-
Sôr, Portalegre e Elvas, por parte de franjas tejo surge posicionada novamente de forma
populacionais anteriormente residentes em desfavorável face ao país, registando mesmo
zonas rurais periféricas às mesmas, tendência o valor mais baixo, cerca de 48,2%, no con-
de resto verificada noutras zonas do Alentejo, junto das demais regiões (incluindo as ilhas),

Registo Estatístico
o que vem confirmar, também nesta região, a quando a média nacional se cifra na ordem
propensão para uma progressiva urbanização da dos 53,5%, reproduzindo desta feita a situação
população, acentuando dessa forma o processo já existente em 1991. Complementarmente,
de desertificação do meio rural. refira-se que tanto a nível nacional, como a
nível da região Alentejo, é notória a presença
Emprego e actividade económica da desigualdade no acesso ao emprego entre
homens e mulheres, sendo a taxa de emprego
No capítulo do emprego e da actividade dos primeiros sempre superior às das segun-

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económica, vale a pena começar por referir das, apesar do processo de feminização da
alguns dados e tendências de evolução a nível sociedade portuguesa a que atrás fizemos
nacional. referência.

Em 2001, assiste-se a uma subida Relativamente às taxas de actividade, o


generalizada das taxas de actividade em todas Alto Alentejo segue a tendência já verificada
as regiões do país. Este indicador, que mede a para o país e para a região envolvente, isto é,
relação entre a população activa com 15 ou mais conhece um crescimento na mesma proporção,
anos e a população residente, atingiu o valor ficando-se, porém, nos 42,2%, mesmo assim
de 48,2% de média nacional, registando uma inferior à média do país e do Alentejo. Uma
subida de quatro pontos percentuais face a 1991. análise mais fina, por concelhos (quadro 3),
Porém, tanto desta vez como há dez anos atrás, mostra que, em todos eles, o mesmo indicador
a taxa de actividade masculina é superior à conhece uma tendência de crescimento, em
feminina, respectivamente 54,8% e 42%. média, na ordem dos 3%. Todavia, registam-se
alguns concelhos com variações acima deste
A região Alentejo surge neste contexto valor: é o caso de Campo Maior, Arronches,
com uma taxa de actividade na ordem dos Marvão e Castelo de Vide; inversamente, os
45,4%, uma das mais baixas no conjunto concelhos com variações inferiores à média da
das regiões do território continental, tendo, sub-região são Avis, Crato e Elvas, localidades
contudo, subido face a 1991, altura em que este que mantêm, grosso modo, uma taxa de activi-
indicador registava o valor de 42%. dade praticamente estacionária.

Estas tendências de evolução, tanto a


nível do país, como a nível da região Alentejo,
impõem, todavia, uma ressalva: a diminuição
da diferença que ainda separa as taxas de

aprenderMaio de 2003
pág 157
Quadro 3 para Monforte e Fronteira, concelhos onde a
Taxa de Actividade e Taxa de Desemprego redução do desemprego foi mais significativa.
por concelhos do Alto Alentejo Porém, localidades há onde tendem a persistir
sinais de preocupação ao nível da situação
actual do desemprego nesta região do Alen-
tejo, constituindo os concelhos de Mora, Ga-
vião, Fronteira e Ponte de Sôr aqueles onde a
proporção de desempregados face às
respectivas populações activas é mais
significativa. Por fim, Monforte, Castelo de
Vide, Marvão e Portalegre destacam-se no
conjunto dos concelhos do Alto Alentejo por
deterem as taxas de desemprego mais baixas
em 2001. Em todos os concelhos, a taxa de
desemprego feminina é superior à taxa de
Fonte: INE, Recenseamento Geral da População e desemprego masculina, atingindo diferenças
Habitação, 2001, (resultados definitivos). nunca inferiores ao dobro da primeira face à
(*) – A taxa de desemprego nacional atingiu o valor de segunda. A média do Alto Alentejo é de 4,8%
para os homens e de 12,2% para as mulheres.
Registo Estatístico

5,1%, no terceiro trimestre do ano 2002.

