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Breve súmula de ateologia prática

Breve súmula de ateologia prática


- Psicanálise e Religião -
Anchyses Jobim Lopes*

Palavras-chave: ateísmo de Freud; ética psicanalítica; imaginário; figura paterna; eu ideal.

Resumo: Ateísmo, materialismo e crítica à religião na obra de Freud. A importância destas


idéias para conceitos-chave como: pulsão, sexualidade infantil, eu ideal e recalque. O método
psicanalítico, continuação da maiêutica socrática, antagônico de dogma e texto sagrado. O
método fundamentado numa ética ateísta: da falta, finitude e diferença. Psicanálise e simbólico;
religião e imaginário. Uso da hipnose e do eu ideal pela religião.

[...] e junto com a crença em um único deus, inevitavelmente nasceu a intolerância religiosa [...] Este
imperialismo se refletiu na religião, como universalismo e monoteísmo.
Sigmund Freud (Moisés e Monoteísmo)
Mas afinal, por que falha o significante da religião?
Maria Angelina Khalil Aidé

Começo: Freud versus Pfister conciliação ficam entre o patético e a


traição de suas idéias.
A relação entre psicanálise e reli- Mas, e quanto à correspondência
gião foi estabelecida e levada ao paro- entre Freud e o pastor Pfister (FREUD;
xismo pelo próprio Freud. Concorren- PFISTER, 1963)? Tal pergunta sempre
do com o pensamento de Marx, o é feita quando se esboça alguma tenta-
nascimento da psicanálise dotou o sé- tiva de conciliação. Amizade e respei-
culo XX de uma segunda grande cor- to às diferenças lhes eram mais fortes
rente de crítica à religião. Freud era do que a imposição das crenças. A lei-
declaradamente: ateu, materialista, ti- tura cuidadosa da correspondência en-
nha toda psyché como resultante de tre ambos, não apenas revela a tolerân-
neurônios, rotulou a religião de gran- cia das idiossincrasias pessoais entre dois
de neurose da humanidade e que o di- bons amigos, mas também que Freud
abo nada mais é que a personificação não abre mão um milímetro de sua po-
da vida pulsional inconsciente recalcada. sição atéia e materialista. A amizade
Suas idéias quanto à questão eram tão perdurou, apesar da estocada dada por
claras e seus textos tão contundentes Freud na carta de 25 de novembro de
que todas as tentativas posteriores de 1928: “Não sei se você percebeu a liga-

*
Médico e Bacharel em Filosofia, ambos pela UFRJ; Mestre em Medicina (Psiquiatria) e Mestre em Filosofia,
ambos pela UFRJ; Doutor em Filosofia pela UFRJ; Psicanalista e Membro Efetivo do Círculo Brasileiro de
Psicanálise – Seção Rio de Janeiro; desde 1984 leciona em cursos de Graduação em: Psicologia, Pedagogia
e Letras; também leciona em cursos de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica e de Formação
Psicanalítica.

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ção secreta entre a “Análise Leiga” e a todo. Foram escritos a partir de idéias
“Ilusão”1 . Na primeira desejei proteger que necessariamente derivam de con-
a análise dos médicos e na segunda dos ceitos como: pulsão, recalque, eu ideal
sacerdotes”. E, em seguida, Freud deli- e sexualidade infantil.
mita o campo da prática psicanalítica: O conceito de pulsão (ou de seu
[...] “uma profissão que ainda não exis- representante), como intermediário
te, a profissão de curadores de alma entre o psíquico e o somático, deriva
laicos, que não necessitam serem mé- do materialismo ateísta de Freud, para
dicos e não devem ser sacerdotes” quem não há mente sem cérebro e cor-
(FREUD; PFISTER, 1963, p.126). A po, muito menos há alma ou espírito
elegância e civilidade do diálogo Freud/ desencarnados. A sexualidade infantil,
Pfister pertenceria à história da psica- com sua perversão polimorfa, coloca a
nálise européia, não tivesse sido um agressividade humana como constitutiva
diálogo freqüentemente utilizado no e não um desvio, assim como sendo
Brasil atual para justificar o injustificável. universal a atopia do desejo, numa vi-
Dissequemos a questão por partes: são oposta à normatização do Velho e
desde o cerne da trama teórica freudiana, do Novo Testamento. Eu ideal, supereu e
passando pela confusão ocorrida no recalque: Freud sempre buscou compre-
Brasil entre psicanálise e religião e, des- ender a culpa através da psicologia e
ta questão, como parte de outra, mais da antropologia, não como meras au-
ampla, ressurgida na era da globalização. xiliares de alguma possível teologia, mas
Este percurso conduz a localizar e como explicações que desmontassem
conceituar, em diferentes campos, o todo pensamento mágico e religioso.
discurso da psicanálise e o da religião. Tudo isto passando por texto cujo títu-
Por fim, o mais importante: o que po- lo dispensa comentários, Rituais Religi-
demos por meio desta grande confusão osos e Práticas Obsessivas, sem falar na
aprender para a clínica psicanalítica e a adesão incondicional de Freud ao
ética que lhe é indissociável? darwinismo.
Assim como a correspondência
Uma psicanálise sem Freud?! entre Freud e Pfister foi desvirtuada,
tentar uma psicanálise, tanto em exten-
As opiniões de Freud sobre a reli- são quanto em intenção, negando os
gião poderiam permanecer neste domí- conceitos acima constitui mais que uma
nio mesmo, o das opiniões: pessoais, fraude, uma profunda ignorância do
particulares, direito de todo cidadão. texto freudiano. Embuste que só pode
Contudo não o fazem por não serem ser praticado por meio de um ensino
apenas preferências individuais, mas superficial, por apostilas, e sem o mais
parte central do arcabouço freudiano. importante da prática clínica: a análise
Os textos críticos sobre religião, indo pessoal. E não apenas o texto de Freud
desde Totem e Tabu até Moisés e o tem de ser escondido, mas os de todos
Monoteísmo, são mais do que especula- seus seguidores importantes: Abraham,
ções sobre a cultura, mas integrantes de Klein, Lacan, Winnicott, Bion e
reflexões que partiram da clínica e quantos mais sejam nomeados2 , pois
retornaram à clínica. Textos cuja con- todos lhe seguiram em ateísmo e críti-
testação nega a psicanálise como um ca à religião. Este engodo, um ensino

