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Miller inicia o texto dizendo que tentará distinguir os dois termos sintoma e fantasia e
que por meio deles pode-se dizer que o estatuto, a posição do analista, diante de cada
um, é fundamentalmente diversa.
Lacan toma a questão da fantasia a partir da obra literária de Sade e não como Freud, a
partir da prática clínica, embora para Lacan devamos considerar também a prática
analítica. O que ele estuda no K-S é praticante Sade e a fantasia, isto é, a literatura de
Sade na reconstrução de sua fantasia. Esse texto é dos anos 60-62; Jean-Jaques Pauvert,
editor, publicou a obra de Sade nos anos 50; em 60 outro editor a faz de excelente
qualidade. O texto de Lacan foi recusado pelo próprio editor, quis publicá-lo na
Nouvelle Revue Française – revista de literatura da França – também recusado;
finalmente conseguiu na revista Critique, graças a relações familiares.
Sobre Kant: Sua obra é uma ruptura na história da filosofia; o limite de dois mundos;
São três livros complementares: Crítica da razão pura (sobre as condições do juízos
sintéticos – a priori), a Crítica da razão pratica ( sobre o juízo moral) e a Crítica da
faculdade de julgar ( a mais misteriosa – a Crítica do gosto; é sobre as condições de
possibilidades do juízo estético).
Sobre o analista: a prática da análise tem uma finalidade distinta das outras práticas
sociais; o texto diz que não se trata de produzir um sujeito suscetível, não se trata de
curar o paciente, porque o nível de experiência é onde há uma dimensão do que não se
cura, o impossível de curar; é isso a análise. Freud usou o nome “castração”; na
medicina há cada vez mais algo que não se cura, da ordem do impossível – uma forma
do Real. Quando se distingue sintoma e fantasia, vê-se que o sintoma produz a
dimensão da terapêutica; qt às fantasias, não se trata de curá-las, estas estão no nível da
análise e é no nível da fantasia que Lacan situa o final de análise, ou seja, pela travessia
da fantasia; se fosse pelo sintoma, analistas teriam que se curar completamente para
serem como tais. Atravessar a fantasia significa não curar.
No K-S Lacan diz uma frase fundamental: “Na ética da psicanálise não se deve
ceder de seu desejo”- não significa fazer o que se quer, a qualquer momento, ao gosto
do momento, mas “ não ceder de seu desejo” tem relação com “fazer seu dever”.
“...Objeto escondido”? J-A M: A vinculação de Kant com Sade tem por finalidade
permitir que o objeto escondido na Crítica da razão prática possa aparecer através de
Sade. A característica da ética kantiana é que não há objeto, pois quando se trata de
objeto não se pode dar uma regra universal à ação humana. . E Lacan diz: “bem se trata
de um certo objeto nessa Crítica. E se pode ver qual através da fantasia sadeana”. Ness
e parágrafo, Lacan contesta o cume da moralidade no sentido habitual e o cume da
imoralidade. Foi um escândalo filosófico vincular os dois e dizer que Sade pode
manifestar a verdade que há em Kant. De um lado, o cume da moralidade filosófica, do
outro esse perverso e imundo, Sade dizendo a verdade. O cume da moralidade é a
perversão sadeana.
O desejo neurótico está longe da vontade de gozo. Quando Lacan diz: “aqui se pode
falar de desejo como vontade de gozo” – é uma forma possível do desejo perverso. È
interessante tratar da fantasia a partir da perversão, as fantasias neuróticas são perversas,
as da perversão são abertas e as vezes vemos alguns perversos tomarem o caminho pela
literatura porque essas pessoas nunca vêm à análise ( Ex: Jean Genet). É fundamental
para entender porque, nesse texto, a entrada na clínica é uma entrada cultural ou
literária.
Freud em “Bate-se numa criança”, traz seis casos, porém não são casos de perversos;
são casos de neuróticos com a mesma fantasia perversa, não sádicos, não são
masoquistas, mas neuróticos.
Há perversos que podem vir aos consultórios, alguns entrarem em análise, mas nesses
casos há traços neuróticos. E quando a relação deles com o gozar é, às vezes, perturbada
sobrevêm sintomas para eles.
