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1
BARROCO E ROCOCÓ NO BRASIL
Introdução
Conclusão
Referências
2
INTRODUÇÃO
1
A partir da tese inovadora do americano Fiske Kimball The creation of the rococo. Filadelfia, 1943.
3
No capítulo seguinte são analisadas as manifestações mais espetaculares dos
dois estilos nas duas capitais litorâneas, diretamente vinculadas à Metrópole
portuguesa, Salvador e Rio de Janeiro e em Pernambuco, importante polo econômico
no século XVIII, graças à produção açucareira. Finalmente o terceiro é inteiramente
dedicado a Minas Gerais, colocando em destaque as singularidades de sua arquitetura
religiosa vinculadas, principalmente, ao rococó religioso.
4
CAPÍTULO 1. DO BARROCO ITALIANO AO ROCOCÓ FRANCES
5
1.1 O Barroco, arte da Contrarreforma
2
Amplo movimento religioso liderado por Lutero, Calvino e outros, que varreu a Europa entre 1517 e
1564, diversificando em seitas independentes do governo de Roma, a antes unificada religião cristã.
3
Elaborado na Itália na última fase do Renascimento, o maneirismo é hoje reconhecido como estilo
autônomo, diferenciado tanto deste estilo quanto do barroco que o sucedeu.
6
A mensagem induzida nestas construções suntuosas é inequívoca, atingindo de
chofre o visitante que com elas se defronta. As igrejas barrocas, em qualquer lugar do
mundo constituem, acima de tudo, manifestações sensíveis do poder da Igreja Católica
triunfante, que vencera os protestantes na Europa e tivera sua fé reconhecida em
escala planetária nos três outros continentes, a América, Ásia e África. O tema do
triunfo da Igreja nos quatro continentes foi, aliás, representado com frequência nas
pinturas das abóbadas de igrejas do período, a começar pela famosa obra do jesuíta
Andrea Pozzo, na igreja de Santo Inácio em Roma4.
4
Nesta época eram apenas quatro os continentes conhecidos, pois a Austrália e a Oceania ainda não
haviam sido descobertas pelos europeus.
5
A aversão às representações visuais de imagens é recorrente na arte religiosa do Ocidente em virtude
das proibições expressas no texto bíblico.
7
do interior de seus templos para se ater apenas à leitura do texto bíblico.
Sintomaticamente a arte cristã irá enfatizar os personagens que haviam sido
diretamente negados pelos protestantes, começando pela Virgem Maria, que
acrescenta centenas de invocações novas às já estabelecidas na época medieval. Em
seguida os Anjos e Santos, intermediários tradicionalmente prezados pelos cristãos na
comunicação com Deus, que literalmente invadem o espaço das novas igrejas católicas,
os Santos enquadrados em pinturas ou em esculturas sobre peanhas e os Anjos
associados à ornamentação dos retábulos e painéis, nas mais variadas atitudes e
posições.
6
É sintomático o uso deste termo, que tem implícito o conceito de espetáculo, de preferência a
observador (viewer) usado nas línguas anglo-saxãs.
8
Associado à teatralidade e priorizando como esta o efeito final a ser obtido ou
seja, o envolvimento integral do espectador, o conceito de “obra de arte total” é com
frequência invocado para definir a organização unitária das decorações barrocas, nas
quais gêneros artísticos diversos são unidos em composições integradas de poderoso
efeito visual. No caso das igrejas luso-brasileiras, a associação típica é aquela que
congrega os efeitos rutilantes da talha dourada, aos do colorido quente das pinturas
dos tetos e paredes e ao brilho suave dos azulejos, reduzidos na época barroca à
monocromia azul e branco.
7
Denominação oficializada por Robert Smith em sua obra de referencia A talha em Portugal. Lisboa:
Livros Horizonte, 1962.
8
Do italiano “cassettone” (caixa). Forma clássica de decoração de tetos na arte ocidental, elaborada no
período Greco-romano.
9
disponíveis segundo a norma barroca do “horror vacui” (horror ao vazio). O resultado
são as famosas igrejas forradas de ouro, que fazem a glória do barroco luso-brasileiro.
9
Termo associado à forma torsa de uma coluna, tida como originária do templo do rei Salomão, trazida
para o Vaticano nos primórdios da era cristã.
10
A edição latina original (“Perspectivae Pictorum atque Architectorum”) foi publicada em Roma em
1693 e reeditada nas principais línguas europeias.