1
Referência de Freud aos textos A Questão da Análise Leiga e O Futuro de uma Ilusão.

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de Freud sem seus textos, teria apenas regulamentação, apresentados em dé-


feito parte da história das vigarices. cadas anteriores, nos quais também
História que sempre acompanhou a his- sempre advinha uma tentativa de ex-
tória da psicanálise e das várias correntes clusão: ou monopolizar a prática psi-
da psicologia, e que ficaria no baú das canalítica pelos médicos, ou um grupo
curiosidades, se em nosso país não tives- de instituições igualmente tentava
se se travestido da arrogância de tentar desqualificar aquelas julgadas menos or-
monopolizar a prática psicanalítica. todoxas ou heréticas. Mas em todos os
casos, aplica-se o escrito de Lacan so-
Um problema bem brasileiro bre o que chamou de três pontos de fuga
da psicanálise, sendo aqui o terceiro
Nos últimos vinte anos vimos no ponto de fuga, no real, e que nos apa-
Brasil o surgimento de instituições su- rece através do fantasma de se fazer se-
postamente psicanalíticas fundadas por gregar (LACAN, 2003). Por ora fica o
religiosos. Durante muito tempo, o fato registro de que a reação dos psicanalis-
não chamou muito a atenção da co- tas tradicionais, sua luta para o arqui-
munidade psicanalítica tradicional, vamento destes projetos, até o momen-
cuja tradição é congregar um ruidoso to bem-sucedida, já pertence à história
saco de gatos. Foi quando, no início do da psicanálise no Brasil.
atual século, surgiram no Congresso Atenhamo-nos, portanto, ao que a
Nacional, para eventual apoio de par- tentativa concreta de usurpação da psi-
lamentares do lobby evangélico, tenta- canálise implica para a prática psicana-
tivas de regulamentação da psicanálise lítica. Mesmo porque, se os projetos de
beneficiando as instituições de origem lei, por ora, foram arquivados, e se as
religiosa. Mais além, aproveitando a supostas instituições psicanalíticas de
não regulamentação da psicanálise no orientação religiosa sofreram um efeito
Brasil, e em antagonismo ao que fora bumerangue, outro movimento surgiu.
escrito na carta de Freud a Pfister, os No caso de sociedades psicanalíticas
projetos de lei procuravam monopoli- que aceitam como candidatos à forma-
zar a prática psicanalítica. Esta tentati- ção não médicos e não psicólogos, é
va de monopolização, em detrimento crescente a procura de ensino por reli-
de todo o saco de gatos que há décadas giosos de diferentes denominações 4 .
tradicionalmente compõe a psicanáli- Pessoas bem intencionadas, muitas ve-
se no Brasil, fez com que os gatos - por zes críticas da precariedade do ensino
mais que rosnem entre si, pertencem a nas instituições religiosas, que preten-
uma genealogia de comum de felinos3 - diam o monopólio da psicanálise, mas
se unirem diante de um mesmo inimigo. não menos equivocadas.
A apresentação dos projetos de lei Resgatando tal equívoco, chega-se
mencionados foi uma curiosa imagem aos dois outros pontos de fuga mencio-
espelhada dos projetos anteriores de nados por Lacan: no imaginário e no
2
Mesmo tendo aumentado ao longo dos anos, das críticas e processos, o número de disciplinas com títulos
referentes à psicanálise e seus principais autores, é interessante notar a ênfase no currículo de vários destes
cursos em disciplinas não psicanalíticas, indo desde o discurso organicista da moda, até o pólo aparentemente
oposto, com a presença de disciplinas místicas, tais como: primeiros socorros, parapsicologia, neurofisiologia,
neurociência, anatomia, bioquímica, hipnose, sexologia, mitologia.
3
As numerosíssimas instituições psicanalíticas brasileiras, aqui rotuladas de tradicionais, originaram-se ou
da International Psychoanalytical Association, ou de dissidências desta ocorridas no exterior ou no Brasil
(notadamente a constelação lacaniana) ou de dissidências destas dissidências, coletivas ou individuais.

