Vous êtes sur la page 1sur 16

INSTITUTO UNIVERSITÁRIO MILITAR

24 de Novembro de 2016

Apresentação do livro de Marisa Fernandes – Geopolítica da Alemanha:


Ratzel, Hausofer e as duas Guerras Mundiais do Século XX – por Pedro
Borges Graça

* * *

Este livro de Marisa Fernandes tem por base a tese de mestrado

em Ciência Política e Relações Internacionais que desenvolveu na

Universidade Nova de Lisboa em 2010, enriquecida agora com a

investigação sobre a Geopolítica da Alemanha em que tem estado

concentrada desde então no doutoramento em Estudos

Estratégicos que se encontra a finalizar no Instituto Superior de

Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Investigadora do Centro de Investigação e Desenvolvimento do

Instituto Universitário Militar e do Instituto de História

Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, Marisa

Fernandes tem vindo a afirmar-se no meio académico como

1
especialista na Alemanha Contemporânea. Tem no prelo o estudo

“A Arma Submarina na Estratégia Alemã na Primeira Guerra

Mundial” e nos últimos cinco anos publicou 13 trabalhos, dos

quais podemos destacar como exemplos “Germany’s interest in

the Atlantic”, “The cartography as propaganda weapon and the

instrumentalization of the German School of Geopolitics (1933-

1945)” ou “Mahan, Corbett e o Poder Naval Alemão nos desafios

do Mar no século XXI”.

O domínio da língua alemã é um “activo” particularmente

relevante da sua investigação, porquanto evidentemente lhe

permite recolher e analisar a informação a partir das fontes

alemãs, possibilidade circunscrita a um restrito número de

investigadores portugueses e quase ausente na área dos Estudos

Estratégicos e correspondente perspectiva da Geopolítica. É

completamente diferente estudar e produzir conhecimento sobre a

Alemanha Contemporânea a partir exclusivamente dos “olhos”

americanos ou ingleses ou franceses do que através dos próprios

alemães, comparando-os com os outros.

2
Por outro lado, produzir hoje conhecimento sobre a Alemanha

traduz-se na análise de um actor principal interveniente na

evolução da conjuntura internacional, não só europeia - com

implicações estratégicas directas para Portugal - mas também no

âmbito da complexidade crescente da “anglobalização”, assim

conceptualizada por Niall Ferguson e observada e acompanhada

há décadas por Adriano Moreira a partir de uma perspectiva

singular portuguesa com conceitos operacionais como anarquia

madura, perplexidade crescente e planos de contingência.

Marisa Fernandes encontra-se na verdade imersa na compreensão

da dinâmica das Relações Internacionais enquanto complexidade

crescente, focada no tempo tríbio da Alemanha no sentido em que

a História serve para compreender o Presente no qual se projecta

o Futuro.

Este livro, intitulado “Geopolítica da Alemanha: Ratzel,

Haushofer e as duas Guerras Mundial do Século XX”, analisa

assim, nas palavras da autora, “em que medida as teorias da

Geografia Política de Friederich Ratzel e da Geopolítica de Karl

3
Haushofer (…) determinaram a acção de Wilhelm II [a autora

saberá pronunciar correctamente] (Guilherme II) e de Adolf

Hitler” (p.3). O livro tem portanto três capítulos centrais, para

além da introdução e conclusão:

um de definição da abordagem ao objecto de estudo que se traduz

numa reflexão metodológica e conceptual da perspectiva da

Geopolítica e da sua aplicação ao caso alemão; e os outros dois

tratando especificamente da relação entre os pensamentos de

Ratzel e Haushofer e as acções de Guilherme II e Adolf Hitler.

É ainda ilustrado com 21 mapas, “cartografia sugestiva” como

compete a um autêntico estudo de Geopolítica.

Para iniciar o caminho da sua análise, a autora embrenha-se pois

na complexidade de definir o conceito de Geopolítica, ainda hoje

tão actual, remetendo-nos para a problemática da interacção

Política-Geografia que de facto tem suscitado sempre o debate e a

procura de consensos epistemológicos e metodológicos entre os

geopolitólogos, tanto clássicos como actuais. Aponta elementos

dessa complexidade como a preferência da maioria dos autores

4
por análises geopolíticas pragmáticas em detrimento de

elaborações teóricas, e a resistência à aceitação generalizada da

Geopolítica como uma ciência autónoma, até à segunda metade

do século XX, por virtude precisamente da Geopolitik alemã

correspondente ao expansionismo de Adolf Hitler, como era o

caso de Hans Morgenthau, autor de referência do estudo das

relações internacionais, que a considerava uma “pseudociência”

(p.6).