10
1.2 Aspectos do rococó religioso
11
Sobre a teoria do Rococó religioso ver MINGUET, Philipe. Esthétique du Rococo. Paris: J.Vrin,1966.
11
Levando em consideração que o rococó religioso não teve como o barroco da
Contrarreforma propósito deliberado de manifestação do poder da Igreja ou da defesa
do dogma, serão menos enfatizadas nas igrejas, tanto a escala monumental, quanto a
opulência decorativa. A nova regra são ambientes de pé-direito mais baixo, com amplas
janelas para a entrada da luz natural que produz iluminação homogênea de todo o
espaço, ao oposto do barroco, que privilegiava os contrastes de luz e sombra. Nos
retábulos e revestimentos ornamentais, o douramento se restringe aos ornatos, em
destaque sobre fundos lisos pintados de branco, bege ou tonalidades suaves de rosa,
azul ou amarelo.
12
Rocalhas (rocailles) são conchas de desenho assimétrico e contornos livres.
12
1.3 Barroco e Rococó nas igrejas luso-brasileiras
13
tendo em vista seu período cronológico relativamente curto – cerca de quatro
décadas apenas – e as numerosas substituições feitas na época do rococó. O que
sem dúvida aumenta o interesse de igrejas como as duas lisboetas citadas acima e
a excepcional igreja da Penitencia no Rio de Janeiro, equivalente joanino à Capela
Dourada de Recife, com todos os retábulos do mesmo estilo e o complemento de
forros de perspectiva ilusionista típicos do período. Entre os melhores exemplos de
retábulos joaninos na talha brasileira poderiam ainda ser citados em Salvador, os
colaterais do arco cruzeiro da atual Catedral e Igreja de São Francisco, bem como as
capelas-mores das antigas matrizes coloniais de Ouro Preto, São João Del Rei e
Ouro Branco em Minas Gerais.
Quanto aos aspectos arquitetônicos propriamente ditos, a excepcionalidade
dos traçados poligonais e curvilíneos na arquitetura luso-brasileira, justifica
menção específica das principais igrejas relacionadas aos mesmos. Cinco delas
estão situadas na região litorânea, as de São Pedro dos Clérigos, em Recife,
Conceição da Praia, em Salvador e no Rio de Janeiro, Nossa Senhora da Glória do
Outeiro, Lapa dos Mercadores e Mãe dos Homens. Outras cinco ficam na região de
Minas Gerais: as de São Pedro dos Clérigos em Mariana, Rosário dos Pretos, São
Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto e São Francisco de
Assis em São João Del Rei, sendo as três últimas já do período rococó.
A diversificação regional, característica do rococó religioso, determinou o
desenvolvimento de pelo menos sete escolas regionais do estilo no mundo luso-
brasileiro com identidade própria como as similares da Europa Central. Quatro
delas desenvolveram-se em Portugal, em torno das cidades de Braga, Porto, Évora e
Faro no Algarve. A não inclusão de Lisboa entre os centros portugueses difusores
do rococó, deve-se ao fato desta cidade ter optado na época pelo “pombalino”,
variante do barroco tardio italiano, que se tornou o estilo oficial das reconstruções
de Lisboa pós-terremoto14, comandadas pelo Marquês de Pombal.
As escolas brasileiras do rococó religioso são as de Pernambuco, Rio de Janeiro
e Minas Gerais, principais polos econômicos e políticos do Brasil na segunda
metade do século XVIII. Seu desenvolvimento maior foi na rica Capitania das Minas
do Ouro, onde três sub-regiões elaboraram formas próprias do estilo em torno das
14
O terremoto que atingiu Lisboa no dia 1º de novembro de 1755 arruinou mais de 60 igrejas e
conventos da cidade.
14
cidades de Ouro Preto, São João Del Rei e Sabará. É preciso lembrar que não tendo
Minas Gerais abertura para o mar, dependia do Rio de Janeiro, como porto
escoadouro. Em 1763 a cidade se torna sede do governo dos vice-reis, medida que
coloca em segundo plano a antiga capital Salvador, gerando enfraquecimento do
movimento construtivo, desfavorável à implantação de novidades artísticas como o
rococó. Já a Capitania de Pernambuco, que no século XVIII incorporava os estados
da Paraíba e de Alagoas, ficou independente deste processo, tendo tido sua
economia revigorada pela criação de uma companhia geral de comércio para a
região, instituída em 1759 pelo Marquês de Pombal. Terreno favorável, como Minas
Gerais, ao desenvolvimento do rococó, em torno das duas cidades capitais, Recife e
Olinda.
