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INSTITUTO DE PESQUISAS CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS DO ESTADO DO AMAPÁ

NUCLEO DE PESQUISA ARQUEOLÓGICA

Projeto de Pesquisa Histórica e Arqueológica


para Identificação do Forte Cumaú
Relatório Final
Referente ao Contrato nº 05/2012 de Prestação
de Serviços Técnicos Especializados de Pesquisa Histórica e Arqueológica
para Identificação do Forte Cumaú

Macapá, 30 de Abril de 2013.

i
Este relatório foi elaborado por:

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo


Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga
Fernando Luiz Tavares Marques, Dr. | Pesquisador, Arqueólogo Histórico
Eloane de Jesus Ramos Cantuária, Msc. | Pesquisadora, Arquiteta e Urbanista
Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica
José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,
Graduando em História
Zeli Teresinha Company, Dra. | Pesquisadora, Arqueóloga Histórica
Augusto de Oliveira Junior, Dr. | Pesquisador, Historiador
Adriana da Silva Pimentel | Auxiliar de Pesquisa Histórica
Daiane Pereira, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Arqueológica
Bruno de Souza Barreto | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

A equipe agradece às seguintes pessoas que colaboraram com a execução


do projeto, em diferentes etapas:

Midiani da Costa Maciel Silveira, Esp. | Professora da E.E. Igarapé da Fortaleza


Fabrício Ferreira, Grad. | Bolsista de Apoio Técnico, IEPA
Manuel Calado, Dr. | Arqueólogo, IEPA
Mara Rosa Pinto | Bolsista de Apoio Técnico, IEPA
Alan Silva Nazaré, Esp. | Bolsista de Apoio Técnico, IEPA
Deyse Elisa França da Silva, Grad. | Bolsista de Apoio Técnico, IEPA
Lúcio Flávio Siqueira Costa Leite, Esp. | Técnico, IEPA
Avelino Gambin Junior, Grad. | Bolsista Apoio Técnico, IEPA
Fábio Costa de Souza | Bolsista de Iniciação Científica, IEPA
Jelly Juliane Souza de Lima | Bolsista de Iniciação Científica, IEPA
Kleber de Oliveira Souza, Esp. | Gerente de Sub-Grupo de Atividades, IEPA
Rafaela Soares, Grad. | Bolsista Apoio Técnico, IEPA
Karol Diniz | Bolsista de Iniciação Científica, IEPA

A equipe agradece às seguintes Instituições que colaboraram na realização


de ações de divulgação do projeto:

Casa Fora do Eixo Amapá


Escola Estadual Igarapé da Fortaleza

i
SUMÁRIO
Introdução Geral .................................................................................. 1

Parte I ........................................................................................... 4

I.Relatório Final da Pesquisa Histórica e Documental (e de Cartografia


Histórica).................................................................................................... 5

Levantamento de acervos documentais e bibliográficos....................... 6

Síntese histórica ................................................................................... 21

O Contexto Histórico .....................................................................21

As Fortificações em Foco ................................................................35

Levantamento de Cartografia Histórica ............................................39

Parte II ........................................................................................ 41

II.Relatório Final da Pesquisa Oral


................................................................................................................. 42

Aportes para a pesquisa oral ................................................................ 45

Resultados ............................................................................................ 50

Questionários estruturados: dados quantitativos ...............................50

Relatos orais: entrevistas qualitativas..............................................53

Oralidade e a história recente do Forte Cumaú ..................................... 70

Parte III ...................................................................................... 73

III.Relatório Final do Levantamento Cartográfico e Cadastral


............................................................................................................. 74

Parte IV ....................................................................................... 86

IV.Relatório final de Diagnóstico de Danos sobre o Bem


............................................................................................................. 87

Atividades realizadas ............................................................................ 88

Reuniões de trabalho.....................................................................88

Visitas de campo...........................................................................89

O diagnóstico de danos sobre os remanescentes arqueológicos do Forte


de Santo Antônio, chamado de Forte Cumaú......................................... 91

ii
Caracterização arquitetônica dos remanescentes arqueológicos da
fortificação ..................................................................................................91

Técnica construtiva do forte de Santo Antônio de Macapá e do forte


Cumaú ..................................................................................................94

Diagnóstico dos danos e estado geral de conservação dos


remanescentes arqueológicos do forte de Santo Antônio de Macapá,
também chamado de Cumaú ................................................................. 98

Parte V....................................................................................... 101

V.Relatório Final da Pesquisa Arqueológica


........................................................................................................... 102

Levantamento topográfico .................................................................. 104

Intervenções Arqueológicas ............................................................... 106

Atividades de Prospecção: Tradagens e Coletas em Superfície .......... 106

Apresentação geral das unidades de intervenção ............................ 109

Estudos de laboratório sobre o material arqueológico ........................ 129

Procedimentos de Curadoria e Escolha das Amostras ....................... 129

Quantificação da coleção .............................................................. 129

Análise da coleção de peças coloniais ............................................ 132

Análise da coleção de cerâmicas indígenas ..................................... 140

Observações gerais sobre a coleção arqueológica ............................ 149

Curadoria e guarda da coleção arqueológica....................................... 151

Parte VI ..................................................................................... 153

VI.Relatório de Ações de Divulgação do Projeto e de Educação


Patrimonial ......................................................................................... 154

Reflexões sobre divulgação e educação patrimonial como arqueologia


pública ................................................................................................ 156

A prática: múltiplas estratégias de aproximação e diálogo ................. 158

Visitas ao Forte Cumaú ................................................................ 159

Interação com Escola Estadual Igarapé da Fortaleza: 1º Fest Cumaú 161

Seminário Forte Cumaú: História, Arqueologia e Comunidade ........... 165

iii
Observações gerais sobre as ações de divulgação e educação
patrimonial ................................................................................................ 166

Registro Fotográfico das Ações de Divulgação e Educação Patrimonial


........................................................................................................... 168

Referências bibliográficas........................................................... 173

Anexos ....................................................................................... 179

Anexo 01: Carta da América de Clemendt de Jongue, datada de 1640.......... 180

Anexo 02: Carta do Baixo Amazonas feita pelo padre Samuel Fritz, datada de
1689. ................................................................................................... 181

Anexo 03: Carta do rio Amazonas feita pelo padre Samuel Fritz, datada de 1707.
........................................................................................................... 182

Anexo 04: Carta do Novo reino de Granada, Nova Andaluzia e Guiana, feita pelo
engenheiro M. Bonne, datada de 1780. .................................................... 183

Anexo 05: Carta Geral da Guiana, feita por N. Buache, datada de 1798........ 184

Anexo 06: Carta de Caracas e Guiana, elaborada por Pinkerton em 1818. .... 185

Anexo 07: Planta da fortificação no Cumaú, datada de 1765. ...................... 186

Anexo 08: Questionário estruturado da pesquisa oral (quantitativa) ............. 187

Anexo 09: Boletim de Informação de Cadastramento Imobiliário referente ao


terreno situado à Av. Rio Trombetas, nº 54 (Acervo da Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e de Resíduos Sólidos, PMS) ............................... 188

Anexo 10: Mapa de matrículas de terrenos no Igarapé da Fortaleza,


disponibilizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e de Resíduos
Sólidos (SEMDURES) da Prefeitura Municipal de Santana ............................ 189

Anexo 11: Lista definitiva da coleção arqueológica armazenada ................... 190

Anexo 12: Material de Divulgação produzido para Seminário Forte Cumaú:


História, Arqueologia e Comunidade ......................................................... 191

Anexo 13: Diagnóstico do bem: áreas fragilizadas na estrutura arquitetônica 192

iv
Introdução Geral
Ao longo dos últimos 11 meses, uma equipe formada por profissionais e
estudantes de várias áreas esteve comprometida para a execução deste Projeto de
Pesquisa Histórica e Arqueológica para Identificação do Forte Cumaú. Sua origem
remonta a demandas da própria comunidade onde está localizada a fortificação, no
bairro Igarapé da Fortaleza, Município de Santana, Amapá. Uma carta enviada por
uma das associações do bairro, ao IPHAN e ao Ministério Público do Estado do
Amapá, serviu como ignição do processo.

Na superintendência do IPHAN no Estado do Amapá, técnicos elaboraram um


Projeto Básico de pesquisa, que foi aprovado pelo órgão central em Brasília. Com o
recurso disponibilizado, foi aberta uma licitação pública através do Edital de
Tomada de Preços n° 002/2011, para a qual o IEPA inscreveu a proposta
classificada.

Este Projeto Básico estabeleceu cinco atividades a serem realizadas pela


contratada, no caso o IEPA, que são as seguintes:

 Pesquisa histórica, documental e oral;


 Pesquisa Arqueológica;
 Levantamento Cartográfico e Cadastral;
 Diagnóstico de danos sobre o bem; e
 Ação de divulgação do projeto.

Para cada atividade, também foram detalhados no Projeto Básico a


Metodologia a ser utilizada, o produto a ser entregue, a forma de apresentação, o
prazo de execução e, em alguns casos, a equipe mínima a ser envolvida. Com isso,
ficaram bem definidas as obrigações da equipe do projeto, a serem exigidas pelo
IPHAN no momento de entrega de cada resultado. Para todas as atividades, a
forma de apresentação são relatórios impressos, coloridos, tamanho A4,
acompanhados de cópia digital.

Além das atividades, o Projeto Básico também indicava o perfil dos


participantes do projeto, que necessariamente deveriam ter formações
diversificadas, para contemplar as várias linhas de atuação da pesquisa
demandada. Na tabela abaixo, apresentamos as especificações definidas pelo
IPHAN e as pessoas que de fato compuseram a equipe. Como pode ser observado,
nossa equipe foi formada por mais pessoas do que havia sido exigido no Projeto
Básico, o que ocorreu em função da complexidade da pesquisa e dos curtos prazos
para sua execução.

1
FUNÇÃO NOME / TÍTULO E INSTITUIÇÃO DE
ORIGEM
Coordenador: Com formação na área de João Darcy de Moura Saldanha, MSC
Ciências Humanas e Sociais, pós-graduação em | IEPA
Arqueologia, experiência comprovada de no
mínimo um (01) ano de pesquisa em
Arqueologia; e sem pendências junto ao IPHAN.
Pesquisador I (Pesquisa Histórica): Augusto de Oliveira Junior, Dr |
Formado em História com experiência IEPA
comprovada de no mínimo um (01) ano em
pesquisa documental; desejável conhecimento
em informática
Auxiliar de Pesquisa I(Pesquisa Histórica): Bruno de Souza Barreto | IEPA
Aluno cursando no mínimo o 5º período de
graduação em História.
Pesquisador II (Pesquisa Arqueológica): Fernando Luiz Tavares Marques, Dr.
Formado na área de Ciências Humanas e | MPEG
Sociais, com experiência comprovada de no
mínimo um (01) ano de pesquisa em
Arqueologia Histórica
Auxiliar de Pesquisa II (Pesquisa Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. |
Arqueológica): Com formação na área de IEPA
Ciências Humanas e Sociais, com experiência de
Demanda do IPHAN

campo em arqueologia
Auxiliar de Pesquisa III (Pesquisa Daiane Pereira, Esp. | IEPA
Arqueológica): Com formação na área de
Ciências Humanas e Sociais, com experiência de
campo em arqueologia
Arquiteto ou Engenheiro: Com experiência Eloane Ramos Cantuária, Msc. |
comprovada em patrimônio cultural, em análise UNIFAP
de condições estruturais e físicas e estado de
conservação de patrimônio edificado
Pesquisador em Arqueologia Histórica Zeli Teresinha Company, Dra. | IEPA
Pesquisador em Arqueologia com Mariana Petry Cabral, Msc. | IEPA
Comunidade
Extras

Auxiliar de Pesquisa Histórica (Graduada) Adriana da Silva Pimentel | IEPA


Auxiliar de Pesquisa Arqueológica José Ricardo Vasconcelos | IEPA
(estudante)
Tabela de Composição da Equipe

A formalização para execução do projeto se deu através do Contrato nº


05/2012 de Prestação de Serviços Técnicos Especializados de Pesquisa Histórica e
Arqueológica para Identificação do Forte Cumaú, firmado em 24 de Maio de 2012.
Inicialmente, o Contrato previa uma duração de 210 dias (cerca de sete meses). No
entanto, em função da riqueza de conhecimentos que foram sendo agrupados pela
equipe, associado ao interesse de fortalecer ações dentro da comunidade do bairro
Igarapé da Fortaleza, onde está situada o patrimônio em foco, solicitamos uma
ampliação no prazo de execução por mais 90 dias, a qual foi aprovada pelo IPHAN,
resultando nestes cerca de 11 meses de execução do projeto.

Esta ampliação de prazo foi essencial para garantir a qualidade de todos os


produtos entregues, inclusive o presente relatório, que oferece não apenas
produtos inéditos (como o relatório final da pesquisa arqueológica e o relatório das
ações de divulgação), como também algumas complementações em produtos
entregues anteriormente, e também todos os relatórios finais de cada atividade.

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De forma geral, ao realizarmos a entrega deste último produto do Projeto de
Pesquisa Histórica e Arqueológica para Identificação do Forte Cumaú, consideramos
que está finalizada apenas uma etapa. As pesquisas realizadas nos últimos meses,
nos diversos âmbitos abordados por este projeto, apontam para uma enorme
riqueza cultural relacionada ao Forte Cumaú.

A produção historiográfica aponta muitas lacunas, inclusive na


documentação disponível. O Forte Cumaú ainda não havia sido foco de nenhuma
pesquisa intensiva, e não há disponível nem mesmo artigos científicos que tratem
somente deste objeto de pesquisa. Com isso, o trabalho realizado demandou
organizar e sistematizar breves referências à fortificação. Foi muito interessante, no
entanto, perceber a ausência de fontes não-portuguesas na historiografia
disponível, e seu uso neste projeto certamente contribui de maneira significativa
para alterar o conhecimento sobre esta região e este período histórico para o
Amapá.

A pesquisa oral, com a comunidade, apontou para um forte sentimento de


identificação e apropriação. O conhecimento partilhado pelos moradores tem
caráter coletivo e difuso, e as variações percebidas apontam justamente para a
dinâmica relacionada à oralidade.

O Diagnóstico sobre o bem realizado apontou para questões sensíveis deste


patrimônio, que requerem atenção imediata. O impacto da ocupação atual na área,
associado às características arquitetônicas e construtivas tornam seu processo de
conservação delicado e urgente.

O levantamento cadastral e cartográfico aponta para uma situação de


possível conflito fundiário. Ao que parece, o terreno onde estão localizadas as
estruturas construídas não tem matrícula de imóvel, e pode não ser regularizado.
Neste sentido, se houver interesse em transformar a propriedade da terra para uso
público, serão necessárias complementações desta documentação.

A pesquisa arqueológica trouxe resultados surpreendentes. Além da


confirmação de que aquele é o Forte Cumaú, também foi possível perceber que –
apesar dos impactos – ainda há um grande manancial informativo na área. A
continuidade das pesquisas poderá trazer informações mais detalhadas.

Por fim, as ações de divulgação contribuíram para levantar a discussão sobre


este patrimônio, e resultaram em um grande interesse na mídia e de público no
tema. O Forte Cumaú tem uma história viva, com ressonâncias claras em muitos
setores da sociedade amapaense. Este projeto é apenas a primeira pá de terra
levantada.

3
PARTE I
RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA
HISTÓRICA E DOCUMENTAL

(E DE CARTOGRAFIA HISTÓRICA)

Elaborado por:

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo

Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

Fernando Luiz Tavares Marques, Dr. | Pesquisador, Arqueólogo Histórico

José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,


Graduando em História

Zeli Teresinha Company, Dra. | Pesquisadora, Arqueóloga Histórica

Com a colaboração de:

Eloane de Jesus Ramos Cantuária, Msc.| Pesquisadora, Arquiteta & Urbanista

Augusto de Oliveira Junior, Dr. | Pesquisador, Historiador

Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga

Bruno de Souza Barreto | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

4
I. Relatório Final da Pesquisa Histórica e
Documental (e de Cartografia Histórica)
A partir das atividades realizadas no que tange a pesquisa de documentação
histórica, foi possível observar que o local do Forte Cumaú encerra uma importante
parcela da história do Amapá ainda bastante desconhecida. Esta foi uma época em
que esta região, ainda sem domínio efetivo de Portugal, foi palco de complexas
interações entre grupos indígenas, tradicionais habitantes da região, e ingleses,
holandeses e franceses, que buscavam, através da instalação de feitorias e
assentamentos fortificados, um lugar no promissor comércio das riquezas naturais
da Amazônia.

O local também foi testemunha da conquista definitiva da foz do Amazonas


pelos portugueses, o que garantiu – posteriormente – a posse desta porção do
Amapá ao território brasileiro.

Com o levantamento que realizamos de acervos e fontes disponíveis, tanto


em instituições públicas quanto em coleções privadas, notamos que as informações
sobre esta fortificação são ser escassas e diminutas. O Forte Cumaú, apesar da sua
importância hoje na comunidade da Fortaleza e mesmo na cidade de Macapá, não
parece ter sido um sítio histórico de grande relevância no seu tempo, talvez em
função de sua curta duração ou mesmo das pequenas dimensões. Esta situação nos
oferece uma oportunidade singular para estudarmos a apropriação da história pelas
comunidades locais, um dos temas que desenvolvemos no relatório sobre a
pesquisa oral realizada.

Apesar das escassas referências ao Forte Cumaú na documentação escrita, é


interessante ressaltar que a pesquisa de cartografia histórica demonstra sua
marcação cartográfica já no século XVI, antes mesmo que a Vila de São José de
Macapá começasse a ser marcada também. Tal situação parece refletir certo
descompasso entre a produção documental escrita sobre este forte e sua
representação gráfica, o que possivelmente está relacionado aos indivíduos
responsáveis por estes registros. É bastante comum que mapas históricos sejam
elaborados sobre mapas já existentes (Barcelos 2006), o que pode explicar a
continuidade da presença de lugares específicos ao longo de vários séculos. O
Cumaú, tanto mais por estar na Foz do Amazonas, certamente tornou-se um ponto
importante das rotas navegáveis, mesmo que sua ocupação física tenha sido
efêmera.

A pesquisa que apresentamos aqui buscou construir a primeira síntese sobre


o Forte Cumaú. O produto alcançado, no entanto, não deve ser entendido como um

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esgotamento exaustivo de fontes, em especial por algumas dificuldades de ordem
prática. Como é de conhecimento geral, o Estado do Amapá carece de um Arquivo
Histórico, e toda documentação destes períodos mais recuados não está disponível
para consulta no Estado. Uma vez que o orçamento do Projeto não previa
estratégias alternativas, como viagens a Belém e ao Rio de Janeiro, fomos levados
a trabalhar com fontes já publicadas e com fontes secundárias. Ainda que haja
limitações intrínsecas a estas escolhas, o produto alcançado responde às questões
levantadas no Projeto Básico elaborado pelo IPHAN, quais sejam:

a) as origens e o contexto histórico no qual o Forte foi construído;

b) o processo e fatos das mudanças de status e domínio da região amazônica


pelas várias nações em disputa pelo território brasileiro;

c) outras informações que venham elucidar informações que mostrem a


importância do Forte para a garantia da presença portuguesa em terras
brasileiras, no povoamento da região, bem como na história do Amapá;

Neste sentido, a pesquisa histórica realizada alcançou seus objetivos e criou


bases para fortalecer a importância da preservação deste sítio histórico e
arqueológico. Sua relação próxima com diferentes nações européias, sua posição
geográfica de cunho estratégico na foz do Amazonas, sua história recuada aos
séculos XVII e XVIII, são todos elementos que apontam para um contexto histórico
ainda pouco pesquisado no Estado do Amapá. O produto que oferecemos aqui deve
ser visto, portanto, como uma primeira sistematização sobre o fenômeno do Forte
Cumaú, e esperamos que continuidades na pesquisa permitam ampliar e detalhar
ainda mais este fragmento da história da Amazônia.

Levantamento de acervos documentais e bibliográficos

A primeira atividade realizada, no que diz respeito à pesquisa histórica


relativa à identificação do Forte Cumaú, foi a realização de um levantamento de
acervos de fontes primárias e secundárias. Como se sabe, o Estado do Amapá ainda
carece de um Arquivo Público onde fontes primárias poderiam ser preservadas e
disponibilizadas para pesquisa, no entanto, outras instituições oferecem acervos
primários de diversas naturezas que podem contribuir para a realização desta
pesquisa. Além disto, a primeira fase do Forte Cumaú foi realizada por ingleses,
portanto, os arquivos primários só encontram-se na Inglaterra. Felizmente toda
documentação inglesa conhecida para o forte Cumaú foi integralmente publicada no
livro “English and Irish Settlement on the River Amazon 1550-1646”, editado por

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Joyce Lorimer em 1989. Além das fontes primárias, uma pesquisa deste tipo
demanda a consulta a fontes secundárias, na sua maior parte disponíveis em livros
já publicados.

Em função desta necessidade, optamos por realizar um mapeamento de


acervos disponíveis para consulta, assim como um levantamento de fontes
disponíveis. Estas duas ações são obviamente integradas, e o que vamos
apresentar mais abaixo são os resultados desta atividade. Notar-se-á que existe um
volume bastante expressivo de obras publicadas que não parecem constar nos
acervos públicos, e que puderam ser consultadas pela equipe em função do acesso
a acervos particulares. Tal situação aponta para a necessidade de se fortalecer os
acervos públicos com algumas obras de referência fundamental para a pesquisa
histórica do período colonial do Amapá.

Para uma melhor sistematização dos resultados, foram elaboradas duas


Fichas de Pesquisa Histórica, que foram preenchidas pelos membros da equipe
durante a realização dos levantamentos de fontes. Estas fichas foram desenvolvidas
a fim de padronizar o registro de algumas informações básicas sobre fontes
consultadas, além de oferecer as informações a respeito da fonte de maneira
sintética, a fim de facilitar futuras consultas e contribuir para a elaboração de
sínteses. Com isso, foi elaborada uma ficha para fontes primárias e outra para
fontes secundárias.

A ficha para os documentos primários visa garantir o registro da localização


precisa do documento dentro da instituição de guarda, facilitando futuras consultas
e garantindo o correto referenciamento da documentação. Ela oferece, neste
sentido, informações tais como ano em que o documento foi confeccionado, além
de observações a respeito de como está organizado, se em maços, em caixas, etc.
Além disso, esta ficha tem espaço para indicação de figuras que possam compor a
documentação, como desenhos, croquis, esquemas ou fotografias. Na última
porção, a ficha oferece espaço para anotações relevantes sobre o conteúdo da
fonte, a fim de facilitar a sistematização de dados e futuras consultas. A partir das
observações da ficha, busca-se perceber como os dados aparecem e qual
abordagem foi escolhida pelo autor do documento, destacando-se a maneira como
o autor optou por demarcar seus dados e sua ordem de importância. O objetivo é
tentar identificar o que o autor histórico resolveu abordar de determinado
acontecimento: em que pormenores, quais foram as especificações que foram
escolhidas para serem registradas e quais aspectos pareceram ser fundamentais na
época da escrita do documento.