Se, por um lado, no que respeita à taxa Muitos destes valores, bem como as
de actividade, encontramos um quadro de tendências de evolução que lhes estão sub-
mudança relativamente idêntico entre as jacentes, explicam-se se tivermos em conta
médias do país, do Alentejo e do Alto Alen- determinados processos de mudança que se
tejo; por outro lado, o cenário modifica-se se têm vindo a processar de forma transversal à
tomarmos em linha de conta o indicador sociedade portuguesa. Uma dessas tendên-
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relativo à taxa de desemprego. Com efeito, ao cias de mudança, acentuada nas duas últimas
passo que a taxa média de desemprego do país, décadas, prende-se com o fenómeno da
em Março de 2001, era de 3,9%, o Alentejo terciarização da actividade económica, o
atingia, na mesma data, o valor de 8,4% e, que se traduz no aumento da população
especificamente, o Alto Alentejo 8,1%, empregada, cada vez mais, nas actividades
valores claramente acima da média nacional, integradas no sector terciário, envolvendo uma
os quais traduzem, mais uma vez, um proble- grande diversidade de actividades associadas
ma estrutural de toda a região, devendo ser aos serviços5 . Entre 1991 e 2001, tendo em
entendido de forma articulada entre as caracte- conta a distribuição relativa da população por
rísticas do tecido produtivo, por um lado, e as áreas de actividade económica, o sector dos
qualificações escolares e profissionais dos seus serviços passou de 51,6% para 60% no que
recursos humanos, por outro, características respeita ao número de empregados. Este
que variam necessariamente de concelho para crescimento verificou-se com maior
concelho. intensidade na área das actividades financei-
ras, imobiliárias, de alugueres e de serviços
Longe de diagnosticarmos uma prestados às empresas, crescimento esse pro-
tendência semelhante entre os vários conce- tagonizado principalmente pelas mulheres.
lhos do Alto Alentejo, no que se refere à taxa Inversamente, os sectores da indústria e da
de actividade; já em matéria de desemprego, agricultura registaram tendências de
prevalece uma oscilação deste indicador, de diminuição, embora com maior alcance neste
concelho para concelho. Assim, as localida- último sector.
des que registaram uma variação em sentido
crescente da taxa de desemprego foram Ar- A uma escala mais reduzida, respeitante
ronches, Elvas, Marvão, Mora e Nisa. A à região do Alentejo e concretamente ao Alto
maioria dos outros concelhos registaram Alentejo, constata-se a presença igualmente
quebras no mesmo indicador, com destaque do fenómeno da terciarização da respectiva

aprender
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Maio de 2003
158
economia regional, apesar de os sectores da decrescente: Elvas, Portalegre, Ponte de Sôr
indústria e da agricultura manterem ainda e Campo Maior, só para mencionar os mais
uma presença significativa em matéria, por significativos.
exemplo, do número de sociedades sediadas e
afectas a cada sector no ano de 20006. Quadro 4
Sociedades por Sectores de Actividade
Enquanto a média nacional é de 3% para Económica, ano 2000.
o sector primário, 25% para o secundário e de
72% para o terciário, as diferenças entre os
vários sectores na região Alentejo, no que
respeita ao número de empresas sediadas, são
bastante mais reduzidas: 16% para o sector
primário, 20% para o secundário e 64% para
o terciário. Esta relação entre sectores é vá-
lida também para a região do Alto Alentejo,
coincidindo na exactidão com os mesmos
valores. A nível interno, muito embora se
Fonte: INE, Retratos Territoriais, (última actualização em
mantenha, regra geral, a mesma proporção,
Março de 2002).
com ligeira supremacia para o sector dos ser-

Registo Estatístico
viços, observa-se em determinados concelhos
que a tendência para a terciarização está ainda Uma análise mais pormenorizada, por
um pouco longe de ser confirmada, por via do ramos de actividade, permitiria aferir quais as
facto de, numa ou noutra localidade, se áreas de investimento que tendem a prevalecer
diagnosticar uma presença mais significativa e, por consequência, a gerar mais emprego,
ora do sector primário, ora do sector secun- análise que não fizemos no quadro desta breve
dário, ora de ambos, face ao sector terciário. incursão pela informação estatística publica-