15
2.1 Barroco e rococó em Pernambuco
16
assumira a prioridade na época da ocupação, mas só se tornaria oficialmente capital
em 1827.
15
No Rio de Janeiro a compartimentação das paredes e em Minas Gerais a dificuldade de transporte
excluíram os azulejos na maioria das igrejas setecentistas.
17
corre lateralmente aos retábulos. O princípio barroco do horror vacui (horror ao vazio)
determinou o revestimento integral das paredes e teto, compartimentados em secções
geométricas que servem de moldura às pinturas e aos espaços reservados aos
retábulos.
Os sete retábulos são de idêntica composição, com colunas torsas e pilastras
interligadas por arquivoltas concêntricas, segundo o modelo portugues. 16 As pilastras
são decoradas com folhagens de acanto da tradição clássica e as colunas com
enrolamentos de videiras e cachos de uvas, matéria prima do vinho, um dos símbolos
da Eucarístia. Entre as imagens, o principal destaque é o Crucificado do altar mor,
originalmente com asas e associado a uma imagem ajoelhada de São Francisco de
Assis, hoje desaparecida. Nos painéis pictóricos das paredes e tetos foram
representados santos franciscanos e nos caixotões do forro cenas da vida de São
Francisco de Assis fundador da Ordem. Já nos azulejos figuram cenas campestres, sem
significação religiosa. Esses azulejos que ocupam a parte baixa das paredes tem
molduras retilíneas, com decoração semelhante à das molduras dos painéis.
Do mesmo período e estilo, a decoração da igreja de Nossa Senhora dos
Prazeres dos Guararapes, tem revestimento integral de azulejos do “tipo tapete” nas
paredes da nave envolvendo os tres retábulos, hoje parcialmente perdidos. Em Olinda
a mais homogênea decoração remanescente desse período é a da sacristia do
convento franciscano, que também integra em perfeita harmonia os azulejos e pinturas
à talha do arcaz e do armário.
16
Modelo esse inspirado no desenho das portadas de igrejas românicas construidas em Portugal no
século XII, quando se formou a nacionalidade portuguesa. Cf. SMITH, Robert. A Talha em Portugal.
Lisboa, 1962, p. 72.
18
Os retábulos joaninos de maior impacto visual são os das capelas-mores da
Conceição dos Militares, Matriz de Santo Antônio e Madre de Deus em Recife,
inseridos em conjuntos ornamentais que se estendem às abobada e paredes laterais.
Bons exemplares do estilo são ainda os do cruzeiro da igreja conventual do Carmo,
com colunas salomônicas e frontões elevados sem dosséis, inseridos em capelas
fundas da mesma altura da capela mor. Em Olinda subsiste apenas da época joanina o
conjunto de talha da Capela dos Terceiros Franciscanos à esquerda da nave da igreja
conventual.
17
No século XVIII os azulejos historiados substituíram os do tipo “tapete”, apenas ornamentais, do século
anterior.
19
função didática de ilustração visual de temas religiosos, centrados na vida dos
principais Santos da Ordem.
18
Projetada pelo mestre de obras Manuel Ferreira Jácome, esta planta poligonal foi fruto de uma
imposição da própria irmandade de São Pedro dos Clérigos, constituída de padres seculares, cujas igrejas
adotavam tradicionalmente plantas centralizadas.
20
tempos fortes da decoração, alternados com os acordes secundários das tribunas no
registro superior e dos púlpitos a meia altura nos eixos transversais.
Quanto aos azulejos, é importante assinalar que foi possivelmente por seu
intermédio que as formas do rococó aportaram em Pernambuco por volta de 1760,
antecedendo de mais de dez anos manifestações similares no campo da talha e da
pintura. O exemplo precursor foi o conjunto da Misericórdia de Olinda, hoje restrito
21
aos silhares da capela mor e sub-coro, do período inicial do rococó lisboeta, entre
1750 e 1770 aproximadamente 19. Os principais clientes foram os franciscanos e os
conjuntos mais notáveis são os dos claustros dos conventos de Olinda e Recife, de
cabeceiras recortadas e na habitual monocromia azul e branco.
