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Controle judicial da atividade política

As questões políticas e os atos de governo

Carlos Bastide Horbach

Sumário
1. Introdução. 2. As political questions no
Direito norte-americano. 3. Os actes de gouver-
nement franceses. 4. Questões políticas e atos de
governo no Direito brasileiro. 5. Conclusão.

1. Introdução
As relações entre o direito e a política
constituem tema dos mais clássicos do
Direito Constitucional. As forças que se
antagonizam na arena política é que pro-
piciam, quando do consenso, a formação
das normas jurídicas, num movimento há
muito analisado pela doutrina e plastica-
mente sintetizado numa conhecida imagem
de Tobias Barreto (2001, p. 94-95), exposta
aos doutorandos da Faculdade de Direito
do Recife em 1883:
“Serpe nisi serpentem comederit, non
fit draco: – a serpe que não devora a
serpe, não se faz dragão; a força que
não vence a força, não se faz direito; o
direito é a força, que matou a própria
força...
Assim como, de todos os modos
possíveis de abreviar o caminho entre
dois pontos, a linha reta é o melhor;
Carlos Bastide Horbach é Doutor em Direito
do Estado pela Universidade de São Paulo. Mes-
assim como, de todos os modos ima-
tre em Direito do Estado e Teoria do Direito pela gináveis de um corpo girar em torno
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. de outro corpo, o círculo é o mais
Professor dos cursos de Graduação e Mestrado regular; – assim também, de todos
em Direito do Centro Universitário de Brasília os modos possíveis de coexistência
e Advogado. humana, o direito é o melhor modo.

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Tal é a concepção que está de acordo de York, que pretendia ver juridicamente
com a concepção monística do mundo. assegurado seu direito à sucessão. Desde
Perante a consciência moderna, o direi- então os tribunais anglo-americanos têm
to é um modus vivendi; – é a pacificação recusado o exercício da jurisdição em casos
do antagonismo das forças sociais, da nos quais a intervenção judicial é conside-
mesma forma que, perante o telescópio rada como inapropriada.
moderno, os sistemas planetários são Assim, a construção da teoria evoluiu,
tratados de paz entre as estrelas”. atingindo seu auge de maturação com a ju-
Se o Direito é a força que venceu a força, risprudência da Suprema Corte americana
é a pacificação dos antagonismos sociais, e com a produção da doutrina constitucio-
e, na atualidade, resta consagrada – pelo nalista dos Estados Unidos no século XIX.
menos no Ocidente – a fórmula do Estado É exatamente por essa perspectiva – ampla-
de Direito, não se pode compreender que mente estudada pelos primeiros publicistas
a atividade política – locus próprio de ma- da República – que as questões políticas
nifestação dos antagonismos sociais – fique chegaram ao Direito brasileiro.
fora da tutela jurídica, permaneça como a Story (1873, p. 266), em seus Commenta-
serpe que não se tornou dragão. ries, ensinava que, “em medidas exclusiva-
Essa conclusão bastante singela, contu- mente de natureza política, legislativas ou
do, não encerra uma afirmação estreme de executivas, é pacífico que, como a autori-
contestações. dade suprema a respeito delas pertence ao
Isso porque, juntamente com o desen- poder executivo e ao legislativo, não podem
volvimento do direito público moderno, ser reexaminadas por outra instância”.
desenvolveram-se, em diferentes tradições Pomeroy (1888, p. 624-625) delimitava o
jurídicas, teorias que pretendem tornar de- problema a partir do decidido pela Supre-
terminadas áreas da atuação política estatal ma Corte americana no caso State of Georgia
infensas à tutela normativa, retirando-as v. Stanton, em meados do século XIX: “o mé-
do âmbito de conhecimento das instâncias rito de uma controvérsia é político e alheio
jurisdicionais. ao domínio do Judiciário somente quando
O presente estudo tem como objeto envolve a existência de jure de um governo,
duas dessas teorias, que produziram im- ou a legalidade de algum ato ou procedi-
portantes reflexos no Direito brasileiro, mento puramente governamental”.
uma norte-americana e outra francesa. A Essas opiniões doutrinárias, por sua vez,
seguir, portanto, serão examinadas – em refletiam uma orientação jurisprudencial
breves linhas – as political questions e os da Suprema Corte americana, que pode
actes de gouvernment, para que se possa, na ser verificada desde logo no famoso caso
sequência, aferir a importância que têm tais Marbury v. Madison, de 1803. Nesse acórdão,
noções hoje na jurisprudência brasileira. Marshall (1997, p. 18) fez constar que
“o tribunal só tem competência para
2. As political questions no decidir acerca de direitos individuais;
jamais para examinar como o Execu-
Direito norte-americano
tivo ou os funcionários executivos
O reconhecimento da existência de desempenham seus deveres em tudo
questões políticas alheias à tutela jurisdicio- a que se aplica a faculdade discri-
nal é tradicional no direito anglo-saxônico. cionária. Questões por sua natureza
Afirma Bernard Schwartz (1963, p. 462) que política, ou submetidas ao nuto do
o desenvolvimento de tal noção se inicia Executivo pela Constituição e pelas
em 1460, quando um tribunal inglês se re- leis, nunca poderão ser ventiladas
cusou a conhecer de um pedido do Duque neste Tribunal”.