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simbólico. Refletir sobre a crise surgida res estrangeiros, são predominantemen-


pela tentativa de usurpação da psica- te jornalísticos, elencando e relembrando
nálise torna-se muito útil, obrigando a os usos e abusos da religião através dos
refletir sobre a especificidade do discur- séculos. Constituem exceções os títu-
so e da prática psicanalíticas. Discurso los de: Dennett, Onfray e Comte-
e prática também sob a constante ame- Sponville. Estes se aventuraram, mais
aça do festival de práticas: esotéricas, que os outros autores citados, a formu-
de auto-ajuda e pseudo científicas. Prá- lar teses – psicológicas, darwinistas,
ticas exercidas muitas vezes por psica- antropológicas, filosóficas – sobre as
nalistas que são médicos ou psicólogos, origens humanas e o recrudescimento
constituindo práticas ilegítimas e ilegais contemporâneo da religião. Não nos
diante dos olhos de seus próprios con- cabe competência ou tempo para tra-
selhos profissionais. çar aqui semelhanças e diferenças en-
tre as idéias de todos esses autores e as
Um problema não tão brasileiro de Freud, ou com as dos grandes críti-
cos e estudiosos do fenômeno religio-
O recrudescimento do fenômeno so, o poder e o totalitarismo: Bertrand
religioso, a nova capa dos nazi-fascis- Russel, Michel Foucault, Hannah
mos, hoje rotulada de fundamentalismos, Arendt. Apenas pinçamos algumas ob-
e o retorno da reação neo-iluminista, servações sobre o livro de Dennett que
nada disso é exclusivo ao Brasil. Nos julgamos úteis para nossa breve súmula.
últimos dois anos, surgiram vários livros Embora Dennett (2006) cite Freud
contendo ferozes críticas à religião, ten- em uma de suas epígrafes, a psicanálise
do por autores: pensadores anglo-ame- parece causar-lhe horror, o que torna
ricanos, biólogos darwinistas adeptos mais interessante seu texto. Através de
ou não da psicologia evolutiva, filóso- explicações da psicologia evolucionista
fos franceses da nova geração. Grande e de experimentos estatisticamente
parte dos títulos foi publicada no Bra- controlados, Dennett chega a várias
sil, principalmente nos últimos meses hipóteses sobre a origem e o poder da
de 2007 e, de modo surpreendente, à religião: surgimento a partir do animismo
semelhança de outros países, alguns tí- e do xamanismo, hipertrofia de carac-
tulos permaneceram semanas ou meses terísticas do pensamento e linguagem
na lista dos mais vendidos: Carta a uma primitivos, uma forma de hipnose cole-
nação cristã (HARRIS, 2007) e The end tiva utilizando o carisma da figura de
of faith (HARRIS, 2005), Deus, um delí- um pai. Essas são algumas das hipóte-
rio (DAWKINS, 2007), Deus não é gran- ses de Dennett que, apesar de defendi-
de (HITCHENS, 2007), Quebrando o en- das de modo completamente diverso,
canto (DENNETT, 2006), Tratado de cheiram muito - até em excesso - fami-
ateologia (ONFRAY, 2007), O Espírito do liares às de Freud. O filósofo darwinista
ateísmo (COMTE-SPONVILLE, 2007)5 . também se pergunta: qual a relação
Os títulos mencionados, de auto- entre imperialismo e religião?
4
Há muitos anos, quando do início da procura crescente de formação por religiosos, nossa colega psicanalista
do CBP-RJ, Maria Angelina Khalil Aidé, havia invertido a direção da pergunta: ao invés de Por que a
religião quer invadir a psicanálise; devemos indagar: Mas afinal, por que falha o significante da religião?
5
Em relação ao Brasil indicamos a excelente coletânea, da área de antropologia: Intolerância religiosa –
impacto do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro (SILVA, 2007), e O fim da religião – dilemas
da liberdade religiosa no Brasil e na França (GIUMBELLI, 2002).

