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Políticas,
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e gestão
em saúde
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE (CEBES) SAÚDE EM DEBATE
A revista Saúde em Debate é uma publicação
do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2015–2017)
NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2015–2017)
EDITORES CIENTÍFICOS | SCIENTIFIC EDITORS
Presidente: Cornelis Johannes van Stralen
Vice–Presidente: Carmen Fontes de Souza Teixeira Vera Lucia Luiza (RJ)
Diretora Administrativa: Ana Tereza da Silva Pereira Camargo Luciana Dias de Lima (RJ)
Diretora de Política Editorial: Maria Lucia Frizon Rizzotto Maria Lucia Frizon Rizzotto (PR)
Diretores Executivos: Ana Maria Costa Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato (RJ)
Isabela Soares Santos Ruben Araújo de Mattos (RJ)
Liz Duque Magno
Lucia Regina Fiorentino Souto CONSELHO EDITORIAL | PUBLISHING COUNCIL
Thiago Henrique dos Santos Silva
Alicia Stolkiner – Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina
Angel Martinez Hernaez – Universidad Rovira i Virgili, Tarragona, Espanha
CONSELHO FISCAL | FISCAL COUNCIL
Breno Augusto Souto Maior Fonte – Universidade Federal de Pernambuco,
Carlos Leonardo Figueiredo Cunha Recife (PE), Brasil
Claudimar Amaro de Andrade Rodrigues Carlos Botazzo – Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil
David Soeiro Barbosa Catalina Eibenschutz – Universidade Autónoma Metropolitana, Xochimilco, México
Luisa Regina Pessôa Cornelis Johannes van Stralen – Universidade Federal de Minas Gerais,
Maria Gabriela Monteiro Belo Horizonte (MG), Brasil
Nilton Pereira Júnior Diana Mauri – Universidade de Milão, Milão, Itália
Eduardo Luis Menéndez Spina – Centro de Investigaciones y Estudios Superiores
en Antropologia Social, Mexico (DF), México
CONSELHO CONSULTIVO | ADVISORY COUNCIL
Elias Kondilis - Queen Mary University of London, Londres, Inglaterra
Cristiane Lopes Simão Lemos Eduardo Maia Freese de Carvalho – Fundação Oswaldo Cruz, Recife (PE), Brasil
Grazielle Custódio David Hugo Spinelli – Universidad Nacional de Lanús, Lanús, Argentina
Heleno Rodrigues Corrêa Filho Jean Pierre Unger - Institut de Médicine Tropicale, Antuérpia, Bélgica
Jairnilson Silva Paim José Carlos Braga – Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP), Brasil
José Carvalho de Noronha José da Rocha Carvalheiro – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
José Ruben de Alcântara Bonfim Luiz Augusto Facchini – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas (RS), Brasil
Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato Luiz Odorico Monteiro de Andrade – Universidade Federal do Ceará,
Ligia Giovanella Fortaleza (CE), Brasil
Nelson Rodrigues dos Santos Maria Salete Bessa Jorge – Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza (CE), Brasil
Paulo Duarte de Carvalho Amarante Paulo Marchiori Buss – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Paulo Henrique de Almeida Rodrigues Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira – Universidade Federal do Pará, Belém (PA), Brasil
Roberto Passos Nogueira Rubens de Camargo Ferreira Adorno – Universidade de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil
Sarah Maria Escorel de Moraes Sonia Maria Fleury Teixeira – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Sonia Maria Fleury Teixeira Sulamis Dain – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Walter Ferreira de Oliveira – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis (SC), Brasil
SECRETARIA EXECUTIVA | EXECUTIVE SECRETARY
Cristina Santos EDITORA EXECUTIVA | EXECUTIVE EDITOR
Mariana Chastinet
INDEXAÇÃO | INDEXATION
Literatura Latino–americana e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS
História da Saúde Pública na América Latina e Caribe – HISA
Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América
Latina, el Caribe, España y Portugal – LATINDEX
Scientific Electronic Library - SciELO
Sumários de Revistas Brasileiras – SUMÁRIOS
Editorial
O direito à saúde consagrado na Constituição Federal de 1988 vem, desde o início de sua im-
plantação, confrontando-se com interesses políticos de grupos da sociedade contrários às
políticas universalistas e à presença do Estado nas políticas sociais. O resultado da presença
e força desses grupos se expressa no fato de que, ao final dos anos 1990, o sistema de saúde
brasileiro criado para ser único e regido pelo interesse público encontrava-se francamente
fragmentado e com um setor privado fortalecido e ampliado.
Ao longo dos últimos anos, o cenário não se modificou, e, desde o início de 2015, é possível
perceber alterações nos rumos das políticas públicas consolidadas no Brasil nas duas últimas
décadas. A crise instalada no País possui diferentes dimensões entre as quais sobressai uma
crise política que coloca em cheque a coalização que sustentou os governos nos últimos 12
anos. Ainda que sob os efeitos contraditórios dos dois projetos em curso – a convivência de
formas neoliberais e intervencionistas de atuação do Estado –, essa coalizão permitiu, por
meio de políticas redistributivas e aumento do salário mínimo, a redução da pobreza e das
desigualdades de renda da população.
O convívio entre esses grupos políticos e suas respectivas ideologias parece ter atingido a con-
dição de tensão extrema, e as exigências se explicitam nas mudanças que vêm sendo realizadas no
conjunto dos direitos sociais consagrados na Constituição Federal, entre os quais a saúde se destaca.
A politica econômica que prevaleceu resultante desse tenso cenário é a que favorece o
mercado financeiro com elevadas taxas de juros, ajustes fiscais e, consequentemente, encolhi-
mento dos investimentos públicos. O desemprego e o acirramento das desigualdades são refle-
xos e repercussões imediatas dessa política, que na saúde se traduzem em piora nos padrões
de mortalidade e de morbidade.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que já vem sofrendo um crônico subfinancia-
mento, a tendência é de agravamento ainda maior, e isso significa que há riscos de retrocesso
nos avanços conquistados. O melhor cenário é aquele que dificilmente incluirá os avanços
necessários à sua consolidação como sistema universal e de qualidade.
Mas qual o papel da investigação e da produção de conhecimentos da área de Políticas,
Planejamento e Gestão em Saúde (PPG) no momento atual? A trajetória da área de PPG con-
funde-se com a construção do próprio campo da saúde coletiva, descrito na literatura como
um híbrido de saberes e práticas. Essa área se diferencia pelo engajamento ético-político dos
estudos conduzidos, tendo em vista a proposição de alternativas para melhoria dos sistemas e
serviços e para a consolidação da saúde como um direito de todos os cidadãos.
Nesse momento, renovam-se as expectativas das contribuições de pesquisas desenvolvidas
em políticas, planejamento e gestão, em diferentes contextos (internacional, nacional, regio-
nal e local), para a compreensão e o enfrentamento dos problemas vividos no SUS. E é com
este espírito, de convocação ao debate, à reflexão crítica e à proposição de alternativas, que a
revista ‘Saúde em Debate’ reúne nesse suplemento importantes trabalhos da pós-graduação
acadêmica em saúde coletiva no Brasil.
Boa leitura!
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005002 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 5-6, DEZ 2015
6 EDITORIAL | EDITORIAL
Editorial
The right to health enshrined in the Federal Constitution of 1988 has, since the beginning of its
implementation, been clashing with political interests of social groups opposed to universal
policies and to the State’s presence in social policies. The result of the presence and strength
of these groups is expressed in the fact that, by the late 1990s, the Brazilian health system
created to be unified and governed by the public interest was frankly fragmented, and with a
private sector strengthened and expanded.
The scenario has not changed over the past few years and, since the beginning of 2015, we could
see changes in the direction of the public policies consolidated in Brazil over the last two decades.
The crisis installed in the country has different dimensions, among which it stands out a political
crisis that puts into question the coalition that supported the governments in the last 12 years. Albeit
under the contradictory effects of the two ongoing projects – the coexistence of neoliberal and inter-
ventionist forms of State action –, that coalition allowed, through redistributive policies and raise of
the minimum wage, the reduction of poverty and income inequalities of the population.
The conviviality among those political parties and their respective ideologies seems to have
reached the condition of extreme tension, and the demands are made explicit in the changes
that have been made in the set of social rights enshrined in the Federal Constitution, among
which health stands out.
The economic policy that prevailed as a result of that tense scenario is one that favors the financial
markets with high interest rates, fiscal adjustments and, consequently, the shrinking of public invest-
ments. Unemployment and the intensification of inequalities are reflexes and immediate repercus-
sions of that policy, which in health translates into the worsening of mortality and morbidity patterns.
In the scope of the Unified Health System (SUS), which has already been suffering a chronic
underfunding, the tendency is that there is an even further aggravation, and that means there
is the risk of a throwback in the advances achieved. The best scenario is one which will hardly
include the advances necessary for its consolidation as a universal and quality system.
But what is the role of research and the production of knowledge of the area of Policies,
Planning and Health Management (PPG) at the moment? The trajectory of PPG area overlaps
with the construction of the very field of public health, described in the literature as a hybrid
of knowledges and practices. This area is distinguished by the ethical and political engage-
ment of the studies conducted, in view of proposing alternatives to improve the systems and
services for the consolidation of health as a right of all citizens.
At this point, there are new expectations of contributions of research undertaken in policy, plan-
ning and management, in different contexts (international, national, regional, and local) for the un-
derstanding and confronting of the problems experienced in the SUS. And it is with that spirit of call
for debate, critical reflection, and proposal of alternatives that the journal ‘Saúde em Debate’ brings in
this supplement important works of the academic post-graduation in public health in Brazil.
Enjoy your reading!
Apresentação
7 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005001 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 7-10, DEZ 2015
8 APRESENTAÇÃO | PRESENTATION
em análises que englobam as relações entre Estado, sociedade, políticas e sistemas de saúde,
e as formas de organização e prestação da atenção à saúde.
Presentation
The idea of this supplement was gestated within the Post-Graduation Program in Public
Health at the Sergio Arouca National School of Public Health of the Oswaldo Cruz Foundation
(Ensp/Fiocruz). It was born from unpretentious conversations, between sips of coffee, during
which we reflected about the importance of the scientific production in the areas of Policies,
Planning, and Management in the field of public health, as well as the need to give visibility to
the production of neophytes researchers, in an attempt to freshen up knowledges, ideas, and
speeches.
The option to do it in the journal ‘Saúde em Debate’ (Health in Debate), from the Centro
Brasileiro de Estudos em Saúde – Cebes (Brazilian Center for Health Studies), came up as
both natural and well-timed, once, since its creation in 1976, the journal´s main goal has
been to foment critical thinking in health, through the dissemination of theoretical pro-
ductions articulated with the universal right to health and its correlates. We understand,
therefore, that the historic mission of the journal is intertwined with the consolidation of
public health and particularly the areas of policies, planning, and management as fields
of knowledges and practices, focusing on the health systems and services, committed to
social transformation and to the formulation of alternatives to improve the living and
health conditions of the population.
Since the earliest stages, it became clear that it was essential to perform an open call for
articles, which would allow the submission of papers from various educational and research
institutions in public health in Brazil.
Thus, this issue contains original articles, essays, and reviews derived from dissertations
and theses produced in 12 different academic post-graduate programs in the country. It in-
volves 64 authors affiliated with 32 institutions located in different management levels and
regions of Brazil and with 2 foreign ones. It is noteworthy that some authors have different
links and that many of those who were still students at the time of the study are now included
in the job market, clashing with the challenge of translating the academic reflection into best
practices in the management and production of care in health.
The papers that are here published were completed from January 2011 to March 2015, and
many of them express the dilemmas and achievements of the SUS (Unified Health System)
in the political and economic context prevailing at the time. On the one hand, the aspects
analyzed in these studies come up reversed and added of new events, such as the introduc-
tion of the zika virus and the changes in the political-institutional environment that put into
question the universal right to health in Brazil. On the other hand, this publication coincides
with the happening of the XV National Health Conference that allowed to renew reflections
and expand the political and social bases of support for the implementation of the SUS in an
adverse environment.
One hundred and forty-nine articles were received from all over Brazil, which, through
the work developed by the team of invited editors, underwent assessment (peer review),
revised by the authors and, after approval, carefully selected to integrate this special su-
pplement of the journal. The topics discussed, examined from different approaches and
methodological lenses, have a coverage that goes from the international to the national
scenario, involving aspects of both the macro and the micromanagement. The richness
and diversity of the field are illustrated in analyzes that embrace the relations between
the State, society, health policies and systems, and the forms of organization and delivery
of health care.
Adelyne Maria Mendes Pereira1, Luciana Dias de Lima2, Cristiani Vieira Machado3, José Manuel Freire4
ABSTRACT The article discusses the decentralization and regionalization of the Spanish health
system from 1980 to 2012. Considering the historical institutionalism approach, the study analy-
zed the trajectory, characteristics and conditions of these processes, in broader the context of
democratization and reform of the State. The results suggest different degrees of power between
the central and subnational governments in the political, administrative and fiscal/financial
dimension. It is concluded that the return to democracy, the regionalist pressures, the political-
1 Fundação Oswaldo territorial decentralization and the antecedent of the health system were the main factors that
Cruz (Fiocruz), Escola influenced the configuration of the health system in Spain.
Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio (EPSJV)
– Rio de Janeiro (RJ), Brasil. KEYWORDS Decentralization; Regional health planning; Health systems.
adelyne@fiocruz.br
4 Instituto
de Salud Carlos III,
Escuela Nacional de Sanidad
– Madrid, Espanha.
jmfreire@isciii.es
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005410 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 11-27, DEZ 2015
11
12 PEREIRA, A. M. M.; LIMA, L. D.; MACHADO, C. V.; FREIRE, J. M.
o governo central é responsável pela arreca- de crise econômica. Em geral, o modelo es-
dação praticamente total dos tributos e sua panhol permitiu que as CCAA ampliassem
redistribuição, sendo exceções os casos do seus gastos e suas dívidas e transferissem ao
País Vasco e Navarra (que arrecadam todos nível central o ônus político pela não execu-
os tributos e transferem ao nível central a ção de algum serviço social. Na ausência de
parcela correspondente a serviços nacionais um sistema de controle mútuo, tem-se como
prestados em seus territórios). consequência um desequilíbrio financeiro
As transferências financeiras realizadas para todo o Estado. Tal modelo também per-
pelo governo central se baseiam em critérios mitiu que o nível central se desresponsabi-
demográficos, geográficos e administrativos, lizasse pelas políticas sociais, transferindo
bem como na renda per capita e no esforço ônus (e bônus) às CCAA.
fiscal de cada CCAA. Há que se reconhecer Se por um lado o modelo de financia-
que o sistema fiscal espanhol logra um alto mento global favorece o poder e a autono-
grau de cooperação e redistribuição, carac- mia das CCAA, permitindo que efetivem a
terísticas viabilizadas pelo papel que ocupa descentralização política e administrativa;
o nível central nesse processo. Apesar da por outro, restringe a atuação do governo
concentração central na arrecadação dos central, que na ausência de incentivos finan-
tributos, as CCAA possuem ampla autono- ceiros vê ainda mais reduzida sua capacida-
mia para manejar seu orçamento e definir de de coordenar territorialmente as políticas
suas prioridades de gasto. As transferências públicas. Atualmente, a discussão em torno
se dividem em condicionadas e não condi- do financiamento autonômico se dá no
cionadas, e grande parte das condicionadas âmbito do Ministério da Fazenda, tendo
podem ser geridas livremente. como instrumento o Conselho de Política
Há outra questão interessante que con- Fiscal e Financeira, no qual não tem assento
forma uma espécie de paradoxo entre au- o Ministério da Saúde ou outro vinculado a
tonomia e responsabilidade fiscal no jogo políticas sociais. Tal Conselho possui poten-
de poder entre governos central e regionais cial como espaço de gestão compartilhada,
(BAÑON I MARTINEZ; TAMAYO, 1998). Da parte das mas até o momento se configura como um
CCAA, ao mesmo tempo em que há a reivin- fórum no qual se concretizam relações la-
dicação pela autonomia na arrecadação de terais entre cada CCAA e o Ministério da
seus tributos visando à ampliação de seus Fazenda, em um processo de negociação
recursos, há a rejeição dos custos políticos segmentada e assimétrica.
inerentes à responsabilidade pela pressão O quadro 3 apresenta algumas caracterís-
fiscal. Da parte do nível central, seria inte- ticas da descentralização do Estado espa-
ressante repassar a competência de arreca- nhol, em cada uma das dimensões estudadas.
dação para as CCAA, porque assim poderia A partir das variáveis selecionadas (quadro
responsabilizá-las por seus gastos; por outro 1), buscou-se valorar o grau de poder dos
lado, ao tomar essa medida, veria reduzido governos regionais no que diz respeito às
seu poder sobre a política econômica, o que dimensões política, administrativa e fiscal. A
não deseja. É notável um desajuste entre res- escala de valoração foi de (0) a (2), sendo: (0)
ponsabilidade fiscal e de gasto que parece para ausência de poder; (1) para poder restri-
carecer de solução, sobretudo em tempos to e (2) para amplo poder.
Escore final 2
vez que respondia aos anseios nacionalistas pelo governo central, de modo que o balanço
(fortemente reprimidos ao longo da ditadu- entre os poderes (central e regional) indica
ra) e mantinha a unidade nacional. Pode-se uma limitação da atuação central para induzir
afirmar que a descentralização política do políticas nacionais ou conduzir o fórum de ne-
Estado espanhol viabilizou a descentralização gociação interterritorial.
da política de saúde, que, por sua vez, colabo- A dimensão administrativa se mistura com a
rou para a visibilidade da nova organização política em função do processo assimétrico de
político-territorial ante a população. constituição das CCAA espanholas. Tem início
A Constituição Espanhola (1978) pode ser com a transferência da gestão de centros e redes
considerada o principal marco institucional específicas (quantitativamente pouco significa-
dos processos de descentralização do Estado tivos) em 1980 e se encerra com a finalização
e da saúde. Por um lado, definiu a descentra- da descentralização dos serviços vinculados ao
lização política, administrativa e fiscal mais Seguro Social (por meio do Instituto Nacional
geral do Estado, instituindo as CCAA; por de la Salud – Insalud) em 2002. Caracteriza-se
outro, assegurou a proteção à saúde como pela transferência de amplo poder às CCAA
direito fundamental dos cidadãos espanhóis, para realizar a gestão dos equipamentos, tra-
listou a ‘saúde e higiene’ entre as competên- balhadores e rede de serviços, em um pro-
cias que poderiam ser transferidas às CCAA cesso que destitui o nível central de qualquer
e definiu critérios para a regionalização. competência nesse sentido (salvo nas cidades
Ao lado da Constituição (1978), a Lei Geral autônomas de Ceuta e Melilla, embora haja
da Saúde (ESPAÑA, 1986) também é um marco da uma discussão que essa atribuição deveria ser
primeira grande reforma da saúde espanho- repassada à CCAA de Andalucía em função da
la, pois lançou os pilares para a estruturação proximidade territorial). Cada CCAA organi-
do Sistema Nacional de Saúde (SNS), a pro- zou (e reorganizou ao longo dos anos) o serviço
gressão da universalização e o financiamento de saúde a sua maneira, havendo diferentes
por impostos. Tal fato, somado ao Decreto de formas de gestão implementadas (algumas
Universalização da Atenção Sanitária (1989), pautadas pela Administração Direta, outras
promoveu uma ‘universalização de fato’ (quase por Organizações Públicas de Direito Privado e
de 100% ao início dos anos 1990), ainda que outras por convênios com o setor privado).
não ‘de direito’, como argumenta Freire (2005). A dimensão fiscal/financeira da descentra-
A análise da dimensão política põe em evi- lização sanitária se confunde temporalmente
dência o período de 1979 a 1994, sendo possível com a segunda reforma do SNS, tendo como
destacar ao menos dois momentos: o primeiro marco o ano de 2002. Em 1995, quando a com-
(1979 a 1985), marcado pela transferência das petência sanitária já havia sido transferida para
competências em saúde pública e autoridade sete CCAA, o gasto da Seguridade Social em
sanitária do nível central para as CCAA, após Saúde correspondia a cerca de 24% do gasto
aprovação dos seus Estatutos de Autonomia; e público em saúde; a partir de 2002, quando tal
o segundo (1981 a 1994), no qual se deu a or- transferência se concluiu, esse percentual se
ganização dos Serviços de Saúde Regionais em manteve em cerca de 7% (WHO, 2014). Em 2002,
sete CCAA. Cabe destacar que a descentrali- ocorreram as mudanças nas regras do finan-
zação política se caracteriza pela transferên- ciamento da saúde, que passou de um ‘finan-
cia do poder de decisão quanto à formulação, ciamento finalista’ para compor o orçamento
planejamento e regulação da política de saúde, geral das CCAA. Esse fato foi decisivo para a
bem como dos serviços, do nível central para conclusão do processo de descentralização
os níveis regionais (CCAA). Tal processo não administrativa. Além disso, foi promulgada
foi acompanhado pelo desenvolvimento de a Lei de Coesão e Qualidade do SNS (2003),
condições ideais de coordenação geral do SNS que trouxe, entre seus dispositivos mais
Dimensões da Grau de poder do Governo central Escore Grau de poder dos Governos regionais Escore
Descentralização
- Poder restrito na coordenação geral da 1 - Amplo poder para tomar decisões quanto 2
política de saúde. à formulação, planejamento e regulação da
Dimensão política - Poder restrito na condução do fórum de 1 política de saúde.
negociação interterritorial.
Escore final 1 Escore final 2
- Ausência de competência quanto à 0 - Amplo poder sobre a gestão e prestação 2
prestação ou gestão direta de serviços. de serviços (estrutura, equipamentos e
Dimensão administrativa Salvo nos casos de Ceuta e Mellila. trabalhadores).
Escore final 0 Escore final 2
- Poder amplo no que tange à redistribuição 2 - Amplo poder para manejar o orçamento e 2
territorial dos recursos para saúde. decidir sobre gastos em saúde (ausência de
- Ausência de poder para promover a 0 recursos vinculados).
Dimensão fiscal/financeira indução da política por meio de incentivos
financeiros.
Escore final 1 Escore final 2
Fonte: Elaboração própria.
Notas: Valoração das variáveis: 0 = sem poder; 1 = poder restrito; 2 = amplo poder. O escore final em cada dimensão é o resultado da soma dos escores de cada variável
divido pelo número de variáveis. O escore máximo em cada dimensão é 2.
farmacêutica; órtese e prótese; nutrição (es- saúde. Ainda cabe ao governo central respon-
pecial, enteral); transporte sanitário; infor- sabilizar-se pela saúde exterior e pela política
mação e documentação sanitária. de medicamentos, enquanto as províncias e
Foram previstos, legalmente, órgãos par- municípios têm um papel marginal nos rumos
ticipativos nas áreas de saúde tanto para in- do sistema de saúde. Identificam-se as seguin-
teração com a sociedade civil (Conselhos de tes estratégias de atuação das instituições e dos
Participação) quanto para integração entre atores: o governo central busca manter algum
os gestores (Conselhos de Direção e Gestão). poder no seu nível, os governos regionais
Segundo Aguilar (2001), os Conselhos de buscam ampliar suas autonomias e o Tribunal
Participação funcionam razoavelmente (com Constitucional atua como moderador.
regularidade moderada e assimétrica entre Em suma, entre os fatores político-institu-
as CCAA), mas os Conselhos de Direção e cionais que atuaram/atuam como condicio-
Gestão não funcionam, estando o poder de nantes da descentralização e da regionalização
decisão concentrado na CCAA. O Conselho da saúde na Espanha, situam-se o contexto de
Interterritorial tem dificuldades para se efeti- redemocratização e o ideal de manutenção da
var como fórum de negociação e gestão com- unidade, decisivos para a descentralização po-
partilhada, dado que é frequentemente palco lítica do Estado; os regionalismos e tendências
de disputas políticas e da expressão da lógica separatistas, que atuam como maximizadores
de maximização das autonomias (FREIRE, 2008). das autonomias regionais; a descentralização
do Estado espanhol e constituição das CCAA,
CONDICIONANTES DA DESCENTRALIZAÇÃO E fato inicial para a descentralização no âmbito da
DA REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE saúde; o ingresso da Espanha na União Europeia
e o aporte financeiro que trouxe para as CCAA
A democracia espanhola está marcada investirem na área social; a expansão do sistema
pela sucessão de partidos de esquerda e de de proteção social antes da criação do SNS, que
direita no executivo nacional, comumente condicionou a organização territorial interna às
relacionada com momentos de crise insti- CCAA; e, por último, o modelo de financiamen-
tucional, política ou financeira. As posturas to da saúde, antes e depois de 2002.
político-ideológicas desses partidos trazem Os fatores econômicos não são menos
consequências para a organização e fun- importantes, podendo-se perceber as influ-
cionamento do sistema de saúde espanhol, ências das crises dos anos 1980 (com início
atuando como condicionantes da descentra- no final da década de 1970) e de 2009 sobre
lização e da regionalização. Nuances varia- a gestão e o financiamento do SNS. A di-
das podem ser notadas entre as CCAA, uma ferença é que, na crise de 1980, estando o
vez que elas possuem ampla autonomia na governo socialista no executivo nacional,
formulação, gestão, prestação e regulação as medidas estiveram centradas na redução
da política de saúde, bem como grande au- de investimentos, com repercussão sobre a
tonomia para decidir sobre seu orçamento fila de espera. No âmbito da crise de 2009,
e os gastos em saúde. Esse fato faz com que e sobretudo a partir de 2012 com um execu-
a presença de governos de direita ou de es- tivo nacional de direita, as medidas têm sido
querda nos governos regionais seja também de abertura do sistema público ao capital
um condicionante para o sistema de saúde. privado por meio de medidas privatizado-
Cabe ao nível central exercer a coordenação ras e de restrição do acesso (imposição de
nacional e atuar no sentido de reduzir essas di- limites ao caráter universal do sistema e ins-
ferenças, papel que tem dificuldade de execu- tituição de copagamentos).
tar diante das características e condicionantes A partir da matriz de análise proposta para
do processo de descentralização do Estado e da este estudo, o quadro 5 apresenta a trajetória,
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tralização e desenvolvimento: Brasil e Espanha. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 267-302.
Recebido para publicação em maio de 2015
Versão final em outubro de 2015
Conflito de interesses: inexistente
ROCHA, C. V. Significados e tendências do federa-
Suporte financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
lismo e das relações intergovernamentais no Brasil de Nível Superior (Capes). Programa de Doutorado no País com
estágio no exterior (PDSE). Processo BEX: 18719/12-0. E Conselho
e na Espanha. In.: HOCHMAN, G.; FARIA, C. A.
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
P. Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2013. p. 29-64.
RESUMO Regiões e Redes de Atenção à Saúde são estratégias recentes da política de saúde
brasileira. Questiona-se: quais concepções de região e redes de saúde informam a política,
como se combinam, em que momentos e com quais objetivos? Analisaram-se as perspectivas
de região e redes adotadas na política de saúde, no período de 2001 a 2011. Utilizou-se o refe-
rencial da geografia humana (geografia crítica) e da análise de políticas públicas (institucio-
nalismo histórico), pesquisa bibliográfica, documental e dados secundários. Identificaram-se
três fases de indução descompassada dessas estratégias, orientadas por distintas concepções
teóricas e políticas e interesses nacionais e internacionais.
ABSTRACT Regions and health care networks are strategies recently adopted in the Brazilian
health policy. Leading questions: what conceptions of region and health networks inform the
policy, how are they combined, at what times and with what objectives? The aim of this study is to
analyze the prospects for the region and networks adopted in health policy in the period of 2001-
2011. We used the reference of human geography (critical geography) and public policies analysis
(historical institutionalism), bibliographic research, documentary research and secondary data.
Were defined three induction phases apart from these strategies, guided by different theoretical
and political views and national and international interests.
KEYWORDS Regional health planning; Health policy; Unified Health System; Health planning;
Delivery of health care.
1 Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Escola
Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca
(Ensp), Departamento
de Administração e
Planejamento em Saúde
(Daps) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
mariana.albuquerque@ensp.
fiocruz.br
2 Universidade de São
Paulo (USP), Faculdade de
Medicina, Departamento
de Medicina Preventiva –
São Paulo (SP), Brasil.
analuizaviana@usp.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL
, P. 28-38, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005390
28
Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira 29
médicos eram ordenados em redes, com sob forte comando do setor privado, a des-
centros de saúde primários, secundários e peito do processo de regionalização (IBAÑEZ
hospitais de ensino e a abrangência regional ET AL., 2009; SCATENA ET AL., 2014).
de acesso a eles. Para garantia de acesso ao A noção de redes hierarquizadas e regiona-
cuidado integral, a regionalização deveria lizadas foi perdendo espaço para outra pers-
ser baseada em territórios de grande porte pectiva, das RAS. A noção de redes de atenção
populacional, com autossuficiência em recur- que passou a informar a política de saúde
sos de saúde em todos os níveis de atenção, brasileira tem origem no conceito de siste-
subdivididos em distritos, sub-regiões ou mas integrados de saúde, desenvolvido para o
microrregiões. Tratava-se de uma divisão mercado privado americano e adaptado para
técnica, gerencial e territorial do trabalho no as políticas públicas e sistemas universais de
setor saúde, que relacionava hierarquia dos saúde (MENDES, 2010; KUSCHNIR; CHORNY, 2010).
serviços (especialidade do tratamento; varie- Na década de 1990, houve um esforço
dade de equipamentos e profissionais), com por parte da Organização Mundial da Saúde
hierarquia urbana (porte populacional; equi- (OMS) para a formulação de um conceito so-
pamentos e serviços; função rural ou urbana) fisticado de rede de saúde, baseado em siste-
e redes de transporte e comunicação, criando mas integrados, capaz de embasar e alinhar o
uma organização regional de um sistema de planejamento de sistemas universais de saúde
saúde, conforme a complexidade e a comple- em tempos de globalização, relacionado à
mentaridade dos serviços oferecidos. A rede difusão dos ideais da nova gestão pública, de
regionalizada e hierarquizada estaria sob o boa governança e da reforma desses sistemas
comando da autoridade única de saúde regio- (MENDES, 2014), também à proposição de um
nal, de cunho administrativo. ‘novo universalismo’ (WHO, 2000).
Alguns dos conceitos foram incorporados Os modelos de gestão de sistemas integra-
na política brasileira, tais como: critérios de dos de saúde foram introduzidos em países da
delimitação regional baseado na oferta, fluxo Europa e no Canadá, no contexto das refor-
e hierarquia assistencial e nas necessidades mas dos sistemas de saúde, nos anos 90. Na
de saúde de uma comunidade; a eficiência mesma época, esses modelos começaram a
de escala; a coordenação das referências de ser adaptados na América Latina e, nos anos
acesso entre os níveis e/ou regiões. Contudo, 2000, difundiram-se em alguns países, entre
a criação da autoridade de saúde única na eles o Brasil (WHO, 2000; OPAS, 2010). Experiências
região, instrumento fundamental da propos- latino-americanas tomam como principal
ta, não se aplicou ao caso brasileiro, dado o exemplo o sistema integrado de saúde da
modelo federativo de corte municipalista, Catalunha, Espanha (OPAS, 2010). Desde então, a
cujo processo de descentralização dificulta a OMS tem conseguido criar um consenso in-
constituição desse tipo de autoridade. ternacional em torno da necessidade de con-
Essa questão representou uma impor- formação das redes e sistemas integrados de
tante limitação para a indução e institucio- saúde nos sistemas nacionais.
nalização da regionalização do SUS. Outras No Brasil, o conceito adaptado por Mendes
três questões também precisavam ser mais (2010, P. 2300) tem forte influência na política na-
bem compreendidas e definidas dentro do cional. Segundo o autor, as RAS são “organiza-
planejamento regional do SUS: (I) o con- ções poliárquicas de conjuntos de serviços de
ceito de rede de saúde (MENDES, 2010); (II) a saúde [...] coordenadas pela atenção primária
consideração das desigualdades socioes- à saúde”. Os elementos constituintes das redes
paciais; (III) e as relações estabelecidas são: a população pela qual a rede se responsa-
entre Estado e mercado na configuração de biliza; a estrutura operacional e o modelo de
redes assistenciais com lógicas próprias, atenção. As redes se integram por linhas de
cuidado, que servem como diretrizes para a a ideia de região de saúde é atualizada pelo
estratégia de articulação e gerenciamento das viés sanitário assistencial, mas, dissociado
unidades e dos atendimentos na rede. da perspectiva estritamente estatal e pública
A noção de integralidade aparece relacio- de prestação de serviços e de planejamento
nada às redes, sugerindo dupla leitura: redes político-administrativo. Admite-se a partici-
como estrutura organizacional de produção de pação e o protagonismo de outros agentes e
serviços e redes como dinâmica de atores e or- instituições do mercado e da sociedade na ne-
ganizações em permanente negociação (HARTZ; gociação e conformação das redes de saúde.
CONTANDRIOPOULOS, 2004). Do ponto de vista da co- Nesse sentido, as redes podem reconfigurar
ordenação política, as RAS seriam uma expres- os desenhos regionais com maior frequência,
são de interesses negociados por diversos atores pois resultam da interdependência entre fixos
e instituições, que se organizam como rede com e fluxos materiais e imateriais hierarquizados
objetivos claros (FLEURY; OUVERNEY, 2007). Para outros e comandados por organizações e agentes es-
autores, essas redes dependem da gestão inter- tatais e não estatais que podem operar serviços
governamental nas diversas escalas do exercício localizados dentro e fora da região, do estado
do poder (territoriais e regionais) e espaços co- e do País. O mesmo vale para a participação
legiados do SUS, conformando redes assisten- da sociedade e dos profissionais de saúde,
ciais interfederativas (SANTOS; ANDRADE, 2011). considerando que fluxos assistenciais e fluxos
Entre as principais diferenças da propos- no mercado de trabalho nem sempre cabem
ta de redes forjada no sistema americano e dentro do recorte regional instituído.
aquelas para países com sistemas universais Quando se analisam as diretrizes nacio-
de saúde está a regionalização, que implica nais de regionalização e redes de atenção
universalidade e diminuição das desigual- no SUS, identificam-se descompassos na
dades (KUSCHNIR; CHORNY, 2010). Nos Estados adoção destas estratégias, muito em função
Unidos, as redes buscam regular um sistema das distintas perspectivas adotadas.
competitivo, fragmentado e custoso, em que a
regionalização pelas redes visa compartilhar Três fases da indução da
riscos financeiros e criar mecanismos rígidos regionalização e das redes de saúde
de controle do acesso aos serviços (SILVA, 2011). na política brasileira
No Brasil, regiões e redes de saúde são orga-
nizadas pelo Estado e pelo mercado. Enquanto No âmbito da política nacional de saúde, os pro-
as redes enfatizam o caráter gerencial e logís- cessos de descentralização, regionalização e or-
tico dos sistemas de saúde (modelos de gestão, ganização de redes assistenciais não estiveram
integração econômica vertical e horizontal, associados desde o início da implantação do
regulação, continuidade do cuidado, economia SUS. Apenas nos anos 2000, a indução da regio-
de escala e escopo, coordenação técnica e go- nalização e da conformação de redes de saúde
vernança clínica), a região tem uma perspectiva entrou na agenda, podendo ser caracterizada
mais ampla do planejamento, sendo um espaço em três fases: fase I (2001-2005): região norma-
de negociação, coordenação e regulação técnica tiva com redes regionalizadas e hierarquizadas
e política da saúde. A região abriga diversida- de serviços de saúde; fase II (2006-2010): região
des e desigualdades socioespaciais e envolve a negociada com redes regionalizadas e integra-
negociação entre agentes e instituições, com das de atenção à saúde; fase III (2011-atual):
interesses e demandas distintos e conflituosos. região negociada e contratualizada com as RAS.
Nesse sentido, o planejamento regional serve Essas fases se distinguem pelas concepções
para enfatizar o caráter público e universal do de região e redes que influenciaram a política
direito à saúde, reforçando o papel do Estado. de saúde brasileira e segundo as normas que
Através do conceito de redes de atenção, definem os conceitos de regionalização e redes,
Quadro 1. Região e rede na política de saúde brasileira: diferentes fases da indução pelas normas (2001-2011)
REDES
REDES O objetivo das RAS é promover a integração
REDES Regulação dos fluxos assistenciais sistêmica, de ações e serviços de saúde com
Regulação dos fluxos assistenciais intermunicipais e integração das ações e provisão de atenção contínua, integral, de qualidade,
intermunicipais serviços no espaço regional. responsável e humanizada, bem como incrementar
o desempenho do Sistema, em termos de acesso,
equidade, eficácia clínica e sanitária; e eficiência
econômica.
Quadro 1. (cont.)
REGIÃO REGIÃO REGIÃO
Características demográficas, Identidades culturais, econômicas e Identidades culturais, econômicas e sociais,
socioeconômicas, geográficas, sociais, características epidemiológicas, características epidemiológicas, e redes de
sanitárias, epidemiológicas, ofertade existência de redes nas áreas de comunicação e transportes compartilhadas.
serviços, relaçõesentre municípios, comunicação, infraestrutura, transportes Deve conter, no mínimo, ações e serviços de:
entre outras. O conjunto mínimo de e saúde. Deve estar garantido o APS; UE; atenção psicossocial; atenção ambulatorial
serviços de média complexidade desenvolvimento da AB da assistência e especializada e hospitalar; e Vigilância em Saúde
compreende as atividades parte da MC, assim como as ações básicas (VS). Critérios de acessibilidade e escala.
ambulatoriais de apoio diagnóstico e de Vigilância em Saúde (VS). Considera
Critérios para terapêutico e de internação hospitalar. as demandas da população. Cooperação
conformação intergovernamental.
REDES
REDES Amplo conhecimento das necessidades,
REDES Fluxos assistenciais intermunicipais e preferências e grau de risco de uma dada população,
Fluxos assistenciais intermunicipais, interestaduais, hierarquizados segundo identificação da área geográfica e a população sob-
hierarquizados segundo complexidade complexidade dos serviços, regulados responsabilidade das redes e rol de ações e serviços
dos serviços, regulados dentro das dentro das regiões de saúde. O modelo de ofertados (pontos de e níveis de atenção primária,
regiões de saúde. atenção básica à saúde deve ser o centro secundária e terciária, sistemas de apoio e logístico),
ordenador das redes. acessibilidade e escala para a conformação dos
serviços. Linhas de cuidado.
REGIÃO REGIÃO REGIÃO
Macrorregiões; regiões e/ou As regiões de saúde podem assumir As regiões de saúde podem assumir diferentes
microrregiões de saúde; módulos diferentesdesenhos, intraestaduais e desenhos, intraestaduais e interestaduais, desde que
assistenciais. interestaduais. ‘Regionalização viva’. garantam a oferta do rol mínimo de ações e serviços
de saúde (critérios de regionalização; referência:
Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde
- Renases e Relação Nacional de Medicamentos
Desenhos
Essenciais - Rename). Não mais existindo diferentes
regionais
escalas (macro e micro) de regionalização.
REDES
REDES REDES Abrangência da base populacional sob-
Redes estaduais regionalizadas Redes estaduais regionalizadas. responsabilidade das RAS, acessibilidade e escala.
segundo macrorregiões. RAS podem abranger uma ou mais regiões de
saúde.
REGIÃO REGIÃO REGIÃO
Habilitações Termos de compromisso de gestão Coap
Programação Pactuada e Integrada PPI, PDR, PDI Planos de saúde contendo metas de saúde
(PPI) Indicadores de monitoramento (planejamento integrado dos entes)
Plano Diretor de regionalização (PDR) Complexos reguladores Mapa de Saúde (federal, estadual e regional)
Plano Diretor de Investimentos (PDI) Financiamento por blocos (Atenção Básica, Renases
Centrais de regulação Atenção de Média e Alta Complexidade, Rename
Financiamento por elenco de Vigilância em Saúde, Assistência RAS
procedimentos (níveis de atenção, tipo Farmacêutica e Gestão do SUS) Índice de Desempenho do SUS (IDSUS)
de serviços, programas e funções) e Normas internacionais (regiões de Sistema logístico das redes (transporte sanitário e
transferências per capita fronteira) regulação)
Instrumentos
Financiamento por blocos e por componentes das
de
RAS
planejamento
Normas internacionais (regiões de fronteira)
REDES REDES
REDES PPI, centrais de regulação e contratos de Portarias das redes temáticas de atenção à
PPI e centrais de regulação gestão saúde, diretrizes clínicas, linhas de cuidado,
modelo de atenção, auditoria clínica, lista de
espera, contratos de gestão, sistema logístico de
informação, complexos reguladores, financiamento
tripartite e transporte sanitário, critérios/índice
de necessidades de saúde envolvendo variáveis
demográficas, epidemiológicas e sanitárias
Quadro 1. (cont.)
REGIÃO REGIÃO REGIÃO
Secretarias Estaduais de Saúde Secretarias Estaduais de Saúde Secretarias Estaduais de Saúde
Comissão Intergestores Bipartite (CIB) Secretarias Municipais de Saúde Secretarias Municipais de Saúde
Colegiados de Gestão Regional CIT (no caso de regiões nas áreas de fronteira
CIB internacional; na discussão das diretrizes de
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) regionalização)
(no caso de regiões nas áreas de fronteira CIB
Responsáveis internacional) Comissão Intergestores Regional (CIR)
A primeira fase, que teve início com a Noas pautada por diretrizes organizativas, desta-
(2001/02), dialoga com a proposta de Dawson cando as referentes aos Serviços de Urgência
das redes assistenciais regionalizadas e hie- e Emergência. Contudo, a questão mais im-
rarquizadas, dentro da lógica de um sistema portante é o uso do termo rede de cooperação
de saúde funcional e resolutivo. O grande ob- entre os três entes federados ante a necessida-
jetivo da regionalização era ampliar o acesso de de maior coordenação e cooperação inter-
ao SUS, retomando sua coerência sistêmica, governamental na gestão do SUS. São criados
organizando fluxos intermunicipais pouco os Colegiados de Gestão Regionais (CGR),
regulados, integrados e negociados, promo- posteriormente denominados Comissões
vendo o papel dos estados no planejamento Intergestores Regionais (CIR), e flexibilizados
e coordenação das redes intermunicipais. os critérios para a conformação das regiões
Contudo, não foi elaborado um conceito espe- de saúde, dando oportunidade para recortes
cífico para as redes assistenciais que pudesse mais variados e adequados às realidades locais.
subsidiar o planejamento e as negociações, Tratou-se de um processo de regionalização
apenas portarias com diretrizes organizativas baseado na negociação, envolvendo todos os
para redes estaduais. As regras da regionali- gestores, em um contexto territorial complexo
zação, quando confrontadas com a realidade (divisão tripartite do poder e diversidade de
diversa e desigual do território brasileiro, situações sanitárias existentes). Contudo, os
foram consideradas rígidas e pouco efetivas, instrumentos de planejamento continuaram
caracterizando regiões normativas (BRASIL, os mesmos da fase anterior, limitando a nego-
2004). A exemplo da dificuldade de implanta- ciação e a coordenação política.
ção das Programações Pactuadas Integradas. Nessa fase, as regionalizações se diferen-
A segunda fase, que se iniciou com o Pacto ciaram muito quanto à institucionalidade, go-
pela Saúde (2006), representa uma transição vernança e objetivos propostos no âmbito dos
das concepções de região e redes na política de estados e associaram-se, em grande medida,
saúde nacional. O uso de diversas nomencla- aos objetivos de redução das desigualdades
turas para redes, com menção às RAS, aponta regionais, amparados pela expansão dos in-
a influência da proposta da OMS de sistemas vestimentos públicos federal e estadual (VIANA;
integrados de saúde na política brasileira. As LIMA, 2011). Os consórcios intermunicipais e
redes são compreendidas como integradas a regionalização negociada se combinaram
e regionalizadas, sem um conceito definido, de maneira a respeitar o desenho de alguns
É limitada a concepção de região de saúde seja forma da ação coletiva, permeada por atores
como resultante de dinâmicas constituídas públicos e privados organizados em redes
apenas em sua escala espacial, seja como ferra- de atenção. Potencializar a negociação, a
menta exclusiva à ação dos atores estatais. regulação e a coordenação de um sistema
Modelos de organização territorial do de saúde implica redefinir os papéis dos
sistema de saúde e suas combinações, em agentes operadores do sistema e da política,
constante disputa no âmbito da federação, em um ambiente de autonomia e participa-
são condicionados por dinâmicas espaciais ção, por meio de novas tecnologias de coo-
e relações entre Estado, mercado e socieda- peração que atravessam técnicas de gestão
de na condução da política e das redes de e organizativas dos fatores de produção em
saúde. Há mudanças tanto no modo como saúde, capazes de melhorar a eficiência dos
se realiza a política (multinível) quanto na investimentos e a eficácia dos serviços. s
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VARGAS, I. et al. Regional-based integrated healthcare Recebido para publicação em maio de 2015
Versão final em setembro de 2015
network policy in Brazil: from formulation to practice.
Conflito de interesses: inexistente
Health Policy Plan, Oxford, v. 30, n. 6, jun. 2014. Suporte financeiro: não houve
RESUMO Com o objetivo de caracterizar a rede hospitalar brasileira quanto ao grau de compar-
tilhamento SUS e planos de saúde, o artigo aborda a diversificação de fontes de financiamento,
discutindo o tema no contexto do sistema de saúde caracterizado pelo mix público-privado
desde a prestação de serviços até o pagamento e a gestão. Observou-se que a maioria dos hos-
pitais era privado e atendia SUS e planos, com menor disponibilidade de leitos de alta com-
plexidade no SUS. Não se identificou proporcionalidade entre oferta de leitos e cobertura da
população por planos nem complementariedade SUS e planos. Os achados ajudam a delinear
a oferta e os riscos à equidade no acesso, uso e qualidade do cuidado.
ABSTRACT This paper seeks to characterize the Brazilian hospital network and its degree of
sharing between the National Health System (SUS) and private health insurance. It explores
the funding sources diversification and the overlapping of services, payments and management
1 Agência Nacional de related to the public-private mix. Most hospitals were private and took both SUS and private
Saúde Suplementar insurance. The availability of SUS beds was lower than that of private beds. The supply of private
(ANS), Diretoria de
Desenvolvimento Setorial – beds was not proportional to the population covered by private insurance, and it was not com-
Rio de Janeiro (RJ), Brasil. plementary to the SUS beds. The findings highlight the risk to equity of access, completeness and
juliana.pm@gmail.com
quality of the care provided.
2 Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Escola
Nacional de Saúde KEYWORDS Health services coverage; Health systems; Hospital administration; Equity in
Pública Sergio Arouca Health; Hospitalization.