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Marshall, nesse precedente, elaborou política claramente excluída da deci-
uma distinção entre casos em que o Pre- são judicial; ou a impossibilidade de
sidente e seus agentes exercem poderes os tribunais decidirem independente-
puramente políticos e aqueles nos quais mente sem demonstrar uma violação
exercem deveres específicos cometidos pelo do respeito devido aos demais pode-
direito. Somente neste último caso, o agente res coordenados; ou uma necessidade
público é juridicamente responsável por incomum de adesão inquestionável
sua conduta. Fora isso, a responsabilidade a uma decisão política já tomada;
se dá perante o país e a própria consciência. ou a potencialidade do embaraço de
(SCHWARTZ, 1963, p. 463) múltiplos pronunciamentos de vá-
Tal compreensão da função da Suprema rios departamentos sobre uma única
Corte foi mantida com maior ou menor questão”.1
intensidade ao longo dos anos, o que gerou Cuida-se, evidentemente, de uma tenta-
– apesar da análise de Tocqueville, segundo tiva de sistematizar o self-restraint exercido
a qual as questões políticas na América pela Corte, retirando dele um viés arbi-
invariavelmente tornavam-se questões ju- trário, ainda que as fórmulas de Brennan
diciais – poucas interferências da justiça na sejam, também, por demais elásticas.
política ao longo do século XIX. (GRABER, Baker v. Carr estabeleceu que é o rela-
2004, p. 486) cionamento entre o Judiciário e os coor-
Entretanto, no início da fixação das polí- denados ramos do governo federal o que
ticas do new deal, nos anos 1930, o Tribunal gera uma questão política, que se vincula,
adentrou na apreciação de vários projetos portanto, à separação de poderes. “A au-
de governo que, ordinariamente, ficariam sência de controle judicial das questões
fora de sua competência tradicional, num políticas é antes de tudo uma decorrência
movimento que somente teve fim no con- da separação de poderes”. (SCHWARTZ,
fronto mais direto com o Executivo. 1963, p. 463)
Já em 1962, a Suprema Corte americana O importante a ser registrado é que ainda
fixou os contornos da sindicabilidade das hoje as balizas fincadas em 1962 continuam
questões políticas, no famoso caso Baker a orientar a jurisprudência norte-americana.
v. Carr, que dizia respeito à organização Recentemente, em 2006, a Corte de Apela-
dos distritos eleitorais do Tennessee, ção para o Circuito do Distrito de Columbia
inalterados desde o início do século XX, não conheceu de pedido formulado por
em flagrante falseamento da realidade habitantes das Ilhas Chagos, no Oceano
demográfica das diferentes regiões do Índico, retirados de seu local tradicional de
estado e de sua representação. Na redação moradia por força da construção de uma
da decisão da maioria, o Justice Brennan base militar americana. Entendeu-se que a
delineou a moderna jurisprudência das
questões políticas: 1
“Prominent in any case held to involve a political
question is found a textually demonstrable constitu-
“Evidente na superfície de qualquer tional commitment of the issue to a coordinate poli-
caso envolvendo uma questão políti- tical department; or a lack of judicially discoverable
ca encontra-se uma atribuição consti- and manageable standards for resolving it; or the
tucional, textualmente demonstrável, impossibility of deciding without an initial policy
determination of a kind clearly nonjudicial discre-
da matéria a um departamento polí- tion; or the impossibility of a court’s undertaking
tico; ou a falta de padrões passíveis independent resolution without expressing lack of
de serem descobertos ou aplicados the respect due coordinate branches of government;
or an unusual need of unquestioning adherence to a
judicialmente para resolvê-la; ou a
political decision already made; or the potentiality of
impossibilidade de se decidir sem embarrassment from multifarious pronouncements
antes determinar a existência de uma by various departments on one question.”