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Tais são os casos de Arronches (onde o sector da e referente ao Alto Alentejo. Contudo, é
secundário surge à frente do terciário), Crato possível avançar as actividades económicas
(com um peso significativo dos dois primeiros prevalecentes nesta região. Assim, no topo,
sectores face aos serviços) e Monforte (que surgem as actividades ligadas ao comércio
regista um peso extremamente significativo do por grosso e a retalho, reparação de veículos
sector primário, sendo este inclusivamente o automóveis, e de bens de uso pessoal e
mais preponderante no concelho (ver quadro doméstico; depois, surgem as actividades
4). relacionadas com a agricultura, a produção
animal, a caça e a silvicultura, seguindo-se
Neste contexto, importa salientar também a área da indústria transformadora; depois,
o facto de, no Alto Alentejo, alguns concelhos as actividades de hotelaria e restauração,
revelarem uma dinâmica empresarial com seguindo-se as actividades imobiliárias, de
alguma visibilidade nos sectores da economia alugueres e serviços prestados às empresas,
ligados ora à agricultura, ora à indústria. São a indústria de construção e, finalmente, as
os casos de Arronches, Avis, Campo Maior, actividades inscritas na Administração Pú-
Crato, Fronteira, Marvão, Monforte, Mora blica (educação, saúde e acção social, entre
e Nisa. Os concelhos onde o sector terciário outras). Do lado oposto, ou seja, as activi-
prevalece, enquanto domínio por excelência dades económicas com menor expressão,
de criação de empresas, são Castelo de Vide, localizam-se nas áreas ligadas aos transportes,
Nisa, Ponte de Sôr, Portalegre, Alter do Chão, armazenagem e comunicações, nas actividades
Elvas e Marvão. O significado destes dados financeiras e, por fim, na indústria extractiva.
deve, contudo, ser relativizado com os números
referentes às sociedades sediadas por cada Complementarmente, importa sublinhar
concelho, e, neste caso, são os concelhos de o lugar que o turismo tende a ocupar cada vez
matriz urbana aqueles que congregam maior mais na economia do Alto Alentejo, sobretudo
número de empresas, os quais são, por ordem em alguns concelhos como Castelo de Vide,
Crato, Elvas, Marvão e Portalegre, onde, por
aprenderMaio de 2003
pág 159
exemplo, as taxas médias de ocupação dos No que toca à região Alentejo, no seu
respectivos estabelecimentos hoteleiros se todo, regista-se o facto de, muito embora a taxa
situaram entre os 30 e 60% em 1999, o que de analfabetismo ter descido de 20% em 1991
confirma estes quatro concelhos como aque- para 16% em 2001 (quadro 5), continuar a ser
les que maior oferta de alojamento turístico a região do país onde se regista o maior número
apresentaram no conjunto da região, com uma de pessoas que não sabem ler nem escrever.
estada média por hóspede na ordem das 1,5 Também no que toca à proporção de população
noites, tendo ainda sido registadas para cima de residente com ensino superior, a região do Alen-
175 mil dormidas, só no ano de 2000. tejo volta a estar em clara desvantagem, uma vez
que ocupa a última posição, apresentando uma
Educação e Cultura taxa de 5,7%, contra, por exemplo, o valor de
13,5% na região de Lisboa.
Mudando agora o eixo de aná-
lise para outra dimensão, desta feita a Quadro 5
educação e a cultura, no caso da primeira Taxas de analfabetismo (%)
duas importantes tendências sobressaem no
panorama nacional: a descida da taxa de
analfabetismo, por um lado, e a duplicação da
Registo Estatístico

proporção de indivíduos com ensino superior,


por outro.