(Ensp), Departamento
de Administração e
Planejamento em Saúde
(Daps) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
martins@ensp.fiocruz.br
3 Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Escola
Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca
(Ensp), Departamento de
Epidemiologia e Métodos
Quantitativos em Saúde
(DEMQS) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
iuri@fiocruz.br
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005245 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL
, P. 39-50, DEZ 2015
39
40 MACHADO, J. P.; MARTINS, M.; LEITE, I. C.
Tabela 1. Hospitais, leitos e internações segundo arranjos de financiamento – Brasil, 2008 a 2010
Natureza Jurídica / Planos e Particular Somente SUS SUS, Planos e Particular Total
Fonte de Pagamento (n) (%) (n) (%) (n) (%) (n) (%)
Hospitais 1.383 19,3 2.442 34,1 3.336 46,6 7.161 100,0
Público 39 1,3 2.217 76,3 649 22,3 2.905 100,0
Privado Sem Fins Lucrativos 72 4,1 144 8,1 1.557 87,8 1.773 100,0
Privado Com Fins Lucrativos 1.272 51,2 81 3,3 1.130 45,5 2.483 100,0
Leitos Existentes 70.277 14,1 112.947 22,6 315.970 63,3 499.194 100,0
Público 2.639 1,5 99.988 55,3 78.339 43,3 180.966 100,0
Privado Sem Fins Lucrativos 7.739 4,5 7.102 4,1 156.601 91,3 171.442 100,0
Privado Com Fins Lucrativos 59.899 40,8 5.857 4,0 81.030 55,2 146.786 100,0
Leitos SUS 92 0,0 110.519 31,1 244.618 68,9 355.229 100,0
Público 10 0,0 98.436 56,8 74.861 43,2 173.307 100,0
Privado Sem Fins Lucrativos 82 0,1 6.752 5,5 116.774 94,5 123.608 100,0
Privado Com Fins Lucrativos 0 0,0 5.331 9,1 52.983 90,9 58.314 100,0
Leitos Não SUS 70.185 48,8 2.428 1,7 71.352 49,6 143.965 100,0
Público 2.629 34,3 1.552 20,3 3.478 45,4 7.659 100,0
Privado Sem Fins Lucrativos 7.657 16,0 350 0,7 39.827 83,3 47.834 100,0
Privado Com Fins Lucrativos 59.899 67,7 526 0,6 28.047 31,7 88.472 100,0
Internações 2008-2010 2.844.519 7,3 8.599.358 22,1 27.463.940 70,6 38.907.817 100,0
SUS 0 0,0 8.599.358 26,3 24.120.116 73,7 32.719.474 100,0
Não SUS 2.844.519 46,0 0 0,0 3.343.824 54,0 6.188.343 100,0
Fonte: Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Registro de Planos de Saúde (RPS), Sistema de Informações Hospitalares do SUS
(SIH) e Comunicação de Internação Hospitalar (CIH).
Gráfico 1. Hospitais segundo o número de leitos por arranjos de financiamento – Brasil, 2008 a 2010.
3.2
3.6
100%
10.9
6.9
10.5
7.0
90%
2.5
13.4
6.1
80%
19.3
5.5
70%
7.4
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Planos
e
par7cular
Somente
SUS
SUS,
planos
e
Total
par7cular
Tabela 2. Hospitais por arranjo de financiamento e disponibilidade de leitos SUS e não SUS segundo região e UF – Brasil, 2008 a 2010
Regiões e Estados Estabelecimentos por Arranjos Leitos Leitos por mil hab.
Total Planos e Somente SUS, Planos e Total SUS Não SUS (1) Total SUS (2) Não SUS (3)
Particular SUS Particular
Brasil 7.161 1.383 2.442 3.336 499.194 355.229 143.965 2,6 2,4 3,4
Região Norte 634 118 328 188 34.333 26.228 8.105 2,2 1,9 5,7
Rondônia 104 36 54 14 4.319 3.232 1.087 2,9 2,4 8,5
Acre 31 3 16 12 1.549 1.403 146 2,2 2,2 3,4
Amazonas 117 18 69 30 7.064 5.775 1.289 2,1 1,9 3,2
Roraima 17 2 6 9 846 795 51 2,0 2,0 2,0
Pará 279 43 131 105 16.658 11.675 4.983 2,2 1,7 7,3
Amapá 24 7 11 6 1.264 1.056 208 2,0 1,9 3,3
Tocantins 62 9 41 12 2.633 2.292 341 2,0 1,9 5,0
Região Nordeste 2.299 255 1.299 745 126.480 104.421 22.059 2,4 2,2 4,1
Maranhão 267 26 188 53 14.609 12.893 1.716 2,3 2,1 5,7
Piauí 210 15 113 82 8.427 7.321 1.106 2,7 2,5 5,5
Ceará 324 46 141 137 19.960 15.475 4.485 2,3 2,0 4,8
Rio Grande do Norte 200 9 136 55 8.030 6.745 1.285 2,6 2,5 2,8
Paraíba 203 17 111 75 10.773 9.060 1.713 2,9 2,6 5,3
Pernambuco 351 50 195 106 23.719 18.824 4.895 2,7 2,5 3,9
Alagoas 98 8 53 37 6.565 5.571 994 2,1 1,9 3,4
Sergipe 60 7 34 19 4.015 3.143 872 2,0 1,8 3,8
Bahia 586 77 328 181 30.382 25.389 4.993 2,1 1,9 3,6
Região Sudeste 2.319 687 443 1.189 217.390 139.733 77.657 2,7 2,6 2,8
Minas Gerais 666 102 102 462 47.116 34.463 12.653 2,4 2,2 2,9
Espírito Santo 122 32 23 67 8.710 6.202 2.508 2,5 2,5 2,4
Rio de Janeiro 567 250 142 175 54.047 32.605 21.442 3,4 3,1 4,0
São Paulo 964 303 176 485 107.517 66.463 41.054 2,6 2,7 2,5
Região Sul 1.110 130 124 856 80.896 57.686 23.210 2,9 2,7 3,9
Paraná 515 67 102 346 30.822 22.288 8.534 2,9 2,6 3,8
Santa Catarina 227 33 7 187 16.160 11.942 4.218 2,6 2,5 3,0
Rio Grande do Sul 368 30 15 323 33.914 23.456 10.458 3,1 2,7 4,5
Região Centro Oeste 799 193 248 358 40.095 27.161 12.934 2,9 2,3 6,3
Mato Grosso do Sul 128 30 30 68 6.220 4.199 2.021 2,6 2,1 5,5
Mato Grosso 170 38 45 87 7.744 5.445 2.299 2,6 2,0 7,0
Goiás 432 91 164 177 18.584 12.504 6.080 3,1 2,4 8,4
Distrito Federal 69 34 9 26 7.547 5.013 2.534 2,9 2,6 3,9
Fonte: Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Sistema de Informações de Beneficiários de Planos de Saúde (SIB) e Datasus.
Notas: (1) Calculado a partir da diferença entre total de leitos existentes e leitos SUS;
(2) Calculado utilizando-se a diferença entre a população e o número de beneficiários de planos privados de saúde;
(3) Calculado utilizando-se o número de beneficiários de planos privados de saúde.
em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio variabilidade regional na oferta dos leitos
Grande do Sul. Nos estados das regiões Sul para pacientes do SUS em relação aos benefi-
e Sudeste, observou-se uma forte concen- ciários de planos de saúde: enquanto a razão
tração de hospitais conveniados a planos de de leitos entre usuários do SUS variou de 1,7
saúde (arranjos ‘Planos e particular’ e ‘SUS, (no Pará) a 3,1 (no Rio de Janeiro), entre bene-
planos e particular’) (tabela 2). ficiários de planos de saúde esta razão variou
A razão entre número de leitos e população de 2,0 (em Roraima) a 8,5 (em Rondônia). As
mostrou que havia 2,6 leitos para cada mil ha- maiores diferenças na oferta de leitos SUS e
bitantes no Brasil. O estado do Rio de Janeiro não SUS foram observadas nos estados de
apresentou a maior razão de leitos (3,4 por mil Mato Grosso, Pará, Goiás e Rondônia, onde os
habitantes), seguido por Goiás, Rio Grande leitos por beneficiários de planos superavam
do Sul, Distrito Federal, Rondônia, Paraná e em mais de três vezes os leitos por usuários
Paraíba, cujas razões foram maiores do que a do SUS. Vale ressaltar que, apenas nos estados
razão nacional. Por outro lado, os estados de de São Paulo e Espírito Santo, a disponibilida-
Tocantins, Amapá, Roraima e Sergipe apre- de de leitos SUS foi maior do que a de leitos
sentaram as menores razões de leitos, 2,0 por não SUS (tabela 2).
mil habitantes (tabela 2). A relação entre cobertura por planos pri-
A oferta de leitos foi maior para a popula- vados de saúde e oferta de leitos não SUS não
ção beneficiaria de planos de saúde (3,4 leitos apresentou proporcionalidade. Os estados
por mil beneficiários de planos privados da região Sudeste, além do Distrito Federal
de saúde) quando comparada à população e Santa Catarina, destacaram-se pela maior
usuária exclusivamente do SUS (2,4 leitos cobertura da população por planos, sem
por mil usuários). No entanto, houve menor maior disponibilidade de leitos (gráfico 2).
Gráfico 2. Leitos não SUS por mil beneficiários de planos de saúde e cobertura da população por planos de saúde - estados do Brasil, 2008 a 2010
45.0
40.0
35.0
30.0
25.0
20.0
15.0
10.0
5.0
0.0
Maranhão
Tocantins
Roraima
Acre
Rondônia
Paraíba
Alagoas
Bahia
Ceará
Mato Grosso
Sergipe
Amazonas
Goiás
Pernambuco
Rio Grande do Norte
Paraná
Minas Gerais
Santa Catarina
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Mato Grosso do Sul
Pará
Amapá
Distrito Federal
Fonte: Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Registro de Planos de Saúde (RPS) e Sistema de Informações de Beneficiários de
Planos de Saúde (SIB).
Os 24.475 leitos de UTI existentes encon- UTI para a população usuária exclusiva do
travam-se localizados em apenas 1.205 hospi- SUS superava aquela para a população não
tais do País, dos quais a maioria (72,9%) tinha usuária exclusiva SUS. O gráfico 3 consolida
arranjo ‘SUS, planos e particular’. Dos hos- as informações sobre leitos de UTI por região
pitais com UTI, 46% (559 hospitais) encon- e arranjo de financiamento. A região Sudeste
travam-se na região Sudeste, principalmente apresentou as menores discrepâncias entre
no estado de São Paulo. Em todos os estados leitos de UTI disponíveis para as duas popu-
brasileiros, a disponibilidade de leitos de UTI lações. O Brasil alcançou, na média, o mínimo
foi maior para a população usuária de planos de leitos de UTI estimados pelo Ministério da
de saúde do que para aquela usuária exclu- Saúde (4% do total de leitos existentes). No
siva do SUS. A única exceção foi o estado de entanto, as regiões Norte e Nordeste não atin-
São Paulo, onde a disponibilidade de leitos de giram este patamar mínimo (gráfico 3).
Gráfico 3. Faixas mínima e máxima de leitos de UTI recomendada* e leitos de UTI existentes por 10 mil habitantes, segundo arranjos de financiamento
dos estabelecimentos - regiões do Brasil, 2008 a 2010
Mínimo (4% dos leitos) Máximo (10% dos leitos) Somente SUS
3.5
2.5
1.5
0.5
0
Brasil Região Norte Região Região Região Sul Região
Nordeste Sudeste Centro Oeste
Fonte: Ministério da Saúde. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH), Comunicação de Informação
Hospitalar (CIH), Sistema de Informações de Beneficiários de Planos de Saúde (SIB), Registro de Planos de Saúde (RPS).
Nota: * Parâmetro recomendado pela Portaria ministerial nº. 1.101/2002.
mas sobretudo debates importantes entre desigualdades na oferta de leitos não SUS
diferentes atores. e a não complementariedade com a oferta
Nesse âmbito, é necessária a reflexão sobre de leitos SUS indicam que esta rede não se
questões centrais relacionadas com a regula- distribui com a missão principal de atender
ção do sistema de saúde, tais como: os meca- à demanda e que, além disso, não parece
nismos de pagamento; as melhores opções de haver coordenação entre os segmentos
parceria público-privada; os dispositivos e di- público e privado. Ainda que a maior con-
retrizes da regulação do Estado sobre o setor centração de leitos para internação esteja
e a capacidade de sustentação do modelo nas regiões mais ricas, onde também se
de prestação de serviços existente (LA FORGIA; encontra a maior parte dos beneficiários de
COUTTOLENE, 2009; VECINA-NETO; MALIK, 2007). planos de saúde, certamente a desigualda-
Destacam-se como principais limites de de distribuição dos serviços e a não com-
deste estudo a qualidade e completitude plementariedade dos segmentos público e
de informações das bases de dados. Isto privado afetam a oferta, que por sua vez
impede o conhecimento pleno do volume afeta o acesso aos serviços de saúde.
de internações realizadas no País, influen- Esforços devem ser feitos no sentido
ciando a construção de cenários úteis para de tornar o acesso à rede hospitalar mais
a gestão em saúde, bem como a problemati- equânime no País, independentemente da
zação relacionada com a atuação de alguns fonte de pagamento usada pelos pacientes.
hospitais nas duas frentes (SUS e não SUS) No âmbito do SUS, o aumento do número
e com a dualidade do sistema público-pri- de leitos e de leitos de UTI por habitantes
vado instalado no País. parece essencial para aumentar o acesso
Ainda assim, os achados deste estudo ao cuidado de maior complexidade. No
podem contribuir especialmente no âmbito privado, a regulação da implantação
âmbito da organização da rede prestadora de novos serviços e do acesso aos serviços
de serviços hospitalares brasileira. Além existentes via planos privados de saúde
da oferta dos recursos, também devem ser deve ser colocada em prática, a exemplo de
considerados os riscos ao acesso, a adequa- outros países. Diante da rede sobreposta e
ção e a efetividade dos cuidados prestados, heterogênea existente, esta regulação é fun-
bem como sua equidade. Dessa forma, é damental para evitar ‘leilões’ dos serviços
importante que a tomada de decisão seja existentes entre os beneficiários de planos
consciente do seu papel no delineamen- privados, com a venda de promessas de
to do sistema de saúde do País, podendo acesso ao cuidado de melhor qualidade que
contribuir para a legitimação do sistema possivelmente não se concretizarão.
universal proposto em nossa Constituição Além do alinhamento de esforços públicos
Federal, ou para afastar-se dele. e privados com as necessidades de serviços
hospitalares da população, o monitoramen-
to regular da qualidade destes serviços deve
Considerações finais fazer parte do arcabouço de informações
usadas no direcionamento de políticas e re-
A tendência contemporânea de busca por gulamentações na área da atenção hospitalar
novas formas de financiamento, com a no Brasil, como elementos vitais para apro-
adoção de múltiplas fontes de pagamen- ximar o planejamento e o cuidado em saúde
to, mostrou-se real para a rede hospitalar das discussões teóricas e científicas sobre a
brasileira, conformando um cenário ca- organização do sistema e sobre a qualidade
racterizado pela dupla porta de entrada: da assistência, em prol de ganhos para a so-
via SUS ou planos de saúde. Além disso, as ciedade e para o País. s
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VECINA-NETO, G.; MALIK, A. M. Tendências na
assistência hospitalar. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Recebido para publicação em abril de 2015
Janeiro, v. 12, n. 4, p. 825-839, 2007. Versão final em outubro de 2015
Conflito de interesses: inexistente
Suporte financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
VICTORA, C. G. et al. Condições de saúde e inovações e Tecnológico (CNPq) - Processo nº 302936/2013-0
nas políticas de saúde no Brasil: o caminho a percorrer.
ABSTRACT This is intended to analyze the public-private relations in regionalization of the health
system in Espírito Santo. This is a comparative study of two health regions based on secondary
data and semi-structured interviews. Two standards of public-private relations were identified
– interdependent without conflicts; and multiple arrangements with conflicts – which influenced
different dimensions of regionalization. In stands out as conditioning of the patterns observed:
system forming trajectory, the service offering structure, medical corporation and philanthropic
organizations operation, and the way regionalization is conducted by the State.
KEYWORDS Regional health planning; Health systems; Health policy, planning and management.
1 Universidade Federal
do Espírito Santo (Ufes),
Departamento de Ciências
da Saúde – São Mateus
(ES), Brasil.
apscoelho@gmail.com
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005187 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 51-63, DEZ 2015
51
52 ALMEIDA, A. P. S. C.; LIMA, L. D.
e Vitória. A escolha dessas duas regiões se período se justifica, entre outros, pelo destaque
justifica por seu maior dinamismo econô- da regionalização nos documentos nacionais
mico, sua relevância e influência no sistema que norteiam a implementação do SUS, bem
estadual de saúde. Também apresentam situ- como pela condução da política estadual de
ações de maior preponderância na oferta de saúde, tais como: os Termos de Compromisso
serviços do SUS, embora com características de Gestão, Plano Diretor de Regionalização,
distintas de seus sistemas de saúde. Plano Estadual de Saúde.
Neste trabalho, adota-se o conceito de Para descrever a participação do público
regionalização como um processo técnico- e do privado no sistema regional de saúde,
-político, não restrito aos espaços regio- foram consolidadas informações obtidas
nais de negociação federativa na saúde (as por meio dos bancos de dados nacionais
Comissões Intergestores), que envolve di- – Sistema de Informação de Internação
ferentes atores sociais, públicos e privados, Hospitalar (SIH), Sistema de Informação
em relações de disputa, conflito, negociação Ambulatorial (SIA) e Cadastro Nacional
e cooperação. de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Os
Dois tipos de padrões de relacionamento dados de oferta e produção são relativos ao
público-privado nas regiões foram construídos ano de 2008. Os dados sobre os estabeleci-
a partir da análise conjunta de duas dimensões mentos de saúde compreendem o ano de
inter-relacionadas que se associam à configu- 2010. Consideraram-se como prestadores
ração das regiões de saúde: (1) técnico-política, públicos aqueles de natureza municipal, esta-
na qual a região se constitui como base para o dual ou federal e como prestadores privados
planejamento de uma rede de atenção à saúde, os filantrópicos e os privados com fins lucra-
incorporando uma série de critérios e atribu- tivos (não filantrópicos). Foram confeccio-
tos para delimitação, organização e adequação nados roteiros semiestruturados e realizadas
territorial do sistema de saúde; (2) político-ad- 5 entrevistas com atores-chave na condução
ministrativa, em que o espaço regional alberga da regionalização no estado – Secretário de
os atores públicos e privados e os processos de Estado de Saúde, Presidente do Conselho
condução, articulação e coordenação regional Estadual de Secretários Municipais de
do sistema de saúde. Saúde (Cosems), 2 responsáveis pela regio-
Na primeira dimensão, priorizou-se a nalização na Secretaria de Estado de Saúde
identificação da composição público-priva- (Sesa) e Secretário Executivo da Comissão
da da oferta e produção de serviços de saúde Intergestores Bipartite – e 13 entrevistas no
e os processos relacionados ao planejamento âmbito das regiões, que incluíram: gestores
e desenho regional da rede de serviços. Na municipais e representantes da Sesa; repre-
segunda, os principais atores (organizações, sentantes dos prestadores (públicos e pri-
grupos de pessoas) e mecanismos envolvi- vados) e da corporação médica. Esta fase foi
dos na coordenação e regulação regional do complementada, ainda, pela análise de docu-
sistema de saúde. mentos relativos à regionalização.
Utilizou-se o método comparado, tendo em Os resultados e a discussão apresentados
vista a identificação de particularidades e ele- neste artigo privilegiaram a interpretação
mentos comuns no que tange ao contexto e aos dos principais achados da pesquisa a partir
aspectos histórico-estruturais e político-ins- do cotejamento dessas diferentes fontes.
titucionais envolvidos na determinação dos O projeto de pesquisa foi aprovado pelo
padrões de relacionamento público-privado Comitê de Ética em Pesquisa, sob o proces-
nas realidades estudadas. O recorte temporal so CAAE: 0007.0.031.000-10, respeitando-se
da pesquisa abrangeu o contexto de implan- os Termos da Resolução CNS nº 196/96 do
tação do Pacto pela Saúde (2007 a 2010). Esse Conselho Nacional de Saúde.
Tabela 1. Participação público-privado na oferta de leitos e produção de serviços nas regiões de Cachoeiro de Itapemirim e
Vitória. Espírito Santo, Brasil, 2008
existência de rodovias –, fluxos de saúde (utili- que envolve o credenciamento dos prestado-
zando o Sistema de Informações Hospitalares res aos municípios para posterior aprovação
e o Sistema de Autorização de Procedimentos da Sesa; regular o acesso às consultas espe-
de Alta Complexidade e Custo), oferta e com- cializadas ofertadas pelo Centro Regional de
plexidade de serviços de saúde, porte popu- Especialidades (CRE), sob sua gestão, além de
lacional, economia de escala e escopo com a desenvolver ações de Vigilância em Saúde em
identificação de polos assistenciais. âmbito regional. As atribuições relacionadas
Na região de Cachoeiro de Itapemirim, o ao planejamento regional, gestão de serviços
desenho regional da saúde está consolidado de saúde na rede própria (hospitais estaduais)
com suas referências legitimadas, não havendo e complementar e regulação de leitos ainda
conflito em relação ao perfil de atendimentos são desempenhadas pelo nível central da
entre os três principais prestadores privados e Sesa. Dessa forma, a SRS se constitui um im-
os serviços próprios do estado. Os fluxos assis- portante ator na organização e coordenação
tenciais se coadunam com o estabelecido histo- do sistema regional, ainda que com deficiên-
ricamente, sendo o município de Cachoeiro de cias no desempenho de suas funções.
Itapemirim referência na prestação de serviços. No processo de coordenação regional, é im-
Na região de Vitória, os fluxos assistenciais portante a identificação dos atores que partici-
não se restringem aos limites da região. A pam do processo de planejamento, organização,
região metropolitana, que concentra a maior e regulação do sistema de saúde em âmbito
parte dos serviços de saúde, é dividida em regional, que conformam o complexo regional
três regiões de saúde, existindo o fluxo entre da saúde (IBAÑEZ; VIANA; ELIAS, 2009) (quadro 1). Na
regiões, não previsto na Programação Pactuada região de Cachoeiro de Itapemirim, além da
e Integrada (PPI). SRS, são destacadas as organizações filantrópi-
Identificou-se preponderância da secretaria cas representadas pelos três principais hospi-
de estado da saúde no planejamento regional tais prestadores de serviços que são referências
e pouca participação das Superintendências em internações de alta complexidade tanto
Regionais de Saúde (SRS). para o SUS quanto para o segmento suplemen-
O planejamento do SUS nas regiões é in- tar do sistema de saúde. Os consórcios inter-
fluenciado pelo perfil dos prestadores existen- municipais de saúde também desempenham
tes no território. O credenciamento de novos importante função na região, abrangendo a
serviços é realizado de maneira pontual e desar- maioria dos municípios. Sua principal função é
ticulado de um processo de planejamento que a compra e prestação de serviços de saúde.
indique as necessidades da região. O processo Destaca-se também, por sua atuação regio-
se dá a partir da iniciativa dos prestadores, que nal no âmbito da saúde, a Unimed, principal
passa pela avaliação do Colegiado Intergestores operadora de planos da região, que possui
Bipartite Microrregional (CIB microrregional) como cooperados grande parte dos profis-
e SRS e aprovação do nível central da Sesa. sionais médicos da região. Sua atuação não
apenas se encontra na prestação de serviços
Coordenação e regulação do sistema médicos para seus clientes como também
regional possui interface com o SUS, o qual, quando ne-
cessário, compra serviços, como internação em
A coordenação do sistema regional da saúde Unidades de Tratamento Intensivo e Unidade
no Espírito Santo é executada pelas SRS, de Atendimento Móvel, da instituição privada.
cujas principais funções estão relacionadas à A operadora de planos ainda oferece facilida-
regulação do acesso, controle e avaliação dos des para os servidores de instituições públicas,
serviços ofertados pelos prestadores do SUS. como prefeituras, oferecendo descontos na
A SRS é responsável por realizar a negociação aquisição de planos de saúde.
Quadro 1. Complexo regional da saúde: principais organizações que participam do processo de planejamento, organização e regulação do sistema de
saúde nas regiões de Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. Espírito Santo, Brasil, 2010
Região de
Organizações Caracterização Forma de atuação
Saúde
Secretaria de Estado da Autoridade sanitária no âmbito Possui forte influência na região, tanto no planejamento
Saúde (Sesa) estadual. quanto na prestação de serviços.
Colegiado Intergestores Espaço de pactuação entre gestores Importante na região na aprovação na contratualização
Bipartite (CIB da região e Sesa para organização das de prestadores, porém ainda sem grande influência na
microrregional) ações e da rede de atenção à saúde. mediação direta entre o público e o privado.
Entes federativos que se articulam para Sua principal função na rede regional é a compra e
Consórcio
solucionar demandas específicas que prestação de serviços. 10 dos 13 municípios da região são
Intermunicipal de Saúde
não podem ser resolvidos isoladamente consorciados, possuindo correspondência com o desenho
Polo Sul Capixaba
por cada município. regional da saúde.
Quadro 1. (cont.)
Região de
Organizações Caracterização Forma de atuação
Saúde
Secretaria de Estado da Autoridade sanitária no âmbito Possui forte influência na região, tanto no planejamento
Saúde (Sesa) estadual. quanto na prestação de serviços.
Colegiado Intergestores Espaço de pactuação entre gestores Importante na região na aprovação na contratualização
Bipartite (CIB da região e Sesa para organização das de prestadores, porém ainda sem grande influência na
microrregional) ações e da rede de atenção à saúde. mediação direta entre o público e o privado.
Fonte: Elaboração da pesquisa com base em fontes documentais e entrevistas. Adaptado de Viana et al. (2008).
Nota: As organizações foram listadas por ordem de importância no complexo regional da saúde nas regiões de saúde investigadas.
Quadro 2. Relações público-privadas na regionalização da saúde nas regiões de Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. Espírito Santo, Brasil, 2010
Referências
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blico e do privado. São Paulo: Hucitec; Campinas: Janeiro, v. 17, n. 7, p. 1903-1914, jul. 2012.
Sindicato dos Médicos de Campinas e Região, 2006.
LIMA, S. M. L. et al. Caracterização gerencial dos
BAHIA, L. A démarche do privado e público no sistema hospitais filantrópicos no Brasil. Cadernos de Saúde
de atenção à saúde no Brasil em tempos de democracia Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1249-1261, 2004.
e ajuste fiscal, 1988-2008. In: LIMA, J. C. F.; MATTA,
G. C.; (Org.). Estado, sociedade e formação profissional MENICUCCI, T. M. G. Público e privado na política de
em saúde: contradições e desafios em 20 anos de SUS. assistência à saúde no Brasil: atores, processos e trajetó-
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. ria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
Suelma de Fátima Bruns1, Egléubia Andrade de Oliveira2, Maria Auxiliadora Oliveira3, Vera Lucia Luiza4
4 Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Escola
Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca (Ensp),
Departamento de Política
de Medicamentos e
Assistência Farmacêutica
(NAF) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
vera@ensp.fiocruz.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 64-75, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005311
64
O modelo de ambiguidade-conflito como ferramenta de análise dos desafios da Assistência Farmacêutica em 65
João Pessoa (PB)
De objetivos
Ambiguidade Baixa Baixa Alta Alta
De meios
Quadro 2. Dimensões, componentes e atividades propostas para a análise dos desafios para implementação da
Assistência Farmacêutica no município de João Pessoa (PB)
Todos os entrevistados assinaram Termo medicamento certo, na hora certa, na dose certa
de Consentimento Livre e Esclarecido e que ele faça o uso correto, completo, que ele
(TCLE), autorizando a gravação dos de- comece e termine o tratamento, isso pra gente é
poimentos concedidos. Os entrevistados muito importante (G1).
são referidos por códigos de letras. O
projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética “Ações para desenvolver o uso racional de
em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde medicamentos [...] material de orientação e
Pública Sergio Arouca sob Protocolo de educação continuada direcionada aos usuá-
Pesquisa CEP/Ensp – Nº 265/11 e CAAE: rios ou profissionais, não tem” (F4).
0282.0.031.000-11. Outros profissionais entrevistados, embora
compreendessem os objetivos finalísticos da
AF relacionados ao acesso a medicamentos,
Resultados não demonstraram clareza quanto ao uso ra-
cional. “Ações para desenvolver o uso racional
A partir dos depoimentos concedidos, obser- do medicamento? A gente prefere a quantidade
varam-se temas comuns no corpus do texto, do medicamento não é, [...] eu nunca coloco a
o que permitiu elencar as quatro categorias mais [...] eu dou o tratamento” (M1). “Eu vejo
emergentes e possibilitou o reagrupamento o papel da AF como política de saúde muito
das falas em torno dessas categorias, identi- importante para toda a comunidade, [...] prin-
ficando os desafios da AF municipal na com- cipalmente na questão do acesso” (E1).
preensão dos entrevistados.
Meios para consecução da
Sobre a clareza dos objetivos da implementação da Assistência
Assistência Farmacêutica Farmacêutica municipal (recursos
humanos, financeiros e estruturais)
Nessa categoria, observou-se se os entrevis-
tados tinham clareza quanto aos objetivos Para que uma política pública seja imple-
primordiais da AF, com destaque à garantia mentada com êxito, é fundamental um ade-
do acesso aos medicamentos pela população quado planejamento dos recursos (humanos,
e ao seu uso racional. financeiros e estruturais) necessários. Os
Os gestores e os farmacêuticos mostraram entrevistados enfatizaram a necessidade
confluência de opinião. premente do farmacêutico nas farmácias das
USF, bem como problemas relacionados a
[...] a gente quer abastecer a todos e raciona- aspectos quantitativos e qualitativos dos re-
lizar o uso para que os pacientes tenham um cursos humanos da AF.
[...] têm unidades que ainda funcionam em pré- Os entrevistados problematizaram a ideia
dios alugados numa situação horrível, com muita de que uma abordagem interdisciplinar
potencializa novas propostas de ação e inter- consegue fazer um planejamento, uma progra-
venção, bem como amplia o poder de articu- mação, não se consegue fazer nada disso e aí as
lação com as esferas decisórias, concorrendo faltas acontecem. (G1).
para a melhoria dos programas.
“[...] muitos agentes administrativos têm difi-
Dificuldades para articular as ações, nós temos culdade de construir um mapa de medicamentos;
desde o processo de trabalho da equipe de saúde eu não sei ao certo o consumo daquela unidade,
da família, [...] há muitos profissionais que não se sempre fica faltando ou fica sobrando” (F8).
comprometem e acabam fazendo de acordo com Quanto à aquisição de medicamentos, os en-
seu próprio interesse e isso é muito frágil para o trevistados foram unânimes em afirmar que a
processo político. Isso seria a micro política, e é burocracia envolvida nos processos licitatórios
nisso que nós temos que investir. (G2). traz muitas dificuldades, principalmente pela
morosidade dos processos, problemas com a
Em virtude da complexidade que envolve eleição de prioridades e com o cumprimen-
a AF, é fundamental que o planejamento e a to dos prazos. O atendimento a demandas de
execução de todas as etapas que compõem medicamentos não padronizados e o grande
o ciclo da AF (Seleção, Programação, volume de mandados judiciais, o que mobiliza
Aquisição, Armazenamento, Distribuição, tempo dos profissionais num contingente já
Controle de Estoque, Dispensação e extremamente reduzido, foi ressaltado como
Orientação Farmacêutica) sejam realizadas um foco de desgaste permanente.
de forma sistemática e integrada. Sobre esses
aspectos do ciclo da AF, os entrevistados re- [...] os processos licitatórios são extremamente
forçam importantes desafios. lentos [...] um pregão para poder acontecer tem
que ser fechado em três meses [...] mas não, nós
A AF é uma área ainda muito fragmentada; a não temos prazos, não temos limites, passa um
gente precisa ter o farmacêutico presente em to- ano ou mais [...], e ai foge completamente de
das as unidades de saúde e em todas as etapas nossa governabilidade. (G1).
do ciclo da AF, o que hoje em dia ainda não acon-
tece [...]. (F3). O entrave maior são as licitações, porque, às
vezes, o recurso tem, mas por alguma ordem
[...] até hoje, nós não temos uma Remume jurídica, administrativa ou burocrática acaba
[Relação Municipal de Medicamentos] e nem emperrando e o medicamento não chega ao
uma CFT [Comissão de Farmácia e Terapêuti- usuário. (F7).
ca] instituída no município; isso ainda é um gar-
galo muito grande. (G2). Outro ponto ressaltado pelos entrevistados
foram os problemas quanto à dispensação e
“[...] uma CFT para realmente discutir essa orientação farmacêutica. Eles se mostraram
seleção de medicamentos [...]” (G3). preocupados tanto com a entrega dos medica-
Relataram-se dificuldades para a realiza- mentos feita por pessoas não habilitadas como
ção de uma programação de medicamentos com a falta de orientação farmacêutica aos pa-
confiável para o Município em virtude da cientes. Não ocorre dispensação; o que ocorre
falta de uma série histórica do controle de é a entrega de medicamentos sem orientação.
estoque e do desabastecimento da rede. “Os farmacêuticos que deviam estar presentes
ainda não estão [...]” (F8). “[...] um farmacêutico
Eu acho importante a questão do controle do es- dando orientação em relação à posologia e às in-
toque, mas hoje ainda é uma coisa muito defici- terações medicamentosas, isso necessita, porque
tária, [...] sem controle de estoque a gente não não acontece aqui na nossa realidade” (E4).
Tais sinalizações, embora vindas de atores pouca percepção do seu papel no desenvol-
distintos, merecem destaque nos processos vimento das ações. O compromisso dos im-
de revisão e realinhamento das ações, uma plementadores com os objetivos da política
vez que repercutem negativamente nas e sua habilidade em utilizar os recursos dis-
etapas do ciclo da AF como um todo, com poníveis são fatores críticos no processo de
impactos tanto à gestão como nas ações de implementação. Urge, na opinião dos entre-
saúde prestadas à população. Para que a AF vistados, o desenvolvimento de um progra-
seja efetivamente implementada, faz-se pre- ma de educação continuada para ampliar
mente a disponibilização dos meios neces- o aprendizado organizacional e individual
sários para sua institucionalização e alcance sobre políticas e programas sociais, além
dos objetivos. Portanto, a disponibilidade de das questões específicas da AF.
forma planejada, continuada e adequada dos Com relação aos recursos financeiros, os
recursos humanos, financeiros e estruturais entrevistados defenderam a necessidade de
são elementos indispensáveis de sucesso, mais investimento em infraestrutura e con-
uma vez que, sendo uma decisão política, tratação de farmacêuticos e acreditam que a
precisa ser encampada pelo gestor da orga- falta de medicamentos não ocorre por proble-
nização, que deve convergir com seu plano e mas financeiros e sim burocráticos. Contudo,
sua capacidade de governo (MARIN ET AL., 2003). de acordo com o Conass (2011), um problema
Os farmacêuticos, considerados o comum aos gestores do SUS é o subfinancia-
principal ativo das organizações da AF, mento da saúde, com repercussões na área
encontram-se alocados em funções técnico- da AF, pois, somente com financiamento
-administrativas e gerenciais, em detrimen- assegurado é possível disponibilizar os me-
to das funções assistenciais. Essa condição dicamentos e viabilizar o desenvolvimento e
colide com a compreensão dos objetivos da continuidade das ações nesta área.
AF expressa nos depoimentos, uma vez que Ademais, os gestores demonstraram
a dispensação e orientação farmacêutica não grande preocupação com o número cres-
podem prescindir da presença do profissio- cente de demandas judiciais, que consome
nal habilitado para desempenhar essa ativi- parcela expressiva do orçamento previsto
dade. Nesses termos, as informações sobre para a aquisição de medicamentos na rede
os objetivos da política, embora produzam estudada. De fato, a judicialização da AF tem
menos incerteza, não reduzem o nível de se mostrado um dos motivos que desorga-
ambiguidade de uma decisão. A situação niza e desequilibra os recursos financeiros
foi demonstrada por Bruns (2013), em outro do sistema de saúde, podendo inviabilizar o
estudo no mesmo Município, onde o farma- planejamento das ações de saúde e compro-
cêutico foi encontrado desenvolvendo suas meter o orçamento para aquisição de medi-
atividades de forma permanente em apenas camentos (BRUNS; LUIZA; OLIVEIRA, 2013).
duas de 32 unidades de saúde visitadas. Quanto aos recursos estruturais, a grande
Os entregadores de medicamentos foram maioria das farmácias das USF foi considera-
ouvidos com a intenção de captar a percep- da inadequada, embora as USF recém-cons-
ção desse profissional sobre a política em truídas tenham sido elogiadas. As instalações
questão, uma vez que o envolvimento nas não apresentam condições para o armaze-
decisões varia conforme as relações esta- namento e dispensação de medicamentos,
belecidas entre o indivíduo e a organização pois são adaptadas em casas alugadas, com
onde se encontra. A maioria desses profis- espaço físico e refrigeração insuficientes. As
sionais não apresenta formação específica duas realidades diametralmente opostas vi-
em saúde nem foi preparada para o desem- venciadas pelos usuários – USF novas e ade-
penho de suas atividades, além de mostrar quadas vis-à-vis antigas e desestruturadas
Referências
BRUNS, S. F.; LUIZA, V. L.; OLIVEIRA, E. A. indústria farmacêutica mais consumidos no Brasil:
Judicialização da assistência farmacêutica: dois pesos e vitaminas, analgésicos, antibióticos e psicotrópicos. Rio
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e Saúde: cidadania e ética na construção de sujeitos
sanitários. Maceió: EDUFAL, 2013, p. 366-390. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE
(OPAS); ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE.
CARVALHO, E. H. Programa de Saúde da Família: es- Avaliação da assistência farmacêutica no Brasil. Brasília,
tudo sobre o processo de implementação em município DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.
do Rio de Janeiro a partir do modelo ambigüidade-con-
flito. 2006. 129 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) SABATIER P. A.; JENKINS-SMITH H. C. Policy
– Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde change and learning. An advocacy coalition approa-
Pública Professor Sérgio Arouca, Rio de Janeiro, 2006. ch. Colorado: Ed. Westview Press, 1993.
Nereide Lúcia Martinelli1, Ana Luiza d’Ávila Viana2, João Henrique Gurtler Scatena3
ABSTRACT The regionalization of health in the state of Mato Grosso started in the
1990s. In this work, it was analyzed the performance of the State Secretary of Health,
in the period 2006-2011, by the dimensions: institutional, governance and impacts of
regionalization, in order to identify whether the bases established in the presence of
the Pact facilitated it or hindered it. Secondary data were used, documents and also
interviews with state, region and municipal managers. The rules instituted facili-
tated, but the regionalized structures had their functions modified; the regionaliza-
1 Universidade Federal de Mato
tion process was partially implemented and poses challenges to federal entities to
Grosso (UFMT), Instituto de Saúde
Coletiva, Departamento de Saúde advance in its consolidation.
Coletiva – Cuiabá (MT), Brasil.
nereidemartinelli@gmail.com
KEYWORDS Regional health planning; Health policy; Unified Health System.
2 Universidade de São Paulo
(USP), Faculdade de Medicina,
Departamento de Medicina
Preventiva – São Paulo (SP), Brasil.
analuizaviana@usp.br
3 UniversidadeFederal de Mato
Grosso (UFMT), Instituto de
Saúde Coletiva, Departamento
de Saúde Coletiva – Cuiabá
(MT), Brasil.
jscatena@ufmt.brr
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 76-90, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005239
76
O Pacto pela Saúde e o processo de regionalização no estado de Mato Grosso 77
per capita foi R$ 19.636,77 (14ª posição de integração e gestão regional, papel do
nacional). Já entre as regiões do estado, o Colegiado de Gestão Regional (CGR) na
PIB variou de R$ 8.659,00 a R$ 31.064,00 regionalização e nas relações intergover-
(SCATENA ET AL., 2014A). namentais. Os impactos da regionalização
Excetuando-se a Atenção Básica, os es- foram analisados considerando as mudan-
tabelecimentos da rede de serviços do SUS ças institucionais observadas com a implan-
na vigência do Pacto pela Saúde estavam tação do Pacto pela Saúde.
concentrados no setor privado e, em sua Foram utilizadas informações quantitati-
maioria, na capital: unidades especializa- vas do banco de dados das pesquisas ‘Análise
das, Serviços de Apoio Diagnóstico (SADT) do processo de Regionalização da Saúde no
e serviços hospitalares. A cobertura do Estado de Mato Grosso’ e ‘A regionaliza-
Programa Saúde da Família (PSF) no estado, ção da saúde no Estado de Mato Grosso: o
em dezembro de 2005, era de 56,7%; em de- processo de implementação e a relação pú-
zembro de 2010, 65,1%. blico-privada na região de saúde do Médio
A diversidade das 16 regiões de saúde é Norte Mato-grossense’, além de dados pro-
dada pelas características e pelos indicado- vidos pelo Departamento de Informática
res socioeconômicos dos municípios que do Sistema Único de Saúde (Datasus) e
as integram; há desigualdade na capacida- pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
de instalada e nos investimentos públicos Estatística (IBGE). Foram levantados do-
e privados, sobretudo naqueles de baixo cumentos da Secretaria de Estado de Saúde
dinamismo econômico. Entre as regiões (SES), da Comissão Intergestores Bipartite
de saúde, apenas quatro têm hospitais re- (CIB) e do governo do estado, além de
gionais públicos (Cáceres, Rondonópolis, outras normativas que delinearam a política
Sorriso e Colíder); nas demais, foram cre- de saúde no período.
denciados ou estabelecidos contratos com As informações qualitativas foram
serviços privados por meio dos Consórcios obtidas mediante entrevistas com atores-
Intermunicipais de Saúde (CIS). -chave da SES e de regiões de saúde, entre
Neste trabalho, a coleta de dados quan- eles: secretário de estado da saúde; secre-
titativos, as entrevistas e a análise docu- tária executiva da CIB estadual; diretor de
mental basearam-se em três dimensões: um Escritório Regional de Saúde (ERS); se-
institucionalidade, governança e impactos cretário de um CIS; secretária de um CGR;
da regionalização. e secretárias de saúde de dois municípios,
A institucionalidade é entendida como sendo uma delas vice-presidente regional
todas as estratégias políticas e institucio- do Conselho de Secretarias Municipais de
nais adotadas no período; e a governança, Saúde (Cosems-MT). Para a exploração
como o conjunto de regras governamentais dessas informações utilizou-se a técnica
voltadas para a ação coletiva, que requer de análise de conteúdo, que permitiu com-
a divisão de poderes e o estabelecimento preender e responder aos questionamen-
de relações entre atores públicos e priva- tos sobre o processo de regionalização.
dos, com interesses diversificados, cujas As pesquisas acima citadas foram sub-
negociações podem resultar em objetivos metidas ao comitê de ética, parecer nº
comuns (FLEURY; OUVERNEY, 2012B). 681/09 do Comitê de Ética em Pesquisa
A institucionalidade foi analisada ve- do Hospital Universitário Júlio Müller
rificando: histórico, desenho, finalidades, (CEP-HUJM) e parecer nº 91.726/2012 do
estratégias políticas, planejamento, regu- Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade
lação e financiamento da regionalização. de Medicina da Universidade de São Paulo
Na governança analisaram-se: estruturas (CEP-FMUSP).
Regulação, Controle e Avaliação da SES, per capita. Tais recursos eram acessados
em nível central. mediante a elaboração de plano de ação, de-
O Plano Diretor de Regionalização (PDR) talhando metas e prazos para execução e a
vigente para o período de 2006 a 2011 foi aplicação exclusiva na melhoria da Atenção
atualizado e homologado em 2005 (SES, 2005), Primária à Saúde, com aprovação do CGR.
com base no de 2001. O Plano Diretor de Dos incentivos criados pela SES, assegu-
Investimentos (PDI) também foi atualiza- raram-se recursos nos planos de saúde de
do em 2005, mas não foram encontrados 2004-2007 e 2008-2011 para: o Programa
registros da sua homologação na CIB/MT. de Apoio e Implementação dos Consórcios
Um gestor refere: “nós ainda trabalhamos (Pacis); a Microrregionalização – ativi-
com projetos e propostas de 12 anos atrás dades do Centro de Atenção Psicossocial
e o PDI não existe mais, não houve plane- (Caps), da Hemorrede e da Reabilitação);
jamento” (GM). O compartilhamento das o Programa de Apoio à Saúde Familiar
responsabilidades entre entes federativos é e Comunitária (Pasf ); o Programa
facilitado quando há planejamento intergo- Saúde Bucal na Saúde da Família; o
vernamental, quando as ações são coorde- Programa Diabetes Mellitus – Insumos
nadas e reguladas para organizar os fluxos Complementares; o Programa de con-
assistenciais (SILVA, 2013). trole da malária; o Programa de Apoio
Os recursos financeiros liberados pelo à Saúde Comunitária de Assentados
MS para as regiões têm por base o PDR e o Rurais (Pascar); o Programa de Incentivo
PDI vigentes. Desatualizados, tais instru- ao Alcance de Metas da Atenção Básica
mentos não serviram para organizar a rede (Piamab); e o Programa de Apoio à
de atenção da região e equilibrar a relação Organização Estadual de Urgência e
entre oferta e demanda. Além disso, não Emergência. Os critérios de acesso de-
contribuíram para que os entes federa- finidos pela SES eram: cobertura de
tivos inserissem no seu PPA, e em suas PSF; cobertura de saúde bucal; unida-
respectivas leis – LDO e Lei Orçamentária des cadastradas no Cadastro Nacional de
Anual (LOA) –, as necessidades de investi- Estabelecimento de Saúde (CNES); exis-
mentos na região. tência de Caps.