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A outra ficha elaborada está voltada ao registro de fontes secundárias
consultadas, na sua maior parte obras já publicadas. Esta ficha busca registrar
inicialmente os dados básicos de referenciamento bibliográfico, como Autoria, Título
da obra, Editora, Cidade e Ano de Publicação. Além disso, a ficha também indica o
acervo a qual pertence, mesmo que seja parte de uma coleção particular. Além
destas informações básicas, a ficha tem espaço para indicação de figuras, da
mesma forma que o previsto para a documentação primária, seguida então das
informações básicas de fichamento da obra, que serão usadas para sistematização
de dados e para facilitar futuras consultas. A partir destas fichas, torna-se mais
fácil comparar diferentes versões históricas, assim como mapear informações
consensuais de outras que aparecem em alguma obra específica. Além disso, este
tipo de registro da consulta permite mapear as diferentes posições que os vários
autores consultados apresentam, assim como o tipo de enfoque escolhido,
contribuindo para uma historiografia da História Colonial do Amapá.

A seguir, apresentamos a listagem dos acervos públicos e a bibliografia de


interesse do projeto, destacando suas principais referências temáticas.

Acervos Públicos Consultados e Bibliografia Localizada

 Biblioteca Pública do Amapá Elcy Lacerda

Localizada na Rua São José, ao lado da catedral católica mais antiga no


centro de Macapá. É uma instituição publica onde estudantes e pesquisadores
podem consultar livros de diversos tipos.

A instituição foi visitada pela pesquisadora Zeli Company e os auxiliares


Marcos Jessé e José Ricardo, que analisando partes deste acervo identificaram duas
obras que tratam sobre o forte Cumaú:

Fernando Rodrigues. Historia do Amapá (2001) Macapá. Em seu terceiro


capítulo, Invasões inglesas e francesas, há um comentário sobre o forte do Cumaú.
No terceiro capitulo deste livro há enumeras informações a cerca de construções
fortificadas de ingleses, franceses e portugueses.

Francigilson Oliveira, Linimar Silva, Lydiane Carvalho, Nilce Soares e José


Adalton. Pesquisa Forte Cumaú (1998). Este trabalho é uma pesquisa de campo
desenvolvida por alunos da Escola de 2º Grau Esther Virgulino, sob a coordenação
da professora Ivone, com alunos do curso básico na disciplina Sociologia. Eles
fizeram pesquisa de campo, entrevistando pessoas do distrito do Igarapé da

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Fortaleza, tendo como objeto de interesse as ruínas de uma fortificação existente
naquela comunidade.

 Museu Histórico Joaquim Caetano da Silva

Localizada na Avenida Mário Cruz 376, Bairro Central. É uma instituição


gerida pelo Governo do Estado do Amapá. Apresenta um vasto acervo de cultura
material pré-histórica e Histórica. Estivemos nesta instituição e tivemos acesso a
três obras. As referências são as que seguem:

Flavio dos Santos Gomes. (1999). Nas terras do Cabo Norte. Belém.
Universitária UFPA.

Janaína Camilo. (2009). Homens e Pedras no Desenho Das fronteiras.


Brasília. Senado Federal.

Marcos Carneiro de Mendonça. Amazônia na Era Pombalina. Tomos I, II e


III.

 Biblioteca da Secretaria de Meio Ambiente (SEMA)

Localizada na Avenida Mendonça Furtado numero 53, bairro central. Foi feita
a visita no acervo da biblioteca desta instituição, entretanto não foi encontrada
nenhuma obra específica sobre fortificações, embora tenha sido ofertado um
arquivo em PDF sobre o diagnóstico da ressaca do Igarapé da Fortaleza e Curiaú:

Takyiama, L.R. & Silva, A.Q. 2003. Diagnóstico das Ressacas do Estado do
Amapá: Bacias do Igarapé da Fortaleza e do Rio Curiaú. Macapá: Setec, IEPA,
Sema, Seplan.

 Biblioteca Central da Universidade Vale do Acaraú (UVA)

Localizada na avenida Almirante Barroso 861, no bairro Santa Rita. Foi feita
a visita neste acervo, entretanto, este não apresentou nenhuma referência acerca
do material sobre forte do Cumaú.

 Biblioteca Central da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)

Esta biblioteca é uma das mais expressivas do Estado, oferecendo suporte a


maior instituição de ensino superior do Amapá. A consulta detalhada a este acervo
não foi realizada de maneira sistemática, mas a partir de experiências de membros
da equipe sabemos que há poucos volumes de interesse para o projeto. É possível
que Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) lidem sobre o tema. Uma pesquisa
sistemática do acervo não foi possível devido ao fato desta IES se encontrar em
greve até o final de setembro, tendo sido impossível a consulta em tempo hábil
para entrega deste relatório

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 Cúria Diocesana de Macapá

Esta é uma instituição que pertence a Igreja Católica, sendo parte de sua
estrutura administrativa. Eles mantêm um arquivo de documentações produzidas
por eles, em especial o periódico “A Voz Católica”. A consulta à documentação é
realizada através de uma solicitação formal, a qual foi realizada por nós. Não foi
constatada a existência de documentos de interesse para o projeto nesta
instituição.

Lista bibliográfica comentada de obras consultadas

BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndios das eras da província do


Pará. Belém: Universidade do Pará, 1969.

Autor: Antonio Ladislau Monteiro Baena, nasceu em Lisboa em 1782.


Tornou-se militar e aos vinte anos veio ao Pará, com graduação de segundo
Tenente. Em 1821, já no posto de major do corpo de artilharia, é encarregado em
29 de Agosto do comando interino da Praça de Macapá em curto período de tempo.
Foi em 1823, que Baena Publica o Compêndio das Eras da província do Pará, que
engloba os estudos dos acontecimentos históricos do Pará e Maranhão destes 1615
a 1823.

Segundo o autor, a motivação para a organização destes escritos se deu em


virtude dos poucos trabalhos existentes em sua época retratando os
acontecimentos mais particulares sobre a história paraense e maranhense. Daí sua
intenção em escrever uma obra que fosse destinada a enfatizar os acontecimentos
que ele definiu como histórico Civil do Pará e Maranhão.

Sua obra destina-se principalmente a área das ciências humanas e sociais e


seu publico alvo são acadêmicos destas áreas definidas a cima, bem como
historiadores, Sociólogos, Arqueólogos dentre outros.

Neste livro Baena se propôs a descrever fatos ocorridos do inicio do século


XVII a primeira metade do século XIX. São documentos pesquisados na biblioteca
publica do Pará pelo autor. Transcrevendo esses fatos, segundo o próprio autor, de
maneira critica e erudita, sobre os acontecimentos que formam a historia do nosso
país.

Destarte, esse livro, mesmo tendo um cunho direcionado a narrar os


acontecimentos dos“heróis da pátria”, pode oferecer informações pertinentes sobre
o período da colonização da região norte do Brasil. Por isso, ele entra como uma
importante fonte para nossa pesquisa.

10
BARRETO, Anibal. Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca
do Exército, 1958.

O livro Fortificações do Brasil, da editora biblioteca do exercito,publicado em


1958 por Anibal Barreto,descreve as fortificações de todo o Brasil,contextualização
histórica e descrição detalhada de seus atributos,ressalta as definições de
fortificações como,obras de fortificações,fortificação de campanha e fortificação
permanente sendo esta divida nas seguintes classificações : praça de forte,
fortaleza, forte, fortim, reduto, redente, bateria, hornaveque, castelo, casa forte e
porta.

No capítulo que diz respeito às fortificações da Amazônia há um comentário


sobre os fortes construídos na Capitania do Cabo Norte (Amapá) e o Cumaú,
construído em 1632 por ingleses, à margem esquerda do amazonas e a 15 km ao
sul de Macapá, com artilharia de sete peças.

BICALHO, Maria Fernanda B. As fronteiras do saber e a colonização do Novo


Mundo. In: GOMES, Flávio dos Santos (org.). Nas Terras do Cabo Norte:
fronteiras, colonização e escravidão na Guiana Brasileira – séculos XVIII/XIX.
Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.

O texto trata da conquista do Novo Mundo na perspectiva das ideias novas e


dos novos modos de escrita que circularam a partir do advento das viagens
ultramarinas. A cartografia passa também por transformações e os modos de relato
das descobertas efetuadas nestas viagens acabam formando um novo arcabouço de
conhecimentos e novas maneiras de saber.

CAMILO, Janaína Valéria Pinto. Em busca do país das Amazonas. In:


AMARAL, Alexandre... [et al.]. Do lado de Cá – Fragmentos de História do
Amapá. Belém: Editora Açaí, 2011.

No presente artigo escrito por Janaína Valéria Pinto Camilo acima citado,
aborda as questão dos limites estipulados pelos tratados de Tordesilhas, as
questões mitológicas acerca das incursões de outros povos (Ingleses, Irlandeses,
Holandeses e Franceses). Parte das representações apresentadas no trabalho
referem-se aos ingleses, diários de viagens, como o de Théodore de Bry intitulado
Grands Voyages publicado em 1596. O diário apresentava com veemência as
crueldades cometidas pelos conquistadores nos tratos com os índios, onde o

11
mesmo reforça que tais crueldades eram cometidas devido a rituais macabros de
antropofagia, falsa justificativa apenas.

CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Momentos de História da Amazônia.


Imperatriz: ética, 1998.

A obra escrita por João Renôr de Carvalho diz respeito a acontecimentos


vivenciados na região amazônica nos séculos XVI, XVII e XVIII. São assuntos que
exprimem a mentalidade que alguns países do continente europeu deste período
mantinham em relação à grande região amazônica.

Vale ainda ressaltar que este livro aborda assuntos que dizem respeito aos
grandes conflitos entre portugueses e grupos ameríndios principalmente os
denominados de Tupinambás, que por muito tempo, foram alvo de perseguição do
império português. Além disso, a obra se preocupa em traçar um perfil demográfico
do Vale Amazônico, apresentando alguns comentários a cerca de aldeias
espalhadas por diversas áreas da região em questão.

Em seguida o autor estabelece em sua abordagem comentário enfatizando


tópicos importantes do período pombalino na Amazônia, discorrendo ainda, sobre
estratégias para a posse desta região estabelecendo uma cadeia de fortificações
portuguesas para garantir seu domínio sobre a área em questão.

Este livro também reservou espaço para discutir alguns fatos mais
específicos sobre a história colonial do Amapá. São abordagens que contemplam a
região onde hoje se insere o Amapá. Na obra estas abordagens vão sendo
discutidas desde o século XVII tratando sobre o nascimento da então Capitania do
Cabo Norte, por seu primeiro donatário Bento Maciel Parente. O livro também
expressa descrições que viajantes fizeram sobre a região do Cabo Norte, e finaliza
discorrendo sobre os inúmeros tratados assinados entre frança e Portugal, e como
isso foi importante na definição destas terras como pertencentes a Coroa
Portuguesa. Dedica também alguns parágrafos para abordagem sobre a construção
da fortaleza de São José de Macapá, além do que alguns anexos de documentação
histórica que remonta o período discutido no livro.

CAVALCANTI, Jarbas A. Fortaleza São José de Macapá. 2ª edição. Macapá:


São José, 1997.

O livro Fortaleza de São José de Macapá é um importante referencial da


história do Amapá. Nele, podemos encontrar diversos acontecimentos sobre a

12
gênese da colonização da antiga região denominada de Cabo Norte, bem como os
embates que ocorreram entre nações europeias que a todo custo queriam possuir
esta região. Por isso, esta obra enfatiza reflexões importantes dos primeiros
viajantes que navegaram pela foz do Amazonas e que posteriormente tentaram se
estabelecer criando feitorias na intenção de comercializar produtos (Escambo) com
grupos ameríndios que habitavam a região do baixo amazonas. Além disso,
Cavalcante argumenta sobre a intenção de ingleses e holandeses que fizeram
enumeras tentativas de implantar colônias em terras hoje amapaenses.

A obra garante espaço para abordagens do principal monumento histórico do


Estado do Amapá, a Fortaleza de São José, construída por decisão da coroa
portuguesa no século XVIII. O período do surgimento da vila de Macapá não ficou
de fora, bem como a construção da Fortaleza de São José de Macapá. Informa
sobre seu período de construção, o primeiro engenheiro responsável pelos
trabalhos de sua construção e o longo período em que este monumento ficou
esquecido pelo império português.

Por tudo isso, o livro de Cavalcante tornou-se um referencial para


pesquisadores que tem suas estimas em pesquisas que envolvem a gênese da
colonização da região tão dinâmica quanto suas riquezas naturais em que hoje se
insere estado do Amapá.

HUSMAN, Lodewijk. O comércio holandês com os índios do Amapá (1600-


1615). Belém: Revista de Estudos Amazônicos, 2011.

Lodewijk Husman é doutor em história pela universidade de Amsterdã


(UVA). Trabalha com as relações históricas dos países Baixos com Brasil em vários
projetos, como a Atlas Dutch Brasil do New Holland Foundation de Amsterdam e o
NUPEPA da UFRR.

Este trabalho foi desenvolvido com intuito de servir como fonte de consultas
para pesquisadores da arqueologia e história. Seu público se estabelece entre
graduados e mestres e doutores.

Observando o pensamento do autor em relação a este trabalho, observa-se


que ele defende o posicionamento que “ciclo de escambo” continuou no norte do
Brasil no século XVII.Além disso, comércio de Neerlandeses no Amapá no período
1600-1615 se caracteriza pela presença de empresas pequenas que operavam com
investimento baixo e projetos de curto prazo. As viagens eram relativamente curtas
entre 5 e 6 meses, e o comércio exigia pouco investimento além mar, sem deixar

13
de frisar que na costa oriental do Amapá, o comércio era tão lucrativo que cresceu
no período de 1610-1620.

Outro ponto defendido por Hulsman consiste na argumentação que os povos


indígenas da costa oriental do Amapá tiveram acesso aos produtos manufaturados
provenientes da Europa. Esses grupos ameríndios que viviam na costa do Amapá
no século XVII, foram capazes de manter um comércio Intercontinental. Para
comprovar seus argumentos o autor se alicerça em fontes documentais que
segundo ele, são inéditas pesquisadas em arquivos Neerlandeses.

O artigo em questão fornece informações sobre um período da história do


Amapá que mesmo havendo trabalhos sobre este período, ainda necessita de mais
pesquisadores envolvidos nesta temática. Por isso, esta pesquisa é relevante para o
projeto do Cumaú, pois poderemos extrair dele informações concernentes ao
comércio estabelecido por holandeses e os grupos indígenas que habitavam a costa
do Amapá.

LORIMER, Joyce (Ed.). “English and Irish Settlement on the River Amazon
1550-1646” London: The Hakluyt Society, 1989.

Este livro, editado em 1989 pelo autor Joyce Lorimer é uma atualização,
com novas fontes históricas consultadas, do livro de James WILLIAMSON, “English
Colonies in Guiana and on the Amazon 1604-1668”. Trata, portanto, das tentativas
de colonização inglesa, mas também de irlandeses, da área entre os deltas do
Amazonas e Orenoco. É organizado em 10 capítulos, sendo o primeiro uma
descrição das primeiras explorações inglesas no Amazonas, entre 1553 e 1608. O
capítulo 2 descreve os primeiros assentamentos ingleses e irlandeses na Amazonia,
entre 1611 e 1620. O terceiro capítulo trata da formação e colapso da Amazon
Company. O quarto capítulo trabalha os primeiros problemas com os portugueses,
entre os anos de 1620 e 1625, que levaram ao abandono dos primeiros
assentamentos ingleses e irlandeses. O capítulo 5 trabalha a formação da Guiana
Company. O sexto capítulo trata dos plantadores irlandeses que vão para a
Amazônia com a Dutch West India Company, em 1629. Os capítulos 7 e 8 são de
maior interesse para o presente projeto, pois o primeiro trata sobre as dificuldades
das colônias da Guiana Company e o segundo dos últimos assentamentos ingleses
na Amazônia. Em ambos capítulos há referências sobre o assentamento do Cumaú.
O capítulo 9 descreve uma petição dos irlandeses à coroa espanhola para uma
licença de assentamento na Amazônia. Por fim, o capítulo 10 descreve as últimas
tentativas inglesas e irlandesas para se assentar na região, com extrema
dificuldade devido à força de Portugal, com a monarquia restabelecida. O livro é

14
bastante importante pois, além de fornecer o texto interpretativo, apresenta ao
final a transcrição de documentação primária utilizada para os capítulos.

MAURO, Frédéric. O império Luso-brasileiro (1620-1750). Lisboa: Editorial


Estampa, 1991.

O livro é dividido em quatro partes: O Quadro Internacional e Imperial, A


implantação das estruturas de Portugal na América (1620-1750), A cultura implícita
e A cultura explícita (1650-1750). A primeira parte é escrita por Jacques Marcadé e
é composta por 4 capítulos. Estes capítulos tratam das questões relacionadas com a
relação do Brasil com Portugal e com os outros países que também ocuparam parte
deste território, dando especial atenção à ocupação dos holandeses no nordeste do
país no século XVII. O primeiro capítulo, “O Brasil e os holandeses”, trata da
questão das tentativas de ocupação holandesa e da real ocupação no nordeste no
século XVII. Está dividido em 4 partes e acompanha toda a trajetória do governo
holandês no Brasil. O segundo capítulo, “O Brasil no século XVIII”, traça a trajetória
do Brasil no século seguinte da real ocupação portuguesa e das tentativas francesas
de ocupação do território brasileiro. Além disso, trata da questão do conflito com os
espanhóis e a sua relação com a parte sul do Brasil, com ênfase na Colonia de
Sacramento. O terceiro capítulo, “O Brasil e Portugal”, divide-se em 3 partes e trata
da implantação das estruturas de governo portuguesas no Brasil e de como elas
foram implantadas e como funcionavam. O quarto e último capítulo, “O Brasil e o
Mundo”, trata das relações da colônia brasileira com o mundo. Quais foram suas
ligações com a África, com a vinda de escravos africanos para trabalhar em seus
engenhos, bem como a sua relação com a Europa em relação aos produtos
exportados e seu valor no comércio europeu.

A segunda parte é escrita por Guy Martinière e é composta por 5 capítulos.


Estes capítulos discutem as questões relacionadas com as estruturas de
organização, administração e burocracia portugueses. No primeiro capítulo,
“Geopolítica do espaço português da América. O Estado do Maranhão”, o autor
discute o papel do “Estado do Maranhão” na ocupação portuguesa, principalmente
com relação às suas fronteiras. Aponta como foi a penetração da Amazônia e como
foi o crescimento da ocupação deste espaço do território brasileiro. No segundo
capítulo, “Geopolítica do espaço português da América. O “Estado do Brasil” e o
domínio paulista: do Planalto Central à expansão meridional”, o autor relata como
foi a progressiva expansão portuguesa pelo oeste e sul do país, ressaltando a
participação dos bandeirantes vindos da espaço paulista em busca de novos
territórios que trouxessem novas riquezas e possibilidades de lucros a Portugal. O

15
terceiro capítulo, “Baía, sede do Governo Geral: a “lusitanização” do Estado Brasil”,
é discutido o papel da Bahia de Todos os Santos no empreendimento português de
conquista do espaço brasileiro. O capítulo quarto, “O peso do número: os homens
na organização colonial do espaço”, aponta para as questões demográficas com
relação ao tipo de população que compunha o espaço brasileiro, como por exemplo,
portugueses e brasileiros, população índia, africana e também a questão da
emigração por todo território. No quinto e último capítulo, “A economia colonial:
uma produção agrícola de exportação dominada pelos “ciclos” do açúcar e do ouro”,
o autor apresenta a discussão sobre os produtos mais valiosos nos séculos de
ocupação portuguesa: o açúcar e o ouro.

A terceira parte do livro é escrita por Maria Beatriz Nizza da Silva e é


composta de três capítulos. O assunto principal desta parte do livro é relatar como
é o cotidiano da população que habitava o Brasil nos séculos de ocupação
portuguesa. Pelas próprias denominações dos capítulos se pode perceber como está
dividida essa discussão: capítulo 1, “ vida cotidiana dos índios”; capítulo 2, “Negros
escravos e forros”; e capítulo 3, “O mundo dos brancos”.

A quarta e última parte do livro é escrita por René Renou e está dividida em
6 capítulos: capítulo 1, “O Clero: divulgador da cultura no Brasil”; capítulo 2, “A
Igreja: suporte de cultura”; capítulo 3, “A religião: expressão de uma cultura”;
capítulo 4, “As Belas Artes religiosas”; capítulo 5, “A literatura cristã sobre o
Brasil”; e capítulo 6, “Emancipação e laicização progressiva da ciência”. O assunto
principal desta parte é o papel da Igreja dentro do projeto português de ocupação
brasileira. O autor aponta como a Igreja difundiu as ideias que Portugal queria
propagar e qual era esse alcance. Também discute como as formas arquitetônicas,
a música, a pintura e a escultura e também o teatro estavam imiscuídos no
cotidiano dos habitantes do Brasil. Outros pontos discutidos nessa parte são a
literatura produzida para relatar a história brasileira, seus personagens principais,
suas preocupações e qual era a impressão que foi relatada pelos sacerdotes e
outros autores religiosos. Termina essa parte discutindo brevemente como a Igreja
se relacionava com a ciência, principalmente por meio da medicina e as ciências
matemáticas, físicas, náuticas e naturais.

PICANÇO, Estácio Vidal. Informações sobre a história do Amapá. Macapá:


Governo do Território Federal do Amapá, 1981.

Documento com vários tópicos organizados de forma cronológica sobre


vários episódios e personagens que fizeram parte da história do Estado do Amapá.
Conta de forma pitoresca de modo a ressaltar o curioso, o inusitado, o lado

16
aventureiro dos episódios e personagens; contém muitas imagens e cópias de
documentos manuscritos.

Como o Forte Cumaú foi uma das importantes fortificações construídas a sua
inserção no contexto histórico aparece relatada como mais um dos episódios em
que os soldados portugueses conseguiram recuperar o território ocupado para a
posse de Portugal, bem como da bravura desses personagens.

RAVENA, Nírvia. “Maus vizinhos e boas terras”: ideias e experiências no


povoamento do Cabo Norte – século XVIII. In: GOMES, Flávio dos Santos (org.).
Nas Terras do Cabo Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana
Brasileira – séculos XVIII/XIX. Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.

O artigo discute a questão da ocupação portuguesa do Cabo Norte no século


XVIII em relação às medidas adotadas pela coroa para debelar os problemas
ocasionados pelas sucessivas tentativas de ocupação estrangeira do território. Trata
também das formas como a coroa portuguesa utilizou-se das riquezas do Brasil e
de quais modos se armou para manter o controle absoluto.

REIS, Arthur Cesar Ferreira. Território Federal do Amapá – Perfil Histórico.


Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1949.

Esta obra discute importantes tópicos sobre a História do Amapá. São


abordagens que reavivam acontecimentos ocorridos em vários momentos dos quais
destaco o comercio envolvendo ingleses holandeses e irlandeses com os grupos
ameríndios que habitavam a região da foz do Amazonas. Além do que, traça uma
abordagem sobre o período do conflito pelas terras do Cabo Norte, entre França e
Portugal. Na obra se discute também a chegada das missões franciscanas e sua
finalidade de catequizar os grupos indígenas da região. Outro fator de grande
relevância discutido por esta livro é a política luso na construção de defesas
militares na margem esquerda do Amazonas. Vale ressaltar que, outros assuntos
importantes são abordados pelo autor, como a política de povoamento do território
hoje denominado de Estado do Amapá, bem como, a vinda dos colonos de outras
colônias portuguesas para a região em questão. Assim como, discussões acerca da
cabanagem, Cabralzinho, o laudo de Berna até a separação das terras da margem
esquerda da foz do Rio Amazonas e sua transformação em Território Federal do
Amapá. O livro realmente se apresenta como uma boa fonte de consulta para
pesquisadores que queiram compreender a História do Amapá.

