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) Alberta
segunda ( ABERTA
KONSTANDINOS KAVAFIS [1863-1933]
ㅡ 50 POEMAS ㅡ
SOMA
UM VELHO MUROS
Lá dentro, na sala ruidosa do café, Sem cuidado, sem piedade, sem respeito,
está um velho curvado sobre a mesa, em meu redor muros altos foram levantados.
solitário, com o jornal à frente.
E agora vivo sem nenhuma esperança.
Vai pensando, com a indiferença que a velhice dá, Em mais não penso: um tal destino anula-me a razão,
que aos anos de força, de eloquência e formosura
pouco proveito soube retirar. pois tanto me faltava para fazer lá fora.
Ah, muros não vi quando os construíram.
Ele sabe ㅡ porque sente, porque vê ㅡ que está muito velho.
E no entanto parece de ontem Não ouvi ruídos nem vozes de pedreiros.
o tempo em que foi jovem. Passou tão depressa, passou tão depressa. Fora do mundo, sem saber, eu estava fechado.
AS JANELAS DESEJOS
Nestes quartos escuros, onde passo Como corpos belos de mortos que não envelheceram
dias pesados, ando de um lado para o outro e estão fechados, com lágrimas, em esplêndida tumba grandiosa,
à procura das janelas. ㅡ Quando se abra com rosas na cabeça e nos pés jasmim ㅡ
uma janela terei consolo. ㅡ desse modo parecem os desejos que desapareceram
Mas as janelas não aparecem ou não consigo sem serem cumpridos; sem nenhum deles ser dignado assim
encontrá-las. Melhor talvez não as achar. com uma noite de prazer, ou manhã dele luminosa.
Talvez a luz fosse uma nova tirania.
Quem sabe que de novo nos traria.
NA ESCADA COISAS ESCONDIDAS
Continua a voltar frequentemente e a tomar-me à noite, Agora adolescentes dizem os seus versos.
quando os lábios e a pele se lembram… Nos vivos olhos seus passam as visões dele.
A mente saudável e hedónica deles,
a carne firme e de belas linhas deles,
com a manifestação do belo por ele feita emocionam-se.
Manuel Resende
Nada me prendeu. Abandonei-me todo e fui. Mesmo se não puderes fazer a vida como a queres,
Pelos prazeres que, meio reais, isto ao menos tenta
meio sonhados, rondavam na minha alma, quanto puderes: não a desbarates
fui pela noite iluminada. nos muitos contactos do mundo,
E dos mais fortes vinhos bebi, como na agitação e nas conversas.
bebem os heróis do prazer.
Não a desbarates arrastando-a,
e mudando-a e expondo-a
ao quotidiano absurdo
das relações e das companhias
até se tornar uma estranha importuna.
Joaquim Manuel Magalhães
O meu trabalho dá-me cuidado e prazer. A minha atenção por algo que disseram ao meu lado
Mas da composição desalenta-me hoje a lentura. dirigiu-se para a entrada do café.
O dia influenciou-me. A sua figura E vi o corpo belo que parecia
cada vez mais soturna. O vento e a chuva não têm parado. ter sido feito pela extrema experiência de Eros ㅡ
Desejo mais ver do que dizer. modelou os seus membros simétricos com alegria;
Neste quadro estou a olhar agora elevou a sua estatura esculpida;
um moço belo que da fonte perto modelou com emoção o rosto
se estendeu, depois da corrida está extenuado. e deixou pelo toque das suas mãos
Que beleza de jovem; que divino meio-dia o terá tomado uma sensação na testa, nos olhos, e nos lábios.
já para o não manter desperto.
Quedo-me a olhar assim por muito tempo fora.
E dentro da arte de novo, descanso da sua faina dura.
UMA NOITE JURA
O quarto era pobre e sórdido, Jura muitas vezes começar uma vida melhor.
escondido por cima da taberna suspeita. Mas quando vem a noite com os seus próprios conselhos,
Da janela via-se a travessa, com os seus compromissos, e com as suas promessas;
suja e apertada. De baixo mas quando vem a noite com a sua própria força
vinham as vozes de alguns operários do corpo que quer e pede, para a mesma
que jogavam às cartas e faziam uma farra. alegria fatal, perdido, vai de novo.
Ao pé da iluminada montra da tabacaria, Alegria e aroma da minha vida, a memória das horas
no meio de outra gente, ambos estavam. em que encontrei e segurei o prazer como o queria.
Por acaso aconteceu que os olhares se cruzaram, Alegria e aroma da minha vida para mim, pois abominei
e que o desejo carnal e proibido qualquer deleite de amores de rotina.
foi com hesitante timidez expresso.
Deram, depois, inquietos passos, pela rua ㅡ
até trocarem ambos um ligeiro aceno.
