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MULHERES
ARQUIVO CÂMARA
Sem apoio da maioria dos constituintes, a bancada feminina recuou na votação final, e foi
feito um acordo para que a legalização do aborto ficasse de fora da Constituição e fosse
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03/10/2019 Por que o direito ao aborto legal ficou de fora da Constituição de 1988 | HuffPost Brasil
aos constituintes.
O objetivo da estratégia era evitar uma restrição aos direitos reprodutivos até então
conquistados, diante da articulação de parte dos parlamentares que queriam acabar com
qualquer possibilidade legal de interrupção da gravidez.
Assim como as propostas de emenda à Constituição em tramitação atualmente que
estabelecem que
a vida começa na concepção, há mais de 30 anos, constituintes
também fizeram uma ofensiva para emplacar essa ideia.
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JOSÉ AMARANTE/ARQUIVO ABR
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Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), Jaqueline Pitanguy (primeira à esquerda),
no Encontro Nacional Mulher e Constituinte.
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na votação
do texto final para evitar um
retrocesso.
—Lídice da Mata
A divergência sobre o tema dentro da própria bancada e fatores do jogo político também
influenciaram. Integrante do CNDM, a advogada Iáris Ramalho lembra que foram
priorizadas outras demandas femininas em que havia um consenso maior entre os
parlamentares, como direitos trabalhistas ou ligados à comunidade do campo.
“Era barganha mesmo. Se você quiser isso, a gente não bota aquilo, principalmente [com]
os evangélicos. Teve deputado que disse: ‘você quer que eu perca os votos da Igreja no
meu estado?’. Ou ‘sou a favor do aborto para minha mulher, minha filha, se precisar, mas
para botar na lei não’”, afirmou a advogada à reportagem.
A Assembleia Constituinte de 1987 foi organizada em oito comissões temáticas, cada uma
composta por três subcomissões, que discutiam os temas previamente. Após a análise na
comissão temática, o texto era enviado para a Comissão de Sistematização, que reunia os
conteúdos. A etapa seguinte era a discussão no plenário, onde cabiam emendas. Uma
comissão de redação fez ajustes finais.
O aborto foi discutido em duas subcomissões, uma ligada aos temas da Família e outra às
Garantias Individuais. Também houve tentativas de incluir mudanças na Comissão de
Sistematização.
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ARQUIVO/SENADO FEDERAL
Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes pedia que fosse garantido à mulher o “direito de conhecer e
decidir sobre seu próprio corpo”.
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constitucional”, diz o texto. “O tema foi muito debatido nas audiências públicas, criou-se
uma expectativa quanto à posição dos parlamentares, entretanto, raras foram as
sugestões que
tratavam explicitamente da sua legalização, contrapondo-se maior volume
de sugestões no sentido de proteção à vida desde o momento da concepção”, completa
o relator.
Uma das emendas rejeitadas pelo colegiado foi da deputada Eunice Michiles (então PFL),
que permitia o
aborto legal em caso de “má formação fetal, como possibilidade de vida
vegetativa” — demanda que seria contemplada pelo STF 25 anos depois.
Nesse colegiado, ocorreram alguns dos debates mais acalorados sobre o tema nos anos
80. Em audiências públicas, representantes da Igreja Católica convidados por
constituintes fizeram uma defesa contundente da restrição ao aborto, com uso de
imagens de fetos abortados, recurso também usado nos últimos anos por ativistas pró-
vida no Congresso. Alguns eram contra o uso de métodos contraceptivos como
camisinha e pílula anticoncepcional.
Enquanto ministra, Menicucci tratou o aborto legal como uma questão de saúde pública e
defendeu que a palavra da mulher deveria bastar nos casos de interrupção da gravidez
causada por estupro. ”É de suma importância discutir essa questão da reprodução, do
descolamento da sexualidade feminina na questão da reprodução”, disse.
—Eleonora Menicucci
difícil porque está inserida dentro dos direitos sexuais e reprodutivos que determinam a
autonomia das mulheres, e a autonomia das mulheres para o patriarcado envolve Estado
e religião”, afirma.
“A resistência ao aborto legal é patriarcal para manter o domínio sobre o corpo e a
sexualidade das
mulheres, como se a sexualidade fosse só para a reprodução. E ela é
muito fundamentalista, vide hoje no governo [de Jair] Bolsonaro. Várias pautas de
costume são relacionadas a isso”, completa Menicucci.
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ARQUIVO SENADO
Movimentos feministas destacam como conquistas da Constituição de 1988 o direito à titularidade da terra
para mulheres rurais, a extensão da licença-maternidade e bases para Lei Maria da Penha, em vigor desde
2006.
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Na subcomissão de Direitos e Garantias Individuais, por sua vez, o relator, Darcy Pozza
(então PDS), propôs um texto que explicitava o crime de aborto previsto no Código Penal.
No artigo sobre o direito e garantia individual à vida, o relatório diz que será “punido com
crime o aborto diretamente provocado”. Em uma
Quem Somos RSSoutra versão,
Política ele acrescentou
de privacidade que a
Termos de Serviço Perguntas frequentes X
proteção da vida deveria ser garantida “desde a sua concepção”, o que inviabilizaria o
aborto legal.
