Vous êtes sur la page 1sur 4

ISSN-e 1982 - 5471

2010, Vol. IV, nº 1, 66-69


www.fafich.ufmg.br/mosaico

Ensaio

A clínica da gestalt-terapia: experiência e criação


Mônica Botelho Alvim i

Para responder à questão colocada faz-se manipulação da diferença ou novidade


necessário estabelecer pequenos marcos para que ela possa ser assimilada: ação de
teórico-conceituais que sustentam nosso criação de novas formas, ação instituinte
método clínico. A gestalt-terapia é uma que gera crescimento. Na perspectiva da
abordagem de tradição fenomenológica, gestalt-terapia, não somos frutos de
inspirada diretamente no paradigma determinações externas ou sociais,
organísmico (Kurt Goldstein), um tampouco de determinações psíquicas,
pensamento que avança a partir da mas nos fazemos e refazemos a partir do
tradição da psicologia da gestalt. Propõe campo organismo-ambiente, imbricados
que a psicologia seja “o estudo da no mundo com as coisas e os outros,
operação da fronteira de contato no campo sendo parte de situações concretas e
organismo/ambiente” (Perls, Hefferline & sócio-históricas. É a partir dessa condição
Goodman, 1997, p.46). O organismo (e situada e intersubjetiva que criamos
não sujeito ou pessoa) é uma totalidade sentidos, significamos e ressignificamos
mente-corpo-alma imbricada no mundo. nossa existência e o mundo. A noção de
O campo organismo/ambiente é a awareness, central para a gestalt-terapia,
estrutura básica da experiência humana, indica uma concepção de consciência que
que se dá sempre no mundo e envolve não é racionalidade, mas uma espécie de
uma dimensão física ou material, outra presença, engajamento corporal no
dimensão vital ou animal e uma dimensão mundo que proporciona um tipo de
simbólica e sócio-cultural. A barra conhecimento imediato e implícito do
colocada entre organismo e ambiente campo, como define Jean-Marie Robine. A
marca a relação dialética ali estabelecida awareness envolve sensação, excitamento
sempre que nos deparamos com uma e formação de gestalten, que descrevem,
novidade ou diferença. A fronteira de respectivamente, um movimento de
contato não é fronteira física, dimensão abertura que permite ser afetado por uma
espacial, mas é demarcação temporal que novidade, um movimento na direção de
indica o momento em que se inicia o algo no campo relacionado com isso e a
processo de contato: quando há a formação de gestalten como a totalidade
experiência de encontro com a novidade expressiva desse encontro. Assim, não há
ou diferença. O contato é o processo que centro no eu, mas no campo e o modo de
envolve um desequilíbrio dado pela funcionamento da consciência-corpo não
experiência do novo e um movimento de é nem atividade nem passividade, mas um
reequilibração. O ajustamento criativo é modo médio. Formamo-nos e
como se denomina este movimento de transformamo-nos na experiência do
reequilibração entre organismo/ambiente campo organismo-ambiente, nossa
e envolve uma ação motora de existência é espontaneidade motora que

66 Mosaico: estudos em psicologia ♦ 2010 ♦ Vol. IV ♦ nº 1 ♦ p. 66-69


Mônica Botelho Alvim

cria diante da diferença. O corpo é fundo como a experiência é vivida e se expressa


de onde brota a excitação, é também ação ali, ele está mais dirigido ao como que ao
motora espontânea que cria. Assim, o por quê. Como essa pessoa fala? Como
existir no mundo é uma sequência infinita ela gesticula? Como ela sente? Como se
de ajustamentos criativos, um livre fluxo dirige a mim? E ao outro de quem fala? Os
de awareness que permite a formação e critérios são estéticos: brilho, vigor,
reconfiguração de formas. À psicologia unidade, fluidez, tonalidade. O terapeuta
interessa o modo como opera a fronteira observa isso a partir de seu próprio fluxo
de contato, ou seja, como alguém lida com de awareness, que precisa estar
o surgimento de uma diferença e sua ação desimpedido. A terapia não é analítica,
criadora correspondente para retomar o não busca estabelecer relações causais
equilíbrio e crescer. A neurose envolve entre partes, recompor o caminho da
bloqueio do contato, diminuição ou perda constituição do sofrimento, mas visa a
da capacidade de awareness, inibição do síntese, lidar com o que acontece e se
excitamento e espontaneidade motora. apresenta e como acontece agora. A
Cisão e perda da totalidade mente-corpo- teoria está colocada entre parênteses, no
mundo externo, gerando anestesia e fundo de sua experiência. Como propõe
rigidez, perda da capacidade corporal de Alfred Korzibsky: o mapa não é o
gesticular e formar formas, criar e trans- território.
formar a si e ao mundo. Essa postura admirativa e não-
A gestalt-terapia tem como dogmática, de não recorrer a elementos
principal objetivo desimpedir o fluxo e extrínsecos de decifração, como propõe o
manter um continuum de awareness, crítico de arte Mário Pedrosa, implica uma
alcançando fluidez na formação de formas. sorte de passividade, espera, fé na
Considerando a situação terapêutica como possibilidade expressiva e criadora do
um campo, o método clínico propõe outro. Exige, do terapeuta, lidar com o
“concentrar-se na estrutura da situação risco. Abdicar de seu saber-poder e lugar
concreta” e “trabalhar a unidade e a de especialista para assumir o lugar de
desunidade dessa estrutura da experiência uma inter-locução, um falar que brota
aqui e agora” (Perls, Hefferline & espontaneamente e que dá notícias de
Goodman, 1997, p.46). Isto significa dizer algo que surge naquele campo, situação.
que o foco da terapia é na experiência Admirar não significa ficar neutro diante
vivida agora (com presença) aqui (nesta da forma que se configura, mas sim,
situação, neste campo). Esta experiência diante da experiência de uma forma que
tem uma estrutura (sinônimo de forma ou se mostra sem unidade, vigor ou força,
configuração) que expressa a buscar meios de dar notícias disso
necessidade dominante naquela situação descrevendo o que acontece e visando
que envolve cliente e terapeuta. resgatar a presença e a força da forma.
A postura do terapeuta é de Quando há força, há awareness: a pessoa
engajamento na situação, buscando estar está presente na situação, ou seja, sente e
ele próprio engajado na experiência aqui- sabe (de modo implícito e sem mediação
agora do trabalho clínico, aberto para o do pensamento reflexivo) o que se passa
que se apresenta, numa postura agora. O excitamento flui de acordo com a
admirativa, não-intelectual, que se necessidade dominante resultando na
aproxima da experiência estética. formação de uma gestalt cuja figura se
Acreditando que o sentido das coisas se destaca do fundo com nitidez, vigor,
origina no âmbito de uma atualidade pré- brilho. Se não há força, um trabalho de
reflexiva, o terapeuta implica-se com seu awareness é necessário. Se alguém
corpo e sua presença na situação atual. anuncia, por exemplo: “finalmente decidi
Interessado na singularidade e no modo fazer determinada escolha A, já que