Porém, Marisa Fernandes coloca-se na esteira de uma geração de

geopolitólogos com “maior distanciamento temporal face à

Segunda Guerra Mundial”, que representa uma “segunda vaga” da

Geopolítica, a “Nova Geopolítica” que “se encontra ainda em

formação e desenvolvimento” (p.7) e se encontra já consagrada

academicamente em departamentos universitários, cursos e

revistas especializadas. Refere ainda autores militares e civis que

vêm cultivando a Geopolítica em Portugal, e escolas, das quais

sublinha evidentemente o Instituto Universitário Militar.

5
A autora adopta assim desde logo a posição dos que refutam a

submissão da Geopolítica ao domínio científico da Geografia,

especialmente da Geografia Política, e seguindo Marini explicita a

seguinte definição operacional: “Geopolítica é a ciência (…) que

estuda as mútuas relações, influências e interacções entre o

Estado e o Espaço, tendo como finalidade proporcionar

conhecimentos ou soluções de carácter político (…) na

formulação de uma Política Interna ou Externa, em que o Estado

enquanto sujeito da Política tem um duplo papel: é protagonista e

destinatário” (p.8). Portanto, um conhecimento interdisciplinar

que pertence ao domínio da Ciência Política, ou melhor, uma

ciência da Política face à envolvente espaço-tempo-poder tal

como perspectivava o sueco Rudolf Kjéllen, criador do termo

Geopolítica.

Quanto à Alemanha, onde a Geografia de facto se desenvolveu no

século XIX como disciplina científica e simultaneamente como

factor de consciência histórica e identitária alemã, a autora

observa que a Geografia Política de Friederich Ratzel foi “o ponto

6
de partida para a linha de pensamento da designada Escola de

Munique”.

Com efeito, a Alemanha emergiu no século XIX com um projecto

expansionista de potência mundial, catalisando rivalidades de tal

forma intensas que suscitaram logo na Europa três guerras (dano-

prussiana, austro-prussiana e franco-prussiana). Foi neste

contexto, tendo ademais combatido na guerra franco-prussiana,

que o pensamento de Friederich Ratzel se desenvolveu e

influenciou o conceito estratégico nacional alemão que se

encontrava em processo de definição.

Indissociável da sua formação em Zoologia é a percepção de que

o Homem é um animal enquadrado num território e portanto

depende de um “espaço vital” – lebensraum – para a sua

sobrevivência e autonomia. Ratzel estudou primeiro, através da

inovadora perspectiva da Geografia Humana, conforme nota

Marisa Fernandes, os “mecanismos de interacção entre a natureza

e as comunidades humanas”, para depois, sobre esta base, a três

anos do início do Século XX, em 1897, lançar a Geografia

7
Política como instrumento de indução de um geographischer sinn

– um “sentido geográfico” – na elite dirigente alemã e

consequentemente de “fundamentação espacial das suas decisões”