A PPI, coordenada pelo ERS e discutida Tais incentivos financeiros deveriam
no CGR, foi o instrumento de pactuação das ser transferidos aos municípios mensal-
referências e adequação do teto financeiro mente, mas ocorreram com atrasos de até
pré-estabelecido, que facilitou a implemen- dez meses. Esta irregularidade fragilizou a
tação dos complexos regulatórios do sistema gestão municipal, influenciou o processo de
e o acesso às ações de saúde nas regiões e regionalização, dificultou a integração entre
no estado. Na vigência do Pacto, o governo os entes federativos e resultou em ações iso-
federal criou novos incentivos financeiros ladas, através das quais cada município pro-
para municípios e regiões, entre os quais: curou resolver o seu problema, apesar de sua
compensação das especificidades regionais, baixa capacidade de receita própria. Entre
colegiados de gestão regional e qualificação 2007 e 2010, o Sistema de Informações sobre
dos profissionais de saúde (formação técnica Orçamentos Públicos em Saúde (Siops)
e educação permanente). A SES criou cri- mostrou que os municípios aplicaram per-
térios de acesso a tais incentivos com base centual acima do mínimo estabelecido pela
em indicadores, ressaltando-se: Índice de Emenda Constitucional nº 29 (EC29), próxi-
Desenvolvimento Humano (IDH), per- mos a 20%. A fragilidade na estrutura finan-
centual de população rural, coeficiente de ceira de um município leva à dependência
mortalidade infantil, índice de Gini e renda das transferências da União e do Estado para
a fundo, e não por meio de convênio da SES gerou conflitos nas relações intergestores e
com o CIS (MATO GROSSO, 2008A). questionamentos quanto ao papel da SES na
Com essa mudança na condução, a gerên- coordenação do sistema.
cia dos consórcios foi retirada da estrutura
organizacional básica e setorial da SES (MATO
GROSSO, 2008B). Tais instâncias passaram a Impactos da regionalização
ser uma unidade não coordenada pela SES, na vigência do Pacto pela
gerando mudanças nas suas relações e com
as estruturas regionalizadas (ERS, CGR). A
Saúde
relação da SES com o CIS é indireta, ocorre
por meio da transferência da sua contraparti- As evidências levantadas mostram que,
da financeira para o município consorciado, institucionalmente, a política de saúde
que a transfere para o CIS. Essa relação era adotada pela SES no período anterior ao
mais próxima quando a gestão dos hospitais Pacto foi favorável à regionalização. Sua
regionais era do estado (VIANA ET AL., 2010). Em implementação foi facilitada por vários
algumas regiões, as equipes diretivas do CIS fatores: o processo histórico estrutural da
deixaram de participar das reuniões do CGR regionalização, a partir da década de 1990;
e das reuniões de condução e planejamento o PES, que contempla a política de saúde re-
da SES (SCATENA ET AL., 2014B). gionalizada; a existência das CIB regionais
A constituição dos consórcios teve impor- desde 1995; a criação de novos incentivos;
tância na regionalização de saúde em MT, a concepção dos CIS; a manutenção e a ins-
fomentou a adequação da oferta à demanda, tituição de novos convênios estabelecidos
a resolubilidade e a racionalidade no uso dos com serviços públicos e privados para ser-
serviços (VIANA ET AL., 2010), além de uma maior viços de média complexidade, serviço hos-
participação do gestor municipal na política pitalar e de UTI nas regiões; a participação
regional. Mas a SES deixou de coordená- do Cosems; a criação das CIES estadual e
-lo, e suas estratégias de condução não mais regional; e a indução da política financeira
focaram a regionalização. O CIS deixou de do MS, que exigiu organização regional e
ser o ator estratégico de fortalecimento da municipal. Apesar dessa institucionalidade,
regionalização e, aos poucos, assumiu um para os gestores, a atuação da SES “ficou
papel de intermediador da compra e venda muito a desejar” (GM).
de serviços para o gestor, contribuindo para O papel do ERS na coordenação e na con-
a fragmentação e a ineficiência do sistema dução da política regionalizada foi amplia-
público nas regiões e no estado. do, mas, ao longo do processo, suas funções
No processo de regionalização, as respon- foram enfraquecidas em relação ao planeja-
sabilidades foram compartilhadas por meio mento, à cooperação técnica e à regulação do
do TCG, mas não foram pautadas pelo pla- sistema e da assistência à saúde na região.
nejamento integrado e pelas necessidades Suas relações com os gestores municipais
da população. A baixa capacidade instalada distanciaram-se e alguns problemas munici-
da rede de atenção nas regiões e a trans- pais começaram a ser tratados diretamente
ferência irregular de recursos financeiros com a SES e o MS.
estaduais aos Fundos Municipais de Saúde Nas regiões, a baixa capacidade instalada,
contribuíram para tensionar a governan- a compra dos serviços do setor privado com
ça. O Estado não cumpriu com a sua parte valores acima da tabela SUS e o atraso nas
na cooperação técnica; a falta de financia- transferências financeiras do estado para os
mento dificultou a regulação, influenciou municípios repercutiram na governança re-
a condução da política estadual de saúde, gionalizada, geraram conflitos entre entes
federativos municipais e fragilizaram a base e estaduais nas regiões de saúde para: am-
financeira municipal. pliação e construção de hospitais regionais;
Em algumas regiões, a regulação da ur- centros cirúrgicos, leitos de estabilização e
gência e emergência foi recentralizada, e as outros equipamentos hospitalares, aquisição
centrais regionais perderam parte de suas de carros e ambulâncias; investimentos em
funções. As relações entre médicos regu- infraestrutura de unidades não hospitalares
ladores – municipais e regional – ficaram e outros (VIANA ET AL., 2010). Uma ampliação
distantes, o contato passou a ser diretamen- muito mais ligada à rede de atenção muni-
te com a central estadual. Somam-se a isso cipal que à regional e as iniciativas para as
as dificuldades para regular as demandas regiões foram muito restritas frente às ne-
frente à falta de capacidade instalada no cessidades das redes regional e estadual.
estado e nas regiões. Ainda que instituí- Esses fatores associados às trocas suces-
das, as bases do sistema de regulação e os sivas dos gestores da SES e da equipe de
instrumentos regulatórios não foram sufi- condução, bem como às mudanças na sua
cientes para inserir mudanças na gestão. À estrutura organizacional influenciaram a
semelhança de outros estados, a regulação coordenação e o apoio aos CIS e aos ERS.
da assistência também é frágil em MT (LIMA O não cumprimento do percentual mínimo
ET AL., 2012). recomendado pela EC29, a não atualização
Quanto à atenção primária, os incentivos do PDR e do PDI, além da falta de investi-
financeiros instituídos pelo estado contri- mentos na rede pública de atenção à saúde
buíram para implementá-la, como também nas regiões e no estado repercutiram na re-
a parte da média e da alta complexidade, gionalização da saúde.
suprindo algumas demandas. Na assistência Os CIS ampliaram a oferta de serviços
hospitalar, os convênios estabelecidos com nas regiões e desenvolveram um impor-
o setor privado ampliaram a oferta de ser- tante papel na regionalização da saúde, em
viços e favoreceram o acesso, em especial, especial, na desconcentração dos serviços
em regiões desprovidas de capacidade ins- que estavam centrados na capital (VIANA ET
talada pública. No entanto, essas atividades AL., 2010). No entanto, as mudanças institu-
não foram suficientemente monitoradas e ídas geraram rupturas nas relações e no
reguladas por parte do setor público e houve seu modo de funcionamento. Os CIS não
dificuldades para assegurar o acesso aos ser- foram implementados e não conseguiram
viços complementares ao SUS. mobilizar e integrar suas atividades ao
As parcerias estabelecidas entre a SES e processo de regionalização. Em algumas
a Organização Social de Saúde (OSS) para regiões, eles já não constituem equipa-
gerir estabelecimentos públicos repercu- mento da regionalização.
tiram de forma negativa. Os gestores mu- A regionalização da saúde em MT foi
nicipais não tiveram acesso a essa gestão e influenciada positivamente pela sua insti-
atribuem a ela o motivo de atraso nas trans- tucionalidade pregressa ao Pacto, mas os
ferências financeiras do estado. problemas citados influenciaram a gover-
A rede estadual de atenção à saúde não foi nança, contribuíram para comportamentos
ampliada para responder às necessidades das individualizados no interior dos espaços
regiões. As resoluções da CIB/MT mostram de deliberação colegiada e para relações de
que foram aprovados projetos para construir desconfiança e descrédito entre entes fede-
ou reformar unidades municipais de atenção rativos, sobretudo o estadual. Observaram-
primária de saúde, com recursos prove- se, nos registros das reuniões da CIB/MT,
nientes do MS e contrapartida municipal. relações de conflitos geradas por atraso
Também foram alocados recursos federais nas transferências das contrapartidas
financeiras, pela falta de hospitais regionais pelo governo federal para a regionalização
públicos, pela falta de acesso aos serviços ainda são insuficientes frente às desigualda-
na região e nas referências no estado e pela des políticas, econômicas, demográficas e fi-
falta de planejamento. nanceiras das regiões. Em MT, essa situação
A participação e a coordenação do estado agravou-se, pois o estado não cumpriu com
na condução da política deveriam ser con- as transferências mensais pactuadas com
tínuas, posto que são determinantes para os municípios, não cumpriu na aplicação do
reduzir as desigualdades territoriais e sociais, mínimo recomendado pela EC29 e não coor-
facilitar o acesso, garantir a integralidade na denou a condução do sistema.
atenção e potencializar a descentralização A política de saúde regionalizada instituída
(BRASIL, 2006). No entanto, em MT, a SES, por pela SES, à semelhança do apontado por outros
não cumprir com as suas responsabilidades estudos, deparou-se com fatores que mais difi-
compartilhadas no TCG, contribuiu para cultaram do que facilitaram sua condução. As
gerar desgastes nas relações horizontais, evidências mostram que há desafios para: im-
interferiu no processo de regionalização e plementar a regionalização da saúde; fortale-
não fortaleceu as competências da gestão cer o processo de planejamento e regulação no
municipal. Sua participação não foi capaz de estado, nas regiões e nos municípios; fortalecer
induzir a redução das desigualdades. a referência regional; e investir na capacidade
instalada da rede de atenção regionalizada e na
educação permanente, para gestores e equipe.
Considerações finais Por parte da SES, é preciso determinação
política para cumprir o instituído, exercer a
Esta pesquisa pretendeu discutir o processo coordenação do processo, priorizar os inte-
de regionalização da saúde no estado de Mato resses coletivos, tornar as regiões autônomas
Grosso, na vigência do Pacto pela Saúde. e conduzi-las de forma mais participativa. O
Ainda que a regionalização seja a estratégia projeto de regionalização em MT precisa ser
indicada para reorganizar a rede de atenção e reconstruído, considerando as demandas e
superar a fragmentação da descentralização, as especificidades dos territórios, a relação
a governança na região mostra a dificuldade e a interação dos atores, a infraestrutura, a
em estabelecer acordos entre entes federati- participação e as influências existentes no
vos em um sistema de saúde descentralizado, espaço usado das regiões, para que se avance
para o nível municipal. Os incentivos criados na sua consolidação. s
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Recebido para publicação em abril de 2015
Versão final em outubro de 2015
Conflito de interesses: inexistente
VIANA, A. L. d’Á.; LIMA, L. D. O processo de regio-
Suporte financeiro: não houve
nalização na saúde: contextos, condicionantes e papel
das Comissões Intergestores Bipartites. In: VIANA, A.
L. d’Á.; LIMA, L. D. (Org.). Regionalização e relações
RESUMO O artigo discute os argumentos presentes nos diferentes textos da Política Nacional
de Promoção da Saúde no Brasil, analisando os documentos de 2002, 2006 e 2014 e reunindo
elementos para compreender como a promoção da saúde ganhou institucionalidade e entrou
na agenda governamental. Conclui-se que os três documentos da Política representam mo-
mentos distintos, revelando tensões em sua definição, o que pode tanto reforçar uma tendên-
cia prescritiva da saúde como produzir o debate acerca dos determinantes sociais em uma
concepção ampliada de saúde. Politizar tal debate é o primeiro passo, para não se correr o
risco de se afirmar uma política que, principalmente, culpabiliza e responsabiliza o indivíduo.
ABSTRACT The article discusses the arguments present in the various texts concerning the
National Policy of Health Promotion in Brazil and analyzes the documents released in the years
2002, 2006 and 2014, bringing together elements so to understand how health promotion achie-
ved a legal knowledge, becoming part of the government agenda. It concluded that the three
Policy’ texts embodied distinct moments and revealed tensions in the Policy definition, which can
either strengthen a prescriptive trend of health as produce the debate about social determinants
in an expanded conception of health. Politicizing such debate is the first step, at the risk of stating
a policy that, mainly, blames and responsible individual.
1 Ministério da Saúde,
Secretaria Executiva –
Brasília (DF), Brasil.
patricia.ferras@saude.gov.br
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005327 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 91-104, DEZ 2015
91
92 SILVA, P. F. A.; BAPTISTA, T. W. F.
uma contínua tentativa para fazer regredir proposta concreta de formulação para a po-
a cidadania conquistada, negando direi- lítica nacional, aprofundando as bases con-
tos constitucionais e reduzindo a questão ceituais da promoção da saúde a partir do
social aos ‘mais pobres dentre os pobres’. resgate histórico da reforma sanitária, seus
Ao final da década, é possível perceber princípios e valores.
uma mudança de rota. O controle da inflação Em 2003, teve início uma nova gestão
já não era mais a única política a ser mantida; ministerial com o início do governo Lula.
pode-se falar de investimento e novas políti- Mudanças são implementadas na estrutura
cas. É nesta oportunidade que surgem ou que do MS. A SPS foi extinta e a área da promo-
se fortalecem muitas políticas específicas ção da saúde, antes inserida no contexto da
na saúde – saúde mental, Programa Saúde SPS, passou a estar vinculada à Secretaria
da Família (PSF), saúde bucal, transplantes, Executiva (SE) do MS, com a orientação
saúde do adolescente, renais e tantas outras. de Gastão Wagner de Souza Campos, então
A promoção da saúde encontra nesse cenário secretário executivo. A vinculação à SE
um terreno fértil, favorável para sua disse- significava a aposta de tornar a política de
minação como estratégia, numa combinação promoção da saúde transversal às ações
de diretrizes com mudanças no modelo de das demais secretarias, entendendo que a
atenção. SE deveria operar como um dispositivo in-
No ano de 1997, o MS sofreu uma rees- tegrador da agenda de vários segmentos sa-
truturação, sendo criadas novas secretarias nitários. O conceito ampliado de saúde era
e áreas, dentre elas a Secretaria de Políticas o ponto de comunicação entre a promoção
de Saúde (SPS). O interesse era constituir, da saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS),
na saúde, um espaço privilegiado de atuação tratando-se de um compromisso ético com
política, uma ‘vitrine da política de governo’ a integralidade e a gestão participativa que
cuja principal estratégia era a municipaliza- poderia operar na indissociabilidade entre
ção, com prioridade para ações de promoção a clínica e a promoção da saúde e entre ne-
da saúde e prevenção de doenças, enfati- cessidades sociais e ações do Estado (CAMPOS;
zadas pela constituição do Piso da Atenção BARROS; CASTRO, 2004).
Básica (PAB) e estímulos ao Programa No fim de 2004, novas mudanças
Saúde da Família e Programa de Agentes ocorrem no MS, em razão das quais a área
Comunitários (PSF/Pacs) (BAPTISTA, 2003). No de promoção da saúde e o debate da polí-
âmbito da SPS, a promoção da saúde tornou- tica foram deslocados para a Secretaria de
-se um dos três eixos fundamentais para a Vigilância em Saúde (SVS), subordinada à
formulação de políticas. Coordenação-Geral de Doenças e Agravos
Em 1998, o MS, em cooperação com o Não-Transmissíveis (CGDANT). Com a
PNUD, desenvolveu o Projeto Promoção da mudança, perdeu-se a ênfase na proposta de
Saúde em um Novo Modelo de Atenção, cujo uma política transversal tal como pensada
objetivo era implementar e consolidar a pro- no âmbito da SE.
moção da saúde no Brasil a partir da opera- Neste contexto, importante movimento na
cionalização dos cinco campos da Carta de direção da construção da PNPS foi a institui-
Ottawa, além de institucionalizar uma polí- ção do Comitê Gestor da PNPS (CGPNPS) em
tica nacional (BRASIL, 2002B). 2005, com o objetivo de consolidar a proposta
No ano de 2002, o MS apresentou um do- de uma PNPS e articular e integrar a promoção
cumento para discussão intitulado ‘Política da saúde no SUS. Inicialmente, a composição
Nacional de Promoção da Saúde’ (BRASIL, do Comitê pressupôs apenas adotar repre-
2002A). O documento não foi encaminha- sentantes do setor saúde, da esfera federal.
do como política, mas já apresentava uma Somente em 2007 foram incorporados
capacidade criadora e a busca da felicidade a política ainda define-se como uma proposta
como igualmente relevantes e indissociáveis de caráter transversal e intersetorial, numa
das demais dimensões humanas. Dessa forma, discussão próxima à que se realizava desde
a promoção da saúde é indicada como viven- 2003 no âmbito da SE.
cial e colada ao sentido de viver e aos saberes Na PNPS de 2006, há um esforço em con-
acumulados, tanto pela ciência como pelas ceituar a promoção da saúde a partir dos
tradições culturais locais e universais. Ou seja, marcos legais das cartas da promoção inter-
reforça o reconhecimento de que as ações de nacionais. Assim, por meio de um panorama
promoção da saúde apresentam um ‘compo- geral, a PNPS localiza o debate como estratégia
nente regulatório’, mas faz a aposta de que de articulação transversal, com estreita relação
tais ações podem ser mais indutoras e estar a com a vigilância em saúde, privilegiando o
serviço do desenvolvimento humano e do pro- bem de todos e a construção de uma sociedade
cesso de emancipação da nação, com mobili- solidária, cujo objetivo geral se concentra em
zação comunitária e intimamente vinculada à torno da redução de vulnerabilidade e riscos
concepção de território vivo, de Milton Santos. à saúde e da qualidade de vida. Nesse ponto, a
O documento afirma que a promoção da discussão se aproxima da vigilância em saúde
saúde não deveria ser mais um nível de atenção e, portanto, do conceito de prevenção.
e nem deveria corresponder a ações anteriores A estrutura do documento reforça uma
à prevenção, colocando-se o desafio de reo- preocupação com a definição de estratégias
rientar os serviços de saúde para superar a de ação que sejam passíveis de acompanha-
fragmentação do assistir à doença, em direção mento, com proposições e compromissos de
à atenção integral. Com isso, a aposta refere-se gestão que reforçam a promoção da saúde
às estratégias intersetoriais para definição de de caráter regulatório, focada na mudança
problemas prioritários, buscando a integração dos estilos de vida e na redução de fatores de
e implementação pelos municípios. risco, ainda que acompanhada da perspecti-
O documento para discussão de 2002 va do conceito ampliado de saúde.
não apresenta autoria. Trata-se de um texto A ênfase discursiva do documento define
que discute em profundidade a temática da estratégias prioritárias que reforçam uma
promoção, numa interface com as ciências dada perspectiva de promoção da saúde,
humanas e sociais. O uso de um vocabulário que visa ao controle e prevenção de doenças
diferenciado e crítico chama a atenção. E, com ações que pautam hábitos e estilos de
apesar de enunciar-se como um documento vida, como: alimentação saudável, prática
propositivo da Política, não apresenta estra- corporal, atividade física, controle do ta-
tégias ou ações para operacionalização de bagismo, redução da morbimortalidade
uma política. em decorrência do uso abusivo de álcool e
O documento aprovado em 2006 segue outras drogas, redução da morbimortalida-
outro caminho discursivo em relação ao de de por acidentes de trânsito, prevenção da
2002. Foi assinado pelo Ministro José Agenor, violência e cultura da paz e promoção do
que apresenta um panorama geral da promo- desenvolvimento sustentável.
ção da saúde no campo da saúde, recuperando O documento de 2006 recorreu exclusiva-
a Agenda de Compromisso pela Saúde defi- mente a textos nacionais oficiais, sem qual-
nida pelo MS em 2005 e o Pacto pela Saúde quer menção ao documento produzido em
de 2006. O Ministro identifica como grande 2002. É um documento que adota o discurso
desafio para a PNPS o estabelecimento de um oficial, com objetivos e ações que não condi-
diálogo entre as diversas áreas do setor saúde, zem com a dimensão complexa ora apresenta-
incluindo o setor privado, não governamental da no debate da política, mantendo-se restrito
e outros setores do governo. Com tal ênfase, ao debate das estratégias para combate dos
Quadro 1. Documentos da Política Nacional de Promoção da Saúde (trechos dos documentos - página) – 2002, 2006, 2014
Quadro 1. (cont.)
Quadro 1. (cont.)
O segundo momento, com a edição da PNPS Uma das grandes apostas do documento
de 2006, não parece guardar referência direta de 2014 está no destaque que se dá à intras-
com o primeiro momento quanto à continui- setorialidade, reconhecendo a complexidade
dade, já que se estabelecem sobre novas bases, do setor saúde e as disputas inerentes ao
com um forte componente de vigilância, não só campo, alertando para o grande desafio de
em função de seu novo lugar na estrutura do construção de consensos em seu interior,
MS (SVS), como também fundamentado em tanto quanto para fora dele, o que torna ne-
evidências que demonstravam a urgência no cessário assumir e empreender o debate da
desenvolvimento de uma política que se mos- promoção da saúde com a saúde, no SUS.
trasse potente no enfrentamento dos agravos Nesse sentido, a revisão do documento da
não transmissíveis. A agenda da promoção política em 2014 trouxe de volta ao debate
da saúde se organizou, portanto, em torno de a discussão de valores, para a criação de
um conjunto de questões estratégicas com um fazer que articule diferentes dimensões
um forte componente regulatório, focando humanas, partindo de um reconhecimento
na mudança dos estilos de vida e redução dos ampliado de saúde, que já não se contenta com
riscos, estando mais alinhada à orientação da ações fragmentadas, isoladas e desconectadas
SVS e devendo responder às situações identifi- entre si. A construção do documento envol-
cadas pelos indicadores de saúde. veu diferentes atores, dos diferentes territó-
Assim, em 2006, há uma inflexão impor- rios, das diferentes regiões do Brasil, com o
tante da política com maior operacionaliza- objetivo de desenvolver um debate articulado
ção e definição de estratégias para execução e consciente das novas necessidades do SUS,
da política. Enquanto o documento de 2002 das demais políticas e formas de organização.
apresentava uma reflexão conceitual, sem Trata-se de complementaridade, e não
proposições claras e implementáveis, o do- necessariamente de continuidade, o que
cumento de 2006 trazia proposições e perdia reconhecemos na trajetória de tal política.
na profundidade do debate, com o intuito de Questões aparentemente superadas em 2002,
responder a uma demanda clara de opera- ganham fôlego em 2006 e são retomadas em
cionalização da política. 2014, a exemplo da discussão de risco que foi
O terceiro momento, identificado com retomada em seu sentido mais amplo e não
o documento de 2014, parece unir algumas mais com ênfase nos agravos, como em 2006.
pontas, retomando e aprofundando os con- Ainda assim, é preciso reconhecer que o
ceitos de promoção da saúde e, ao mesmo debate da promoção da saúde apresenta uma
tempo, preservando os elementos já pre- trajetória discursiva que permite o uso polis-
sentes e identificados como necessários sêmico e vinculado aos interesses e preten-
na política de 2006, tais como alimentação sões de quem o empreende. É interessante
saudável, tabagismo, atividade física, por observar que os dilemas desse campo, presen-
exemplo. Avança na interlocução com os tes desde o século XVIII, ainda são bastante
demais dispositivos das políticas no âmbito atuais, em especial na tensão entre ações indi-
do SUS, procurando não perder de vista a viduais e coletivas, exigindo reflexão constan-
necessidade real de por em prática ações te sobre o sentido de promoção da saúde que
concretas. se quer alcançar (FERREIRA; CASTIEL, 2009).
O que está em questão em 2014 já não é O debate brasileiro recente revela essas
mais a importância ou não da promoção da tensões, e a definição de uma Política de
saúde e sim de que forma ela pode ou não promoção da saúde parece tanto reforçar
contribuir de maneira articulada com os uma tendência prescritiva e normalizado-
demais componentes e políticas de saúde. ra da saúde como produzir o debate acerca
dos determinantes sociais e a adoção de
uma concepção ampliada de saúde. Nesse ampliado de saúde, mas, de outro, é preciso
sentido, politizar o debate é o primeiro passo reforçar a responsabilidade do Estado na
na construção de uma política de promoção produção de condições de vida condizentes
da saúde no Brasil. De um lado, reconhecer com as necessidades da população, para não
o protagonismo dos sujeitos na construção se correr o risco de se afirmar uma política
da saúde tem se mostrado uma importante que, principalmente, culpabiliza e responsa-
ferramenta na divulgação de um conceito biliza o indivíduo pela sua não saúde. s
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Recebido para publicação em maio de 2015
Versão final em agosto de 2015
Confllito de interesses: inexistente
ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios
Suporte financeiro: não houve
sobre a história da assistência médica. Rio de Janeiro:
Graal, 1980.
Shirley Soares da Silva Marins do Patrocínio1, Cristiani Vieira Machado2, Márcia Cristina
Rodrigues Fausto3
RESUMO O artigo analisa a implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf ) como
uma estratégia da política de Atenção Básica brasileira, com base nas diretrizes nacionais e a
implementação local. O estudo compreendeu dois eixos: caracterização e implantação nacio-
nal do Nasf; e realização de dois estudos de caso municipais no estado do Rio de Janeiro. Os
resultados mostraram que a expansão nacional do Nasf foi expressiva, porém desigual no País
e no estado do Rio. O processo de implementação local variou conforme o contexto, as con-
dições de gestão, as características da Atenção Básica e com as decisões políticas dos atores
municipais, com implicações para o funcionamento dos núcleos.
ABSTRACT This article analyzes the deployment of the Family Health Support Centre as a stra-
tegy under the Brazilian primary health care policy, regards the national guidelines and local
implementation. The study focuses on two objectives: the description of the Nasf and its natio-
nal implementation; and the development of two local case studies in Rio de Janeiro State. The
results showed that Nasf growth has been expressive, yet unequal, both nationwide and in Rio de
Janeiro. The local implementation process varied according to the context, the management con-
1 Fundação
ditions, the primary health care characteristics and to political decisions made by local actors.
Oswaldo Cruz
(Fiocruz), Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio KEYWORDS Primary Health Care; Family Health Strategy; Public health Policy; Unified Health
Arouca (Ensp) – Rio
de Janeiro (RJ), Brasil. System.
sssmarins@yahoo.com.br
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005373 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 105-119, DEZ 2015
105
106 PATROCÍNIO, S. S. S. M.; MACHADO, C. V.; FAUSTO, M. C. R.
(BRASIL, 2008).
No País, foram credenciados 136 equipes ribeirinhas e fluviais – e à Academia
Nasf intermunicipais entre 2008 e 2011, ano da Saúde; 2) flexibilização da carga horária
em que essa modalidade foi extinta. com o objetivo de fixação dos profissionais;
A PNAB divulgada em 2011 incluiu novas 3) extinção do Nasf intermunicipal, mantido
diretrizes para o Nasf, como o aumento, de o financiamento apenas aos já habilitados; 4)
13 para 19, das categorias profissionais ad- supressão do Nasf 3, que tornou-se automa-
mitidas para compor o núcleo e o reforço do ticamente Nasf 2 (BRASIL, 2012).
papel simultaneamente matriciador e assis- Em dezembro de 2011, existiam no territó-
tencial das equipes de apoio. Outras inova- rio nacional 1.589 núcleos, sendo 1.415 Nasf 1
ções foram: 1) vinculação às equipes de AB de e 174 Nasf 2, cuja composição profissional é
populações específicas – consultório de rua, apresentada na gráfico 1.
Gráfico
1.
Número
de
profissionais
de
Nasf
credenciados,
por
Gráfico 1. Número de profissionais de Nasfocupação
credenciados, por p rofissional
ocupação profissional - –
Brasil,
Brasil, 2011 2011
Fisioterapeuta
Psicólogo
Nutricionista
Assistente
Social
Profissional
de
Educação
Física
Fonoaudiólogo
Farmacêu@co
Terapeuta
Ocupacional
Médico
Pediatra
Médico
Ginecologista
Médico
Psiquiatra
Médico
Homeopata
Médico
Acupunturista
Outros
Nº de Profissionais
Em relação à composição dos profissio- para inserção na ESF (CASTRO; MACHADO, 2012).
nais nos Nasf, observa-se que a categoria Entretanto, destacam-se dentre os médicos,
profissional mais frequente nacionalmente pediatras, ginecologistas e obstetras, o que
é o fisioterapeuta, seguida por psicólogo, pode representar a legitimação desses pro-
nutricionista e assistente social. A pequena fissionais, que atuam historicamente no
quantidade das especialidades médicas em âmbito da ABS.
relação às outras categorias profissionais A adesão ao Nasf foi variada no território
da saúde corrobora o resultado de estudo nacional, como pode ser visto na tabela 1, que
anterior sobre os condicionantes da formu- expõe indicadores selecionados de implanta-
lação da proposta, que registrou forte influ- ção da ESF e do Nasf por Unidades Federadas
ência da reivindicação de outras categorias (UF), regiões e total do Brasil em 2011.
Tabela 1. Indicadores selecionados de implantação da ESF e do Nasf – UF, regiões, Brasil – 2011
Abrangência
Nº de
Estimada Razão Equipe
População Equipes Nº Nasf
Região UF ESF Nº Nasf 1 Nº Nasf 2 de Saúde da
Estimada de Saúde Total
% Família/ Nasf
da Família
Nota: Dados populacionais – IBGE (Acesso em: 20 maio 2012). Demais dados – Sala de Apoio à Gestão Estratégica do Ministério da
Saúde (Acesso em: 20 maio 2012).
0 5 10 15 20 25 30 35
Tabela 2. Indicadores selecionados de implantação da ESF e do Nasf nos municípios do estado do Rio de Janeiro com Nasf implantados – 2011
Abrangência Razão
N° de
Estimada Equipe de
População Equipes de N° N° N° Nasf
Região de Saúde Município ESF Saúde da
Estimada Saúde da Nasf 1 Nasf 2 Total
% Família/
Família
Nasf
Angra dos Reis 173.370 37 75,3 4 0 4 9,2
Baía de Ilha Grande
Mangaratiba 37.343 11 100,0 1 0 1 11,0
Armação dos Búzios 28.279 8 100,0 1 0 1 8,0
Baixada Casimiro de Abreu 36.360 10 97,6 1 0 1 10,0
Litorânea São Pedro da Aldeia 89.739 12 47,1 1 0 1 12,0
Saquarema 75.906 11 51,1 1 0 1 11,0
Capital Rio de Janeiro 6.355.949 506 27, 6 47 0 47 10,7
Areal 11.540 5 100,0 1 0 1 5,0
Eng. Paulo de Frontin 13.324 6 100,0 1 0 1 6,0
Centro Sul-
Mendes 17.981 7 100,0 1 0 1 7,0
Fluminense
Paraíba do Sul 41.367 17 100,0 2 0 2 8,5
Três Rios 77.851 22 94,8 2 0 2 11,0
Tabela 2. (cont.)
Barra Mansa 178.355 31 60,1 3 0 3 10,3
Pinheiral 22.968 8 100,0 1 0 1 8,0
Piraí 26.637 10 100,0 1 0 1 10,0
Médio Paraíba
Rio Claro 17.517 8 100,0 1 0 1 8,0
Rio das Flores 8.633 4 100,0 0 1 1 4,0
Volta Redonda 259.012 60 80,2 8 0 8 7,5
Metropolitana Belford Roxo 472.008 32 23,5 3 0 3 10,6
I
Mesquita 168.966 14 28,6 1 0 1 14,0
Seropédica 79.179 16 70,6 1 0 1 16,0
Metropolitana
Maricá 131.355 14 37,8 1 0 1 14,0
II
São Gonçalo 1.008.065 166 57,2 15 0 15 11,0
Silva Jardim 21.356 8 100,0 1 0 1 8,0
Norte Macaé 212.433 25 41,7 3 0 3 8,3
Fluminense Quissamã 20.747 8 100,0 1 0 1 8,0
Bom Jesus do 35.546 10 97,4 1 0 1 10,0
Itabapoana
Noroeste
Itaperuna 96.542 18 64,7 2 0 2 9,0
Fluminense
Santo Antonio de 40.735 10 85,0 1 0 1 10,0
Pádua
Bom Jardim 25.539 8 100,0 1 0 1 8,0
Serrana
Cachoeiras de Macacu 54.713 9 57,2 1 0 1 9,0
Nota: Dados populacionais – IBGE. Dados de abrangência populacional estimada das ESF – Sala de Apoio à Gestão Estratégica do Ministério da Saúde (Acesso em: 19 jul. 2012).
Dados dos Nasf – Projetos Municipais dos Nasf/SES/RJ.
Observa-se que todos os municípios do Para análise da implantação local do Nasf, re-
estado do Rio de Janeiro que aderiram ao alizaram-se dois estudos de caso em municípios
Nasf e que possuem 100% de abrangência fluminenses com características bem diferen-
populacional da ESF encontram-se dentro ciadas. O município A é de pequeno porte, ati-
da faixa recomendada pelo governo federal vidade econômica baseada na pesca e turismo,
de um Nasf para cada 8 a 15 EqSF. Assim, emancipação política e organização do sistema
a possibilidade de expansão adicional dos de saúde municipal posterior à Constituição de
núcleos nesses municípios é limitada. 1988. Já o município B, apresenta médio porte
Entretanto, os municípios com pequena populacional, atividade econômica centrada
e média abrangência da ESF têm a possi- no comércio e indústria, é mais antigo, possui
bilidade de ampliá-la, o que também pode sistema de saúde historicamente marcado por
significar um aumento das equipes de Nasf. características do modelo médico-assistencial
Destaca-se o município de Seropédica, como anterior à constituição do SUS e presença mais
a maior possibilidade de expansão da pro- expressiva do setor privado.
posta Nasf, visto que apresenta relação entre O quadro 1 resume as principais caracte-
o número de EqSF e Nasf superior ao parâ- rísticas e os resultados da análise de imple-
metro nacional, e possibilidade de aumentar mentação dos Nasf nos dois municípios do
a abrangência da ESF. estudo de casos.
Município A Município B
Localização Baixada Litorânea Centro-Sul Fluminense
Faixa populacional Menos de 50.000 De 50.000 a 99.999
(Hab)
Cobertura saúde da 100% 94,8%
família
N° de Nasf 01 02
Início da implementação 2009 2009
- assistente social, educador físico, fisioterapeuta, médico - assistente social, educador físico,
Composição Profissional psiquiatra, médico pediatra, nutricionista, psicólogo, terapeuta fisioterapeuta, médico ginecologista, médico
ocupacional. pediatra, nutricionista, psicólogo.
Estrutura física e - adequados e satisfatórios. - apontados como precários.
equipamentos
- mais relacionado ao gerenciamento e matriciamento; - mais relacionado ao atendimento individual
- deslocamento diário dos profissionais às Unidades de Saúde especializado;
Funcionamento
da Família (USF). - deslocamento diário dos profissionais às
USF.
- conhecimento prévio de demandas das equipes de Saúde da - reunião da coordenação Nasf com os
Família; profissionais para elaboração de proposta
- elaboração de cronograma mensal de atividades em de ação para cada área de conhecimento de
conjunto com as EqSF ; forma isolada e sem conhecimento prévio das
Organização - visitas sistematizadas às USF; demandas das EqSF;
- reunião semanal da equipe Nasf. - planejamento das atividades realizadas pelos
profissionais;
- reunião mensal para apresentação de
resultados e metas.
- integração entre apoio matricial e assistência individual; - dicotomia entre apoio matricial e assistência
- atividades: consultas clínicas individuais, discussão de individual;
casos clínicos, ações clínicas compartilhadas, atividades de - atividades: atendimentos individuais, sala
educação permanente para profissionais da ESF, discussões de espera, atividades em escolas, visitas
Modelo de atenção
sobre o processo de trabalho da ESF e do Nasf, elaboração de domiciliares nem sempre conjuntas;
intervenções no território em conjunto com as equipes, visitas - o trabalho em equipe não foi destacado.
domiciliares conjuntas.
- trabalho em equipe em desenvolvimento.
- necessidades demandadas pelas EqSF para o Nasf; - bons profissionais do Nasf;
Fatores que favoreceram
- aceitação e adesão dos profissionais da ESF à proposta; - empenho da nova coordenação para
a implementação
- apoio político do gestor da saúde. aperfeiçoamento da proposta.
- desconhecimento da população sobre o Nasf. - precário espaço físico das USF e do Nasf;
- desconhecimento da proposta por parte das
Fatores que dificultaram
EqSF, da população e da rede de saúde;
a implementação
- salários precários e inferiores aos da ESF;
- forma de contratação dos profissionais.
Nota: IBGE (dados populacionais), Sala de Apoio à Gestão Estratégica do Ministério da Saúde (Cobertura estimada da Estratégia Saúde da Família) e pesquisa de
campo (análise de documentos municipais e entrevistas).
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Cruz, Recife, 2014.
Fernando Manuel Bessa Fernandes¹, José Mendes Ribeiro², Marcelo Rasga Moreira³
RESUMO O objetivo do artigo é subsidiar o debate sobre os efeitos que o conjunto de peças
jurídico-administrativas e político-legislativas tem na atuação institucional e na práxis dos
gestores e profissionais dos sistemas socioeducativo e de saúde. Levantaram-se e analisaram-
-se as leis, portarias, resoluções, normas, textos acadêmicos e institucionais que embasam e
constituem a política de saúde voltada aos adolescentes infratores no Brasil. Há assimetria
entre as legislações e normatizações e a realidade das unidades socioeducativas, o que torna
urgente superar as barreiras de preconceito e estigmatização via investimento em recursos
humanos e parcerias governamentais interinstitucionais.
ABSTRACT The paper aims to support the debate on the effects that the set of legal, administrati-
ve and political pieces of legislation have on institutional performance and practice of managers
and professionals from the socio-educational and health systems. Laws, ordinances, resolutions,
regulations, academic and institutional texts were raised and analyzed that support and provide
the health policy dedicated to offenders adolescents in Brazil. There is asymmetry between the
laws and norms and the reality of Socio-Educational Units, which makes it urgent to overcome
1 Fundação Oswaldo Cruz the barriers of prejudice and stigmatization through investment in human resources and inter-
(Fiocruz), Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio governmental partnerships.
Arouca (Ensp) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
fernando.bessa@ensp. KEYWORDS Public health; Public health policies; Adolescent health; Adolescent, institutionali-
fiocruz.br zed; Health of institutionalized adolescents.
2 Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio
Arouca (Ensp) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
ribeiro@ensp.fiocruz.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 120-131, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005119
120
A saúde do adolescente privado de liberdade: um olhar sobre políticas, legislações, normatizações e seus efeitos 121
na atuação institucional
Quadro 1. Peças jurídico-administrativas e político-legislativas diretamente relacionadas à consolidação da Política de Saúde dos Adolescentes Privados
de Liberdade no Brasil
Para além da própria dificuldade em ela- 12.594/2012 (BRASIL, 2012B), também regido
borar e converter uma proposição governa- pelos artigos referentes à socioeducação do
mental em política (LOPEZ; MOREIRA, 2013), talvez ECA, pela Resolução 119/2006, do Conselho
um dos grandes desafios enfrentados na Nacional dos Direitos da Criança e do
implementação e execução da PNAISARI Adolescente (Conanda) (BRASIL, 2006), e pela
esteja na discrepância e no conflito de lógicas Resolução 160/2013, também do Conanda,
entre os documentos e as práticas cotidianas que institui o Plano Nacional de Atendimento
de atendimento do adolescente em conflito Socioeducativo (BRASIL, 2013).
com a lei e privado de liberdade. A coordenação do Sinase, inserida na es-
A lógica do SUS se choca com as caracte- trutura da Secretaria de Direitos Humanos
rísticas de instituição total que as unidades da Presidência da República (SDH/PR), é
socioeducativas de internação e internação o locus do governo federal responsável pela
provisória ainda apresentam, pelos discursos aplicação das medidas socioeducativas, em
e práticas usuais dos profissionais e gestores consonância com os diferentes ministérios
nelas observadas. Por seu turno, a lógica e outras instâncias nacionais, e também com
das legislações e normatizações encontra as instâncias subnacionais correlatas, ao es-
consideráveis dificuldades de ressonância tabelecer diretrizes nacionais de atuação e
e concretização no cotidiano das unidades parâmetros no âmbito da arquitetura, segu-
socioeducativas. rança, gestão e socioeducação para as unida-
Tais fatores obstaculizam a plena exe- des socioeducativas.
cução de ações sistematizadas, articuladas Ao evidenciarem-se as dificuldades de en-
e integradas visando ao atendimento das tendimento das especificidades do relacio-
necessidades dos adolescentes, em suas namento entre as diversas áreas envolvidas,
diversificadas dimensões de realidade, em em particular, a saúde, foi, tem sido e será es-
cumprimento dos princípios, valores e dire- pecialmente fundamental para a PNAISARI
trizes estabelecidas na Constituição Federal que a CGSAJ/Dapes/SAS/MS mantenha um
de 1988 e nos dispositivos legais, assim como bom relacionamento com a coordenação do
nas normatizações. Sinase, a fim de que se fortaleça a viabilidade
Considerando-se saúde como bem-estar das articulações e ações preconizadas, tanto
em todos os sentidos e possibilidades de no sentido dos direitos humanos quanto
desenvolvimento da pessoa, com direitos no dos direitos sociais, e, nestes, o direito
humanos e sociais consagrados na legislação, à saúde. Em outras palavras, põe-se para a
a estruturação de um sistema de garantia de CGSAJ/Dapes/SAS/MS a demanda de pro-
direitos da criança e do adolescente infere-se moção constante do entrelaçamento e da
a partir do ECA e passa pela ideia de articu- potencialização mútua de interesses conver-
lação e integração em rede das instâncias pú- gentes de atores e instituições envolvidos.
blicas governamentais e da sociedade civil, Porém, tendem à escassez articulações
na aplicação de instrumentos normativos e mais estreitas e efetivas com outros órgãos
no funcionamento dos mecanismos de pro- estratégicos, tais como a Secretaria Nacional
moção, defesa e controle para a efetivação de Juventude da Presidência da República
dos direitos da criança e do adolescente, nos (SNJ/PR), as Varas de Infância e Juventude e
níveis federal, estadual, distrital e municipal o Ministério Público, o que incide na própria
(BRASIL, 2012C). situação dos adolescentes em privação de
Sob a égide desse sistema de garantia de di- liberdade, seja em função da ausência de
reitos, instituiu-se, em 18 de janeiro de 2012, propostas de modificação e incremento da
o Sistema Nacional de Acompanhamento cultura organizacional e das ações de aten-
Socioeducativo (Sinase), pela Lei Federal dimento nas unidades socioeducativas, seja
constante de práticas cotidianas são ações saúde, é o ponto focal para o qual convergem
que não podem ser relegadas a segundo questões contraditórias, de natureza bastan-
plano, sob pena de se configurar retrocesso te delicada e dificultosa. A figura 1 congrega
nas formas de lidar com a situação do ado- o conjunto de reflexões expostas neste artigo
lescente que cumpre medida socioeducativa. na forma de mapa conceitual, construindo
Por certo, o adolescente em conflito com um panorama da relação entre a saúde e a
a lei, privado de liberdade e do seu direito à socioeducação no Brasil:
SUS
que buscam
instituem
ECA transformar
marcos
PNAISARI
SINASE
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RESUMO Com objetivo de analisar a participação das instâncias de controle social do SUS-
Bahia na Política Estadual de Saúde Mental foi elaborado um modelo de análise fundamen-
tado na Teoria do Ciclo de Políticas Públicas de John Kingdon. As análises das propostas das
conferências de saúde mental, das atas do Conselho Estadual de Saúde, de documentos da
Secretaria de Saúde do Estado e do conteúdo das entrevistas com sete informantes-chaves
permitiram inferir que as conferências apresentaram propostas consonantes com a Reforma
Psiquiátrica; o Conselho, entretanto, não consolidou essas propostas e nem foi propositivo
para a formulação e implementação dessa política no âmbito estadual.
ABSTRACT In order to analyze the participation of social control instances of SUS-Bahia State
Mental Health Policy was elaborated a model of analysis based on the theory of public policy cycle
of John Kingdon. The analysis of the proposals of the Mental Health Conference, the protocols of
the State Board of health, the Department of Health documents of the State and the content of the
interviews with seven key informants allowed to infer that the conferences presented proposals
in line with the psychiatric reform, however, the Council hasn’t consolidated these proposals and
it wasn’t intentional for the formulation and implementation of such a policy at the State level.
KEYWORDS Social participation; Health councils; Health conferences; Mental health; Public
policies.
1 Secretaria Estadual da
2 Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Instituto
de Saúde Coletiva (ISC) e
Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências Professor
Milton Santos (IHAC) –
Salvador (BA), Brasil.
carment@ufba.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 132-144, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005467
132
Participação das instâncias de controle social na Política de Saúde Mental da Bahia, 2001-2013 133
Desse modo, este estudo objetivou anali- 2011),o autor defende que para um problema
sar a participação das instâncias de controle ascender à agenda governamental precisa
social (conselho e conferências) no processo incomodar o governo ou os atores ligados a
de formulação, implementação e avaliação ele. Quando isso acontece, surgem inúmeras
da Política de Saúde Mental na Bahia, no alternativas de soluções para o problema,
período 2001 – 2013; e descrever as ações, e diversos atores (governamentais ou não)
os programas e serviços de saúde mental influenciam no processo de formulação e
implantados e implementados (ou não) pela implementação da política (KINGDON, 2011).
Secretaria Estadual da Saúde do Estado da Adotando essa perspectiva, esse estudo
Bahia (Sesab) nos períodos 2001 – 2006 e analisa o fluxo de problemas, alternativas e
2007 – 2013. soluções que compõem a participação das
instâncias de controle social, entendidas
como atores e arenas, no processo de formu-
Modelo de análise lação, implementação e avaliação da Política
Estadual de Saúde Mental na Bahia.
A análise da participação do CES-BA, das A seguir apresenta-se o modelo teórico
Conferências Estaduais de Saúde Mental (figura 1) elaborado para contribuir na de-
(Cesm) e da Sesab no ciclo da Política de finição das categorias de análise e para a
Saúde Mental no Estado, foi realizada a fundamentação da discussão dos resultados,
partir da proposta de John W. Kingdon com intuito de alcançar os objetivos propos-
(2011). Esta proposta contempla a articu- tos e responder às perguntas de investigação.
lação de um conjunto de três fluxos que Como se pode observar no modelo, conside-
incidem sobre o processo de construção de ramos o CES-BA e as conferências estaduais
uma agenda, sendo que o primeiro fluxo de saúde, simultaneamente, como espaços
implica na transformação de uma questão onde se verifica a atuação ou não de sujeitos
num problema, o segundo inclui a seleção individuais e coletivos em função de deter-
de soluções e alternativas aplicadas a minadas concepções acerca da organização
esse problema, e o terceiro diz respeito às e gestão do sistema de saúde e dos interes-
forças e influências políticas envolvidas na ses políticos que pretendem representar.
inserção do problema na agenda política O estudo do processo decisório no âmbito
governamental. No desenvolvimento das das conferências e do conselho contempla,
relações entre os fluxos, há envolvimento conforme o modelo proposto, a análise dos
de diversos atores postos diante de várias fluxos de problemas, propostas e soluções
oportunidades em diferentes cenários, os apresentadas, discutidas, aprovadas e even-
quais atuam influenciando o processo de- tualmente implementadas a partir da dinâ-
cisório de formulação e implementação mica política estabelecida nas conferências,
das políticas públicas (KINGDON, 2011). conselho de saúde e no espaço institucional
Considerando que nem todas as questões da Secretaria Estadual de Saúde, particu-
emergentes no ambiente social são consi- larmente na Coordenação Estadual da Área
deradas problemas para o governo (KINGDON, Técnica de Saúde Mental.
Figura 1. Modelo de análise da participação do CES-BA, das Conferências de Saúde Mental e da Sesab na Política Estadual de Saúde Mental
O projeto foi avaliado e aprovado pelo (segmento do governo), que não aceitou par-
Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de ticipar da pesquisa, dando lugar ao segundo
Saúde Coletiva da Universidade Federal da colocado, representante do sindicato dos
Bahia, sob parecer n.º 965.788/2014. Foram profissionais de saúde do estado (segmento
entrevistados três conselheiros (um médico, dos trabalhadores da saúde) e por fim, no
uma enfermeira e uma socióloga), que de- terceiro grupo, o representante do Sindicato
clararam estar envolvidos com a Política de dos Trabalhadores Federais da Saúde (seg-
Saúde Mental na Bahia, e quatro profissio- mento de trabalhadores da saúde) foi quem
nais da Área Técnica de Saúde Mental da mais argumentou durante as reuniões, e
Sesab (três médicos psiquiatras e uma psi- aceitou participar da pesquisa.
cóloga), sendo que todos assinaram o Termo Os critérios de inclusão dos informantes-
de Consentimento Livre e Esclarecido. -chaves da Área Técnica de Saúde Mental da
Para a realização das entrevistas, utilizou- Sesab foram: ter trabalhado ou trabalhar na
-se como instrumento de coleta de dados Área Técnica de Saúde Mental por no mínimo
um roteiro específico para conselheiros e um ano no período do estudo; não ter sido ou
outro para coordenadores ou profissionais ser conselheiro no CES-BA; ser profissional
da Área Técnica de Saúde Mental da Sesab. de saúde; e ter participado de uma das con-
Todas as entrevistas foram gravadas, trans- ferências estaduais de saúde mental. Desse
critas e lidas, sendo selecionadas posterior- modo, intencionalmente, quatro informantes-
mente as unidades de registro (trechos dos -chaves foram selecionados para contemplar
discursos) e, por fim, agrupadas nas subca- todos os anos do período do estudo, sendo
tegorias descritas conforme equivalência um informante-chave para cada tempo de
semântica entre as unidades de registro e as atuação na área técnica (2001 – 2003; 2003 –
subcategorias. 2009; 2009 – 2012; e 2009 – 2013).