Em relação à taxa de analfabetismo


(que mede a relação entre a população com
10 ou mais anos que não sabe ler e escrever
e a população com 10 ou mais anos), é do
conhecimento público que Portugal assis-
Escola Superior de Educação de Portalegre

tiu à descida de 11% em 1991 para 9% em


2001, muito embora subsista uma diferença
significativa entre a taxa de analfabetismo
masculina e feminina, continuando esta úl-
tima a ser praticamente o dobro da primeira. Fonte: INE, Recenseamento Geral da População e
Relativamente à segunda tendência, o país Habitação, 2001, (resultados definitivos).
viu duplicar a população com escolaridade
avançada, isto é, com ensino superior. Entre No caso específico do Alto Alentejo, o
1991 e 2001, a proporção de indivíduos com cenário não é diferente, registando-se também
este nível de ensino passou de 4% para 8,6%, aqui uma taxa de analfabetismo, na ordem dos
sobretudo devido a um crescimento mais 17,6%, ainda acima da média da região Alen-
significativo do número de mulheres a tejo e do país. Este indicador conhece ainda
frequentar o ensino superior. Estes números valores mais elevados, que traduzem sinais de
reflectem um esforço significativo na melho- preocupação acrescidos, praticamente em todos
ria dos índices de qualificação da população, os concelhos, excluindo Portalegre, Elvas e
continuando o Ensino Básico-1º ciclo a ser Campo Maior. As restantes localidades registam
aquele que congrega a maior percentagem de taxas de analfabetismo superiores à média da
indivíduos, logo seguido pelos 2º e 3º ciclos, região do Alto Alentejo, atingindo valores na
o Ensino Secundário e, por fim, o Ensino casa dos 27% em Monforte, 24% em Arronches
Superior. Todavia, registe-se ainda um valor e no Gavião, para além de outros concelhos com
considerável de pessoas que não atingiram valores acima dos 20%.
qualquer nível de ensino (cerca de 12,5%),
para além de uma não menos significativa taxa A leitura que se pode fazer, a partir
de abandono escolar – a mais alta da União destes dados, aponta para uma preocupação
Europeia. a propósito do índice de qualificação dos
recursos humanos da região que temos vindo

aprender
pág
Maio de 2003
160
a analisar, sobretudo se tivermos em linha de de 1999, registou cerca de 250 mil espectadores,
conta a ainda elevada proporção de população num total de 4100 sessões de cinema.
activa recenseada nos grupos sócio-profis-
sionais mais desqualificados, sem quaisquer No que respeita às despesas das Câmaras
(ou com reduzidas) qualificações profissionais, Municipais do Alentejo no domínio da cultura,
nomeadamente em actividades ligadas aos regista-se um aumento progressivo de verbas
sectores da agricultura e da indústria, sectores destinadas às iniciativas de índole cultural no
que, como vimos atrás, ocupam ainda uma mesmo triénio. No caso do Alto Alentejo, os
significativa fatia não só da população activa, concelhos de Arronches, Elvas, Nisa e Portale-
mas também do número de sociedades sedia- gre surgem como aqueles que apresentaram mais
das nos vários concelhos do Alto Alentejo. despesas com actividades culturais. As rubricas
Todavia, a tendência dominante dirige-se nas quais incidiram as mesmas despesas, por
para uma melhoria permanente, embora não ordem decrescente, foram as actividades de-
com a rapidez desejável e necessária, das sportivas, depois as actividades sócio-culturais,
qualificações da população residente nesta seguidas pelas publicações e literatura, música,
região. património, recintos culturais e, no fim da lista,
as artes cénicas.
Finalmente, no que respeita ao número

Registo Estatístico
de estabelecimentos de ensino - do pré-escolar A finalizar este apontamento de aná-
ao ensino superior - ao número de alunos lise estatística sobre a região do Alentejo, e
matriculados segundo o ensino ministrado e especificamente sobre o Alto Alentejo,
ainda ao pessoal docente por nível de ensino, impõe-se uma última nota. Como qualquer
são os concelhos mais urbanizados (Portalegre, abordagem de natureza estatística, é difícil
Elvas e Ponte de Sôr) aqueles que ocupam os prescindir de uma ou outra menção aos
lugares de topo na região do Alto Alentejo, números, às percentagens e às taxas de
apresentando os valores mais elevados, variação, em sentido positivo ou negativo.