(p. 39). De facto, não é demais repetir, “tanto o pensamento como

a acção de Ratzel reflectem o contexto fortemente nacionalista da

época” (idem), numa altura em que inclusivamente a afirmação da

Deutschtum (p.37) - da “germanidade” – lembrava aos emigrantes

e colonos alemães que onde quer que estivessem reproduziam e

deviam reproduzir a Alemanha. No ano seguinte, em 1898,

publicou pois a obra “Alemanha: Introdução a uma Ciência do

País Natal” que iria ter uma grande influência na opinião pública

alemã até à Segunda Guerra Mundial uma vez que se propunha

definir cientificamente a identidade nacional alemã a partir de

uma visão organicista do Estado e das leis do seu

desenvolvimento geográfico, onde por exemplo se referia à

Grenze – a “fronteira” – como a pele que reflectia as condições e

alterações interiores do organismo, ou seja, do Estado, desde a

topografia à língua e cultura e logicamente às relações

internacionais. Três anos depois, em 1901, culminava o seu

8
pensamento com a obra “Sobre as Leis da Expansão Territorial do

Estado”, as suas famosas sete leis que “reflectem o clima de

rivalidades intra-europeias” (p.42). Ratzel sintetizou assim –

atribuindo-lhe carácter universal - as fases que na verdade

acompanhou ao longo da sua vida da projecção geopolítica da

Alemanha e dos conceitos correlacionados de kleindeutschland,

mitteleuropa, grossdeutschland, weltmacht e weltpolitik,

respectivamente a pequena Alemanha de Bismark que

correspondeu à unificação; a visão da Alemanha como um

continente próprio no seio do continente europeu, por metáfora

comparativa com a China, o império do meio, objecto da sua tese

de doutoramento; a grande Alemanha enquanto conceito

estratégico substancialmente pangermanista indutor da auto-

percepção da Alemanha como poder mundial e consequentemente

da política mundial seguida por Guilherme II, isto é, de expansão

continental, marítima e colonial do II Reich, constituindo-se de

facto todo este percurso - radicado na viragem do século XVIII

para o século XIX - num movimento de longa duração histórica

de pensamento e acção estratégica que culminaria no primeiro

9
quartel do século XX numa grande guerra civil europeia, logo

seguida de outra no segundo quartel, ambas mundiais pelos seus

efeitos.

Em suma, citando Marisa Fernandes, “podemos concluir que

Ratzel (…) lançou as bases do pensamento geopolítico que viria a

surgir com o fim da Primeira Guerra Mundial (…).”

Neste interstício das duas grandes guerras, é muito forte a

humilhação sentida pelos alemães causada não só pela derrota

militar mas também pelas imposições do Tratado de Versailles.

Para explicar o ambiente, Marisa Fernandes recorre, e muito bem,

a um notável escritor português – Aquilino Ribeiro - que aí

viveu nessa época, casado então com uma alemã, e escreveu um

diário entretanto publicado, para muitos desconhecido, intitulado

“Alemanha Ensanguentada”, no qual observa: “Recrudesce por

essa Alemanha fora a epidemia dos suicídios. Pois que para o

alemão viver se tornou desespero (…) o marco baixa cada dia,

cada hora (..) É rara e custa os olhos da cara a carne de vaca e de

vitela e os enchidos comportam de tudo, desde fígado de gato a

10
tripas de peixe” (p. 80-81); mas “tudo o que se chama armas

ligeiras, como espingardas, metralhadoras, lança-chamas, cada

um as guarda bem guardadas ” para o dia que há-de chegar do

desforço” (p. 82) – observava Aquilino. A avaliação prospectiva

de Aquilino Ribeiro, citada pela autora, revelou-se acertada:

“Vencida, mas não derrotada, a Alemanha quando puder voltará a

desembainhar a espada (…) o alemão, teórico e devaneador como

é, com uma capacidade de realização que supera os demais povos,

produto da vontade (…) por agora está na câmara-ardente dos

seus dois milhões de mortos, revolvendo no peito a própria

miséria. Quando se tiver retemperado, sairá à liça.” (p.83).

Ora, é neste ambiente que mergulha de seguida a investigação de

Marisa Fernandes para compreender o pensamento de Karl

Hausofer, General e Professor enquanto depositário do legado de

Friederich Ratzel e fundador efectivo da Geopolítica e da

chamada Escola de Munique, e compreender também a relação

com a acção estratégica que desembocou na segunda guerra

mundial escassos anos depois.

11
Hausofer funda a Revista de Geopolítica em 1924 neste ambiente,

com periodicidade mensal e tiragem de 1000 exemplares, e nesse

primeiro número a fundamentação editorial é realizada

precisamente em torno do conceito de espaço vital (p.89).

Destinava-se a um público eclético, nomeadamente professores,

intelectuais, jornalistas, políticos, economistas e industriais, e

evidentemente militares. Na verdade destinava-se às elites

governantes e não-governantes que poderiam reanimar a grande

Alemanha e, com efeito, no início da segunda guerra mundial a

tiragem tinha aumentado 5 vezes: passara a 5000 exemplares

(idem). A Geopolítica era assim uma Ciência que visava informar

e mesmo orientar a tomada de decisão política, uma ciência

aplicada, integrando o desenho de mapas, que passaram a

desempenhar um papel fulcral na consciencialização da opinião

pública alemã enquanto “cartografia sugestiva” que selecionava

e enfatizava factos centrais para melhor informação.

Ressurgem assim os conceitos pangermanistas do tempo de

Ratzel, desde logo associados às críticas revoltadas, agregadoras

no espectro político, contra o Tratado de Versailles e perseguindo

12
o objectivo de mobilizar os alemães a lutarem pela sobrevivência

contra, na tradição do organicismo, “o declínio da sua energia

biológica” (p.91).