Vale ressaltar que os critérios para
escolha dos participantes foram diferen-
tes por se tratar de sujeitos que atuam em Resultados
locais distintos. Para selecionar os três con-
selheiros, seguiu-se à lógica de maior par- A apresentação dos resultados segue a
ticipação com uso da fala nos momentos de lógica do modelo proposto para a análise
discussão sobre saúde mental nas 32 atas da Política Estadual de Saúde Mental em
analisadas no período do estudo. Como o cada um dos dois momentos. No primei-
período de participação dos conselheiros é ro momento (2001 – 2006) são apresen-
de dois anos, prorrogados por mais dois, as tadas inicialmente as propostas da III
atas foram agrupadas em três períodos de Conferência Estadual de Saúde Mental,
anos de estudo, formados por quatro anos os seguidas da descrição da dinâmica política
dois primeiros grupos (2001 – 2004 e 2005 no âmbito do CES-BA e, por fim, da análise
– 2008) e cinco anos o último (2009 – 2013). das ações programadas e implementadas
No primeiro grupo, o representante da (ou não) pela Sesab. No segundo momento
Central Única dos Trabalhadores (segmento (2007 – 2013), optou-se por iniciar com a
de usuários) foi quem mais usou a fala nas descrição da dinâmica do CES-BA, seguida
reuniões, mas ele não foi localizado, dando das propostas da IV Cesm intersetorial e
lugar ao segundo colocado que representa- por fim as ações realizadas pela Sesab. Ao
va o sindicato dos profissionais de saúde do final de cada um dos momentos, apresen-
estado (segmento de trabalhadores da saúde); ta-se uma síntese das relações identifica-
no segundo grupo, o primeiro classificado foi das entre as propostas das conferências, o
o representante de uma universidade pública debate no CES-BA e o que foi efetivamente
repetem ao longo dos anos, a exemplo das a extinção dos manicômios em todo o estado
condições precárias dos hospitais psiquiá- e que se estruturasse e ampliasse os serviços
tricos e a ausência e deficiências de serviços de caráter substitutivo.
substitutivos ao modelo asilar em todo o As 314 propostas incluídas no relatório
estado. As deliberações aprovadas em plená- final da IV Conferência foram distribuídas em
ria não conduziram ao efetivo acompanha- três grandes eixos: ‘Saúde mental e políticas
mento da formulação e da implementação da de Estado: pactuar caminhos intersetoriais’,
Política Estadual de Saúde Mental. 153; no eixo 2 – ‘Consolidar a rede de atenção
Os limites do conselho, relativos à saúde psicossocial e fortalecer os movimentos’, 78;
mental, não são restritos ao baixo teor pro- e no eixo 3 – ‘Direitos humanos e cidadania
positivo da plenária, expressando-se até como desafio ético e Intersetorial’, 83 (BAHIA,
mesmo na forma como os membros se orga- 2010). Nesses sub-eixos é surpreendente a
nizam para formar uma comissão específica ênfase dada à intersetorialidade, uma diretriz
para a saúde mental. A Comissão de Saúde do SUS que ocupou os espaços de debate e se
Mental, que substituiu a Comissão Técnica de constituiu como estratégia para a área.
Reforma Psiquiátrica, chegou a atuar no con- Para concluir a análise desse momento,
selho, no entanto, foi extinta gradativamente verificou-se nos planos estaduais de saúde
pelos conselheiros, sendo comentado pelos (2008 – 2011 e 2012 – 2015) a persistência
entrevistados os limites e problemas para a dos problemas da área de saúde mental no
manutenção desta Comissão: estado, principalmente relacionados ao alto
número de leitos em hospitais psiquiátricos
[...] ainda estamos mesmo nesse processo de onde se internam pessoas com transtornos
conseguir construir a comissão, mas ainda não mentais ou moradores de rua; a quantida-
tivemos a oportunidade da mudança, que está de insuficiente de serviços substitutivos; e
sendo elaborada para que o ‘Pleno’, que é a ins- a precarização dos vínculos de trabalho na
tância máxima do conselho, ele se posicione no área. Como alternativas para esses proble-
sentido de que essa comissão venha a ser criada mas, a Sesab programou implantar 35 leitos
de forma mais institucionalizada (conselhei- em hospitais gerais, sendo de fato registra-
ro); [...] a nossa ideia é transformar esse grupo da nos relatórios de gestão a implantação
de trabalho de saúde mental em uma comissão de apenas seis leitos em um único hospital.
realmente, porque ainda não é uma comissão Entretanto, outros programas chegaram a
institucionalizada do conselho, e a gente quer ser cumpridos como a realização de cursos
transformar exatamente para que não sofra es- de qualificação para profissionais de saúde e
sas interrupções [...]. (conselheiro). a preparação dos profissionais dos Centros
de Atenção Psicossocial (Caps) com cursos
No que diz respeito às propostas da IV introdutórios sobre saúde mental.
Conferência Estadual de Saúde Mental
Intersetorial, convocada pela Portaria Sesab Conexão entre conferência, CES-BA e
n° 452 de 03 de março de 2010, com o tema Sesab no período 2007 – 2013
‘Saúde mental, direitos e compromisso de
todos: consolidar avanços e enfrentar desa- No momento da IV Cesmi estava em ex-
fios’ (BAHIA, 2010), observou-se que foram rati- pansão e diversificação a rede de serviços
ficados os princípios e direitos das pessoas comunitários no estado da Bahia, porém
com transtornos mentais, a necessidade de a necessidade de implantação de serviços
realizar cursos de qualificação para os pro- substitutivos ainda se manteve e fez parte
fissionais da saúde mental e para as demais das propostas apresentadas nesta conferên-
áreas transversais, bem como se preconizou cia (RABELO; COUTINHO, 2008). A constituição da
rede de atenção psicossocial foi apontada 2001 – 2006 e 2007 – 2013, buscando-se iden-
como uma das prioridades na conferência, tificar a correlação entre as propostas ema-
enfatizando-se a necessidade de implanta- nadas das duas conferências de saúde mental
ção de um modelo de atenção integral, com – o debate no CES-BA – e a implementação ou
serviços territorializados de saúde mental e não de programas e projetos para a Política de
interligados a outras áreas (não só da saúde) Saúde Mental pela Sesab.
sob a forma de redes. No entanto, observou- Nas duas Cesm realizadas na Bahia dis-
-se que, mesmo após nove anos de aprovação cutiu-se amplamente a situação existente
da Lei 10.216/2001, a expansão dos serviços nessa área, e foram formuladas propostas
substitutivos foi lenta e não se extinguiu os que evidenciam a luta pela conquista de di-
manicômios no estado (BRASIL, 2001). reitos das pessoas com transtornos mentais,
O tema da extinção dos manicômios entre os quais o acesso e a qualidade dos
ocupou a agenda da IV Cesmi, mas não foi in- serviços assistenciais. Na III Cesm o foco
cluído na agenda do CES-BA, que se restrin- esteve voltado para a efetivação dos princí-
giu ao debate e aprovação de instrumentos pios da luta antimanicomial e da reforma na
de gestão e ao debate em torno de assuntos assistência psiquiátrica, já na IV Cesmi me-
pontuais, não incidindo sobre a condução da diante a forte influência desses princípios
Política de Saúde Mental no estado. Esta limi- e da reestruturação da saúde mental com
tação do conselho foi relata por um dos entre- aprovação da Lei 10.216/2001, se discutiu os
vistados, afirmando que avanços e os limites dessa política e a po-
tencialidade da ação intersetorial da saúde
[...] o conselho era uma instância que cumpria mental com outras áreas.
com a formalidade burocrática da exigência do A quantidade de propostas foi muito dife-
Ministério da Saúde, não era uma instância efe- rente entre as duas conferências, aprovado
tiva de democratização da construção da política na IV Cesm mais que o dobro das aprovadas
de saúde, não era. (conselheiro). na III Cesm, sendo a maioria delas voltada
para implantação de serviços substitutivos
Com relação à Sesab, muito do que foi pro- ao modelo asilar, direitos dos usuários ao
gramado não foi implementado, mas os ser- atendimento digno, ampliação das formas
viços implantados estavam em consonância de participação social nos serviços de saúde
com as propostas da IV Conferência. Chama mental, e realização de cursos para trabalha-
atenção nesse período a inclusão das propos- dores da saúde e áreas afins.
tas relativas à saúde mental nos planos esta- Apesar dessa movimentação, pelo menos
duais de saúde (não mais específicos para a durante as conferências, observou-se que
saúde mental), a repetição do que foi pro- o CES-BA teve uma atuação bastante limi-
posto nas programações anuais (entre 2009 tada no que diz respeito ao debate sobre
– 2010 e 2012 – 2013) e o fato dos relatórios a situação de saúde mental no estado e à
de gestão não explicitarem a quantidade de incorporação das propostas aprovadas nas
serviços residenciais terapêuticos e os tipos conferências. Nas reuniões em que o tema
de Caps implantados no estado. saúde mental foi incluído, na pauta pre-
dominou a apresentação de prestação de
Análise comparativa dos dois mo- contas da Área Técnica de Saúde Mental
mentos: balanço da participação das da Sesab ou predominou a simples apro-
conferências, do CES-BA e da Sesab vação de alguns instrumentos de gestão do
SUS (planos e relatórios), elaborados pela
Esta análise comparativa se limita a descrever Sesab. Enfim, ficou evidente que o conselho
as semelhanças e diferenças nos dois períodos até incluiu em sua agenda temas relativos
à saúde mental, porém, não deliberou de seguem os seguintes trechos: "Toda decisão
forma a estabelecer estratégias importantes que envolvia implantação de serviço de saúde
para o encaminhamento da implementação mental ocorria na Comissão Intergestora
da Política Estadual de Saúde Mental. Bipartite”; “A aprovação dos Caps para os mu-
Já a Sesab identificou diversos proble- nicípios passava pela CIB [...]" (coordenador
mas da saúde mental, alguns apontados nos da Área Técnica de Saúde Mental).
quatros planos analisados, como é o caso da Enfim, a comparação entre os dois períodos
falta de leitos de saúde mental para inter- evidencia que as propostas das conferências
nações necessárias e a pouca quantidade não ascenderam à agenda do CES-BA a ponto
de Caps no estado, tendo formulado pro- de ocuparem as pautas do Pleno como deve-
postas para o enfrentamento destes pro- riam, restando ao conselho aprovar em caráter
blemas; não logrou alcançar, porém, alguns puramente normativo os planos e relatórios de
dos objetivos e metas definidos, principal- gestão e realizar apresentações sobre a situa-
mente aqueles relacionados à implantação ção da Política de Saúde Mental no estado.
dos leitos, sendo implantada uma quanti-
dade muito inferior. Em relação aos Caps,
todavia, foi implantado em todo o estado Considerações finais
até 2013 um total de 200 Caps (BAHIA, 2014),
um crescimento enfatizado por um dos Os resultados apresentados nesse trabalho
coordenadores da saúde mental quando permitem que se formulem algumas consi-
entrevistado: “[...] até 2002 só havia 15 Caps derações acerca da participação das Cesm,
instalados no estado da Bahia, em outubro do CES-BA e da Área Técnica de Saúde
esse número passou a ser de 106 Caps e em Mental da Sesab na Política de Saúde Mental
maio de 2012 era de 182” (coordenador da no âmbito do SUS-Bahia.
Área Técnica de Saúde Mental). A análise dessas conferências evidenciou
O mais importante a constatar da compa- o quanto estes espaços de debate propicia-
ração entre os dois períodos é que eles não ram a formulação de propostas relacionadas
se diferenciaram tanto, ou seja, as propostas à Política de Saúde Mental e consonantes
das duas conferências convergiram com os com as propostas da Reforma Psiquiátrica
ideais da reforma da assistência psiquiátri- Brasileira e os princípios da luta antimani-
ca brasileira. A Sesab deu maior ênfase para comial. Os participantes destas conferências
realização de cursos de qualificação profis- debateram a política estudada com propó-
sional, e as deliberações do conselho não se sitos coerentes aos princípios de direito à
constituíram em estratégias para a formula- vida e à cidadania, com acesso aos serviços
ção da Política de Saúde Mental, principal- sem distinções, sendo que o ‘Relatório da IV
mente quanto à implantação de serviços de Conferência’ expressa a ênfase na necessi-
saúde mental substitutivos ao modelo asilar. dade de inserção das pessoas em sofrimento
Em se tratando de implantação de serviços mental na sociedade, recomendando a arti-
para a saúde mental no estado, parece que culação das ações de saúde com as ações pro-
o conselho exerceu um papel secundário à duzidas por outros setores sociais.
medida que não deliberou sobre a implanta- Entretanto, a análise da relação, entre o
ção de serviços, nem definiu prioridades para que foi proposto nestas conferências e o que
a área. Dois entrevistados da Área Técnica foi debatido no âmbito do CES-BA, revelou
de Saúde Mental da Sesab afirmaram que que a realização das conferências atendeu
a decisão para implantação dos serviços mais ao propósito democratizante, sem
de saúde mental no estado era dada pela exercer influência nas decisões políticas no
Comissão Intergestora Bipartite (CIB), como âmbito do CES-BA. De fato, os debates sobre
saúde mental no conselho foram restritos às número permanece insuficiente diante das
discussões de problemas pontuais relacio- necessidades da população.
nados à situação da saúde mental no estado Em síntese, este estudo evidenciou os
e, de modo geral, para aprovação formal dos limites das instâncias de controle social
instrumentos de gestão, como planos, pro- (conselho e conferências de saúde) na gestão
gramações e relatórios. do SUS na Bahia com relação à saúde mental
A participação do conselho na Política e apresenta alguns desafios para os gestores
Estadual de Saúde Mental, portanto, foi in- desta política, quais sejam a incorporação das
cipiente, ou seja, não houve deliberações ou propostas das Cesm ao processo decisório,
proposições que guiassem as decisões e nor- inclusive no âmbito do conselho, qualifican-
teassem o processo de implementação dessa do-o para que possa debater os problemas e
política no âmbito do sistema estadual de formular proposições para a adequação da
saúde. Nesse sentido, esse estudo aponta que Política de Saúde Mental à situação enfren-
a problemática de saúde mental parece não tada no estado. Desse modo, os participantes
ter interessado aos participantes dessa ins- dessas instâncias estariam exercendo de fato
tância, apesar da realização das Cesm, evento a “participação cidadã – participação con-
que aparentemente só foi organizado por cebida como intervenção social periódica
indução do Ministério da Saúde, no contexto e planejada ao longo de todo o circuito de
em que esse tema ganhou certa prioridade na formulação e implementação de uma políti-
agenda nacional da política de saúde. ca pública” (GOHN, 2013, P. 59) e subsidiando os
Para além do que aconteceu nas confe- gestores e executores da política.
rências e no CES-BA, vimos que a Sesab, Finalmente, compreendem-se como prin-
enquanto instância responsável pela im- cipais limites desta pesquisa o fato de que
plementação da Política de Saúde Mental, seus resultados se restringem a uma política
implantou serviços substitutivos ao específica (saúde mental) num único Ces,
modelo asilar de cuidado às pessoas com não permitindo que sejam extrapolados para
sofrimento mental, no entanto, enfrentou demais políticas que o CES-BA tenha deba-
limitações, quais sejam: não extinguiu os tido e para outros conselhos do País. A baixa
manicômios e não conseguiu cumprir com efetividade do CES-BA parece não ser es-
vários dos programas propostos durante o pecífica deste conselho, tendo em vista que
período estudado, a exemplo da implanta- outros conselhos de saúde também têm tido
ção de leitos de saúde mental em hospitais uma participação incipiente no que tange a
gerais, limitando-se a executar ações vol- deliberações políticas, como evidenciado nos
tadas para a qualificação dos profissionais estudos de Côrtes (2010), Labra (2010) e Avritzer
da área de saúde mental. Isso reforça o (2010). Assim, seria interessante investigar se
que Labra (2010, P. 180) considera como uma em outros estados do País os conselhos estão
“brecha entre formulação e implementa- cumprindo com seu papel de acompanhar a
ção”, na medida em que a Política de Saúde formulação e a implementação da Política de
Mental foi formulada no nível central e Saúde Mental. De um modo geral, seria im-
incorporada nos planos e programações portante aprofundar a análise da prática dos
elaborados na Sesab, ainda que sem a conselhos, para que se compreenda melhor
participação efetiva do CES-BA. Entre as quais os interesses envolvidos e o que de fato
propostas e a prática, porém, verificou-se pretendem os sujeitos participantes desses
uma lacuna significativa, principalmen- espaços decisórios. s
te no que diz respeito à implantação dos
Caps e demais serviços substitutivos, cujo
Referências
ABSTRACT This article aimed to characterize, at national level, the governance models of Social
Organizations and State Foundations of Private Law, assuming that the rules interfere with the
functioning of institutions and the performance of the actors, based on the analytical framework
1 Fundação Oswaldo of historical neo-institutionalism, specifically regarding the relation between the public and the
Cruz (Fiocruz), Instituto private and the mechanisms of social control, from the existing legal frameworks. The analysis
Nacional de Saúde da
Mulher, da Criança e do shows important differences between models, especially regarding the alignment to the princi-
Adolescente Fernandes ples of the Unified Health System. However, in different ways, both models are penetrable to the
Figueira (IFF) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil. private sector and less open to social participation.
vanice.silva@iff.fiocruz.br
2 Fundação Oswaldo Cruz KEYWORDS Modernization of the public sector; Public health policy; Social participation;
(Fiocruz), Escola Nacional Foundations; Non-profit Organizations.
de Saúde Pública Sergio
Arouca (Ensp) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
slemos@ensp.fiocruz.br
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005396 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 145-159, DEZ 2015
145
146 SILVA, V. M.; LIMA, S. M. L.; TEIXEIRA, M.
É nessa conjuntura que vários modelos administração pública indireta, são propos-
jurídico-institucionais foram utilizados tas pelo MPOG como alternativa para res-
como alternativas à administração direta. ponder aos impasses identificados.
No campo da saúde, alguns se destacam, Em que pesem o repúdio do Conselho
em especial as próprias OS, as Fundações Nacional de Saúde, instância de controle
Privadas de Apoio, as Organizações da social do Sistema Único de Saúde (SUS), no
Sociedade Civil de Interesse Público que se refere às OS, e todos os questiona-
(Oscips) e as Cooperativas. mentos sofridos, em especial na forma de
Nos governos seguintes, presididos pelo ações de inconstitucionalidade, com relação
Partido dos Trabalhadores (PT), a introdu- às OS e às FEDP, essas duas propostas se des-
ção de novos mecanismos institucionais foi tacaram no cenário nacional como modelos
delegada ao Ministério do Planejamento, jurídico-institucionais preconizados nos
Orçamento e Gestão (MPOG) (BRASIL, 2003), documentos oficiais e adotados por estados
que publicou, em 2003, o documento ‘Gestão e municípios, que justificam sua implemen-
pública para um Brasil de todos: um plano de tação pelas dificuldades encontradas na área
gestão para o Governo Lula’. Diferentemente de gestão de serviços de saúde.
do plano do governo anterior, que defendia Objetivou-se caracterizar as regras de
um Estado regulador e financiador, o Plano funcionamento das OS e das FEDP, especi-
de governo de Lula apresentou como pro- ficamente no que concerne à relação entre
posta um “Estado atuante, promotor de o público e o privado e aos mecanismos de
crescimento e da justiça social e fiscalmente controle social no SUS, a partir dos marcos
sustentável, a partir das reformas que a so- legais existentes sobre seus modelos jurí-
ciedade apoiar”, tendo como foco a qualida- dico-institucionais, pressupondo-se que as
de do Estado (BRASIL, 2003, P. 8). regras interferem no funcionamento das
A incapacidade do Estado em assegurar os organizações e na atuação dos atores sociais
direitos civis e sociais básicos é tratada, nesse (institucionais e da sociedade).
documento, em termos de déficit institucional, A discussão sobre qual deva ser a modalida-
consequência de uma trajetória histórica que de adequada para a gestão desses serviços ainda
produziu um Estado sem uma estrutura coesa, é um debate inconcluso, conflituoso e candente
possibilitando a atuação de entes não estatais. no cenário nacional, reconhecendo os proble-
A superação desse cenário demandaria, entre mas enfrentados e a relevância social da gestão
outros aspectos, o fortalecimento nas institui- dos serviços de saúde. Trazer à tona modelos
ções públicas de características atreladas ao de governança propostos, especificamente no
modelo burocrático, como a impessoalidade e tocante à relação entre o público e o privado e
o universalismo de procedimento, tendo em aos mecanismos de controle, a partir da análise
vista o reconhecimento na cultura nacional de dos marcos legais destas duas modalidades ju-
um caráter patrimonialista (BRASIL, 2003). rídico-institucionais, OS e FEDP, considerando
O debate acerca de novos mecanismos as diretrizes do SUS, pode oferecer elementos
institucionais se destaca com a crise dos hos- importantes para o referido debate.
pitais federais do Rio de Janeiro em 2004. A governança está sendo compreendida,
A adoção pelos hospitais de Fundações de em sua acepção ampla, como a capacidade
Apoio para flexibilizar e agilizar a gestão do Estado e do governo em implementar
gerou questionamentos quanto à legalidade políticas públicas e os aspectos institucio-
desse arranjo, incitando ainda mais a discus- nais referentes aos mecanismos para lidar
são sobre esses mecanismos. É nesse contexto com a dimensão participativa e com a
que as Fundações Estatais de Direito Privado administração dos conflitos (DINIZ, 1996).
(FEDP), modelo jurídico-institucional da Esse conceito consegue abarcar aspectos
Categorias Variáveis
Tipo de lei
Aspectos Gerais Disposição da lei
Objeto de prestação de serviços
Natureza jurídica
Alinhamento às leis e normatizações do SUS
Proibição de distribuição de bens ou parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese
Obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades
Atuação não remunerada dos conselheiros
Aspectos da Relação entre Incorporação integral do patrimônio, doações e excedentes financeiros no caso de extinção ou desqualificação ao
o Público e o Privado patrimônio do estado
Atendimento exclusivo aos usuários do SUS
Possibilidade de recebimento de recursos advindos não SUS
Obrigatoriedade de publicação anual, em Diário Oficial, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato
de gestão
Repasse de recurso associado ao desempenho
Órgãos de Deliberação e Direção
Conselho de Administração
Composição do Conselho de Deliberação
Periodicidade de reunião do Conselho de Deliberação
Vedação de ser conselheiro e da diretoria
Controle Interno
Atribuições privativas do Conselho de Administração para qualificação das entidades
Comissão de Acompanhamento dos Contratos (CAC)
Composição da Comissão de Acompanhamento dos Contratos (CAC)
Atribuições da Comissão de Acompanhamento dos Contratos (CAC)
Elaboração de relatórios
Prestação de contas ao órgão ou à entidade supervisora da área de atuação correspondente
Prestação de contas ao Conselho de Saúde
Prestação de contas à sociedade civil
Controle Externo
Prestação de contas ao órgão Legislativo
Prestação de contas ao Judiciário e/ou Ministério Público
Prestação de contas a outra secretaria de estado
Fonte: Elaboração própria a partir da publicação ‘Relações de parceria entre poder público e entes de cooperação e colaboração no Brasil’ (BRASIL, 2010).
Quadro 2. Legislação estadual consultada sobre OS e FEDP na área de saúde por estado
Quadro 3. Legislação municipal consultada sobre OS e FEDP na área da saúde por município no Brasil
Quadro 3. (cont.)
Sobral Lei N.º 261, de 18 de maio de 2000 -
CE
Fortaleza Lei N.º 8.704, de 13 maio de 2003 -
No que diz respeito ao financiamento, as legal que o repasse está vinculado ao cum-
legislações referentes às OS possibilitam em primento das metas. As demais legislações
18% dos estados (Sergipe, Ceará e Bahia) e fazem referência, em seu texto, à definição
13% dos municípios (Castro/PR, Curitiba/ de metas de desempenho no Contrato de
PR, Fortaleza/CE, Cubatão/SP e Sobral/CE) Gestão, mas não expressam, de forma ex-
o recebimento de recursos do setor privado, plícita, a vinculação do repasse financeiro
doações e contribuições de entes nacionais às referidas metas. Tal fato não exclui que
ou estrangeiros, além dos rendimentos de esse atrelamento seja estipulado nos con-
aplicações de seus ativos financeiros. tratos de gestão, contudo, como se trata de
Por sua vez, as legislações sobre FEDP, um aspecto definidor do modelo de gover-
mesmo estipulando exclusividade na atenção, nança pautado no gerencialismo, a ausência
apresentam em 80% dos estados (São Paulo, dessa prerrogativa na maioria das leis se
Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro) e 100% dos destaca.
municípios (Foz do Iguaçu/RS e Petrolina/PE) As FEDP, que segundo documento do
pelo menos uma lei que possibilita financia- MPOG também devem estabelecer contra-
mento advindo da iniciativa privada a partir de tos de prestação de serviços com o Poder
diferentes mecanismos, sendo algumas dessas Público, estabelecem somente nas leis espe-
fontes não definidas claramente, denominadas cíficas do Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu o
nas legislações como rendas eventuais. condicionamento do repasse de recursos ao
Essa abertura para recursos privados, alcance de metas (BRASIL, 2007B).
principalmente quando as fontes não são Na lei federal sobre OS, são estabeleci-
delimitadas claramente em lei, pode gerar dos critérios para qualificação de entida-
iniquidades semelhantes às dos serviços des como tal. Alguns desses critérios são
que não estabelecem exclusividade na fundamentais para a própria definição da
atenção a usuários do SUS. Além disso, ela OS como um ente, embora privado, sem
torna o controle dos recursos públicos mais fins lucrativos. Entre eles, destacam-se:
complexo, dada a dificuldade no âmbito a proibição de distribuição de bens ou
do SUS de se identificar, em entidades que parcela do patrimônio líquido em qual-
recebem recursos públicos e privados, como quer hipótese, encontrada em 14 estados
os recursos públicos estão sendo utilizados: e 37 municípios, e a obrigatoriedade de
se apenas no custeio de ações dirigidas aos investimento de seus excedentes finan-
usuários do SUS ou também no atendimen- ceiros no desenvolvimento das próprias
to de usuários advindos do setor privado atividades, identificada em 15 estados
(SANTOS; UGÁ; PORTO, 2008). e 38 municípios. Dado que a principal
O modelo gerencialista tem como um diferença entre as empresas privadas e
dos seus principais alicerces o controle os entes sem fins lucrativos é o fato dos
de resultados, que no caso das OS se faz a membros destes últimos não poderem se
partir da estipulação de metas de desempe- apropriar do excedente da organização, a
nho, que devem ter seus resultados avalia- instituição dessas prerrogativas em lei se
dos para que ocorra o repasse de recursos constitui como um elemento definidor do
financeiros. Mesmo tendo esse referencial, caráter dessas entidades e um mecanis-
o número de legislações sobre OS que es- mo de controle do recurso público. Nesse
tipulam explicitamente o atrelamento do sentido, a identificação de municípios e
repasse de recursos ao alcance de metas de estados que não estabelecem tais obriga-
desempenho é reduzido. Apenas as legisla- toriedades aponta, nessas unidades fe-
ções dos estados do Rio de Janeiro, Minas derativas, para uma distorção do modelo
Gerais e Rondônia definem em seu texto federal da OS.
Tabela 1. Composição dos participantes do Conselho Administrativo nas OS e FEDP segundo as leis estaduais e municipais
OS FEDP*
Leis estaduais Leis municipais Leis específicas Leis específicas
Composição do CA
(16) (39) estaduais (3) municipais (2)
N % N % N % N %
Participação da Sociedade Civil
12 75,0 26 66,6 1 33,3 2 100
(incluindo entidades da sociedade civil)
Participação do Poder Público 13 81,2 26 66,6 3 100 2 100
Representação do Poder Público e Sociedade Civil
8 50,0 23 58,9 3 100 2 100
superior a 50% do total de membros
Representação de Trabalhadores 6 37,5 9 23,0 1 33,3 2 100
Fonte: Elaboração própria.
Nota: *Foram consideradas apenas as leis específicas dos estados e municípios, por causa do entendimento, derivado da Emenda Constitucional 19/1998, de que enquanto
a lei complementar tem como objetivo dispor sobre a área de atuação, a lei específica é mais ampla, permitindo a caracterização das FEDP quanto à participação dos
diferentes atores em seus espaços de deliberação. Assim, não se espera que a lei complementar disponha sobre esses aspectos, como de fato não dispõem. Agrupar as leis
complementares e específicas daria uma falsa impressão de que esse modelo de governança é menos permeável à participação social.
O controle de resultados proposto para (30) possuem leis que apenas determinam
as OS é realizado a partir da análise das que as referidas Comissões devam ser inte-
metas atingidas na execução do contrato gradas por especialistas de notória capacida-
de gestão e da emissão de relatório con- de e adequada qualificação.
clusivo. O principal mecanismo externo de Quanto ao órgão que realiza a indicação
controle desses resultados são as Comissões dos membros, as secretarias de saúde são
de Acompanhamento de Contratos (CAC). apontadas como responsáveis por essa in-
Estas estruturas, preconizadas na lei federal dicação na maioria das leis. Contudo, em
de qualificação das OS, são adotadas nas le- 21% dos municípios e 15% dos estados, que
gislações da maioria dos estados (14) e dos preveem a existência dessa Comissão em seu
municípios (34), mas não em todas elas. A desenho institucional, não há qualquer de-
ausência dessas comissões em 2 estados e 5 finição de quem indicará os seus membros.
municípios deve servir de alerta para o uso Esses dados expressam uma falta de trans-
indevido da flexibilidade dispensada às OS, parência quanto à definição dos segmentos
que se desvinculam do controle por proce- responsáveis pelo controle dos resultados,
dimentos, mas também não aderem, nesses sendo esta forma de controle o que respalda
casos, aos mecanismos institucionais de con- a maior flexibilidade na gestão dos recursos
trole por resultados. dirigidos às OS.
A existência dessas Comissões, por outro As FEDP apresentam CAC apenas em duas
lado, não garante per si o controle dos re- leis específicas, do Rio de Janeiro e de Foz do
sultados atingidos, é necessária a definição Iguaçu, sem dispor de sua composição ou do
de seus membros de forma mais criteriosa órgão responsável pela indicação dos seus
possível e expressa claramente nas legisla- membros. As Fundações, em comparação com
ções, além do funcionamento regular das a administração direta, também usufruem de
referidas comissões. uma maior flexibilidade. No entanto, como
Em se tratando da composição das CAC, são entes da administração pública indireta,
as legislações são pouco específicas. A estão subordinadas necessariamente a meca-
maioria dos estados (12) e dos municípios nismos de controle das atividades, sendo os
A análise dos marcos legais evidencia que As propostas das OS e das FEDP enfati-
as OS apresentam maior proximidade com zam as dimensões institucionais e financei-
o setor privado, por se tratar de uma enti- ras, perpetuando a falta de investimento nas
dade fora da administração pública criada dimensões sociais e políticas, especialmente
por pessoa jurídica privada. As Fundações, na participação e controle social. É importan-
por sua vez, são entidades da administração te frisar que o objeto de análise neste estudo
pública indireta, criadas pelo Estado, que foram as legislações encontradas referentes às
em tese estabeleceriam mais nitidamente a OS e às FEDP. Como já exposto, essas regras não
separação entre o público e o privado, com retratam necessariamente a forma como essas
a minimização dos interesses particulares, entidades serão ou foram implementadas, mas
principalmente no que se refere à contra- induzem a atuação dos atores envolvidos nesse
tação de pessoal, realizada nas FEDP por processo, permitindo a identificação de dife-
meio de concurso público. rentes características, o que torna essas regras
um instrumento importante da análise social a
partir do referencial neoinstitucionalista.
Conclusão A caracterização das OS e das FEDP re-
alizada neste estudo pode ser um ponto de
O modelo burocrático em moldes webe- partida para outros trabalhos. A análise
riano, centrado em suas regras de fun- crítica quanto aos modelos propostos para
cionamento, com ênfase no controle por execução e gestão de serviços de saúde é
procedimentos, não foi capaz de respon- um aspecto importante na conjuntura atual.
der às necessidades da população. A falha Também é necessário formular estudos que
desse modelo sustentou a formulação da apontem alternativas para uma gestão mais
Administração Pública Gerencial, pautada democrática e próxima das diretrizes e prin-
na responsabilização por resultados, que, cípios do SUS, seja com o aprimoramento
em tese, teria uma maior abertura a canais dos mecanismos já existentes, seja com a for-
democráticos de interlocução com a so- mulação de outros desenhos institucionais.
ciedade. No entanto, a análise dos marcos Nesse sentido, propõe-se um avanço dos
legais das OS e das FEDP, modelos jurídico- estudos sobre os mecanismos jurídico-institu-
-institucionais atrelados ao modelo geren- cionais na área da saúde, em especial no tocante
cialista, demonstra que esses modelos não à análise dos contratos de gestão; à avaliação do
dão conta de assegurar, em seus desenho impacto dos modelos jurídico-institucionais na
jurídico-institucional, mecanismos demo- redução das desigualdades de acesso e atenção
cráticos que ampliem a participação social à saúde; às formas de controle e participação
e que, consequentemente, garantam o inte- social instituídas nesses arranjos e à avaliação
resse população na área da saúde. de experiências institucionais alternativas. s
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Perspectiva, v. 10, n. 4, p. 13-26, 1996.
RESUMO Estudo de caso com objetivo de analisar a Rede de Atenção à Saúde em dois muni-
cípios de pequeno porte, baseado nos elementos institucionais que configuram o padrão de
interdependência em rede e na análise de atributos que indicam o nível de integração da rede
de serviços de saúde. Foram realizados grupos focais com equipes gestoras dos municípios,
bem como entrevistas com informantes-chave da gestão regional e do serviço de referência
regional hospitalar, analisadas pelo método de interpretação de sentidos. A análise expôs uma
rede parcialmente integrada e relações de interdependência que apresentam interesses diver-
gentes e pouca confiança entre os atores, dificultando a governança.
ABSTRACT Case study aiming to analyze the Health Care Network in two small towns, based
on the institutional elements that configure the pattern of network interdependence and on the
analysis of attributes that indicate the level of integration of the health services network. Focus
groups were conducted with management teams of municipalities, as well as interviews with
regional management key informant and the regional hospital reference service, analyzed by me-
thod of interpretation of meanings. The analysis exposed a partially integrated network and in-
terdependence relations that have divergent interests and a low level of trust between the actors
– a condition that hinders governance.
1 Centro Universitário
2 Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS)
– Porto Alegre (RS), Brasil.
tatianagerhardt@ufrgs.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 160-170, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005201
160
Avaliação da Rede de Atenção à Saúde de pequenos municípios na ótica das equipes gestoras 161
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética população, muito menos a determinação
em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de uma oferta de serviços que as atendam,
Grande do Sul sob o número 21739. Os atribu- conforme recomenda o referido atributo. O
tos de avaliação encontram-se destacados em que se verificou é que a oferta é determinada
itálico na análise a seguir, que sintetiza a inter- principalmente pela análise de viabilidade
pretação dos grupos focais e entrevistas. econômica dos prestadores de serviço e, por
vezes, pela pressão que a população exerce
sobre a gestão municipal.
Resultados e discussão Há, na região, uma rede de estabeleci-
mentos de saúde que seria suficiente para
Atributos de integração da Rede de prestar um cuidado integral; verificou-se,
Atenção à Saúde porém, vários problemas que dificultam este
cuidado. Alguns estão relacionados à defi-
Os relatos das equipes gestoras revelaram ciência da AB oferecida à população, ainda
uma rede de atenção em construção. Esta muito centrada no atendimento médico e
rede parece estar em um processo incipiente pouco eficiente em ações de promoção à
de transição de modelo assistencial a partir saúde e prevenção às doenças (atributo 2).
de algumas tentativas de mudanças feitas Pouco se trabalha com classificação de risco
pelas equipes da AB. O restante da rede per- e protocolos clínicos, muito menos com pla-
manece na lógica fragmentada de um modelo nejamento. Embora se tenha verificado a
assistencial que atua por procedimentos, presença de ‘equipes multidisciplinares’, não
cuja finalidade é executá-los sem integração se constatou o trabalho interdisciplinar. A
com a AB ou comprometimento com a reso- AB nem sempre é a ‘porta de entrada’ para
lutividade da atenção oferecida. o sistema, não conseguindo exercer efetiva-
Conforme os atributos de análise de RAS mente o papel de coordenadora da atenção à
propostos pela Opas (2011), encontrou-se, saúde. Também não se observou nas equipes
no âmbito de abordagem modelo assisten- a consciência da responsabilidade por essa
cial, uma rede com população e territórios coordenação (atributo 3). Quando os usu-
definidos (atributo 1), pois há adstrição da ários são encaminhados para serviços re-
população aos serviços que compõem esta gionais, muitas vezes o vínculo com a AB é
rede, tanto no âmbito municipal quanto rompido ou se mantém apenas nas questões
no regional. No entanto, não se observou administrativas, como documentos e viabili-
amplo conhecimento das necessidades dessa zação do transporte.
CRS e dos hospitais. Por fim, vários profissio- precisam participar ativamente das decisões
nais administrativos e técnicos da saúde que da rede, pois constituem a instância mais
compõem o nível operacional estão envolvi- próxima e, portanto, com maior conheci-
dos na rede, caracterizando ampla inserção mento das necessidades da população.
de atores. No entanto, a participação dos pro- Monitorar o trabalho coletivo é essencial
fissionais médicos nas questões gerenciais é para garantir o alcance dos resultados e a
mínima, o que leva a problemas posteriores prestação de contas, embora o caráter autô-
de integração clínica, conforme se verificou. nomo dos componentes da rede se revele na
O nível de formalização da rede precisa dificuldade para estabelecer mecanismos de
manter um equilíbrio entre regras coletiva- controle e legitimidade de quem possui esta
mente construídas e a autonomia das partes, função. Nas redes, o controle assume uma
mantendo uma dinâmica flexível e resolutiva nova dimensão, ampliando a sua função de
(FLEURY; OUVERNEY, 2007). Verificou-se que algumas apoio às atividades desenvolvidas em de-
regras gerais foram construídas coletivamente, trimento de seu caráter fiscalizador (FLEURY;
mas muitas decisões foram tomadas pela SES OUVERNEY, 2007). O controle na rede em estudo é
sem a participação dos outros atores da rede, realizado pela comissão de acompanhamento
caracterizando alta formalidade. Observou-se, de contrato e pela CIR – e de forma muito in-
também, que algumas regras estabelecidas não cipiente: município e prestadores discutem os
são seguidas pelos componentes da rede, como padrões de relacionamento, intercâmbio de
o cumprimento dos contratos pelos hospitais recursos e resolução de problemas. Portanto,
locais e o processo de comunicação entre os observou-se um foco complementar de siste-
serviços. Conforme Fleury e Ouverney (2007), a mas articulados e um caráter estratégico de
instituição de regras é uma condição essencial suporte à dinâmica gerencial. No entanto, o
para a institucionalização da rede, possibilitan- processo de planejamento ao qual está ligada
do o seu desenvolvimento, capacidade de se a função do controle ainda está muito centra-
autorregular e transformar rapidamente. lizado no gestor estadual, que é quem define
Segundo os autores, os recursos envolvidos e parâmetros, cotas e referências, caracterizan-
o foco de poder devem ser analisados de forma do elevada institucionalidade.
conjunta: a distribuição de recursos influencia Quando há percepção de que os objetivos
o padrão de interdependência dos atores, e este compartilhados devem ser perseguidos com
orienta a distribuição de poder dentro da rede. o engajamento integrado das organizações, é
Nesse sentido, observou-se o domínio elevado possível aprofundar a interdependência em
de recursos pela SES e pelo serviço de referên- rede (FLEURY; OUVERNEY, 2007). Embora cada orga-
cia regional enquanto o município fica em uma nização que compõe a rede em estudo tenha
relação de dependência destes recursos. Esse seu foco principal voltado para suas metas,
domínio proporciona a centralização de poder, observou-se a construção de um compromis-
como se viu nos depoimentos dos participan- so em torno de objetivos compartilhados. O
tes do estudo. Essa situação leva a relações de estado e os municípios necessitam da presta-
subordinação, em que ção de serviços de saúde na região, e os pres-
tadores têm interesse em oferecê-los. Embora
[...] os atores com maior quantidade de recur- haja alegações sobre a insuficiência do finan-
sos estabelecem as diretrizes em detrimento ciamento, os hospitais locais não sobrevive-
dos demais, o que é incompatível com a dinâmi- riam sem a filantropia e apoio monetário dos
ca de estruturação da rede. (OUVERNEY, 2005, P. 98). municípios; o hospital regional, por sua vez,
também necessita do custeio para a AC e, para
Embora a SES tenha o papel de condução do isso, é tensionado a ofertar serviços que não
processo de regionalização, os municípios são considerados lucrativos por eles.
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171
172 SANTOS-PINTO, C. D. B.; OSORIO-DE-CASTRO, C. G. S.
Quadro 1. Resultados dos indicadores investigados sobre a gestão da Assistência Farmacêutica e sobre as demandas judiciais por medicamentos nos
municípios. Mato Grosso do Sul, 2011
Componentes
Município Demandas judiciais e gestão Gestão da AF
A Medicamentos demandados presentes na Relação Nacional de Não há Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT) nem Relação
Medicamentos Essenciais (Rename): 29% Municipal de Medicamentos (Remume). Município adota os
Medicamentos demandados para uso off-label: 17% Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT).
Medicamentos demandados do componente da AB: 21% Há um único farmacêutico atuante na gestão e na Central de
Medicamentos demandados do componente especializado: 25% Abastecimento Farmacêutico (CAF).
Medicamentos demandados ausentes dos componentes de Não há farmacêuticos atuando na dispensação das unidades.
financiamento: 54% Existe Plano Municipal de Saúde, mas não contempla a AF.
Demandas judiciais são resolvidas em âmbito administrativo. Os A lista de medicamentos do município é baseada na lista pactuada
medicamentos demandados são manejados junto aos demais na Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Há uma lista de
medicamentos comprados e fornecidos pelo município, geridos medicamentos não pactuados, composta por 97 itens. Dentre estes,
pelo mesmo farmacêutico e incluídos na programação e no muitos se encontram fora da Rename.
processo licitatório. O farmacêutico tem atuação limitada no processo de compras, que
se dá por licitação, à exceção das emergenciais.
Atividades logísticas e dispensação são deficientes e não seguem
normas técnicas.
B Medicamentos demandados presentes na Rename: 39% Não há CFT nem Remume. Município não adota os PCDT.
Medicamentos demandados para uso off-label: 0% Há apenas um farmacêutico no nível central, sem capacitação
Medicamentos demandados do componente da AB: 42% específica para gestão.
Medicamentos demandados do componente especializado: 6% Não há farmacêuticos na CAF nem nas unidades de dispensação.
Medicamentos demandados ausentes dos componentes de Existe Plano Municipal de Saúde, mas não contempla a AF.
financiamento: 52% Cerca de 90% dos medicamentos da lista do município dizem
Não há procedimento específico instituído para o manejo das respeito aos pactuados na CIB. A lista é revista uma vez por ano e
demandas judiciais. Estas são geridas totalmente em separado elaborada pelo farmacêutico.
dos demais medicamentos fornecidos pelo município. Não há O farmacêutico não participa do processo de compras, que é feito
análise técnica dos pedidos. Os medicamentos não são incluídos por licitação.
na programação, nem são comprados por licitação. Ficam Atividades logísticas e dispensação são deficientes e não seguem
armazenados no setor jurídico e são entregues por um advogado. normas técnicas.
C Medicamentos demandados presentes na Rename: 13% Não há CFT nem Remume. Município não adota os PCDT.
Medicamentos demandados para uso off-label: 0% Há um farmacêutico no nível central capacitado para gestão, que
Medicamentos demandados do componente da AB: 6% atua também na CAF.
Medicamentos demandados do componente especializado: 6% Não há farmacêutico em nenhuma das unidades de dispensação do
Medicamentos demandados ausentes dos componentes de município.
financiamento: 88% Existe Plano Municipal de Saúde, mas não contempla a AF.
Não há um procedimento formal instituído para o manejo dos Utiliza a lista pactuada pelo estado, mas inclui 83 itens além dos
medicamentos demandados, que são geridos à parte dos demais. pactuados. Destes, 70 não pertencem a Rename, e são incluídos para
Ficam sob a responsabilidade de um advogado, na Secretaria Municipal evitar demandas judiciais, uma vez que são continuamente prescritos
de Saúde (SMS). Não ocorre análise técnica do pedido. Alguns são pelos médicos do município.
incluídos na programação, mas a compra é feita em farmácias privadas. O farmacêutico realiza sozinho a seleção de medicamentos, e
participa do processo de licitação.
Atividades logísticas e dispensação são deficientes e não seguem
normas técnicas.
D Medicamentos demandados presentes na Rename: 46% Não há CFT nem Remume. Município não adota os PCDT.
Medicamentos demandados para uso off-label: 11% Há um farmacêutico na coordenação da AF, mas sem capacitação
Medicamentos demandados do componente da AB: 40% específica para gestão, sendo o mesmo profissional responsável
Medicamentos demandados do componente especializado: 11% pela CAF.
Medicamentos demandados ausentes dos componentes de Das sete unidades de saúde do município, em apenas uma há
financiamento: 49% farmacêutico.
As demandas judiciais são responsabilidade do Departamento O Plano Municipal de Saúde contempla a AF e a coordenação de
de Assistência Social. Para evitar novas demandas, o município AF está inserida no organograma da SMS.
instituiu uma ‘via assistencial’, por meio da qual são fornecidos A lista de medicamentos é elaborada pelo farmacêutico, baseando-
todos os medicamentos procurados pelos pacientes. se na lista pactuada, e acrescentando medicamentos, sendo que
Os medicamentos demandados, de uso contínuo, são incluídos alguns não integram a Rename.
na programação e passam a ser comprados por meio de licitação. O farmacêutico não participa do processo de compras.
Nos demais casos, as compras são realizadas diretamente nas Atividades logísticas e dispensação são deficientes e não seguem
farmácias privadas do município, para onde os pacientes se normas técnicas.
dirigem diretamente, a fim de retirar o medicamento.
Quadro 1. (cont.)
E Medicamentos demandados presentes na Rename: 27% Não há CFT nem Remume. Município não adota os PCDT.
Medicamentos demandados para uso off-label: 9% Não há farmacêutico atuando no nível central; há apenas um na
Medicamentos demandados do componente da AB: 27% CAF.