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discussão envolvia a segurança nacional e Para ele, ainda que os atos ditos de governo
as relações internacionais, questões políti- encerrassem uma discricionariedade que
cas não passíveis de apreciação judicial, nos não era sindicável pelo Conselho de Estado,
moldes de Baker v. Carr.2 a esfera dessa discricionariedade não po-
deria ser entendida arbitrariamente pelos
3. Os actes de gouvernement franceses governos, mas estaria sim naturalmente
delimitada pelas leis e pelo ordenamento
A definição moderna da teoria dos atos constitucional. Não bastaria, pois, o con-
de governo no Direito francês se deu com teúdo político, a forma de deliberação em
o famoso arrêt Prince Napoleón, julgado pelo Gabinete ou a satisfação de um interesse
Conselho de Estado em fevereiro de 1875. público para o ato estar livre do controle
O Príncipe Napoleão José Bonaparte re- jurisdicional.
cebera do primo, o Imperador Napoleão III, Esse arrêt Prince Napoleón não represen-
o título de General de Divisão do Exército ta, assim, o nascimento da noção de atos de
francês em 1853. Entretanto, no primeiro governo, mas a sua moderna conformação
Anuário Militar editado após a queda do aos contornos do ordenamento jurídico,
Império, em 1873, seu nome foi retirado da aumentando significativamente a exten-
lista dos generais, o que ensejou um pedido são do controle exercido pelo Conselho
administrativo de reinclusão ao Ministro de Estado. Tanto é assim que “a lista dos
da Guerra. Este, declarando ter sido irre- atos de governo, hoje, não compreende
gular a investidura do Príncipe – baseada mais do que duas séries de medidas: os
“nas condições particulares de um regime atos concernentes às relações do Executivo
hoje desaparecido” –, negou-se a alterar com o Parlamento e aqueles que se ligam
o anuário, dando causa à interposição de diretamente às relações da França com as
um recurso por excesso de poder perante potências estrangeiras ou os organismos
o Conselho de Estado. internacionais”. (LONG et al, 2005, p. 19)
As informações do Ministro da Guerra Certamente, no que importa para a pre-
ao Conselho de Estado sustentaram a im- sente análise, as relações entre Executivo e
possibilidade de conhecimento do recurso, Parlamento são mais relevantes. Entretanto,
uma vez que a exclusão do Príncipe da lista não se pode deixar de mencionar – ainda
de generais se dera por razões de política que superficialmente – as matérias de
governamental, o que lhe tornava infenso política internacional. Jean Rivero sinte-
à jurisdição administrativa – na linha de tiza tais questões nos seguintes pontos:
dois precedentes do próprio Conselho, o a) negociação e conclusão de tratados; b)
arrêt Laffitte, de 1822, e o arrêt Duc d’Aumale, atos relativos à aplicação de tratados pelo
de 1867.3 Executivo;4 c) atos de política internacional
As conclusões do Comissário de Gover- estranhos aos tratados, como a proteção dos
no David – o mesmo que atuou em outros franceses no estrangeiro pelas autoridades
precedentes relevantes, como o arrêt Blan-
co e o arrêt Pelletier, ambos de 1873 – não 4
Sobre esses dois primeiros tipos de atos, impor-
acataram, porém, essa tese, fixando assim tante anotar que o Conselho de Estado reconhece a
limites para a teoria dos atos de governo. possibilidade de controlar os efeitos danosos deles
advindos, como decidido no arrêt Compagnie générale
2
Bancoult v. McNamara. International law update, d’énergie radio-électrique, de 1966. Com essa decisão,
v. 12, junho de 2006, p. 113-114. o juiz administrativo, sem poder para se pronunciar
3
Nesses julgados, o Conselho de Estado deixou de sobre a regularidade de certas medidas concernentes
conhecer das demandas com base na teoria do móvel às relações internacionais, abre a possibilidade de fixar
político, ou seja, se a razão ensejadora da edição do ato uma indenização por suas consequências danosas com
estatal era de natureza política, governamental, não base no princípio da igualdade perante os encargos
poderia ser revista pela jurisdição administrativa. públicos. Cf. LONG, 2005, p. 579.