Mosaico: estudos em psicologia ♦ 2010 ♦ Vol. IV ♦ nº 1 ♦ p. 66-69 67


Ensaio – Gestalt-Terapia

considerei isso e aquilo e concluí que o transgredir os imperativos morais de


melhor a fazer é A”, e me diz isso com um determinado grupo social para escolher B;
tom de voz baixo, desanimado, com um ou essas vivências de tristeza e hesitação
fluxo de voz entrecortado, torcendo as podem estar ligadas a outro assunto que a
mãos, olhando para baixo; e eu, está afetando, mas para onde não
terapeuta, experiencio aquilo como algo consegue olhar, ainda. Enfim, as
dissonante, vou investigar o que aquela possibilidades são infinitas e não temos
forma expressa aqui-agora. Dirijo o foco hipóteses explicativas a priori para a
para aquela forma, o que pode acontecer fraqueza da forma. A tarefa da terapia é
de diversas maneiras: perguntando como estabelecer uma interlocução que vá
a pessoa está se sentido naquele momento anunciando o que se passa, como ponto
falando aquilo para mim; ou falando de de partida do trabalho de criação, de
minha própria sensação diante daquela ações instituintes. Na neurose, não há
forma (monotonia, desânimo, etc.); ou criação, mas ajustamento e repetição.
ainda descrevendo o que vejo ali Quando coloco o foco sobre uma forma
(percebo sua voz entrecortada, o tom que se repete de modo mecânico, busco
baixo...). O objetivo é o mesmo: ampliar a promover um desajustamento criador, ou
awareness, implicá-la corporalmente com seja, provocar um desajuste que exija um
o campo, onde está a origem do sentido. trabalho de criação para retomar o
Isso se faz com um trabalho de presença, equilíbrio. Se há segurança na situação, há
convidando a pessoa a voltar-se para o possibilidade de experimentar a invenção
corpo, para o(s) outro(s) a quem ela se diante da diferença com o outro
dirige e para a forma que se apresenta, (terapeuta), permitindo resgatar a fé no
resgatando a relação com a situação aqui- corpo, no sentir, e poder-ser na sua
agora. Assim espero que ela veja que sua diferença e singularidade. Denomino
ação, sua gesticulação é de desânimo e experiment-ação meu trabalho clínico que,
monotonia, indicando que a necessidade orientado pela gestalt-terapia em diálogo
dominante agora está conectada com com a fenomenologia de Merleau-Ponty,
essas vivências. Daí em diante, o objetivo objetiva resgatar a corporeidade e a
é dar voz a tais vivências para que elas se possibilidade de criar e recriar a
integrem àquele momento da experiência existência com o mundo, permitindo a
existencial da pessoa. Talvez ela haja ressignificação de si e do existir humano
escolhido A com base em algo que nesse tempo sócio-histórico,
racionalmente pensa, mas que não deseja; transgredindo e instituindo. ■
Talvez queira agradar alguém com aquela
escolha; ou talvez não tenha coragem de

Referências bibliográficas

Perls, F. S., Hefferline, R., & Goodman, P. (1997). Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus.

Recebido em:17/09/2011
Aceito em: 17/19/2011

68 ______________________________________________________________________
Mosaico: estudos em psicologia ♦ 2010 ♦ Vol. IV ♦ nº 1 ♦ p. 66-69
Mônica Botelho Alvim

Sobre a autora:

i
Mônica Botelho Alvim é Psicóloga, Especialista em psicologia clínica, Gestalt-terapeuta, Mestre
em Psicologia Social e do Trabalho e Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília
(UnB). É Professora Adjunta no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e uma das coordenadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Fenomenologia e
Clínica de Situações Contemporâneas daquele Instituto. É docente colaboradora em diversos cursos
de especialização em Gestalt-Terapia. Atua na área clínica com Gestalt-Terapia desde 1990, tendo
experiência nas áreas social e do trabalho e desenvolve, atualmente, dispositivos clínicos para
atuação de psicólogos em comunidades. Em sua linha de pesquisa articula a fenomenologia de
Maurice Merleau-Ponty, a Gestalt-terapia, a Arte Contemporânea e a Estética.
E-mail: mbalvim@gmail.com

Mosaico: estudos em psicologia ♦ 2010 ♦ Vol. IV ♦ nº 1 ♦ p. 66-69


69

Vous aimerez peut-être aussi