17
REIS, Arthur César Ferreira. A Amazônia e a Cobiça Internacional. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Record, 1968.

O livro escrito por Arthur Cezar Ferreira Reis, no ano de 1949, foi publicado
pelo Departamento de Imprensa Nacional no Rio de Janeiro. O autor analisa a
história do Amapá a partir dos anseios dos franceses, ingleses e holandeses em
conquistar essas terras, a colonização portuguesa com o receio de perder parte
desse território, as fortificações e batalhas que asseguram a capitania do cabo
norte pelos luso-brasileiros.

Os esforços da catequese em domesticar os índios que aqui viviam, pois os


mesmos tinham uma paixão pelos franceses aumentando assim o risco de
penetração e fixação dos mesmos. Posteriormente, tratados foram assinados de
ambas as partes, luso-brasileiros e franceses pois a questão diplomática exigia uma
ação serena, logo, estabelecer-se-ia a política de fortificações na Amazônia, no que
diz respeito ao cabo norte, estas fortificações concentravam-se nas fronteiras
assegurando a ordem do interior. O autor examina ainda as extrações de riquezas
naturais e minerais em épocas distintas e suas relações políticas e a criação do
território em 1943 que deu personalidade política ao Amapá, deixando-o com 3
comarcas, 4 municípios e 12 distritos.

SANTOS, Fernando Rodrigues dos. Amapá no século XV. Rota de Expedições


de Reconhecimento. Belém: GRAFI Certa, 2003, 92 páginas.

O autor neste livro traça um panorama geral de como as viagens


ultramarinas foram indicativas para demonstrar a importância da região amazônica
nos descobrimentos, sobretudo o Amapá.

Aponta como foram consolidadas e realizadas as viagens ultramarinas e


quais eram os agentes destes acontecimentos. Traça a partir das concessões papais
quem foi o principal privilegiado neste tipo de negociação em favor de uma maior
detenção dos domínios, bem como os rivais que atuavam contra essas concessões
e tentavam também tomar posse de algumas possessões ultramarinas.

Lança a hipótese do Brasil ter sido descoberto através de terras amazônicas


e aponta quais foram os navegadores que fizeram estas viagens e a partir de quais
circunstâncias.

No capítulo I, “Primórdios da Expansão Marítimas”, o autor se concentra em


apontar a gênese do descobrimento do Brasil pelo estuário amazônico.

18
No Capítulo II, “A Expedição de Alonso de Hojeda”, o autor pretende discutir
questões a respeito da costa setentrional sul-americana, em relação a sua
verdadeira extensão litorânea explorada em 1499.

Capítulo III, “A Exploração da Foz do Amazonas”, discorre sobre os


descobrimentos realizados no Amapá por Vicente Pinsón e Diego de Lepe em 1500.

SARNEY, José & Costa, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004.

O livro é dividido em 13 partes que procuram dar conta de vários aspectos


da história e das peculiaridades do estado do Amapá. Inicia com aspectos
geográficos mais ligados aos tipos de solo e composição da hidrografia para depois
ir para aspectos mais históricos como os que relatam a forma como foi se
configurando o contexto histórico dos séculos XVI ao XIX, circunscrevendo as
formas de assentamento e ocupação do território.

Como a construção do Forte Cumaú faz parte de um dos aspectos


relacionados ao tipo de ocupação que teve esse estado, ele aparece imiscuído com
os relatos de construção de outras fortificações seja as de posse portuguesa ou
não.

SILVA, Marcos Jessé Lopes Da. Forte Cumaú uma abordagem histórica e
arqueológica de sua localização. Trabalho de conclusão de curso de
especialização em patrimônio arqueológico de Amazônia. Universidade do
estado do Amapá, 2012.

Esta monografia, desenvolvida durante o curso de Especialização em


Patrimônio Arqueológico da Amazônia, da Universidade do Estado do Amapá
(UEAP), realiza uma abordagem concernente à história do Cumaú, um forte inglês
construído na primeira metade do século XVII ao sul do município de Macapá. Em
seu primeiro capítulo o autor se preocupou em discutir sobre o pensamento da
arqueologia histórica enfatizando o papel dela na sociedade. Já para o segundo
capítulo, a abordagem se destina a importância do forte Cumaú para a cultura
material, e também começa a discutir sobre as controvérsias da localização desta
fortificação.

Já no terceiro e último capítulo, o autor apresenta sua pesquisa de campo


realizada em uma área particular de uma empresa denominada de Waldemar
Navegações, localizada no distrito do Igarapé da Fortaleza, onde diversos

19
moradores da redondeza associam certas ruínas que se encontram dentro desta
área mencionada como sendo do forte de Cumaú.

WILLIAMSON, James A. “English Colonies in Guiana and on the Amazon


1604-1668”. Oxford at the Clarendon Press, 1923.

Este livro, organizado em sete capítulos, aborda o contexto histórico e as


tentativas de colonização da costa da Guiana e dos deltas do Amazonas e Orenoco
por parte dos ingleses, entre os anos de 1604 e 1668. O capítulo I trata da política
colonial na época e das colônias no entorno, além de algumas pequenas incursões
iniciais de exploração da região. O segundo capítulo trata das colônias instauradas
às margens do rio Oiapoque. O terceiro capítulo descreve as viagens e tentativas de
colonização de Sir Thomas Roe, Charles Ralegh, além de outras viagens com
poucas informações, realizadas entre 1610 e 1619. O capítulo 4 descreve os
assentamentos promovidos pela Amazon Company, entre 1619 e 1625. O capítulo
5 trabalha a fundação da Guiana Company e suas tentativas de assentamento na
região entre os anos de 1629 e 1645. O capítulo 5 é de maior interesse para este
projeto, ao abordas outras empresas na Guiana. Entre elas o autor descreve a
tentativa de realizar uma plantation inglesa na foz do Amazonas, no local conhecido
como Cumaú, tentativa esta que acabou sendo impedida pelos portugueses com a
destruição do assentamento e da pequena fortificação que o protegia. Por fim, o
livro se encerra com a descrição da colonização do Suriname, entre os anos de
1651 e 1668, por parte dos ingleses.

20
Síntese histórica
Nesta seção, apresentamos na forma dissertativa os resultados da pesquisa
realizada. O que segue, portanto, é uma síntese sobre a história colonial da região
onde hoje está situado o Estado do Amapá. Inicialmente é apresentado o contexto
histórico mais amplo, com ênfase nas diferentes nações que tinham interesse na
região. Em seguida, é apresentada a síntese sobre as fortificações de interesse
direto deste projeto: o Forte Cumaú e o Forte de Santo Antonio de Macapá.

O Contexto Histórico

A expansão ultramarina

O final do século XV representou um momento de profundas mudanças em


vários setores da sociedade Européia. Tais transformações abrangeram algumas
concepções na mentalidade da época como: Novos limites de fronteiras, o avanço
da tecnologia naval e o comercio com o continente asiático: Índia, China e o oriente
em geral, além é claro da descoberta do Novo Mundo (Tota, 1996).

“Nessa grande viagem de descobertas, conquistas e conversões realizada


pelos europeus nas paragens do Novo Mundo, a relação que estabeleceram com
uma total alteridade geográfica, social e humana serviu de base para a construção
da nova identidade do homem ocidental, e igualmente para o alargamento das
fronteiras territoriais, a ocupação de novos espaços, a colonização” (Bicalho,
1999:20).

Uma das principais causas para essas transformações se alimenta no


episódio da tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, o que veio ocasionar
o controle do mar mediterrâneo por estes povos, acarretando em medidas que
vieram prejudicar de maneira intensa os comerciantes europeus (Tota, 1996).

Entre tais medidas, encontrava-se a elevação dos impostos sobre as


mercadorias que trafegavam pelo mediterrâneo em direção a Europa. Sendo assim,
os europeus tiveram que buscar novas rotas comerciais no intuito de chegar as
suas fontes fornecedoras de produtos existentes principalmente no continente
Asiático. Mas para se chegarem a estes destinos comerciais, eles teriam que
obrigatoriamente navegar pelo Oceano Atlântico, e para isso, seriam necessários
novos avanços tecnológicos na engenharia naval européia. É o inicio do que
conhecemos hoje como expansão Ultramarina (Idem).

21
Neste novo desafio da expansão Ultramarina, Portugal foi pioneiro. Esse
pioneirismo luso é ratificado pelas viagens feitas por navios portugueses
contornando a costa do continente africano e de algumas ilhas do oceano atlântico
dando oportunidade a esse país de possuir terras nestas novas paragens.

Santos (2003) aponta para o ano de 1448 a data em que um cartógrafo


veneziano, Andrea Bianco, radicado na Inglaterra, teria elaborado um mapa onde
aparecia descrita a Terra Brasilis, como se fosse uma ilha. “A produção desse mapa
configurou-se na segunda tentativa do cartógrafo em provar a existência de terras
ao ocidente da Europa e África” (Santos, 2003:15).

No período da produção do mapa em questão, os portugueses já


estavam bastante adiantados em relação aos outros países europeus quanto às
navegações ultramarinas em direção ao que hoje nós denominamos continente
americano. Em 1420, já haviam descoberto a Ilha da Madeira, na costa africana.
Logo após, em 1427, o Arquipélago dos Açores e em 1445 já haviam começado a
descobrir o Arquipélago de Cabo Verde (Santos, 2003).

É preciso salientar ainda, que Portugal nos últimos cinqüenta anos do século
XV começou sua preparação para viagens mais audaciosas, pois havia adquirido
conhecimentos importantes para tal feito (Vicentino, 2002).

Esta vanguarda de Portugal em relação aos outros países europeus deve-se


ao fato dos portugueses deterem conhecimentos náuticos e cartográficos superiores
aos seus concorrentes. Além disso, Portugal tinha uma posição geográfica
privilegiada e uma marinha organizada (Santos, 2003).

Todo esse aparato náutico serviu para que Portugal investisse em


empreendimentos relacionados a grandes expedições sendo contratadas para
descobrimento de novas terras. No ano de 1486, Portugal havia ordenado os
preparativos de novas viagens. Em 1488, o navegador Bartolomeu Dias retorna de
uma viagem após ter descoberto o Cabo das Tormentas, que depois seria chamado
de Cabo da Boa Esperança. Essa viagem em especial lançou a idéia para o contorno
da África em direção a uma nova rota de chegada às Índias (Idem).

Vale também lembrar que no século XV, Portugal já era um reino unificado e
menos sujeito a convulsões e disputas, contrastando com a França, a Inglaterra, a
Espanha e a Itália, todas envolvidas em guerras e complicações dinásticas.

A expansão ultramarina portuguesa impulsionou a indústria naval, quando


viagens para a costa da Guiné foram documentadas através de cartas de
navegação não contendo ainda latitudes e distancias, mas rumos e distancias. O
aperfeiçoamento de instrumentos como o astrolábio, que permite conhecer a

22
localização de um navio através da posição dos astros, e a construção da caravela
pelos portugueses data do ano de 1444.

“Em meados do século XV Portugal se consagrava no conjunto da Europa


como um país autônomo com tendência de se lançar a novos mercados. Mesmo
com a experiência acumulada nos séculos XIII e XIV no comércio de longa
distância, embora não se comparasse aos venezianos e genoveses, a quem iriam
ultrapassar. Aliás, antes de os portugueses assumirem o controle de seu comércio
internacional, os genoveses investiram na sua expansão, transformando Lisboa em
um grande centro mercantil sob sua hegemonia. A experiência comercial foi
facilitada também pelo envolvimento econômico de Portugal com o mundo islâmico
do Mediterrâneo, onde o avanço das trocas pode ser medido pela crescente
utilização da moeda como meio de pagamento. Sem dúvida, a atração para o mar
foi incentivada pela posição geográfica do país, próximo às ilhas do Atlântico e à
costa da África. Dada à tecnologia da época era importante contar com correntes
marítimas favoráveis, e elas começavam exatamente nos portos portugueses ou
nos situados no sudoeste da Espanha” (Fausto, 1996:10).

Com relação à Espanha, sua expansão Ultramar aconteceu no mesmo século


em que Portugal iniciou a sua, entretanto, a diferença está em décadas, pois
Portugal iniciou em 1415, tendo como marco a tomada do entreposto comercial
pertencentes aos Árabes no norte da África, e a Espanha somente em 1492, vai
iniciar sua expansão Ultramarina após superar alguns problemas como a presença
Árabe e a fragmentação de seu território. Resolvido os entraves internos, a coroa
espanhola financia a viagem de um navegador Genovês que defendia certa teoria
de que a terra era esférica e que por isso, era possível chegar às índias navegando
em direção ao ocidente (Fausto, 1996).

Estando Portugal e Espanha senhores da expansão marítima no século XV,


começa os entraves entre estes dois reinos, pois na medida em que a Espanha
expandia seus limites além do continente europeu, ou vice versa, os problemas iam
aumentando, levando a uma série de escaramuças entre barcos de ambos reinos
(Silva, 1923).

A fim de proteger seu investimento, Portugal procurou negociar com Castela


um acordo, e obteve, em 1481, através do Papa Sisto IV, a bula Aeterni Regis, que
dividiu as terras descobertas e a descobrir por um paralelo próximo às Ilhas
Canárias, separando o mundo em dois hemisférios: á norte para a Coroa de Castela
e ao sul para a Coroa de Portugal, preservando-se, deste modo, os interesses de
ambas coroas (Idem).

23
Assim iniciaram-se dois ciclos de expansão das coroas ibéricas: o ciclo
oriental, onde a coroa portuguesa procurou o comércio e conquista das terras para
o sul e o oriente, contornando a costa africana; e o ciclo ocidental, com Castela
procurando terras pelo Oceano Atlântico (Ibidem).

Foi através deste ciclo espanhol que Cristóvão Colombo, em 1492, acabou
alcançando as ilhas caribenhas, que levou à descoberta do continente americano.

Ciente desta nova descoberta, Portugal, através de seus cosmógrafos,


acabou argumentando que estas novas terras estariam dentro das possessões
portuguesas. Castela, preocupada com suas novas terras recorreu ao Papa
Alexandre VI, solicitando uma nova linha de demarcação das possessões
portuguesas e castelhanas. Através da Bula Inter Coetera o Papa estabeleceu um
novo meridiano, a cem léguas à oeste das ilhas de Cabo Verde, onde as terras à
oeste pertenceriam à Castela e à leste à Portugal (Carvalho, 1998).

Tal divisão desagradou Portugal, pois este reino julgava que tal acordo feria
direitos adquiridos anteriormente, além de causarem confusão com os termos do
tratado anterior. O rei Dom João II procurou então uma negociação direta com os
reis Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, a fim de mover o meridiano do
tratado para mais à oeste. Foi através desta negociação que, finalmente, foi
assinado entre os dois reinos o Tratado de Tordesilhas, em 1494 (Idem).

Tal tratado dividiu as áreas de influência dos reinos ibéricos através de uma
linha imaginária situada a 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde: à oeste ao reino
unificado da Espanha e à leste à Portugal (Ibidem).

Com isto a situação das possessões das coroas Ibéricas no Novo Mundo
estaria resolvida. Entretanto, outras nações européias, como a Inglaterra, França e
Holanda, estavam já se aventurando além-mar, procurando também um nicho nas
propagadas riquezas e maravilhas do Novo Mundo.

Em relação às outras potências européias, só iniciarão seu processo de


expansão ultramar na segunda década do século XVI. Segundo Vicentino (2002),
somente em 1515 a França começou a indagar, questionando com mais ênfase o
tratado de Tordesilhas. É o começo dos ataques a navios de Portugal e também das
invasões nas colônias portuguesas na América.

Para a Inglaterra sua expansão ultramarina teve inicio no reinado da rainha


Elizabeth I, no final do século XVI e inicio do século XVII. Foi momento das viagens
de reconhecimento na costa da América do norte e também dos corsários que
praticavam a pirataria sobre a proteção do reinado inglês. Além do mais, é neste

24
período que os ingleses iniciam o tráfico de escravos para o continente Americano
(Idem).

Os holandeses também iniciaram sua expansão no mesmo período da


Inglaterra. Acabaram explorando a região das Guianas e Antilhas sem deixar de
frisar sua participação na fundação da cidade de Nova York. Os holandeses eram
exímios comerciantes e por terem tal habilidade acabaram por financiar a indústria
açucareira no nordeste da colônia portuguesa na América do Sul (Ibidem).

No século XVI a situação da colonização dos reinos Ibéricos era a seguinte: a


Espanha possuía o Vice-reinado da Nova Espanha, formado por quatro ilhas das
índias ocidentais (Cuba, Hispaniola, Jamaica e porto Rico), juntamente com o
México a América Central até a Guatemala. As outras possessões espanholas
faziam parte do Vice-reinado do Peru, cujas unidades ocupavam toda a América do
sul, com exceção da Guiana1 e Brasil (Willianson, 1923).

As possessões portuguesas eram menores e mais compactas. Sob o nome


de Brasil, as possessões compreendiam em 1604 todo o ângulo oriental do
continente sul-americano, com bons portos no Rio de janeiro, Bahia de todos os
Santos e Pernambuco. Deste último os portugueses progressivamente se
espalharam pelo litoral norte do Brasil, embora em 1604 ainda não tivesse chegado
à foz do Amazonas. A partir de 1612, entretanto, eles estenderam sua possessão
sobre a província do Maranhão, fundando em 1615 a cidade de Nossa Senhora de
Belém ou Pará, junto ao limite leste do delta amazônico (Idem).

A descoberta e exploração da Amazônia

A foz do Amazonas, assim como o Caribe, foi uma região inicial de


expedições européias no novo mundo, devido aos ventos e correntes prevalecentes,
que empurravam repetidamente os navios para esta área. Destas zonas iniciais de
contato estas expedições percorriam para o sul e oeste, registrando rios e
procurando oportunidades para portos e comércio (Whitehead, 2010).

A região Amazônica foi palco de viagens exploratórias desde o final do


século XV. Segundo Sarney e Costa (2004), o primeiro viajante europeu a navegar
por terras amazônicas foi Vicente Pinzón, que navegou o estuário do baixo
Amazonas desbravando rios e igarapés nesta região, até mesmo antes de Cabral

1
Utilizamos a denominação Guiana para toda a região situada entre a foz do rio Orenoco e a foz
do Rio Amazonas. Esta região, que no início da colonização européia era entendida como uma unidade
geográfica única, hoje em dia esta dividida em cinco países: Venezuela, República da Guiana, Suriname,
França e Brasil (Lézy, 2000).

25
ter descoberto as terras brasileiras. Além disso, os primeiros nomes dados a muitos
lugares do estuário amazônico são atribuídos a esse navegador (Idem).

Segundo Santos (2003), a viagem de Vicente Pinzón as atuais terras


brasileiras, iniciou no século XV, e foi confirmada por meio da Provisão Régia, de
dezembro de 1500. Pinzón foi um navegador andaluz, que fez parte da expedição
de Cristovão Colombo, em 1492, no comando da caravela Niña. As informações
constantes eram de que a flotilha era composta por quatro caravelas e que
descobrira seiscentas léguas de terra firme e ilha, retornando para Espanha com
trezentos e cinqüenta quintais de pau-brasil. No ano seguinte saiu outro documento
sobre a viagem, denominado de Executória, que confirmava a época do início da
expedição. Contudo, o documento comprovador da viagem de Pinzón é uma
Capitulación, de 5 de setembro de 1501, subscrita pelos Reis Católicos e pelo
próprio navegador. Neste documento constam “registros de alguns detalhes dos
preparativos da expedição, as descobertas realizadas, como as denominações que
Pinzón atribuiu a certos acidentes geográficos na margem oriental do Atlântico,
mormente da faixa litorânea, hoje brasileira” (Idem:70).

Pinzón regressou ao Novo Mundo em 1499, em missão secreta, que não


deveria ultrapassar a linha equinocial, partindo em 18 de novembro, chegou ao
litoral brasileiro no dia 26 de janeiro de 1500. A expedição de Pinzón, proveniente
do nordeste, navegando pela costa brasileira, aportou na foz do Amazonas no mês
de março. Assim que chegou, a partir do contato amistoso com os nativos tomou
conhecimento de vários topônimos que denominavam vários acidentes geográficos
(Idem).

De partida para as Antilhas, próximo ao litoral, enfrentou problemas. A


causa do acidente que quase fez naufragar todas as embarcações da expedição de
Pinzón, decorreu da ação do fenômeno da pororoca, provavelmente quando
navegava pela desembocadura do Rio Araguari, fazendo com que as embarcações
se afastassem do litoral (Idem).

Continuou a viagem e denominou um promontório pelo qual passou de Cabo


de São Vicente. Segundo Santos, embora tenha sido um dos momentos mais
relevantes da viagem, por marcar um desvio de rota, em seus escritos Pinzón não
registrou a data pelo qual passou pelo extremo norte da região amapaense. Seguiu
para uma baía e decidiu explorar um dos rios que nela desaguava e navegou pelo
Rio Oiapoque (Idem).

Quase onze meses depois, Pinzón regressa a Espanha, no dia 30 de


setembro de 1500, quando havia também regressado seu primo Diego de Lepe que
também atingiu a costa brasileira no dia 16 de março de 1500. Também navegou

26
pelo estuário amazônico, chegando a ter conflitos com nativos, aprisionando vinte
deles (Idem).

Apenas dois documentos reais dão conta da viagem de Diego de Lepe. Uma
carta dos Reis Católicos para o bispo de Córdoba, solicitando licença para retornar
com três caravelas e uma Capitulación, datada de setembro de 1501. Contudo, a
jornada de Diego de Lepe pelo Novo Mundo no século XV está oficialmente revelada
na Probanzas del Fiscal “e tratada pela historiografia espanhola como um
acontecimento importante na expansão marítima de Espanha, a partir da segunda
metade do século XVI, ao ser compendiado pelo Frei Bartolomé de las Casas”
(Idem:74).

O relato informava os problemas que teve com o Conselho das Índias por ter
atacado alguns indígenas e aprisionado muitos, habitantes da Venezuela. A
violência contra os nativos marcou também sua passagem pelo estuário amazônico,
onde morreram onze de seus companheiros (Idem).

As expedições de Pinzón e Lepe pela zona meridional do Novo Mundo,


embora tenham ocorrido antes da de Pedro Alvares Cabral tiveram sua repercussão
posterior a desta última. A notícia ficou conhecida em 28 de agosto de 1501,
quando o rei de Portugal enviou cartas aos Reis Católicos informando-lhes “que
uma expedição portuguesa havia chegado 'a uma terra que novamente descobriu a
que pôs o nome de Santa Cruz', a qual seria, 'mui conveniente e necessária à
navegação da Índia” (Idem: 78).