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diplomáticas; e d) atos de guerra (RIVERO, gundo a qual o juiz administrativo só
1981, p. 185-186). é competente para o que diz respeito
Nas relações entre Executivo e Parlamen- à acção propriamente administrativa
to, o Conselho de Estado se recusa a apreciar dos órgãos públicos”.
os seguintes tipos de atos: a) decisões do É, ainda, interessante registrar que,
Executivo no âmbito de sua participação no modernamente, os espaços de imunidade
processo legislativo, como na promulgação que eram deixados pelo Conselho de Es-
de uma lei (arrêt Desreumeaux, de 1933) ou tado vêm sendo preenchidos em França
a recusa de invocar urgência na apreciação, por outra jurisdição, a do Conselho Cons-
pelo Conselho Constitucional, de uma lei titucional, o que acarreta um aumento
orgânica (arrêt Meyet et Bouget, de 2002); b) ainda maior da sindicabilidade dos atos
decisões do Presidente da República que de governo. Ou seja, muitos atos que não
afetam as relações entre poderes ou o exercí- eram apreciados pelo Conselho de Estado
cio da função legislativa, como a dissolução passaram a ser objeto de controle do Conse-
da Assembleia Nacional (arrêt Allain, de lho Constitucional, num gradual processo
1989) ou a nomeação de um membro do de alargamento de suas competências.
Conselho Constitucional (arrêt Mme. Ba, de Assim, por exemplo, enquanto o Conse-
1999); c) decisões do Governo preparatórias lho de Estado se nega a apreciar o decreto
de decisões do Parlamento, que tem, assim, presidencial que submete um projeto de
poder de revê-las, exercendo por si só o lei a referendo, por considerá-lo ato de
controle (arrêt Georger et Tervassigamany, de governo (arrêt Brocas, de 1962), o Conselho
1958). (LONG, 2005, p. 19-20) Constitucional afirma sua competência
Ainda que a jurisprudência trabalhe para conhecer da matéria (arrêt Hauchemail-
com essa noção, é importante que ela o faz le, de 2000). (LONG et al, 2006, p. 26)
muitas vezes implicitamente, sem fazer Trata-se, de fato, da relativização signi-
referência expressa à teoria dos atos de ficativamente benéfica de uma noção que
governo, que acaba por ser o fundamento se apresenta, segundo a doutrina francesa,
mediato da não-apreciação de determina- cada vez mais, como contrastante com o de-
da demanda. Por outro lado, para muitos senvolvimento geral do Estado de Direito
autores, é possível chegar às mesmas e que “oferece às tentações de arbítrio uma
consequências da teoria em questão sem protecção capaz de encorajá-las”. (RIVERO,
apelar para uma construção tão vaga. Nesse 1981, p. 187)
sentido, Jean Rivero (1981, p. 186):
“Uma grande parte da doutrina, sem 4. Questões políticas e atos de
contestar as soluções precedentes,
governo no Direito brasileiro
julga possível explicar a inaceitabili-
dade dos recursos interpostos contra Tendo em vista a ampla importação de
os actos em questão sem fazer apelo modelos constitucionais norte-americanos
à noção de acto de governo (que os pela nascente República brasileira, natural
arestos, como vimos, raramente men- a incorporação de conceitos como o das
cionam), pela simples aplicação dos questões políticas pelo direito público
princípios gerais que regem a compe- nacional.
tência do juiz administrativo. Nesta Essa incorporação, aliás, foi até mesmo
perspectiva, a imunidade dos actos determinada pelas normas do Governo
praticados na relação do Governo Provisório que adaptaram o ordenamento
com o Parlamento e à sua actividade imperial ao novo regime republicano e à
(...). A teoria dos actos de governo forma federativa de Estado. Nesse sentido,
seria pois absorvida na regra geral se- o Decreto no 510, de 1890, que determinava