22
preponderantes na arquitetura do centro histórico de Salvador, o antigo Colégio
jesuíta, atual Catedral Basílica, o Convento franciscano e sua Ordem Terceira, o
Mosteiro de São Bento, e os conventos dos frades observantes e terésios da Ordem
carmelita. A monumentalidade destas construções, incluindo a igreja e os conventos
anexos, inspirou a Robert Smith a designação de estilo “monumental” para o período
iniciado após a expulsão dos holandeses em 1640 e terminado em 1763 com a
transferência da capital. Todas elas reproduzem em graus diversos tradições
arquitetônicas específicas da Ordem que as construiu, aclimatadas às tradições de
simplicidade do maneirismo português21.
religiosa.
21
O colégio dos jesuítas deriva, por exemplo, do modelo do Gesú de Roma e a igreja de Santa Teresa da
casa-mãe dos Terésios em Ávila. Sobre o maneirismo em Portugal ver PAIS da Silva, José Henrique.
Estudos sobre o Maneirismo. Lisboa, Editorial Estampa, 1983.
22
Ver estudo fundamental de FREIRE, Luis Alberto Ribeiro. A talha neoclássica na Bahia. Rio de Janeiro:
Versal, 2006.
23
Neste contexto, é surpreendente que tenha sido conservado na íntegra o
excepcional conjunto de talha da igreja conventual de São Francisco de Assis.
Executado entre 1723 e 1760 aproximadamente, compreende onze retábulos, dois
púlpitos e revestimento integral das paredes e tetos, configurando uma “floresta
tropical de acantos”23. A divisão em três naves, inusual no barroco luso-brasileiro
multiplicou as superfícies disponíveis para o desenvolvimento da talha,
harmoniosamente integrada à decoração do teto dividido em painéis de desenho
geométrico, com pinturas relativas à iconografia da Virgem. Estruturados em colunas
torsas e arquivoltas todos os retábulos pertencem à primeira fase do barroco,
excetuados entretanto os dos transeptos, de tipologia joanina marcada pelos atlantes
de grandes proporções na base e fragmentos de frontões em volutas com anjos na
parte superior.
24
1772-74 é considerado sua obra mais importante, tanto pelas dimensões quanto pela
qualidade do desenho das perspectivas, representando ao longo das paredes da nave
um suntuoso teto ilusionista com colunas, balcões e galerias. Na parte central como de
praxe nesse gênero de pintura, um amplo espaço aberto com a representação da
padroeira da igreja, Nossa Senhora da Conceição elevando-se acima dos quatro
continentes para ser introduzida no céu.
25
decorações internas de algumas igrejas como a Conceição da Praia, Misericórdia e
Nossa Senhora da Conceição da Lapa, executadas na segunda metade do século XVIII.
Estas manifestações restringem-se quase sempre ao uso de temas ornamentais do
rococó, mantendo os retábulos estruturas herdadas do período joanino, notadamente
colunas salomônicas e dosséis ou já antecipando formas neoclássicas, como as colunas
retas e frontões triangulares.
26
hoje30. Observe-se entretanto, a maioria das igrejas construídas no Rio de Janeiro no
período31 manteve como em outras regiões do país a tradição das plantas retangulares,
dinamizadas internamente por suntuosas decorações que as inserem na estética do
barroco ou do rococó.
30
Estas igrejas são as de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, Lapa dos Mercadores e Nossa Senhora
Mãe dos Homens. As transformações urbanas do século XX decretaram o desaparecimento da mais
inovadora do grupo, a curvilínea São Pedro dos Clérigos, demolida em 1943 na abertura da Avenida
Presidente Vargas.
31
O Rio de Janeiro tem 29 igrejas da época colonial tombadas pelo IPHAN, sendo nesse aspecto a
segunda cidade brasileira, ultrapassada apenas pela primeira capital, Salvador.
32
Folhas de acanto, figuras infantis (putti) e pássaros fênix, temas ornamentais originários da decoração
clássica greco-romana, são habituais na primeira fase do barroco luso-brasileiro. Na adaptação religiosa
os “putti” receberam asas tornando-se anjos infantis e o pássaro fênix que morre e ressurge das próprias
cinzas, tornou-se símbolo da ressurreição do Cristo.
33
Frei Domingos da Conceição foi também autor das belas imagens de Nossa Senhora de Montesserrate
e dos santos beneditinos Bento e Escolástica do retábulo da capela-mor.