Escola Superior de Educação de Portalegre


situação que não constitui qualquer surpresa. Porém, em complemento à análise fria
proporcionada pelos números que agora
No domínio da cultura, os dados dis- terminamos, acrescentou-se uma leitura de
poníveis e mais actuais a que foi possível ter cariz sociológico, por forma a dar conta das
acesso dizem respeito ao triénio 1997-1999 principais tendências de mudança e das
e correspondem ao número de publicações, situações de estagnação nos vários domí-
bibliotecas, cinema e despesas das Câmaras nios mencionados. O objectivo final foi o de
Municipais com actividades culturais. fornecer uma caracterização actual e
suficientemente esclarecedora acerca das
Começando pelo número de publicações, principais dinâmicas demográficas, econó-
a região do Alentejo conhece um aumento, micas e sócio-culturais que caracterizam, na
embora pouco significativo, passando de 43 actualidade, ambas as regiões, embora de
em 1997 para 64 em 1999. Aproximadamente forma mais pormenorizada no caso do Alto
1/3 deste último valor, ou seja 24, corresponde Alentejo.
ao número de publicações no Alto Alentejo, no
mesmo ano. Em matéria de bibliotecas, no ano
de 1997 contavam-se 125 em toda a região do
Alentejo, tendo este valor subido para 143 dois
anos depois. O Alto Alentejo contava, em 1999,
com 36, o que corresponde, grosso modo, a ¼ Referências Bibliográficas
do total de bibliotecas da região Alentejo. Em
relação ao cinema, aproximadamente 304 mil INE - Instituto Nacional de Estatística, Censos 2001:
XIV Recenseamento Geral da População e IV
pessoas assistiram a espectáculos de cinema em
Recenseamento Geral da Habitação, Resultados
1998, tendo este valor subido para cerca de 509 preliminares, Região Alentejo, Lisboa, 2001.
mil no ano seguinte. A região do Alto Alentejo, MACHADO, Fernando Luís e COSTA, António Firmino,
com oito salas de cinema em utilização no ano “Processos de uma modernidade inacabada” in

aprenderMaio de 2003
pág 161
VIEGAS, José Manuel Leite e COSTA, António
Firmino, (org.) Portugal: Que Modernidade?,
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das estatísticas sobre a população estrangeira em
Portugal, 1998-2001” in Sociologia: Problemas e
Práticas, nº 39, Lisboa, CIES/ISCTE e CELTA,
2002, pp. 151-166.
http://www.ine.pt

Notas

1 - Este texto corresponde a uma ver-


são mais alargada da síntese informa-
tiva apresentada no programa Grande
Informação da Rádio S. Mamede de
Portalegre, em 28 de Novembro de
2002, intitulada “Retrato Estatístico
Registo Estatístico

do Alto Alentejo”, constituindo uma


resposta a um pedido formulado por
aquela entidade à Escola Superior de
Educação de Portalegre. A utilização da
terminologia Alto Alentejo e não Norte
Alentejano prende-se com a nossa opção
em reproduzir a nomenclatura do Instituto
Escola Superior de Educação de Portalegre

Nacional de Estatística (INE), facto que


explica, quer a ausência de dados re-
ferentes ao concelho de Sousel (muito
embora este pertença ao distrito de
Portalegre), quer a inclusão do concelho
de Mora.
2 - De acordo com o Decreto-Lei nº
244/2002, no Diário da República nº 255,
Iª Série A, de 5 de Novembro de 2002 que
estabelece as alterações às actuais NUTS
(Nomenclatura das Unida-
d e s Te r r i t o r i a i s ) . P o r é m ,
optou-se por não incluir os dados referen-
tes à Lezíria do Tejo na análise dos vários
indicadores presentes neste texto.
3 - Ver a este respeito MACHADO, Fer-
nando Luís e COSTA, António Firmino
da, “Processos de uma modernidade
inacabada” in VIEGAS, José Manuel
Leite e COSTA, António Firmino da

aprender
pág
Maio de 2003
162
Animação Comunitária e
Desenvolvimento Local
Bibliografia temática