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a aplicação, pelos tribunais brasileiros, da João Barbalho (2002, p. 224), por sua vez,
doutrina e da jurisprudência das “nações asseverava que a apreciação das questões
civilizadas”, em especial as dos Estados políticas pelos tribunais “seria verdadeira
Unidos. invasão em alheia esfera de poderes e su-
Natural, assim, que fossem os referen- bordinação de todos ao Judiciário”.
ciais norte-americanos utilizados pelos Carlos Maximiliano (2005, p. 599),
constitucionalistas brasileiros para a citando Goodnow, ensinava que se con-
compreensão da nova ordem. Pedro Lessa sideram
(2003, p. 1), por exemplo, no prefácio de seu “políticos aqueles atos, de aplicação
Do poder judiciário, de 1915, expressamente geral ou especial, feitos pela adminis-
afirma: tração no cumprimento de suas fun-
“E como a doutrina conta entre ções políticas, como sejam a conduta
nós com um número quase nulo de das relações diplomáticas do país, a
expositores, e a jurisprudência, inci- elaboração de tratados, o comando e a
piente e vacilante, pouco subsídio, ou disposição das forças militares, assim
amparo, pode prestar, forçoso me foi como o manejo das relações do Exe-
recorrer aos comentaristas e julgados cutivo com a legislatura. Sobre esses
do país cujas instituições políticas ser- atos não têm os tribunais nenhum poder
viram de modelo às nossas, os Estado de ‘controle’. O princípio adotado, da
Unidos da América do Norte”. responsabilidade perante o povo,
Nessa quadra, são comuns as referências será, segundo se acredita, suficiente
de autores como Ruy Barbosa, João Barba- para assegurar a prática imparcial e
lho, Carlos Maximiliano e o próprio Pedro prudente destes atos políticos”.
Lessa, entre outros, às questões políticas, Mais adiante, ainda advertia que, “usur-
tomando como base as conclusões de Story, pando a competência dos poderes políticos,
Cooley, Pomeroy, Marshall ou Bryce. expõem-se os juízes a não ver cumprido o
Ruy Barbosa, citando como exemplos seu veredictum, conforme sucedeu várias
de questões políticas o exercício da sanção vezes no Brasil e nos Estados Unidos com
e do veto, a declaração de guerra, o reco- aplauso dos publicistas”. (Idem, p. 601)
nhecimento de um estado de insurreição, Exemplo da situação descrita por Carlos
sustentava que Maximiliano é o descumprimento, pelo Ma-
“todas elas têm por objeto a apre- rechal Hermes da Fonseca, do decidido pelo
ciação de conveniências, transitórias Supremo Tribunal Federal no julgamento do
ou permanentes, mas sempre de Habeas Corpus no 2.990, de relatoria do Minis-
natureza geral. São consideradas de tro Pedro Lessa, ocorrido em 25 de janeiro
interesse comum, de utilidade pública, de 1911. Tratava-se do caso dos membros
de necessidade ou vantagem nacional, do Conselho Municipal do Distrito Federal,
requerendo uma autoridade mais que tiveram sua permanência nos cargos
ou menos arbitrária, subordinada assegurada pelo tribunal contra decreto do
a competência dos que a exercem Presidente da República, o qual dissolvera a
aos freios da opinião popular e da legislatura distrital. Entretanto, recusando-
moral social, mas autônoma numa se o Chefe do Executivo a cumprir a ordem
vasta órbita de ação, dentro da qual concedida pelo STF, limitaram-se os Minis-
a discrição do legislador e do admi- tros a protestar, sem consequências práticas.
nistrador se move livremente. Eis (HORBACH, 2007, p. 83 e ss.)
o terreno meramente político, defeso Entretanto, para Ruy Barbosa, as ques-
como tal à ingerência dos tribunais”. tões políticas têm limites claros, fixados no
(LESSA, 2003, p. 62-63) próprio texto constitucional. “A violação