Foram apresentadas diversas emendas ao parecer, que acabou excluindo essa referência
explícita à interrupção da gravidez. As sugestões incluíam desde a descriminalização do
aborto em caso de má formação do feto até a inclusão da proteção da vida “desde a
concepção”, que veda a legalização da prática. Havia também propostas para que a
questão fosse
decidida por meio de um plebiscito ou de uma consulta popular.
Homens pró-aborto legal
Além da atuação da bancada feminina, destacaram-se na luta pela ampliação dos
direitos reprodutivos os então deputados José Genoino e Eduardo Jorge, ambos
filiados ao PT à época. ”Era ótimo contar com um homem aliado. Assim como
existiam homens contrários, que houvesse também aliados”, lembra Jacqueline
Pitanguy.
LEIA MAIS:
Aqui estão todos os números que sabemos sobre abortos legais e clandestinos no
Brasil
Lobby do batom
Ainda que não tenha garantido o aborto legal na Constituição de 1988, a articulação
conhecida como “lobby do batom”, entre movimentos de mulheres e a bancada feminina
na Assembleia Constituinte, foi responsável por diversos avanços para equidade de
gêneros. A expressão “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, no artigo
5º, é um marco ao estabelecer pela primeira vez a igualdade jurídica entre homens e
mulheres em uma Constituição brasileira.
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03/10/2019 Por que o direito ao aborto legal ficou de fora da Constituição de 1988 | HuffPost Brasil
Se o texto final
da Constituição não retrocedeu nos direitos reprodutivos, não faltaram
tentativas nesse sentido nos anos seguintes. Apresentada em 1995 pelo então deputado
Severino Cavalcanti (então PFL), a PEC 25/1995 previa o direito à vida “desde a
concepção”. O
texto foi derrotado na Câmara dos Deputados.
Uma das cofundadoras do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMA), Iáris
Ramalho lembra a reação feminina à época. “Teve uma mobilização muito grande em
todos os estados do movimento de mulheres. Foi maravilhosa a luta. Teve uma
reviravolta. Os deputados diziam: ‘cheguei na minha cidade e o aeroporto estava cheio
de mulheres dizendo não à PEC 25’”, conta.
Para as mulheres que atuaram na Constituinte, essa época foi fundamental no processo
de conscientização da população sobre a equidade de gêneros. “Foi um período muito
importante para a vida das mulheres. Muitas, como eu, se descobriram no feminismo
durante a Constituinte. Foi um movimento que abalou as estruturas para o bem. Foi uma
época em que houve uma reviravolta na sociedade, maior do que nas Diretas Já, em
termos de mudança particular, do indivíduo”, afirma.
Ramalho acredita que essa construção histórica também é base para mobilizações mais
recentes, como os protestos que evitaram a aprovação da PEC Cavalo de Tróia em 2017
[que estabelecia a vida desde a concepção] e a campanha “Pílula fica, Cunha sai”, em
2015, em referência ao projeto de lei que inviabilizava o acesso à pílula do dia seguinte.
Um dos autores do PL era o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ).
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ASSOCIATED PRESS
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Atuação das mulheres na Constituinte foi base para mobilizações mais recentes, como a campanha “Pílula
fica, Cunha sai”, em 2015.
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03/10/2019 Por que o direito ao aborto legal ficou de fora da Constituição de 1988 | HuffPost Brasil
“De lá [1988] para cá, ninguém segura mais as mulheres. Havia um grupo muito pequeno
em 1910, quando as mulheres queriam entrar nas universidades. Depois, foi a luta para
mulher casada abrir conta no banco sem autorização do marido. Depois quando a mulher
queria permanecer no trabalho e oQuem
marido
SomosnãoRSS
queria… Foram
Política avanços Termos
de privacidade pontuais que
de Serviço Perguntas frequentes X
culminaram com a Constituinte. Depois disso, até nos grupos que se dissolveram após a
Constituinte, as mulheres não voltaram para a vida de antes. Mesmo dentro de casa, elas
A conscientização coletiva foi feita”, resume Iáris Ramalho.
estão conscientes.
Para Eleonora
Menicucci, o debate sobre o aborto legal na Constituinte foi importante
para visibilidade do tema como uma questão de direitos humanos e refletiu na
organização dos movimentos feministas. Após esse momento, “todas as vezes em que se
do aborto como PEC, ou para reduzir os direitos ou para avançar, as
coloca a questão
mulheres estão presentes”, lembra a ex-ministra, também em referência às mobilizações
de 2015 e 2017, quando ela mesma foi às ruas.
"Todas as vezes em que se colocam a questão do aborto como PEC, ou para reduzir os direitos ou para
avançar, as mulheres estão presentes", diz Eleonora Menicucci.
A socióloga acredita também que houve um consenso maior para evitar retrocessos
nessa área dentro da bancada feminina, mas aponta o conservadorismo do Legislativo
como razão para que a ampliação da permissão legal à interrupção da gravidez não tenha
sido ampliada. “Eu como ministra não consegui avançar nessa questão porque o
Congresso é extremamente conservador, reacionário, hipócrita em sua grande maioria”,
disse.
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03/10/2019 Por que o direito ao aborto legal ficou de fora da Constituição de 1988 | HuffPost Brasil
LEIA MAIS:
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Opinião: A proteção da vida desde a concepção impõe um calvário às
mulheres brasileiras
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Marcella
Fernandes
Repórter de Política e Mulheres do HuffPost Brasil
Andréa Martinelli
Editora sênior, HuffPost Brasil
ETC:
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Raymond Tonado
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