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ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPINSUL – COMISSÃO GUARANI YVYRUPA - CONSELHO


DO POVO TERENA - ATY GUASU - COIAB

Assessoria Jurídica

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DA


REPÚBLICA

REPRESENTAÇÃO SOBRE DIREITOS INDÍGENAS

REQUERENTE: ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

REQUERIDO: GILSON MACHADO GUIMARÃES NETO

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB,


organização tradicional que representa os povos indígenas do Brasil (Art. 231 e 232 da CF/88),
sediada na SHCS, Edifício Eldorado – Bloco D, sala 104, Brasília (DF), neste ato representado
por sua Coordenadora Executiva e respectivo Procurador Jurídico, que ao final assinam, com
fundamento no Arts. 129, V, 231 e 232 da Constituição Federal, vem respeitosamente perante
Vossa Excelência, apresentar REPRESENTAÇÃO, em face de GILSON MACHADO
GUIMARÃES NETO, presidente do INSTITUTO BRASILEIRO DO TURISMO –
EMBRATUR, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

SDS, SHCS, Edifício Eldorado – Bloco D, sala 104 – Brasília / DF Cep: 70.392-900
apibbsb@gmail.com / (61) 3034-5548
Por meio da notícia intitulada “Embratur pede que Funai desista da demarcação
de terra indígena na Bahia para construção de resort”, veiculada no portal de notícias
g1.com1, a requerente tomou conhecimento do Ofício n. 185/2019/PRESI-EMBRATUR, de
lavra do Sr. Gilson Machado Guimarães Neto, presidente do Instituto Brasileiro do Turismo
– EMBRATUR, dirigida ao Sr. Marcelo Augusto Xavier da Silva, presidente da Fundação
Nacional do Índio – FUNAI; onde aquele pede o “encerramento do processo de demarcação
de terras indígenas de Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de
Una e Ilhéus, Estado da Bahia”. Segundo o citado documento, o Grupo Vila Galé tem interesse
em viabilizar a construção de 2 (dois) empreendimentos na região, sendo que, ao que parece, o
encerramento do procedimento demarcatório garantiria uma suposta “segurança jurídica”.
Vejamos trecho do documento:

Nota-se: a conduta revela-se flagrante improbidade administrativa!

Cumpre lembra que o Art. 37 da Constituição Federal dispõe que a “administração


pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência”. Por sua vez, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.
8.429/1992), prevê a responsabilização de todos, agentes públicos ou não, que induzam ou

1
https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/10/28/embratur-pede-que-funai-desista-da-demarcacao-de-terra-
indigena-na-bahia-para-construcao-de-resort.ghtml

2
concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma,
direta ou indireta2.

Assim, a improbidade administrativa é a caracterização atribuída pela Lei nº


8.429/92 a determinadas condutas praticadas por qualquer agente público e também por
particulares contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada
ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Preceitua a Lei 8.429/1992, in verbis:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os


princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,
e notadamente:

[...]

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

In casu, trata-se de agente público exarando ato contra legem, onde solicita ao
presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) que o mesmo deixe de praticar sua missão
precípua consistente na implementação de uma política indigenista visando a proteção
territorial do povo Tupinambá de Olivença. Fica clarividente a afronta ao princípio
constitucional da legalidade administrativa3.

Nota-se que o Art. 231 da Constituição estabeleceu a competência da União para


demarcar as terras indígenas, sendo que tal dispositivo foi regulamentado pelo Decreto
1.775/1996, que dispõe, in verbis:

2
(AgRg no AREsp 264086 MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
06/08/2013, DJe 28/08/2013)
3
“Os princípios são a dimensão ética da juridicidade, ou seja, normas jurídicas especiais, dotadas de forte
conotação jurídica, que dependem de mediação concretizadora para produzir efeitos concretos. A moralidade é
pressuposto de validade dos atos administrativos na medida de em que exige, além da observância aos comandos
contidos nas regras jurídicas, sua adequação aos princípios consagrados na Constituição e na legislação ordinária
“(SARMENTO, George. Improbidade administrativa. 1. ed. Porto Alegre: Síntese, 2002).

3
Art. 1º As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei n° 6001, de 19 de
dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente
demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência
ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto.