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Mais do que as outras hipóteses abor- nas contempla, é um inútil


dadas, a questão do pai faz com que coce a Mas Sócrates, através de sua
orelha de um psicanalista. Deixemos de dialética, ativamente questionava o
lado os usos e abusos sociopolíticos do interlocutor, ao passo que o analista deve
fenômeno religioso, para permanecer ser um parteiro mais discreto: “o senhor
no experimento mais próximo, e não cujo oráculo está em Delfos, não fala nem
muito bem controlado, o do divâ. Os esconde: ele indica” (fragmento 93 de
psicanalistas estão familiarizados com Heráclito de Éfeso,apud BORNHEIM,
esta história, que parte da hipnose e a 1999, p.41). Como dizia Freud, enquan-
metamorfoseia em técnica psicanalíti- to o paciente está associando livremen-
ca, tanto quanto dos motivos pelos te, o melhor que o psicanalista pode
quais, ao trilhar este percurso, tivesse fazer é ficar calado. Foi uma paciente –
Freud escrito tanto sobre sua descober- Emmy von N. – quem por sua vez indi-
ta da busca universal por um hiperpai cou a Freud que se calasse, que não in-
ultra-idealizado. Ele também nos trans- terrompesse a fala que emergia. Em seu
mitiu o alerta sobre como este anseio primeiro relato de caso clínico, revela
humano comum deixa a todos vulne- Freud: “Então ela disse de um modo
ráveis aos abusos possíveis da transfe- decididamente irritado, que eu não fi-
rência, e como é fácil desvirtuar-se o casse lhe perguntando de onde isto ou
rumo da prática psicanalítica. aquilo tinha vindo, mas a deixasse con-
tar o que ela precisava falar” (Studies
Reflexões sobre a ética da Psicanálise on hysteria, FREUD, 1978, p.63, tra-
dução do autor).
A psicanálise fundamenta-se no A mesma denúncia feita contra
princípio socrático de que somente Sócrates é produzida contra vários dis-
cada qual pode saber o que é melhor cursos contemporâneos, incluso o da
para si mesmo. Trabalha a partir do psicanálise: a negação de A Verdade
desvelamento da verdade que, cada um, conduz ao relativismo ético. Acusação
sem saber, possui dentro de si. Trata-se típica de quem parte da existência de
do renascimento da maiêutica socrática: normas ditadas pelo divino, do qual o
a arte do parto das idéias. Sócrates pas- acusador é guardião. Podemos refutar
sou à história por ter formulado o prin- esta acusação subscrevendo que:
cípio de que a verdade, que cada um No centro da discussão ética situa-
traz dentro de si, à semelhança do bebê, se a questão da verdade, e a psicanálise
seria naturalmente parida. Mas, para a não se furta a ela, entendendo-a, en-
maioria, há tantas idéias vindas de fora, tretanto como verdade do desejo, im-
assimiladas como se fossem próprias e perioso e irredutível. Como tal é sem-
esquecidas de sua origem externa, que pre parcial, não-toda, vinculada que
o parto natural fica impedido. Para está à metonímia do desejo, e, princi-
Sócrates, o trabalho do filósofo não era palmente, particular, apresentando-se
o de pontificar suas próprias idéias, mas para cada um em sua especificidade ín-
apenas o de remover os empecilhos para tima. [...] O que é universal é a dife-
que se dê o nascimento espontâneo da rença (RINALDI, 1996, p.68).
verdade de cada um. À semelhança de Afirmar a verdade como sempre par-
sua mãe, que era parteira de bebês, cial difere de uma defesa do relativismo
Sócrates era parteiro de idéias. Se o ético. Freud e Lacan partem do princí-
parto natural corre bem, o parteiro ape- pio de que o ser humano é mortal e li-
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mitado, e o desejo impossível de ser sa- mas sua multiplicidade. Mesmo que se
tisfeito plena e permanentemente. A fi- tente reduzir toda fala à univocidade,
losofia que embasa a ambos é a da a malha de significantes, mesmo sob
finitude, do limite e da falta. Ambos uma aparência de totalidade, revela:
compartilham de uma concepção trá- suas falhas, seus duplos sentidos, suas
gica do homem, e da inalienável res- antíteses, outros caminhos além daque-
ponsabilidade de todos os nossos atos, le que aparenta. Se a psicanálise fosse
concepção em oposta à noção de que perfeita, estaríamos quase inteiramen-
se não há deus, então tudo é permitido. te no registro do simbólico. Mas não
Como somos portadores deste furo in- apenas por fugir de um sentido unívoco,
terno – dê-se-lhe vários nomes: falta, por fugir da idéia de que a psyché saudá-
ferida narcísica, castração, não-ser, ob- vel seria um bloco compacto e, mais ain-
jeto a, a coisa, por exemplo -, também da, por não ser perfeita e por não ter um
somos circunscritos externamente por ideal por meta, a psicanálise foge de um
uma linha em que o desejo alheio é o simbólico puro e do discurso totalitário.
limite para o meu desejo. Não apenas Se a psicanálise busca o registro do
Freud e Lacan, mas todos os nomes mais simbólico e de sua própria impossibili-
conhecidos da psicanálise – Abraham, dade de absolutização, pergunta-se
Ferenczi, Klein, Winnicott, dentre mui- qual o objetivo da religião. Segundo
tos - partilharam desta compreensão trá- Freud, a religião sempre busca o pai ide-
gica, pois sem ela não seriam psicanalis- alizado da infância: todo poderoso,
tas. Freud, ele mesmo, defendeu a idéia onipresente e onipotente, infalível,
de que sem a falta não haveria palavra. garantia de completa segurança. Pai de
Tanto em Lacan quanto em Freud, o de- um registro herdeiro de uma época do
sejo está indissoluvelmente vinculado à predomínio do narcisismo infantil e suas
lei que institui o simbólico, “ainda que imagens, época de intensa ambivalência.
para o primeiro esta lei indique, mais A religião, ao menos suas vertentes
que uma proibição, a presença de im- monoteístas e ocidentais, está no regis-
possibilidade” (RINALDI, 1996, p.69). tro do imaginário e na possibilidade do
A maiêutica socrática buscava, por absoluto6 .
meio de um único diálogo, que o
interlocutor reconhecesse a incoerên- Ilusões da transferência e delírios
cia de seu discurso, e isto lhe permitiria religiosos
construir um discurso próprio. À dife-
rença de Sócrates, Freud procurava, por Portanto a psicanálise, em qualquer
meio de pequenas intervenções, des- de suas vertentes, encontra-se no pólo
obstruir a livre associação do paciente. oposto ao da aplicação do discurso re-
Então, espontaneamente, é retomada ligioso do monoteísmo. Não há verda-
a construção do discurso. Uma produ- de externa, dogmática e atemporal.
ção por meio de várias narrativas, que Não há livro sagrado ou revelação di-
não são ouvidas como se fossem dota- vina. No máximo um ou outro presi-
das de um sentido unívoco, mas com dente Schreber mais popularizado. En-
vários sentidos. Isto pressupõe não ape- caixar alguém numa verdade que lhe é
nas a existência de um sujeito desejante, exterior constitui uma violência tão
6
Agradecemos a idéia sobre a diferença entre psicanálise e religião, nos registros do simbólico e imaginário,
proposta e discutida nos seminários do Corpo Freudiano do Rio de Janeiro, ao Prof. Dr. Marco Antonio
Coutinho Jorge.