Medicamentos demandados do componente especializado: 13% Não há farmacêutico em nenhuma das unidades de dispensação.
Medicamentos demandados ausentes dos componentes de Não existe plano municipal de saúde, nem uma estrutura de
financiamento: 60% coordenação da AF.
Medicamentos das demandas judiciais são geridos à parte. A seleção de medicamentos é feita pelo farmacêutico da CAF,
Não existem procedimentos específicos para seu manejo. baseando-se na lista pactuada com o estado.
O responsável pelas demandas é um economista, e não há O farmacêutico não participa do processo de compras. Estas são
envolvimento de profissionais de saúde no processo. A entrega é realizadas por licitação, com exceção das emergenciais e as de
realizada por uma técnica de enfermagem. demandas judiciais.
No município, os pacientes procuram diretamente a Defensoria Atividades logísticas e dispensação são deficientes e não seguem
Pública antes de procurar o medicamento na unidade de saúde. normas técnicas.
As compras de medicamentos de demandas judiciais são
realizadas em farmácias privadas, que são escolhidas no início
de cada ano, para o fornecimento de todos os medicamentos
demandados.
F Medicamentos demandados presentes na Rename: 38% Não há CFT nem Remume. Município adota os PCDT.
Medicamentos demandados para uso off-label: 0% O mesmo farmacêutico que atua na gestão, atua também na CAF.
Medicamentos demandados do componente da AB: 38% Não há farmacêuticos nas unidades de dispensação.
Medicamentos demandados do componente especializado: 13% Existe Plano Municipal de Saúde, mas não contempla a AF.
Medicamentos demandados ausentes dos componentes de As estruturas de armazenamento, distribuição e dispensação
financiamento: 50% são adequadas e seguem normas técnicas. Recebem verificação
Medicamentos das demandas judiciais são geridos à parte. Não semanal.
há um profissional destacado para lidar com as demandas. A lista de medicamentos adotada se baseia no elenco pactuado,
As compras são feitas diretamente em farmácias privadas e os mas possui 180 itens excedentes, com o objetivo de evitar
medicamentos são entregues aos pacientes por um funcionário demandas judiciais.
administrativo da SMS. Atendem a todos os pedidos que O farmacêutico não participa do processo de compras.
chegam, para que não se tornem ações judiciais.
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 1. Contagem de critérios da gestão da Assistência Farmacêutica, de acordo com classificação dos especialistas, por
município. Municípios selecionados, Mato Grosso do Sul, 2012
Número de critérios
Municípios Adequados Parcialmente adequados Inadequados
A 16 11 22
B 15 11 23
C 9 12 28
D 10 10 29
E 9 8 32
F 12 13 24
TOTAL 71 65 158
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 2. Contagem de critérios da gestão da Assistência Farmacêutica, de acordo com classificação dos especialistas, por
componente. Municípios selecionados, Mato Grosso do Sul, 2012
Número de critérios
Parcialmente
Componentes Adequados adequados Inadequados
Assistência Farmacêutica
Recursos Humanos 1 12 23
Instrumentos de Gestão 13 9 14
Coordenação da AF 27 7 20
Atividades da AF* 21 32 79
Demandas Judiciais 8 5 23
TOTAL 70 65 159
Fonte: Elaboração própria.
Nota: *P=0,007.
Tabela 3. Valores informados pelos municípios selecionados, referentes às despesas com medicamentos. Mato Grosso do Sul, 2011
Município
Despesas municipais com
medicamentos (em R$) A B C D E F
AF básica Não informado 161.612,64 334.000,00 38.342,91 Não informado 199.211,97
Demandas judiciais 10.200,00 9.212,86 Não informado 8.277,00 363.030,48 70.412,36
Não pactuados 90.000,00 Não informado 60.612,00 63.017,84 Não informado 84.000,00
TOTAL X X X 109.637,75 X 353.624,33
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de entrevistas com gestores municipais.
Tabela 4. Investimentos per capita para cobertura de medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica,
de demandas judiciais e não pactuados. Municípios selecionados, Mato Grosso do Sul, 2011
Os aportes para o Componente Básico da cresceram entre 2008 e 2011. O estudo nos
AF variaram de R$ 1,58 per capita em B até R$ municípios selecionados mostrou muitas
15,68 per capita em C. No caso das demandas dificuldades da AF, por falta de estrutura ou
judiciais, a variação foi de R$ 0,09 per capita em inconformidades, e também que não houve
B, até R$ 11,42 per capita em E. No caso de me- diferenças significativas da gestão da AF
dicamentos não pactuados, A foi o município entre os municípios. Não foi surpreenden-
com maior valor per capita aportado, R$ 6,72. te, assim, constatar que o componente de
Entre aqueles que forneceram informa- gestão, que mostrou pior desempenho em
ções sobre o Componente Básico – responsa- todos os municípios, foi aquele referente às
bilidade municipal – três (C, D e F) gastavam atividades da AF.
mais per capita que o mínimo estipulado na O crescente número de demandas ao
legislação vigente. longo dos anos é coerente com o que vem
ocorrendo nos demais estados do País, como
demonstrado no estudo realizado em Santa
Discussão Catarina, onde o número de processos saltou
de 2, em 2000, para 444, em 2004 (PEREIRA ET
O estudo mostrou que as demandas em AL., 2010). E é igual à tendência de deferimen-
27 comarcas de segunda entrância no MS to dos pleitos, como demonstrado no estudo
realizado no Rio de Janeiro, em 2006, onde, o município não realizou seleção. Situação
dos 185 processos analisados apenas três semelhante, porém, mais aguda, ocorreu no
tiveram os pedidos negados (PEPE ET AL., 2010B). município F, que adotou como estratégia a
A investigação aprofundada em municí- inclusão de 180 medicamentos além daque-
pios selecionados, com diferentes relações les pactuados com o estado para evitar de-
entre número de processos e habitantes, mandas. Problemas de base, principalmente
possibilitou análise da gestão da AF em de deficiência e capacitação de recursos
distintos cenários frente às demandas ju- humanos, impediram que o diferencial pro-
diciais. O julgamento realizado pelos es- porcionado pela estrutura e pelas atividades
pecialistas ajudou a apontar os logros e as logísticas oferecessem ganho no enfrenta-
deficiências das gestões municipais, sendo mento da judicialização.
o componente de atividades da AF o perce- Em D prevaleceu o fornecimento de medica-
bido como mais problemático. mentos por via assistencial, na qual os pacien-
No município A, os medicamentos de de- tes, apenas munidos da prescrição, obtinham
mandas judiciais eram manejados junto aos os medicamentos de que necessitavam. Essa via
demais medicamentos fornecidos pelo mu- surgiu, provavelmente, com o intuito de evitar
nicípio. Observou-se alto percentual de me- a via judicial, mas expôs as falhas da AF muni-
dicamentos demandados não integrantes cipal e a falta de normas municipais mínimas
dos componentes de financiamento da AF; para o fornecimento de medicamentos.
houve também medicamentos demandados O cenário mais crítico da gestão da AF
prescritos para uso off-label. As estruturas frente às demandas foi encontrado no municí-
e os recursos humanos eram deficientes, pio E. A compra de medicamentos em farmá-
assim como as atividades da AF. A ausên- cia privada, escolhida para fornecê-los para o
cia de Comissão de Farmácia e Terapêutica município, sugere total falta de normas e pro-
(CFT), assim como a falta de profissionais cedimentos técnicos. Não é de se estranhar,
capacitados e atualizados com as normati- portanto, que os pacientes, possivelmente ha-
vas e protocolos pode ter influenciado este bituados ao desabastecimento de medicamen-
cenário. Em B havia diversas deficiências, tos, sequer procurassem as unidades de saúde,
que podem ter influenciado a ocorrência dirigindo-se diretamente à Defensoria Pública.
das demandas. No município houve um A falta de estrutura encontrada em muitas
percentual considerável de demandas por secretarias estaduais e municipais de saúde já
medicamentos da AB (42%) e de medica- foi apontada por diversos estudos como um
mentos integrantes da Relação Nacional de fator importante para o crescimento das de-
Medicamentos Essenciais (Rename) (39%). mandas judiciais (ROMERO, 2008; PEREIRA, 2010). As
A AF gerida de forma ineficiente pode ter baixas estruturas operacional, logística e de
levado à indisponibilidade de medicamen- atendimento já se impõem como entraves à
tos, seja por seleção inadequada, programa- execução das atividades regulares da gestão e
ção insuficiente ou logística precária. do ciclo da AF, quiçá para a assunção de novas
Em C, chamou a atenção o alto percentual responsabilidades impostas pelas demandas.
(88%) de demandas por medicamentos não A questão dos recursos humanos foi
pertencentes aos componentes de financia- crítica em todos os locais, e esse é um pro-
mento da AF, apesar de a lista de medica- blema corrente, já demonstrado em muitos
mentos do município possuir 83 itens além municípios (VIEIRA, 2008; DE BERNERDI, 2006). A
dos pactuados, justamente incluídos com falta de profissionais capacitados se mostra
o intuito de evitar as demandas. A pressão em desacordo com a Política Nacional de
das demandas distorceu o processo de in- Medicamentos, implica na má aplicação dos
clusão na lista, a partir do momento em que
ausentes dos componentes de financiamen- ser voltados para apoiar iniciativas de forta-
to da AF, o que poderia relacionar-se ao alto lecimento da gestão. A própria Portaria nº
gasto com demandas. Por outro lado, o muni- 4.217, de dezembro de 2010, deixava clara a
cípio C, que possui o maior gasto per capita possibilidade de utilização de 15% dos re-
com medicamentos da AB (R$ 15,68), tem, cursos provenientes de estados e municípios
consequentemente, apenas 6% das demandas para adequação de espaço físico das farmá-
relativas a este componente. Mas é também o cias municipais, aquisição de equipamentos
que possui a maior proporção de demandas e mobiliário, e para realização de atividades
com medicamentos ausentes das listas de fi- voltadas para educação continuada e qualifi-
nanciamento (88%). cação dos recursos humanos da AF.
No tocante aos municípios nos quais todos Na questão da gestão do trabalho, o Pacto
os dados estão relatados, as informações tem ainda como uma de suas diretrizes a
também não permitem identificar relações. política de recursos humanos. É eixo funda-
Os municípios D e F apresentam proporções mental para o funcionamento do SUS, sendo
muito semelhantes em relação ao tipo de medi- as secretarias municipais e estaduais de
camento demandado e ao tipo de medicamento saúde responsáveis por empreender esforços
demandado por componente de financiamen- para a criação ou fortalecimento de estrutu-
to. O primeiro gasta mais com medicamentos ras de recursos humanos em seus quadros.
não pactuados do que o segundo, o que poderia Entretanto, não foi observada a apropria-
explicar o também maior percentual de uso ção dessas possibilidades pelos municípios
off-label. Por outro lado, o município F gasta estudados. Muitos não possuíam plano
mais com AF básica do que o D. Este gasto, no municipal de saúde contemplando a AF, ou
entanto, parece não influenciar os gastos per coordenação formal de AF. Tampouco utili-
capita com demandas judiciais. zavam ferramentas para auxílio na gestão. A
A média do gasto per capita com medica- falta de investimentos em recursos humanos
mentos, de municípios com menor número de e estruturais redunda também na falta de
habitantes, tende a ser maior do que a de mu- capacidade para utilização de ferramentas e
nicípios mais populosos, segundo Vieira (2011). cumprimento de determinações do SUS.
Uma provável maior participação de planos Ainda que seja um considerável determi-
de saúde em municípios mais populosos di- nante sobre a situação da AF, a gestão da saúde,
recionaria parcela importante da população como um todo, nos municípios, não foi anali-
para a aquisição privada de medicamentos sada. Algumas informações relatadas pelos
em farmácias comerciais. E o menor poder de gestores, mormente relacionadas à logística
escala e de negociação dos pequenos municí- de medicamentos, não puderam sofrer com-
pios levaria à obtenção de preços mais altos provação integral; houve grande dificuldade,
nas compras de medicamentos (VIEIRA, 2011). em alguns municípios, de acesso aos dados
O aporte adicional de recursos para financeiros. As possíveis causas dessa situação
compra de medicamentos foi medida adotada seriam a falta de capacitação técnica dos recur-
pelos gestores como tentativa de resolução sos humanos municipais para a gestão ou a falta
de problemas, e não pareceu significar um de transparência praticada pela gestão munici-
entrave para a gestão, nos municípios estuda- pal. Mas, quaisquer que sejam os motivos, tais
dos. Além disso, todos os municípios relata- situações, por si só, podem também ser consi-
ram receber os aportes da esfera federal e da deradas como resultados que depõem contra a
esfera estadual, conforme o pactuado. gestão nesses municípios.
O Pacto pela Gestão do SUS passou a Por fim, o perfil diferenciado de alguns
prever financiamento específico para a municípios que apresentaram grande
gestão do sistema, em que os recursos devem número de demandas judiciais merece
análise mais aprofundada, para que possam cofres municipais. Mas observou-se que, na
ser compreendidas as causas específicas maioria dos casos, o manejo das demandas
desta situação. Não foi possível, nos limites por medicamentos se dava de forma total-
desta pesquisa, identificar tais razões. mente destacada da AF. Não havia análise
O presente trabalho inova ao abordar a técnica dos pedidos, e muitas compras ocor-
gestão da AF frente às demandas em peque- riam de forma irregular. Não eram adotadas
nos municípios, uma vez que a maioria dos boas práticas para as atividades logísticas e
estudos realizados até hoje abordam estados a entrega dos medicamentos era feita sem
ou grandes municípios (DE BERNERDI; BIEBERBACH; orientação. Ficou clara a falta de estrutura
THOMÉ, 2006; MACHADO, 2011; MARQUES, 2007; PEPE 2010B; dos municípios para a gestão das demandas.
PEREIRA, 2010). Destaca-se que, em relação a Mato No entanto, o que se pôde perceber é que
Grosso do Sul, os municípios estudados não os problemas ligados à AF existiam a priori
eram os menores do estado. Mas, se compa- nesses municípios e foram, possivelmente,
rados à distribuição dos municípios no Brasil, determinantes da ocorrência de demandas
seriam considerados pequenos, uma vez que o judiciais. Falhas comuns da gestão da AF, de
IBGE entende como de pequeno porte muni- base, mostraram que as dificuldades advindas
cípios com até 50 mil habitantes (IBGE, 2009). As das demandas incidiram sobre municípios já
questões estruturais e de recursos humanos fragilizados. A existência de listas de medica-
encontradas assemelhavam-se àquelas presen- mentos não pactuados, muitas vezes maiores
tes em outros pequenos municípios brasileiros do que a pactuada, provocou aumento direto
(VIEIRA, 2008; DE BERNERDI; BIEBERBACH; THOMÉ, 2006). nas despesas. Em todos os municípios anali-
sados foram verificadas enormes deficiências
nas atividades da AF regular, falta de recursos
Conclusão humanos e falta de estrutura física para uma
adequada disponibilização de medicamentos
O presente trabalho partiu do pressuposto, à população. Observou-se, ainda, que não
já demonstrado em outros estudos, de que houve subfinanciamento da AF nos municí-
as demandas judiciais têm impacto sobre pios, mas indícios de gestão financeira por
a gestão da AF, provocando aumento de vezes pouco eficiente.
gastos e desestruturação dos serviços. Neste, Neste sentido, a judicialização se coloca
observou-se que a judicialização, em maior como um complicador da situação da gestão
ou menor grau, acabou por impor certas da AF em municípios brasileiros. Não se
mudanças aos municípios, seja pela criação pode concluir, entretanto, que este fenôme-
de setores, pela mobilização de pessoas no seja a causa de problemas, mas sim, em
para lidar com a questão, ou mesmo pelo alguns casos, uma consequência das defici-
maior aporte de recursos que demandou aos ências da própria gestão. s
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ABSTRACT The present article shows how the decentralized access regulation workshops, a
communicative-based management strategy adopted in Diadema/SP from 2008 to 2011, resul-
ted in changes in the local work processes, although keeping different rhythms and initiatives
among them. After the proposed workshops, it could be identified a reduction of 18% of referrals
to specialist consultations, and 9% in support diagnostic tests. The study highlights some of the
challenges to enable a greater role of Primary Care in municipal regulatory processes, particular-
ly when health policy defines it as the coordinator of care within the service network.
KEYWORDS Primary Health Care; Health services accessibility; Ambulatory care facilities,
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184
De frente com os médicos: uma estratégia comunicativa de gestão 185
para qualificar a regulação do acesso ambulatorial
Por isso é possível afirmar que as oficinas família, mas que são selecionados por apre-
conseguiram um caráter progressivamente sentarem certas características em comum
comunicativo à medida que os ciclos iam associadas ao tópico que está sendo pesqui-
sendo realizados. sado. Barbour e Kitzinger (1999) recomen-
Analisar os principais desdobramentos dam que os participantes sejam indivíduos
dos ciclos de oficinas é o interesse maior do que convivam com o tema discutido e que
presente artigo. tenham profundo conhecimento dos fatores
que afetam os dados mais pertinentes.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê
Metodologia de Ética em Pesquisa da Universidade
Federal de São Paulo sob CAAE nº
Tratou-se de pesquisa de caráter quantiqua- 00873812.6.0000.5505. Os participantes dos
litativo, que tinha como objetivo principal ciclos de oficina assinavam termo de con-
analisar as possíveis contribuições de uma sentimento livre e esclarecido. Os resultados
estratégia de gestão governamental de base do estudo foram utilizados para elabora-
comunicativa (oficinas técnicas sobre regu- ção de dissertação de mestrado defendida
lação do acesso), na tentativa de obter maior no Programa de Pós-graduação em Saúde
envolvimento e responsabilização da AB nos Coletiva da mesma Universidade.
processos (micro) regulatórios para o acesso
aos serviços de saúde ambulatoriais especia-
lizados do município de Diadema. Resultados e discussão
O estudo contemplou duas etapas. Na
primeira, de caráter quantitativo, foram Ao analisar as participações dos vários
feitos levantamento e análise de relatórios atores dos três grupos focais, pretendeu-se
gerenciais sobre regulação do acesso que produzir uma ‘triangulação’ que possibili-
possibilitassem caracterizar se os ciclos de tasse responder às seguintes questões em
oficinas técnicas sobre regulação do acesso, relação ao ciclo de oficinas: Proporcionaram
realizadas entre os anos de 2008 a 2011, im- uma melhor compreensão a respeito do
pactaram no número de solicitações de pro- papel/limites/possibilidades por parte dos
cedimentos especializados oriundos da rede atores envolvidos no processo regulatório?
de AB. Na segunda etapa, procurou-se fazer Promoveram mudanças nas relações entre
uma análise mais qualitativa dos ciclos de os atores da equipe de regulação com os
oficina, em particular dos seus prováveis im- médicos da AB à saúde? Aprimoraram as
pactos nos processos de trabalho das unida- relações de confiança dos médicos com os
des. Para tanto, foram realizados três grupos gestores do SUS local, aumentando sua res-
focais (um com médicos, um com gerentes ponsabilidade e protagonismo no processo
de UBS e um com profissionais reguladores). regulatório?
Como técnica de pesquisa qualitativa, o Nos grupos focais, as perguntas dispara-
grupo focal coleta dados de modo a promo- doras foram: ‘É possível identificar mudan-
ver a interação entre os participantes e o ças na regulação do acesso aos serviços após
pesquisador, a partir da discussão focada em os ciclos de oficina realizados entre 2008
tópicos específicos e diretivos. Pode ser uti- e 2011? Quais? Houve mudanças na comu-
lizado no entendimento das diferentes per- nicação entre os vários atores?’. No grupo
cepções e atitudes acerca de um fato, prática, focal com os médicos, também se perguntou:
produto ou serviço (IERVOLINO; PELICIONI, 2001). O ‘vocês identificam mudanças nos seus pro-
grupo focal é geralmente composto de seis a cessos de trabalho após o ciclo de oficinas de
dez participantes que não sejam da mesma 2008 a 2011? O que mudou? Quais aspectos
Tabela 1. Comparativo entre os totais de solicitações para procedimentos especializados realizadas pela rede de serviços de saúde municipal (períodos de
01 ano) e taxa de agendamento pré e pós ciclos de oficinas de regulação do acesso, 2008 a 2010, Diadema
Consultas médicas especializadas Quantidade solicitada Média mensal Demanda reprimida Taxa de agendamento
na Draac
Período 29/09/2008 a 29/08/2009 (pré oficinas) 57.088 4.757 12.446 78%
Período 20/09/2009 a 20/08/2010 (pós oficinas) 46.591 3.883 8.808 81%
Variação entre os períodos -10.497 -874 -3.638 4%
-18% -29%
Exames de apoio diagnóstico Quantidade solicitada Média mensal Demanda reprimida Taxa de agendamento
na Draac
Período 29/09/2008 a 29/08/2009 (pré oficinas) 76.894 6.408 25.225 67%
Período 20/09/2009 a 20/08/2010 (pós oficinas) 69.704 5.808 19.550 72%
Variação entre os períodos - 7.190 -599 -5.675 7%
-9% -22%
Fonte: DIADEMA, 2010.
das taxas de referência para atendimento es- com os usuários e com os médicos de outros
pecializado (FORREST ET AL., 2000). pontos do sistema de saúde – por exemplo,
Pode-se inferir que os ciclos de oficinas quando os pacientes retornam do aten-
proporcionaram uma reflexão a respeito da dimento de urgência e emergência com
utilização dos recursos especializados, na pedidos de exames para serem ‘trocados’ na
medida em que apresentaram aos profis- UBS, e cabe a eles a decisão sobre a necessi-
sionais o cenário de encaminhamentos, em dade e/ou adequação do pedido de encami-
grande parte excessivos e desqualificados, nhamento. Ou seja, é elemento importante
além de deixar mais claro o embasamento dos processos de microrregulação realizados
técnico e científico dos protocolos vigentes, pela AB à saúde, a ‘regulação’ do acesso para
o que pode ter sido um dos fatores que pro- média e alta complexidade realizado pelo
moveram a redução do número de encami- médico. A prática médica pode ainda ser
nhamentos a serviços especializados. vista como altamente autorregulada, isto é,
Além da caracterização quantitativa das realizada ainda com alto grau de autonomia,
possíveis contribuições do ciclo de oficina, comandada por seu raciocínio clínico, pela
era necessária uma abordagem mais qua- formulação de hipóteses, avaliação de gravi-
litativa que proporcionasse uma melhor dade ou riscos inerentes à situação, com as
caracterização do quanto elas haviam pro- consequentes condutas que o médico ainda
duzido (ou não) transformações nos pro- adota de forma bastante independente e
cessos de trabalho das UBS no que se refere autônoma em relação às regras institucio-
aos processos regulatórios. A realização de nais. É o exercício do ‘poder da caneta’ do
grupos focais com três grupos diferentes prescritor. Nessa medida, a autorregulação
de atores (gerentes locais, reguladores e própria do trabalho médico é componente
médicos) teve a intenção de caracterizar importante a ser considerado nos processos
possíveis transformações a partir de três microrregulatórios locais, e ela foi um foco
‘olhares’ ou três ‘lugares de observação’ importante de discussão, questionamento e
distintos, explorando-se a sua possível reflexão nos ciclos de oficinas. Os médicos da
complementaridade. Como se verá na se- AB à saúde percebem a Central de Regulação
quência, a ênfase na análise foi posta nas Ambulatorial Municipal como importante
transformações percebidas pelos médicos, observatório da rede de atenção à saúde, na
mas complementada com as observações de medida em que ela é capaz de produzir infor-
outros atores que participaram do estudo, mações para subsidiar a tomada de decisão
membros da equipe da regulação municipal na gestão, como a necessidade de novas
e os gerentes das unidades. contratações, os processos educacionais em
O encontro com os médicos propiciado saúde necessários para a capacitação/atua-
pelo grupo focal permitiu que se caracteri- lização da rede assistencial, as necessidades
zasse um pouco melhor como este profis- e agravos da saúde da população para aná-
sional, que ainda exerce papel central na lises epidemiológicas, ou ainda, como fonte
construção do sistema de saúde, vive seu de feedback para a avaliação do trabalho do
cotidiano nas equipes de saúde da família, próprio profissional e da UBS. Portanto, foi
produzindo sentidos para seu trabalho, si- possível perceber como os médicos reconhe-
tuando-o dentro de uma rede mais ampla de cem a Central de Regulação como um ‘lugar’
relações, fundamental para o exercício de sua da gestão que exerce, ou pode exercer, influ-
prática profissional, mas que muitas vezes ência importante no seu trabalho.
lhe parece incompreensível e ‘irracional’. Alguns médicos da AB à saúde possuem
O grupo focal mostrou que os médicos bastante clareza da sua responsabilidade,
se veem como ‘reguladores’ na sua relação mesmo que não exercida plenamente, na
coordenação do cuidado, que deve ser de- determinada política municipal acaba sendo
sempenhada na UBS, apesar das limitações retraduzida ou apropriada de modos bastan-
que encontram no dia a dia do trabalho. As te diferentes entre as várias equipes, eviden-
contribuições promovidas pelos ciclos de ciando a dificuldade de obter uma efetiva
oficinas de regulação do acesso podem ser capilarização das diretrizes planejadas em
abordadas em vários sentidos: o primeiro é nível central para os profissionais da rede
que, sem dúvida, propiciou aos profissionais assistencial.
das UBS maior aproximação com o tema re- Teriam todos os médicos participado de
gulação e os atores envolvidos neste proces- todos os ciclos de oficinas? Seria mesmo ne-
so (reguladores, gerentes), abrindo um canal cessária a participação plena dessa categoria
sistemático de comunicação e provocando para que ocorresse a implantação do novo
uma série de novas ideias, críticas e refle- modelo de trabalho? Qual o papel do gerente
xões a respeito do assunto; o segundo, o fato dessa UBS? E se novos profissionais – in-
de conhecer os profissionais reguladores, a cluindo novos médicos – tivessem entrado
logística do trabalho na regulação e as filas na rede entre um ciclo e outro? Seriam ne-
de espera, permitiu, às UBS, avaliar as po- cessárias mais oficinas com os reguladores
tencialidades e limitações de uma Central de de maneira mais rotineira para suprir a di-
Regulação Ambulatorial Municipal e desmis- nâmica das diretrizes da regulação do acesso
tificar a questão da regulação como um pro- do município? Apesar da crescente expansão
cesso meramente burocrático, que se detém das diferentes tecnologias de comunicação
em pequenos detalhes e falhas nos encami- disponíveis, observa-se que os problemas
nhamentos dos profissionais para dificultar de comunicação são uma constante nas
o acesso dos usuários. As diretrizes para im- instituições, sendo ainda mais evidentes na
plementação de uma nova atribuição para as área da saúde, que depende muito da forte
UBS, em particular a realização da gestão da autonomia de seus profissionais para a im-
fila ‘na própria UBS’, a partir da regulação plementação das diretrizes políticas. Como
das vagas, incluindo o agendamento de con- foi apontado anteriormente, os ciclos de ofi-
sultas sob critérios de prioridade adotados cinas cumpriram seu papel enquanto dispa-
pelas equipes, reforçaram importante grau radores da reorganização dos processos de
de autonomia local. Como consequência, este regulação na UBS, mas isso não ocorreu de
processo ‘mais solto’, que estimulou a autono- maneira homogênea na rede.
mia dos arranjos locais, resultou em grande Apesar de tudo, há que se apontar a falta
heterogeneidade nos modos de operação das de responsabilização de muitos profissio-
várias unidades básicas, como pode ser clara- nais da AB à saúde, como problematizado no
mente caracterizado nos grupos focais. grupo focal dos reguladores, em particular
As mudanças percebidas pelos médicos, quando se observa o aumento e a desquali-
provocadas pelas oficinas, mas claramen- ficação dos encaminhamentos, ocasionados
te potencializadas pelas descentralizações pela facilidade de se obter as vagas para
de agendamentos, foram muito diferentes procedimentos especializados, tal como
a depender da unidade, variando desde pretendido na descentralização da gestão
‘nenhuma mudança’ percebida nos proces- das agendas. Tal fato observado em algumas
sos microrregulatórios, até a instituição de unidades poderia ser explicado em razão de
processos de microrregulação bastante qua- alguns médicos delegarem atribuições que
lificados na UBS, envolvendo a equipe para a lhes são próprias para profissionais sem a
priorização dos casos e uma melhor coorde- competência técnica exigida para avaliar e
nação do cuidado na rede de atenção (gestão definir o risco dos pacientes encaminhados,
de caso). Tudo isso mostrando o quanto uma no caso, os ‘administrativos’.
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Recebido para publicação em abril de 2015
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Confllito de interesses: inexistente
Suporte financeiro: não houve
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grateur de la connaissance agronomique. Le Courrier de
l’environnement de l’INRA, Paris, n. 39, p. 27-38, 2000.
ABSTRACT This study aimed to analyze the secondary dental care implementation in two mu-
nicipalities in the state of Bahia State. It involved two case studies in municipalities, which had
100% primary care coverage. Data collection methods involved semi-structured interviews with
informants, document analysis, and participant observation. Data were examined using thema-
tic content analysis and was theoretically guided by coherence postulate and Carlos Matus’ go-
vernment triangle concept. The present study confirms the local government has an important
role in a successful policy implementation with federal level formulation and induction. The go-
vernment purpose/project and its ability seem to be the most relevant categories.
KEYWORDS Health services evaluation; Health policy; Dental Health services; Health planning.
1 Universidadedo Estado
da Bahia (Uneb) – Salvador
(BA), Brasil.
thais.aranha@gmail.com
2 UniversidadeFederal da
Bahia (UFBA) – Salvador
(BA), Brasil.
schaves@ufba.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 196-206, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005186
196
Implementação da Atenção Especializada em Saúde Bucal em dois municípios na Bahia/Brasil 197
Quadro 1. Matriz de análise das características de gestão dos CEOs em dois municípios das Bahia, 2011
Categorias de
Principais questões norteadoras Fontes de verificação
análise
Quais os antecedentes no município até a formulação do projeto para a implementação do CEO?
Havia recursos necessários para implementação satisfatória?
Os objetivos e diretrizes propostos são coerentes com a proposta de governo municipal e com as diretrizes
Projeto de Governo
nacionais?
e Propósitos Análise documental
A formulação do projeto para implementação no município apresenta objetivos, metas e direção claros?
de planos, programas,
Os objetivos explicitados em planos, documentos ou discurso da equipe dirigente expressam suficiência e
projetos, relatórios de
coerência com intenções de manutenção, crescimento ou mudança da situação de SB?
gestão da Secretaria
Qual a descrição do perfil profissional, tempo de serviço dos membros entrevistados?
Municipal de Saúde
Qual a visão da equipe sobre imagem-objetivo do CEO?
(SMS).
Como se deu o processo de implementação?
Entrevista com prefeito,
Como a equipe de SB organiza suas atividades individual e coletivamente?
Capacidade de secretário de saúde,
Quais as práticas de gestão utilizadas pela equipe dirigente de SB?
Governo e Método coordenador de SB/
Os recursos necessários para sua implementação foram considerados no momento da formulação/
CEO e profissionais da
implementação?
assistência (Cirurgiões
Como as decisões sobre a implementação dos CEOs foram tomadas? Quem decide? Com qual
Dentistas, Auxiliares
informação?
de Saúde Bucal e
Qual a autonomia da equipe de gestão da SB no município?
Governabili-dade funcionários).
Qual a relação dessa equipe de gestão de SB dentro da SMS?
Quantidade de profissionais, ações desenvolvidas, oferta/utilização e estrutura física do serviço.
Organização Quais mudanças organizacionais foram exigidas pela implementação do serviço de Atenção Especializada
em SB?
Figura 1. Marco teórico referencial do ciclo da política de saúde bucal no contexto local.
AVALIAÇÃO
AGENDA
IMPLEMENTAÇÃO
CAPACIDADE
TOMADA DE DECISÕES
DE GOVERNO
FORMULAÇÃO
REGRAS
MÉTODO
INSTITUCIONAIS
GOVERNABILIDADE
ORGANIZAÇÃO
inquérito epidemiológico em SB realizado secretário de saúde, que, por sua vez, levou o
pelo próprio município em escolares no ano projeto à prefeita.
2000. O projeto foi formulado pela coorde- Os gestores da SB afirmaram ter sido realiza-
nadora de SB, apresentado ao secretário e ao da uma análise dos recursos necessários à im-
gestor municipal antes de ser encaminhado à plementação do CEO, além de ter contado com
Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Esse o recurso disponibilizado pelo Ministério da
projeto passou por discussões e aprovação no Saúde. O CEO foi implementado no ano de 2006.
CMS, assim como com profissionais da SB do Na análise do Propósito e Projeto de
município. Houve cálculo técnico-político Governo, os documentos oficiais mostra-
para construção de viabilidade de imple- ram coerência entre propostas e ações, ainda
mentação do projeto tendo em vista que, na que com alguma divergência entre o Plano
tomada de decisão para implementação do Municipal de Saúde (PMS) 2010-2013 e RAG
serviço, aliou-se estratégia de formalização 2010 (quadro 2). Nesse PMS, não se constata-
em relatório pelos profissionais da enorme ram metas para o CEO especificamente, apesar
demanda de usuários encaminhada a outros dos relatórios de gestão 2009 e 2010 aponta-
municípios devido à ausência de oferta pro- rem perspectivas de ampliação do serviço para
cedimentos especializados. Essas informa- CEO tipo II (quadro 2). Essa ampliação também
ções eram apresentadas periodicamente ao esteve presente na narrativa dos entrevistados.
Quadro 2. Propostas e ações constatadas na análise documental, município A, PPA e PMS, período 2006 a 2013, e RAG 2007 a 2010
ter participado de uma palestra do MS sobre A análise dos documentos cedidos, das
o CEO. Após o descrito, essa gestora solicitou entrevistas e dos dados oriundos da obser-
a formulação do projeto ao coordenador de vação participante mostra disparidade entre
SB e o levou à aprovação da prefeita, antes de propostas e ações executadas no município
encaminhá-lo à CIB. O projeto para o CEO estudado na variável Propósito e Projeto de
nesse município não foi fruto de uma cons- Governo. Não havia propostas para AE no
trução coletiva de um grupo de atores, tendo município B nos PMS, todavia no PPA 2010-
contado com recurso para implementação 2013 constava como ação o funcionamento
disponibilizado pelo nível federal e imple- do CEO (quadro 3). Os RAG analisados e as
mentado no ano de 2006. entrevistas revelam a implementação do
No município B, não houve análise prévia serviço com posterior ‘ascensão’. Essa ‘as-
de recursos nem planejamento sistemático censão’ foi caracterizada pelo aumento da
para implementação do serviço (MATUS, 1996). produção, ajuste da carga horária de profis-
O requisito de sistematicidade no planeja- sionais com vistas ao cumprimento de porta-
mento refere-se àquele que segue corpos ria ministerial, contratação de especialistas,
ideológicos, teóricos e metodológicos que ajustes da infraestrutura, contratação de
apóiam o “cálculo que precede e preside a gerente para o CEO, atividades de educação
ação” (MATUS, 1996, P. 17.). Apesar de o gestor em SB, aquisição de equipamentos e instru-
ter afirmado que não houve estratégia de mentais (quadro 3). Posteriormente a essa
implementação, ao se presumir a inevitabi- etapa de ascensão, foi relatado um declínio,
lidade do planejamento e por compreender levando o serviço do status de ‘referência na
estratégia enquanto maneira de se colocar região’ para ‘não exitoso’. As narrativas dos
em situação para se aproximar e alcançar entrevistados apontaram que o anúncio de
a meta, pode-se afirmar que esse ator é um cortes de gastos na saúde deveu-se à derrota
improvisador errático (MATUS, 1996), pois “atua em “disputa territorial envolvendo petróleo”
conforme as circunstâncias e segundo um com município vizinho. Todavia, muitos
cálculo imediatista que estabelece coerência afirmaram que o CEO foi o alvo dos cortes
entre ideologia, teoria e métodos que apóiam mais severos de recursos financeiros, com
seu cálculo” (MATUS, 1996, P. 55-56). diversas ameaças de fechar o serviço.
Quadro 3. Propostas e ações constatadas na análise documental, município B, PPA e PMS, período 2006 a 2013, e RAG 2007 a 2010
Ademais, percebeu-se uma visão do lhe restar outra opção e um Estado que ‘uni-
serviço público de saúde enquanto ‘SUS para lateralmente’ oferece condições mínimas
pobres’ (PAIM, 2009). No discurso do secretário para prestação do serviço e ameniza os
de saúde do município B, é citado um cidadão problemas de saúde para manter a reprodu-
que vai à procura do serviço público por não ção social. Permeou a fala dos odontólogos
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Rafael Gomes Ditterich1, Thabata Cristy Zermiani2, Simone Tetu Moysés3, Samuel Jorge Moysés4
ABTRACT This article aims to analyze the use of contracting as a tool for the management of
Primary Health Care in the county of Curitiba. The method used was the analysis of secondary
data, produced by the World Bank on research conducted in 2005, regarding the management of
primary health care. The contracting was considered important in the organization of the work
process, being useful for identifying and solving problems, to establishing priorities, and mutual
commitments between professionals, managers and the public. However, there are still gaps in
the fulfillment of the agreed management and in the process of negotiation of goals.
1 Universidade Federal do
Paraná (UFPR) – Curitiba KEYWORDS Contracts; Primary Health Care; Health management; Negotiation.
(PR), Brasil.
prof.rafaelgd@gmail.com
2 Universidade Federal do
3 Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUC-
PR) – Curitiba (PR), Brasil.
simone.moyses@pucpr.br
4 Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUC-
PR) – Curitiba (PR), Brasil.
s.moyses@pucpr.br
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005323 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 207-220, DEZ 2015
207
208 DITTERICH, R. G.; ZERMIANI, T. C.; MOYSÉS, S. T.; MOYSÉS, S. J.
foi implantada em todas as UBS e Distritos e observem os seus resultados (AZEVEDO, 2009).
Sanitários. No período compreendido entre Existem metas pactuadas para o nível local
2002 e 2007, o aprimoramento deste ins- (unidades de Atenção Básica) e outras espe-
trumento de gestão, o qual foi denominado cíficas para os Distritos Sanitários.
Termo de Compromissos (Tercom), aliado A contratualização, além da assina-
ao sistema de remuneração variada e fer- tura do Tercom, contempla mecanis-
ramentas de planejamento, possibilitou a mos de monitoramento e avaliação e um
consolidação do sistema de avaliação par- sistema de incentivos, chamado Programa
ticipativa, voltado para resultados (AZEVEDO; de Incentivo ao Desenvolvimento da
FAORO; XAVIER, 2013). Qualidade (IDQ), propondo o pagamen-
O Tercom, além do aspecto administra- to de incentivos financeiros mensais, por
tivo, também traz um componente ético meio de gratificações sobre o salário-base,
e moral, uma vez que não dispõe de uma aos funcionários que apresentarem bons
base legal para a cobrança dos compromis- resultados em seu desempenho (DUCCI,
sos assumidos (MENDES, 2002). Esses Termos 2007). Esse programa encontra-se vincula-
de Compromissos, em âmbito municipal, do à busca de resultados por meio do de-
são firmados anualmente entre a equipe sempenho do indivíduo e da equipe, e sua
de saúde, o gestor da unidade de saúde e o aplicação sustenta-se em um sistema de
gestor distrital, culminando com o gestor avaliação articulado com os indicadores de
municipal, que deve responder à popula- resultados contratados na SMS por meio
ção em última instância. Neste momento, dos contratos de gestão. O IDQ é avaliado
verifica-se também a participação de re- trimestralmente por uma equipe de gestão
presentantes dos usuários, membros dos de recursos humanos da SMS Curitiba por
Conselhos Locais de Saúde. Têm como ele- meio de quatro planilhas: avaliação indi-
mentos constitutivos básicos os objetivos vidual do profissional da saúde (realizada
e metas fixados nos instrumentos básicos pela chefia), autoavaliação, avaliação da
de planejamento, como o Plano Municipal unidade de saúde e avaliação da comuni-
de Saúde, a Programação Anual de Saúde, dade (AZEVEDO; FAORO; XAVIER, 2013).
o Pacto pela Saúde, o Planejamento Local, A análise do processo de contratualização
entre outros, visando coordenar e garantir em nível local é de grande valia na medida
que estes compromissos sejam cumpridos em que é neste nível que ocorre a prestação
(AZEVEDO; FAORO; XAVIER, 2013). de serviços, bem como a pactuação e nego-
Ao assinar o Tercom, as unidades de saúde ciação das metas. A escolha do município
e os Distritos Sanitários formalizam a orga- de Curitiba para realização desta análise se
nização do processo de trabalho, buscando justifica pelo fato de ser uma das experiên-
identificar e resolver problemas, estabele- cias pioneiras no âmbito da administração
cendo prioridades e incentivando relações pública e da APS no Brasil, desenvolvida
intersetoriais com outras áreas da adminis- desde 2003, o que revela a maturidade desta
tração municipal (DUCCI, 2007). Um dos com- política. A importância deste tema é eviden-
ponentes do Tercom é o Plano Operativo ciada pela expansão dessa ferramenta de
Anual (POA), o qual consiste em uma plani- gestão, em suas diferentes modalidades, em
lha, composta por indicadores, metas pac- vários municípios e estados nas diferentes
tuadas para cada nível institucional, bem modalidades de gestão.
como fontes para monitoramento (AZEVEDO; Baseando-se nos argumentos apresentados,
FAORO; XAVIER, 2013). O POA possui 74 indicado- o presente artigo tem como objetivo analisar o
res, que são monitorados trimestralmente, uso do Tercom como ferramenta da gestão na
possibilitando que as equipes acompanhem APS no município de Curitiba, Brasil.
Tabela 1. Avaliação do Tercom como ferramenta na organização do processo de trabalho pelos diferentes profissionais participantes no município de
Curitiba (PR), 2005
Cargo O Tercom é útil para a organização do processo de trabalho Total Teste U Mann- Whitney
Minimamente Parcialmente Substancialmente Totalmente (p)
Autoridade
Sanitária 0 0 8 (32,0%) 17 (68,0%) 25 (100%) 0,006*
Médico 2 (2,9%) 10 (14,7%) 29 (42,7%) 27 (39,7%) 68 (100%)
Autoridade
Sanitária 0 0 8 (32,0%) 17 (68,0%) 25 (100%) 0,281
Enfermeiro 0 3 (10,0%) 10 (33,3%) 17 (56,7%) 30 (100%)
Autoridade
Sanitária 0 0 8 (32,0%) 17 (68,0%) 25 (100%) 0,024*
Cirurgião-dentista 2 (2,9%) 14 (20,3%) 20 (29,0%) 33 (47,8%) 69 (100%)
Fonte: Dados do World Bank (2006).
Nota: * Estatisticamente significante (p≤0,05).
Ao analisar a utilidade do Tercom na identi- escolheu a opção totalmente útil para ambos os
ficação e solução dos problemas nas unidades aspectos, excetuando a categoria profissional
de saúde (tabela 2), os servidores participantes dos médicos, cuja percepção quanto à utilida-
sinalizaram que ele é uma ferramenta substan- de para a solução de problemas foi majoritaria-
cialmente ou totalmente útil para este aspecto, mente substancial. Também se constatou que
com um percentual que variou de 65% a 91% as ASL apresentam percepção mais positiva
para as diferentes categorias profissionais. nesses itens do que os profissionais que atuam
Percebeu-se que a maioria dos entrevistados na atenção à saúde.
Tabela 2. Avaliação do Tercom como ferramenta para a identificação e solução de problemas pelos diferentes profissionais participantes no município de
Curitiba (PR), 2005
Autoridade
0 4 (16,7%) 8 (33,3%) 12 (50%) 24 (100%)
Sanitária 0,056
Médico 4 (6%) 13 (19,4%) 32 (47,8%) 18 (26,9%) 67 (100%)
Autoridade
0 4 (16,7%) 8 (33,3%) 12 (50,0%) 24 (100%)
Sanitária 0,939
Enfermeiro 0 4 (13,3%) 12 (40,0%) 14 (46,7%) 30 (100%)
Autoridade
0 4 (16,7%) 8 (33,3%) 12 (50,0%) 24 (100%)
Sanitária 0,151
Cirurgião-dentista 6 (8,6%) 18 (25,7%) 18 (25,7%) 28 (40,0%) 70 (100%)
Fonte: Dados do World Bank (2006).
A tabela 3 revela que a maioria dos pro- mais positivamente esta questão do que as
fissionais identificou ser o Tercom um ASL, ao considerar a ferramenta com 100%
instrumento bastante importante para o esta- substancialmente ou totalmente importante;
belecimento de prioridades, com percentuais sendo que, ao considerar apenas a classifica-
superiores a 80% para todas as categorias, ao ção totalmente, nota-se que as ASL obtiveram
considerar as classificações substancialmente um maior percentual (79,1%). Já os médicos
e totalmente. Todavia, ao analisar a percep- e cirurgiões-dentistas avaliaram mais nega-
ção discriminada entre os diferentes profis- tivamente esse item, sendo esta diferença de
sionais avaliados, os enfermeiros avaliaram posições estatisticamente significante.
Tabela 3. Avaliação do Tercom como ferramenta para o estabelecimento de prioridades pelos diferentes profissionais participantes no município de
Curitiba (PR), 2005
Tabela 4. Avaliação do processo de negociação de metas no Tercom pelos diferentes profissionais participantes no município de Curitiba (PR), 2005
Cargo Sobre o processo de pactuação do Tercom com o Distrito Sanitário Total Teste U
Impõe metas Impõe metas e Negocia metas Sugere metas Mann- Whitney
negocia outras (p)
Tabela 5. Avaliação no caso de não cumprimento das metas pactuadas pelos diferentes profissionais participantes do município de Curitiba (PR), 2005
No caso do não cumprimento das metas pactuadas, o Distrito Sanitário é aberto a negociá- Teste U
las Mann-
Discordo Discordo Concordo Concordo Whitney
Cargo totalmente parcialmente Indiferente parcialmente plenamente Total (p)
Autoridade
0 0 0 7 (28,0%) 18 (72,0%) 25 (100%)
Sanitária 0,002*
Médico 4 (5,8%) 1 (1,5%) 8 (11,6%) 29 (42,0%) 27 (39,1%) 69 (100%)
Autoridade
0 0 0 7 (28,0%) 18 (72,0%) 25 (100%)
Sanitária 0,008*
Enfermeiro 0 4 (13,8%) 3 (10,3%) 10 (34,5%) 12 (41,4%) 29 (100%)
Autoridade
0 0 0 7 (28,0%) 18 (72,0%) 25 (100%)
Sanitária 0,032*
Cirurgião-dentista 3 (4,5%) 2 (3,0%) 4 (6,1%) 24 (36,4%) 33 (50,0%) 66 (100%)
Fonte: Dados do World Bank (2006).
Nota: * Estatisticamente significante (p≤0,05).
obtidos são úteis visto que permitem a tomada outros municípios que estão adotando os con-
de consciência de tais aspectos também por tratos de gestão de forma mais recente. s
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Recebido para publicação em maio de 2015
Versão final em outubro de 2015
Conflito de interesses: inexistente
MENDES, E. V. Os sistemas de serviços de saúde: o que
Suporte financeiro: não houve
os gestores deveriam saber sobre essas organizações
complexas. Fortaleza: ESP-CE. 2002.
