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Assessoria Jurídica
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Por meio da notícia intitulada “Embratur pede que Funai desista da demarcação
de terra indígena na Bahia para construção de resort”, veiculada no portal de notícias
g1.com1, a requerente tomou conhecimento do Ofício n. 185/2019/PRESI-EMBRATUR, de
lavra do Sr. Gilson Machado Guimarães Neto, presidente do Instituto Brasileiro do Turismo
– EMBRATUR, dirigida ao Sr. Marcelo Augusto Xavier da Silva, presidente da Fundação
Nacional do Índio – FUNAI; onde aquele pede o “encerramento do processo de demarcação
de terras indígenas de Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de
Una e Ilhéus, Estado da Bahia”. Segundo o citado documento, o Grupo Vila Galé tem interesse
em viabilizar a construção de 2 (dois) empreendimentos na região, sendo que, ao que parece, o
encerramento do procedimento demarcatório garantiria uma suposta “segurança jurídica”.
Vejamos trecho do documento:
1
https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/10/28/embratur-pede-que-funai-desista-da-demarcacao-de-terra-
indigena-na-bahia-para-construcao-de-resort.ghtml
2
concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma,
direta ou indireta2.
[...]
In casu, trata-se de agente público exarando ato contra legem, onde solicita ao
presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) que o mesmo deixe de praticar sua missão
precípua consistente na implementação de uma política indigenista visando a proteção
territorial do povo Tupinambá de Olivença. Fica clarividente a afronta ao princípio
constitucional da legalidade administrativa3.
2
(AgRg no AREsp 264086 MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
06/08/2013, DJe 28/08/2013)
3
“Os princípios são a dimensão ética da juridicidade, ou seja, normas jurídicas especiais, dotadas de forte
conotação jurídica, que dependem de mediação concretizadora para produzir efeitos concretos. A moralidade é
pressuposto de validade dos atos administrativos na medida de em que exige, além da observância aos comandos
contidos nas regras jurídicas, sua adequação aos princípios consagrados na Constituição e na legislação ordinária
“(SARMENTO, George. Improbidade administrativa. 1. ed. Porto Alegre: Síntese, 2002).
3
Art. 1º As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei n° 6001, de 19 de
dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente
demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência
ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto.
[...]
4
Cretella Jr. (2000) conceitua como desvio de finalidade ou de poder “o uso indevido que a autoridade
administrativa, dentro de seu campo de discricionariedade, faz da potestas que lhe é conferida para atingir
finalidade pública ou privada, diversa daquela que a lei preceitua. Desvio de Poder é o desvio do poder
discricionário, é o afastamento da finalidade do ato”.
4
A Constituição Federal atribuiu à União a obrigação expressa de demarcar as terras
indígenas, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. Trata-se de poder-dever outorgado
ao Estado Brasileiro, a ser implementado mediante o exercício da competência administrativa,
atividade típica do Poder Executivo Federal. Nota-se que a demarcação das terras indígenas,
nos termos impostos pelo texto constitucional, possui conteúdo declaratório, vez que
corresponde ao reconhecimento de direitos originários dos povos indígenas, imprescritíveis,
inalienáveis e indisponíveis, que precedem a própria fundação do Estado brasileiro.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
(...)
3. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DEMARCATÓRIO. 3.1. Processo que observou as regras do Decreto nº
1.775/96, já declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no
Mandado de Segurança nº 24.045, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa
[...] A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da
República, é "ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de
legitimidade e de veracidade" (RE 183.188, da relatoria do ministro Celso
de Mello), além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória.
Não comprovação das fraudes alegadas pelo autor popular e seu originário
assistente.
(...)
8. A DEMARCAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO
DA UNIÃO. Somente à União, por atos situados na esfera de atuação do
Poder Executivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente
o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá-lo
materialmente, nada impedindo que o Presidente da República venha a
consultar o Conselho de Defesa Nacional (inciso III do § 1º do art. 91 da CF),
especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de
fronteira. As competências deferidas ao Congresso Nacional, com efeito
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concreto ou sem densidade normativa, exaurem-se nos fazeres a que se
referem o inciso XVI do art. 49 e o § 5º do art. 231, ambos da Constituição
Federal.
(...)
12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras
que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente
"reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de
demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente
constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente.
Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a
traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a
preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os
materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse
em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou
como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF).
(...)
(Pet 3388, Rel.: Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
19/03/2009, publicado no DJe-181 em 25/09/2009 e republicado no DJe-120
em 01/07/2010 - Grifou-se)
E ainda, cabe frisar que não estamos diante de mera ilegalidade, pois o ofício
expedido pelo presidente da Embratur, ora representado, consubstancia em conduta dolosa
visando o favorecimento financeiro do Grupo Vila Galé, em detrimento do território indígena.
Frisa-se, não é apenas o direito do povo indígena Tupinambá que está sendo violado, mas toda
a sociedade brasileira, tendo em vista que terra indígena é bem da União, conforme preceito
Constitucional (Art. 20, CF).
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30 AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL,
julgado em 21/09/2011, DJe 28/09/2011)
O ato administrativo ora apontado, nos remete aos tempos do SPI – Serviço de
Proteção ao Índio, órgão indigenista oficial do Estado brasileiro que precedeu a atual Funai,
que ficou encarregado pela política indigenista entre 1910 a 1967, e foi extinta após inúmeras
denúncias, onde os agentes públicos, que deveriam fazer a proteção dos interesses dos povos
indígenas, atuaram ao arrepio da lei entregando grande extensões de terras aos fazendeiros e
promoveram a expulsam de comunidades indígenas inteiras5.
Assim, o caso em tela entabula uma relação nada republicana sendo tramada,
valendo-se da máquina pública, onde agentes investidos do múnus público, colocam interesses
privados acima dos valores constitucionalmente protegidos. A situação se agrava na medida
que tais assuntos são tratados de forma velada, sendo documentado, como se fizesse parte da
5
“Relatório Figueiredo aponta que nas duas comissões parlamentares de inquérito, que funcionaram em 1955 e
em 1963, terras indígenas eram arrendadas ou vendidas com o aval da União Federal, responsável por emitir os
títulos. A primeira Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1955, funcionou com o objetivo de anular a
doação de terras feitas pelo governo do antigo Mato Grosso. A segunda, em 1962, tinha o objetivo de apurar
irregularidades no extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Esse foi o contexto que motivou a expedição
realizada pelo procurador Jader Figueiredo, que produziu o relato de 7 mil páginas que inclui o roubo de terras
indígenas, tortura e extermínio de povos inteiros no Brasil durante o período da ditadura militar. O documento,
que se julgava ter sido destruído em um incêndio no Ministério da Agricultura, em junho de 1967, relata métodos
cruéis de tortura praticados contra índios com o apoio do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), quando várias
frentes de expansão para o interior do País promoviam um verdadeiro massacre da população indígena que resistia
ao chamado “avanço da civilização” (ELOY AMADO, L.H. Vukapanavo: O despertar do povo Terena para os
seus direitos: movimento indígena e confronto político. Tese de Doutorado. Museu Nacional – UFRJ. Rio de
Janeiro, 2019.
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normalidade administrativa, demonstrando que mesmo com o passar do tempo, os interesses
indígenas são tratados como espúrio da República.
PEDIDOS E REQUERIMENTOS
II. Requer ainda, a proposição de ação civil pública por ato de improbidade
administrativa em desfavor de Gilson Machado Guimarães Neto, presidente do Instituto
Brasileiro de Turismo – Embratur, conforme fundamento acima.
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