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de garantias constitucionais, perpetrada público. A violação da Constituição, pois,
à sombra de funções políticas, não é imu- sempre abriria as portas da tutela jurisdi-
ne à ação dos tribunais. A estes compete cional a qualquer questão, por mais política
sempre verificar se a atribuição política, que fosse.
invocada pelo excepcionante, abrange nos Esse entendimento é, desde muito cedo,
seus limites a faculdade exercida”. (LESSA, incorporado à jurisprudência do Supremo,
2003, p. 65) como se pode depreender da ementa do
Sintetizando todos os entendimentos acórdão de 23 de maio de 1914: “O Supremo
acima apresentados, Pedro Lessa (2003, Tribunal Federal conhece de questões que
p. 65-66): não são meramente políticas, o que, aliás,
“Em substância: exercendo atribui- é um dos rudimentos do sistema. Desde
ções políticas e tomando resoluções que uma questão está subordinada a textos
políticas, move-se o poder legislativo expressos na Constituição, deixa de ser
num vasto domínio, que tem como questão exclusivamente política”.
limites um círculo de extenso diâ- Porém, essa posição doutrinária e ju-
metro, que é a Constituição Federal. risprudencial que se forma sob a égide da
Enquanto não transpõe essa perife- Constituição de 1891 não se projetou plena-
ria, o Congresso elabora medidas e mente nos ordenamentos de 1934 e de 1937,
normas que escapam à competência por força, respectivamente, de seus artigos
do poder judiciário. Desde que ul- 68 e 94. Esses dispositivos expressamente
trapassa a circunferência, os seus determinavam que era “vedado ao Poder
atos estão sujeitos ao julgamento do Judiciário conhecer de questões exclusiva-
poder judiciário, que, declarando-os mente políticas”.
inaplicáveis por ofensivos a direitos, Seabra Fagundes (1957, p. 182), escre-
lhes tira toda a eficácia jurídica. vendo já sob o texto de 1946, defendia que
Exercitando as suas faculdades, o a impossibilidade de apreciação das ques-
poder executivo tem um campo de tões políticas – apesar de não se ter mais
ação menos amplo; porquanto, além no direito constitucional vigente normas
de limitado, como o Congresso, pela como as acima mencionadas – decorria da
Constituição Federal, ainda tem a sua índole do regime e de imperativos de seu
esfera de ação restringida pelas leis funcionamento. Aos poderes Legislativo e
secundárias, que são tantos outros Executivo, a Constituição de 1946 delegara
círculos concêntricos, menos dilata- atribuições de cunho estritamente político,
dos que a Constituição, e traçados que, pela sua natureza específica, seriam
dentro desta. Enquanto cuida do incompatíveis com a interferência do Poder
interesse público, das transformações Judiciário.
conducentes ao bem da sociedade, Essas afirmações, contudo, não podem
sem atingir e galgar esses limites, ser tomadas como contrárias àquelas dos
pratica atos políticos, sobre os quais constitucionalistas da República Velha.
nenhum poder tem a judicatura. Isso porque, segundo Seabra Fagundes
Ferindo tais limites, expõe as suas (1957, p. 184), “o procedimento deixa de ser
providências à crítica e às decisões unicamente político quando, não obstante
do poder judiciário”. ter no ato político sua origem, é seguido de
Ou seja, questões políticas há que, por medidas que afetam direitos expressamen-
força do próprio ordenamento jurídico, te amparados pela ordem jurídica. E, então,
ficam fora da competência dos tribunais, desaparece a impossibilidade de controle.
exclusão esta que cessa com a violação dos O Judiciário é levado, ainda que indireta-
limites normativos de atuação do poder mente, ao exame do ato político”.

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Apesar desse entendimento doutri- exercício de função meramente política, tais
nário, era comum no STF, na vigência da o indulto, a iniciativa de lei pelo Executivo,
Constituição de 1946, o recurso à noção de sua sanção ou veto, sub color de que é con-
“questão política” ou “questão de governo” trária ao interesse público, etc”.5
para excluir uma demanda do controle Tanto Odete Medauar quanto Celso An-
exercido pelo Poder Judiciário, como se tônio indicam que essa categoria é especial-
pode verificar no julgamento do Manda- mente importante na doutrina tradicional
do de Segurança no 9.077, de relatoria do porque livre de controle jurisdicional, o que
Ministro Gonçalves de Oliveira, no qual o seria incompatível com o texto constitucio-
Ministro Victor Nunes, verificando que a nal de 1988, que garante, no inciso XXXV
demanda envolvia uma política de gover- de seu artigo 5o, a inafastabilidade do Poder
no, expressamente afirma que “não cabe Judiciário. Trata-se, como até agora visto,
ao Supremo Tribunal Federal corrigir essa de posição doutrinária que vai ao encon-
política, mesmo que ela possa parecer a um tro da formulação histórica das noções de
ou outro injusta, não eqüitativa”. (ALMEI- “questões políticas” e de “atos de gover-
DA, 2007, p. 48) no” nos Estados Unidos e na França, uma
Essa tendência encontrou continuida- vez que desde logo se reconhece, nesses
de e adquiriu maior força no período de ordenamentos, a possibilidade de controle
vigência da Constituição de 1967 e ainda quando em xeque direitos constitucional-
orienta muitos julgados na ordem consti- mente garantidos.
tucional atual. Mesmo assim, mesmo com a regra do
A jurisprudência do Supremo Tribunal inciso XXXV do artigo 5o da Constituição
Federal nessa matéria utiliza as expressões Federal, o Supremo Tribunal Federal tem
“questão política” e “ato de governo” pra- recorrido à figura dos atos de governo e
ticamente como sinônimas. das questões políticas. Exemplo disso é o
A noção de ato de governo – como não julgamento da questão de ordem na ADPF
poderia deixar de ser – teve sua difusão no no 1, Relator Ministro Néri da Silveira, D.J.
âmbito da doutrina administrativista, sen- de 07.11.2003, na qual era questionado um
do nesta área utilizada pelos modernos au- veto manifestado pelo Prefeito do Muni-
tores e pelos tribunais. Odete Medauar, por cípio do Rio de Janeiro a um projeto de
exemplo, afirma que o ato de governo “é lei aprovado pela Câmara de Vereadores,
ato que expressa a função governamental, sobre IPTU.
que é precipuamente política, por referir-se Essa arguição de descumprimento de
às diretrizes amplas para a vida da coleti- preceito fundamental não foi conhecida
vidade. Dentre suas características estão: pelo STF exatamente pela natureza do ato
a) provém da autoridade ou órgão mais impugnado, que encerraria uma decisão
elevado do Executivo, como o Presidente da exclusivamente política e, por isso, infensa
República, Governador, Prefeito; b) dizem ao controle da Corte. Isso fica evidente no
respeito, sobretudo, ao relacionamento com voto do Relator, Ministro Néri da Silveira,
outros poderes (Legislativo e Judiciário), que defende estar a discussão dos vetos
com outros países ou com organismos in- limitada às relações entre os poderes
ternacionais; c) referem-se a decisões de alto
relevo para o país, o Estado-membro ou o 5
Interessante sublinhar que um dos exemplos
Município”. (MEDAUAR, 2005, p. 173) dados pelo autor – o do indulto – não mais encontra
Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, respaldo na jurisprudência do Conselho de Estado
francês, que, desde o arrêt Gombert, de 1947, considera
p. 353) define os atos de governo como sen- sindicáveis tais atos, em entendimento recentemente
do os praticados “com margem de discrição e reafirmado no arrêt Observatoire international des prison
diretamente em obediência à Constituição, no – Section française, de 2003.