Paula Roberta Rozada Volponi1, Mara Lúcia Garanhani2, Brigida Gimenez Carvalho3
RESUMO O artigo analisa a potencialidade do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf ) para
constituir-se em dispositivo de mudança nas práticas de cuidado e nos modos de atuação de
uma equipe gestora da Atenção Básica. Estudo de abordagem qualitativa, de caráter compre-
ensivo, realizado junto aos gestores da Diretoria de Atenção Primária à Saúde de município de
grande porte do Paraná, no período de setembro/2012 a abril/2013, por meio de observação e
entrevistas. Os resultados revelaram predominância do objetivo estratégico do Nasf enquanto
dispositivo, que a gestão colegiada se mostrou um arranjo potente para a gestão e, por fim, que
a implantação do Nasf pode ser compreendida como uma ação que potencializa a produção de
mudanças na Atenção Básica.
ABSTRACT The article analyzes the potentiality of the Family Health Support Nucleus to esta-
blish itself as changing device in primary care practices and in the performance ways of a primary
care management team. It’s a qualitative approach study, of sympathetic character, performed
with the Primary Health Care Board managers of a large size municipality of the Paraná State,
from September/2012 to April/2013. The results revealed predominance of the Family Health
Support Nucleus’s strategic objective while a device, that the collegiate management showed
as a powerful arrangement for the management and, finally, that the Family Health Support
Nucleus implementation can be understood as an action that enhances the production of changes
in Primary Care.
1 Universidade
KEYWORDS Health management; Primary Health Care; Family health.
Estadual de
Londrina (UEL) – Londrina
(PR), Brasil.
prvolponi@hotmail.com
2 Universidade Estadual
de Londrina (UEL) –
Londrina (PR), Brasil.
maragara@hotmail.com
3 Universidade Estadual
de Londrina (UEL) –
Londrina (PR), Brasil.
brigidagimenez@gmail.com
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005418 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 221-231, DEZ 2015
221
222 VOLPONI, P. R. R.; GARANHANI, M. L.; CARVALHO, B. G..
convivência e novas práticas, aproximando concretos para uma mudança nos modos de
os serviços dos conceitos de atenção integral, produção do cuidado e na gestão em saúde
humanizada, de qualidade, e equânime, e dos devem ser gerados, emerge a indagação: O
demais marcos dos processos de reforma do Nasf tem potencialidade para se constituir
sistema de saúde brasileiro (CECCIM, 2005). enquanto dispositivo de mudança nas práti-
Nessa perspectiva, o governo brasileiro, cas de cuidado e de gestão?
desde a década de 1990, vem tomando inicia- Diante do exposto, o presente trabalho
tivas para reorientar o modelo de atenção à busca analisar essa possibilidade, a partir das
saúde a partir da Atenção Básica (AB), com ações desenvolvidas por uma equipe gestora
a Estratégia Saúde da Família (ESF). Esta da AB, de um município de grande porte.
estratégia deve estar inserida em um con-
texto de gestão democrática e participativa,
pautado no trabalho em equipe, direcionado Método
às populações de territórios definidos, utili-
zando tecnologias de cuidado complexas, a Tratou-se de um estudo com uma abordagem
fim de manejar as demandas e necessidades qualitativa, de caráter compreensivo e inter-
de saúde de forma eficiente (BRASIL, 2012). pretativo. É um recorte da dissertação de mes-
Dentro deste contexto, os Núcleos de Apoio trado intitulada ‘Implantação dos Núcleos de
à Saúde da Família (Nasf ) foram instituídos apoio à saúde da família: atuação da equipe
pelo Ministério da Saúde em 2008 (BRASIL, gestora da atenção’, realizado em um municí-
2008), com a intencionalidade de se alcançar a pio de grande porte do sul do Brasil.
integralidade do cuidado e a interdisciplinari- Foram incluídos no estudo, profissionais
dade das ações em saúde, de maneira a apoiar integrantes da equipe gestora municipal,
e complementar o trabalho da ESF. que, na época da coleta de dados, exerciam
É neste sentido que o Nasf, inspirado no cargos oficiais na Diretoria de Atenção
apoio Paidéia – metodologia que busca re- Primária à Saúde (Daps), e profissionais do
formular os tradicionais mecanismos de Nasf. Esta equipe é formada pela diretoria de
gestão, voltada à formação de pessoas com AB, assessorias técnicas, gerências regionais
capacidades ampliadas para analisar e inter- de Unidades Básicas de Saúde (UBS), gerên-
vir sobre as relações sociais (CAMPOS; CUNHA; cias de programas especiais, coordenadorias
FIGUEREDO, 2013), constitui-se em proposta es- dos ciclos de vida e coordenadores de UBS.
tratégica para auxiliar na mudança das práti- O período de coleta de dados compreen-
cas. Tem a perspectiva de atuação em gestão deu os meses de setembro a dezembro de
colegiada e criação de vínculos para que, de 2012, final da gestão municipal 2009-2012, e
maneira prática, seja possível combinar au- os meses de fevereiro a abril de 2013, início
tonomia e responsabilidade. da gestão 2013-2016.
O Nasf é composto por profissionais de di- Os instrumentos metodológicos esco-
ferentes áreas do conhecimento. Tem atuação lhidos foram: observação participante e
pautada no trabalho em equipe, com a função entrevista semiestruturada. Entre entre-
principal de apoiar a EqSF, aumentando sua vistados e participantes, nos momentos
resolubilidade (CUNHA; CAMPOS, 2011). Enquanto observados, a pesquisa contou com o en-
apoiador matricial das equipes de referência, volvimento de 58 pessoas. Entre elas, 48
também é visto com potencialidade para se exerciam cargos de gestores formais (15
tornar um dispositivo da gestão, para fomentar eram da diretoria da AB e 31, coordena-
a rede de serviços em saúde (SAMPAIO ET AL., 2012). dores de UBS) e 12 eram profissionais do
Desta forma, com base na ideia de Nasf (membros do colegiado gestor e par-
que alguns dispositivos potencialmente ticipantes de reuniões presenciadas).
em cargos de coordenação de UBS (13), ge- democrática e participativa, o que gerou di-
rências regionais (8) e assessoria técnica de ferentes posicionamentos a esse respeito.
enfermagem (5). Todos tinham formação Esses resultados estão em consonância
complementar: em saúde da família (8), saúde com o conceito de Nasf apresentado por
coletiva (6) e educação profissional (7). alguns autores: como um dispositivo ino-
Os resultados estão apresentados em duas vador, capaz de potencializar as ações das
categorias: (1) Nasf: dispositivo de mudança equipes da ESF e de confrontar desafios a
e (2) Colegiado gestor: um arranjo com po- serem enfrentados na AB (SILVA ET AL., 2012).
tencialidades para a mudança. Assim, se constitui em dispositivo funda-
mental para assegurar integralidade ao
cuidado e resolutividade à AB, especialmen-
Nasf: dispositivo de te, por intervir na cultura dos encaminha-
mudança mentos. Possibilita, concomitantemente,
promover uma discussão sobre a formação
A investigação possibilitou apreender que o dos profissionais em saúde.
Nasf foi assumido como uma estratégia ino- Os gestores visualizaram avanços com a
vadora (G1, G3, G7, G9), com potencialidades chegada do Nasf. Houve referência de que
criadoras de novas práticas no cotidiano dos muitos dos programas que não existiam no
serviços (G1, G2). Tais práticas foram apon- município, agora existem por mérito do Nasf
tadas como possíveis contribuições para a (G2). Para eles, houve uma ampliação do
efetivação das desejadas mudanças no traba- olhar para a produção do cuidado (G2, G3)
lho em saúde e na produção do cuidado. e um aumento no cardápio de ações ofere-
O processo de trabalho do Nasf foi orien- cidas pela UBS (G5, G13) aos seus usuários,
tado pelas diretrizes do Ministério da Saúde relacionadas à atenção aos ciclos de vida
(G1, G2, G5, G9), com adaptações às neces- anteriormente pouco assistidos; aos novos
sidades do município (G2, G4, G8). Assim, grupos terapêuticos; ao desenvolvimento
o trabalho foi organizado com base no com- do apoio matricial; e à ampliação de ações
partilhamento e no apoio às práticas em de prevenção e promoção. Houve também
saúde, em especial, no reforço às seguintes relatos sobre o impacto nas doenças crônicas
diretrizes: a ação interdisciplinar e interse- (G2, G14) e na melhoria da qualidade de vida
torial; a educação permanente em saúde; a da população assistida (G1, G12), com des-
educação popular; o território; a integralida- taque para a atuação de dois profissionais,
de; o controle social; a promoção da saúde; o nutricionista e o profissional de educação
e a humanização. As equipes têm orienta- física. Entre as novas atividades realizadas,
ção para priorizar nove áreas estratégicas: citou-se o trabalho com a obesidade infantil,
atividade física/práticas corporais; práticas a depressão, grupos de coluna, caminhadas e
integrativas e complementares; reabilita- atividades com idosos (G2).
ção; alimentação e nutrição; saúde mental;
serviço social; saúde da criança/adolescente [...] já vi avanços nesse último ano, porque nós
e do jovem; saúde da mulher; e assistência trabalhamos a questão do matriciamento [...]
farmacêutica (BRASIL, 2010). Nós observamos também o grande trabalho do
O trabalho desenvolvido pelos profis- Nasf junto à população com ações de prevenção
sionais do Nasf possibilitou o repensar dos e promoção à saúde, com impacto nas doenças
gestores sobre a produção de trabalhadores crônicas e melhora na qualidade de vida da po-
sujeitos, autônomos e protagonistas, além pulação. Especificamente, observo o nutricionista
do fortalecimento de vínculos e a coparti- fazendo isso muito claramente, o educador físi-
cipação e corresponsabilização na gestão co com essa possibilidade de promover saúde a
grupo de idosos, de gestantes, crianças com obe- de seus objetivos, ou seja, para a integrali-
sidade [...]. (G1). dade da produção do cuidado e a interdis-
ciplinaridade, foram criados novos padrões
Desta forma, as ações praticadas citadas de relacionamento, que propiciaram outras
se relacionam com os principais desafios do formas de experimentação de grupalidade.
Nasf, no que se refere a melhorar a qualida- Eles provocaram certos incômodos no modo
de do serviço ofertado e não apenas suprir a de se operar no interior dos serviços, produ-
demanda assistencial (NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2010). ziram reflexões das práticas, estabeleceram
Em relação aos avanços no processo de novas parcerias.
construção para a integralidade do cuidado, Deve-se entender que um dispositivo de
foi citado um caso que envolveu uma situação mudança tem dois momentos essenciais: o da
de luto, em que a atuação dos profissionais do predominância de um objetivo estratégico; e o
Nasf junto à equipe desencadeou uma refle- da produção de efeitos positivos, negativos ou
xão sobre o processo de trabalho. Essa refle- indesejados, por meio de uma relação de res-
xão contribuiu para que fossem vislumbradas sonância e de contradição, que exige rearticu-
novas possibilidades de atuação dos profissio- lações e reajustes de elementos que surgem, de
nais, com vistas à integralidade do cuidado. forma dispersa, em um processo contínuo de
preenchimento estratégico (FOUCAULT, 2006).
Uma coisa que para mim marcou, foi a questão do Enquanto dispositivo de mudança, apre-
luto. É muito comum, na unidade de saúde, se che- sentou maiores avanços em um dos dois
gar alguém passando mal, alguém já vai pedindo momentos essenciais a essa condição, o
para ver a pressão e sai falando: morreu marido da momento da predominância do objetivo
fulana e ela está passando mal. E aí, vem uma psi- estratégico. Isso se deu principalmente na
cóloga e diz para mim: ‘É normal, ela está nervosa, institucionalização de alguns espaços, como
ela tem que chorar, faz parte do luto’[...] Para nós, as reuniões de matriciamento, nos momen-
não. Já dá o remédio, já vê pressão, já vê consulta tos de reuniões com a EqSF e nos encontros
com cardiologista [...] e não entende a questão formais com os gestores. Podem se relacio-
toda que permeia aquela hipertensão. (G2). nar a esse momento algumas contribuições:
a deflagração do uso do apoio matricial; a
Foi referido que a construção do processo instituição de arranjos para a reorganização
de trabalho do Nasf acontece no cotidiano do das relações de poder e para a configuração
serviço, por erros e acertos, apoiada em ava- de espaços mais democráticos e participati-
liações realizadas, coletivamente, por repre- vos (com análise, negociação e intervenção);
sentantes da gestão da Daps, da gestão local e avaliações das práticas cotidianas.
e dos profissionais do Nasf. Em relação ao segundo momento de um
dispositivo – o da produção de efeitos posi-
É com a experiência mesmo do dia a dia. A gen- tivos, negativos e indesejados –, percebeu-se
te vai fazendo, vê o que dá certo, o que não dá, que algumas ações e concepções relaciona-
faz avaliações. Então, normalmente, a gente faz das ao trabalho do Nasf encontraram resso-
avaliações regionais [...] com o Nasf para avaliar nância entre os gestores e foram capazes de
como estão as atividades, como estão se desen- produzir efeitos positivos. Como exemplo
volvendo, o que pode mudar, o que pode melho- disso, podemos citar: a ampliação do olhar
rar, o que tem que acrescentar. (G15). para a produção do cuidado; o aumento no
cardápio de ações oferecidas pela UBS aos
A partir dos resultados, inferimos que o seus usuários; a construção para a integrali-
Nasf se caracterizou como um dispositivo de dade do cuidado; e a ampliação de ações para
mudança, uma vez que, para a concretização a promoção da saúde e para a diminuição do
desenvolvidas nas UBS; a disseminação, entre a serem utilizadas nos grupos, com a padroni-
equipes e categorias profissionais, de informa- zação, e lhes é explicado que o objetivo é criar
ções sobre as decisões dos gestores; e a elabora- linha-guia, conduzir o caminho e direcionar os
ção de ‘receitas’ sobre como construir o trabalho novos profissionais, evitando prolongar a discus-
do Nasf, em um movimento de criação de linhas são. (DC 13/03/2013).
de conduta e estruturação do trabalho. Desta
forma, o espaço do colegiado possibilita, ao re- Constatamos, também, que o colegiado
presentante do nível central da gestão, imprimir foi criado para auxiliar os gestores da Daps
um forte direcionamento às atividades a serem de forma mais consultiva, possibilitando a
desenvolvidas pelo Nasf. O trecho do diário de expressão das opiniões dos profissionais
campo ilustra esta ponderação. que auxiliassem na tomada de decisão de
tais gestores, o que corrobora as ideias de
O encontro se inicia com o questionamento sobre os Cecílio (2010).
avanços nas sistematizações dos grupos, em um tom Notamos que, para alguns profissionais do
de controle/cobrança do cumprimento de tarefa an- Nasf, o colegiado foi visto apenas como um
teriormente solicitada. A maioria das falas é voltada espaço para transmissão de diretrizes do nível
ao coordenador do grupo. (DC 13/03/2013). central, a serem cumpridas localmente, refor-
çando uma conotação autoritária para o cole-
A este respeito, Cecílio (2010) nos afirma giado. Além disso, por vezes se configurou como
que há dificuldades quanto às concepções, às espaço para que o corporativismo se manifestas-
formas de organização e ao funcionamento de se, pois o representante no colegiado se revestia
colegiados gestores como instrumentos para a de porta-voz de sua categoria profissional, nem
inovação da gestão. Neste estudo, visualizamos sempre atingindo a adequada articulação entre
que os profissionais não conseguiram concre- os representantes e seus representados.
tizar o colegiado como espaço efetivo de par- Para analisar os modos de gestão, tomamos
ticipação, de negociação, decisão e pactuação. emprestados os conceitos de gerir e de gerar
Também observamos que alguns dos pro- apresentados por Onocko Campos (2003, P. 124).
fissionais membros do colegiado se apre- O gerir se relaciona à gestão clássica, como a
sentam com ‘olhares analisadores ruidosos’ “ação sobre as ações dos outros”, e se relacio-
sobre o modo como vêm se constituindo as na ao controle, à regulação e às normatiza-
práticas em saúde pelos profissionais do ções. Pode, também, estar ligado ao exercício
Nasf, sobre suas tecnologias e direcionalida- de poder disciplinado, que tem grande preo-
des, e sobre o modo de fazer gestão presente cupação com a produtividade e forte tendên-
no cotidiano do serviço. Entretanto, esses cia a reproduzir as práticas vigentes. O gerar
ruídos parecem, algumas vezes, ignorados e estaria relacionado à busca, a movimento, à
sobrepostos, no momento do encontro, pelo desestabilização do instituído. Abriria, para
‘tarefismo’, resultante da estrutura funciona- gestão, um lugar e um tempo. Criaria e ins-
lista da organização. Observa-se uma disputa tituiria espaços para a experimentação de
de poderes, que respeita a hierarquia e abafa tomadas de decisões coletivas e criação de
os ruídos, ao invés de deixá-los aflorar. Esta projetos. Espaços como instâncias reflexivas
prática deixa passar a oportunidade de pu- e com análises implicadas com o que se pre-
blicizar e problematizar as situações cotidia- tende produzir (ONOCKO CAMPOS, 2003).
nas, nem sempre possibilitando a discussão Podemos destacar que os gestores vis-
coletiva e a busca de novos caminhos. lumbraram, na gestão colegiada, a possibi-
lidade de este se constituir em um arranjo
Profissionais ‘A’ e ‘B’ demonstram preocupação potente para a gestão. Ressaltamos que o
sobre o possível engessamento das estratégias colegiado gestor se estabelece como um
arranjo ao se tornar uma forma de organi- na necessidade dos usuários e em uma postura
zação institucionalizada, com certa estru- pró-ativa de mudanças.
turação e permanência, com potencialidade Com base nas ideias de Cecílio (2007), acre-
para produzir fluxos na direção contrária dita-se que o ponto de partida de toda pre-
(ONOCKO CAMPOS, 2003). tensão de mudança, na forma de fazer gestão
Porém, apesar de a intenção da equipe e organizar o cuidado, deve se relacionar à
gestora ter vislumbrado a dimensão do gerar capacidade de interrogar o mundo do traba-
com esse arranjo, criando e instituindo um lho antes de propor, a priori, conceitos e/ou
espaço para a experiência de tomada de modos prescritivos de fazer a gestão. É ne-
decisão coletiva, e possibilitando a formula- cessário (des)construir categorias/conceitos/
ção de projetos coletivos, a dimensão do gerir sentidos, em um encontro capaz de provocar
parece ter predominado no colegiado do Nasf. discussão, debate, diálogo, de forma espontâ-
Percebemos que a dimensão do gerir pode nea e não sistematizada, em um processo de
se relacionar à instituição dos protocolos como criação e operação de novas categorias e con-
forma de chefiar a produção de atos e procedi- ceitos que façam sentido para a prática.
mentos, e pela necessidade de controle sobre o Assim, para que o Nasf se potencialize en-
produto do Nasf no cotidiano dos serviços. Isto quanto dispositivo inovador nos processos de
pode ser relacionado ao forte perfil de controle mudança, em busca da produção do cuidado
de alguns membros do colegiado, que, por di- integral e da satisfação das necessidades de
versos momentos, comprometeu a dimensão saúde da população, há de se investir na ga-
do gerar desse arranjo de gestão. rantia de espaços que promovam o encontro;
Diante do exposto, deve-se destacar que possibilitem o diálogo; potencializem as ações
apenas a instituição do colegiado de gestão, das equipes da ESF; problematizem as ações
por si só, não garante a distribuição de poder cotidianas; favoreçam ações compartilhadas e
e o estabelecimento de espaços de decisão corresponsáveis; deixem aflorar os conflitos;
legitimados por todos os profissionais de e estimulem novas reflexões e o desenvolvi-
saúde, conforme é defendido por alguns mento de estratégias criativas para novos e
autores (CECÍLIO; MENDES, 2004). velhos problemas de saúde. Além disso, deve
Portanto, ficou evidente que as poten- estar integrado às equipes da ESF com inte-
cialidades do gerar, desse arranjo, não es- ração dos núcleos dos saberes, o que possibi-
tiveram a salvo de serem capturadas pela litaria a construção de contratualizações das
predominância do gerir dos serviços de relações de trabalho; a horizontalização de
saúde, o que corrobora a proposição de que relações de poder capazes de aglutinar certas
toda coisa que um dia se institucionaliza, habilidades que estão no campo da tensão
não está a salvo de ser capturada pela lógica entre os modelos e os processos de trabalho;
dominante (ONOCKO CAMPOS, 2003). o agenciamento e a aproximação das pessoas
Desse modo, percebeu-se a convivência envolvidas; e o favorecimento de espaços de
entre o desejo da mudança e suas dificuldades, conversa e negociação.
em um movimento de avanço e retrocesso no Devem-se manter arranjos que visem a
confrontamento com o processo instituído. O modos de gerir amparados em princípios de-
retrocesso pode se relacionar ao estabeleci- mocráticos, que não excluam a dimensão do
mento da construção de protocolos por catego- autogoverno, mas considerem a potencialida-
ria profissional, com a pretensão de provocar de de todos os envolvidos no processo e explo-
mudanças de modo controlado, e os avanços rem o espaço permanente de tensões, conflitos
podem ser traduzidos como uma nova possi- e disputas. Arranjos amparados em formalis-
bilidade de inventar modos de gerir, com pro- mos contratuais, que delegam poder e poten-
fissionais na disputa por projetos embasados cialidade de mudança a poucos, não garantem
Referências
ACIOLE, G. G. As desventuras de público no país dos ARAÚJO, C. E. L.; PONTES, R. J. S. Constituição de sujei-
privatas. In: FERLA, A. A.; RAMOS, A. S.; LEAL, M. S. C. tos na gestão em saúde: avanços e desafios da experiência
(Org.). VER-SUS Brasil: caderno de textos do VER-SUS/ de Fortaleza (CE). Ciênc. Saúde Colet., Rio de Janeiro, v. 17,
Brasil. Porto Alegre: Rede Unida, 2013. n. 9, p. 2357-2365, 2012.
RESUMO O estudo tem por objetivo analisar a eficiência da Atenção Primária à Saúde e de ave-
riguar possíveis disparidades em saúde por meio de um estudo ecológico transversal baseado
em dados dos municípios referentes ao IDSUS da atenção primária e no gasto total médio per
capita, estratificado por região e grupos homogêneos, para o período 2008-2010. Observou-
se a dificuldade de estruturação da atenção primária nas grandes cidades e no Norte; o fa-
vorecimento das transferências federais aos municípios com maiores necessidades; a maior
eficiência foi encontrada no Nordeste e no grupo homogêneo de municípios com os piores
indicadores socioeconômicos e de estrutura de saúde. Observaram-se, também, grandes dis-
paridades entre as regiões brasileiras e os grupos homogêneos de municípios, segundo suas
características socioeconômicas e de estrutura de saúde, no que se refere à eficiência da
Atenção Primária à Saúde e à capacidade de aplicação de recursos próprios pelos municípios.
Constatou-se, por fim, a existência de importante inexecução do valor transferido pela União
para os municípios dentro do bloco de financiamento da Atenção Básica.
ABSTRACT The study aims to analyze the efficiency of Primary Health Care and to find out pos-
sible disparities in health by means of a cross-sectional ecological study based on data from mu-
nicipalities concerning primary care IDSUS and total expenditure per capita average, stratified
by region and homogeneous groups, for the period 2008-2010.It was noted the difficulty in struc-
turing primary care in the municipalities and in the North Region; the favoring of federal trans-
fers to municipalities in greater needs; the greatest efficiencies found in the Northeast Region in
the homogeneous group of municipalities with the worst socio-economic and structural health
1 Universidade
indicators. Large differences were also observed among Brazilian regions and homogeneous
de Brasília
(UnB) – Brasília (DF), groups of municipalities according to their socio-economic characteristics and health structure
Brasil. as regards the efficiency of primary health care and the municipalities’ ability to apply their own
grazifisio3@hotmail.com
resources. Finally, it is to be remarked the significant nonuse of the amount transferred by the
2 Universidade de Brasília federal government to the municipalities within the primary care funding block.
(UnB) – Brasília (DF),
Brasil.
shimizu@unb.br KEYWORDS Primary Health Care; Healthcare disparities; Health economics.
3 Universidade de Brasília
(UnB) – Brasília (DF),
Brasil.
evertonsilva@unb.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 232-245, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005512
232
Atenção Primária à Saúde nos municípios brasileiros: eficiência e disparidades 233
Tabela 1. Média e desvio padrão dos indicadores selecionados e notas atribuídas aos municípios brasileiros referentes ao Índice de Desempenho do SUS
na Atenção Primária (IDSUS-AP), por região brasileira e grupo homogêneo, Brasil, 2007 a 2010
Tabela 2. Média e desvio padrão das transferências federais per capita e do gasto total per capita dos municípios para a atenção primária, por grupo
homogêneo e por regiões, Brasil, 2008 a 2010
Em termos de grupos homogêneos e do menor gasto total per capita: Norte R$ 96,88
gasto total médio per capita com a atenção (DP95% 77,03) e Nordeste R$ 114,00 (DP95%
primária no período 2008-2010, verifica- 176,64); ao passo que a região Sul aplicou R$
-se que os grupos 5 e 6, mais pobres e com 162,43 (DP95% 147,74).
serviços de saúde menos densos tecnolo- A tabela 3 mostra os dados dos municí-
gicamente, apresentaram maior valor per pios brasileiros que informaram um gasto
capita liquidado, correspondendo a R$ total com atenção primária inferior ao valor
172,91 (DP95% 176,83) e R$ 133,98 (DP95% transferido pela União quando o gasto é ava-
175,42), respectivamente; já os grupos ho- liado por meio do bloco de financiamento
mogêneos 1 e 2, mais ricos e com serviços da Atenção Básica do Siops, excluídos os
de saúde mais densos tecnologicamente, li- municípios que não informaram seus gastos.
quidaram relativamente menos na atenção De modo geral, observa-se a tendência de
primária, com média no período de R$ diminuição da frequência de inexecução das
71,86 (DP95% 77,21) e R$ 68,45 (DP05% transferências federais ao longo do período
67,84), respectivamente (tabela 2). analisado – de 18,23% em 2008 para 13,28%
Quanto às regiões brasileiras, observa-se em 2010, na média nacional. No entanto,
dificuldade na contrapartida do gasto total ressalta-se que a frequência de inexecu-
médio per capita com atenção primária pelos ção ainda foi relativamente alta (10,75% na
municípios das regiões Norte e Nordeste, média nacional) no período 2008-2010. Essa
visto que, apesar de receberem as maiores tendência também é verificada nos grupos
transferências federais per capita, têm o homogêneos e nas regiões.
Tabela 3. Percentual de municípios que não executaram o valor transferido pela União, por grupo homogêneo e por região
brasileira, Brasil, 2008 a 2010
Tabela 4. Resultados da análise de eficiência dos municípios brasileiros segundo categorias AA, AB, BA e BB, por grupos
homogêneos e regiões brasileiras, Brasil, 2008 a 2010
AA % AB % BA % BB %
Alto IDSUS-AP e alto Alto IDSUS-AP e baixo Baixo IDSUS-AP e alto Baixo IDSUS-AP e baixo
gasto gasto gasto gasto
Média Nacional
Brasil 26,47 35,81 9,49 28,23
Grupo Homogêneo
1 12,45 8,33 8,33 70,83
2 6,09 12,19 8,53 73,17
3 17,15 19,52 15,51 47,81
4 9,83 36,06 3,89 50,2
5 42,24 33,21 12,24 12,29
6 32,48 43,12 6,97 17,42
Regiões Brasileiras
N 18,4 24 9,06 48,26
NE 21,78 47,66 5,61 24,85
CO 38,61 26,48 15,09 19,55
SE 40,78 25,67 12,05 21,4
S 43,21 29,17 9,97 17,54
Fonte: Elaboração própria.
Notas: AA, municípios com alto desempenho e alto gasto total médio per capita; AB, municípios com alto desempenho e baixo gasto total
médio per capita; BA, municípios com baixo desempenho e alto gasto total médio per capita; BB, municípios com baixo desempenho e
baixo gasto total médio per capita.
que o Nordeste também apresentou o menor de resolução desse nível de cuidado; assim,
percentual de municípios na categoria BA, o acesso à atenção primária de qualidade ra-
com 5,61% do total desta região. zoável deveria reduzir esse indicador (ANSARI;
LADITKA; LADITKA, 2006). Porém, alguns autores
Discussão argumentam que essas internações podem
estar mais relacionadas a variáveis socioe-
Os resultados deste estudo apontam as se- conômicas do que à efetividade da atenção
guintes observações: i) a dificuldade de es- primária, particularmente devido aos deter-
truturação da atenção primária nas grandes minantes sociais do processo saúde-doença
cidades (grupos homogêneos 1 e 2) e no (REHEM, 2011).
Norte; ii) as transferências federais favore- As transferências federais para a atenção
ceram os municípios com maiores necessi- primária demonstraram ser realizadas de
dades, visando à equidade, em termos tanto acordo com a equidade. Os grupos homogê-
dos grupos homogêneos quanto das regiões; neos 6, 5 e 4 e as regiões Norte e Nordeste
iii) a existência de inexecução orçamentária receberam maior transferência per capita.
em alguns municípios brasileiros referente à Tanto a equidade quanto a ampliação do
atenção primária, principalmente no grupo valor per capita transferido pela União são
homogêneo 1 e nas regiões Norte e Nordeste, reforçados a partir de 2003 (CASTRO; MACHADO,
quando avaliados os gastos informados pelos 2010). Nesse ano, o Ministério da Saúde es-
municípios através do bloco de financiamen- tabeleceu uma estratégia de correção pro-
to da Atenção Básica no Siops; iv) a grande gressiva, aumentando o PAB fixo, valor
contribuição em termos de eficiência do transferido per capita, sem necessidade de
grupo homogêneo 6 e do Nordeste na relação pactuações, a exemplo do que ocorre no
gasto/desempenho da atenção primária. PAB variável. Além disso, com o objetivo de
A cobertura populacional da atenção atingir um financiamento mais equitativo, a
primária no grupo homogêneo 1 e 2 ainda Portaria do Ministério da Saúde GM/MS nº
é muito baixa. Essa é uma situação antiga, 1.434/2004, pela primeira vez, empregou in-
dado que desde 2002 observa-se que a ESF dicadores de condições sociais como critério
tem tido dificuldade de ser introduzida de para diferenciar os repasses federais aos mu-
forma ampla e substitutiva ao modelo as- nicípios (SOLLA ET AL., 2007).
sistencial tradicional nos grandes centros Apesar da transferência federal mais
urbanos, com sistemas de saúde complexos. equitativa para a atenção primária nas
Nessas cidades, a Estratégia ainda é focaliza- regiões Norte e Nordeste, a execução or-
da apenas em grupos populacionais de maior çamentária não é adequada: essas são as
risco social e por meio apenas da expansão regiões com maior percentual de inexecu-
de cuidados mínimos (CAETANO; DAIN, 2002). ção do valor transferido pela União para
Alguns desafios decorrem das desigualdades os municípios por meio do bloco de finan-
sociais e de acesso aos serviços de saúde e ciamento da Atenção Básica. Tal execução
das diferentes combinações do mix público– ocorre também no grupo homogêneo 1. Uma
privado nesses municípios, que acabam por possível razão para essa baixa execução or-
concorrer para a consolidação do modelo de çamentária é a disponibilidade insuficiente
atenção primária preventiva (VIANA ET AL., 2008). de profissionais de saúde, especialmente
O único indicador que foi melhor no médicos para atuarem nessas regiões, o que
grupo homogêneo 1 do que nos demais é o dificulta a aplicação dos recursos (MAFRA, 2011).
de internação sensível à atenção primária, Outro elemento que os municípios alegam
considerado um indicador utilizado para para justificar a baixa execução orçamentá-
avaliar os serviços de saúde e a capacidade ria da atenção primária é a transferência de
2007 sido excluído da análise porque 79,3% piores indicadores socioeconômicos e de es-
dos municípios não declaram o valor des- trutura de saúde (grupo homogêneo 6), para
pendido na atenção primária, o que enviesa- o qual 43,12% dos municípios foram conside-
ria substancialmente a média amostral dessa rados eficientes. Em termos de disparidade,
variável; inicialmente, o ano de 2007 seria o Norte apresentou a maior proporção de
utilizado para fazer correspondência tem- municípios (48,26%) com baixo desempe-
poral com o IDSUS-AP. A segunda advém nho e baixo gasto total médio per capita na
da forma como esse índice foi calculado – a atenção primária, bem como baixo desempe-
partir de coleta de indicadores ao longo de nho e gastos, além de melhores indicadores
quatro anos (2007-2010) de forma pontual –, o socioeconômicos e de estrutura de saúde
que impediu a obtenção de uma tendência de (grupo homogêneo 1), com 70,83%. Também
evolução dos indicadores ao longo dos quatro foi encontrada inexecução orçamentária
anos. No entanto, esse é o único índice de de- entre 2008 e 2010 (10,75%), mostrando que
sempenho da atenção primária disponível no alguns municípios encontraram dificuldades
Brasil que se aplica em nível nacional e para em executar o valor transferido pela União
todos os municípios brasileiros. para a atenção primária ou não informaram
de maneira correta seus gastos com APS por
meio do bloco de financiamento da Atenção
Conclusão Básica, sendo que se destacaram os muni-
cípios da região Norte e Nordeste e aqueles
Este estudo avaliou a relação entre o gasto com melhores indicadores socioeconômicos
total médio per capita e o desempenho, e de estrutura de saúde (grupos homogêneos
ambos relacionados com a atenção primária, 1). Essas informações são importantes para
nos municípios brasileiros no período 2007- orientar o planejamento das políticas públi-
2010, com vistas a identificar a eficiência cas de saúde, especialmente com relação ao
e possíveis disparidades. O Nordeste foi a seu financiamento e à promoção da redução
região que obteve o maior número de mu- das desigualdades regionais com o objetivo
nicípios considerados eficientes na atenção de aprimorar de forma equitativa e eficiente
primária (47,66%), isto é, apresentou a a atenção primária no Brasil. Podem, ainda,
melhor relação de menor gasto com maior ser importantes para orientar a adequada
desempenho. Resultado semelhante foi en- capacitação dos municípios sobre como in-
contrado para o grupo de municípios com os formar seus gastos no Siops. s
Referências
ABSTRACT The study aims to understand the care practices of the Consultório na Rua (street
clinic) in Manguinhos/RJ in order to contribute to the debate of the Primary Health Care focused
on specific vulnerable populations. This case study used as methodological procedures: documen-
tal analysis, direct observation, interviews with professionals and the representative of the social
movement. The results point to the construction of bonds and the break with a prescriptive logic
prevailing qualified listening. Professionals reported there were still resistance regarding health
and social care towards homeless people, commonly associated with stigmatizing images that
express one of the challenges in ensuring access of this population to the public health system.
3 Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Instituto
Oswaldo Cruz (IOC) – Rio
de Janeiro (RJ), Brasil.
epvargas@ioc.fiocruz.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 246-256, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005270
246
Práticas de cuidado e população em situação de rua: o caso do Consultório na Rua 247
Embora o Brasil tenha avançado no acesso e 27,9% negros. No total, 74% sabiam ler e
aos serviços de saúde por meio da expansão escrever, e quase a metade (48,4%) alegou
da cobertura pelas EqSF nos diversos mu- ter completado o ensino fundamental. Os
nicípios do País, ainda existem grupos que, principais motivos pelos quais essas pessoas
devido à organização dos serviços e seus passaram a viver e morar na rua se referem
modos de vida, encontram grande dificulda- aos problemas de alcoolismo e/ou drogas
de de acesso a estes serviços em decorrência (35,5%), ao desemprego (29,8%) e (29,1%) às
de suas singularidades (CARNEIRO JUNIOR ET AL., desavenças com familiares (BRASIL, 2008).
2010). Esse é o caso das pessoas em situação Com base nas questões assinaladas, surgiu
de vulnerabilidade, o que requer constante o interesse em estudar as práticas de cuidado
renovação dos arranjos e das metodologias de no âmbito da atenção primária neste contexto
organização do cuidado. Destacam-se nesse específico de CR, no território de Manguinhos.
grupo as pessoas que vivem em situação de As perguntas que orientaram esta investigação
rua que, historicamente, tem acesso limitado foram: Quais são as ações e práticas organiza-
aos serviços de saúde com uma gama de en- das para o cuidado da população em situação
traves, alguns destes assinalados por Costa de rua neste contexto? Como são desenvolvi-
(2005): a exigência de comprovação de residên- das? Elas permitem a construção de vínculo?
cia, tratamentos de saúde aplicados a regras Tendo em vista essas indagações, o ob-
que não levam em consideração as condições jetivo do estudo consistiu em caracterizar
de vida destes indivíduos, e o despreparo dos como a equipe de CR da Clínica da Família
profissionais para o acolhimento a esse grupo. Victor Valla (CFVV), em Manguinhos/RJ,
Recentemente, a Política Nacional de desenvolve suas práticas de cuidado à saúde
Atenção Básica instituiu os Consultórios para a população em situação de rua. Ao con-
na Rua (CRs) com o objetivo de ampliar o siderar ainda a escassa produção de pesqui-
acesso dos usuários à rede de serviços de sas sobre o tema, o intuito foi o de ampliar
saúde (BRASIL, 2012A). A proposta das equipes o conhecimento sobre práticas de cuidado
do CR consiste em promover uma articu- acerca de um segmento tão discriminado e
lação da rede com a principal finalidade de estigmatizado, bem como dar visibilidade a
garantir o acesso à atenção integral à saúde mais uma experiência inovadora no campo
às pessoas em situação de rua/usuários de da saúde pública no contexto da rede de APS
álcool e outras drogas. Algumas experiências na cidade do Rio de Janeiro.
brasileiras, como as de Belo Horizonte, São
Paulo e Porto Alegre (COSTA, 2005) e Salvador
(OLIVEIRA, 2009), vêm se destacando no atendi- Método
mento à PSR, especificamente na atuação
das EqSF, criadas para desenvolver ações de Esta investigação se caracteriza como um
saúde no território da rua. Com o objetivo estudo de caso apoiado na abordagem qua-
de caracterizar o perfil dessa população, foi litativa, adequada para a problematização de
realizada uma pesquisa pelo Ministério do questões muito particulares de objetos com-
Desenvolvimento Social, no ano de 2008, em plexos (YIN, 2010).
metrópoles brasileiras, com exceção de São O estudo, realizado como requisito parcial
Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre. do mestrado em saúde pública realizado na
Os dados obtidos revelam que de um grupo Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
de 31.922 pessoas, 82% eram homens e pouco Arouca/Fiocruz (2011-2013), foi desenvol-
mais da metade (52%) entre 25 e 44 anos de vido na cidade do Rio de Janeiro, no CR da
idade. Com relação ao quesito raça/cor auto- CFVV, localizada no bairro de Manguinhos.
declarado, 39,1% eram pardos, 29,5% brancos A escolha dessa Unidade foi definida a partir
possível a descrição dos temas e tópicos rela- estabelecimento de elos de ligação entre o
tivos às práticas de cuidado na rua, levando- serviço de saúde e a população em situação
-se em consideração as proposições iniciais de rua, sendo o encontro diretamente na rua
do estudo. Nessa direção os resultados serão um meio para a construção de vínculos que
apresentados em torno de dois eixos inter- estimulem a ida dos usuários às unidades de
ligados e separados apenas para efeito de saúde. No caso em questão, a cena do cuidado
apresentação: a coordenação e organização focalizada na pesquisa é a rua, sendo o pla-
do cuidado; vínculo e acolhimento, ambos nejamento organizado com foco no encontro
relativos especificamente ao cuidado na rua. com os usuários nas diversas cenas de uso
As entrevistas foram gravadas e armazenadas de drogas no território. Assim, se o encon-
em local seguro, sob responsabilidade do pes- tro entre profissionais da ESF e os usuários
quisador principal. O projeto foi aprovado pelo ocorre no domicílio e no serviço de saúde,
Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional no CR o encontro é na rua e em um único
de Saúde Pública Sergio Arouca/Ensp/Fiocruz, consultório localizado na CFVV. As ações
sendo o número de parecer 61.931. na rua são focadas na redução de danos, que
têm como característica principal “ofertar
cuidado no espaço da rua” (BRASIL, 2012A). Nesse
Resultados ponto, a prática se configura inicialmente no
campo da intersubjetividade, traduzida nos
O olhar, neste estudo, voltou-se principalmen- encontros no espaço da rua que possibilitam
te aos “microprocessos do trabalho em saúde” a construção de vínculo entre os profissio-
(FRANCO; MEHRY, 1999, P. 6), nos afazeres do cotidiano nais e os usuários, com vistas de construção
relativos à organização do cuidado em saúde, de projetos terapêuticos.
sobre os quais se observou o processo de aco- Na observação direta das ações dos pro-
lhimento e o estabelecimento de vínculo da fissionais no espaço da rua, foi identifica-
equipe do CR com seus usuários. De um ponto da uma atuação diversificada da equipe:
de vista teórico, cabe destacar que o ato de realização de orientações sobre problemas
cuidar pode assumir diferentes significados de saúde, distribuição de insumos de pre-
e, particularmente, no caso das práticas de venção de DST/Aids e explicação da propos-
cuidado em saúde voltadas para a população ta de trabalho da equipe do CR. Foi possível
em situação de rua, almeja-se que esteja rela- também presenciar, dependendo da situação
cionado à promoção de ações que garantam o de saúde apresentada no cuidado no espaço
princípio da equidade expresso no SUS. da rua, os profissionais convidando os usu-
As informações, impressões e dados que ários para irem à clínica, a fim de realizar o
serão apresentados buscam, portanto, trazer cuidado necessário.
à tona não somente questões que são enun- A entrada da PSR na CFVV se apresentou
ciadas, mas também às vezes silenciadas como o segundo passo fundamental a ser
pelos profissionais de saúde no seu cotidia- galgado pela equipe para a continuidade do
no de trabalho, de modo a contribuir para a cuidado que, muitas vezes, se faz necessá-
produção de práticas de cuidado inovadoras rio no espaço físico do serviço. Em relação
e coletivas no campo da APS, voltadas para à utilização do espaço físico da CFVV, os
populações específicas. informantes do estudo apontaram ter vi-
venciado inicialmente obstáculos descri-
A organização do cuidado na rua tos por um dos profissionais entrevistados
(E4). Segundo ele, no início da utilização do
O CR, em sua concepção original, se cons- serviço pelos usuários os demais profissio-
titui como uma das estratégias para o nais da CFVV ficavam receosos, com medo e
do acolhimento seria o melhor caminho. Isso recolhido por equipes de outras secretarias
porque o usuário, ao chegar na clínica, ou do município do Rio de Janeiro, e por outro,
se dirige para as cadeiras em frente ao con- experimentava a oferta de acolhimento e
sultório ‘10’, ou é recepcionado pelo guarda, cuidado pela equipe de saúde. Por fim, o
que, segundo o informante, tem uma abor- desejo de ser cuidado pelos usuários foi apa-
dagem especial, que o direciona para o local recendo no decorrer das primeiras visitas às
de atendimento até mesmo conduzindo-o cenas de uso nesse território.
diretamente à equipe e apresentando-o. Este Com vistas à aproximação com os usuários,
atendimento especial, como descrito, não as estratégias utilizadas pelo CR no território
ocorre com os outros usuários. foram diversas, sendo algumas delas assinala-
das por um dos profissionais entrevistados: a
mudança do jaleco do ACS, o uso apropriado
Vínculo e acolhimento da linguagem e uma postura para escutar e
respeitar quando o usuário não quer aproxi-
As práticas de cuidado desenvolvidas pelo mação. De acordo com o depoimento de uma
CR têm como eixo essencial a criação de profissional (E6), em algumas situações era
vínculo, como atitude fundamental na reali- necessário omitir para os usuários a categoria
zação do cuidar. Ou seja, buscam abrir mais profissional de membros da equipe para que
espaço para os usuários como sujeitos, e não fosse confundido com os profissionais da
não como objetos de intervenção, para uma Secretaria Municipal de Assistência Social
maior capacidade da atenção e continuidade (SMAS), pois estes significavam para eles uma
das ações no serviço, visando o atendimento experiência negativa de atenção ao morador
às diferentes demandas de indivíduos (AYRES, de rua. De forma processual, com o tempo
2009). Tal prática resulta na promoção de e a persistência da equipe em atuar nas ruas,
um efetivo envolvimento de profissionais sempre com uma postura respeitosa e buscan-
e usuários, na perspectiva de resolução das do a aproximação com base nas estratégias de
demandas apresentadas, de acordo com redução de danos, os profissionais observaram
o tempo e a necessidade da população. Se que os usuários passaram ‘a confiar e aceitar os
o profissional, em sua prática, atuar com serviços prestados pela equipe’.
posturas preconceituosas, buscando definir A fim de prover um cuidado integral, a
condutas que não condizem com a realidade equipe estudada vem buscando cotidianamen-
de vida dessas pessoas, dificilmente o plano te mapear e conhecer a rede de proteção social
de cuidado proposto será realizado e, muito e suas diversas instituições governamentais
menos, a possibilidade de construção de e não governamentais direcionadas à PSR.
vínculo vai ser efetivada. Realizam-se visitas às instituições para conhe-
O vínculo inicial da equipe do CR de cer o funcionamento e rotinas e procuram-se
Manguinhos estabelecido com as pessoas em relacionar os serviços mapeados ao perfil e às
situação de rua naquela região foi marcado necessidades dos usuários. Essas ações contri-
nos primeiros momentos pelo constran- buem para a construção de oferta de serviços
gimento, pelo medo e, simultaneamente, mais qualificados pela equipe do CR.
pelo desejo de cuidado. O constrangimento, A entrevista com o representante do Fórum
segundo relato da equipe, esteve associado Estadual Permanente da PSR adulta foi revela-
ao fato dos usuários acharem que seriam re- dora no sentido de apontar os desafios de ga-
jeitados no espaço da clínica. O medo era de- rantir o acesso desta população pelo SUS. Para
rivado da contradição das políticas públicas, ele, o Samu (Serviço de Atendimento Médico
particularmente da Prefeitura/RJ, uma vez de Urgência) é um dos principais equipamen-
que o usuário por um lado era repreendido, tos de saúde, sendo que não está habilitado, no
que se refere à sensibilidade e ao preparo, para EqSF deve, em média, ter 3 mil cadastrados,
lidar com este tipo de atendimento. Segundo chegando ao máximo de 4 mil pessoas cadas-
esse informante, é importante um esforço de tradas. Em contrapartida, uma equipe de CR
superação do abismo presente na relação entre deve se responsabilizar por um número de
os profissionais de saúde e a PSR sendo neces- pessoas em situação de rua que varia de 80 a
sário o desprendimento dos profissionais de mil, conforme orientação descrita na regula-
‘coisas pré-concebidas’. mentação do Ministério da Saúde para os CRs
(BRASIL, 2012A).