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grande quanto a violência da psicolo- cionada, a reiterada defesa de Freud da


gia do ego, ou de outras psicologias idéia de que a crença em deus é a pro-
adaptativas. Carismaticamente persua- cura eterna por uma figura de um pai.
dir alguém de que esta verdade revela- Uma figura que nos defendesse de to-
da também poderia ser sua, configura dos os perigos e do acaso, das doenças
uma forma de submissão, consiste em e da morte, personagem que existe ape-
utilizar a transferência como arma em nas como fruto da permanente quime-
uma relação sadomasoquista; a mesma ra do desamparo. Mas se, por um lado,
sujeição, o mesmo dispor aético do ou- este pai superamado é apenas ilusão e
tro, que afastou Freud da hipnose. Além idealização, por outro, a queda na rea-
disso, a hipnose fora desmascarada por lidade também nos livra de um pai oni-
Freud quanto à instabilidade de seus potente, tirânico, distante. Se o amor
efeitos terapêuticos, assim como da crô- ao pai que resulta do final de uma aná-
nica dependência do submisso ao seu lise é apenas humano, demasiadamen-
algoz a fim de renovar tais efeitos, uma te humano, também fura o balão de um
vez que, de tempos em tempos, eles ódio de proporções divinas, de cóleras
cessam. Muito útil se o propósito for celestes e punições dantescas.
extrair uma renda permanente da víti- Mesmo a gratidão possível ao psi-
ma. E não foram poucos os que na his- canalista, ao final de uma análise, tem
tória da própria psicanálise rebaixaram- de reconhecê-lo como um profissional
na a isto. (como em outra profissão bem mais
Com os Escritos sobre técnica (Papers antiga, e que também cobra afeto por
on technique, FREUD, 1978), Freud hora) cujo trabalho deixou muito a de-
resguardou que a transferência fosse sejar. Desidealização da análise e do
reconhecida como um instrumento per- analista, necessária para mitigar o mais
manentemente sob o controle da éti- possível identificações imaginárias. E
ca. Um poder sobre o outro a ser utili- para deixar uma sobra, este resto de de-
zado com o máximo de cuidado, sejo de análise que faz permanecer no
porque, a qualquer momento, pode inconsciente um movimento, após a alta,
converter-se em uma arma perigosa. O de manutenção do desvelamento, de
uso da transferência é quase sempre para continuidade do processo analítico,
denunciá-la, para desobstruir que ela para que seja sempre mais poroso o fil-
mesma seja um dos principais obstácu- tro e mais fluido o desejar.
los da livre associação e do parto. E não Aqui entra o abuso da aplicação da
para tornar o outro um meio, um ins- técnica psicanalítica, quando despro-
trumento, para obter fins de satisfação vida da ética que a transforma em psi-
pessoal do terapeuta. Uso que é legal e canálise. Embora muitos religiosos, e
legitimamente vedado, até pelos códi- muitos adeptos de terapias esotéricas,
gos de ética profissionais. ao procurarem o conhecimento da téc-
E ao final de uma análise, deve nica, estejam bem intencionados (ape-
ocorrer a dissolução possível desta né- sar de, como diz o ditado popular, deles
voa, desta turvação da realidade, que o inferno está cheio), o uso contrário à
consiste na própria transferência. A ética psicanalítica torna a técnica um
aceitação de um pai que afinal foi o pai instrumento totalitário. Os ideais totali-
possível, mesmo que não tenha sido o tários não toleram exceção, diferença,
rei dos contos de fada, o maior dos falta. Os livros de filosofia de orientação
super-heróis ou deus. Já foi antes men- católica, por exemplo, desdobram-se em
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sofismas ao tentar conciliar a maiêutica rior inamovível e da incorrigibilidade,