João Emílio Alves


Escola Superior de Educação
de Portalegre

É vasto o campo de produção e exemplo nas comunidades rurais, onde as

Bibliografia Temática
publicação científicas sobre os temas da questões do desenvolvimento local e da
animação comunitária e do desenvolvimento animação comunitária adquirem, cada vez mais,
local. Ao cruzar-se essa mesma produção de particular acuidade. Assume-se por isso, neste
conhecimento, entre um e outro tema, o exercício de sistematização bibliográfica, as
resultado é, também ele, fértil e diversificado evidentes limitações. Mas assume-se
em exemplos, quer nos limitemos aos textos igualmente a pertinência da mesma
de pendor essencialmente teórico e ensaístico, sistematização, entendida como instrumento
quer nos debrucemos apenas sobre a narração de de trabalho, que pode ser acessível, tanto a

Escola Superior de Educação de Portalegre


experiências e de práticas de intervenção no estudantes, docentes e técnicos de intervenção
terreno, nas áreas da animação comunitária e nos mais variados domínios e sectores sociais,
do desenvolvimento local, em particular as que bem como a curiosos e autodidactas pelo(s)
tomam como dimensão empírica predominante tema(s) a que nos reportamos.
as comunidades de pequena escala e de matriz Não orientámos esta selecção por
rural. critérios muito apertados como sejam os
A selecção bibliográfica que aqui se autores, as datas de publicação ou as correntes
reproduz não esgota, claro está, a riqueza de teóricas e/ou ideológicas subjacentes aos temas.
trabalhos e de obras publicadas, através dos Preocupámo-nos antes em captar exemplos de
mais variados suportes (livros, revistas de trabalhos que reflectissem a diversidade de
cunho científico, relatórios técnicos e ins- experiências e de resultados, acessíveis no
titucionais, entre outros...). Pretende-se campo da animação comunitária e do
apenas sistematizar um conjunto de desenvolvimento local, de acordo com vários
referências bibliográficas sobre os temas em olhares e perspectivas científicas, inerentes a
questão, contribuindo desse modo para mais disciplinas como a Sociologia, a Geografia,
uma divulgação de um acervo documental que a Antropologia, a Etnologia e as Ciências da
constitui já um património de conhecimento Educação.
assinalável e, por isso, merecedor de destaque. Não se trata obviamente de uma selec-
Como qualquer exercício de selec- ção exaustiva, embora também não se reduza a
ção bibliográfica de cariz temático, também uma enumeração de publicações enquadradas
este contém limitações e ausências de outras nesta ou naquela vertente da animação (social,
referências de igual valor cognitivo e utilidade cultural, turística, educativa, desportiva,...).
pragmática para quem estuda, trabalha e/ou Numa palavra, diríamos tratar-se antes de um
simplesmente acompanha as mudanças so- registo de obras e artigos científicos, com o
ciais operadas na sociedade actual, sobretudo objectivo central de aproximar os leitores de
aquelas que produzem efeitos ao nível das uma temática que cruza, assim, as questões do
relações sociais, culturais e económicas, por
aprenderMaio de 2003
pág 163
desenvolvimento local com as da animação Regiões rurais periféricas: que desenvol-
de pessoas, grupos, espaços, instituições e vimento? Uma experiência no concelho
comunidades. A generalidade das referências de Almeida, Lisboa, CAIS/CIES.
apresentadas constituem reflexões teóricas e AMARO, Rogério Roque (2000), “A inser-
resultados de pesquisas empíricas que re- ção económica de populações desfa-
metem para a procura de alternativas, de vorecidas, factor de cidadania”,
oportunidades, de inovações, de mudanças Seminário “Desenvolvimento Local,
sociais, mediante a concepção, implementação Economia Social e Cidadania”, Santa
e avaliação de projectos de desenvolvimento Maria da Feira, Caderno Intervenções
local, os quais visam, em última análise, a Temáticas.
satisfação das necessidades das populações, AMARO, R. Roque, et al. (1997), Serviços
a promoção da cidadania activa, a valoriza- de proximidade em Portugal - princi-
ção cultural e dos sentimentos de pertença pais tendências e características (uma
sócio-cultural e a qualificação das primeira avaliação), Lisboa,
comunidades, tudo isto tendo em conta os MQE-DGEFP-CIME, Col. “Cadernos de
desafios do futuro. Afinal, objectivos que são Emprego”, nº 11.
comuns, quer à animação comunitária, quer ao AMARO, Rogério Roque (1993), “As Novas
Bibliografia Temática