Já no século XVI, outros navegadores freqüentaram a costa do Amapá. Um


nome bem conhecido e que coloca a coroa espanhola no conjunto dos reinos
europeus no interesse pelas riquezas da região Amazônica foi Francisco de
Orellana. Ele propôs descer o rio Amazonas vindo de Quito até chegar a sua foz que
vem desaguar no oceano Atlântico. Nesta viagem, além de ter tido contato com a
vasta natureza da região, teve pela frente o encontro com tribos de ameríndios que
conforme sua concepção pensava ter encontrado uma tribo guerreira de mulheres
denominadas de Amazonas (Reis, 1968).

O Rio Amazonas foi percorrido por esses viajantes ibéricos com o intuito de
melhor reconhecimento desse imenso rio e seu potencial. Conforme João Renôr
Ferreira de Carvalho, o rio Amazonas foi navegado pelos portugueses e espanhóis
pelo simples valor atribuído a este rio, e não pelo interesse em desbravar o
território no interior da região (Carvalho, 1998).

27
Um Vácuo de Poder Ibérico no Século XVII: a chamada “Costa
Selvagem”

No século XVII, entre Belém, limite ocidental das possessões portuguesas na


América, e os assentamentos orientais dos espanhóis ficava a longa costa da
Guiana ou “Costa Selvagem”, correndo de sudeste para noroeste, e constituindo a
única região da America tropical ainda pouco explorada pelos portugueses e
espanhois. A vasta bacia amazônica, em muitas formas a área mais acessível do
continente, continuava no século XVII quase não explorada, embora suas águas
pudessem levar um navio desde o atlântico até o Peru (Willianson, 1923).

Isto deve-se ao fato de estas terras serem extremamente baixas e


inundáveis, com seus imensos manguezais, que tornavam-se um fator inibidor para
o desembarque dos primeiros exploradores. Desta forma, num primeiro momento
os recursos da região foram pouco investigados e explorados.

Alia-se à isto o fato da exploração do ouro nativo do Caribe e das pérolas da


costa norte da Venezuela atraírem efetivamente todos os recursos espanhóis que
poderiam serem utilizados para a exploração da zona costeira entre os deltas dos
rio Amazonas e Orenoco (Whitehead, 2010).

É por esta razão que os rivais coloniais da Espanha e Portugal, como os


franceses, ingleses e holandeses, viram esta região como aberta para exploração
ao fim do século 16, aproveitando-se desta situação para criar seu nicho no
profícuo comércio do Novo Mundo.

Os ameríndios: o substrato necessário para a exploração da Foz


do Amazonas

A ocupação indígena na Foz do Amazonas foi bastante expressiva, como


comprovado por pesquisas arqueológicas realizadas na região (Meggers e Evans,
1957; Saldanha e Cabral, 2010). A densidade dos sítios arqueológicos aí
encontrados, aliada às grandes dimensões de alguns deles, nos demonstram um
consistente e bem sucedido assentamento indígena na Foz do Amazonas.

É este contingente populacional que possibilitará a exploração das riquezas


naturais da região pelos viajantes europeus. Sem seu conhecimento milenar sobre
esta região a exploração seria muito difícil. De fato, no início do século 17, o canal
norte da foz do Amazonas já era bem conhecido pelos marinheiros holandeses e
ingleses e a cartografia da região é rica em topônimos que dizem respeito a

28
diversas aldeias, que eram importantes pontos de apoio para as viagens, e de
comércio com os indígenas.

As aldeias de Sapno (atual Ilha do Curuá), Weypo (localizada na foz do rio


Gurijuba), Corropokery (na atual ilha dos Porcos), Sapanopoock (atual ilha do Pará)
e Roohooeck (atual localização de Macapá) foram pontos importantes de apoio e
comércio dos navios europeus. Mesmo navios que não vinham para comerciar
diretamente na região nestes locais aportavam para conseguir os necessários
suprimentos frescos, como alimentos e água, após semanas em alto mar
(Nimuendajú, 2004; Hulsman, 2011).

As primeiras informações sobre os grupos indígenas da região são derivadas


da viagem de Pinzón, que em 1500 registra todo o território da costa norte do delta
amazônico como “Província dos Paricura” (Passes, 2002). A seguir, em um mapa
espanhol de 1560, a região ao norte do equador figura como “Tierra de Paragoto
amigos de Aruacas” (Nimuendajú, 2004). Em outro mapa de 1578, atribuído à
Josse Hond, os nomes tribais de “Arwac” e logo depois dele “Iaos” estão escritos ao
longo da costa entre o equador e o Cabo do Norte. Um mapa contemporâneo, de
Juan Lopez de Velasca, descreve toda a costa desde o Cabo Branco (ao sul de
Trinidad) até a boca do Rio de Orellana (Amazonas), como a Costa dos “Aruacas”
(Idem).

Apesar destas primeiras tentativas de mapear e caracterizar os grupos da


região, a seguir há uma profusão tão grande de nomes e designações que tanto
autores antigos como antropólogos contemporâneos costumam apresentar a região
como uma verdadeira confusão étnico-geográfica, onde pouca coerência pode-se
obter (Grenand e Grenand, 1987). De fato, há registro de uma profusão de
diversos grupos étnicos, clãs e linguagens (Aawak, Carib, Tupi), ocorrendo lado a
lado na região (Passes, 2002). Esta extrema diversidade, porém, é uma questão
que ainda não é possível explicar sem o aprofundamento das pesquisas.

Para a região do canal norte da Foz do Amazonas, nosso principal foco de


estudo aqui, os levantamentos históricos realizados por Grenand & Grenand (1987)
indicam a ocorrência dos seguintes grupos no século XVII: Aruã, instalados
principalmente nas ilhas, mas também junto à ilhas do Bailique e mais para o
interior da região de Macapá; Maraon, entre os rios pedreira e Pacuí;
Kawakukuiene, junto ao rio Anauerapucú; Tocoyen, na região junto ao rio Maracá.

De acordo com Gallois (1994) os Tocoyen serão um dos grupos mais


importantes para compreendermos o contexto relacionado ao forte Cumaú. A
autora afirma o seguinte sobre essa outra ocupação indígena:

29
“Conhecido como Tucuju, Tikuju, Tecuju ou Tocoyen, este povo de língua
Aruaque ocupava a costa sul do Amapá, entrando em contato com as primeiras
frentes de expansão colonial na região; por serem aliados dos franceses, dos
holandeses ou dos irlandeses, foram duramente atingidos pela expedição de Pedro
Teixeira, em 1624. Procuraram refúgio no interior do Cabo Norte, mas foram
reduzidos pelos jesuítas numa missão no baixo rio Araguari e pelos capuchinhos no
baixo rio Jari.” (1994: 65).

Independente da caracterização étnico-linguistica dos grupos que habitavam


a região, o fato é que sem eles a exploração econômica da foz do Amazonas seria
virtualmente impossível pelos europeus.

O Ciclo do Escambo, que ficou conhecido na história econômica do Brasil


como o principal ciclo econômico do Brasil no século XVI, ainda era o tipo de
comércio vigente na costa das Guianas pelos ingleses, holandeses e franceses. Este
comércio funcionava de forma bastante simples: navios aportavam na costa e
trocavam mercadorias trazidas da Europa por produtos da terra com os índios.
Muitos destes navios também deixavam feitores, instalados em casas-forte, com
carregamento de mercadorias para juntar em um frete que seria posteriormente
recolhido (Hulsman, 2011).

Desta forma, a boa relação entre os europeus e os índios deveria sempre ser
mantida. O interesse deles na amizade dos indígenas da costa do Amapá acontecia
em devido ao interesse comercial. Os europeus se beneficiavam com tal contato,
pois tendo a confiança dos indígenas eles tinham a oportunidade de comércio. Por
isso, os holandeses, ingleses e franceses mantiveram certa vantagem em relação
ao contato com os grupos indígenas do Cabo Norte, dificultando para a coroa
portuguesa a aproximação de forma pacifica com estes ameríndios (Idem).

Com a decisão dos portugueses em definitivamente tomar posse da foz do


Amazonas na primeira metade do século XVII acabou por aumentar a rivalidade
entre portugueses, franceses, ingleses e holandeses, em disputa pelo território e
recursos. Esta rivalidade, por seu turno, iniciou um período de deportação e
atomização dos grupos indígenas, que iniciou a adentrar cada vez mais para longe
da costa, também havendo uma grande migração para a região do rio Oiapoque,
um território mais “neutro”, devido à influência cada vez maior de Caiena,
importante centro colonial francês, que barrava qualquer tentativa de incursão
portuguesa. Com esta intensa movimentação contribuiu para o início e exacerbação
de conflitos entre os índios (Passes, 2002).

Encarando assim os ameríndios como entraves à efetiva ocupação de um


território considerado como seu, o rio Amazonas, os portugueses iniciaram uma

30
política de verdadeiro extermínio de grupos indígenas que auxiliassem os demais
grupos estrangeiros na região (Nimuendaju, 2004). Esta “política do terror”
instaurada pelos portugueses acabou mesmo por dificultar severamente qualquer
tentativa de instalação de assentamentos ou fortificações, sendo o fracasso do
Forte Cumaú inglês o resultado deste modo de agir dos portugueses.

Os grupos que permaneceram na região do canal norte do Amazonas


tiveram então duas alternativas: ou fugiam para o interior ou para o Oiapoque, ou
se rendiam definitivamente à dominação portuguesa.

Os assentamentos coloniais na Foz do Amazonas (Sec. XVI e


XVII).

Em relação à ocupação da Foz do Amazonas entre os séculos XVI e XVII, em


especial ao canal norte que mais nos interessa aqui, holandeses, ingleses e
irlandeses foram os primeiros europeus a manterem assentamentos nesta região.

A relação destes povos europeus com a Amazônia começa a partir do século


XVI e inicio do XVII. Conforme já salientado anteriormente, eles praticavam a
chamada economia de escambo, um comércio que se define na relação com a troca
de produtos entre viajantes europeus e os nativos do novo continente.

“Já em 1610, antes da fundação de Belém, os ingleses viviam em feitorias e


postos fortificados na zona em questão, estabelecendo amizade e comércio com os
índios, ao abrigo de qualquer surpresa e aumentando a resistência e defesa para
futuras eventualidades” (Cavalcante, 1997: 18).

Hulsmam (2011) mostra a presença de barcos de comércio ingleses e


holandeses na foz do rio amazonas, remontando a 1598. Os navios alcançavam o
canal do rio Amazonas abaixo do lugar denominado de Cabo do Norte, e se
direcionavam a uma ilha que era conhecida por Sapnou, Sapenou ou Capanoa. Essa
ilha ficava as proximidades de uma região conhecida como Gurijuba e que pertence
hoje ao Estado do Amapá.

A colonização de fato começa a acontecer no início do século XVII. Os


holandeses constroem na confluência do rio Xingú com o Amazonas, dois pequenos
fortes, denominados “Nassau” e “Orange”, respectivamente em 1599 e 1600. Os
ingleses, sob comando de Charles Leigh, iniciam um assentamento no Oiapoque em
1604 que, no entanto, durou poucos anos (Willianson, 1923).

Em 1610 os holandeses criaram assentamentos e fortificações na região


entre o rio Jarí e Macapá, e os ingleses criaram uma colônia no rio Amazonas,

31
comandada por Roe. Em 1616, os portugueses criam a cidade de Belém e os
holandeses o forte de Gurupá, além de engenhos de açúcar no Cabo Norte, abaixo
do rio Araguari. Em 1620, junto à uma aldeia indígena, ingleses e irlandeses criam
o assentamento “Sapanopoca”, além dos forte Tilletille e Warmeonake, entre os rios
Maracá e Cajarí (Meggers e Evans, 1957).

A partir de 1623 a ofensiva portuguesa começa a tomar posição e vai


gradativamente varrendo os assentamentos já existentes e eliminando as nova
tentativas. Começam, neste mesmo ano, tomando os assentamentos holandeses do
rio Xingú e no Gurupá. A seguir, em 1625, destroem as fortificações inglesas
Tilletille e Warmeonake a o forte holandês do Tauregue. Em 1631, o mesmo destino
tem os recentemente fundados forte North (também chamado de Philippe) e
Cumaú. Finalmente, tomam a colônia de Sapanopoca, acabando de vez com a
presença não-portuguesa no Amazonas (idem).

A consolidação portuguesa na Amazônia na segunda metade do


século XVII

Por um século as nações peninsulares estiveram contentes em clamar sem


explorar a região entre os deltas do Amazonas e do Orenoco. Assim, não é de se
estranhar que esta área seria o principal alvo das incursões das demais nações
européias quando estas procuraram sua expansão colonial. Para estas nações,
apesar do poder da Espanha ser temerário, esta não tinha muito interesse na
região e seu acesso à Guiana era dificultado pelos ventos orientais, que
impossibilitavam seu acesso ao Amazonas a partir de suas colônias no Caribe
(Willianson, 1923).

Quanto à Portugal, geograficamente melhor colocado para interferir


ativamente na costa da Guiana e Amazonas, os ingleses, holandeses e franceses
não viam como um problema. Portugal parecia estar caindo em declínio, exaurido
após seu início fenomenal na expansão ultramarina. Desde 1580 Portugal era
vassalo de Espanha, e seus interesses coloniais eram negligenciados pela
administração em Madrid (Idem).

No entanto, os colonos portugueses no Brasil mostraram uma grande


vitalidade. Além disto, após a ressurreição nacional sob a casa de Bragança em
1640 os brasileiros mostraram-se capazes não somente de obter um bom prospecto
de sua nova possessão na Amazônia, Belém, mas também expulsar do nordeste do
Brasil os conquistadores holandeses (Idem).

32
Sendo então uma região marginal aos interesses coloniais espanhóis, foram
os portugueses que iniciaram a ocupação do vale do baixo Amazonas em 1630, em
desafio ao Tratado de Tordesilhas. Em 1616 chega Francisco de Castelo Branco ao
que será denominado Grão Pará, tendo dado início à edificação do denominado
forte do Presépio, construção esta que é o ponto de partida para o inicio da
presença portuguesa na Amazônia (Camilo, 2008).

“Fazem paz com ele os homens silvestres: e o auxilião a conglutinar na sua


amizade de todos os mais selvagens comarcaos; a plantar uma fortaleza que os
sustivesse dentro d’ aquela vastíssima espessura habitada de imensas variedades
dos homens bravios; e a erigir na mesma fortaleza uma pequena igreja inaugurada
a nossa senhora da Graça, que foi a primeira matriz da colônia. Lança os humildes
cimentos de uma cidade (1616): declara-lhe padroeira Nossa senhora de Belem: e
julgando que as ribeiras do escolhido assento são lavadas pelas correntes do
Amazonas atribui-lhe o nome de Gran-Pará, com que os índios apellidão este
augusto rio, e que Val o mesmo que Pai das Águas” (Baena, 1969:22).

Outro fator que foi utilizado por portugueses como elemento de consolidação
na Amazônia esta ligada as missões religiosas. Para que isto fosse executado, a
governo português tomou algumas ações importantes como permitir a entrada em
terras amazônicas, diversas ordens religiosas (Sarney e Costa, 2004). Além do
mais, foram surgindo várias aldeias missionárias que posteriormente se tornaram
vilas e cidades.

“A área das missões ou “território das missões” foi dividida entre várias
ordens religiosas: carmelitas, franciscanos, mercedários e jesuítas, tendo sido a
distribuição territorial das missões entre essas ordens, regulamentada pela Coroa a
fim de evitar conflitos de jurisdição. Assim sendo, os jesuítas ficaram com o sul do
rio Amazonas até a fronteira com as possessões espanholas, abrangendo os rios
Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira; os franciscanos da Piedade, ficaram com a
margem esquerda do baixo Amazonas e centro de Gurupá até o rio Urubu; os
franciscanos de Santo Antônio, com as missões do Cabo Norte, Marajó e Baixo
Amazonas; os Mercedários com o vale do Urubú e os Carmelitas com o vale dos rios
Negro, Branco e Solimões” (Tavares, 2011: 110).

É preciso dizer ainda, que dentre estas ordens a que mais se fortaleceu
nesta iniciativa portuguesa de consolidar sua presença na vasta região amazônica
foi a dos jesuítas, pois eles promoviam a prática do descimento que consistia em
que esses missionários deveriam subir os rios chegando às aldeias indígenas e
trabalhavam no convencimento dos nativos para se estabelecerem nas missões
jesuíticas (Tavares, 2011).

33
Além dessas duas estratégias discutidas acima que contribuíram para a
consolidação Lusa na Amazônia do século XVII, temos que apresentar também a
expulsão de ingleses e holandeses que mantinha assentamentos em várias partes
desta rica região mantendo até mesmo postos fortificados nestas áreas. Sabendo
disto, o império português monta expedições militares contra esses assentamentos,
e em alguns deles, após algumas décadas, resolvem construir fortificações no
intuito de garantir a consolidação da Amazônia.

Sobre este assunto, Fortes (2000), faz uma interessante reflexão abordando
que na expulsão dos inimigos da coroa portuguesa de áreas Amazônicas no século
XVII, os lusitanos começaram a criar novos estabelecimentos militares, bem como
implantando missões religiosas.

Ainda segundo a autora, os ataques a assentamentos de outras potências na


região em questão, foram iniciadas em 1623, quando os portugueses tomaram o
forte de Marioca dos holandeses, onde mais tarde seria construído o forte de Santo
Antonio de Gurupá (Idem).

Sarney e Costa também abordam o assunto em questão dizendo que entre o


período de 1687-1688, várias fortificações foram construídas pelos portugueses
dentre as quais eles citam: sobre as ruínas do forte Cumaú, construídos por
ingleses na costa do atual estado do Amapá, resolvem edificar outro forte com o
nome de Santo Antonio de Macapá. (Sarney e Costa, 2004).

Outro forte construído por portugueses na costa amapaense foi o do


Araguari em 1646. Segundo Barreto (1958), sua construção é atribuída a Pedro da
Costa Favela, que o equipou com três canhões e vinte cinco soldados.

Assim, o projeto de Portugal para se consolidar e definitivamente garantir as


terras amazônicas estava lançado. Inicia-se então uma nova fase da história
política e das fortificações e assentamentos na Amazônia, no período Pombalino.
Neste período se reconhecia que as fortificações isoladas não seriam suficientes
para manutenção da região Amazônica. Portugal começa a incentivar a criação de
povoações, e manutenção dos novos colonos, além de construir a fortaleza de São
José de Macapá, consolidando desta forma a possessão portuguesa na região
(Castro, 1999).

34
As Fortificações em Foco

O Forte Inglês Cumaú (1632-1633)

Os ingleses estavam junto ao rio Amazonas construindo fortificações desde


os primeiros anos do século XVII. O primeiro forte construído por eles foi o Forte do
Torrego I, em 1612, que se localizava à margem esquerda do Amazonas, na
confluência do rio Anuerapucu, em frente à ilha de Santana. Após este forte foram
construídos a Casa forte do rio Felipe, em 1620, o Forte Torrego II e o Forte North,
ambos em 1629 (Castro, 1999).

Em 1632 uma expedição financiada por uma Companhia inglesa, presidida


pelo duque de Buckingham foi realizada. O objetivo desta expedição ambiciosa era
criar uma colônia, procurando estabelecer um assentamento inglês permanente, e
não uma simples Plantation com trabalho indígena como eram as demais incursões
inglesas da época (Lorimer, 1989). No comando dos colonos estava um marinheiro
profissional de Somerset, Capitão Roger Fry. Além do barco de 160 toneladas
denominado Barcke Andover, o conselho privado da companhia recomendou a
compra de cinqüenta peças de artilharia para proteção contra a invasão inimiga. Foi
enviado na primeira viagem gado para abastecimento da futura colônia. Não é claro
se também embarcaram famílias na viagem junto com Fry, mas haviam claros
planos de enviar mulheres e crianças posteriormente(Idem).

A bordo do Barcke Andover, Roger Fry, com mais dois patachos, chegou ao
Amazonas no final de 1631, descobrindo que o Fort North tinha sido destruído.
“Desanimado, ele enviou de volta para Inglaterra a Barcke Andover e um patacho,
permanecendo no local com apenas quarenta homens, em um sítio chamado de
Cumaú, próximo de Macapá” (Castro, 1999: 151).

O lugar denominado Cumau ou Cumahu ficava próximo à ponta denominada


Macapá, e próximo de dois outros assentamentos da Companhia das Guianas, na
altura destruídos pelos portugueses, em frente à chamada Ilhas dos Tocujos. Após
armar o local com sua artilharia os colonos começaram a plantar tabaco e cana de
açucar (Willlianson, 1923). Nenhuma bibliografia até agora consultada faz
referência á modificações estruturais do local que configurasse uma fortificação,
podendo o forte Cumaú ser mais um Forte de “Faxina”.

Depois de instalados ali, enfrentaram, segundo Castro (1999), grandes


dificuldades devido à política de terror instalada pelos portugueses que queriam
evitar que os índios ajudassem os estrangeiros a se fixarem nas terras do Cabo
Norte. Tal política fazia com que os indígenas não permanecessem e nem
ajudassem os ingleses, a ponto de alguns morrerem de fome (Idem).

35
A represália aplicada a mais essa tentativa de fixação no território, foi a
maior expedição até então organizada no Pará, de acordo com Castro. “Uma
companhia foi enviada na frente da força, para hostilizar o inimigo, e Feliciano
Coelho de Carvalho partiu com 140 colonos e 5.000 índios flecheiros, navegando
em 127 canoas”. Durante essa passagem, os portugueses fizeram um ataque
preventivo contra a nação Ingahiba ou Nhengaíba, para que eles não se juntassem
aos ingleses (Idem).

De acordo com Sarney, logo que alcançaram o forte, Feliciano Coelho


mandou Aires de Sousa Chichorro abrir umas trincheiras para consolidar o cerco ao
forte, em 9 de julho de 1632. Logo que aprontou os riscos da sua estratégia, deixou
no local dez soldados e todos os índios com o Capitão reformado Pedro Baião de
Abreu; “porém ele observando bem a insensibilidade do inimigo, os escalou tão
valorosamente naquela mesma noite de 9 de julho, que dentro de três horas de
combate lhe renderam as armas, julgando-se atacados (nas horrorosas
representações do seu desacordo) de todo poder do campo contrário” (Sarney,
2004: 76).

O comandante Roger Fry não se encontrava no Forte Cumaú na hora do


ataque, se ausentara para solicitar mais ajuda e tinha ido ao encontro dessa ajuda,
de 500 homens (a segunda parte da expedição). Esse reforço não apareceu e
enquanto estava retornando para o Forte seu barco foi capturado. Apesar de
algumas fontes portugueses consultadas afirmarem que Fry foi morto nesta
ocasião, documentos ingleses demonstram que Fry foi levado para o Maranhão e
mantido em um cativeiro bastante cômodo (Lorimer, 1989).

O que havia no forte Cumaú foi dado como despojo aos soldados
portugueses que participaram dessa investida ao forte em questão, e o restante da
estrutura do Cumaú, Feliciano Coelho mandou seus subordinados arrasá-lo (Baena,
1969). É a finalização de mais uma tentativa de instalação de feitoria inglesa na
costa do Amapá.

Após a destruição do Forte de Cumaú, os portugueses mantiveram esse local


como estratégico para a defesa do território e, posteriormente, construíram no
mesmo lugar a Fortaleza de Santo Antônio de Macapá (Idem).