No período do trabalho de campo, foi re-
Discussão latado por um dos profissionais do CR que
havia um total de 357 pessoas cadastradas. O
No que se refere à produção do cuidado, obser- quantitativo de pessoas estipulado pelo MS
va-se que a equipe do CR organizou seu proces- para o CR, que é de no máximo mil usuários,
so de trabalho com certas particularidades no contribui significativamente com a construção
tocante às demais equipes da CFVV. Em primei- de vínculo, com a possibilidade de respostas às
ro lugar, destaca-se que houve adaptações das necessidades de saúde da PSR (BRASIL, 2012C). No
diretrizes da ESF, no que concerne à adscrição caso das EqSF, o elevado número de pessoas
da clientela. As EqSF direcionam seu trabalho cadastradas vem sendo apontado como um
para a população cadastrada com domicílio desafio para a qualificação da ESF, sendo
fixo, o CR atende as pessoas no território da rua, considerado o modelo de atenção ideal para
sejam elas cadastradas ou não. Os procedimen- pequenos municípios e não para os grandes
tos que eram denominados de forma diferen- centros urbanos (CONILL, 2008).
ciada como ‘visita domiciliar’, passaram a ser Em terceiro lugar considera-se o recorte
‘visita de rua’ (CARNEIRO JUNIOR ET AL., 2010). A rotina territorial, isto é, a atuação do SF por ser bem
de ‘visita de rua’ é diária, mas, diferentemente diferente quanto ao espaço geográfico e seus
das outras EqSF da unidade, os profissionais do limites, se comparada ao trabalho do CR,
CR não concentram tais visitas majoritariamen- uma vez que a PSR apresenta grande mobili-
te nos ACS. Todos os profissionais têm agenda dade em relação à população cadastrada de
semanal, e para alguns quase diária, com vistas a Manguinhos. Sendo assim, não é possível deli-
fortalecer os vínculos e ampliação da acessibili- mitar o espaço de atuação por área ou microá-
dade de novos usuários à unidade. rea, como é realizado pelas EqSF. A equipe do
Um profissional chamou a atenção ao as- CR é responsável pelo acompanhamento de
sinalar que essa população era vista como todas as pessoas que se encontram em situa-
‘bicho-papão’. Alguns relatos de discrimi- ção de rua no Território Integrado em Saúde
nação por parte dos profissionais de saúde a (Teias) de Manguinhos, a qual muitas vezes
essa população também foram descritos em ultrapassa o espaço geográfico do Teias para o
outros trabalhos ao apontarem preconceitos e acompanhamento de seus usuários.
discriminações sofridas pela PSR nos serviços Por último, cabe problematizar a proposta
de saúde. Como exemplo, Canônico et al. (2007, de cadastro dos usuários, na qual a equipe de
P. 801) encontraram que as PSR questionavam CR propôs um modelo específico para essa
o “preconceito por parte de equipes de saúde população, em que o cadastramento era feito
que resistiam em atendê-las, em decorrência inicialmente na rua. Ocorre que após alguns
de sua condição precária de higiene de saúde”. meses de trabalho, os próprios usuários foram
Em segundo lugar, destaca-se o quantitativo se colocando contrários a relatar particulari-
de população cadastrada, em relação ao que dades de sua vida nas cenas de uso da droga.
é preconizado pela ESF. Segundo a Política Também há uma preocupação em utilizar
Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2012B), uma uma linguagem que deixe claras as ações e os
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Atuação do cirurgião-dentista na
identificação de maus-tratos contra crianças
e adolescentes na atenção primária
Dental surgeons’ work in the identification of child and adolescent
abuse in primary health care
Gracyelle Alves Remigio Moreira1, Ana Carine Arruda Rolim2, Maria Vieira de Lima Saintrain3,
Luiza Jane Eyre de Souza Vieira
ABSTRACT We analyzed the role of the dental surgeon in identifying child and adolescent mal-
treatment in primary care and associated factors. A cross-sectional study of 212 dentist-surgeons
in 85 municipalities of Ceará. A questionnaire containing socio-demographic variables and in-
formation on knowledge, identification, and notification of maltreatment was sent to partici-
pants by the municipal manager. Bivariate and multivariate logistic regression analyses were
performed. Few professionals identified maltreatment, indicating the difficulties of this practice.
Analysis showed that having a post-graduation degree and knowing the notification form increa-
1 Universidade
sed the chances of identifying maltreatment.
de
Fortaleza (Unifor) –
Fortaleza (CE), Brasil. KEYWORDS Child Abuse; Dentists; Primary Health Care; Public health.
gracyremigio@gmail.com
2 Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp)
– Campinas (SP), Brasil.
anacarine.rolim@hotmail.
com
3 Universidade de
Fortaleza (Unifor) –
Fortaleza (CE), Brasil.
mariavieira@bol.com.br
4 Universidade de
Fortaleza (Unifor) –
Fortaleza, (CE), Brasil.
janeeyre@unifor.br
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005235 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 257-267, DEZ 2015
257
258 MOREIRA, G. A. R.; ROLIM, A. C. A.; SAINTRAIN, M. V. L.; VIEIRA, L. J. E. S
Visando sobrepujar a distância entre o dados de uma pesquisa mais abrangente inti-
que está posto nos documentos oficiais e a tulada ‘Violência envolvendo crianças e ado-
prática nos serviços de saúde, este artigo tem lescentes: fatores condicionantes, processo de
como objetivo analisar a atuação do cirur- notificação e mecanismos de enfrentamento’,
gião-dentista na identificação de maus-tra- realizada no contexto da APS com médicos,
tos contra crianças e adolescentes no âmbito enfermeiros e cirurgiões-dentistas, em muni-
da APS e os fatores associados. cípios cearenses. Este artigo se reporta, especi-
ficamente, à categoria dos cirurgiões-dentistas.
O estado do Ceará é composto por 184
Métodos municípios. Este estudo abrangeu 46,2%
destes, totalizando 85 cidades investiga-
Trata-se de um estudo de corte transversal, que das, contemplando todas as regiões de
utilizou como fonte de informações o banco de saúde do estado (figura 1).
Figura 1. Mapa do estado do Ceará evidenciando os municípios investigados, Ceará, Brasil, 2015
A população acessível foi obtida com base A coleta de dados ocorreu entre os anos
nos dados fornecidos pelo Departamento da de 2010 a 2012, cuja operacionalização
Atenção Básica (DAB). Na época da pesqui- aconteceu por meio do envio dos formulá-
sa, os municípios referidos contavam com rios, previamente organizados em envelo-
714 cirurgiões-dentistas atuantes na APS. pes lacrados e identificados por município,
Para a produção de dados, um conjunto de aos gestores das Coordenadorias Regionais
cartas-convite, Termos de Consentimento de Saúde e/ou das Secretarias Municipais
Livre e Esclarecido (TCLE) e questionários de Saúde, que intermediaram a entrega do
foi enviado a todos os profissionais identifi- material aos cirurgiões-dentistas de cada
cados. Destes, 212 responderam e compõe a município. O retorno dos instrumentos pre-
amostra desta pesquisa. enchidos seguiu o fluxo inverso.
Tabela 1. Análise bivariada e multivariada entre a identificação de maus-tratos e fatores associados. Atenção Primária à Saúde, CE, Brasil, 2010-2012
Cirurgião-dentista identificou
maus-tratos
Sim Não Não Ajustada Ajustada (modelo final)
Variável N % N % OR (IC95%) p OR (IC95%) p
Sexo (n=211)
Masculino 32 53,3 79 52,3
Feminino 28 46,7 72 47,7 0,96 (0,50-1,82) 0,894
Idade (n=191)
21-34 anos 39 69,6 89 65,9 1,18 (0,57-2,48) 0,618
>34 anos 17 30,4 46 34,1
Situação conjugal (n=210)
Casado 30 50,8 64 42,4 1,40 (0,73-2,68) 0,267
Não casado 29 49,2 87 57,6
Tempo de formado (n=211)
< 5 anos 26 43,3 65 43,1
≥ 5 anos 34 56,7 86 56,9 0,98 (0,51-1,89) 0,969
Tempo de trabalho na APS (n=211)
< 5 anos 32 53,3 75 49,7
≥ 5 anos 28 46,7 76 50,3 0,86 (0,45-1,64) 0,631
Pós-Graduação (n=208)
Sim 49 81,7 94 63,5 2,55 (1,18-5,90) 0,010 2,35 (1,11-4,97) 0,024
Não 11 18,3 54 36,5
Sofreu maus-tratos na infância (n=210)
Sim 06 10,0 09 6,0 1,74 (0,48-5,76) 0,309
Não 54 90,0 141 94,0
Participou de treinamento (n=210)
Sim 13 21,7 15 90,0 2,48 (1,00-6,05) 0,024
Não 47 78,3 135 10,0
Conhece o ECA (n=210)
Sim 39 65,0 76 50,7 1,80 (0,93-3,55) 0,059
Não 21 35,0 74 49,3
Conhece ficha de notificação (n=209)
Sim 16 26,7 16 10,7 3,02 (1,28-7,02) 0,003 2,93 (1,32-6,48) 0,008
Não 44 73,3 133 89,3
Ficha de notificação na Uaps (n=205)
Sim 17 28,8 31 21,2 1,50 (0,70-3,13) 0,245
Não 42 71,2 115 78,8
Confia nos órgãos de proteção (n=201)
Tabela 1. (cont.)
unidades de saúde, em virtude de a temática como lesões e traumas resultantes das agres-
da violência ainda ser pouco trabalhada ou até sões. Diante da complexidade do fenômeno
mesmo estar ausente da pauta de educação e de suas múltiplas dimensões, tem-se a ne-
permanente dos serviços (MOREIRA ET AL., 2014). cessidade de uma abordagem que priorize a
Confirmando este argumento, neste estudo, execução da clínica ampliada e que viabilize
86,3% dos cirurgiões-dentistas não participa- o desenvolvimento de uma atenção integral
ram de treinamento acerca do tema e 68,4% ao indivíduo (PORTO; BISPO JÚNIOR; LIMA, 2014).
não faziam leituras sobre a questão e relata- Ressaltam-se, além disso, o fato de que
ram que o assunto não era discutido no am- aspectos culturais, valores e tabus também
biente de trabalho. Isto indica que o enfoque podem influenciar intensamente a identifi-
na questão dos maus-tratos na APS ocorre de cação de maus-tratos. Culturalmente, ainda
forma incipiente, pontual e assistemática. Em parece ser aceita a concepção do direito
razão desses aspectos, os profissionais sentem- sem limites dos cuidadores sobre as crian-
-se inseguros e despreparados para a detecção ças e os adolescentes, o que leva ao abuso
e para a condução desse tipo de ocorrência. de poder do mais forte sobre o mais fraco. O
Outra questão é que a prática de atenção à uso da punição física ou outras expressões
saúde bucal no SUS está fortemente pautada de violência ainda constituem instrumentos
no modelo clínico (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006; DE- frequentemente utilizados na educação dos
CARLI ET AL., 2014). Esse perfil clínico prepon- filhos. Consequentemente, essa banaliza-
derante vai de encontro às características ção da violência física faz com que práticas
preconizadas pelo modo de produzir saúde abusivas, muitas vezes, sejam consideradas
na APS (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006). A reprodu- como práticas normais de disciplinamento,
ção de práticas tradicionais, fragmentadas e até mesmo pelos profissionais de saúde.
isoladas, fundadas na lógica de atendimento Outra barreira para a detecção dos casos
clínico-biológico, voltado para o tratamento diz respeito à própria organização do pro-
de lesões físicas, restringe uma atuação ade- cesso de trabalho na APS. A sobrecarga de
quada ante os casos de violência. atribuições incorporadas pelos profissio-
A dificuldade em identificar crianças e ado- nais, a elevada quantidade de famílias por
lescentes em situação de maus-tratos atrela-se equipe, o processo de avaliação de desempe-
ao fato de a demanda explícita, no que concer- nho centrado na produtividade e o excesso
ne ao atendimento por este motivo, ser con- de atividades burocráticas são questões que
siderada baixa, apesar dos altos índices desse fragilizam a atenção em saúde dispensada
problema nos territórios adscritos (PORTO; BISPO aos usuários do serviço. Esse acúmulo de
JÚNIOR; LIMA, 2014), enquanto os casos velados, atribuições reflete, muitas vezes, a realiza-
sem sinais visíveis, manifestam-se como em- ção de atendimentos rápidos, superficiais
pecilhos para o reconhecimento da violência. e focados na sintomatologia, sem a devida
Guedes, Nogueira e Camargo Jr. (2009), ao atenção às causas do problema (PORTO; BISPO
discorrerem sobre as limitações do modelo JÚNIOR; LIMA, 2014). De acordo com Porto,
biomédico diante de pacientes com sintomas Bispo Júnior e Lima (2014), as limitações dos
indefinidos, argumentam que o obstáculo de profissionais para lidar com o problema
desvelar o não aparente está relacionado com a também acentuam obstáculos dos pacien-
formação baseada nesse modelo hegemônico, tes ou pessoas da comunidade enxergarem
que não valoriza os aspectos subjetivos, e com as Uaps como local de apoio e acompanha-
a singularidade do sofrimento humano. mento às situações de violência.
Nesse sentido, a atuação dos profissionais O presente estudo também elucida os
diante dos maus-tratos está vinculda, com fatores que facilitam a identificação, pelos
frequência, àquilo que se consegue visualizar cirurgiões-dentistas, de maus-tratos contra
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Londrina, v. 14, n. 1, p. 82-93, dez. 2013.
Recebido para publicação em abril de 2015
Versão final em setembro de 2015
Conflito de interesses: inexistente
MOREIRA, G. A. R. et al. Fatores associados à notifica-
Suporte financeiro: Fundação Cearense de Apoio ao
ção de maus-tratos em crianças e adolescentes na aten- Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Edital de
Segurança Pública nº 05/2008
ção básica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.
19, n. 10, p. 4267- 4276, dez. 2014.
Rebecca Soares de Andrade Fonseca dos Santos1, Luciana Caroline Albuquerque Bezerra2,
Eduardo Freese de Carvalho3, Annick Fontbonne4, Eduarda Ângela Pessoa Cesse5
RESUMO O artigo avalia a implantação da Rede de Atenção à Saúde aos portadores de Diabetes
Mellitus no SUS em Recife, Pernambuco. Trata-se de uma pesquisa avaliativa, do tipo análise
de implantação nos níveis da atenção primária e especializada. Os resultados demonstram
implantação parcial da Rede em relação às dimensões de estrutura e processo de trabalho. O
contexto político de gestão mostrou-se favorável à implantação da Rede, muito embora ainda
existam obstáculos a serem superados.
ABSTRACT The article evaluates the implementation of the Health Care Network to diabetic
patients in the SUS in the city of Recife, Pernambuco. It is an evaluative research, of the type im-
plantation analysis in the levels of primary and specialized care. The results demonstrate partial
1 Fundação Oswaldo
implementation of the Network in relation to the dimensions of the structure and work process.
Cruz (Fiocruz), Centro de The political context of management was favorable to the implementation of the Network, al-
Pesquisas Aggeu Magalhães though there are still obstacles to be overcome.
– Recife (PE), Brasil.
rebecca_soaresandrade@
yahoo.com.br KEYWORDS Health evaluation; Delivery of health care; Chronic disease; Diabetes Mellitus.
2 Institutode Medicina
Integral Professor
Fernando Figueira (Imip) –
Recife (PE), Brasil.
lua_cad@yahoo.com.br
3 Fundação Oswaldo
4 Institutde Recherche
pour le Développement,
Montpellier, França.
annick.fontbonne@ird.fr
5 Fundação Oswaldo
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 268-282, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005368
268
Rede de Atenção à Saúde ao portador de Diabetes Mellitus: uma análise da implantação no SUS em Recife (PE) 269
Para avaliação do contexto, foi constru- Após a determinação do contexto, foi verifica-
ída sua matriz de análise. Nessa matriz, da a sua influência sobre o grau de implantação.
foram analisadas três variáveis relacio- Foram realizadas entrevistas estrutura-
nadas ao contexto estrutural (atributos das e semiestruturadas, observação direta e
operacionais, dos gestores e do ambiente) análise documental dos Planos Municipais
e três relacionadas ao contexto político de Saúde – 2010-2013 e 2014-2017 – e da
(suporte dado à intervenção, controle na Programação Anual de Saúde de 2013
organização para operacionalizar a inter- (quadro 1). Na consulta a documentos, bus-
venção e coerência entre os objetivos da cou-se identificar aspectos relacionados à
implantação da RAS e as ações). Ao total, Atenção à Saúde dos portadores de doenças
foram criadas dez categorias de análise. crônicas e DM e sua respectiva RAS.
Quadro 1. Síntese dos métodos de coleta e das fontes de informações utilizadas na etapa de análise da implantação
segundo os componentes
Método de Etapa de análise da
Componente Fonte de Informação
Coleta implantação
Atenção Primária à Entrevista
Informante-chave (médico/enfermeiro) Determinação do GI
Saúde estruturada
Entrevista
Atenção Especializada Informante-chave (médico/enfermeiro) Determinação do GI
estruturada
Sistema de Apoio
Entrevista Informante-chave (trabalhadores da rede -
Diagnóstico e Determinação do GI
estruturada APS, AE e dos SADT)
Terapêutico
Entrevista Informante-chave (trabalhadores da rede -
Determinação do GI
Sistema de Apoio estruturada APS, AE e dos SADT)
Logístico Entrevista Informante-chave Estudo do contexto de
semiestruturada (Secretária Executiva de Regulação e Saúde) implantação
Entrevista Informantes-chave Determinação do GI
estruturada (Coordenadora da Política de Saúde dos
Portadores de DCNT, Secretária Executiva
Entrevista de Regulação e Saúde, e Coordenadora da Estudo do contexto de
semiestruturada Vigilância Epidemiológica Distrital) implantação
)
da seguinte forma1:
GI Total =
)
(4ΣE1 + 6ΣP1 )/10
* 100 Resultados
(4ΣE1 + 6ΣP2 )/10
Grau de implantação
A análise considerou os seguintes
pontos de corte: <25,0% – não implantado; A implantação da RAS aos portadores de DM
de 25,1% a 50,0% – implantação incipiente; foi classificada como de implantação parcial
de 50,1% a 75,0% – parcialmente implanta- (GI=65,5%), considerando as dimensões
do; e >75,1% – implantado. estrutura e processo. A dimensão estrutura
O material resultante das entrevistas (GI de 58,1%) obteve pior desempenho que
semiestruturadas e da análise documental a dimensão processo (73,1%). À exceção do
foi submetido à análise de conteúdo temá- Sistema Logístico, para o qual se observou
tica à luz do modelo Político-Contingente implantação incipiente (GI=46,9%), todos os
para avaliação do contexto. Esse foi con- demais componentes da RAS estavam par-
siderado favorável quando o número de cialmente implantados (tabela 1).
Tabela 1. Grau de implantação (%) geral e por dimensões de estrutura e processo da Rede de Atenção à Saúde ao portador
de DM no Distrito Sanitário de Recife segundo os componentes, 2014-2015.
(GI=25%). Quanto aos equipamentos e ma- Já o Sistema Logístico obteve o pior de-
teriais, estes foram classificados como grau sempenho da dimensão estrutura (tabela 1)
de implantação incipiente, em relação ao por dispor de maneira insatisfatória da maior
material necessário ao cadastramento dos parte dos recursos necessários ao desenvol-
diabéticos (GI=33%), e não implantados no vimento de suas atividades. O transporte
que se refere aos protocolos para estratifi- sanitário caracterizou-se com implantação
cação dos diabéticos por risco (GI=16,7%). incipiente (GI=36,4%) devido à inexistência
As medicações, avaliadas quanto à dispo- de um transporte próprio da Unidade, embora
nibilidade e regularidade na distribuição, existisse apoio do Sistema de Atendimento
foram classificadas desde não implantadas Móvel de Urgência (Samu). O prontuário
(para controle de neuropatias e fitoterápi- eletrônico único ou outro mecanismo que
cos, homeopáticos ou plantas medicinais), garantisse a continuidade informacional foi
com implantação incipiente (para melhora caracterizado como não implantado (GI=0%).
do perfil lipídico), até parcialmente im- Apenas a Central de marcação de consultas,
plantadas (para controle de DM, controle exames e regulação de leitos foi considerada
pressórico e medicação cardioprotetora). implantada (GI=100%).
Na AE, a dimensão estrutura obteve O componente da RAS como um todo
GI=62%, sendo, portanto, classificada que apresentou o melhor desempenho
como parcialmente implantada (tabela 1). em relação à estrutura foi o Sistema de
O espaço físico foi considerado parcial- Governança (tabela 1). Esse componente
mente implantado (GI=65%), os recursos foi caracterizado com adequado espaço
humanos foram caracterizados como exis- físico e equipamentos e materiais neces-
tindo em quantidade suficiente (GI=80%), sários ao desenvolvimento de suas ativida-
porém ainda sem a qualificação necessá- des: local de trabalho, acesso a documentos
ria ao desenvolvimento de suas ativida- e disponibilidade de recursos financeiros
des (GI=40%). Quanto aos equipamentos (GI=100%). Os recursos humanos, entre-
e materiais, destaca-se a inexistência de tanto, obtiveram GI incipiente (GI = 50%),
protocolos (para atendimento do DM, devido à quantidade de profissionais clas-
para estratificação por risco, para solici- sificada como insuficiente para a realiza-
tação de exames) nos serviços de urgên- ção das atividades.
cia e emergência (GI=0%). As medicações
foram caracterizadas desde implantação Avaliação da dimensão processo
incipiente (fitoterápicos, homeopáticos
ou plantas medicinais), parcialmente Na APS, destacaram-se as atividades de
implantadas (para controle do DM e de cadastro e de estratificação por risco, que
neuropatias), até implantadas (para con- se caracterizaram como não implantadas.
trole pressórico, cardioprotetora e para O encaminhamento para outros níveis de
melhora do perfil lipídico). atenção foi considerado implantado em
Nos SADT, a dimensão estrutura carac- todas as EqSF, mas a contrarreferência, ana-
terizou-se como parcialmente implantada lisada pelo indicador ‘comunicação entre
(tabela 1), com destaque para a existência pontos de atenção’ caracterizou-se como
de referência para o Nasf (GI=100%) e a não implantada, tendo sido relatada acon-
não existência de referência sistemática tecer nunca ou quase nunca por 66,7% das
para clínica especializada em tempo opor- EqSF analisadas, e raramente ou às vezes
tuno (GI=48,5%). A disponibilização de pelo restante das equipes.
exames também foi considerada parcial- Na AE, a consulta caracterizou-se como
mente implantada. não implantada (GI=0%) porque não era
debate acerca dos resultados encontrados essencial para o controle do DM e suas co-
para implantação dessa RAS. morbidades, observa-se que a quantidade
No processo de estruturação e organi- de medicamentos recebidos pelos serviços
zação, ou seja, na institucionalização de de saúde não corresponde à necessidade de
uma RAS, alguns elementos são essenciais. todos os usuários. Situações semelhantes
População, modelo de atenção e serviços de foram verificadas por Souza et al. (2008) e
saúde precisam estar interligados a fim de Serapioni e Silva (2011), demonstrando a ne-
que se possa romper com a gestão baseada na cessidade de uma observação mais criteriosa
oferta, característica dos sistemas fragmen- acerca da Assistência Farmacêutica que vem
tados, e instituir a gestão baseada nas neces- sendo realizada no Brasil.
sidades de saúde da população, garantindo a Ainda como prerrogativa de funcionamen-
longitudinalidade do cuidado e a integralida- to da Rede de Atenção à Saúde ao portador de
de da atenção. Nesse sentido, a população de DM, a APS deve funcionar como ordenadora e
responsabilidade da RAS deve ser totalmente coordenadora do cuidado. Nesse sentido, para
conhecida e estratificada em subpopulações que as necessidades de saúde sejam atendidas
por fatores de risco (MENDES, 2012). nos espaços tecnológicos mais adequados
No que se refere à RAS ao portador de e para que a APS garanta a continuidade da
DM, as ações de cadastro e de estratificação atenção, ela deve realizar encaminhamentos
por risco foram caracterizadas como não para consultas com especialistas, realização
implantadas. Corroboram a não realização de exames ou ainda para práticas corporais e/
dessas ações a inexistência de protocolos ou integrativas, sempre que detectada neces-
para estratificação dos pacientes por risco, sidade (TANAKA, 2011).
verificada em 83,3% das USF estudadas, e a Dessa forma, o retorno desses encaminha-
implantação incipiente de material para ca- mentos (a contrarreferência) é essencial para
dastro dos diabéticos. o exercício da coordenação da atenção pela
Apesar de ser uma ferramenta útil e neces- APS. É essa comunicação entre os pontos
sária, o protocolo de estratificação de risco de atenção da rede que darão racionalidade
isoladamente não é capaz de definir o risco ou ao atendimento, evitando que consultas e
a vulnerabilidade do indivíduo. O Ministério exames sejam realizados em duplicidade ou
da Saúde destaca que o diálogo, a interação, a que sejam solicitados desnecessariamente.
escuta, o respeito e o acolhimento do usuário O encaminhamento para outros níveis
e sua queixa são necessários para avaliação do de atenção foi considerado implantado em
potencial de agravamento (BRASIL, 2012). Essas todas as EqSF estudadas. Um importante
atitudes não só balizam a estratificação dos fator que contribuiu para isso foi a existência
indivíduos como também contribuem para e utilização do fluxograma de atendimento
aumentar a resolubilidade da APS. ao DM verificadas no município. Giovanella,
Nessa perspectiva, atividades de matri- Escorel e Mendonça (2003) consideram o
ciamento, gestão compartilhada, projetos estabelecimento de fluxos uma importante
intersetoriais, entre outros, são estimu- estratégia para a integração do sistema e me-
ladas para serem adotadas nos serviços lhoria da referência.
de saúde pelo Ministério da Saúde (BRASIL, Já a contrarreferência foi caracteriza-
2014B). No presente estudo, todas essas ati- da como não implantada tanto pela APS
vidades obtiveram GI incipiente, o que já quanto pela AE. Esses resultados estão em
corrobora uma baixa resolubilidade desse consonância com o estudo de Fausto et al.
nível de atenção. (2014), que verificaram que 52% dos espe-
No que se refere à disponibilidade e re- cialistas para quem os pacientes são enca-
gularidade de distribuição das medicações, minhados nunca entram em contato com a
EqSF para trocar informações. No mesmo foram observadas em outras cidades, como
sentido, Giovanella, Escorel e Mendonça Florianópolis (SISSON ET AL., 2011) e uma cidade
(2003) observaram que um terço ou mais dos do estado de São Paulo (MARIN; MARCHIOLI;
profissionais de nível superior das EqSF MORACVICK, 2013). Para os autores, o fato dos
nunca recebem qualquer tipo de contrarre- serviços de maior densidade tecnológica não
ferência de pacientes atendidos na AE. terem acompanhado a ampliação da cober-
A implantação do cartão do usuário do tura da Estratégia de Saúde da Família oca-
SUS é uma possível estratégia para garantir sionou na descontinuidade da atenção e em
a contrarreferência e melhorar a articulação prejuízos aos atendimentos dos usuários.
entre os serviços de saúde (GIOVANELLA; ESCOREL; Muitos autores concordam que a resolubi-
MENDONÇA, 2003). Medina (2006), entretanto, lidade da atenção básica depende, em grande
acredita que os problemas concernentes à co- medida, do acesso aos serviços especializados
municação estão mais relacionados à atuação (ESCOREL ET AL., 2007) e que essa dificuldade de
do profissional de saúde – seu engajamento, acesso tem se revelado um dos principais en-
concepções e disposições – que à existência traves na garantia da integralidade da atenção
de ferramentas gerenciais. A autora observou (SPEDO; PINTO; TANAKA, 2010), condição indispensá-
que a disponibilidade de instrumentos de co- vel para efetiva implantação das RAS.
municação (guias de referência e contrarrefe- Esse fato sugere que a simples amplia-
rência e telefone) não influenciou nos escores ção da cobertura dos serviços especiali-
relacionados a essa questão. zados pudesse garantir a integralidade da
Assim, constata-se a necessidade de atenção. Entretanto, em 2008, no municí-
investir na formação dos profissionais de pio de Recife, as cinco especialidades com
saúde que trabalham ou trabalharão no maior demanda reprimida (oftalmologia,
SUS, para que eles tenham uma prática ortopedia, otorrinolaringologia, cardiologia
adequada aos preceitos desse sistema. É e urologia) eram as mesmas com maiores
fundamental que eles reconheçam a im- percentuais de absenteísmo nas consultas.
portância da realização da contrarreferên- Dessa forma, ou existe uma real insuficiên-
cia e de seu papel na corresponsabilização cia na oferta, ou existe um mau gerencia-
da saúde de seu paciente. mento para esses procedimentos, em que
Outro mecanismo que visa estabelecer a não se realiza o diagnóstico consistente da
continuidade informacional acerca da situ- capacidade instalada e o percentual efetivo
ação de saúde dos usuários é o prontuário de utilização desses serviços (ALBUQUERQUE ET
eletrônico único, que se caracterizou como AL., 2013). Para Alves (2011), a demora na obten-
não implantado neste estudo, não tendo sido ção do atendimento pode levar o usuário
observado em qualquer serviço de saúde agendado a faltar, uma vez que ele não
analisado. Um estudo realizado em 2012 com poderia esperar tanto tempo pelo procedi-
16.566 EqSF demonstra que essa é a realidade mento e procuraria outros serviços.
vivenciada pela maioria das equipes de saúde Portanto, fica evidenciada a necessi-
no País, visto que apenas 11% das equipes re- dade de aperfeiçoamento do processo de
lataram utilizar o prontuário eletrônico único regulação desses procedimentos. Quanto
no seu cotidiano (FAUSTO ET AL., 2014). a essa questão, o contexto apresentou-
A referência para clínica especializa- -se favorável. O município opera com o
da caracterizou-se com implantação inci- sistema de regulação on-line disponibili-
piente por não ofertar cotas para todas as zado pelo Departamento de Informática
especialidades em quantidade suficiente do SUS (Datasus), o Sisreg, que permite ao
e as consultas não ocorrerem em tempo gestor conhecer o tamanho real das filas de
oportuno. Situações semelhantes a essa espera, monitorá-las, definir prioridades
Quadro 2. Problemas e proposições relacionadas à implementação da Rede de Atenção à Saúde ao portador de Diabetes Mellitus. Recife, 2014-2015
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Eduardo Tonole Dalfior1, Rita de Cássia Duarte Lima2, Maria Angélica Carvalho Andrade3
RESUMO O artigo apresenta uma discussão metodológica sob o enfoque da política institucio-
nal do Grupo Francês Strategor. Propõe-se a expor um método de análise da implementação
de políticas públicas, visando compreender questões presentes no ambiente institucional,
através dos determinantes da política institucional. Esse método poderá contribuir para
despertar, nos agentes implementadores de políticas e pesquisadores, um olhar mais crítico
sobre as instituições públicas, visando sanar problemas que perpassam o bom andamento das
políticas públicas. Busca-se colaborar no sentido de conferir à etapa de implementação uma
posição-chave dentro do processo da política pública.
ABSTRACT The article presents a methodological discussion with focus on institutional policy
of the Strategor French Group. We propose to expose a method of analysis of implementation of
public policies in order to understand issues present in the institutional setting, through the de-
terminants of institutional policy. This method could help awakening, in researchers and agents
implementing policies, a more critical eye on public institutions to remedy problems that pervade
the smooth progress of public policies. The aim is to collaborate to confer to the implementation
stage a key position within the public policy process.
1 Universidade Federal
do Espírito Santo (Ufes)
– Vitória (ES), Brasil.
edutonole@yahoo.com.br
2 Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes) –
Vitória (ES), Brasil.
ritacdl@uol.com.br
3 Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes) –
Vitória (ES), Brasil
geliandrade@hotmail.com
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005316 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 283-297, DEZ 2015
283
284 DALFIOR, E. T.; LIMA, R. C. D.; ANDRADE, M. A. C.
Strategique. Segundo Rivera (1997), o enfoque por elas traçados, o que faz com que tenham
de gestão estratégica de Crémadez e Grateau liberdade para definir os objetivos que pre-
de 1997 – Démarche Strategique – é um tendem perseguir e as estratégias que utili-
método que supõe a adaptação do enfoque zarão para esse fim. É justamente a escolha
de Strategor ao setor público de serviços da estratégia que corresponde ao difícil
de saúde francês. O método foi desenhado exercício de se colocar em prática os obje-
para hospitais regionais em um contexto de tivos gerais (STRATEGOR, 2000). Apesar de esses
contenção de recursos públicos, propondo- objetivos serem previamente definidos nas
-se a definir racionalmente a missão de um políticas públicas, a sua efetiva implemen-
hospital, situando-o na perspectiva ideal de tação depende de uma posição estratégica
uma rede coordenada de cuidados de saúde, por parte dos implementadores da política,
ultrapassando as barreiras internas do jogo de pois são eles que contribuem para colocar as
poder e pactuando, assim, as diretrizes gerais ações em prática.
para o processo de planejamento em nível Embora exista na literatura um grande
local, com ênfase em uma descentralização número de definições para estratégia, de
compartilhada (RIVERA, 1997). acordo com o referencial Strategor (2000),
No Brasil, o método foi trazido por Rivera elaborar a estratégia representa escolher os
(1997) e vem sendo adaptado e aplicado em campos de atividade em que a instituição
várias unidades hospitalares pelo Brasil (LOPES, deseje estar presente e aplicar os recursos
1997; ARTMANN, 2002A, 2002B; RIVERA, 2003, ARTMANN; para que ela se sustente e desenvolva, ou seja,
RIVERA, 2003, ANDRADE; ARTMANN, 2009, ARTMANN; o sentido específico da estratégia está fun-
ANDRADE; RIVERA, 2013, ARAÚJO; ARTMANN; ANDRADE, damentalmente ligado à ideia de vantagem
2013). O método se alimenta de diversos en- concorrencial. Assim, definir a estratégia
foques de planejamento e gestão estratégica, está relacionado com um autorreconheci-
baseados em elementos da microeconomia, mento de suas potencialidades e suas fraque-
do campo da estratégia e da política, e da área zas, identificando em quais campos ou áreas
do desenvolvimento organizacional e cultu- de atuação possui maior força. Para isso,
ral, além de categorias próprias da saúde e da é necessário, também, conhecer de forma
epidemiologia (ARTMANN, 2002B). especial o ambiente externo, identificando
Para melhor compreensão, o referencial as ameaças e oportunidades. Após esse re-
Strategor aborda a política institucional em conhecimento, a estratégia busca orientar
quatro grandes áreas, sendo elas: estratégia, a instituição sobre como melhor aplicar os
estrutura, decisão e identidade. Esta divisão seus recursos para se manter e permanecer
em quatro áreas não significa que essas competitiva. De forma geral, a estratégia
ocorram em momentos distintos e segmen- direciona a instituição para conhecer a sua
tados, mas trata-se de uma divisão metodoló- missão, sua razão de existência e, para isso,
gica para melhor entendimento do conteúdo. aponta diversos métodos e técnicas para ela-
A abordagem de Strategor consolida diversos borar a estratégia.
métodos e técnicas de gestão administrativa, A estratégia possui duas fontes princi-
importantes para orientar, analisar e definir pais de informação, que é o conhecimento
a política institucional (STRATEGOR, 2000). do território ou ambiente em que esteja in-
serida e uma boa apreciação das próprias
forças. Para gerar esse conhecimento, é
Estratégia preciso realizar uma análise contextual na
qual estarão presentes os fornecedores, o
As instituições perseguem objetivos que setor empresarial e os clientes/usuários.
lhes são próprios, por meio dos caminhos A partir disso, podem ser identificadas
número de unidades bastante independente, mais curto prazo, representada pelas de-
altamente especializadas, que reconhecem mandas e necessidades dos pacientes. Estas
um ambiente diferenciado. Isso significa atividades são exercidas de maneira liberal
que estas unidades são mais importantes e têm uma fraca pertinência organizacional.
do que outras instâncias institucionais por O nível hierárquico, no mundo assistencial,
reunirem saber e autonomia suficiente para está determinado pela competência.
tomar suas próprias decisões. Dessa forma, - Diferenciação entre logística e centro
cada um desses centros operacionais se di- operacional: a logística está organizada de
ferencia por possuir suas próprias normas, maneira mecanicista e coordenada segundo
procedimentos, usuários diferenciados e critérios econômicos, de forma centralizada.
pela ligação que possuem com entidades ou Já o mundo assistencial é descentralizado
sociedades de especialistas, como sociedade e organizado segundo o saber próprio e es-
de cardiologia, sociedade de anestesiologia, pecializado, especialmente, o saber médico.
de oftalmologia, entre outros. Dessa forma, ocorrem choques entre a admi-
2) Debilidade da tecnoestrutura: a tecno- nistração e o centro operacional no que diz
estrutura tem um fraco poder de ingerência respeito ao controle dos equipamentos e das
sobre os processos operacionais da institui- tecnologias médicas descentralizadas.
ção, a não ser na dimensão econômica. - Diferenciação no centro operacional:
3) A logística é importante: o tipo de co- existe uma forte especialização horizontal,
ordenação respectiva é do tipo procedural e assim como uma diferenciação no interior
por resultados e se efetiva de maneira cen- de cada serviço entre várias categorias de
tralizada. A organização diferenciada do profissionais e entre os profissionais médico
universo médico e do logístico pode gerar e não médicos. É necessário respeitar algum
problemas de coordenação. Destaca-se que grau de diferenciação, valorizar as diferen-
essa expansão da importância dos meios lo- ças sem buscar homogeneidade ou simetria,
gísticos, tipicamente médicos, como tecno- pois a diferenciação é fonte de eficácia.
logias hospitalares e equipamentos, resulta A prática decisória em organizações pro-
em um conflito de influências entre os admi- fissionais é incrementalista, dado o resul-
nistradores e profissionais da área médica, tado de suas características estruturais e
assim como gera conflitos dentro da própria dinâmicas, ou seja, as decisões são tomadas
comunidade médica. em série, em função do poder de pressão mo-
4) Ausência de linha hierárquica rígida: mentâneo dos vários atores institucionais,
a direção não tem capacidade nem compe- sem uma perspectiva de conjunto, havendo
tência para dirigir diretamente os chefes dos assim uma justaposição de objetivos, não se
vários serviços. Atua diretamente por meio verificando um processo de formulação de
da tecnoestrutura e dos serviços funcionais uma estratégia anterior. A estratégia seria o
e/ou instâncias de negociação. resultado emergente de decisões de natureza
Essas características apontam para uma mais operacional e pontual. Dessa forma, a
forte diferenciação, com muitas dimensões: estratégia emergente é fruto de uma inflexão
- Diferenciação entre o mundo adminis- ou de um deslocamento discreto da estra-
trativo e o mundo assistencial: o adminis- tégia anterior sob a influência de decisões
trativo volta-se para instâncias de regulação, sucessivas, não geradas de forma global na
persegue objetivos quantitativos e econômi- instituição (ARTMANN; RIVERA, 2003).
cos, em uma perspectiva política, articulan- Outro ponto a ser destacado sobre a di-
do o curto e o longo prazo. Por outro lado, o nâmica institucional dos serviços de saúde
mundo assistencial percorre objetivos mais refere-se ao seu fechamento/isolamento
qualitativos, ligados a uma perspectiva de em relação ao ambiente externo e ao baixo
carreira individual quanto para a eficiência ganho coletivo e que favorecem o compar-
institucional parcerias (RIVERA; ARTMANN, 2006). tilhamento de recursos. Nesse caso, a gestão
A discussão sobre esses paradigmas coloca estratégica permite que estratégias individu-
em questão os principais traços da identida- ais se combinem dentro de uma estratégia de
de institucional, que seriam: conjunto. A formalização da informação, das
análises e dos planos favorece a apreensão da
[...] a não explicação dos projetos organiza- instituição pelos atores (STRATEGOR, 2000).
cionais, a justaposição de objetivos, o iso- O processo de análise estratégica possi-
lamento dos profissionais e dos serviços, a bilitaria a criação de lugares de encontro,
recusa à avaliação das competências, o cor- o que estimularia a reflexão coletiva (intra
porativismo profissional, a predominância e intergrupo profissional), distribuindo as
dos critérios técnicos sobre os econômicos, a responsabilidades entre os grupos, criando
marginalização da gerência, a pouca preocu- novas unidades e aumentando as interfaces
pação com o ambiente externo, entre outros. externas. O sistema de poder evoluiria para
(ARTMANN, 2002B. P. 73). o estabelecimento de transversalidades e
de interdependências. A natureza técnica
Essas mudanças e quebras de paradigmas e econômica das decisões conduziria para
resultam em uma crise de identidade, que relações de colaboração entre os gestores e
acentua sentimentos e reações negativas, profissionais de saúde, havendo mais inte-
especialmente pelos grupos dominantes, gração e formalização (ARTMANN, 2002B).
como os médicos. Por outro lado, a institui- A socialização da informação promove o
ção tende a se tornar mais reativa em relação conhecimento mútuo, em uma gestão nego-
ao ambiente externo, superestima recursos ciada, acentuando a necessidade de sinergias
e encara o futuro com inquietação. Desse e parcerias operacionais. Os agentes institu-
cenário de crise de identidade, fazem parte cionais passam a se encontrar e a conversar
as necessidades de fortalecer a regulação ad- entre si. Nesse contexto, os valores passam
ministrativa e a introdução de critérios eco- a ser questionados, trazendo-os à tona
nômicos de gestão nos centros operacionais, como fundamento das decisões. Em função
o que ameaça a sua autonomia parcerias da possibilidade do encontro, a rigidez das
(RIVERA; ARTMANN, 2006). posições corporativas dá lugar a posições
Nesse contexto, a gestão estratégica mais flexíveis. A instituição evolui para uma
manifesta-se como uma possibilidade para valorização da interdependência, em uma
enfrentar esse cenário de crise de identida- aproximação positiva do sentido de bem co-
de e renovar o contrato psicológico entre letivo da atividade. Os atores institucionais
os atores e a instituição. Alguns fatores re- apropriam-se da instituição com informa-
sultantes desse impacto sobre identidade ção, formalização e análise e desenvolvem
institucional seriam: a formulação de um uma motivação para a ação.
projeto institucional baseado nas sinergias e Considerando a característica processu-
parcerias, o processo de análise estratégica, al, adaptável e detalhada dos projetos dos
a socialização da informação e a valorização vários serviços, é necessário que os diver-
da interdependência institucional. Formular sos atores subscrevam uma carta de inten-
um projeto institucional estruturado, com ções estratégicas gerais como meio de dar
base nas sinergias e parcerias, e induzido unidade às iniciativas locais, tal como ao
pela gestão estratégica, coloca em evidên- grande projeto estabelecido. Assim, como
cia soluções que têm impactos psicológicos existe uma distância importante entre o
favoráveis, possibilitando escolher aqueles discurso e a real modificação de comporta-
projetos que colaboram para um maior mento, torna-se fundamental que se assuma
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ABSTRACT This article discusses the production of care, focusing particularly on nursing work.
This is a theoretical study, based upon work psychodynamics, using, for illustration, empiric ma-
terial from a research in an oncology sickroom. We conclude that health work has an intangible
dimension – characterized by the workers’ creative intelligence and sensitivity – which is defini-
tive for health care quality and can not be measured by formal indicators. Requiring both stren-
gth and lightness, health work needs to be sustained, pointing to the importance of management
for providing material and psychic support for health work.
KEYWORDS Delivery of health care; Nursing care; Hospital care; Health management.
1 InstitutoNacional do
Câncer (Inca) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
liana.fonseca@inca.gov.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 298-306, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005247
298
A insustentável leveza do trabalho em saúde: excessos e invisibilidade no trabalho da enfermagem em oncologia 299
Na pesquisa citada (FONSECA, 2014), foi detec- procurando produzir no discurso uma sepa-
tado um certo grau de desmobilização para ração fictícia entre essas duas esferas, eram
o trabalho a partir do relacionamento dos frequentes durante as entrevistas e obser-
trabalhadores com a gestão. A mobilização, vações realizadas na pesquisa aqui citada
nesse caso, provinha tão somente da relação (FONSECA, 2014). Assim, enquanto “deixar as
desses trabalhadores com os pacientes. coisas do lado de fora” significava para eles
A desmobilização, expressa em falas, tentar ser profissional e não trazer as ques-
como “Não falo mais nada”; “Não me ma- tões de casa para o trabalho; “não levar coisas
nifesto mais”, “Não dou mais opinião”, era pra casa” significava tentar resistir em levar
oriunda principalmente de um sentimento as tristezas do trabalho para o âmbito do-
de invisibilidade do esforço empreendido méstico. Enquanto para alguns trabalhadores
na tarefa de prover o cuidado para pacientes essa influência recíproca era evidente, outros
em condições não favoráveis ao exercício passaram a se interrogar a respeito dessa se-
do cuidado no tempo que consideram ade- paração, à medida que iam refletindo mais
quado. Disse um técnico de enfermagem: “É profundamente. Ao longo de uma entrevista
muito paciente com câncer para pouco leito e individual, um técnico falou: “Eu não levo
muito leito pra pouco profissional”. problemas para casa, eu acho que eu não levo...
Uma enfermeira afirmou que “quase quer dizer agora já fiquei na dúvida até”. Para
errou uma quimioterapia” e acrescentou: outros trabalhadores, essa influência era evi-
“Quem diz que consegue assobiar e chupar dente. Uma enfermeira confessou que quase
cana está mentindo”. bateu o carro ao sair de um plantão, tomada
Na mesma direção, outra enfermeira pelos eventos vividos na enfermaria. Uma
afirmou: “Eu não sou um polvo. Não posso. técnica de enfermagem falou a respeito do
Eu falo. Eu não posso fazer três, como... Vai falecimento de uma jovem:
ficar uma porcariada tudo”, apontando para
a contradição entre qualidade do trabalho A Joana [nome fictício], quando morreu, ela es-
e metas e indicadores incompatíveis com a tava com meu crachá na mão, segurando minha
quantidade de trabalhadores disponíveis. mão. Eu estou falando sério! Ela morreu, ela me
Entre esses trabalhadores, havia um res- chamava... 17 anos!!! Ela queria que eu ficasse do
sentimento pela desvalorização, por parte da lado dela o tempo todo. E ela pra mim: ‘Fica!’. Eu,
gestão, da dimensão humana, paralelamente na minha cabeça: ‘Será que eu vou junto, depois
à idealização da tecnologia e da técnica que dela? Ela está me chamando para eu ir com ela’.
atravessa as organizações de saúde, principal- Que na cabeça da gente é umas coisas assim.
mente as de alta complexidade: “O ser humano Às vezes morre te chamando. Ela me chamava
tem que usar a tecnologia, entendeu? Eles esque- o tempo todo. Ela ficava: ‘Maria, Maria’ [nome
ceram que para utilizar a tecnologia precisa do fictício] e me chamando.
humano.” (Técnica na entrevista coletiva).