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Executivo e Legislativo, não admitindo a sileira – reconheceu sua competência para
interferência do Poder Judiciário. O Mi- apreciar o pedido, uma vez que baseado
nistro Maurício Corrêa, por outro lado, em norma constitucional. Ou seja, saindo
aduz que a apreciação do pedido faria com o ato político da circunferência de regula-
que o Tribunal se imiscuísse em assunto ridade fixada pelo ordenamento jurídico-
exclusivo dos dois poderes envolvidos constitucional, viável o controle pelo Poder
no processo legislativo, obstaculizando-o Judiciário. Como o texto constitucional de
indevidamente. Finalmente, o Ministro 1988 é extenso, notadamente analítico e
Moreira Alves registra em seu voto que a detalhista, o parâmetro de controle torna-
matéria era “insusceptível de ser apreciada se amplo e, por consequência, diminuta a
pelo Poder Judiciário, por se integrar numa categoria dos atos interna corporis.
daquelas questões políticas para as quais Por fim, é possível analisar a moderna
não há possibilidade de interferência do jurisprudência do STF em outra questão
Poder Judiciário”. tradicionalmente definida como política
Além do veto, outra questão que sem- e, portanto, livre de seu controle, qual
pre foi considerada política pelo STF e, seja, a da definição das políticas públicas.
portanto, alheia à sua apreciação, é a re- Ao contrário do que afirmara o Ministro
lativa ao funcionamento interno das casas Victor Nunes no julgamento do MS 9.077,
legislativas, a tradicional doutrina dos atos anteriormente citado, há decisões da Su-
interna corporis, que nada mais são do que prema Corte brasileira avaliando políticas
uma especificação das questões políticas governamentais, como se pode depreender
parlamentares. Nessa seara, o Tribunal tem do julgamento do agravo regimental no
alargado, nos últimos anos, o exercício de Recurso Extraordinário no 436.996, Relator
seu controle. Ministro Celso de Mello, D.J. de 03.02.2006.
Exemplo disso é o Mandado de Segu- Nesse precedente, o Supremo impôs ao
rança no 26.441, Relator Ministro Celso de município paulista de Santo André a obri-
Mello, julgado em 25.04.2007, cujo acórdão gação de fornecer vagas em creches e em
ainda se encontra pendente de publicação. pré-escolas para todas as crianças de até
Nesse caso, uma manobra regimental da seis anos de idade, asseverando o Relator
maioria na Câmara dos Deputados impedi- que,
ra a instalação da chamada CPI do “Apagão “embora resida, primariamente, nos
Aéreo”, ensejando a impetração do writ Poderes Legislativo e Executivo, a
pela minoria que se sentia prejudicada no prerrogativa de formular e executar
direito à realização do inquérito parlamen- políticas públicas, revela-se possível,
tar, com base no § 3o do artigo 58 da Carta no entanto, ao Poder Judiciário, de-
da República. terminar, ainda que em bases excep-
As alegações do Presidente da Mesa da cionais, especialmente nas hipóteses
Câmara dos Deputados e do Líder do Par- de políticas públicas definidas  pela
tido dos Trabalhadores – que figurava no própria Constituição, sejam estas
feito como litisconsorte passivo necessário implementadas pelos órgãos estatais
– indicavam, preliminarmente, a natureza inadimplentes, cuja omissão – por
política da demanda e sua relação com o importar em descumprimento dos en-
funcionamento interno da casa legislativa. cargos político-jurídicos que sobre
Tal preliminar, entretanto, foi rechaçada eles incidem em caráter mandatório
unanimemente pelo Supremo Tribunal Fe- – mostra-se apta a comprometer a eficá-
deral, que – na linha do já afirmado pela Su- cia e a integridade de direitos sociais
prema Corte americana, pelo Conselho de e culturais impregnados de estatura
Estado francês e pela antiga doutrina bra- constitucional”.