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aprenderMaio de 2003
pág 169
nota de leitura

Roland Barthes,
A Câmara Clara
Lisboa, Edições 70, 1980.
Nota de Leitura

Dedico a escolha deste livro aos alunos intuitos aborrecedores. Mas, não sendo um
do Curso de E.V.T., esperando, no entanto, que livro de semiótica da imagem, é, isso sim, um
todos os outros, em especial os profissionais ensaio filosófico que promete a atenção de
da área da arte, possam também recordar e qualquer um, e especialmente do amigo das
confrontar as suas leituras com estas sínteses artes visuais, pois equilibra uma narrativa
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que aqui ficam, prometendo que noutra breve comovente e dramática de tom pessoal com
oportunidade a escolha possa recair sobre o carácter sério e universal da questão de se
uma obra que ainda constitua uma novidade saber o que é uma fotografia, ou melhor
editorial. A Câmara Clara de Roland Barthes dizendo, de como definir a fotografia enquanto
já passou à terceira geração de admiradores, fenómeno poético do Homem.
mas será, ainda assim, uma obra de eleição e Roland Barthes parte do princípio de que
proveitosa leitura. Nisso mesmo estaremos a imagem tem uma unidade poética natural e de
muitos de acordo. que essa unidade é naturalmente acentuada na
continuidade e permanência sincrética do espa-
A Câmara Clara de Roland Barthes ço visual e, ainda, de que a fotografia tem um
nódulo icónico a envolver especialmente esta
A Câmara Clara de Roland Barthes é unidade, ao transportar-nos simultaneamente
um livro de fenomenologia da imagem poética, para o referente real e para a sua perenidade.
dedicado especialmente à imagem fotográfica, Mas, acentuando esta questão, Roland Barthes
de tal modo estruturado que consegue enle- considera que ela tem a capacidade de poder
var qualquer estudante na descoberta de uma tomar nessa presença a perenidade no seu
semiótica viva, embrenhá-lo numa leitura da sentido mais humanamente fatídico - o facto de
imagem empolgante e, além disso, conduzi-lo a fotografia estar, ao longo da sua existência,
na aquisição de conceitos como este mesmo como um modo de ser na Forma essencial do
de fenomenologia, enquanto vai à procura da registo de instantes da vida humana. Contudo,
adaptação de categorias para a questão se a fotografia, diz-nos Barthes, pode mostrar-
do fenómeno da imagem fotográfica, tais -nos a imagem visual do Homem na sua
como studium, punctum, noema, ou de uma qualidade poética, ela fá-lo reorganizando a
expressão que descreva a relação da Forma sua comunicação como um papel de testemu-
do Homem com o tempo e o espaço, na ima- nho, um fenómeno que fala essencialmente,
gem visual... Ditos assim, podem soar como também, de um já foi e de um já não o é. Ela