É neste ponto que realmente Hitler e o seu “socialismo

nacionalista” se cruza com Hausofer e a Escola de Munique ao

invocar a ameaça da degenerescência da raça alemã tida como

superior e clamar pelo legado do Reich e pelo direito histórico ao

espaço vital no centro e leste da Europa. Aliás, Hausofer

conheceu pessoalmente Hitler em 1923, no ano anterior ao do

lançamento da Revista, através do seu ex-aluno Rudolf Hess,

quando ambos estavam presos e o “Mein Kampf” era redigido.

Mas, após 1933, a Revista de Geopolítica passa a ser objecto de

censura pelo Partido Nazi, perdendo o seu carácter científico e

transformando-se progressivamente num instrumento de

propaganda e mobilização política e social. (p.94).

Este facto (e o seu casamento com uma mulher de ascendência

judia) e demais divergências, como relativamente ao papel do

conceito de raça na Geopolítica ou a crítica à expansão para o

13
espaço soviético no quadro das pan-regiões por si desenhado, foi

minando a relação de Hausofer com Hess e Hitler nos anos

prévios à Guerra e, a partir de 1941, passou a ser perseguido pelo

Partido, tendo sido preso em 1944 e enviado para o campo de

Dachau, e o seu filho (Albrecht) morto pela Gestapo em 1945.

Ilibado pelos aliados de qualquer culpa e de comparecer perante o

Tribunal de Nuremberga, acabaria por se suicidar em 1946

juntamente com a sua mulher: esta com veneno, ele executando

seppuku, segundo o ritual tradicional dos samurais no Japão, país

que conhecia bem pessoalmente e sobre o qual tinha realizado a

sua tese de doutoramento em 1913.

Em síntese, como afirma Marisa Fernandes, “A Geopolítica não

inspirou verdadeiramente os dirigentes do III Reich (…) Hausofer

enquanto pangermanista não partilhava os ideais racistas

característicos do Nacional-Socialismo (…) e Hitler ter-se-á

apropriado da Geopolítica de Hausofer, adaptando-a”, pois, como

observou por seu turno Políbio Valente de Almeida, “Hitler podia

convencer multidões, mas era a Escola que convencia as elites”

(p.151)

14
* * *

Finalmente, uma reflexão de retrospectiva histórica que nos

suscita ilacções para a compreensão da Alemanha Contemporânea

no século XXI.

Marisa Fernandes abre-nos uma perspetiva histórica sobre a

construção da identidade nacional e da projecção de poder da

Alemanha Contemporânea, lembrando que se trata de um

movimento de longa duração que radica na divulgação da obra de

Tácito (“Germania”, 98 d.C.) a partir do século XV-XVI que

transformou a perceção fragmentada de “Deutschen Landen” na

consciência unificada de “Deutschland”, consolidada com a

recorrente produção alemã de conhecimento operada no século

XVIII, nomeadamente no campo da linguística.

A contemporaneidade de Raztel e Haushofer com a expansão

colonial da Alemanha e do Made in Germany, na passagem do

século XIX para o século XX, é um facto que conflituou com os

interesses ingleses e franceses também revisitado pela autora. A

origem do próprio projecto europeu da segunda metade do século


15
XX após as Duas Guerras Mundiais teve como foco de

preocupação a “acomodação” da Alemanha no concerto

internacional emergente, projecto europeu que neste primeiro

quartel do século XXI está a ser inequivocamente condicionado

de forma politica e financeira relevante pelo desempenho e

comportamento germânico. Olhando para o projecto europeu

hoje, e para a posição e perspectiva “geopoliticamente

actualizada” da Alemanha, será que efectivamente o seu

pensamento estratégico tem vindo a operar uma transformação da

Geoestratégia em Geoeconomia, sobretudo a Leste, com o

alargamento do mercado em detrimento do aprofundamento do

projecto? Sob o ângulo da longa duração histórica, trata-se

efectivamente de uma continuidade do lebensraum – “espaço

vital” - agora essencialmente económico?

É este género de estímulo à reflexão estratégica e geopolítica que

nos provoca a leitura do livro de Marisa Fernandes que em boa e

oportuna hora o Instituto Universitário Militar tomou o encargo

de publicar.

16

Vous aimerez peut-être aussi