No mesmo sentido, o Estatuto do Índio (Lei Federal n. 6.001/1973), em um dos


seus artigos que foram recepcionados pela Constituição de 1988, vaticina:

Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão


federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de
acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.

E ainda, o Decreto n. 9.010/2017, que aprovou o Estatuto da Funai, in verbis:

Art. 1º. A Fundação Nacional do Índio - FUNAI, fundação pública instituída


em conformidade com a Lei n o 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada
ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem sede e foro no Distrito
Federal, circunscrição no território nacional e prazo de duração
indeterminado.

[...]

Art. 4º. A FUNAI promoverá estudos de identificação e delimitação,


demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente
ocupadas pelos povos indígenas.

A conclusão lógica é que demarcar terra indígena é imperativo constitucional, não


cabendo ao agente público qualquer juízo de valor de mérito, independente, inclusive de suas
ideologias pessoais, sob pena de cometimento de improbidade administrativa por violação dos
princípios constitucionais e desvio de finalidade4.

4
Cretella Jr. (2000) conceitua como desvio de finalidade ou de poder “o uso indevido que a autoridade
administrativa, dentro de seu campo de discricionariedade, faz da potestas que lhe é conferida para atingir
finalidade pública ou privada, diversa daquela que a lei preceitua. Desvio de Poder é o desvio do poder
discricionário, é o afastamento da finalidade do ato”.

4
A Constituição Federal atribuiu à União a obrigação expressa de demarcar as terras
indígenas, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. Trata-se de poder-dever outorgado
ao Estado Brasileiro, a ser implementado mediante o exercício da competência administrativa,
atividade típica do Poder Executivo Federal. Nota-se que a demarcação das terras indígenas,
nos termos impostos pelo texto constitucional, possui conteúdo declaratório, vez que
corresponde ao reconhecimento de direitos originários dos povos indígenas, imprescritíveis,
inalienáveis e indisponíveis, que precedem a própria fundação do Estado brasileiro.

Trata-se de entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência majoritárias, que


decorre da própria literalidade do art. 231 da CF, o qual dispõe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

Nesse sentido, o processo demarcatório ostenta caráter indubitavelmente


administrativo e vinculado, insuscetível a discricionariedades políticas. Transcrevem-se
trechos da ementa do acórdão da PET 3388, que reafirmam esse entendimento:

(...)
3. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DEMARCATÓRIO. 3.1. Processo que observou as regras do Decreto nº
1.775/96, já declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no
Mandado de Segurança nº 24.045, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa
[...] A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da
República, é "ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de
legitimidade e de veracidade" (RE 183.188, da relatoria do ministro Celso
de Mello), além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória.
Não comprovação das fraudes alegadas pelo autor popular e seu originário
assistente.
(...)
8. A DEMARCAÇÃO COMO COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO
DA UNIÃO. Somente à União, por atos situados na esfera de atuação do
Poder Executivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente
o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá-lo
materialmente, nada impedindo que o Presidente da República venha a
consultar o Conselho de Defesa Nacional (inciso III do § 1º do art. 91 da CF),
especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de
fronteira. As competências deferidas ao Congresso Nacional, com efeito

5
concreto ou sem densidade normativa, exaurem-se nos fazeres a que se
referem o inciso XVI do art. 49 e o § 5º do art. 231, ambos da Constituição
Federal.
(...)
12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras
que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente
"reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de
demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente
constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente.
Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a
traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a
preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os
materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse
em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou
como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF).
(...)
(Pet 3388, Rel.: Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
19/03/2009, publicado no DJe-181 em 25/09/2009 e republicado no DJe-120
em 01/07/2010 - Grifou-se)

Assim, diante do regime jurídico dispensado as terras indígenas pelo ordenamento


jurídico brasileiro, não cabe aos agentes públicos qualquer juízo de oportunidade e
conveniência quando se trata dos direitos e interesses dos povos indígenas, especialmente no
que se refere aos seus territórios. Importante frisar que de acordo com a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, para o enquadramento das condutas previstas no art. 11 da Lei
8.429/92, não é necessária a demonstração de dano ao erário ou enriquecimento ilícito do agente
(AgRg nos EREsp 1119657 MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 12/09/2012, DJe 25/09/2012).