A partir da Crítica da razão prática Lacan introduz a questão da perversão. Essa Crítica
é uma tentativa de um sistema de moralidade pura, uma ética mais além da experiência;
por exemplo o princípio egoísta, o princípio de que cada um deve obter seu prazer; Kant
diz que não é um princípio a priori porque o prazer de cada um é diferente. Não se
pode formular uma regra universal da ação a partir dos objetos; podemos fazê-la sem
objetos, sem referência aos bens e ao prazer; então tudo desaparece, sem podermos nos
apoiar sobre qualquer coisa do mundo para obter uma regra da ação; então nesse
momento do desaparecimento, da anulação de tudo, surge o “imperativo kantiano”
( “Devemos escutar a voz da consciência”) – a regra da ação tomada como máxima de
cada um. Lacan no texto diz que no momento em que esse sujeito já não tem frente a ele
nenhum objeto, quando encontra uma lei, a qual não outro fenômeno senão algo já
significante e que se obtém de uma voz da consciência.... daí surge a máxima, uma
frase, uma articulação de significantes que vem de uma lei da consciência. É por isso
que se trata da ética sem objeto. A tese de Lacan é que através da fantasia sadeana,
podemos saber que há também um objeto na ética kantiana, porém, um objeto que não é
o da experiência. É a partir desse objeto escondido que podemos conseguir o
desaparecimento da experiência. Que há um objeto, é o objeto a. Ele fará aparecer a
contradição com todos os objetos da experiência. É o que se dá também na experiência
da perversão. Kant disse que não há objeto absoluto; os objetos são modificáveis,
diversos. Na perversão temos a idéia de que há um objeto absoluto para um sujeito; um
sujeito que não desejar sem sapatos. O fetichismo é a demonstração disso.
Ainda sobre “Não ceder de seu desejo é uma segurança para a infelicidade, de certo
modo” - frase de Lacan - é quando ele quer dizer que é o princípio essencial da ética
analítica, e também que a felicidade não é uma promessa analítica. Lacan diz que o
analista pode vender a destituição subjetiva, mas não o desenvolvimento da
personalidade.
Por que Kant com Sade? J-A M : para se descobrir o objeto escondido de Kant é
preciso agregar Sade a Kant. Kant com Sade é isto: O objeto se vê com a ajuda de
Sade. Sade é o instrumento que permite ver o escondido de Kant. E Lacan diz: por nós
Sade é utilizado como instrumento. O estatuto de instrumento convém a Sade porque
em sua própria fantasia Sade nada mais é do que um instrumento. Com Sade tem um
sentido de instrumento para ver o escondido de Kant. . A fórmula de Kant com Sade:
primeiro há um certo acordo entre os dois e , num segundo momento, Sade completa a
Crítica da razão prática porque nos dá o objeto escondido, e assim, a verdade, o
verdadeiro dessa Crítica.
Lacan, no Seminário sobre a Angústia, diz que não é o sofrimento do outro que Sade
busca, mas sua angústia. O que significa a busca da angústia do outro? Quando se
trata da fragmentação do corpo do outro, não podemos dizer que Sade busca isso,
embora saia um braço, olhos etc, mas a busca da angústia que se faz é através de
ameaças; é muito importante para os verdugos, em Sade, dizer antes à vítima o que vai
se passar, demonstrar o que fazem com outras vítimas, e isso produz angústia. Nas
novelas de Sade tudo termina em fragmentação; as vítimas têm uma resistência enorme,
necessária em sua fantasia, para o crescimento da angústia. A operação da fantasia
sadeana se dá desde o comunicar de algo que será feito ao sujeito, obtendo que sua
angústia cia em todo o corpo. Em Kant há um infortúnio necessário da virtude moral; se
alguém se dá a regra moral, encontrará seu bem-estar.
O que há de um mesmo nas duas máximas? Em Kant há uma recusa – para fundar a
ética – de toda evidência que Kant chama de patológica. Patológica não é enfermidade;
é tudo aquilo que pertence à afetividade , sensibilidade, prazer ou desprazer; O
fundamental da ética kantiana é dizer que nenhum elemento dessa dimensão – do
patológico – dá regra geral, universalidade constante à conduta humana; o princípio do
prazer não pode funcionar como um princípio moral ou de conduta. A máxima sadean
também é fundada sobre a recusa do patológico; então Lacan diz: “...a máxima
kantiana não aparece senão para excluir , pulsão ou sentimento, tudo aquilo que pode
padecer o sujeito em seu interesse por um objeto...”; Em Sade há também uma recusa
ao patológico.
Outro motivo que leva Lacan dizer que a máxima sadeana é mais honesta que a
kantiana é pelo fato de se tratar do gozo; não se trata tanto do desejo; é uma
tempestade o momento do gozo nos personagens de Sade quando dizem: “estou
gozando”; é o cume do gozo que produz – às vezes – a morte do parceiro; a dor é um
momento do gozar do corpo do outro; trata-se de obter a dor do outro.
O que é esse outro? O valor da dor na fantasia sadeana, Lacan compara com o
estoicismo (O estoicismo é uma doutrina filosófica que propõe viver de acordo com a
lei racional da natureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é
externo ao ser; O estoicismo se opõe ao epicurismo - O epicurismo é essencialmente
hedonista. Para os estóicos, o fim supremo, o único bem do homem, não é o prazer, a
felicidade, mas a virtude; Estoicismo: Sistema filosófico, cujo fundador foi Zenão de
Cício (Chipre), filósofo grego, que aconselha a indiferença e o desprezo pelos males
físicos e morais). Imagine se a vítima sadeana fosse um estóico”. O estóico recusa a
subjetivação da dor, sua posição ética é de retirar-se do que se passa em frente do seu
próprio corpo um ponto de vista do espectador frente ao próprio corpo. Independência
do sujeito com respeito ao próprio corpo. Exemplo: Epíteto, com a perna cortada pelo
sadeano, por Sade, diz: “veja, cortou-a”, isto é, “é assim que eu sou”. O gozo sadeano é
dependente da subjetivação que se produz do outro lado, do lado da vítima. ( por isso
Lacan faz a inversão na fantasia perversa – nota minha ).