Essa mesma dimensão humana que, no A técnica foi para casa escutando a voz da
trabalho em oncologia, demandava desses jovem. Dejours (2012A) adverte que o trabalho
trabalhadores a lida cotidiana com a vida e não se esgota no espaço geográfico onde se dá
a morte em suas faces mais intensas também o trabalhar, mas coloniza a subjetividade. Nos
provocava a chamada “contaminação do trabalhos em saúde e, de forma mais intensa,
tempo fora do trabalho” (SANTOS, 2001, P. 155), isto no trabalho em oncologia, há uma intensi-
é, o levar para a casa a preocupação com os dade de vivências que penetram a vida dos
pacientes e com as questões da enfermaria. sujeitos, homens e mulheres, que trabalham
Expressões, tais como, “da porta para de forma mais punjente. Não foram poucos
fora” (do hospital) e “da porta para dentro”, os relatos a respeito dessa ‘contaminação do
tempo fora do trabalho’. Apesar disso, tais leitos e muitos leitos para poucos profissio-
trabalhadores, que possuem vínculo de 40 nais, configura-se como um drama cotidiano
horas semanais, são convocados a dispender no gerenciamento do trabalho em oncologia
100% dessa carga horária na atenção direta no SUS. No âmbito da assitência oncológica,
ao paciente, lidando com essa intesidade de aliada à intensa mobilização psíquica que
experiências em tempo integral. em geral caracteriza a maioria das situa-
ções deste tipo de cuidado, a demanda vem
crescendo exponencialmente, em oposição
Os desafios de gerir a uma insuficiência de recursos humanos
(sustentar) um trabalho de disponíveis. Por outro lado, ao invés de
processos e dispositivos de gestão que pro-
insustentável leveza movam suporte aos trabalhadores para o
enfrentamento de tais desafios, predominam
Pelo exposto até aqui, pode-se afirmar que a pressões por metas cada vez mais altas, in-
produção do cuidado em saúde se constitui dicadores e ‘excelência’. Excelência não ne-
essencialmente não apenas como um traba- cessáriamente pautada nas condições reais
lho intangível, com muitas dimensões invi- de produção do cuidado, mas na naquilo que
síveis, mas também, igualmente, como um Soboll e Horst (2013) chamaram de ‘ideologia
trabalho que exige dos trabalhadores, daque- da excelência’.
les que cuidam, um elevado esforço psíqui- Baseados em Christophe Dejours, esses
co (no caso da enfermagem, na maioria das autores afirmam que a ideologia de ‘excelên-
vezes, também grande esforço físico) para cia’, sistema de pensamento hegemônico no
sustentar a necessária sensibilidade e leveza, contexto atual de trabalho, que prima pelo
na interação com os sujeitos e suas demandas ‘mito da autossuperação e por resultados
de cuidado, em situações em geral atravessa- sempre superiores, subsidiando a crescente
das por muito sofrimento. Assim, trata-se de produtividade nas organizações’, já pressupõe
um trabalho que, embora exigindo leveza, é algo não partilhável, visto que, para ser ‘exce-
muitas vezes quase que insustentável. Por lente’, é preciso que alguém esteja aquém:
isso a alusão que fizemos no título deste
artigo ao romance de Milan Kundera. O termo excelência, por sua vez, refere-se a
No entanto, diferentemente dos prota- algo que, de antemão, não é partilhável. Assu-
gonistas do romance, para os quais a leveza mir uma conduta de excelência significa não
na relação com o outro se traduzia pela fra- partilhar esse objetivo com seus semelhantes.
gilidade dos vínculos, pela dificuldade de A excelência não é compartilhada. Para que
responsabilização, o trabalho em saúde, aqui um seja excelente é necessário outro que fi-
particularmente abordado através do traba- que aquém. A busca da excelência tem como
lho da enfermagem, é exercido pela maioria fundamento o individualismo e rompe com
dos profissionais como um trabalho de os laços de cooperação e de reconhecimento,
extrema intensidade de vínculos com os pa- essenciais para construção da identidade e da
cientes. Desse modo, para que possa ser bem saúde do trabalhador. (SOBOL; HORST, 2013, P. 225).
exercido, precisa igualmente ser sustentado,
e aqui destaca-se a importância da gestão em Quando se trata de trabalho em saúde e,
sua função de sustentação material e psíqui- especialmente, de trabalhos de cuidado, a
ca do trabalho em saúde. ideologia da excelência pode ser particular-
O paradoxo apontado por um dos técni- mente nefasta, na medida em que tende a não
cos de enfermagem, quando afirma haver considerar (porque não consegue avaliar)
alta demanda de atendimento para poucos suas dimensões invisíveis e não palpáveis.
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maio/jun. 1982. Paulo, Universidade de São Paulo, 2005.
Juliana Martins Barbosa da Silva Costa1, Vanessa de Lima Silva2, Isabella Chagas Samico3,
Eduarda Ângela Pessoa Cesse4
RESUMO Este estudo teve como objetivo investigar na literatura latino-americana os modelos
teóricos de avaliação de desempenho de intervenções de saúde nessa Região. Para tanto, re-
alizou-se revisão sistemática da literatura nas bases do Lilacs, Medline e Capes, com termos
relacionados à avaliação e desempenho, durante o período 2008-2013. Utilizaram-se critérios
da Joint Committee on Standards for Educational Evaluation para apreciação da qualidade bem
como de matriz para análise dos atributos bibliométricos e dos modelos. Encontraram-se seis
estudos explicitando o modelo de avaliação de desempenho de intervenções em saúde com
destaque para modelos unidimensionais com abordagem sistêmica.
ABSTRACT This study aimed to investigate, in Latin American literature, theoretical models to
assess performance evaluation of health interventions in the Region. To this end, a systematic
review of literature on the Lilacs, Medline and Capes’ databases viewing assessment and per-
formance-related terms for the period 2008-2013 was conducted. Criteria based on the Joint
Committee on Standards for Educational Evaluation were applied to assess the quality of articles
as well as a matrix to analyze bibliometric attributes array and models. Six studies were found
1 Universidade Federal de explaining the assessment model of health intervention performance, especially for one-dimen-
Pernambuco (UFPE) – Recife sional models with systemic approach.
(PE), Brasil.
julimartins.costa@gmail.com
2 Universidade Federal de
KEYWORDS Health evaluation; Models, theoretical; Latin America; Review.
Pernambuco (UFPE) – Recife
(PE), Brasil.
vanelima@gmail.com
3 Instituto de Medicina
DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005307 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 307-319, DEZ 2015
307
308 COSTA, J. M. B. S.; SILVA, V. L.; SAMICO, I. C.; CESSE, E. A. P.
Quadro 1. Critérios de inclusão e exclusão dos textos na revisão sistemática sobre modelos de avaliação do desempenho
de intervenções de saúde em países da América Latina
Figura 1. Fluxograma do processo de seleção de textos da revisão sistemática sobre modelos de avaliação do desempenho
de intervenções de saúde em países da América Latina
Tabela 1. Avaliação da qualidade dos textos da revisão sistemática sobre modelos de avaliação do desempenho de intervenções de saúde em países da
América Latina
A maioria dos estudos incluídos na revisão de artigos indexados (n=3) e os demais (n=3)
foi desenvolvida no Brasil (n=5), publicada procederam da grey literature e eram prove-
em 2011 (n=2), da qual a metade era composta nientes de teses de doutoramento (quadro 2).
Quadro 2. Textos selecionados na revisão sistemática sobre modelos de avaliação do desempenho de intervenções de
saúde em países da América Latina
por informações atuais, dado o tempo ne- por Donabedian (2003) foi a mais frequente-
cessário para a publicação de artigos cien- mente utilizada.
tíficos. Contudo, a ausência de bases de Revisão sistemática realizada por Klassen
dados semelhantes nos demais países lati- et al. (2009) estudou os modelos para medição
no-americanos inviabilizou a busca desse e melhoria do desempenho de sistemas de
tipo de literatura, constituindo-se uma das saúde, educação e serviços sociais contidos
limitações deste estudo. nos artigos publicados em inglês nas bases
Todos os textos que preencheram os cri- de dados Medline, CINAHL, Embase, Eric e
térios de inclusão e exclusão explicitados PsycINFO no período de 1986 a 2007. Esse
no protocolo da pesquisa apresentaram uma estudo identificou o Balanced Score Card (BSC)
boa qualidade segundo os critérios da JCSEE como modelo multidimensional mais frequen-
(SANTOS; NATAL, 2006). A qualidade das avalia- temente utilizado, seguido pelo modelo unidi-
ções é uma preocupação crescente entre os mensional Donabediano. Apesar de o estudo
estudiosos da avaliação de desempenho que não tratar especificamente da realidade latino-
vêm se dedicando à elaboração de critérios -americana, identifica a preponderância do
e ao desenvolvimento de meta-avaliações uso de modelos multidimensionais na literatu-
(ELLIOT, 2011; HARTZ, 2006). Essas meta-avaliações ra pesquisada (KLASSEN ET AL., 2009). Tais modelos
consistem na avaliação da qualidade das ava- têm se mostrado mais adequados para avaliar
liações à luz de critérios bem definidos e vêm intervenções de saúde em um mundo globali-
responder a uma necessidade fundamental zado, onde os governos necessitam lidar com
das revisões sistemáticas, uma vez que seus realidades complexas e voláteis (BASSIT; BLUMM;
resultados são dependentes da qualidade dos MARTINS, 2009; MARCHAL ET AL., 2014) e com a disper-
textos selecionados (GALVÃO SAWADA; TREVIZAN, são do poder entre mercados e instituições in-
2001; HARTZ, 2006; ELLIOT, 2011). ternacionais (UUSIKYLÄ, 2013).
Um aspecto que chama a atenção é a abran- Os estudos desta revisão que utiliza-
gência das intervenções em saúde (serviços, ram modelos multidimensionais (BATTESINI,
programas, sistemas) identificadas neste 2008; DUARTE, 2009) adotaram a concepção de
estudo, demonstrando a potencialidade da sistemas da ação social, modelos inspira-
instituição de mecanismos para avaliar o de- dos na Teoria Geral da Ação elaborada por
sempenho em intervenções com diferentes Parsons (1977). Nessa perspectiva, o conceito
graus de complexidade. Contudo, ressalta-se de sistema se refere às estruturas sociais
que a escolha das dimensões e indicadores relativamente estáveis, dentro de um limite
mais apropriados, atores participantes, nível definido de variações compostas pelas re-
de agregação e análise dos dados modificam- lações entre o sistema e o meio exterior, os
-se a depender do público alvo e das necessi- objetivos, a integração e a latência que cor-
dades que a avaliação venha a suprir (COSTA ET responde à espécie de depósito de motivação
AL., 2013; REIS, 2012; LAHREY; NIELSEN, 2013), e a escolha acumulada e difusora de energia que assegu-
deve ser feita em consonância com o modelo ra a fidelidade dos atores às normas e valores
e nível de análise desejado. que o sistema inspira (PARSONS, 1977).
Em que pese os limites dos modelos uni- Esses modelos avaliam o desempenho
dimensionais para avaliar organizações de sob a perspectiva integradora e do equilí-
saúde (SICOTTE ET AL., 1998; CHAMPAGNE ET AL., 2011; brio entre as funções básicas do sistema que
MARCHAL., ET AL. 2014), este foi o tipo de modelo se encontra em constante transformação
predominante encontrado neste estudo. (CHAMPAGNE ET AL., 2011). Além disso, a teoria
Dentre os modelos unidimensionais, a da ação social propicia um meio adequado
abordagem conceitual baseada na tríade, para a convergência de diversas perspecti-
estrutura, processo e resultados proposta vas de análise organizacional com os vários
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(Doutorado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde
Recebido para publicação em fevereiro de 2015
Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo cruz, Rio de Versão final em outubro de 2015
Conflito de interesses: inexistente
Janeiro, 2012.
Suporte financeiro: não houve
RESUMO A atenção integral em saúde mental é um desafio para os serviços de saúde, sobretu-
do no que diz respeito ao acompanhamento não psiquiátrico. O objetivo deste artigo é apre-
sentar uma revisão bibliográfica acerca do atendimento ofertado ao paciente com transtorno
mental grave, internado no hospital geral devido a complicações clínico-cirúrgicas. Como re-
sultado, verifica-se que as publicações, ainda que escassas, indicam que o louco é considerado
perigoso, violento e imprevisível. Assim, conclui-se que não basta criar no hospital geral leitos
de atenção integral a pacientes com transtorno mental sem que se promova espaços de elabo-
ração das representações negativas associadas à loucura.
ABSTRACT Comprehensive health care practices in mental health represent a challenge for health
services, mainly regarding non-psychiatric care. The aim of this paper is to present a bibliogra-
phic review of the care delivered to patients with severe mental disorders who were admitted to
general hospitals due to clinical and surgical complications. We conclude that the scientific lite-
rature on this theme point out that the madman is considered dangerous, violent and unpredicta-
ble. The article highlights that it is not enough to create general hospital beads for comprehensive
care practices to patients with mental disorder, without promoting spaces to elaborate negative
representations associated with madness.
1 Fundação Oswaldo Cruz KEYWORDS General hospital; Mental health; Comprehensive health care; Comorbidity.
(Fiocruz), Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio
Arouca (Ensp) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil.
marinaf.prado@gmail.com
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 320-337, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S005419
320
O paciente com transtorno mental grave no hospital geral: uma revisão bibliográfica 321
Tabela 1. Trabalhos científicos selecionados por bases de dados segundo combinações de termos de busca
20 trabalhos, sendo que apenas 1 foi consi- termos para o idioma inglês, no caso das
derado pertinente e selecionado. duas últimas bases.
A seleção dos trabalhos se deu em três A figura 1 apresenta o processo de revisão
etapas, respectivamente: por meio do título, bibliográfica e seleção final dos trabalhos
por meio do resumo e a partir da leitura do analisados. Os textos foram inicialmente
artigo completo. As combinações das pa- selecionados pelo título, chegando-se a um
lavras-chave foram iguais para a base BVS, total 122. Após essa etapa, iniciou-se a leitura
Pubmed e Scopus, fazendo a tradução dos dos resumos, sendo escolhidos 55 deles.
Quadro 1. Trabalhos recuperados, países de realização dos estudos e referências das categorias de análise
Quadro 1. (cont.)
DUARTE; OLSCHOWSKY, 2011; CAMPOS; TEIXEIRA, 2001; doença mental em hospital geral devido a
HILDEBRANDT; ALENCASTRE, 2001). problemas psiquiátricos, o que difere dos
Hildebrandt e Alencastre (2001), em seu achados deste estudo quando o assunto é
artigo de revisão bibliográfica sobre a inser- a internação de pacientes com transtorno
ção da psiquiatria em hospital geral, afirmam mental internados por outros problemas de
existir uma ampla literatura nacional e inter- saúde. Paes, Maftum e Mantovani (2010) foram
nacional sobre a internação de pessoas com responsáveis por um dos poucos trabalhados
nacionais encontrados que abordaram a pro- que relataram experiências de serem com-
blemática do cuidado produzido aos pacien- preendidos, também descreveram vivências
tes com transtorno mental no hospital geral. dolorosas anteriores, enfatizando sentimentos,
O quadro 1 apresenta, para cada trabalho como solidão, isolamento e vulnerabilidade.
científico recuperado – identificado por seu Ainda que a literatura apresente lacunas
autor e ano de publicação –, o país onde o quanto à escuta voltada para o paciente com
estudo foi realizado e as categorias de análise transtorno mental no que diz respeito ao
nas quais seus resultados foram agrupados. cuidado prestado por equipes não psiquiátri-
Vale ressaltar que um mesmo trabalho pode cas, Zolnierek e Clingerman (2012) apontam
remeter a mais de uma categoria. para o reconhecimento, por parte dos enfer-
Além disso, cinco trabalhos inseridos no meiros, da importância da participação do
quadro não remetem a nenhuma catego- paciente em seu tratamento.
ria de análise, já que seus resultados não as Seguindo a tendência internacional, os
abordavam centralmente, no entanto, seus pesquisadores Paes, Maftum e Mantovani
achados foram úteis para introduzir ou con- (2010) também se dedicaram a estudar o
textualizar o tema da pesquisa. Abaixo serão cuidado de enfermagem prestado ao pa-
apresentados os resultados de acordo com as ciente com comorbidade clínico-psiquiátri-
categorias de análise definidas. ca em uma unidade de pronto atendimento
no hospital geral.
Sujeitos das pesquisas
Afetos despertados nos profissionais
Observou-se que as publicações científicas de saúde em contato com o louco
que trataram do tema – o atendimento assis-
tencial prestado ao paciente com transtorno Ao considerar o cotidiano dos profissionais
mental grave em unidades não-psiquiátricas de saúde, sobretudo dos enfermeiros nos
– concentraram-se na percepção do profis- hospitais gerais, as publicações selecionadas
sional de enfermagem a respeito deste tipo descreveram os afetos despertados nesses
de assistência/paciente (ELIAS, 2012; ELIAS; TAVARES, sujeitos ao entrar em contato com a loucura.
2012; ZOLNIEREK; CLINGEMAN, 2012; PAES, MAFTUM; Paes, Maftum e Mantovavi (2010, P. 282) ca-
MANTOVANI, 2010; MUNRO; WATSON; MCFADYEN, 2007; tegorizaram seus achados em: “O cuidado é
LETHOBA; NETSWERA; RANKHUMISE, 2006; CLARK, PARKER; técnico e sem especificidade”; “Segurança
GOULD, 2005; ATKIN; HOLMES; MARTIN, 2005; REED; e proteção ao paciente”; “Contenção física
FITZGERALD, 2005; MCDONALD ET AL., 2003; DE JONGE ET e química como medida de proteção”. Os
AL., 2001).
Apenas dois artigos consideraram autores afirmam que os profissionais de en-
como sujeitos de pesquisa outros profissio- fermagem, ao prestarem cuidado “[...] ao pa-
nais de saúde – médicos, farmacêuticos, fi- ciente com sintomas psiquiátricos, tendem
sioterapeutas (MINAS ET AL., 2011; CHIKAODIRI, 2009). a apresentar sentimentos como: medo de
Nenhum dos estudos considerou a expe- agressão e insegurança, que podem dificul-
riência do cuidado prestado no hospital geral tar e até impedir o cuidado” (PAES; MAFTUM;
a partir do olhar do paciente com transtorno MANTOVAVI, 2010, P. 282). Os resultados dessa pes-
mental. Entretanto, Shattell et al. (2006) desen- quisa evidenciaram a dificuldade no manejo
volveram uma pesquisa em um serviço psiquiá- desses pacientes e de percepção de suas ne-
trico com o objetivo de investigar experiências cessidades pela equipe de enfermagem.
de pacientes que já se sentiram compreendi- De modo geral, tais resultados se repetem
dos por profissionais de saúde de diversas ca- em todos os artigos que abordaram a percep-
tegorias e especialidades, em algum momento ção e/ ou o atendimento prestado ao pacien-
da vida. Segundo os autores, mesmo os sujeitos te com transtorno mental no hospital geral,
seja devido a uma crise psíquica, seja devido em produzir o cuidado também são apontadas
a uma intercorrência clínica. As pesquisas no trabalho de Camargo (2011) como geradoras
evidenciam a dificuldade no manejo com de angústia na equipe de enfermagem.
esses pacientes e sugerem que as atitudes Em outro estudo, realizado por Chikaodiri
dos enfermeiros para com eles são conside- (2009), a equipe de saúde se posicionou a favor
radas negativas (ZOLNIEREK, 2009). da criação de uma enfermaria psiquiátrica
Zolnierek e Clingeman (2012) definiram no hospital geral. Apesar disso, a maioria
quatro categorias para caracterizar as expe- dos entrevistados não gostaria de trabalhar
riências de enfermeiros no atendimento a próximo desse setor. Os profissionais ex-
pacientes com transtorno mental no hospital pressam medo em cuidar do paciente com
geral: tensão, desconforto, falta de satisfação transtorno mental (CHIKAODIRI, 2009).
profissional e dificuldade. Vale ressaltar que outros elementos inter-
A categoria ‘tensão’ foi descrita como a ferem na qualidade do cuidado prestado ao
necessidade sentida pelos enfermeiros de paciente com transtorno mental grave. De
estarem constantemente em estado de vigi- acordo com Macdonald (2007) e Zolnierek
lância para garantir a segurança do paciente, (2009), alguns obstáculos encontrados no
a sua própria e a dos outros. Paes, Mafum e ambiente do hospital geral também podem
Mantovani (2010) também apresentam a pre- contribuir para a dificuldade e, consequen-
ocupação com a segurança e associam-na ao temente, para a recusa dos profissionais em
uso de contenção física e química. Segundo os atender pacientes com transtorno mental. A
autores, o uso da contenção física e química é organização do serviço, a estrutura, a restri-
muitas vezes justificado por esse motivo. ção de recursos disponíveis nas enfermarias
O desconforto foi descrito como o sen- e a falta de tempo são alguns desses fatores
timento de estar despreparado (falta de apontados pelos enfermeiros. As regras
formação/conhecimento) para lidar com rígidas do hospital, sua rotina rigorosa e
esses pacientes. Esse último tópico é um ar- o foco da atenção voltada às necessidades
gumento bastante frequente entre os profis- físicas desafiam a capacidade do profissional
sionais de saúde. A maioria deles afirma não em prestar adequadamente o cuidado a esses
ter habilidade e formação, conhecimento e pacientes (ZOLNIEREK; CLINGERMAN, 2012).
manejo com as comorbidades psiquiátricas
para proporcionarem um cuidado adequado Quando o estigma compromete a
e de qualidade (ATKIN; HOLMES; MARTIN, 2005; CLARK; qualidade do cuidado
PARKER; GOULD, 2005; REED; FITZGERALD, 2005).
A falta de satisfação profissional está rela- As considerações anteriores estão relaciona-
cionada ao pensamento de ineficácia de suas das ao estigma que envolve a loucura, de modo
ações, ou seja, os enfermeiros não acreditam que o diagnóstico psiquiátrico já é suficiente
que suas intervenções tenham algum resulta- para rotular o paciente como sendo difícil
do positivo para o paciente (ZOLNIEREK; CLINGEMAN, dentro das enfermarias cirúrgicas de um hos-
2012). Esse sentimento pode colaborar para a pital geral (ZOLNIEREK, 2009). Portanto, não é difícil
resistência dos profissionais de enfermagem de presumir que essas representações influen-
em atender as pessoas com transtorno mental, ciem negativamente a qualidade do cuidado
como observado por Camargo (2011). prestado pelos profissionais de saúde.
Por último, tem-se a categoria dificuldade, Camargo (2011) também elegeu como tema
que está relacionada à ideia de que esses pacien- de discussão de sua pesquisa o preconceito
tes interrompem a estrutura e o fluxo do traba- que emergiu das falas dos enfermeiros de um
lho da equipe e requerem mais tempo e esforço hospital geral. Segundo o autor, o preconceito
desta (ZOLNIEREK; CLINGEMAN, 2012). As dificuldades relacionado às pessoas com diagnóstico de
transtorno mental apareceu na fala dos sujei- (ZOLNIEREK; CLINGEMAN, 2012), perturbadores (ATKIN;
tos entrevistados, sugerindo distanciamen- HOLMES; MARTIN, 2005),
mais complexos (DE JONGE
to e podendo ser expressado de diferentes e imprevisíveis (LETHOBA; NETSWERA;
ET AL., 2001)
maneiras. RANKHUMISE, 2006).
Na mesma direção, Minas et al. (2011)
apresentaram uma pesquisa realizada com Não apenas no hospital geral: dificul-
dois grupos de profissionais de saúde de um dades de acesso e baixa qualidade da
hospital geral. Um deles recebeu um caso atenção no sistema de saúde
de paciente diabético e outro um caso de
paciente com transtorno mental, sendo que, A literatura também aponta que os pacientes
depois, ambos foram orientados a responder com comorbidades psiquiátricas recebem
a um questionário. Aqueles que responde- pior atendimento nos serviços de saúde de
ram ao questionário a partir da vinheta de modo geral, trazendo implicações para a
saúde mental deram medidas significativa- saúde dessa população (BRADSHAW ET AL., 2013; CAI;
mente mais baixas para o cuidado e suporte LI, 2013; RATHORE ET AL., 2008; MITCHELL; DELAFFON; LORD,
prestado ao paciente e medidas mais altas 2012; LYKOURAS; DOUZENIS, 2008).
em relação ao comportamento evitativo e à Assis (2014), sobre o atendimento de uma
expressão de estereótipo negativo quando paciente esquizofrênica em uma unidade de
comparado com o grupo que respondeu ao atenção básica, diagnosticada com hanseníase,
questionário a partir do caso de diabetes. afirma que o acesso dela foi facilitado quando
Os resultados da pesquisa realizada por uma de suas parentes mencionou o diagnós-
Mcdonald et al. (2003) estão de acordo com o tico clínico alto e bom som na recepção do
estudo acima. Sessenta enfermeiros foram serviço. No entanto, o atendimento foi difi-
divididos em três grupos. Todos estes recebe- cultado, no mesmo dia, quando a paciente foi
ram a descrição do mesmo caso, configuran- considerada da ‘psiquiatria’. Segundo o autor,
do uma situação de infarto agudo que dera “[...] ser considerado paciente psiquiátrico era
entrada em uma unidade de emergência. um empecilho para ser recebido nos serviços
Entretanto, algumas diferenças em relação à que formavam a rede de saúde e não exclusiva-
medicação que esse paciente fazia uso foram mente de saúde mental” (ASSIS, 2014, P. 191).
apresentadas: um grupo recebeu a vinheta É importante considerar que os servi-
que acrescentava o uso de um ansiolítico, o ços de psiquiatria também demonstram
outro grupo recebeu a vinheta que descrevia dificuldade em lidar com pacientes que
várias medicações psicotrópicas e o grupo apresentam comorbidades clínicas além do
controle não recebeu essas informações. diagnóstico para transtorno mental (DOLINAR,
O grupo que recebeu o caso que configu- 1993). Mitchell, Delaffon e Lord (2012) afirmam
rava uma descrição de um paciente psicó- que pacientes psiquiátricos, principalmente
tico foi menos propenso a avaliar o quadro aqueles que fazem uso de medicação antip-
como sendo de um infarto. De acordo com os sicótica, são menos submetidos a exames
autores, o reconhecimento de que o estere- clínicos e monitoramento de sua saúde física
ótipo negativo direcionado a pacientes com nos serviços de psiquiatria.
comorbidades psiquiátricas pode influen-
ciar suas atitudes é importante para auxiliar Eventos adversos, custos e tempo
os profissionais na produção do cuidado de internações não psiquiátricas de
(MCDONALD ET AL., 2003). pacientes com transtorno mental
Em geral, os enfermeiros do hospital
geral consideram os pacientes com trans- Entre os estudos capturados na revisão bi-
torno mental como difíceis e problemáticos bliográfica, alguns apontam maior número
de eventos adversos presentes nas inter- por pessoas com transtorno mental (SAYERS ET
nações não psiquiátricas de pacientes com AL., 2007; CASHIN; ADAMS; HANDON, 2008).
transtorno mental do que naquelas da popu-
lação em geral. Daumit et al. (2006) afirmam A capacitação profissional como uma
que durante as hospitalizações médicas e ci- das possibilidades de intervenção
rúrgicas, pessoas com esquizofrenia tinham
pelo menos duas vezes mais chances de A falta de capacitação e/ou conhecimento na
sofrer eventos adversos graves quando com- área de Saúde Mental foi citada, em diferen-
parados com pacientes sem esquizofrenia tes estudos, como um aspecto que interfere
que sofriam do mesmo problema de saúde. de modo negativo na qualidade do cuidado
Segundo os autores, tais eventos adversos (ZOLNIEREK; CLINGEMAN, 2012; CAMARGO, 2011; ATKIN;
foram associados com resultados clínicos HOMES; MARTIN, 2005; CLARK; PARKER; GOULD, 2005; REED;
ruins durante a hospitalização, aumentando FITZGERALD, 2005).
o tempo de internação, os custos, o uso de Como medida de intervenção para a
Unidade de Terapia Intensiva e óbito hospi- melhoria do cuidado produzido pelos pro-
talar para pacientes com esquizofrenia. fissionais de saúde aos pacientes com trans-
Os achados de Daumit et al. (2006) estão torno mental em hospitais gerais, a literatura
de acordo com a pesquisa realizada por aponta para a importância da implementa-
Khaykin et al. (2010). Estes últimos afirmam ção de unidades especializadas e intercon-
que pessoas com diagnóstico de esquizo- sultas psiquiátricas (ZOLNIEREK, 2009); formação
frenia têm maior probabilidade de sofrer os de equipes multidisciplinares (CASHIN, ADAMS;
tipos mais comuns de erros médicos. HANDON, 2008); desenvolvimento de processos
Em relação à interação medicamentosa, educativos e aumento do contato dos profis-
pode-se considerar que o tratamento farma- sionais com pacientes psiquiátricos, podendo
cológico de pacientes com transtorno mental mudar o estereótipo negativo e influenciar
se apresenta como grande desafio aos profis- positivamente as respostas dos profissionais
sionais médicos em geral. Milenovic et al. (MCDONALD ET AL., 2003; REED; FITZGERALD, 2005; RÜSCH,
(2011) afirmam que a interrupção abrupta de ANGERMEYER; CORRIGAN, 2005; LETHOBA; NETSWERA;
medicamentos psicotrópicos pode levar ao RANKHUMISE, 2006; CHIKAODIRI, 2009; ZOLNIEREK, 2009;
agravamento (desestabilidade) da doença. ZOLNIEREK; CLINGERMAN, 2012).
Ao mesmo tempo, a combinação de psico- Os profissionais de psiquiatria que res-
trópicos com anestésicos e medicamentos ponderam ao questionário realizado por
pós-operatórios, por exemplo, pode levar à Bolton (2012) sugeriram o treinamento em
intoxicação do paciente. Diante dessa reali- saúde mental para estudantes de medicina
dade, ambos os trabalhos consideram a im- e de enfermagem como a principal forma de
portância da interconsulta com psiquiatras combater o estigma da doença mental, cor-
e farmacêuticos no setting do hospital geral roborando os estudos supracitados. Já para
para auxiliar os outros profissionais. Zolnierek (2011), embora a interconsulta com
Por fim, pôde-se observar que o aumento profissionais de saúde mental possa ser uma
dos custos e do tempo de internação de pa- ferramenta importante, ela não é suficiente.
cientes com comorbidade psiquiátrica foram Segundo a autora, ambientes favoráveis à
enfatizados em vários artigos (BARTELS, 2004; prática dos enfermeiros devem ser capazes
HOOVER, 2004; BRESSI; MARCUS; SOLOMON, 2006; DAUMIT de estabelecer uma relação entre profissio-
ET AL., 2006; SAYERS ET AL., 2007; CASHIN; ADAMS; HANDON, nal e paciente, produzindo um cuidado cen-
2008; HOCHLEHNERT ET AL., 2011; KONNOPKA ET AL., 2011). trado na pessoa.
Além disso, algumas pesquisas mostram um Munro, Watson e McFadyen (2007) desen-
aumento de internações não psiquiátricas volveram uma pesquisa com o objetivo de
parece ser uma questão de difícil manejo as leis da sociedade, como algo estranho,
para os profissionais de saúde. Os afetos que afasta o ‘sujeito de si e do mundo’, en-
comumente descritos pelos profissionais de fraquece extremamente o desenvolvimento
saúde em contato com a loucura estão rela- de processos de identificação positivos por
cionados ao imaginário produzido em torno parte dos trabalhadores da saúde para com
desse fenômeno. O louco, visto como impre- os pacientes, o que pode afetar fortemente a
visível, inconstante e problemático, desperta produção do cuidado.
angústia, medo e ansiedade, pois, acredita-se A angústia que esse contato pode produzir
estar diante de algo desconhecido, que foge nos profissionais de saúde que se veem im-
do controle, colocando os profissionais no possibilitados de dar uma resposta imediata,
lugar de impotência e gerando frustração. de saber o que fazer diante desse outro tão
O comportamento negativo ou evitativo desconhecido, coloca para o trabalhador o
ante o paciente com transtorno mental grave perigo de se haver com suas limitações, com
pode ter consequências sobre a qualidade a experiência da frustração que, de certo
da assistência prestada. Os achados biblio- modo, ameaça o desejo de onipotência do
gráficos apontam para o afastamento do sujeito, ou seja, de se sentir suficiente, capaz
profissional de saúde desses pacientes, o que de controlar uma situação, dando-lhe um
compromete a integralidade do cuidado. desfecho positivo.
Além disso, o maior número de eventos Diante dos diferentes afetos negati-
adversos e o aumento dos custos e do tempo vos que podem emergir do contato com a
de internação clínica de pacientes com loucura, os profissionais de saúde podem
transtorno mental nos hospitais gerais, desenvolver mecanismos de defesas in-
embora não sejam indicadores suficien- conscientes como uma forma de blindagem
tes para avaliar a qualidade da assistência àquilo que lhe provoca sofrimento (SÁ, 2005,
prestada, como já afirmado, faz com que 2009; AZEVEDO, 2002, 2005).
se questione a postura dos profissionais de Na mesma direção, Campos (2005) faz uma
saúde diante do louco e de que forma ela in- reflexão sobre as produções inconscientes,
fluência esses achados. próprias a qualquer trabalho que envolve
Essa postura que distancia, que repele relações intersubjetivas, apontando que a
esses sujeitos, pode impossibilitar a cons- realidade de trabalho em saúde, caracteri-
trução de processos de identificação entre zada essencialmente pelo contato com a dor
o profissional de saúde e o paciente. Como (física e psíquica) e a morte, produz sinto-
já observado em outro trabalho (SÁ, 2009), a mas. Estes se expressam nas narrativas dos
identificação, como processo intersubjetivo trabalhadores através de alusão a estados
e interpsíquico, constitui-se como uma das passionais, ideologização, somatização e
condições centrais tanto para percepção do burocratização, sensações de onipotência e
sofrimento alheio como para a mobilização impotência, bem como vivências persecutó-
contra ele. rias. Consequentemente, podem ser obser-
O cuidado, como produto do encontro vadas ações pautadas, muitas vezes, por uma
entre pelo menos dois sujeitos, exige que se espécie de passagem ao ato, o que implica a
considerem os diferentes afetos que atraves- impossibilidade de elaboração de estratégias
sam a cena terapêutica, afetos esses muitas de cuidado e o risco de negação do sofrimen-
vezes contraditórios. O ódio, a indiferença to do outro (AZEVEDO, 2010).
e a violência são sentimentos tão humanos Nesse sentido, esta revisão bibliográfica
como o amor, a empatia e a solidariedade. realizada reforça a negatividade a que está
A experiência da loucura, historicamente associada a experiência de contato com a
entendida como um fenômeno que transgride loucura. É como se a loucura se desse por
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scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
Introdução
5 Fundação Oswaldo Cruz GW: O principal é a própria existência concreta do SUS, um sistema com grandes proble-
(Fiocruz), Escola Nacional mas, mas que ampliou o direito à saúde. Além da utilidade, o SUS tem exercido um papel
de Saúde Pública Sergio
Arouca (Ensp) – Rio de simbólico, ao demonstrar a possibilidade e a importância da solidariedade, ao confirmar a
Janeiro (RJ), Brasil. necessidade de haver espaço social de não mercado, em que a gestão e o planejamento se
vera@ensp.fiocruz.br
orientam a partir das necessidades sociais e não da sobrevivência do mais apto.
6 Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (Uerj),
Instituto de Medicina Editoria: Que problemas identifica e quais as perspectivas para a universalização efetiva da
Social (IMS) – Rio de saúde no Brasil?
Janeiro (RJ), Brasil.
rubenm@uol.com.br
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 39, N. ESPECIAL, P. 338-339, DEZ 2015 DOI: 10.5935/0103-1104.2015S0050003
338
Entrevista com o Professor Gastão Wagner de Sousa Campos 339
É com prazer que recebi a incumbência de reforma. Antes do SUS, pode-se recordar,
fazer esta resenha do livro ‘Democracia e entre outros: o Projeto Montes Claros, que
inovação na gestão local da saúde’, de Sonia inovou na estruturação da rede de saúde e
Fleury, militante, fundadora e ex-presiden- na participação comunitária, ainda nos anos
te do Cebes (2006-2009), em coautoria com 1970 (ESCOREL, 1998); o Projeto Niterói, que
Assis Mafort Ouverney, Felipe Barbosa inovou na atenção primária e na organização
Zani, Renato Cesar Möller e Thais Soares distrital dos serviços de saúde (MOYSES, 1989);
Kronenberg. O livro resulta de duas pesquisas além do Projeto Papucaia (Cachoeiras de
desenvolvidas em 1996 e 2006, foi coeditado Macacu), na incorporação do saber popular
pelo Cebes e pela Editora Fiocruz e aborda nas práticas de saúde (CESPP, 2015), ambos nos
um tema desafiador da reforma sanitária anos 1980. Deve-se registrar nessa linha,
brasileira: o papel da gestão local da saúde e também: o Programa de Desenvolvimento
sua relação com a democratização das políti- de Comunidades Urbanas do Rio de Janeiro
cas públicas. Não foi sem dificuldades que fiz (1981-1986), talvez a primeira experiência bra-
a resenha, afinal tinha de elaborar um texto sileira com agentes comunitários de saúde,
que não fizesse feio perante o competente conduzida por Karen Giffin (RODRIGUES, 1988); a
prefácio de Fernando Abrucio e perante a criação dos Núcleos de Atenção Psicossocial,
profundidade e extensão da obra. São ainda em Santos, e do Centro de Atenção
raras as pesquisas longitudinais, como esta Psicossocial Prof. Luiz da Rocha Cerqueira,
que busca detectar a evolução da implanta- em São Paulo, por gestões petistas logo
ção do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse no início do SUS, que contribuíram para a
é um dos grandes méritos do livro, que ao reforma psiquiátrica em curso (LUZIO; L’ABBATE,
mesmo tempo explica uma limitação: como 2006). Outros exemplos importantes são as
a segunda pesquisa teve de manter coerência experiências de Icapuí e Quixadá, nos anos
com a primeira, para permitir a comparação, 1980, também em gestões petistas, que ins-
não pôde aprofundar certos temas sobre os piraram a criação dos Programas de Agentes
quais a discussão avançou recentemente. Comunitários de Saúde do Estado do Ceará e
1 Universidade do Estado Este é um caso típico, entretanto, em que os Nacional de Agentes Comunitários de Saúde
do Rio de Janeiro (Uerj), méritos são maiores do que os prejuízos. (LOTTA, 2006). Fico por aqui, assumindo o risco
Instituto de Medicina
Social (IMS) – Rio de Os dois eixos do livro são a ‘democra- da omissão de importantes experiências.
Janeiro (RJ), Brasil. tização’, pela via da municipalização, e a O tema da municipalização da saúde foi
Universidade Estácio de
Sá (Unesa), Programa de ‘inovação’ na gestão local da saúde. Temas caro e central desde relativamente cedo no
Pós-Graduação em Saúde presentes desde o início da formulação da movimento da reforma sanitária. O ideal da
da Família – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil. Centro de reforma sanitária brasileira. Foi, afinal, em municipalização buscou inspiração no prin-
Brasileiro de Estudos de municípios que ocorreram algumas expe- cípio da democratização das políticas públi-
Saúde (Cebes), Brasil.
pharodrigues@gmail.com riências inovadoras que contribuíram para cas e não deixava de idealizar e simplificar
a inspiração e para o desenvolvimento da a experiência da Ágora grega, e na menos
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______. Portaria GM/MS nº. 2.203, de 5 de novembro de
1996. Redefine o modelo de gestão do Sistema Único LOTTA, G. S. Saber e poder: agentes comunitários de
de Saúde, constituindo, por conseguinte, instrumento saúde aproximando saberes locais e políticas públicas.
imprescindível à viabilização da atenção integral à 170 f. 2006. Dissertação (Mestrado em Administração
Revista Saúde em Debate Editor Científico, com tamanho entre 10 e 15 laudas. Neste for-
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5. Relato de experiência: descrição de experiências acadêmi-
ATUALIZADA EM DEZEMBRO DE 2013 cas, assistenciais ou de extensão, com tamanho entre 10 e 12
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3. Systematized review: critical review of literature on current topic, prioritizing those reviewers outside the authors’ federation sta-
topic by applying a research method. It aims to answer a question tes. The work assessment applies the blind review method, i.e., the
of relevance to health. The work must detail the adopted metho- authors’ names remain confidential until the work final approval.
dology. The text must contain between 12 and 17 pages. In case of divergence between reviewers, the work will be forwarded
to a third reviewer for decision. Similarly, the Editorial Board may, at
4. Opinion piece: exclusively upon invitation of the Scientific its discretion, issue a third opinion.
SAÚDE DEBATE
Instructions to authors for preparation and submission of articles
The assessment form is available at the Review website. The asses- – The style and creativity of authors as for the text composition are
sment output necessarily presents one of the following conclusions: respected, however, it must include elements such as:
(1) accepted for publication; (2) accepted for publication with ‘non-
-restrictive suggestions’; (3) resubmit for further assessment after • Introduction with clear definition of the problem investigated
modifications suggested; (4) rejected for publication. and its groundings.
• Objective description of the methods.
When the reviewer’s assessment concludes for ‘non-restrictive sug- • Results and comments can be approached in a same item or
gestions’, the opinion must be forwarded to the authors for correction separately.
of the work, which must be returned within twenty days. Upon return, • Conclusion.
the work is reassessed by the same reviewer within a period of fifteen • The repetition of data or information in different parts of the
days, extendable for a further fifteen days, to issuance of the final as- text must be avoided.
sessment. The Scientific Editor has full authority to decide also on the
final acceptance of the work as on the changes. – The full text must contain:
In the case of request to ‘resubmit for further assessment after modi- • Coversheet with the title, which must express clearly and
fications suggested’, the work must be forwarded by the author within briefly the content of the text, within no more than fifteen
two months. At the end of this term, and in the absence of any mani- words.
festation by the authors, the work shall be deleted from the system. • Texts in Portuguese and Spanish must be titled in the original
language and in English. Texts in English must be titled in En-
Any suggestions for modifications of structure or content by the Edi- glish and Portuguese.
torship will be previously agreed with the authors by means of com- • Author(s) full name. The information about institutional affi-
munication via website or email. No additions or modifications will be liation and title, address, telephone number and e-mail must
received after the work final approval. be added in a footnote.
• In the case of funding research, inform the funder.
The opinion form used by the Scientific Council is available at http:// • Abstract in Portuguese and English, or in Spanish and English,
www.saudeemdebate.org.br. containing a maximum of 700 characters, spaces included;
the goals, method employed and main conclusions must be
The works submitted for publication are the authors’ exclusive res- clearly stated.
ponsibility and must not exceed five authors per work. • Quotes or acronyms are not allowed in the Abstract, with the
exception of worldwide recognized abbreviations.
Clinical trial registry • At the end of the Abstract, three to five keywords must be in-
serted using the terms contained in the structured vocabulary
RSD supports the policies for registration of clinical trials of the Wor- (DeCS), available at http://decs.bvs.br. Then follows the text.
ld Health Organization (WHO) and the International Committee of
Medical Journal Editors (ICMJE), so recognizing their importance to – Footnotes are not allowed in the text. Footnote markings, if absolu-
the registry and international dissemination of knowledge on clinical tely necessary, must be overwritten and sequential. Example: Sani-
trials. Accordingly, clinical researches must bear the identification tary Reform1.
number in one of the Clinical Trial registries validated by WHO and
ICMJE, whose addresses are available at http://www.icmje.org. The – Testimonials must be italicized and follow the body of the text, wi-
identification number must appear at the end of the Abstract. thout indentation.
Format of work – Highlighted words or text excerpts, at the discretion of the author,
must use single quotation mark. Example: ‘gateway’.
– The text must be forwarded in Microsoft® Word or compatible sof-
tware, saved in doc or docx formats. – Spellchecking is strongly suggested so to identify misspellings and
typing mistakes before submitting the work to the Review.
– Standard A4 (210X297mm), 2.5cm margin on each side, font Times
New Roman size 12, 1.5 line spacing. – Pictures and tables must be sent in a high resolution file, black and
white or grayscale, apart from the text, numbered and titled proper-
– The text must not contain any information that identifies the au- ly, with indication of the units in which values are expressed, adding
thors or institutions. the respective sources.
– The text can be written in Portuguese, Spanish or English. – A maximum of five pictures and tables are allowed, in total, per article.
SAÚDE DEBATE
Instructions to authors for preparation and submission of articles
– Files must be submitted one by one, i.e., a file for each image, wi- Internet source
thout the identification of authors, containing just the title and the CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE. Norms for submis-
source of the picture or table. sion of papers to Health in Debate Review. Available at: <http://www.
– They must be numbered sequentially in the same order they appear saudeemdebate.org.br/artigos/normas_publicacoes.pdf>. Access
in the text. on: 9 jun. 2010.
– In the case of photos, persons cannot be identified unless they autho- Mandatory documents
rize, in writing, for the purposes of scientific dissemination.
The documents ‘Statement of Authorship and Responsibility’ and the
Examples of quotation ‘Approval of the Committee of Ethics in Research’ must be signed and
posted or digitalized and sent to the journal’s e-mail address (revis-
For guidelines on quotations, please address to the norm NBR 10520 ta@saudeemdebate.org.br), after approval:
of ‘Brazilian Association of Technical Norms’ (Associação Brasileira
de Normas Técnicas – ABNT). 1. Statement of authorship and responsibility
According to the International Committee of Medical Journal Edi-
Direct quotation tors’ authorship criteria, authors must fulfil the following condi-
The ‘Healthcare Operational Norm’ (Norma Operacional da Assistên- tions: a) make a substantial contribution to the work design and
cia à Saúde - NOAS) asserts that the ‘Regionalization Plan’ (Plano planning or to the analysis and interpretation of data; b) make a
Diretor de Regionalização – PDR) “is based on the form of functio- substantial contribution to the manuscripts or to the critical re-
nal and resolving healthcare systems by means of the organization view; c) participate in the approval of the manuscript final version.
of state territories in regions/micro-regions and assistance modules” To this end, it is necessary that the author and co-authors sign the
(BRAZIL, 2002, p.9). ‘Statement of Authorship and Responsibility’, as the model avai-
lable at <http://www.saudeemdebate.org.br/artigos/index.php>.
Indirect quotation
Breihl and Grenda (1986) noted that the health-disease process re- 2. Ethics in research
sults from a set of ascertainments that operate in a particular society, In the case of research involving humans under the subsection II
propitiating in different social groups the occurrence of perils that ari- of Resolution 196/96 of the National Health Council – research
se in the form of profiles or patterns of illness. that involves the human being, individually or collectively, directly
or indirectly, in its entirety or in part, including the handling of
Examples of references information or materials –, a research approval document must
be forwarded by the ‘Committee of Ethics in Research’ (CEP) res-
References must be inserted at the end of the article and follow ABNT ponsible for the approval.
(NBR 6023) norms. The number of references must not exceed 20,
except for the case of systematized review. Only the last name of the 3. Conflict of interests
author is written in full, being the name and middle names abbrevia- The work submitted for publication must contain information on
ted by the first letter. conflict of interests. Financial conflicts of interests, for example,
are not only strictly related to the research financing but also to
Book the very nature of the employment. If there is no conflict, the in-
CALFEE, R.C.; VALENCIA, R.R. APA guide to preparing manuscripts formation “I declare that there was no conflict of interests in the
for journal publication. Washington: American Psychological Asso- fulfilment of this work” suffices and must appear on the cover-
ciation, 1991. sheet.
Book chapter
O’NEIL, J.M.; EGAN, J. Men’s and women’s gender role journeys: A Mailing address
metaphor for healing, transition, and transformation. In: WAINRIB,
B.R. (ed.). Gender issues across the life cycle. New York: Springer, Avenida Brasil, 4.036, sala 802
1992. p. 107-123. CEP 21040-361 – Manguinhos, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Tel.: (21) 3882-9140 - Fax: (21) 2260-3782
Journal E-mail: revista@saudeemdebate.org.br
PETITTI D.B. et al. Blood pressure levels before dementia. American
Neurological Association, Chicago, v. 62, n. 1, p. 112-116, jan 2005.
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