Brasília a. 46 n. 182 abr./jun. 2009 15


5. Conclusão BARRETO, Tobias Barreto. Introdução ao estudo do
direito. São Paulo: Landy, 2001.
As teorias aqui analisadas e todas
CAVALCANTI, João Barbalho Uchôa. Constituição
as decisões colacionadas, inseridas na Federal Brasileira: 1891. Brasília: Senado Federal, Ed.
lógica própria dos ordenamentos norte- fac-similar, 2002.
americano, francês e brasileiro, indicam
FAGUNDES, Miguel Seabra. O contrôle dos atos admi-
um evidente movimento de autolimitação nistrativos pelo Poder Judiciário. 3 ed. Rio de Janeiro:
dos tribunais, motivada acima de tudo Forense, 1957.
pelo bom funcionamento dos arranjos
GRABER, Mark A. Resolving political questions into
institucionais. Ou seja, se o funcionamento judicial questions: Tocqueville’s thesis revisited. vol.
dos poderes é adequado, não há por que 21. Constitutional commentary. 2004.
promover a intervenção do Judiciário na HORBACH, Carlos Bastide. Ministro Pedro Lessa: me-
atuação do Executivo ou do Legislativo, mória jurisprudencial. Brasília: STF, 2007.
não há por que proporcionar a supremacia
LESSA, Pedro. Do poder judiciário. Brasília: Senado
do poder eminentemente jurídico sobre as Federal, Ed. fac-similar, 2003.
manifestações típicas da política.
As questões políticas e os atos de go- LONG, Marceau et alli. Les grands arrêts de la jurispru-
dence administrative. 15 ed. Paris: Dalloz, 2005.
verno, portanto, apresentam-se como ca-
tegorias pragmáticas, menos que teóricas, MARSHALL, John. Decisões constitucionais de Marshall.
Tradução de Américo Lobo. Brasília: Ministério da
voltadas à harmonia entre os poderes.
Justiça, Ed. fac-similar, 1997.
Desse modo, a reflexão que resta é
que, talvez, com sua supressão – ou com MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição
brasileira de 1891. Brasília: Senado Federal, Ed. fac-
sua redução –, tida por muitos como um
similar, 2005.
significativo avanço do Estado de Direito,
tenha-se em verdade o sintoma de uma MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 9
ed. São Paulo: RT, 2005.
latente – ou mesmo patente – crise institu-
cional, que ora se desloca para o Judiciário, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
com consequências ainda imprevistas. Para administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
voltar a Tobias Barreto, o dragão parece ter POMEROY, John Norton. An introduction to the consti-
voltado a seu estado inicial de serpe, mas tutional law of the United States. Indianapolis/Kansas
uma serpe que ao final ninguém sabe se City: Bowen-Merril, 1888.
devorará ou será devorada. RIVERO, Jean. Direito administrativo. Tradução de
Rogério Ehrhardt Soares. Coimbra: Almedina, 1981.
SCHWARTZ, Bernard. A commentary on the Constitu-
tion of the United States. part I. New York: MacMillan,
Referências 1963.

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Ministro Victor STORY, Joseph. Commentaries of the Constitution of the
Nunes: memória jurisprudencial. Brasília: STF, 2007. United States. v. 1. Boston: Little, Brown and Com-
pany, 1873.

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