27
de Brito e Francisco Xavier de Brito a talha inclui, além dos retábulos, revestimento
integral das paredes até a cimalha real que serve de moldura às pinturas ilusionistas
das abóbadas. A de maior impacto é a ampla pintura da nave, composta de cerrada
trama de arquiteturas em perspectiva ilusionista, deixando no centro um espaço
aberto para a representação da glorificação de São Francisco de Assis.
O rococó faz sua primeira aparição no Rio de Janeiro entre 1751 e 1753 na talha
dos retábulos da nave da Matriz de Santa Rita, estendendo-se em seguida às demais
igrejas construídas ou reformadas na cidade no período. Dominou as decorações das
igrejas cariocas durante mais de meio século, em perfeita adequação com o gosto das
irmandades, principais clientes da encomenda artística na segunda metade do século
XVIII, como em outras partes do Brasil e notadamente Minas Gerais.
34
Variante do barroco tardio italiano. Ver Cap. 1.
35
Estas portadas, bem como pisos, lavabos e outros complementos arquitetônicos em pedra eram
trazidos como lastro nos navios comerciais, que vinham à Colônia em busca do ouro ou do açúcar.
28
reprodução dos padrões arquitetônicos de Lisboa e no interior o gosto brasileiro,
habituado ao requinte da talha dourada e às pinturas historiadas 36.
36
Além da Ordem terceira do Carmo, são inspiradas em igrejas pombalinas de Lisboa as fachadas da
Candelária, comparável à da basílica da Estrela, São Francisco de Paula que descende da igreja
homônima e Santa Cruz dos Militares, inspirada possivelmente na Igreja dos Mártires, tendo ambas as
torres colocadas nos fundos da construção.
29
pode ser visto nos retábulos das igrejas de Santa Tereza, Glória do Outeiro, Santa Cruz
dos Militares e Lapa dos Mercadores, entre outras.
O rococó reinou sem concorrentes nas decorações das igrejas do Rio de Janeiro
até fins da primeira década do século XIX, quando começaram a aparecer os primeiros
modelos de ornamentações ligadas ao neoclassicismo francês. Sua identificação com o
37
Cf. CARVALHO, Anna Maria Monteiro de. Mestre Valentim. São Paulo: Cosac & Naify, 1999, p.58-70.
30
gosto carioca foi profunda e duradoura, como atestam o número e a variedade de
decorações por ele determinadas nas igrejas do Rio de Janeiro, influenciando também
estilos posteriores do século XIX.
31
3.1 A arquitetura religiosa, do barroco ao rococó
No período colonial brasileiro a antiga capitania das Minas Gerais ocupa lugar
de destaque pelas características singulares de sua arquitetura religiosa, ligada ao
“ciclo do ouro”, iniciado nos últimos anos do século XVII, com a localização das
primeiras jazidas perto da atual cidade de Ouro Preto. Por volta de 1710 a região já
contava com uma população estável de cerca de 30.000 habitantes e no ano seguinte
fazia-se presente a administração portuguesa, com a criação das primeiras vilas, sendo
as de Ouro Preto, antiga Vila Rica, e Mariana, escolhidas para sedes do poder político e
religioso.
33
ao gosto da rotunda de Roma” (o Panteão), segundo um cronista da época 38. Em tudo
semelhantes, as plantas de ambas as igrejas justapõem duas elipses entrelaçadas,
plenamente acusadas na volumetria externa do edifício. Na igreja do Rosário o
frontispício arredondado em segmento de círculo é ladeado por torres circulares,
possivelmente também previstas no projeto original da igreja de São Pedro de
Mariana39.
A relação destas duas plantas com a da igreja de São Pedro dos Clérigos do Rio
de Janeiro construída anteriormente pode ser constatada, tanto na adoção de formas
elípticas quanto no pórtico em segmento de círculo ladeado de torres circulares.
Sabendo-se que o projeto de Mariana antecedeu de alguns anos o de Ouro Preto, o
papel exercido pela irmandade dos Clérigos na introdução dos partidos curvilíneos em
Minas Gerais torna-se evidente. Seu saldo principal seriam as torres circulares, que
reproduzidas depois em várias igrejas, são justamente consideradas como um dos
principais fatores da originalidade das igrejas mineiras. A influência italiana nestas
igrejas excepcionais, enfatizada pela comparação com o Panteão de Roma, coloca-as
diretamente na órbita do barroco tardio internacional configurando um curto período
efetivamente barroco no que se refere às plantas das igrejas mineiras, entre 1750 e
1770, e antecedendo o período rococó de duração mais longa, como observou John
40
Bury .