O Forte Português de Santo Antônio de Macapá (1688-1729)

Após a destruição do Forte de Cumaú, o governo português ainda sentia a


necessidade de proteger seu território conquistado da invasão de outras potências
européias, bem como acabar com o comércio que estes exerciam com os indígenas.

36
Tanto que em 1685, segundo Castro, o rei de Portugal, D. Pedro II, enviou uma
ordem a Gomes Freire de Andrade, governador general do Maranhão (1685-1687),
para que ele verificasse a possibilidade de se construir uma fortaleza ou povoação
no Cabo do Norte (Castro, 1999).

Gomes Freire responde a carta deixando claro que “a fortaleza que se pode
fazer que melhor assegura estes sertões das invasões dos estrangeiros é na terra
firme, aonde chamam o Torrego”. Aceitando o aconselhamento de Freire, o rei
manda levantar a fortaleza no lugar indicado (Idem).

Com esta autorização o governador partiu, no ano seguinte, com uma


comissão para o Amapá, a fim de precisar o melhor sítio para a construção de
fortificações no Cabo do Norte, sendo um dos locais escolhidos o “sítio de Cumaú,
onde já esteve outra fortaleza, que as armas portuguesas ganharam aos ingleses”
(Idem: 159).

Quem traçou a planta do Forte de Santo Antonio de Macapá foi o engenheiro


Pedro Azevedo Carneiro e as obras ficaram sob a responsabilidade de Antonio
Albuquerque Coelho, então governador do Pará (1685-1690). Esse forte se
localizava a “duas léguas [c. 18 km] e meia da praça de Macapá e duzentas braças
[440 m.] da boca do Rio Matapi (Idem).

Reis (1949), expõe uma um fato muito interessante concernente ao término


da construção por seu responsável Azevedo Carneiro, que coloca as necessidades
que aquela obra militar necessitaria: Carneiro diz que a obra estava pronta e
possuía quatro peças de artilharia, ela possuía um fosso e possuía a forma de um
polígono com defesas para o mar, assim como para a terra. Além disso, tinha sido
fortificada ao moderno método dos lusitanos. Ele ainda explica que por ser a forca
das águas muito forte no local da construção deste forte, essas águas batendo
veementemente na barreira de terra onde estava erguido o Santo Antonio, poderia
ao longo dos anos derrubar esta fortificação. Por isso nesta carta direcionada ao rei
de Portugal, ele sugere que se construa um cais de Pedra “enssossa”, ou seja,
pedra solta. Além de estabelecer o local onde deveria ser construído o caís junto à
barreira onde foi erguido o Santo Antonio, e ele prevendo a necessidade da
construção do caís, já havia até juntado grande quantidade de pedras (Idem).

Outra informação importante que esta carta fornece, é sobre a quantidade


de armamentos que o dito forte português necessitaria para cumprir sua missão de
defesa. Sendo assim, era necessária uma vasta quantidade de armas entre canhões
e outros instrumentos militares para esta defesa (Ibidem).

37
É importante ressaltar também que nesta carta endereçada ao rei e que
expunha algumas sugestões do cuidado do forte recém-construído, há também
informações que descrevem a paisagem natural do lugar onde estava erguido o
forte Santo Antonio de Macapá. Para Azevedo que foi o escritor da carta o rei
deveria erguer um fortim na ponta de uma ilha que fazia frente com o forte de
Santo Antonio, pois como esse local ficava em uma enseada, o fortim poderia
avisar a guarnição que se encontrava no forte de Santo Antonio (Idem).

A construção desta obra levou muito tempo para ser terminada em


decorrência do tipo de material usado para sua estruturação deveria ser feita de
Cantaria, além da precariedade em encontrar mão de obra. Por isso ela só ficou
verdadeiramente pronta em 1695 (Castro, 1999).

Dois anos depois, em 1697, os franceses invadiram a região, com uma


grande esquadra e atacaram o Forte de Santo Antonio de Macapá. O comando
deste forte estava a cargo de Manoel Pestana Vasconcelos, juntamente com 20
soldados. Houve pronto rendimento, sem antes mesmo ter combate (Santos 1994).

A ocupação francesa se efetivou com uma guarnição de 43 oficiais e


soldados, além de um destacamento de índios, sob o comando do capitão La Torrée
(Castro, 1999).

A retomada do forte se deu a partir de iniciativa do Governador do Pará,


Hilário de Sousa de Azevedo (1690-1698), e Antônio de Albuquerque que
organizaram um corpo de cento e cinquenta índios flecheiros, com o comando a
Francisco de Souza Fundão, capitão de Gurupá (Baena, 1969).

Após retomado, este forte foi posteriormente abandonado, deixando de


atender as funções para o qual fora construído e começa a ficar arruinado. Segundo
Sarney, em outubro de 1738, o governador João de Abreu Castelo Branco escreveu
ao rei D. João V informando da situação em que se encontrava o Forte de Santo
Antonio de Macapá e pede licença para tomar providências (Sarney, 1999).

“Em carta régia de 9 de fevereiro de 1740, o rei mandara que fizesse, no


mesmo lugar onde construíra um pequeno reduto e instalara um destacamento, a
duas léguas e meia ao norte do antigo forte, um forte de faxina e terra, com uma
boa paliçada dobre e largueza capaz de recolher os moradores e guarnição”
(Sarney, 1999: 115).

Em 1765, Sarney continua, restavam apenas as trincheiras feitas no terreno,


na forma de um quadrado de cerca de sessenta metros, a que se teriam puxado as
pontas (Idem).

38
Depois de abandonada esse forte foi construída por volta de 1729, uma Casa
Forte na Ilha de Santana. Apesar do Forte de Santo Antonio de Macapá ser uma
grande fortificação defensiva, ela não possuía a localização privilegiada da nova
Casa Forte, além de já não atender mais as preocupações e novas políticas do
governo português. Devesse ainda destacar que, durante todo o tempo de sua
existência, apesar do novo nome dado ao local, correspondências européias ainda
tratavam o forte como “Cumaú”.

Inicia-se então uma nova fase da história política e das fortificações e


assentamentos na Amazônia, no período Pombalino. Neste período se reconhecia
que as fortificações isoladas não seriam suficientes para manutenção da região
Amazônica. Portugal começa a incentivar a criação de povoações, e manutenção
dos novos colonos, além de construir a fortaleza de São José de Macapá,
consolidando desta forma a possessão portuguesa na região (Castro, 1999).

Levantamento de Cartografia Histórica

A cartografia da região da Foz do Amazonas e da Guiana em geral é


extremamente rica. São mapas tanto de navegantes quanto de cartógrafos
profissionais que, por vezes mostram uma riqueza de detalhes, indicando o
interesse dos europeus na exploração desta região.

Com a facilidade de acesso à diversas fontes através de sites2 da Rede


Mundial de Computadores, a Internet, foi possível realizar uma pesquisa
aprofundada em fontes cartográficas à respeito do Cumaú e a Foz do Amazonas.

Deve-se ressaltar que, apesar da grande quantidade de mapas consultados


(129 ao total, todos que faziam referência à Guiana e rio Amazonas), apenas seis
deles faziam referência ao Cumaú.

São eles, em ordem cronológica:

 Carta da América de Clemendt de Jongue, datada de 1640. Nela é


possível visualizar a localização do forte Cumaú abaixo da linha do
equador e junto á margem esquerda de um rio, possivelmente o
Matapí. Há também, acompanhando a anotação de Cumaú, um

2
Entre os sites consultados estão
http://cartotecadigital.icc.cat/cdm/landingpage/collection/america
http://www.antique-prints.de e http://www.mapsofantiquity.com

39
pequeno desenho que possivelmente faz referência á uma igreja ou
fortificação. Esta carta, modificada para mostrar em detalhe a
localização do forte Cumaú esta no Anexo 01.
 Carta do Baixo Amazonas feita pelo padre Samuel Fritz, datada de
1689. Nela também é possível visualizar a localização do forte Cumaú
desta vez junto à linha do equador e junto á margem esquerda do rio
Matapí. Esta carta, modificada para mostrar em detalhe a localização
do forte Cumaú esta no Anexo 02.
 Carta do rio Amazonas feita pelo mesmo padre Samuel Fritz, é, no
entanto, datada de 1707. Nela também é possível visualizar a
localização do forte Cumaú junto à linha do equador e junto á
margem esquerda do rio Matapí. Esta carta, modificada para mostrar
em detalhe a localização do forte Cumaú esta no Anexo 03.
 Carta do Novo reino de Granada, Nova Andaluzia e Guiana, feita pelo
engenheiro M. Bonne, datada de 1780. Nela também é possível
visualizar a localização do forte Cumaú junto à linha do equador e
junto á margem esquerda do rio Matapí. Esta carta, modificada para
mostrar em detalhe a localização do forte Cumaú esta no Anexo 04.
 Carta Geral da Guiana, feita por N. Buache, datada de 1798. Nela
também é possível visualizar a localização do forte Cumaú, logo
abaixo da Vila de Macapá. Esta carta, modificada para mostrar em
detalhe a localização do forte Cumaú esta no Anexo 05.
 A última referência encontrada com a localização do Cumaú é a Carta
de Caracas e Guiana, elaborada por Pinkerton em 1818. Cumaú esta
descrito logo abaixo da localização de Macapá. Esta carta, modificada
para mostrar em detalhe a localização do Cumaú esta no Anexo 06.
 Por fim, foi possível obter uma planta da fortificação no Cumaú,
datada de 1765, quando ela já se encontrava arruinada. Esta planta,
pela data, não é a da fortificação original inglesa, e sim do forte de
Santo Antônio de Macapá, que continuou sendo denominado de
Cumaú. Esta carta encontra-se no Anexo 07.

40
PARTE II
RELATÓRIO FINAL DA

PESQUISA ORAL

Elaborado por:

Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo

Com a colaboração de:

Fabrício Ferreira | Auxiliar de Pesquisa em História Oral e Arqueologia Pública

Midiani Maciel, Esp. | Auxiliar de Pesquisa em História Oral e Arqueologia Pública

Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,


Graduando em História

Zeli Teresinha Company, Dra. | Pesquisadora, Arqueóloga Histórica

41
II. Relatório Final da Pesquisa Oral
A pesquisa desenvolvida pela equipe do Projeto de Pesquisa Histórica e
Arqueológica para Identificação do Forte Cumaú, como indicado no Projeto Básico,
esteve estruturada em uma base múltipla, que abarca a pesquisa em documentos
históricos, a pesquisa arqueológica em campo e laboratório, a avaliação
arquitetônica das ruínas, o registro cadastral da área e a pesquisa com os
moradores do entorno, a partir de uma perspectiva da história oral, com foco sobre
esta fortificação e suas ruínas. Aqui, apresentamos justamente os resultados da
pesquisa oral empreendida no bairro Igarapé da Fortaleza. Esta teve como principal
objetivo endereçar a questão da identidade da comunidade que mora no entorno
das ruínas, buscando registrar as formas de relação que estas pessoas mantêm
com a fortificação e sua história. Além disso, como sugerido no Projeto Básico, a
pesquisa de história oral também esteve atenta a indicações a respeito dos
vestígios materiais da área.

Para a realização da pesquisa de história oral, fizemos uso de duas


estratégias complementares para endereçar a questão do reconhecimento, pelos
moradores da área, das ruínas que ainda existem na área como vestígios de uma
fortificação histórica. Uma das nossas questões, ao realizar este trabalho, visava
justamente mapear o quanto os atuais moradores relacionam-se com as ruínas e
sua história, a fim de responder à problemática expressa no Projeto Básico sobre a
identidade desta comunidade em relação às ruínas.

Optamos, portanto, em realizar inicialmente uma pesquisa quantitativa,


elaborada na forma de um questionário de perguntas diretas e rápidas. Este
questionário foi aplicado em moradores dos diferentes setores da área, alcançando
um total de 198 entrevistados, que representam em torno de 3,5% da população
do bairro (de acordo com dados do Censo IBGE 2010 [IBGE 2010]). A partir deste
levantamento quantitativo, foi possível observar que o a existência de um forte na
área é conhecida por mais da metade dos entrevistados, ainda que nem sempre
seja conhecido seu local ou seu nome. Com estes dados quantitativos, podemos
traçar um perfil aproximado dos moradores do bairro a respeito de sua relação com
este patrimônio histórico, permitindo uma melhor contextualização das falas dos
entrevistados selecionados para compor a documentação oral.

A etapa qualitativa da pesquisa foi realizada através da seleção de


entrevistados-chave, que estivessem dispostos a contar sua história e suas
percepções a respeito da fortificação ou de suas ruínas. As entrevistas, usualmente,
foram realizadas com agendamento prévio, mas em função de alguns contextos
propícios também houve casos em que elas ocorreram sem agendamento. As

42
pessoas selecionadas para compor a documentação oral foram informadas sobre o
objetivo do projeto e firmaram Termos de Cessão de Direitos e Uso de Imagem, de
acordo com o termo padrão utilizado pelo IPHAN.

Ainda que os dados produzidos pelas duas estratégias (quantitativa e


qualitativa) sejam de naturezas absolutamente distintas, eles oferecem uma
complementação importante, em especial pela escassez de estudos sociológicos
nesta área, os quais poderiam nos fornecer bases mais claras sobre o perfil
populacional. Esta pesquisa, portanto, deve ser vista como uma primeira
aproximação nesta comunidade com foco sobre suas percepções a respeito do
patrimônio histórico e cultural representado pelas ruínas de uma fortificação militar
do século XVII. No entanto, há que se destacar que uma série de pesquisas
incipientes já foram realizadas na área a respeito desta fortificação, no entanto
nenhuma delas avançou sobre o tema específico de uma possível identificação da
comunidade com o forte.

A partir desta pesquisa, é possível perceber claramente que o sentimento de


apropriação sobre as ruínas remanescentes está lá, porém o histórico recente de
descaso com este patrimônio acabou por criar certa desilusão a respeito da real
transformação da área em um espaço de fruição público. Neste sentido, as falas
muitas vezes apresentam um misto de esperança e de desengano, como se o
esforço pela valorização histórica e cultural das ruínas estivesse esvaindo-se, ao
mesmo tempo em que a própria execução deste projeto surge como um novo
ânimo.

A identidade da comunidade com as ruínas, portanto, parece estar entrando


em um processo de velamento, o que fica tanto mais óbvio quando observamos a
situação atual das ruínas. Cercadas por um muro alto e um portão sempre fechado,
elas já não estão presentes no cotidiano dos moradores, estão ocultas, veladas pela
propriedade privada.

A partir da história oral, vamos buscar reconstruir este processo de


velamento, ao mesmo tempo em que buscamos desvelar as relações que os
moradores criaram com a história do forte. Neste sentido, aplicamos a história oral
a partir de uma perspectiva que pode “evidenciar as múltiplas, e seguidamente
contraditórias, concepções de patrimônio e identidade dos agentes envolvidos nos
processos de monumentalização de determinados bens culturais” (Schmidt 2011a:
9).

A estrutura deste relatório segue uma ordenação usual de pesquisa, com


uma apresentação inicial sobre os aportes teóricos e metodológicos utilizados. Em
seguida, adentra-se na apresentação dos resultados, primeiramente com a

43
pesquisa quantitativa, seguida então da análise das entrevistas gravadas. Nesta
parte, tivemos especial atenção em apresentar os entrevistados, buscando
contextualizar suas posições e relatos, além de justificar suas escolhas como
figuras importantes para esta pesquisa. Por fim, buscamos compor este conjunto de
conhecimentos orais em uma narrativa que contasse o histórico recente da área e
da própria identidade dos moradores em relação à fortificação.

44
Aportes para a pesquisa oral
A realização de pesquisas científicas com foco em testemunhos orais já é
uma prática institucionalizada há muitas décadas em diferentes áreas do
conhecimento. A antropologia, que tem nos relatos orais uma de suas mais
marcantes fontes de pesquisa, faz uso de técnicas de coleta e análise deste tipo de
fonte desde o fortalecimento das pesquisas etnográficas em campo, no final do
século XIX e início do XX. A história, desde meados do século XX, tem também se
voltado aos depoimentos orais como fontes de pesquisa, levando a
institucionalização da História Oral como um ramo importante da disciplina já na
década de 1970. Mesmo a arqueologia, tida como uma disciplina voltada para o
estudo da cultura material, ampliou mais recentemente sua área de atuação ao
abarcar relatos orais na produção de seu conhecimento.

Esta percepção da importância dos testemunhos de pessoas vivas sobre a


história, passada e presente, tem claramente ampliado não apenas as áreas de
atuação dos diferentes profissionais, como também expandido as possibilidades
explicativas sobre o passado e o próprio presente. Considerando aqui o eixo
temático do patrimônio cultural, o foco na oralidade, nas diferentes disciplinas, tem
apontado para a construção das memórias como meio de criação e fortalecimento
dos patrimônios, como estudos recentes têm demonstrado (p.ex. Lima Filho &
Bezerra 2006; Silveira & Cancela 2009, Schmidt 2011b).

No caso do presente projeto, o foco sobre as fontes orais tem como principal
objetivo estudar a percepção dos moradores no entorno das ruínas da fortificação
do século XVII sobre este patrimônio histórico, investigando suas relações com ele
e seu papel na formação de suas próprias identidades. Esta pesquisa oral, portanto,
baseia-se em uma trama entre patrimônio, memória e identidade. Como parte do
estudo de um processo histórico, estamos particularmente interessados nos
processos de apropriação desse patrimônio, nas formas como os moradores têm
construído suas histórias em relação à fortificação. Neste sentido, seguimos a
sugestão de Benito Schmidt (2011a) de que a história oral pode contribuir para
“(...) desnaturalizar os patrimônios, evidenciando sua condição de produtos de
interesses e conflitos sociais, ligados a projetos e contextos contraditórios, e, acima
de tudo, históricos” (p.9).

Através do uso complementar de dados quantitativos e qualitativos,


buscamos nesta pesquisa desvelar as relações que moradores têm construído em
relação à fortificação, em que sentimentos contraditórios convivem. Nosso intuito
não é oferecer um quadro fechado e definitivo, mesmo porque este é um processo
em andamento, mas sim buscar mapear os interesses, os conflitos e as aspirações

45
que os moradores do entorno têm em relação à fortificação. Em consonância com
isso, a partir de uma série de entrevistas gravadas também instigamos os
entrevistados a contar sobre a história do tempo presente na comunidade,
permitindo alcançarmos narrativas importantes sobre o crescimento urbano e o
afastamento da fortificação do convívio dos moradores.

Apesar de ser uma etapa complementar da pesquisa histórica documental já


desenvolvida pelo projeto, esta pesquisa oral não visa contrastá-la com a história
escrita. Como salientado por Marieta Ferreira, ambas têm especificidades distintas:

“A história [documental] busca produzir um conhecimento


racional, uma análise crítica através de uma exposição lógica dos
acontecimentos e vidas do passado. A memória é também uma
construção do passado, mas pautada em emoções e vivências, ela
é flexível, e os eventos são lembrados à luz da experiência
subsequente e das necessidades do presente”. (Ferreira, 1994: 8)
É neste sentido que esta mesma autora destaca que o campo das
representações torna-se um ambiente rico na pesquisa oral, já que a própria
subjetividade do relato, “as distorções da memória” (p.10) tornam-se um recurso
extra da pesquisa. Afinal, como também destacado por Verena Alberti (2003), é no
próprio ato de falar que as narrativas são construídas, que é dado um sentido à
memória, que a história do entrevistado é construída. Portanto, o que se espera de
uma pesquisa oral é absolutamente distinto daquilo que a história documental pode
oferecer. A imprecisão de datas, de personagens, de eventos deve ser vista como
reflexo da própria construção histórica individual, e torna-se tanto mais relevante
justamente por revelar os processos de escolha na construção das narrativas.

A partir desta perspectiva, nossa opções metodológicas para executar a


pesquisa oral buscam justamente registrar esta subjetividade inerente ao relato
oral. Para a definição de nossas estratégias, avaliamos primeiramente o perfil
básico da comunidade.

O Igarapé da Fortaleza, como é chamada a área da comunidade no entorno


da fortificação (claramente em referência a este patrimônio histórico), está
localizado no limite municipal entre Macapá e Santana. Na margem direita
(Município de Santana), existe uma maior concentração populacional, porém a
diferença é pequena. Segundo os dados do Censo IBGE 2010 (IBGE 2010), a
comunidade é formada por 5743 moradores.

Uma parte significativa do bairro está localizada em área de ressaca, com


alagamento sazonal ou permanente. A ocupação de áreas de ressaca em Macapá e
Santana é um fenômeno que tem início da década de 1980, intensificando-se no
início da década de 1990 com a chegada de migrantes de outros estados (Aguiar &

46
Silva 2003: 166). Levantamentos sócio-econômicos realizados na área indicam que
esta é uma área de urbanização desordenada, com saneamento básico precário,
resultando na poluição crescente do igarapé (Aguiar & Silva 2003; Cunha et al
2003; Cunha et al 2004).

A fim de obtermos um panorama mais amplo sobre a percepção dos


moradores locais a respeito da fortificação histórica, empreendemos uma pesquisa
quantitativa, com aplicação de questionários de perguntas diretas. O questionário
foi elaborado com foco sobre o tema da pesquisa, contando com as seguintes
questões (ver no Anexo 8 o questionário-padrão):

1. Há quanto tempo mora no bairro?


2. Sabe porque chamam este lugar de “Igarapé da Fortaleza”?
3. Já ouviu falar que existe uma fortaleza (ou um forte) por aqui?
4. Sabe onde fica essa fortaleza (ou forte)?
5. Sabe qual é o nome dessa fortaleza (ou forte)?
6. Já visitou o lugar dessa fortaleza (ou forte)?
7. O que acha que deveria ser feito nesse lugar?
8. Conhece outra pessoa que saiba sobre essa história?

Além das respostas, também foram registrados o sexo e a idade dos


entrevistados, permitindo o desenho de um perfil geral da amostra. Os
questionários foram aplicados em diferentes seções do bairro, a fim de obter uma
amostra mais representativa. Assim, os pesquisadores circularam pelas diferentes
áreas, nas duas margens do igarapé e da rodovia.

A maneira de abordagem foi a direta, geralmente na rua, mas houve ainda


abordagens em estabelecimentos de comércio e em algumas casas. Os
pesquisadores percorreram ruas e vielas do bairro, a fim de obter entrevistas não
apenas nas ruas principais. Os questionários foram aplicados por três
pesquisadores do projeto, resultando em um total de 198 entrevistas, o que
representa cerca de 3,5% da população do bairro.

Para a obtenção dos dados qualitativos, a estratégia utilizada focou na


realização de entrevistas temáticas com pessoas selecionadas. A opção por
entrevistas temáticas, ao invés de histórias de vida, deu-se em função do tema
específico que orienta o projeto: a relação dos moradores com a fortificação
histórica. Esta escolha foi pautada nas orientações de Verena Alberti (2005) a
respeito da realização de pesquisas em história oral.

Para a seleção dos entrevistados, fizemos uso de uma estratégia de


produção, trabalhando com uma colaboradora da própria comunidade. A professora

47
de História, Midiani Maciel, é moradora do bairro e trabalha como docente na Escola
Estadual Igarapé da Fortaleza. Ela finalizou em 2011 o Curso de Especialização em
Patrimônio Arqueológico da Amazônia, oferecido pela Universidade do Estado do
Amapá (UEAP), quando desenvolveu uma monografia sobre o potencial de uso da
arqueologia no ambiente escolar.