A beleza muito assim contemplei, As coisas que aluno assustado imaginou, estão escancaradas,
que plena dela está a vista minha. reveladas diante de si. E anda por aí, e faz noitadas,
e deixa-se arrastar. E pois é (para a nossa arte) conveniente,
Linhas do corpo. Lábios vermelhos. Membros hedónicos. o seu sangue, jovem e quente,
Cabelos como que de estátuas helénicas tomados; a volúpia deita-se com ele. Seu corpo baixa a cerviz
sempre belos, mesmo que estejam por pentear, por embriaguez erótica sem lei; e os juvenis
e caem, um pouco, sobre as testas brancas. membros a ela cedem.
Rostos do amor, como os desejava membros a ela cedem. E um simples rapaz desta maneira
a minha poesia… Nas noites da juventude minha, torna-se digno do nosso olhar, pela Altaneira
nas minhas noites, às escondidas, encontrados... Esfera da Poesia também ele passa momentaneamente ㅡ
o estético rapaz com o seu sangue jovem e quente.
Manuel Resende Jorge de Sena
Não voltei a encontrá-los ㅡ perdidos tão depressa… Não deve passar dos vinte e dois. Contudo,
os poéticos olhos, o pálido quase tenho a certeza de que há uns vinte anos
rosto… no escurecer da rua... este mesmo corpo foi que possuí.
Não voltei a encontrá-los ㅡ possuí-os por total acaso,
e com tanta ligeireza os abandonei; Não é uma ilusão do meu desejo.
e logo com angústia desejei. Entrei neste casino apenas há instantes,
Os poéticos olhos, o pálido rosto, não tive tempo de beber demais.
esses lábios, não os encontrei. Foi este mesmo corpo que eu possuí.
Corpo, lembra-te não só do quanto foste amado, «Que mais amado seja
não só das camas onde te deitaste, o prazer que se busca mórbido e se obtém corrupto,
mas também daqueles desejos que para ti raro se encontrando o corpo que vibre como se deseja ㅡ
brilhavam nos olhos abertamente, prazer que por morbidez e corrupção provoca
e tremiam na voz ㅡ e algum uma tensão maior que o vulgar desconhece...»
obstáculo casual os frustrou.
Agora que tudo está no passado, Trecho de uma carta do
quase parece como se também àqueles jovem Imenos (de família patrícia), notório
desejos tivesses sido dado ㅡ como brilhavam, em Siracusa por seus vícios,
lembra-te, nos olhos que para ti olhavam; nos viciosos tempos de Miguel Terceiro.
como tremiam na voz, para ti, lembra-te, corpo.
Manuel Resende Jorge de Sena
Nesta cratera aqui de puríssima prata ㅡ Num livro velho ㅡ dez décadas quase completas ㅡ
feita para adornar a casa de Heraclides, por entre as suas folhas esquecida,
na qual a elegância supremamente reina ㅡ encontrei uma aguarela sem assinatura.
pus flores delicadas, riachos e tomilho; Devia ser a obra de artista assaz forte.
no centro coloquei um formoso rapaz, Levava por título, «Apresentação do Amor».
despido e amoroso; o qual dentro da água
descansa ainda o pé. ㅡ Memória, te implorei Mas antes lhe convinha, «ㅡ do amor dos ultra estetas».
que me desses ajuda para melhor formar,
tal como era, o rosto desse rapaz que amei. Pois era evidente quando se via a obra
Grande a dificuldade da minha tarefa pois (com facilidade se sentia a ideia do artista)
já quinze anos passaram desde o dia longínquo que para quantos amam um tanto higienicamente,
em que caiu, soldado, na derrota de Magnésia. mantendo-se dentro do permitido de todas as maneiras,
não era destinado o adolescente
da pintura ㅡ com olhos castanhos muito acentuados;
com a beleza selecta do seu rosto,
a beleza das atracções perversas;
com os seus lábios ideais que levam
o prazer a um corpo amado;
com os seus membros ideais para camas talhados
a que chama depravadas a moral corrente.
Jorge de Sena
De todo o perdeu. E agora diante Viera para ler. E os livros, dois ou três,
dos lábios de um seu qualquer novo amante de História e de Poesia, estão ali, abertos.
seus lábios demanda; na união de um qualquer Não lera dez minutos quando
seu novo amante o engano demanda logo os largou. E agora no sofá
de ser aquele rapaz, a quem ele se entrega. dormita. É dado inteiramente aos livros ㅡ
mas tem vinte e três anos, muito belo.
De todo o perdeu, como se nem existisse. E hoje, esta tarde, penetrou o amor
Porque pretendia ㅡ ele lho disse ㅡ pretendia salvar-se nessa carne perfeita, nos seus lábios.
do estigmatizado, do mórbido prazer; Na sua carne inteiramente bela,
do estigmatizado, do infame prazer. a febre do desejo perpassou, sem que ele
Ainda era tempo de ㅡ ele o disse ㅡ salvar-se. por pudor recusasse um especial prazer.