com a revelação divina, ou diretamen- tanto por meio da persuasão lógica mais
te condenam o ideal socrático. O tri- irresistível, como da evidência esmaga-
unfo da vontade vem do texto absolu- dora dos fatos em contrário (NOBRE
to, seja originário da revelação divina, DE MELO, 1979). Desta definição
seja daquele que sabe o que é melhor depreendemos que fé e delírio fundam-
para todos, e dirige-se ao todo coleti- se no mesmo tipo de juízo interior,
vo, configura o oposto a uma modesta totalizante e inquestionável: credo qui
e pessoal verdade socrática. absurdum. Além do caráter megaloma-
Como tudo no pensamento psica- níaco de todo candidato a presidente
nalítico, entre os ideais totalitários e os Schreber. Já a verdade socrática é sem-
culturais, a questão é muito mais de pre discreta e limitada, aberta pelas fen-
quantidade que qualidade. E os ideais das entre os significantes e no seio dos
culturais são embebidos de narcisismo, próprios significantes, deslizando sem-
o que Freud já assinalava em 1927, ao pre para uma nova e provisória possí-
iniciar o texto dedicado à crítica da re- vel verdade, um simbólico sempre com
ligião: O Futuro de uma ilusão. Texto furo e furado.
no qual Freud tenta salvar as aparênci-
as diagnosticando a religião como ilu- Identificação imaginária e Eu Ideal:
são, até perpetrar uma escrita falha em Hipnose e Religião
que confessa: “ [...] minhas ilusões não
são, como as ilusões religiosas, incapa- Freud, no nascimento do método
zes de serem corrigidas [...] não tem o psicanalítico, abandonou a hipnose,
caráter de delírios” (The future of an tanto pelo vislumbre de uma percep-
illusion, FREUD, 1978; p.53, tradução ção mais de vinte anos depois teorizada
do autor). Mas em O mal estar na civili- e escrita, de como ela era a sujeição
zação, Freud abre o jogo: “As religiões sadomasoquista do hipnotizado ao
da humanidade devem de ser classifi- hipnotizador, quanto pela percepção de
cadas entre os delírios de massa [...] que a própria hipnose era um obstácu-
desnecessário dizer que quem compar- lo ao autoconhecimento, a que a ver-
tilha de um delírio, nunca o reconhe- dade se desvelasse. Caso admitamos o
ce como tal” (Civilization and it’s desconhecimento de Dennett, sobre o
discontents, FREUD, 1978; p.82, tra- papel da hipnose na história da origem
dução do autor). Falando em narcisismo da psicanalise, mais interessante são as
e delírio, falamos de psicose e imaginá- conseqüências. Ao imputar em seu li-
rio: Deus, um delírio, título velho de vro Quebrando o encanto (DENNETT,
gasto7 . 2003) a importância da hipnose e da
Já descrevia a velha psicopatologia figura de autoridade do pai na infân-
psiquiátrica que o delírio se constitui cia, para a compreensão do fenômeno
de juízos patologicamente falsificados: religioso, o filósofo do darwinismo con-
tais juízos trazem a marca da certeza temporâneo não apenas subscreveu
subjetiva absoluta, da convicção inte- Freud por meio de outra teoria e expe-

7
O Caso Schreber (The Case History of Schreber, FREUD, 1978) apresenta-se como o texto de conexão
entre a primeira parte da obra de Freud, voltada mais para a clínica, e conceitos como a pulsão e o
inconsciente, e a segunda parte de sua obra, onde surgem os textos sobre religião e sociedade. É possível ler
o Caso Schreber como fruto de Freud, o escritor, e perceber a discreta ironia na qual os delírios místico-
religiosos e soteriológicos de Schreber servem de voz à crítica freudiana da religião.