Quando demos início a este projeto, conversamos com ela sobre a


possibilidade de engajar a E.E.Igarapé da Fortaleza nas ações de educação
patrimonial. Além disso, no entanto, ela mostrou-se interessada em participar de
outras atividades na comunidade, e a pesquisa oral logo tornou-se uma destas
ações. O interesse de Midiani na história da fortificação remonta a alguns anos
atrás, quando finalizava a graduação e realizou entrevistas com os moradores mais
velhos para compor um trabalho de conclusão de curso (que acabou não
continuando). Como moradora do bairro, ela não apenas nos indicou pessoas a
serem entrevistadas, como ela ainda facilitou o acesso da equipe para a realização
das entrevistas, nos apresentando a diferentes famílias e contribuindo na realização
das entrevistas. A partir do interesse prévio desta colaboradora, a seleção dos
entrevistados foi facilitada, assim como a abordagem da equipe, que foi introduzida
por uma pessoa de confiança. Esta situação foi essencial para a obtenção de relatos
francos, em especial sobre a história recente de destruição e cercamento das
ruínas.

Após um mapeamento inicial de potenciais entrevistados, com foco em


moradores mais antigos da área, foi elaborado um roteiro de entrevista, que visou
instigar os entrevistados a falar sobre sua história como morador do bairro, suas
percepções sobre as ruínas, os usos que a área da fortificação teve, o processo de
interessar-se pelas ruínas, as transformações no bairro e expectativas sobre a área
das ruínas. Claro está que, justamente por serem entrevistas abertas, nem sempre
o roteiro seguiu uma ordem linear, cabendo aos pesquisadores retomar algumas
questões durante as entrevistas e mesmo incentivar relatos sobre outros temas que
se mostraram importantes para os entrevistados. Se lembrarmos que “testemunhar
não é apenas dizer o que viu ou ouviu, mas é também a construção de um discurso
sobre o factual” (Janotti 2010:14), o momento da entrevista deve ser entendido
como o local de produção deste discurso, e – portanto – deve ser um espaço que
permita ao entrevistado divagações, seguindo sua própria lógica de construção da
narrativa.

Para a realização das entrevistas, buscamos agendar previamente com os


entrevistados, que marcavam horários e locais que consideravam mais adequados.
Com isso, realizamos entrevistas não apenas na casa das pessoas, mas também na

48
casa de pais e mesmo sobre as ruínas da fortificação. Em alguns casos, os próprios
entrevistados pediam para realizar a entrevista no momento do primeiro contato,
demonstrando sempre muita disposição em falar sobre a história do bairro e da
fortificação.

Os relatos recolhidos, como mostraremos mais abaixo, permitem uma


reconstrução bastante rica da história recente da área, e apontam para questões
importantes a respeito de suas percepções da ruína e de sua importância para a
comunidade e para o Estado do Amapá.

49
Resultados

Questionários estruturados: dados quantitativos

Para a apresentação dos resultados, vamos iniciar analisando os dados


quantitativos, obtidos através da aplicação dos questionários estruturados. Como
mencionado mais acima, esta aplicação foi realizada de maneira a atingir diversas
porções do bairro, buscando criar um universo amostral que fosse representativo
da área.

Todas as pessoas entrevistadas são moradores do bairro, sendo este um dos


critérios básicos para a aplicação dos questionários. Outro cuidado foi realizar as
entrevistas com maiores de 15 anos, a fim de não distorcer os dados em faixas
etárias infantis.

Após a realização dos questionários, todos foram tabulados e receberam um


número individual, o que permite voltar ao questionário em casos de dúvida
durante a análise, garantindo maior integridade à base de dados final.

Quanto ao perfil dos entrevistados, houve uma maior frequência do universo


masculino, com um total de 125 homens (63%) e 73 mulheres (37%) entrevistados
(t: 198=100%). Quanto às faixas etárias, foram abordados indivíduos entre 15 e
84 anos de idade, agrupados em sete conjuntos de faixas etárias de 10 anos cada.
No gráfico abaixo se pode visualizar esta distribuição, sendo que aproximadamente
metade do grupo tem entre 15 e 24 anos de idade.

Distribuição por faixa etária


65 a 74 anos 75 a 84 anos

55 a 64 anos 15 a 24 anos

45 a 54 anos

25 a 34 anos

35 a 44 anos

Gráfico da distribuição dos entrevistados em questionários nos grupos de faixa etária (t:198).

50
De acordo com os dados do IBGE (2010), 60% da população do bairro
(considerando parcelas nos dois municípios) é formada por pessoas com mais de 15
anos. Ao compararmos nosso universo amostral com os dados do IBGE, podemos
observar que – no que tange as faixas etárias – nossa amostra é relativamente
representativa do bairro.

Na tabela abaixo, é possível observar os dois conjuntos de dados


comparativamente (dados do IBGE e da nossa amostra):

faixa etária População do bairro* % População entrevistada %


15 a 24 anos 1408 39 36 18
25 a 34 anos 893 25 67 34
35 a 44 anos 622 17 42 21
45 a 54 anos 351 10 28 14
55 a 64 anos 183 5 13 7
65 a 74 anos 121 3 7 4
75 a 84 anos 49 1 5 3
3627 100% 198 100%
Tabela comparativa sobre distribuição da população em faixa etária (*dados IBGE 2010).

Com exceção dos dois grupos de faixa etária mais baixa, em que nossa
amostra tem uma inversão, os demais grupos mantêm uma porcentagem similar, o
que fortalece a representatividade do universo amostral.

Apresentadas estas questões sobre o perfil da amostra e sua


representatividade, voltamos-nos agora para as respostas oferecidas
espontaneamente na aplicação dos questionários.

A primeira questão a observar refere-se ao próprio nome do bairro, “Igarapé


da Fortaleza”, e nosso intuito era avaliar até que ponto a população relaciona o
nome “Fortaleza” com as ruínas históricas. A pergunta era “Você sabe por que o
nome desse lugar é ‘Igarapé da Fortaleza’?”. Dos 198 entrevistados, 71 pessoas
responderam que sim, o que corresponde a pouco mais de um terço da amostra.

No entanto, quando perguntávamos se a pessoa já havia ouvido falar sobre


a existência de uma fortaleza na área, este número aumentou para 111 pessoas,
ou 56% da amostra. Este parece ser um indício de que a existência das ruínas não
é percebida como uma relação direta com o nome do bairro.

Quando perguntados se sabiam onde estava localizado o forte, quase 40%


dos entrevistados respondeu que sim. É interessante notar que destes
entrevistados, mais da metade deu a indicação precisa do local onde estão as
ruínas, e nenhum deles indicou outro local. Estes dados apontam que o

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conhecimento sobre este forte ainda tem raízes fixas na paisagem, o que parece
indicar que este sítio arqueológico ainda é um ponto de convergência das memórias
dos moradores.

Quando inquiridos sobre o nome desta fortificação, apenas 41 pessoas (21%


do total) afirmam saber esta informação. É interessante que quatro pessoas
associam o nome com a Fortaleza de São José de Macapá (ou Parque do Forte),
localizada no centro da cidade e reconhecida como um importante monumento
histórico do Estado. Não fica claro, neste tipo de questionário, se a pessoa de fato
confunde os dois locais, ou se está se referindo de fato à fortaleza de Macapá. De
qualquer forma, os demais entrevistados que indicaram um nome (36 pessoas)
afirmam que o local era o Forte Cumaú (com exceção de uma pessoa, que chama a
área de Forte Fortaleza).

A alta incidência do nome ‘Forte Cumaú’ indica a persistência de um nome


que está relacionado à primeira fortificação construída na área, por ingleses. É
interessante destacar que nas fontes históricas há o registro da construção de uma
fortificação portuguesa sobre o antigo Forte Cumaú, a qual os portugueses
nomearam de Santo Antonio. A persistência do primeiro nome, mesmo nas fontes
portuguesas, já era observada; no entanto, sua recorrência entre os moradores da
comunidade ainda não é totalmente clara. Algumas das entrevistas qualitativas
apontam para explicações sobre este nome, mas é um tema ainda a ser
investigado.

Quando perguntamos aos entrevistados o que deveria ser feito na área onde
está o forte, atualmente dentro de uma área privada, usada como porto de
desembarque de mercadorias, as respostas tenderam à manutenção da situação
atual. Quase metade dos entrevistados preferiu não responder à questão, o que
parece indicar que não há nada para ser feito. Entre a outra metade (103
entrevistados), 70 pessoas sugeriram mudanças que transformam a atual
propriedade privada em área de uso público, sendo que apenas uma não indicou
um uso voltado para lazer, turismo ou preservação histórica.

A última questão que destacamos aqui, a partir do questionário quantitativo,


refere-se à indicação dos entrevistados sobre outras pessoas que poderiam contar
sobre a história dessa fortaleza. Quase um terço dos entrevistados (63 pessoas)
sabia indicar outra pessoa que conhecesse o assunto. Destas indicações, surgiram
os nomes de 31 pessoas ou famílias, sendo que 21 foram indicados por uma única
pessoa, cinco foram indicados por duas pessoas, e cinco foram indicados por três
ou mais pessoas. Estes dados demonstram que o conhecimento sobre o forte ainda
parece estar disperso entre várias pessoas, indicando que ainda é um

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conhecimento coletivo, partilhado principalmente pelos mais velhos, como indicado
pelos nominativos de respeito utilizados em frente ao nome de muitos dos
indicados (como Dona ou Tia Fulana e Seu Fulano). Podemos considerar estas
pessoas como “detentores da tradição” ou “detentores do conhecimento”, o que
fortalece a ideia de que esta história tem ressonâncias no coletivo, com
disseminação em diversas parcelas da comunidade.

Apesar das óbvias limitações de uma pesquisa quantitativa como esta, o


apanhado de dados que foi possível obter oferece um panorama interessante sobre
a relação da comunidade com as ruínas da fortificação histórica. Ainda que o nome
do bairro, ‘Igarapé da Fortaleza’, nos parecesse um claro indício dessa relação, a
aplicação deste questionário permitiu observarmos que este nome parece já ter
“uma vida própria”, e a ‘Fortaleza’ não é tão claramente relacionada à ruína.

No entanto, quando insistimos no tema da fortaleza, inquirindo sobre sua


existência, uma parcela significativa das pessoas reconheceu sua existência, e
quase 40% dos entrevistados soube indicar onde ela estava localizada. Estes são
indícios fortes de que a presença das ruínas ainda é um marco no bairro, e neste
sentido podem ser vistas como parte da paisagem que constitui o Igarapé da
Fortaleza.

Deve-se ressaltar, no entanto, que uma parcela significativa dos


entrevistados afirmou que nada deveria ser feito na área ou absteve-se de
responder. Em um primeiro momento, estas respostas parecem indicar
desinteresse dos moradores em relação às ruínas. No entanto, como vamos
mostrar através das entrevistas qualitativas, este desinteresse pode ser um reflexo
de certo desânimo e acomodação com uma situação dada, qual seja, a propriedade
privada da área associada com um histórico de destruição e de afastamento das
ruínas, que estão hoje de fato fechadas à fruição pública. A luz dos relatos orais
que apresentamos a seguir, vamos buscar compreender melhor estes dados
quantitativos.

Relatos orais: entrevistas qualitativas

Para a apresentação dos dados sobre as entrevistas qualitativas,


primeiramente é preciso fazer uma apresentação das pessoas selecionadas para
compor esta documentação oral. Claro está que há sempre um universo bem mais
amplo do que aquele o qual podemos acessar, portanto há certamente pessoas que
não compõem nossa amostra neste momento, mas que poderiam fazer parte dela,
em especial pessoas que já não moram na localidade, dificultando nosso acesso. No

53
entanto, seguimos as orientações do Manual de História Oral elaborado por Verena
Alberti (2005), em que a autora destaca que “[a] escolha dos entrevistados não
deve ser predominantemente orientada por critérios quantitativos, por uma
preocupação com amostragens, e sim a partir da posição do entrevistado no grupo,
do significado de sua experiência” (p.31). Nossa busca, portanto, foi obter
entrevistas com pessoas de diferentes famílias que moram na área há bastante
tempo, além de registrar também depoimentos de pessoas que estiveram
diretamente envolvidas com as solicitações para a realização da pesquisa na área
(representantes da associação de moradores). Assim, do conjunto de entrevistas
realizadas, temos depoimentos de treze pessoas, que representam seis famílias.

Como destacamos mais acima, com o andamento da pesquisa arqueológica


e seu componente de educação patrimonial, com foco sobre arqueologia pública,
outros relatos já estão sendo registrados, com o fim de compor o relatório do
componente arqueológico do projeto. É possível que alguns destes relatos possam
contribuir para o aprofundamento de questões que levantamos neste relatório, e
neste caso serão incluídas na pesquisa oral para compor o relatório final do projeto.

É importante destacar que as entrevistas realizadas parecem oferecer já um


quadro bastante rico sobre a percepção dos moradores locais sobre as ruínas, e de
certa forma, considerando que são entrevistas temáticas, elas parecem alcançar
aquilo que em História Oral é chamado de “ponto de saturação” (Alberti 2005: 36-
37), ou seja, um momento em que as narrativas tornam-se repetitivas e pouco ou
nenhum conhecimento novo é oferecido. Foi por este motivo, associado com as
limitações temporais de um projeto deste tipo, que optamos por trabalhar com este
conjunto de narrativas para a elaboração deste relatório.

Apresentação dos entrevistados

O conjunto de entrevistados que compõem a documentação oral desta


pesquisa é formado por pessoas que representam seis diferentes famílias
moradoras da área. Neste momento, vamos apresentar estas pessoas a fim de
justificar sua seleção dentro deste projeto.

A primeira pessoa com quem conversamos foi o Sr. José Lobato, que
convidou sua filha, Rilene Lobato, a participar da entrevista. O Sr. Lobato foi
presidente da Associação Comunitária Esperança de Fortaleza há alguns anos,
quando enviou – em 2005 – uma solicitação à Sub-Regional do IPHAN em Macapá
inquirindo sobre o “tombamento do Forte Cumaú”. Segundo ele mesmo relata, uma
carta de teor similar também foi encaminhada ao Ministério Público Federal, o que

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resultou – em 2009 – em um Procedimento Administrativo Cível encaminhado ao
IPHAN para conhecimento. Foi, portanto, esta movimentação liderada pelo Sr.
Lobato que acabou levando à execução do presente projeto, tornando-o certamente
uma figura essencial para a pesquisa oral.

Sua filha, Rilene, é professora de História, e – seguindo os passos do pai –


também se interessou pela história da fortificação no bairro, tomando-a como tema
de seu trabalho de conclusão de curso, na graduação em História da Universidade
Vale do Acaraú. Sua participação na entrevista, a convite do pai, visava justamente
compartilhar os conhecimentos adquiridos em seus estudos.

O Sr. Lobato foi uma das pessoas mais citadas nos questionários como
referência sobre a história do forte, sendo reconhecido como um estudioso do tema
no bairro. No entanto, como chegou na área em um período mais recente que as
demais famílias entrevistadas, notamos alguns conflitos sobre a legitimidade de seu
conhecimento, o que aponta para disputas internas sobre essa história. Sua
chegada ao bairro ocorreu no final da década de 1980, vindo de Almeirim em busca
de melhores condições para criar os filhos.

Outro entrevistado que também esteve diretamente envolvido com este


processo de comunicar oficialmente autoridades foi o Sr. Benedito Pantoja, que
também fazia parte da Associação Comunitária na gestão de José Lobato. Ele
chegou ao bairro quando ainda era criança, há quase 50 anos, vindo do Afuá com
sua mãe e irmãs (o pai já estava fixado na área). Seu depoimento oferece não
apenas boas descrições das ruínas como também uma análise da conjuntura de
privatização da área.

A mãe deste entrevistado, Sra. Helena Pantoja, foi selecionada como


depoente por ser uma das senhoras pioneiras na ocupação da área, oferecendo
relatos detalhados da paisagem do bairro há cerca de 50 anos (década de 1960).

Outro entrevistado que também ofereceu análises de conjunturas político-


econômicas que levaram ao afastamento das ruínas foi o Sr. Joel Nepomuceno. Seu
pai, Raimundo Nepomuceno, é proprietário de um terreno lindeiro ao forte, e a
família toda tem memórias muito vivas da história recente do forte, tendo
testemunhado os sucessivos impactos que levaram à destruição de partes
significativas da estrutura. Além dos pais, Sr. Raimundo e Sra. Maria, e do filho
Joel, foi possível registrar as narrativas das filhas Arcângela e Joseja, além do filho
Arão, o único que atualmente mora afastado (em Florianópolis, SC). A vinda da
família, que saiu de Belém, ocorreu há cerca de 25 anos (final da década de 1980).
O Sr. Nepomuceno foi uma das pessoas citadas durante a realização dos
questionários.

55
Outros relatos importantes, que muito contribuem para a reconstrução das
ruínas anteriormente aos impactos recentes, foram fornecidos por dois senhores
que trabalharam por muitos anos em uma fábrica de palmitos que contém em seu
terreno parte da estrutura do forte. O Sr. Raimundo Alves do Nascimento e o Sr.
Joaquim Coutinho fazem parte da lista de referências indicadas durante a aplicação
dos questionários, e a pedido deles realizamos a entrevista em conjunto sobre as
ruínas do forte. A condição de trabalhadores na área onde está localizado o forte
lhes ofereceu um lugar privilegiado para acompanhar a história recente da
fortificação, nos oferecendo narrativas muito interessantes sobre o histórico de
impactos e mesmo sobre o período anterior. É importante destacar que o Sr.
Joaquim Coutinho é descendente do Sr. Nilo Coutinho, reconhecido por todos
entrevistados como o primeiro dono da área do forte e um dos primeiros moradores
do bairro.

Outra pessoa que ofereceu descrições detalhadas da área do forte, anterior


aos impactos, foi o Sr. José Elivaldo Pinheiro. Morador do bairro há cerca de 50
anos, ele lembra vivamente de como a área costumava ser, oferecendo um
importante relato descritivo que nos ajuda a compreender melhor a configuração da
estrutura da fortificação.

A partir deste conjunto de moradores, foi possível obtermos narrativas


variadas sobre a história recente da área, sobre a caracterização do bairro há
algumas décadas e sua expansão urbana, e – primordialmente – sobre as maneiras
como os moradores costumavam usufruir da área do forte e as mudanças que
decorreram com o cercamento da área. Estas narrativas permitem, portanto,
analisarmos como esta fortificação é vista pelos moradores e até que ponto ela
ativa memórias e identidades. Para lidar com este conjunto de narrativas, optamos
por discuti-las dentro de eixos temáticos, para posteriormente propor uma análise
do conjunto.

Os primórdios do bairro

Os relatos mais antigos que obtivemos parecem remontar à década de 1960,


e talvez um pouco antes. Com isso, conseguimos reconstruir a maneira como os
moradores viam essa região naquele tempo e como a percebem na atualidade,
sendo destacadas as profundas alterações que ocorreram ao longo do período.

Expressões como “não tinha nada” e “era tudo mato” foram recorrentes nas
falas de todos moradores mais velhos, que comparam com a situação de hoje: “isso
virou cidade”. Essa mudança de um ambiente de interior para um povoado urbano

56
traz certa nostalgia para os mais antigos, que lembram do tempo em que não era
preciso trancar a porta de casa, em que ninguém roubava, quando era possível sair
à noite sem medo. Entre os mais jovens, no entanto, o sentimento é que a situação
do bairro melhorou bastante, e a abertura de ruas é citada como uma melhoria
importante.

Nesta fala da Sra. Helena Pantoja também podemos observar esta postura:

“Era mato. Era mato. Era mato. Pensa que tinha gente como tem
agora? Só tinha aí na serraria porque era serraria e gente vinha
trabalhar. Nós que morávamos... eram três moradores. Uma desse
lado e duas do lado de lá. Aí pronto. Foram acostumando, foram
acostumando e pessoal vinha trabalhar aí. Foram chegando, foram
chegando e aí foram metendo máquina aqui e arrumaram máquina
pra meter ali na rua. Até que foi, foi e olha agora como está?
Quem viu o tempo quando nós chegamos pra cá, diz assim: Poxa,
que vocês já demoraram muito aqui. Isso aqui já está quase uma
cidade e tudo” (Helena Pantoja, 2012).

Como expresso nessa fala acima, as descrições deste período, em torno da


década de 1960, ressaltam a presença de apenas três moradores, ou três famílias.
No entanto, os diferentes entrevistados nem sempre convergiram nos mesmos
nomes, sendo que são citados os Coutinho, os Nascimento, os Monte e os
Rodrigues. A família Coutinho é reconhecida por todos como aquela que foi a
primeira a morar na área da fortificação, quando o Sr. Nilo Coutinho, já falecido,
estabeleceu sua casa na beira do rio.

Naquela época, não havia ruas, apenas caminhos que ligavam as casas e
levavam a outros povoados, como a chamada Serraria e o próprio porto de
Santana:

“Não tinha nada aqui, quando eu vim morar na Fortaleza tinha só


dez casas. Isso aqui tudo, não tinha nada, a gente brincava aqui.
Tinha um caminho que a gente varava pra Vila Amazonas aqui.
Isso tudo era matagal” (José Elivaldo Pinheiro, 2012).
Um aspecto interessante a se ressaltar sobre estes relatos dos primeiros
moradores é que a própria constituição do bairro aconteceu com pessoas oriundas
de outros municípios, caracterizando-o como uma área de ocupação recente e
fortemente migrante. Considerando os dados levantados por Aguiar & Silva (2003)
sobre o histórico de ocupação de áreas de ressacas nos Municípios de Macapá e
Santana, é possível relacionar o crescimento do bairro nos últimos 30 anos com um
processo mais amplo que ocorreu nos dois municípios, e que nos parece bem
refletido nas narrativas dos entrevistados. A percepção de que o “mato” virou
“cidade” perpassa todos entrevistados, refletindo uma transformação profunda da
área.

57
Já no que se refere a área onde estão as ruínas, a recorrência está em
salientar que o trânsito era livre:

“Era tudo aberto, depois que eles fizeram [o muro], depois que
venderam para uma empresa Arnave. O pessoal vinha, era tudo
aberto, vinham tomar banho de rio aqui” (Arcângela Nepomuceno,
2012).

“Aqui é, num tinha muro, a terra vinha até aqui mais ou menos, aí
já vinha diminuindo por causa das casas que já iam sendo
construídas. Era só árvores, aqui tudinho. Aí, pra você ir pro rio,
tinha uns caminhozinhos que você ia descendo por debaixo das
árvores, subia a montanha pra depois descer pro rio” (Joseja
Nepomuceno, 2012).

A ausência dos muros relatada serve como oposição à situação atual, em


que o terreno encontra-se cercado com muros altos e um grande portão de ferro.
Esta oposição tornar-se-á ainda mais clara quando analisarmos os relatos sobre o
histórico de destruição do forte e de rompimento no acesso público à área. Por
hora, ressaltamos o quanto os moradores percebem a transformação do bairro
como um processo verdadeiramente de urbanização, de uma área que era
considerada “interior” e que resulta na atualidade em “cidade”.