Além das igrejas do Rosário de Ouro Preto e São Pedro dos Clérigos de Mariana,
a tipologia das plantas curvilíneas inclui outras igrejas de irmandades construídas em
Minas na segunda metade do século XVIII, associadas quase todas ao nome do
Aleijadinho e ao estilo rococó. A igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, a
primeira da série em ordem cronológica (projeto de 1766), pode ser vista como um
edifício de transição, já que congrega elementos das tradições formais do barroco e do
38
Trata-se do Vereador de Mariana José Joaquim José da Silva, que em 1790 elaborou uma crônica sobre
a situação das artes na capitania de Minas, fonte básica para a história da arte da região no século XVIII.
Ver transcrição in Antonio Francisco Lisboa. O Aleijadinho. Rio de Janeiro: Publicações da Diretoria do
IPHAN, 1951.
39
As torres atuais, concluídas em princípios do século XX, são de seção quadrada.
40
Cf. BURY, John. As igrejas Barromínicas do Brasil colonial. In Arquitetura e arte no Brasil colonial. São
Paulo: Nobel, 1991, p. 103-135.
34
rococó. Já francamente rococó, a frontaria da igreja do Carmo da mesma cidade é uma
das mais graciosas e refinadas da arquitetura mineira, com frontispício levemente
sinuoso e torres arredondadas em ligeiro recuo, coroadas por bulbos em forma de sino
de influência germânica. Todos esses elementos foram retomados no risco da fachada
de São Francisco de São João del Rei, desenhado pelo Aleijadinho em 1774 .
Entretanto o aspecto atual da igreja de São João del Rei difere bastante do risco
original, em virtude das modificações introduzidas pelo construtor da igreja, o
arquiteto e mestre de obras português Francisco de Lima Cerqueira, originário da
cidade de Braga. Do desenho original mantiveram-se apenas o motivo do óculo central
e a estrutura básica das linhas do frontão, sendo de Lima Cerqueira tanto a forma
circular e o movimento rotativo das torres com coroamentos em varandins, quanto a
ondulação das paredes laterais da nave. É importante enfatizar que o Aleijadinho, cuja
atividade básica era a escultura, nunca construiu pessoalmente as igrejas para as quais
forneceu desenhos arquitetônicos, tarefa de responsabilidade dos mestres de obras,
quase sempre portugueses, como foi dito. Além dos nomes já mencionados merece
referência o do construtor das igrejas de São Francisco de Ouro Preto e Carmo de
Mariana, o pedreiro Domingos Moreira de Oliveira, procedente da região do Porto.
35
Preto e São João del Rei e São Francisco de Assis nas duas últimas cidades. O tema
central de todas elas é a tarja com as armas da irmandade, geralmente as chagas de
Cristo ou os membros estigmatizados de Cristo e São Francisco nas igrejas franciscanas,
e o Monte Carmelo encimado por uma cruz e três estrelas nas igrejas carmelitas. Esses
símbolos se destacam em meio a uma profusão de elementos decorativos, entre os
quais predominam as rocalhas que identificam o estilo rococó.
41
Como no caso das portadas de lioz a dificuldade do transporte inviabilizou o uso de azulejos
portugueses nas decorações das igrejas mineiras, que aparecem uma única vez, na igreja de Nossa
Senhora do Carmo de Ouro Preto.
36
densa pelo contraste com a luz incandescente do sol das montanhas, uma profusão de
formas de contornos imprecisos são sugeridas, mais do que reveladas, pelos reflexos
colorísticos e luminosos produzidos simultaneamente pela irradiação do ouro da talha
e pelas cores quentes das pinturas do teto e dos quadros das paredes. Temos ai
definidas as categorias de Wolfflin, evidenciando aspectos efetivamente “barrocos”
nestas ambientações suntuosas: a prevalência do pictórico sobre o linear - as linhas da
estruturação arquitetônica desaparecendo sob a proliferação ornamental da talha; o
claro-escuro produzido por contrastes de luz e sombra, (a ambientação decorativa de
uma igreja barroca prevê originalmente iluminação de velas e tochas, ao oposto das do
rococó, concebido para iluminação natural); a unidade indivisível privilegiando a visão
unitária do conjunto sobre a visão individual dos retábulos; a forma aberta, sugerindo a
indispensável adesão do espectador para complementação do próprio sentido estético
da decoração. Finalmente a visão em perspectiva, enfatizando um ponto central da
organização decorativa do ambiente, normalmente destacado no fundo da
composição. Este ponto é naturalmente o altar-mor, para o qual é dirigida de imediato
a atenção do espectador a partir da porta de entrada, por um jogo sutil de
convergências, no qual os retábulos laterais funcionam como etapas intermediárias até
a região do arco-cruzeiro, onde os retábulos são colocados propositadamente de viés
acentuando o efeito de convergência 42.