No meio das tabernas no meio dos bordéis Degradou-se de todo. O seu pendor erótico,
de Beirute me perco. Não podia ficar fortemente banido e alvo de desprezo,
eu em Alexandria. Tamides me deixou; (ainda assim inato) fora disso a razão:
com o filho do eparca se juntou pra gozar muito puritana era então a sociedade.
de uma vila no Nilo, da mansão na cidade. Aos poucos foi perdendo o seu pouco dinheiro;
Não convinha ficar eu em Alexandria. ㅡ depois a posição e a reputação.
No meio das tabernas no meio dos bordéis Rondava os trinta anos sem, sequer por um ano,
de Beirute me perco. Na sordidez abjecta ter um trabalho fixo, que se soubesse ao menos.
eu vivo envilecido. Só me salva uma coisa, O dinheiro pròs gastos por vezes o ganhava
beleza perdurável, perfume que na carne em mediações que eram tidas por vergonhosas.
se tivesse prendido: é que, por uns dois anos, Acabou por ser um tipo que quem o frequentava
o Tamides foi meu, o rapaz mais excelso; era muito provável ficar comprometido.
meu, não por uma vila, nem por uma mansão.
Mas não era só isso. Não seria correcto.
Muito mais que isso tudo, vale a sua beleza.
E se o considerarmos de outro ponto de vista,
vemos um ser simpático; um simples, genuíno
filho do amor erótico, que por cima da honra
e da reputação pôs, sem vacilar,
o mais puro fruir da sua carne pura.
Acabou a imagem ontem a meio do dia. Agora Era filho de um velho, atormentado
em detalhe a vê. Fê-lo com roupa e pobre marinheiro (de uma ilha do Egeu).
cinzenta desabotoada, cinzento-escuro; sem Trabalhava numa forja. Tinha a roupa gasta.
colete nem gravata. Com uma camisa Roto seu mísero calçado de trabalho.
cor-de-rosa; desapertada, para ver-se também algo Sujas as suas mãos de ferrugem e óleo.
da beleza do peito, do pescoço.
O lado direito da testa quase por inteiro À tardinha, fechada a oficina,
cobrem-no os seus cabelos, os seus cabelos belos se desejasse muito alguma coisa,
(segundo o penteado que prefere este ano). uma gravata um pouco cara,
Existe o tom inteiramente hedonista uma gravata de domingo,
que ele quis dar quando fazia os olhos, ou se tivesse visto numa montra
quando fazia os lábios… A sua boca, os lábios uma bela camisa malva desejada,
que são para satisfazer superior erotismo. vendia o corpo por um ou dois táleres.
O dinheiro ganham-no por certo não honestamente. Naquele ano, ficou desempregado;
Mas inteligentes rapazes todos os quatro, o modo ia vivendo com o dinheiro arranjado
encontram de escapar à polícia. com as cartas e o gamão, ou emprestado.
Para além da inteligência, são plenamente fortes.
Pois os dois tem unido o laço do prazer. Um emprego, três libras ao mês, lhe ofereceram
Os outros dois tem unido o laço do prazer. numa pequena papelaria.
Muito bem vestidos como convém a Mas recusou-o, sem qualquer hesitação.
rapazes tão bonitos; e teatro e bar, Não dava. Isso não era salário pra ele,
e o seu carro, e por vezes uma viagem rapaz bastante lido, vinte e cinco anos.
não lhes falta nada.
Uns dois ou três xelins ganhava ao dia, quando ganhava.
O dinheiro ganham-no por certo não honestamente, Com cartas e gamão que podia tirar o moço,
às vezes com medo de serem esfaqueados, nos cafés aonde ia, cafés populares,
de serem presos. Mas que coisa o Amor mesmo sendo ele esperto e escolhendo burros?
uma força tem que no seu dinheiro sujo Quanto aos empréstimos ganhava o que ganhava.
pega e torna-o brilhante, puro. Raramente sacava um táler, mais vezes meio,
de quando em vez, quedava-se por um xelim.
O dinheiro não o quer nenhum deles
como seu, por interesse; nenhum deles conta Durante uma semana ou mais por vezes,
avaramente, grosseiramente; não anota nunca se escapava às terríveis noites sem dormir,
se um traz pouco e o outro mais. ia ao mar refrescar-se com um banho matinal.
O dinheiro deles comum o têm para
estarem bem vestidos, para terem para gastar, Sua roupa, uns trapos desgraçados.
para fazerem a sua vida de bom gosto, como convém Sempre vestia o mesmo fato, um fato
a rapazes tão bonitos para ajudarem os amigos, de cor canela muito descorada.
e depois, seu sistema, o que deram esquecer.
Ah, dias do Verão de mil novecentos e oito!
na vossa evocação, graciosamente,
falta o descolorido fato de canela.
A vossa evocação o preservou,
quando ele se despia e de si arrojava
a roupa indigna e a roupa interior remendada.
Pura beleza na nudez total: que maravilha.
Despenteados, os seus cabelos revoltos;
os seus membros um pouco bronzeados
na nudez matinal do banho, ali na praia.
) Alberta
( ABERTA