Módulo: Psicanálise e o Sinthoma Discente: Jeferson Carvalho
Posição infantil de Esquizo-paranóide, depressiva e os sinthomas
Além das observações e construções teóricas de Freud, bem como suas
relevantes contribuições científicas a respeito da estruturação psíquica de cada indivíduo, os vínculos estabelecidos desde a mais tenra idade de um sujeito também foram analisadas por outros pontos de vista, que ampliaram os impactos da relação da criança com seu primeiro objeto de amor e ódio: a mãe. A autora Melanie Klein, uma das psicanalistas que deu seguimento aos estudos e análises desta teoria, com maior ênfase no desenvolvimento infantil, propôs-se a tornar acessível também às crianças uma perspectiva clínica que desse conta de suas demandas de angústias. Para tanto, seria importante considerar os estabelecimentos de vínculos, especialmente os vínculos maternos, que influenciariam na sua estruturação psíquica, seus instintos primários e sua relação com o mundo exterior. Através de suas observações na clínica com crianças, Melanie Klein pôde confirmar o que Freud já havia dito sobre os impactos psíquicos e inconscientes gerados desde a infância até a vida adulta, bem como ampliou sua observação compreendendo que o Complexo de Édipo, tão crucial na estruturação psíquica do sujeito, começava antes mesmo do período que Freud havia suposto. Ela trouxe como contribuição, também, o fato de que a estruturação do superego, por exemplo, ocorre antes mesmo da segunda fase oral, que é tão marcante para a criança. Percebeu que, inicialmente, a criança já consegue desenvolver-se emocionalmente a partir do que lhe é permitido reconhecer do mundo externo que, nesse caso, é o seio da mãe. Ainda nesse primórdio, a criança não consegue fazer uma identificação geral de que esse seio é a parte de um todo, mas é a partir da supressão de seus instintos primários que, nesse caso envolvem a fome e necessidade de comer, e o prazer gerado pela amamentação e todo estímulo erógeno que envolve sua cavidade oral, que a criança começa a desenvolver suas introjeções e projeções. Nesse caso, o seio que o alimenta e lhe dá prazer para a criança é bom quando em estado de contentamento; mas, também poderá se tornar mau quando ele estiver se sentindo frustrado ou com raiva. O seio, incialmente, é objeto no qual a criança direciona suas projeções e, posteriormente, introjeta suas percepções a partir desta relação. Com isso, Melanie Klein considera esse princípio de projeção e introjeção como sendo mecanismos cruciais para os processamentos de construção de relação com o mundo externo à criança. Melanie Klein também apresentou o conceito de realidade do bebê como sendo formado a partir de sua construção subjetiva, que também é ativa. Suas fantasias contribuem para que o bebê elabore uma realidade interna e externa que o possibilite a administrar suas projeções e introjeções deste seio, ora bom, ora mau. A partir destas fantasias, o bebê pode ter seus impulsos saciados pela fantasia deste seio, através de sua própria elaboração; o que torna este um ponto crucial na clínica com crianças, considerando que a autora entende que é através das fantasias inconscientes da criança, permitindo que a mesma tenha livre expressão de suas construções psíquicas, que o analista terá acesso ao seu mundo interno. Nesse sentido, a relação entre mãe e filho ocupam um lugar primordial na clínica Kleiniana, visto que é o corpo da mãe sua fonte de prazer inicial, bem como seu primeiro elo ao mundo externo. A partir das observações clínicas desta relação, a autora desenvolveu o conceito de posição, que considera a experiência do sujeito como um sistema integrado, e não mais dividido em fases, como anteriormente. Melanie Klein apresenta, então, as posições esquizo-paranóide e depressiva, como sendo dois elementos estruturais para a concepção do sujeito. A posição esquizo-paranóide está relacionada ao desenvolvimento do eu no período dos 0 a 6 meses de idade, sendo estabelecido pela relação objetal que o bebê terá com o seio de sua mãe, às vezes amando, às vezes odiando. Os impulsos e angústias persecutórias encontram-se em constante conflito. Essa angústia persecutória diz respeito ao medo de que um terceiro destrua e invada essa relação com o seio, interrompendo a formação do self da criança. Desta forma, a criança procura identificar-se com o objeto ideal de sua fantasia, e evitar os objetos maus que procurem separá-los, através da projeção. A posição depressiva ocorre posteriormente a esta fase conflitante e ambivalente em que se encontra o bebê. Com o desenvolvimento do bebê, também é desenvolvida a construção do EU, onde sua capacidade de comunicação com o mundo exterior, que inclui outras pessoas além de sua mãe, é iniciada, e amplia seus interesses e possibilidades de gratificações, desconcentrando, desta forma, o seio da mãe como única relação objetal. Outras áreas erógenas passam a ser mais exploradas, como as de tendência uretral, anal e genital. Nessa fase, o bebê já começa a identificar a mãe como um