42
Cf. WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
43
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983, volume I, p.
340.
37
série de pinturas dispostas em volta do arco-cruzeiro, figurando pássaros, pagodes e
outras chinesices em dourado sobre fundo azul.
44
O principal responsável pela talha da Matriz de Tiradentes foi o português João Ferreira Sampaio,
provavelmente originário de região do Minho, que recebeu uma série de pagamentos pela talha da
capela-mor e arco cruzeiro a partir de 1739. Cf. SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues. A talha joanina na
Igreja Matriz de Tiradentes. Autoria e modelos portugueses. In.: MINIA. 3ª série, ano 1, Braga, 1993, p.
117-139.
38
A suntuosa talha da capela-mor da Matriz do Pilar de Ouro Preto, executada
entre 1741 e 1751 por Francisco Xavier de Brito, pode ser considerada a obra prima do
período. Seu elemento principal é o monumental retábulo, ocupando toda a parede do
fundo, com a Virgem do Pilar entronizada no alto do trono originalmente reservado à
exposição do Santíssimo Sacramento. Colunas salomônicas e pilastras seccionadas em
volutas, chamadas de “quartelões” pela documentação de época formam os elementos
de suporte. No coroamento, vasto dossel com cortinados, funciona visualmente como
base para o grupo escultórico da Santíssima Trindade, rodeada por uma multidão de
anjos e querubins de tamanhos e posições variadas.
39
pelas janelas da parte superior das paredes e a norma barroca do preenchimento
integral das superfícies cede lugar à da “alternância de cheios e vazios”, com amplos
espaços desornamentados servindo de contraponto aos ocupados pela ornamentação.
O efeito resultante é o de uma decoração simultaneamente leve e requintada, na qual
os ornatos dourados da talha se destacam contra fundos brancos ou em tonalidades
suaves, produzindo uma sensação básica de calma e bem estar, diferente da
inquietação dramática suscitada pelas ambientações barrocas. O foco principal de
atenção continua sendo o altar mor, para o qual é dirigido o olhar do espectador,
sutilmente conduzido pelos efeitos visuais de sinuosidade na talha dos retábulos e
pinturas dos forros.
40
segunda, criada pelo Aleijadinho tem como exemplo mais importante o retábulo da
capela-mor de São Francisco de Assis de Ouro Preto, executado entre 1790 e 1794.
41
por Bernardo Pires da Silva, na qual uma rede de rocalhas com colorido suave e
delicados ramos de flores, circunda a cena do Sepultamento de Cristo. No forro da
nave, de autoria do pintor João Nepomuceno de Castro, aparecem pela primeira vez as
perspectivas arquitetônicas vazadas que seriam a tônica dos tetos pintados por Manuel
da Costa Athaíde, cuja obra de maior amplitude é a pintura da nave de São Francisco
de Assis de Ouro Preto, executada entre 1801 e 1812. No centro das perspectivas, um
suntuoso quadro em forma de medalhão com a representação da Virgem da
Porciúncula entre nuvens, cercada por uma orquestra de anjos músicos e nas laterais,
quatro pilastras interligadas por arcos plenos. Como de praxe no rococó, nesta obra
monumental os espaços vazios tem peso visual equivalente aos tomados pelas
perspectivas e cenas figurativas, dando ao conjunto uma impressão de leveza,
enfatizada pelas tonalidades claras.
46
Maiores informações sobre retábulos e pintura de forros do período rococó em Minas Gerais em
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de. O rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo
Cosac & Naify, 2003, p. 213 – 293.
42
CONCLUSÃO
43
dos períodos barroco e rococó, com identificação correta das características desses
estilos, fundamental não apenas ao conhecimento mas também ao trabalho de
preservação e conservação desse mesmo patrimônio para os estudantes das gerações
futuras. Assim como a memória dos indivíduos, a memória da cultura só seleciona e
guarda aquilo que conhece e aprecia.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1963./ Rio de
Janeiro: Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1957.
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