aprender
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é, pois, esta contundência de ser em potência do a consciência de investigação, fazendo-o
um já foi, diz-nos Roland Barthes, fazendo-nos pensar a educação poética como um domínio
compreender que a qualidade poética da de estudo a pensar discursivamente, de tal
fotografia compactua com quem olha a ima- modo que creio que ele é claramente um admi-
gem nessa sua pujança universal - ela é, muitas rável exemplo de como assim se passa ao lado
vezes de facto, a imagem de quem já foi, se desses velhos e assombrados preconceitos, que
registou um real humano, e, mesmo quando o têm como mania separar a imagem poética
faz no presente, fá-lo sempre nessa eminência da sua origem fenoménica e das suas raízes
de o vermos como - o que, aquele e quem vai filosóficas, antropológicas, estéticas e de uma
deixar de o ser, ou o ser no seu instante em que linguística da imagem poética. E, mesmo que
já não o é. o termo “categorizar” pareça demasiado forte,
Eclética, sem pastiche, mas com a vemos que Roland Barthes nos faz realmente
qualidade de uma aventura psicológica, lan- repensar categorias sobre a imagem visual...
çada em nome próprio e intimista, A Câmara Podemos ler como a fotografia tem para o
Clara dá-nos, num drama tão simples como autor um studium - uma espécie de histó-
comovente, (o de o autor reencontrar a imagem ria contextual poética, - um punctum - algo
da sua mãe) ideias sobre a imagem em geral que recria o paradoxo do contexto, atraindo
da arte, sobre a capacidade de esta poder ser atenção pela sua contundência e estranheza,
um modo de sedução e de captação demorada e se localiza, especialmente, como sendo o
do olhar, quando nela encontrarmos um ponto algo que recria no ver a leitura da imagem

Nota de Leitura
de intriga capaz de nos fazer perseverar na sua e o aprofundamento de um nódulo e de uma
contemplação. Em sentido mais lato, este livro intriga no contexto, como o ponto da fatalidade
pode fazer-nos acreditar na necessidade de especial, como a ferida da imagem - e,
procurarmos imagens capazes de eufemizar uma finalmente, como surge o termo noema - palavra
perda e, assim, na importância da fatalidade na para significar a qualidade síntese de uma ima-
expressão da arte - ou a contingência fenoménica gem, em especial da obra fotográfica, que infere

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de que uma imagem tenha como categoria esse do porquê de ela ser uma representação de um
modelo icónico. facto real que apela sempre e essencialmente à
A partir dos exemplos de várias natureza perene dessa realidade, ou ao paradoxo
imagens, vamos encontrando o que Roland entre O foi e O já não é.
Barthes entende por esta demora do olhar e Partindo da questão do que será em
essa imagem que ele procura que lhe devolva especial o fenómeno da imagem fotográfica,
uma imagem subjectiva própria de uma alma o autor vai abrindo um imenso mundo de
humana, mas sem que as análises técnicas, considerações tão fortes sobre a poética da
estéticas, semiológicas e filosóficas tenham imagem visual que tornam esta obra, a meu
fronteiras, dando assim lugar a um exemplo ver, um dos mais simples e profundos ensaios
quase ímpar de verdadeira leitura de uma sobre a ideia de contemplação universal de uma
imagem poética visual. Talvez seja por isso impressão sobre um papel, dessa química de
um dos livros mais simples para nos conduzir trazer a imagem fotográfica do escuro à luz e
nas diversas leituras da imagem visual, para vice-versa, a que ele deu o nome de Câmara
além das pobres exclamações de gosto, das Clara, aludindo, ainda, digo eu, a todas as ou-
opiniões meramente emocionais, para além do tras imagens poéticas que jogam o mesmo jogo
psicologismo biográfico em torno do autor e do claro/escuro na consciência do Homem e
para além da descrição histórico-estilística e que é em nome desse carácter de humanidade
técnico-material, fazendo-nos encontrar, sem comunicante que jogamos com o seu carácter
nos darmos conta, com o ensaio filosófico que icónico “de seres”, pois estão profundamente
fala e descreve essencialmente a qualidade de envolvidas na relação contígua entre o que se
uma imagem. Talvez por isso, já tenha visto cria e quem cria ou entre o que se contempla e
várias vezes como este livro pode conduzir um quem contempla quem.
aluno numa entusiástica vivência desse outro
lado da educação em artes visuais, que é o Ana F. Cravo
outro lado das palavras apropriadas, recrian-

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