todo, e que é independente dele. No entanto, isso não diminui a ambivalência de amá-la e odiá-la por ser a mesma que supre suas necessidades, mas que também precisa cuidar da sua própria existência. Nessa concepção depressiva, a criança agora passa a sentir culpa pelo seu posicionamento esquizo-paranóide, porque sua compreensão é de que esta posição a destruiu e causou separação. Com isso, a criança procura uma forma de reparação da relação objetal perdida. Essa transição posicional é crucial para a experiência do Complexo de Édipo, visto que na posição depressiva, a criança terá o seu EU mais fortalecido e poderá introjetar maiores experiências positivas que, nesse caso, auxiliaram a reparar os danos causados pelas projeções esquizo-paranóide anteriores. Para Freud, a estruturação psíquica do sujeito ocorre no momento em que se vive o Complexo de Édipo, de modo que a posição psíquica em que o sujeito se colocar na saída do Édipo irá influenciar em sua relação consigo e o mundo externo. Desta forma, os conteúdos recalcados ou reprimidos pelo sujeito, como direcionamento de afetos positivos ou negativos ao objeto de desejo, poderão manifestar-se para o sujeito em forma de sintomas. Os sintomas são as formas pelas quais o inconsciente procura manifestar-se ao sujeito, relacionando aspectos de suas formas de desenvolvimento com conteúdos latentes. Sintomas comunicam aquilo que pode ser insuportável de ser confrontado ou, sem que haja conhecimento consciente do indivíduo, comunicam suas angústias. Podem ser manifestados de formas diferentes entre histéricos e obsessivos, por exemplo, mas sempre carregam consigo conteúdos inconscientes de repressão e recalque. As fobias, as somatizações no corpo, as paralisias sem causas orgânicas, a fibromialgia, o posicionamento nos relacionamentos interpessoais, etc. são alguns exemplos das formas em que podem ser manifestados os sintomas. Com isso, entende-se que a forma como o sujeito, desde se sua tenra infância, tanto na perspectiva apresentada pela Melanie Klein quanto pelo Freud, é um conjunto complexo de pulsões, desejos e conteúdos que irão se desenvolver junto com o mesmo, mas numa configuração atemporal; ou seja, a forma de interação e contato com o mundo externo desde a infância, produzirão conteúdos inconscientes recalcados que serão expressos através dos atos falhos, chistes, sonhos ou sintomas. Portanto, os sintomas falam sobre o sujeito e falam de suas angústias. Na Psicanálise, são entendidos como contratos inconscientes para tranquilizar os conflitos gerados pelos conteúdos recalcados, geralmente envolvendo impulsos ou desejos sexuais. Seja qual for o posicionamento, esquizo- paranóide ou depressivo, suas manifestações revelarão do sujeito que as experimenta suas faltas e identificações com os objetos primordiais para sua estruturação – os pais. Para exemplificar esta relação, o filme espanhol “Toc Toc” (2017) apresenta a situação de 6 personagens que tem horários agendados em comum para se encontrar com um influente terapeuta. Na sala de espera, eles precisam aguardar juntos pela resolução deste encontro enquanto também interagem com seus diferentes sintomas do Transtorno Obsessivo Compulsivo que cada um manifesta. Uma das personagens que surge nesse cenário é a Lilli, que tem como sintoma obsessivo a repetição de palavras e sílabas em alto tom de voz, tendo como início deste sintoma a perda de seu pai. Apesar do filme não explorar muito o histórico de sua relação com o pai, é possível perceber que, de fato, a figura paterna exerceu uma significante impressão em sua estruturação psíquica, de modo que sua perda foi o gatilho para o desenvolvimento de novos sintomas. Para ela, o repetir as palavras evitará que algo catastrófico ou desastroso aconteça, e como seu mecanismo de defesa, precisa apresentar este sintoma. Como é identificado na Psicanálise, o sintoma carrega consigo conteúdos recalcados do sujeito que envolvem seus desejos sexuais inconscientes. Na relação com as figuras paternas, a depender do desfecho edipiano apresentado por Freud, a neurose obsessiva se apresentará também através da culpa e das articulações de pensamentos que envolvem o medo de que catástrofes aconteçam se os rituais sintomáticos não forem executados. A personagem apresenta uma postura depressiva diante de suas relações interpessoais, mas ainda assim permanece com a sustentação de seu sintoma. No desfecho do filme, encontra um parceiro para seu sintoma e assim, compartilha de uma forma mais aliviada de suas experiências obsessivas. Tal personagem pode exemplificar a importância da relação inicial com os genitores e os impactos desta relação na estruturação psíquica do sujeito, bem como a forma pelas quais os conteúdos recalcados irão se apresentar através dos sintomas. REFERÊNCIA
COSTA, Teresinha. Psicanálise com Crianças. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar,
2010.
MAIA, A.B.; MEDEIROS, C.P.; FONTES, F. O Conceito de sintoma na
Psicanálise: uma introdução. Estilos da Clínica, vol.17 no.1 São Paulo jun. 2012.