A respeito da mulher com a perversão, por que ela se coloca na condição de ser
objeto de um desejo do Outro? J-A M: Freud chama de masoquismo moral como
maneira de falar do gosto pelo sofrer, do sentimento de culpa que podemos encontrar
nos neuróticos, diferente da perversão masoquista ou da sadeana. Quando fala do
masoquismo feminino é como propensão das mulheres se colocarem em situações nas
quase devem sofrer. Lacan discorda e fala do suposto masoquismo feminino, não como
uma categoria ou estrutura clínica. Há ou não masoquismo feminino? Lacan dirá que
não, quando as mulheres aceitam o papel proposto na fantasia masculina não é
masoquismo. O suposto masoquismo feminino é mais uma aceitação (eventual) da
docilidade (eventual) da mulher de aceitar o papel preparado por ela na fantasia do
homem. Porém não é porque uma mulher chora que é masoquista, isto pode ser uma
maneira de mandar; para Lacan o sexo débil é o masculino.
Há uma nota de Lacan onde diz que as vítimas sadeanas são do mesmo tipo sempre e,
quando Sade as representa, o faz sempre paradoxalmente: a jovem mulher, das mais
lindas e às vezes não há os afetivos. De um lado a monotonia das vítimas e do outro a
diversidade, a variedade dos atormentadores.
A fantasia freudiana “Bate-se numa criança” tem uma diversidade possível da vítima,
da criança, há uma anotação de Freud de que há muitas, diversas crianças, porém uma
certa unidade dos ‘verdugos” e podemos propor como inversos o paradigma lacaniano e
o paradigma freudiano.
No texto K-S Lacan divide o esquema em dois campos, de um lado o campo do sujeito
da fantasia e do outro lado o campo do outro. Antes de esboçar o primeiro esquema,
Lacan diz: “o que apenas se obtém é que seu agente aparente se coagula na rigidez do
objeto...”e esse agente é o verdugo que se coagula nessa rigidez com vista em que sua
divisão de sujeito lhe seja retornada, devolvida a partir do Outro; essa formulação
distinta da perversão consiste na unilateralização do sujeito do lado do Outro; então, a
perversão é unilateralizar a divisão do sujeito no Outro. ; temos que ler essa questão
cada vez na estrutura significante: como se situa a relação ao Outro? Aí está a
manobra da fantasia perversa, do sujeito perverso de recusar a divisão do sujeito em si
para fazê-la surgir no Outro.
A fórmula lacaniana da fantasia nesse texto: a fantasia faz o prazer próprio para o
desejo; porém, desejo não é a melhor palavra para este lugar, é melhor dizermos a
fantasia faz prazer próprio para o gozo ou para o desejo como vontade de gozo (Miller).
Sobre o a e o discurso analítico J-A M: Não podemos dizer que o discurso analítico
tenha a mesma estrutura da fantasia da perversão porque os matemas permitem
significações diferentes. Porém é verdade que o discurso analítico é fundado sobre a
fantasia. A questão de que o analista tem o lugar do objeto a e o analisante é o sujeito,
de uma maneira cega, podemos dizer que ela é fundada sobre a estrutura da fantasia. É
esclarecedor comparar os dois. Um verdadeiro perverso, um perverso decidido não
entra em análise, porque ele já está na posição do a e ao mesmo tempo, por si
mesmo, na posição de sujeito suposto saber. O perverso considera-se como um
sujeito que sabe a verdade do gozo; considera o neurótico débil que não sabe o que
quer; há um desprezo pelas depressões neuróticas; o neurótico pode tornar-se analista
ao fim de análise porque aceita ser um instrumento do desejo do outro recusando a
fantasia. Para o perverso, ao contrário, é muito dificil a constituição do sujeito suposto
saber, pela convicção de que já sabe o que deseja; o fetichista sabe o que deseja; para
ele o desejo não é uma pergunta, já é uma resposta. A análise é possível para o
neurótico porque ele, o analisante, faz a experiência de destituição – através da
linguagem, da perda que há em todo uso livre da palavra. O analista quando funciona,
não é um sujeito; funciona mais como causa da palavra do analisante como objeto que
produz a divisão do $ no analisante; o analista lacaniano não é um perverso, é um
neurótico analisado; há alguns psicóticos, porém que podem suprir esse lugar, às
vezes com certas dificuldades.