Sobre o nome da fortificação

Através das entrevistas, foi possível mapear a maneira como os moradores


referem-se à fortificação. Lembramos aqui que os dados quantitativos apontaram
quase exclusivamente um único nome: Cumaú. Os dados qualitativos, obtidos nas
entrevistas, tendem a reforçar este nome, no entanto alguns entrevistados também
fazem referência ao nome de Forte Santo Antonio, como nos explica o Sr.
Raimundo Nascimento: “Por que isso aqui tem dois nomes, né? Tem o Forte Cumaú
e também tem Forte Santo Antonio. Historicamente tem esse nome”.

É interessante destacar, no entanto, que o nome Forte Cumaú é conhecido


de todos, enquanto Santo Antonio foi citado apenas pelo Sr. Raimundo Nascimento,
o Sr. José Lobato e por sua filha, Rilene Lobato. Os outros entrevistados não
reconheciam este nome, e em alguns casos sugeriam que deveria ser em outro
lugar.

Ainda que não tenhamos conseguido mapear com precisão de que forma
este nome chegou à comunidade, há algumas sugestões interessantes. Os
moradores mais antigos remetem o uso do nome aos pais ou pessoas mais velhas:

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“(...) quando nós se entendemos, aí meus pais foi começando a
explicar pra nós: E olha, quando eu cheguei pra cá isso aqui já
existia, isso é o forte Cumaú, isso é a Fortaleza (Joaquim
Coutinho, 2012).

“Sempre sabia que isso aqui era o Forte Cumaú, todo mundo aqui
sabia que era o forte, sempre soube” (José Elivaldo Pinheiro,
2012).
No entanto, outra versão é sustentada pelo Sr. José Lobato e sua filha. Ele
faz referência a uma linha de ônibus que ligava o bairro à cidade de Macapá, e que
tinha como nome Cumaú. Ele ficou curioso com este nome e acabou ouvindo, em
um programa de rádio, uma entrevista com o historiador Nilson Montoril, que lhe
ofereceu uma explicação.

“Falou no rádio esse negócio do Cumaú, que era... começou a falar


no rádio aí. Aí eu fiquei atento no rádio, que era um forte, que era
uma fortaleza, porque o Igarapé da Fortaleza... Aí começou a falar
isso aí, ele fala muito, aí eu comecei segurar aquelas palavras
deles, aí o pessoal fazia pergunta pra ele e ele falava. Que era a
fortaleza, Forte Cumaú. Não era, porque o nome mesmo era Forte
do Cumaú, por isso que eu peguei esse nome aí, Forte do Cumaú,
mas era Forte Cumaú que eles chamavam, inclusive a empresa era
Cumaú. Aí eu me interessei por aquilo, todo dia ligava o rádio e
ouvia ele falar, e o pessoal perguntando, perguntando pra ele:
‘Professor...’, e ele respondia, ele tem conhecimento, não é um
conhecimento pleno, como eu acho que ninguém tem aqui esse
conhecimento pleno” (José Lobato, 2012).

Para Rilene Lobato, foi seu pai quem trouxe para a comunidade a utilização
do nome Cumaú, pois antes dele começar a se interessar por esta história,
ninguém falava sobre o forte.

Esta discordância de versões parece, no último caso, estar relacionada com


o próprio histórico que o Sr. Lobato vem construindo como verdadeiro ativista na
causa do Forte Cumaú. Vindo de Almeirim, onde acompanhou o processo de
valorização de uma fortificação, empreendida pelo prefeito local, ele vislumbrou na
fortificação do bairro a possibilidade de valorizar a área como havia visto no Estado
do Pará. Seu interesse na história da fortificação esteve, portanto, sempre atrelado
a uma expectativa de proteção e valorização, e seu empenho trouxe claramente
reconhecimento no bairro. A existência de algumas disputas sobre quem seriam os
verdadeiros conhecedores da história não chega a criar conflitos no bairro. Mas é
bastante claro que o nome Forte Cumaú tem um reconhecimento amplo na
comunidade.

59
Descrições do forte e sua história

Considerando a diversidade dos entrevistados, é interessante observar a


maneira como eles descrevem o forte, como se referem à estrutura e como
explicam sua história. Os relatos, neste sentido, oferecem um panorama
interessante sobre a percepção dos moradores a respeito da estrutura física e de
sua posição nos seus universos simbólicos.

Uma vez que os relatos são bastante ricos nestas descrições, optamos aqui
em fazer uma separação, criando um item específico apenas para lidar com as
narrativas sobre a destruição da estrutura e de seu processo de fechamento em
uma propriedade privada. Desta forma, nesta primeira parte, vamos nos deter na
exposição dos detalhes de como era a estrutura antes dos impactos mais recentes.
Nestes relatos, também são feitas algumas referências a materiais históricos e
arqueológicos que foram encontrados na área, enriquecendo ainda mais as
descrições, e fornecendo informações importantes para a caracterização do bem
patrimonial.

Vamos iniciar observando a maneira como a estrutura do forte é descrita. Os


relatos convergem em descrever a área como um lugar aprazível:

“Era muito bonito isso aqui. Era um negócio muito, muito bem
organizado” (Raimundo Nascimento, 2012).

“Isso aqui era muito bonito, era muito maravilhoso” (José Elivaldo
Pinheiro, 2012).

Muitos dos entrevistados, que passaram parte de suas infâncias no bairro,


descrevem a área como um local onde as crianças brincavam. Além de tomar
banho de rio, são descritos momentos de pesca, subir em árvores, colher frutas
(especialmente cutite) e mesmo escorregar nas ladeiras formadas pelas paredes da
fortificação. O Sr. José Elivaldo Pinheiro lembrou ainda que “o pessoal da ICOMI”
(grande empresa de mineração de manganês que tinha sua base em Santana)
costumava visitar a área nos finais de semana, como se fosse um pequeno
balneário. Estas descrições apontam para um uso voltado para o lazer. Em alguns
casos, insistimos em questões sobre o uso portuário da área, buscando mapear
como o local tornou-se um atracadouro. Nestes casos, as respostas negavam esse
uso, salientando que não havia sequer movimento para a chegada de barcos na
área.

Um ponto que é ressaltado pelos entrevistados é a presença das


“montanhas”, em referência à altura da própria estrutura da fortificação. Todos

60
foram unânimes em ressaltar que costumava ser mais alto, e destacam ainda a
dificuldade que era cruzar sobre estas barreiras. O Sr. Benedito Pantoja descreveu
a área assim: “Então esse forte lá ele tem uma ribanceira alta, tipo recortado com
uma máquina, e ainda existe lá”. É interessante esta comparação com o trabalho
de uma máquina, em função da característica de ser reto e plano, algo que já não é
possível observar nos vestígios existentes hoje.

Quando ao formato que a estrutura tinha, a referência parece ser à Fortaleza


de São José de Macapá, mas alguns entrevistados referem-se apenas a uma forma
quadrada. No trecho abaixo, podemos observar estas descrições sobre a estrutura,
e novamente o destaque para paredes retas e “bem preparadas”:

Joaquim Coutinho: Dava, pra ver tudo. Era uma fortaleza, tipo
uma fortaleza.
Raimundo Nascimento: Maravilhosa.
JC: Esse canto aí é muito bem preparado.
RN: Esse cantinho aqui que a gente pode ver a formatura como é.
Essa parte que tá cavada aqui, foram eles que cavaram, isso tudo
era bem certinho muito bonitinho.
(...) Isso aqui foi, aquele pedaçinho já foi construído. Aqui tem
uma parte do desenho como era tudinho. O forte.
(...) Olha, aqui, aqui que tou dizendo, aqui que era as valas, né?
Que dividia o Forte.
(...) E então só tinha uma entrada, a que a gente entrava pra cá
pra dentro do Forte que era por lá. Aqui era tudo assim, num tinha
entrada de nada.
(...) É porque num podia subir. É muito alto né? Só tinha dela pra
cá. Aí quando eles diminuiu, quando ele meteram máquina, a
primeira coisa que eles fizeram foi abrir tudo e tirar. Porque em
cada, em cada um canto desse era assim. Como tá aqui ó. Tem
esse aqui e aí vai um pra lá e aí vai outro pra lá. Tinha até fechar.
Era assim que era.
Mariana Cabral: E essas valas, sempre existiram, tavam aí?
RN: Tava ora, era, era o marco do Forte.
(...) Olha, essas valas, essas valas que vocês estão vendo aqui,
fizeram a vala pra fazer a parede.
JC: Era a da Fortaleza.
RN: A parede que era pra fazer como era a de Macapá. Essa valas
daqui num era...
JC: Ficou tudo pronto. Todas elas.
RN: Já escavavam as valas já pra levantar o concreto.
JC: Concreto não, naquele tempo era pedra.
RN: Era pedra. (Joaquim Coutinho & Raimundo Nascimento, 2012)

61
O que observamos é que a estrutura parecia estar bem conservada,
conformando um modelo geométrico com cantos bem marcados. Além disso, na
parte de fora, valas eram visíveis. É interessante ressaltar que os vestígios da ruína
que ainda podem ser vistos hoje são justamente de um dos cantos da estrutura e
parte da vala na sua porção externa. A partir destes vestígios, os entrevistados que
gravaram seus testemunhos na área do forte indicaram a continuidade das paredes
e onde estavam localizados os outros cantos do forte. No trecho abaixo, o Sr. José
Elivaldo descreve como era a estrutura:

“Era esse formato, só que era fechado, só tinha uma entrada lá na


frente. Era bem mais alto. A gente era moleque e pegava casca de
madeira pra escorregar a bunda aqui, era bem mais alto. Isso aqui
era muito bonito, era muito maravilhoso. (...) Essa vala, ela vinha
desde, vamos supor, ela corria tudo. A montanha era fechada,
tinha uma entrada lá e daí saía já dentro d´água. Era quadrado.
(...) Era tipo como tava aqui, essa ponta, era bem reto. As
pessoas [vão] subindo e vai quebrando, mas ela ia reta a ponta,
tipo o formato da fortaleza mesmo, o mesmo formato” (José
Elivaldo, 2012).

No trecho acima, destacamos a referência à “entrada”, que não foi citada


com clareza pelos outros entrevistados. Esta descrição, no entanto, confere com a
única imagem histórica desta fortificação, em que é representada por uma forma
próxima a um quadrado com uma única entrada na porção oposta ao rio (ver
Relatório de Pesquisa Histórica do projeto, em que esta imagem está inserida).

Ainda sobre as descrições, um aspecto interessante é a referência a certa


incompletude da estrutura, como se sua obra não tivesse de fato sido terminada.
Expressões como “eles fizeram só a escavação que era pra construir a Fortaleza e
então ficou só esse retrato aí” (Raimundo Nascimento, 2012) utilizam um tempo
verbal de um passado incompleto. Esta é uma questão interessante sobre a própria
percepção dos moradores sobre estes vestígios, em que esta incompletude também
indica um passado que poderia ser diferente, mas que não chegou a acontecer.
Como vamos mostrar abaixo, ao entrar nas visões da história deste lugar, este
tema é recorrente, apontando para a ideia de que a Fortaleza de São José de
Macapá seria construída no Igarapé da Fortaleza, mas não o foi.

Vejamos este trecho da entrevista com o Sr. Raimundo Nepomuceno:

Mariana Cabral: Então quem primeiro construiu aqui?


Raimundo Nepomuceno: Conta a história que foram os franceses.
MC: Como os franceses foram embora, o senhor sabe essa parte
da historia?

62
RN: Isso eu não sei, mas eles foram para Macapá. Foram construir
a fortaleza.

O Sr. José Lobato também faz esta relação entre o Forte Cumaú e a
Fortaleza de São José:

(...) [o] Mendonça Furtado, que era presidente, governador do


Grão Pará, aí veio pra cá, pro Amapá, então veio pra cá, pro Forte
do Cumaú, Fortaleza de São José. Mas tudo se resume numa
história só, porque a fortaleza foi construída com a Fortaleza de
São José, essa aí foi construída mesmo, porque até hoje tá lá.
(José Lobato, 2012. Grifos nossos)

Nestes dois trechos podemos perceber essa relação de continuidade entre o


Forte Cumaú e a Fortaleza de São José, em que o primeiro é deixado para trás, e a
última é vista como a referência real de fortaleza: “foi construída mesmo”. Ainda
mais claro é o seguinte trecho da entrevista com Raimundo Nascimento e Joaquim
Coutinho:

Raimundo: Ela [Forte Cumaú] ficou pronta, ela só não ficou


pedrada, mas ela ficou.
Joaquim: Só escavagem.
RN: de primeiro só escavagem
JC: Aí não tiveram jeito, pegaram em Macapá e largaram.
RN: Tinha muita história, né? Uns diziam que a fortaleza ia ser
aqui.
JC: O cara veio de lá e é Igarapé da Fortaleza.
RN: e depois eles acharam que melhor seria lá... aí parou aqui e
foi feito lá.

Ou ainda:

“Como eu lhe falei, foi o início de uma fortaleza. Eles fizeram aí,
viram que não, que o porto não era propício, que batia muito na
parte baixa do rio, daí foram procurar pra lá, daí fizeram pra lá,
daí mudaram” (Benedito Pantoja, 2012).

“Eles falavam que isso aqui era pra tomar de Macapá, né? Que
todo navio que chegava enxergava. O forte ia ser aqui.
(...) O que esse senhor [Nilo Coutinho, um dos primeiros
moradores da área do forte] falava para nós é que antes foi
construído aqui, depois Macapá. Mas não deu certo porque a visão
aqui não era tão boa, nem terminaram aqui e foram pra Macapá”
(José Elivaldo Pinheiro, 2012).

63
“Na época, quando eu participei, quando eu engajei na equipe de
trabalho aí, a gente ainda percebia as montanhas completas ainda,
modelo fortaleza, que nem a de Macapá. Porque o projeto que eles
queriam [era] fazer aquela fortaleza como foi feita em Macapá e
esta seria a segunda fortaleza, Forte Cumaú, devido a essa ilha
que tem bem na frente aí, que não tem a visão, os navios
poderiam vir por trás, né? E pegar de surpresa aqui, a frente de
Santana, né? Então eles colocariam uma segunda proteção. Seria
feito o Forte Cumaú que não foi feito não sei porquê.” (Joel
Nepomuceno, 2012).

Este conjunto de relatos convergem na percepção de que o Forte Cumaú


teve uma história abortada, e que a fortaleza que de fato entrou para a história é a
Fortaleza de São José de Macapá. Este é um tema bastante interessante e parece
estar relacionado com a própria natureza da construção das duas estruturas. As
características da fortificação no bairro apontam para uma construção de terra (“ela
não ficou pedrada”). O que parece acontecer é que os moradores, ao fazerem a
comparação entre as duas estruturas, vêm na Fortaleza de São José o modelo
ideal, encontrando na estrutura do bairro tudo aquilo que lhe falta. É na ausência
de elementos que se constroem narrativas da incompletude: um forte que não foi
feito, um forte que não deu certo, um forte inacabado. Neste sentido, é uma
história que não aconteceu, mas que ainda divaga na memória coletiva: a ideia de
que “a fortaleza era pra ser aqui” parece carregar junto o potencial do próprio
bairro em tornar-se Macapá, a capital do Estado.

Indicações sobre vestígios materiais

Para além das descrições de como a estrutura se caracterizava, com suas


altas barreiras, uma vala circundante e uma pequena entrada no lado oposto ao rio,
através das entrevistas qualitativas algumas outras evidências também foram
indicadas. Vale ressaltar, no entanto, que durante as visitas na área a equipe
observou muitos fragmentos cerâmicos dispersos em várias áreas nas ruínas e nos
seus entornos. Estes fragmentos, no entanto, dificilmente eram percebidos pelos
entrevistados como vestígios da fortificação, e parecem ser entendidos como
vestígios naturais.

Apenas um entrevistado, o Sr. José Elivaldo Pinheiro, fez referência a potes


de cerâmica: “Esse meu padrinho [Sr. Nilo Coutinho] achava umas coisas, tipo
umas vasilhas de barro que tinha dois bicos, ele achava e mostrava pra nós”.

Alguns entrevistados relatam a existência de canhões. O Sr. Raimundo


Nepomuceno e sua filha Josefa afirmam que os canhões ficavam virados para o rio,

64
e seriam “um ou dois”. Já o senhor Benedito Pantoja, descreve ainda a presença de
tijolos:

“Então esse forte lá, ele tem uma ribanceira alta, tipo recortado
com uma máquina, e ainda existe lá. Então tinha dois tubo de
canhão lá, e tinha resto de tijolo, de um tijolo que não é visto por
aqui. Um tijolo assim mais pequeno, tijolo assim meio estranho,
bem grosso, estreito e tinha uma boa parte assim, tipo um metro,
metro e meia. (...) como se começaram a fazer um muro e não
conseguiram terminar, daí eles pararam com a obra. Deixaram
esses vestígios aí, tubo de canhão e esse muro aí” (Benedito
Pantoja, 2012).

A descrição dos tijolos se parece muito com as chamadas “tijoleiras”, um


material construtivo que ainda pode ser encontrado no entorno e sobre as ruínas.
Já os canhões, devem ter sido removidos, pois já não há vestígios da sua
existência. Além disso, há referências esparsas ao achado de ferramentas quando
as máquinas trabalhavam na terraplenagem, mas ninguém sabe descrever este
material.

A história de destruição do forte

Podemos perceber entre os diversos entrevistados que a história recente da


fortificação é associada com um afastamento progressivo das ruínas. Se nas
descrições do tempo em que chegaram ao bairro, ou quando ainda eram crianças,
os entrevistados destacam a beleza do lugar, no tempo recente as descrições
tornam-se tristes, sofridas até. Os relatos sobre os impactos sofridos nesta
fortificação ajudam a reconstituir a situação atual das ruínas, que representam
talvez menos de 25% da estrutura original.

Através dos relatos é possível perceber que a destruição do forte foi


observada à distância pelos moradores, que parecem ter ficado sem reação. Ao
narrarem esta história, é possível sentir uma espécie de remorso, como se a
ausência de resistência na época tenha permitido a própria destruição. Neste
sentido, algumas falas soam como pedidos de desculpa:

“Ninguém fez nada, porque na época a gente era leigo. Não


tínhamos o conhecimento que a gente tem hoje. Se a gente
tivesse, teríamos ligado e avisado” (Arcângela Nepomuceno,
2012).

“Na época, acho que vieram fazer é derrubar, tirar, então como eu
falei, a gente não tinha quase conhecimento, a gente era leiga,
não é? Não tinha essa mentalidade que hoje em dia temos, que se

65
hoje em dia fosse acontecer isso, a gente ligava, denunciava, acho
que na época não tinha nem telefone público aqui” (Joseja
Nepomuceno, 2012).

“Foi feito um trabalho de abertura na montanha, que a abertura


que tinha era muito estreita, dava pra passar pessoa, mas como
era pra passar veículo grande, daí teve que abrir. Então foi
colocado trator, foi tirada a terra. Na época a gente não tinha
muita noção, esse sentido” (Joel Nepomuceno, 2012).

Estes três depoimentos acima são bastante significativos, especialmente


porque são pessoas de uma mesma família que moram justo ao lado da
fortificação, e que – portanto – acompanharam no seu cotidiano as transformações
da área. Como lamenta Josefa, sobre a situação atual: “Se quiser sentir saudade é
só vim aqui em cima e ficar olhando. Sem tocá-lo”, fazendo referência à vista que
tem dos altos de sua casa. O forte, que costumava ser uma extensão do pátio de
sua casa, está agora afastado, “só na saudade”, para ser visto de longe.

Esta idéia do afastamento é recorrente, e expressões como “isolado”,


“restrito”, “sem acesso”, “fechado” e “privado” são usadas para caracterizar a
situação atual. Este processo de fechamento, no entanto, é expresso dentro de
uma lógica capitalista, em que o poder econômico rege o mundo:

“Depois fecharam. O pessoal quando tem dinheiro faz as coisas e


isola você de tudo” (José Elivaldo Pinheiro, 2012).

“Quando a gente chegamos, já tinha tudo uma estrutura de uma


fortificação, parecia que ali tinha indícios de uma fortificação. Em
ruínas, mas tinha, para que a gente pudesse ver, mas era uma
propriedade particular, foi vendida para outros donos, de dono
para dono. Aí passou para uma empresa de balsa, aonde o dono
dessa empresa era dono também do monopólio da cerveja aí no
Estado, tinha recursos econômicos, coronel, dono da situação.
Então, por isso, deve ter pago um imposto de bom tamanho, que
eu não sei, para ele poder usufruir daquela história e quebrar”
(José Lobato, 2012).

“O dinheiro é uma coisa, o cara vem de fora e ‘eu dou tanto, eu


pago tanto, eu quero isso e aquilo’ e pronto. Dinheiro só não
compra salvação. O resto tudo é com dinheiro” (Joaquim Coutinho,
2012).

Neste sentido, a frustração pela destruição do forte é amainada por uma


lógica em que o poder econômico domina, criando um fluxo de acontecimentos que
dificilmente poderia ser alterado. Como expresso pelo Sr. Benedito Pantoja: “Aí o

66
Seu Lobato falou que queria preservar aí, mas não tem como, as empresas vieram
aí tomando conta”. O poder econômico, neste contexto, está sempre acima do
interesse histórico na preservação de um bem cultural.

Quando relatam sobre o momento de destruição do forte, alguns


entrevistados associam algum tipo de relação entre esse poder econômico e o
poder político. São feitas menções genéricas a governantes e autoridades que
deveriam saber sobre o que estava acontecendo. Esta é uma sugestão muito clara
de que a responsabilidade sobre o patrimônio histórico recai no poder público, ao
mesmo tempo em que demonstra uma ideia de que esse poder público tem ciência
sobre a fortificação (mesmo que não tenha demonstrado esforços em preservá-la).
Os moradores, neste sentido, colocam-se em uma posição passiva, quase
submissos, como se o poder de agir na proteção desse bem lhes escapasse.

O processo de destruição da fortificação parece ter sido rápido. Ainda que


impactos anteriores já houvessem acontecido, houve um momento específico em
que máquinas e caçambas foram levadas para a área para terraplanar o terreno e
construir um desembarcadouro. Este momento é associado com a pessoa que é
apontada como atual proprietário da área, Roberto Rodrigues.

“O pessoal que vendiam lá, o Seu Nepomuceno comprou aquele


terreno lá, o pessoal vendiam assim, pra eles não tinha valor de
nada. Vendiam... até o forte venderam lá... o Arnave, venderam...
Não sei quem vendeu pro Chagas, porque quando eu cheguei aqui
[o proprietário] era o Chagas, aí ele vendeu pro Arnave, o Arnave
vendeu pra Dabel. Porque eles não mexeram nada lá no forte, eles
não mexeram nada. Eles encostavam de pé, tiravam o material
dele com a maior dificuldade, mandavam o carro, o carro ia lá
próximo... tinha cimento, tudo que eles traziam era assim. Foi o
Roberto Rodrigues que fez a rampa pro carro entrar dentro da
balsa, então você encosta o carro e vai lá, por isso que ele fez
isso. (...) Era um top tipo assim uma montanha, aí ele meteu o
trator e derrubou tudo, possivelmente no passado tinha alguns
canhões, que eu não sei, não cheguei ver, aí quebrou ali para
rampar, pra fazer o posto, o posto de embarque e desembarque
da cerveja, aí quebrou, rampou, fez a terraplenagem e
pavimentou, asfaltou, deixou um porto. Ele transferiu de um forte
um porto, que é o que você vê hoje” (José Lobato, 2012).