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rimento, mas também obrigou os ana- imaginário hiperidealizado. Figura que,


listas a repensarem, pela enésima vez, em primeiro movimento, brande como
a função da transferência. Substituin- não sendo a sua pessoalmente, propon-
do a hipnose pela livre associação e do-se um exemplo de humildade e de-
atenção flutuante, o predomínio do voção ao próximo, mas a de, por exem-
simbólico sobre o imaginário, a trans- plo, um Jesus supertudo de pensamento
formação do eu ideal em ideal de eu, positivo. Em tudo a semelhança com a
Freud e Lacan deixaram a advertência caricatura, parcialmente verdadeira, do
de que, por ser o analista herdeiro do hipnotizador que distrai a atenção do
xamã, é necessária uma autocrítica per- paciente com um relógio, enquanto
manente da prática psicanalítica. pelas bordas da consciência penetra em
Mas e o edifício teórico da psica- sua mente. Tal como um ventríloquo
nálise? Bastante claro é o fato de, des- distrai a platéia de a voz não pertencer
de o início, Freud ter escandalizado a a si próprio, mas a seu boneco.
moral e os bons costumes com suas idéi- Freud demonstrou em Psicologia das
as sobre a sexualidade humana. O que massas e análise do eu (Group psychology
o tornou anátema de todas as religiões and analysis of the ego, FREUD, 1978),
e totalitarismos ocidentais e orientais, como se formam os grupos, por meio de
e seus livros combustível para alimen- um líder erigido em pai ideal e colocado
tar as fogueiras nazistas. Os vários au- na posição eu ideal. Para Lacan, no ima-
tores críticos do fenômeno religioso, ginário está constituído o pai ideal, da
publicados no último ano, assinalam unidade expressa no modelo identi-
como as religiões têm em seu fulcro cer- ficatório narcísico da Sociedade Interna-
cear a sexualidade. Mas, que resta à te- cional, a da Igreja e do exército, ou seja,
oria psicanalítica sem os conceitos de: a estrutura de grupo, configurando outro
libido, pulsão, sexualidade infantil, dos três pontos de fuga da psicanálise
neurose como negativo da perversão, (LACAN, 2003). Este eu ideal é a ori-
etc.? Quanto à teoria, já dizia Lacan, gem de uma identificação imaginária,
no Seminário 22: R.S.I., que a consis- produtor de supereu e recalque contra
tência de todos os esquemas teóricos a sexualidade infantil. Como esta é
deriva do imaginário (LACAN, 1974/ indissociável do inconsciente, o movi-
1975). Retirando-se da teoria seu mento iniciado pela identificação imagi-
apoio na clínica, e desta na questão da nária, resultante em seu recalque, só per-
sexualidade, tendo Freud desde o iní- mite que se extravase na forma de
cio ancorado a sexualidade no Édipo, sintoma. Logo, o sexual em todo sinto-
também recorremos a Lacan, no que ma. Já afirmara Freud: “[...] e o diabo se-
denominou pontos de fuga da psicanáli- guramente nada mais é que a personifi-
se, este aqui no simbólico, quando fala cação da vida instintual inconsciente
de que “[...] retire-se o Édipo, e a psi- recalcada”( Character and anal erotism,
canálise em extensão, diria eu, torna- FREUD, 1978, tradução do autor). E
se inteiramente da alçada do delírio do haja festivais de histeria coletiva para
presidente Schereber” (LACAN, 2003, exorcizar sintomas.
p. 262). Mas Freud vai além, recalcando em
Já o uso mais freqüente da hipnose excesso, o supereu será acusado de mais:
e da transferência, pelo sacerdote “Pensem no contraste deprimente en-
carismático, possui a função de refor- tre a brilhante inteligência de uma cri-
çar cada vez mais a figura de um pai ança saudável e os fracos poderes inte-
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Breve súmula de ateologia prática