E ainda, cabe frisar que não estamos diante de mera ilegalidade, pois o ofício
expedido pelo presidente da Embratur, ora representado, consubstancia em conduta dolosa
visando o favorecimento financeiro do Grupo Vila Galé, em detrimento do território indígena.
Frisa-se, não é apenas o direito do povo indígena Tupinambá que está sendo violado, mas toda
a sociedade brasileira, tendo em vista que terra indígena é bem da União, conforme preceito
Constitucional (Art. 20, CF).

"[...] Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A


improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da
conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera
indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente
seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei
8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10. [...]" (AIA

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30 AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL,
julgado em 21/09/2011, DJe 28/09/2011)

O ato administrativo ora apontado, nos remete aos tempos do SPI – Serviço de
Proteção ao Índio, órgão indigenista oficial do Estado brasileiro que precedeu a atual Funai,
que ficou encarregado pela política indigenista entre 1910 a 1967, e foi extinta após inúmeras
denúncias, onde os agentes públicos, que deveriam fazer a proteção dos interesses dos povos
indígenas, atuaram ao arrepio da lei entregando grande extensões de terras aos fazendeiros e
promoveram a expulsam de comunidades indígenas inteiras5.

No relatório final da Comissão de Inquérito do Ministério do Interior de 1967, Jáder


Figueiredo, então chefe da comissão, escreveu:

“O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que


lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de
condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. É espantoso
que existe na estrutura administrativa do País repartição que haja descido a tão
baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos, cuja
bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se
crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas
contra crianças e adultos, em monstruosos e lentos suplícios, a título de
ministrar justiça” (MINISTÉRIO DO INTERIOR, proc. nº 4.483/68, v. 20, p.
4.912 apud GUIMARÃES, 2015, p.61).

Assim, o caso em tela entabula uma relação nada republicana sendo tramada,
valendo-se da máquina pública, onde agentes investidos do múnus público, colocam interesses
privados acima dos valores constitucionalmente protegidos. A situação se agrava na medida
que tais assuntos são tratados de forma velada, sendo documentado, como se fizesse parte da

5
“Relatório Figueiredo aponta que nas duas comissões parlamentares de inquérito, que funcionaram em 1955 e
em 1963, terras indígenas eram arrendadas ou vendidas com o aval da União Federal, responsável por emitir os
títulos. A primeira Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1955, funcionou com o objetivo de anular a
doação de terras feitas pelo governo do antigo Mato Grosso. A segunda, em 1962, tinha o objetivo de apurar
irregularidades no extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Esse foi o contexto que motivou a expedição
realizada pelo procurador Jader Figueiredo, que produziu o relato de 7 mil páginas que inclui o roubo de terras
indígenas, tortura e extermínio de povos inteiros no Brasil durante o período da ditadura militar. O documento,
que se julgava ter sido destruído em um incêndio no Ministério da Agricultura, em junho de 1967, relata métodos
cruéis de tortura praticados contra índios com o apoio do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), quando várias
frentes de expansão para o interior do País promoviam um verdadeiro massacre da população indígena que resistia
ao chamado “avanço da civilização” (ELOY AMADO, L.H. Vukapanavo: O despertar do povo Terena para os
seus direitos: movimento indígena e confronto político. Tese de Doutorado. Museu Nacional – UFRJ. Rio de
Janeiro, 2019.

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normalidade administrativa, demonstrando que mesmo com o passar do tempo, os interesses
indígenas são tratados como espúrio da República.

PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Ex positis, com fundamento no Art. 129, inciso V, da Constituição Federal, requer:

I. Seja a presente REPRESENTAÇÃO recebida para que sejam iniciados os


procedimentos para a instauração de Inquérito Civil com o fito de investigar e apurar, no
âmbito da Fundação Nacional do Índio – Funai, eventual responsabilidade administrativa
atentatória à probidade administrativa, a democracia e ofensa aos direitos culturais dos
povos indígenas, com fundamento no Art. 129, inciso V, da Constituição de 1988;

II. Requer ainda, a proposição de ação civil pública por ato de improbidade
administrativa em desfavor de Gilson Machado Guimarães Neto, presidente do Instituto
Brasileiro de Turismo – Embratur, conforme fundamento acima.

Pede-se urgente deferimento.

Brasília, 29 de outubro de 2019.

Sonia Guajajara Luiz Eloy Terena


Coordenadora Executiva Assessor Jurídico da Apib
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil OAB/MS 15.440

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