lectuais de um adulto médio. Podemos da transferência”. Escutamos aí o pedido


ter certeza absoluta de que não é exa- de reforço das identificações imaginárias
tamente a educação religiosa que arca e de fortalecimento do eu ideal.
com uma grande parcela desta relativa
atrofia?” (The future of an illusion,
FREUD, 1978, p.47, tradução do au- Finalmente: Psicanálise – a Irreligião?
tor). Alem do dano ao intelecto, den-
tre os autores contemporâneos citados, Ao início de alguns tratamentos,
Dawkins (2007) é um dos que mais em pacientes com sintomas muito gra-
enfatiza a educação religiosa, antes que ves, ou em situações em que uma crise
a criança tenha capacidade de discerni- é muito intensa, costuma ser válido ao
mento, como um molde de preconcei- psicanalista apelar para técnicas como:
tos que serão carregados pela vida a aconselhamento, apoio, reforço de ego
fora. A ojeriza de Dawkins à psicanáli- e, mesmo, em situações emergenciais,
se talvez não tenha lhe deixado acres- funcionar como figura carismática pro-
centar que os motivos dos piores pre- pondo-se a identificações. Principal-
conceitos são inconscientes. Conclui o mente hoje em dia, quando a antiga
pensador darwinista: “Crianças peque- psicanálise de cinco vezes por semana
nas são jovens demais para tomar deci- tornou-se impraticável financeiramen-
sões sobre suas opiniões a respeito da te.
origem do cosmos, da vida ou da mo- Mas deve-se ter por meta que to-
ral. O simples termo ‘uma criança cris- das essas técnicas colocam o terapeuta
tã’ ou ‘criança mulçumana’ deveria soar na função de eu ideal, e há vasta lite-
como unhas arranhando uma louça” ratura contrária ao incentivo de iden-
(DAWKINS, 2007). tificações imaginárias. Constituem téc-
O bom é que o imaginário também nicas válidas, se permanece o desejo de
tem seu furo, mesmo na maior parte das análise e para colocar o paciente em
psicoses, ou não funciona a contento so- condições de realizar uma verdadeira
bre tudo, ou não funciona o tempo todo. análise. Não para criar uma dependên-
Aqui o significante da religião tenta pe- cia crônica ou converter a vítima às
dir reforço ao da psicanálise. Ao inverso crenças do terapeuta. Claro que sabe-
do psicanalista, que tem por meta final a mos de muitos casos, principalmente
dissolução possível da transferência, o quando o narcisismo do terapeuta é que
religioso tem por meta o contínuo refor- precisa de mais análise, nos quais o psi-
ço e manutenção da transferência. Não canalista não está em sua função, mes-
por acaso, a experiência pessoal nos brin- mo em longo prazo, mas no papel do
dou com o conhecimento de entidades sacerdote exatamente como foi descri-
supostamente psicanalíticas, que reduzi- to acima. E da vaidade, já foi dito ser o
am a psicanálise a um conjunto de apos- mais grave de todos os pecados, aquele
tilas, mas liam diretamente um antigo e que conduz a todos os outros.
extenso compêndio de técnica de auto- Em Psicologia das massas e análise
ria de um psicanalista de gerações passa- do eu (FREUD, 1978), fica muito claro
das da IPA. Assim como a sorte nos agra- como a identificação do líder com o eu
ciou ter várias vezes escutado, de ideal, pelos seguidores, também cria um
religiosos de diferentes denominações, vínculo entre eles. Vínculo proporcio-
a afirmação que desejavam fazer forma- nalmente mais forte quanto maior a
ção psicanalítica “para entender melhor
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Breve súmula de ateologia prática

identificação, levando a crescente ex- A concise summa of practical atheology


clusão daqueles que não pertencem ao - Psychoanalysis and Religion -
grupo. Sendo este liame intragrupal for-
temente narcísico, e teorizando-se so- Key-words: Freud’s atheism; psycho-
bre o eu como fonte de narcisismo de analytical ethics; imaginary; father-figure;
vida, mas também de morte, explica- ego ideal.
se por que, cada vez mais, os não per-
tencentes ao grupo são considerados Abstract
inferiores, e como a pulsão de morte tem Freud’s atheism, materialism and criticism
de ser defletida, para fora do eu e do of religion. The importance of these ideas to
grupo, por meio da agressividade. O understand key concepts as: instinct,
fantasma do se fazer segregar torna-se infantile sexuality, ego ideal and repression.
mais perigoso quando se pensa sobre o The psychoanalytical method as extension
narcisismo das pequenas diferenças, of socratical maieutics, opposite to dogma
descrito por Freud, e sobre os mecanis- and sacred text. The method as based on an
mos esquizo-paranóides, descritos por atheist ethic: lack, finitude and difference.
Melanie Klein. Pscyhoanalysis and the symbolical, religion
Um grupo que se julga portador de and the imaginary. Religious uses of hypnosis
algo excessivamente bom, possuidor de and ego ideal.
um seio idealizado, necessariamente
projeta toda sua agressividade, coloca
para fora toda hostilidade latente en-
tre os membros do próprio grupo, e sen-
te-se perseguido. Este grupo constrói
um mecanismo crescente de: identifi-
cações imaginárias, fetichização de seu
líder e de seus ideais, e de intolerância
à diferença. Até que, finalmente, como
o mecanismo esquizo-paranóide acaba,
cedo ou tarde, falhando, o grupo se
cindirá em dois, ou mais, grupos rivais.
Grupos que, por sua origem comum na
figura de um pai ultra-idealizado, não o
aceitam partilhar com ninguém mais.
Esquizo (cisão) e paranóia, aí se tem:
Deus, um Delírio. Demais detalhes teoló-
gicos e schreberianos apenas enfeitam. O
outro grupo precisa ser destruído.
Estamos falando da exacerbação
contemporânea do conflito entre os
monoteísmos, ou das sociedades psica-
nalíticas?

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