“Isso aqui era muito bonito. Na época era um deserto, tinha umas
dez casas só. Depois foi enchendo de população, foi enchendo.
Mas nunca destruiu como destruiu com esse Roberto Rodrigues.
Ele tirou tudo de uma vez” (José Elivaldo Pinheiro, 2012).

Nas descrições, o uso da área como um porto de desembarque parece


remontar ao proprietário Chagas, e certamente foi utilizado com esse fim durante o
tempo da empresa Arnave. No entanto, foi mais recentemente que os impactos

67
profundos aconteceram, com a terraplanagem da área, quando tratores e caçambas
foram usados para remover as grandes quantidades de terra. Os impactos, no
entanto, não acabaram aí:

“Uma época dessas veio um pessoal de Brasília e falaram tudo


mais e depois sumiram, eles disseram que iam pegar de volta,
porque isso era patrimônio histórico federal. Quando eles vieram
ainda não estava feito esse galpão, tá com quatro ou cinco anos
construído. Para fazer o galpão fizeram escavação. Então a terra
ainda tinha até metade. Fizeram uma ponte de concreto”
(Arcângela Nepomuceno, 2012).
A construção deste galpão foi seguida da construção de um muro dentro da
vala que circundava a fortaleza. Esse muro foi construído pela empresa King of
Palms, que faz limite com o terreno do forte. De acordo com o proprietário, com o
qual não conseguimos gravar uma entrevista, ele mandou construir o muro para
proteger sua propriedade, receoso que uma próxima construção adentrasse seu
terreno.

Expectativas sobre as ruínas

Um último tema que destacamos do conjunto de entrevistas qualitativas


refere-se às expectativas que a comunidade têm sobre o futuro desta área. É
interessante lembrar que o poder público é visto, neste contexto, como o principal
agente para uma mudança, sendo reconhecido como responsável pela proteção do
patrimônio histórico. Neste sentido, as falas convergem em reconhecer nos
governos a capacidade de agir pela transformação da área.

No mesmo sentido, o poder público é também apontado como o principal


culpado pela ausência de ações de preservação até o momento, como expresso na
seguinte fala:

“Olha, falta de vontade do poder público, tanto municipal quanto


estadual, se o poder público se interessasse para resgatar essa
história, já tinha chego de algum lugar. Pelo menos contar a
história verdadeira desta fortificação, que está esquecida, ficou
uma história apagada, porque ninguém se interessou por isso. A
gente chegou aqui em 98, 1998, vendo alguma coisa que chamava
atenção, né, já vindo de outras fortificações que a gente conhecia.
Aí viemos reparar com uma aqui no igarapé da Fortaleza, no
descaso” (José Lobato, 2012).

As expectativas visam justamente retirar este forte do “descaso”. Vários


entrevistados salientaram que a propriedade privada da área era um obstáculo. Em

68
alguns casos, esta situação foi vista como impeditiva para realização de qualquer
alteração na área:

Joaquim Coutinho: Tudo tem todo isso aí, tem dono, e aí num
pode.
Mariana Cabral: Mas e se não tivesse dono?
Raimundo Nascimento: Se não tivesse dono seria outra coisa. A
gente ia levantar um pedido aí pra levantar uma estalta, um
monumento aí que representasse o Cumaú.

Outros entrevistados sugeriram a realização de um “tombamento” da área,


como uma alternativa para driblar a propriedade privada, permitindo o acesso
público. Foi bastante recorrente a sugestão de que a área deveria ser preservada,
de que aquele era um lugar histórico e que poderia ser um ponto turístico. Mas
além disso, a vocação portuária do lugar também foi lembrada:

“Eu acho que devia fazer um, eu digo assim, não sei não, acho que
um ponto turístico aqui. O governo assumir, isso aqui era uma
coisa tão linda. O governo devia fazer o porto dele mesmo, isso
aqui tá entregue às baratas” (José Elivaldo Pinheiro, 2012).

“Eu acho assim, que no dia de hoje que nós vivemos hoje, isso daí
ficou um descaso do governo federal e do governo estadual, tudo
bem que os empresários, porque os empresários eles colocam que
estão ajudando a comunidade, dando ajuda, dando emprego, mão
de obra, ajudando as famílias, mas eu acho que o governo federal
junto com o governo do estado do Amapá, eles deviam fazer um
projeto que viesse beneficiar a comunidade como um todo, como
um porto marítimo” (Joel Nepomuceno, 2012).

A percepção da importância histórica da fortificação é a mais recorrente, daí


as sugestões de construção de museu, estátua, monumento, enfim, algo “pra não
ser esquecido” (Joseja Nepomuceno, 2012). Como um espaço de memória, as
expectativas apontam para um interesse na re-aproximação, em que seja possível
andar sobre as ruínas novamente, subir e descer as montanhas, contemplar o rio
Amazonas. Apesar dos profundos impactos que a fortificação sofreu, com a
destruição de parcelas significativas, ainda persiste a expectativa de uma
valorização, e talvez mesmo da devolução deste fragmento da paisagem aos
moradores do bairro.

69
Oralidade e a história recente do Forte Cumaú
Quando iniciamos o Projeto de Pesquisa Histórica e Arqueológica para
Identificação do Forte Cumaú, nossa visão a respeito dos vestígios materiais que
essa fortificação ainda apresenta centrava-se em especial no quanto as ruínas
estariam (ou não) preservadas. Com o desenvolvimento da pesquisa oral, e a
vivência decorrente do andamento da pesquisa, entramos em contato com os
moradores da área e aprendemos a olhar para aqueles vestígios com outros olhos,
ou a partir de outras perspectivas.

As narrativas que nos foram contadas dão conta de uma estrutura de


fortificação marcante, formada por verdadeiras montanhas, que criavam uma forma
geométrica em que o centro era um grande buraco, que seria o interior da
fortaleza. Com os cantos retos e o topo nivelado, esta estrutura tinha paredes
íngremes cercadas por uma vala, que contornava toda a área. Uma entrada
restrita, que permitia apenas a passagem de pessoas, existia na porção oposta ao
rio. Alguns canhões também foram relatados, localizados com mira para o rio,
assim como tijolos maciços e ferramentas.

As paredes da fortificação, mesmo que altas e conformadas, não eram


cobertas com pedra, o que talvez tenha facilitado a disseminação de árvores sobre
ela, e mesmo sua destruição parcial, posteriormente. Estas características, ao
serem comparadas com a Fortaleza de São José de Macapá, parecem ter
contribuído para alimentar uma percepção de que ela estava incompleta. Esta ideia
foi bastante recorrente entre os moradores entrevistados, que apontaram
diferentes razões para seu abandono: um porto ruim, uma localização insegura, ou
simplesmente a implantação da Fortaleza de São José.

Neste sentido, é importante destacar que esta incompletude impregnou


também uma noção de que a história daquele lugar poderia ter sido diferente.
Afirmações de que “a Fortaleza de São José deveria ser aqui” apareceram em
diferentes falas, sugerindo que este bairro pequeno e periférico poderia ter sido o
centro da capital, como aconteceu com o entorno da outra fortaleza. A história que
aconteceu, no entanto, deixou o Forte Cumaú para trás, e este parece ser um
sentimento que os moradores ainda carregam, como se a própria história do bairro
também estivesse sempre incompleta, sem a devida atenção dos governantes e dos
poderes públicos em geral.

A identidade com o Forte Cumaú, nesta perspectiva, vai além de um


reconhecimento histórico ou de uma apropriação dessa herança. É uma identidade
que reconhece um potencial não utilizado, algo que poderia ser grandioso mas não

70
foi aproveitado, uma história abortada. Isto é tanto mais interessante ao
considerarmos que esta é a história local sobre este Forte, é a construção histórica
que a comunidade criou ao longo dos anos para dar conta de explicar não apenas a
existência do forte, mas também suas profundas diferenças com a Fortaleza de São
José.

Se esta história tem persistência ainda hoje, pudemos notar na vivência com
a comunidade que ela já não tem o mesmo vigor que costumam destacar para o
passado. Ou seja, é uma história sobre a qual cada vez se fala menos. Como
narrado por alguns entrevistados, as crianças nas escolas já não conhecem essa
história, não conhecem o lugar onde a história aconteceu. Notamos, em alguns
momentos, o desânimo dos entrevistados ao pensarem sobre o futuro desse lugar
onde estão as ruínas, desacreditados, como se já não houvesse uma alternativa
para resgatar essa história, o que é tanto mais forte entre os mais velhos.

Parte desde esmaecimento, propomos aqui, parece relacionado com o


processo gradativo de destruição e isolamento das ruínas. Nas narrativas sobre o
passado mais distante, salienta-se a beleza da área, a monumentalidade da
estrutura, e o quanto ela compunha parte do dia-a-dia. No tempo em que não
havia ruas, um importante caminho passava rente ao forte, ligando a comunidade
ao porto de Santana. As crianças saíam da escola e corriam para lá, alguns adultos
pescavam na beira do rio.

Com o crescimento da comunidade, a mudança de “mato” para “cidade”,


pequenas alterações foram acontecendo. O forte começou a servir como
desembarcadouro, exigindo dos estivadores fôlego para subir a “montanha”, que
era de fato a própria fortificação. Apesar deste trânsito, os moradores do entorno
continuaram a circular pela área e até deixavam suas canoas atracadas. O forte era
um caminho para o rio.

As mudanças profundas foram ocorrer mais tarde, e o forte, como nos disse
o Sr. José Lobato, tornou-se um porto. Máquinas pesadas, como um trator e
caçambas, quebraram as paredes de terra, colocando abaixo as “montanhas altas”
e abrindo o caminho para a entrada de caminhões. Uma ponte de concreto foi
construída na beira da água, para permitir que barcas trazendo itens de consumo
pudessem atracar em melhores condições. Muros foram construídos no entorno, um
grande portão de ferro instalado. Os moradores ficaram do lado de fora. O forte
virou porto e – acima de tudo – propriedade privada. Isolado, restrito, fechado.

Os moradores perderam seu caminho para o rio, as crianças perderam suas


montanhas para brincar, e perdeu-se aí também a própria presença do forte, ele já
não estava mais lá. O que se via, e ainda se vê, é o portão alto e fechado.

71
Ao investigarmos sobre uma possível identidade dos moradores do bairro do
Igarapé da Fortaleza em relação às ruínas de uma fortificação histórica, à beira do
Rio Amazonas, descobrimos que essa é uma história que está se esmaecendo. O
processo recente de destruição e restrição de acesso à área onde estão as ruínas
parece contribuir para esta situação. Quebrada e arrasada, fechada atrás de muros,
a fortificação corre o risco de tornar-se apenas uma memória antiga.

O Forte Cumaú, como é conhecido no bairro, fez parte por muitos anos da
paisagem da comunidade. Era um local de trânsito livre, usado como área de lazer
e mesmo como porto para pequenas embarcações. Ainda que a área seja vista
como propriedade privada há muito tempo, inclusive com indicação de histórico de
proprietários, foi após a implantação do porto de desembarque que este estatuto
estabeleceu a restrição de acesso. Como um processo de velamento, estar
afastada, isolada, faz com que esse local aos poucos deixe de compor a paisagem
do bairro, e com isso o forte pode virar apenas uma lembrança. A memória viva
dos moradores é o que garante ainda a manutenção de uma história do Forte
Cumaú que não pode ser encontrada em documentos históricos, pois reside nas
suas lembranças e é ativada pela presença material das ruínas.

72
PARTE III
RELATÓRIO FINAL DE
LEVANTAMENTO CARTOGRÁFICO E
CADASTRAL

Elaborado por:

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo

Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga

Com a colaboração de:

Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,


Graduando em História

73
III. Relatório Final do Levantamento
Cartográfico e Cadastral
Para a realização do levantamento cartográfico e cadastral sobre o bem
devemos destacar inicialmente uma dificuldade estrutural que impede alcançarmos
um dos objetivos estabelecidos no Projeto Básico. Durante a realização da pesquisa
histórica e documental, já havíamos percebido que o chamado Forte Cumaú carece
de documentação iconográfica específica, havendo tão somente um produto
cartográfico conhecido em que ele é representado em detalhe (figura abaixo). Esta
situação, aliada à ausência de um arquivo histórico em Macapá, onde documentos
originais pudessem ser consultados, fez com que optássemos pela realização de
uma pesquisa cartográfica através da rede mundial de computadores. Uma vez que
atualmente há uma série de documentos históricos disponibilizados em meio digital,
fizemos uso destas ferramentas tecnológicas. Tal situação, no entanto, impede o
acesso aos documentos nos seus formatos originais, não sendo possível realizar a
entrega de cópias desta documentação nas escalas originais, já que estas são
desconhecidas.

Apesar disso, a pesquisa cartográfica realizada – como já foi apresentado no


Relatório da Pesquisa Histórica e Documental – indica a existência de seis produtos
cartográficos históricos em que há referência à presença do Forte Cumaú. Além
destes, o produto cartográfico histórico mais detalhado deste forte, uma planta
baixa produzida em 1765 (publicada por diversos autores, mas aqui reproduzida de
Viana [1905]) é também apresentada novamente na figura abaixo. Este
documento, produzido após o abandono da fortificação, oferece detalhes
importantes para sua identificação.

Se a cartografia histórica (ver anexos 1 a 7) localiza o Forte Cumaú próximo


à linha do Equador, e em alguns casos próximo à localização de Macapá, sua
localização mais precisa pode ser observada apenas através da planta baixa
mostrada acima. Nesta, é indicada a distância de “duas léguas e meia da Praça de
S José de Macapá, e duzentas braças abaixo da boca do Rio Matapi”. Estas
indicações ajudam a situar esta fortaleza entre as atuais cidades de Macapá e
Santana, no entanto ainda não haviam sido comparadas com os vestígios materiais
ainda presentes nessa região.

74
Planta baixa e perfil da fortificação chamada de Cumaú, produzida em 1765 (Viana 1905).

Através da pesquisa arqueológica realizada, apresentada mais adiante neste


Relatório Final, foi possível observar que os vestígios da muralha ainda presentes
na margem direita da foz do Igarapé da Fortaleza correspondem de maneira

75
bastante precisa a esta iconografia detalhada do Cumaú. Tal situação corrobora o
uso que a população do entorno deste sítio arqueológico faz do nome Forte Cumaú,
e contribui para dissolver as dúvidas sobre sua localização. Com isso, a pesquisa
cartográfica histórica contribui de maneira significativa com mais um elemento para
a identificação desta fortificação.

Se no plano histórico esta cartografia já está apresentada, voltamos-nos


agora para mapear a situação recente no que tange questões fundiárias e
delimitatórias.

Para realizar isto é necessário inicialmente destacar a precária realidade


local a respeito de cadastros fundiários, uma situação que não se limita ao Estado
do Amapá, mas que abarca amplas áreas da Amazônia Legal (Reschke et al 2008).
Neste aspecto, a regularização de terras da União atua como um elemento
importante, tanto mais relevante no caso do Estado do Amapá em função da sua
situação histórica como Território Federal.

Considerando a posição em que estão localizados os vestígios materiais da


fortificação em estudo, nas margens do canal Norte do Rio Amazonas, logo fica
claro que é um terreno que se enquadra perfeitamente nas definições de “terrenos
de marinha”, portanto, da União.

Os chamados “terrenos de marinha” são considerados bens imóveis da


União, o que foi definido através do Decreto-Lei 9.760/1946. A definição destes
terrenos é dada, segundo as normas adotadas pela Secretaria de Patrimônio da
União (SPU), por de uma faixa de 33 metros medidos a partir da Linha de Preamar
Média do ano de 1831 (LPM/1831). O maior problema na definição desta faixa de
terrenos é que a LPM/1831 não está definida em muitas áreas do país, impedindo
portanto que a delimitação da faixa seja definida.

No caso da área onde estão localizadas as ruínas da fortificação, foi possível


identificar a existência de processos para a demarcação da LPM/1831. Assim, em
um documento elaborado pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), intitulado
“Regularização de Áreas da União na Amazônia Legal: Contribuições ao Plano
Amazônia Sustentável”, de 2008, é indicada a existência de portaria vigente sobre
uma Comissão de Demarcação de terras da União envolvida justamente na área de
estudo:

“Amapá
LPM/1831, no trecho entre o Rio Sirga e Grand Crique no
município de Calçoene;
LPM/1831 nos trechos compreendidos entre a Av. JK, no Bairro
Araxá, até a Rua Ana Néri, no Bairro Nossa Senhora do Perpétuo

76
Socorro, no município de Macapá, e entre o Igarapé Fortaleza até
a extremidade sul da área urbana do município de Santana;”
(Reschke et al, 2008: 16; grifo nosso)

Posteriormente, em Setembro de 2010, a SPU informa que foi constituída a


comissão para demarcação da linha de preamar de 1831 (LPM/1831) no Amapá, a
qual resultaria na delimitação dos terrenos de marinha. No entanto, no presente
ano (2012), a situação fundiária no Estado do Amapá segue problemática. A
Procuradoria Geral do Estado emitiu neste ano um Parecer orientando que o
Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial (IMAP) não conceda títulos
definitivos das glebas repassadas pela União (nas quais está incluída a área da
fortificação em estudo), uma vez que existe um Auto de Investigação Preliminar
que apura essa transferência das terras da União para o Estado (amplamente
noticiada no ano de 2009). Neste sentido, vale ressaltar que a legislação impede
que a União venda a propriedade de imóvel localizado em terreno de marinha.
Nesse caso a SPU fornecerá contrato de aforamento, cancelando-se o contrato de
promessa de compra e venda ou cessão de direitos.

Neste contexto, consideramos importante destacar que o terreno em que


está localizada a fortificação é um terreno de marinha, ainda que siga faltando a
definição precisa da LPM/1831.

Ao observarmos uma série de imagens de satélite da área, obtidas através


da ferramenta livre Google Earth, é possível observarmos que o uso do terreno
como porto já aparece em imagens de 2004 (o que corrobora a pesquisa oral
realizada). A imagem mais antiga disponível, do ano de 1969, em função da sua
baixa resolução, não permite observarmos com detalhe a área da fortificação, mas
é bastante visível a ocupação urbana do entorno, ainda que seus limites não sejam
precisos. Nós buscamos ressaltar estas possíveis áreas urbanizadas, a partir do tipo
de padrão de cor aparente na imagem, como um exercício para observar a malha
urbana.

Nas imagens apresentadas abaixo, é possível observar a expansão urbana


ocorrida na última década, quando as imagens já têm boa resolução. Notamos, a
partir deste levantamento, que a atual configuração do porto no terreno parece
estável desde pelo menos 2004.

77
Imagem de satélite do ano de 1969, onde é possível observar a expansão urbana e a localização
aproximada do Forte Cumaú. Em função da baixa resolução, não é possível observar em detalhe a área
da fortificação, mas nota-se sua proximidade com a malha urbana (Imagem Google Earth de
31/12/1969).

Imagem de satélite do ano de 2004, com o atual porto construído na configuração atual (Imagem
Google Earth de 05/10/2004).

78
Imagem de satélite do ano de 2007. A ausência de nuvens faz com que esta seja a melhor imagem de
satélite disponível livremente da área. (Imagem Google Earth de 28/07/2007).

Imagem de satélite do ano de 2010, em que podemos perceber a manutenção de uma mesma estrutura
no terreno desde pelo menos o ano de 2004. (Imagem Google Earth de 20/06/2010).

Uma cartografia bastante recente produzida por uma equipe multidisciplinar


do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA
(Takiyama et al 2012), com foco em áreas de ressaca dos Municípios de Macapá e

79
Santana, mostra a malha urbana da localidade Igarapé da Fortaleza, ainda que sem
qualquer menção à presença da fortificação. Nesta cartografia, é possível
observamos a localização do terreno onde está situada a fortificação, ao final da
Rua Trombetas.

Detalhe da Carta SA22VBIII2NOD (Takiyama et al 2012), com localização da malha urbana na localidade
Igarapé da Fortaleza. A demarcação do terreno onde está a fortificação foi realizada pela equipe do
Projeto.

Esta carta contribui para a definição dos limites cadastrais urbanos do


terreno e sua localização. O terreno onde está localizada a fortificação tem o
seguinte endereço: Rua Trombetas, nº 54, e está localizado no Município de
Santana.

Para o levantamento cadastral, uma vez que há os problemas fundiários já


ressaltados mais acima, optamos inicialmente por realizar o levantamento cadastral
físico, através do mapeamento in situ das informações. Para tanto, fizemos uso de
uma Estação Total para realizar as medições a fim de obter com precisão as
demarcações do terreno, oferecendo um resultado atual e preciso. Além disso,
registramos as pessoas ou empresas que se declaram proprietários das áreas
vizinhas, a fim de podermos elaborar o mapa cadastral abaixo:

80
Mapa cadastral do terreno e vizinhanças do Forte Cumaú. 1: terreno onde está localizada a fortificação,
de propriedade de Roberto Rodrigues; 2. Empresa ‘King of Palms’, propriedade de Claudio Almeida
Magalhães Guimarães; 3. Residência, propriedade de Raimundo Nepomuceno; 4. Terreno, propriedade
de André Alcolumbre.

A partir das informações coletadas e do levantamento topográfico realizado,


obtemos a seguinte descrição cadastral para o terreno onde está situada a
fortificação em estudo:

Área de propriedade do Sr. Roberto Rodrigues, medindo a área de 6.457 m²,


localizada no final da Rua Trombetas, n. 54, Bairro Fortaleza, Município de Santana,
- AP, com as seguintes divisas e confrontações: a área situa-se de P0, com
coordenadas: 0º03’14.54”S 51º08’35.99”O, junto ao rio Amazonas. Segue do P0,
margeando o terreno de propriedade do Sr. André Alcolumbre, numa distância de
47,40 metros, azimute 346,99º até o P1. Segue do P1 com ângulo de 268,65º e
distância de 77,16 metros até o P2, confrontando propriedade do Sr. Raimundo
Nepomuceno e parcela da Rua Trombetas . Segue do P2 com ângulo de 240,34º e
distância de 50m até o P3 confrontando propriedade do Sr. Claudio Almeida
Magalhães Guimarães. Segue do P3 com ângulo de 153,86º e distância de 63,42m
até o P4 ainda confrontando terreno do Sr. Claudio Almeida Magalhães Guimarães.
Segue do P4 com ângulo de 65,77º e distância de 101,63m, margeando o rio
Amazonas até o P0, ponto inicial desta descrição já narrado aqui, fechando assim o
perímetro.

De forma complementar, buscamos ampliar este levantamento em pesquisas


em diferentes órgãos.

81
Em consulta ao Centro de Ordenamento Territorial (COT), vinculado ao IEPA,
foi possível observar que não existem registros na escala necessária para uma
definição mais clara referente a posse, propriedade ou uso dos terrenos
relacionados com o Forte Cumaú. Como apresentamos no relatório anterior, em
uma recente cartografia produzida pelo IEPA (Takiyama et al 2012), que fez uso
das bases de dados do COT, já era possível prever a inexistência de registros em
escalas maiores.

Como parte dos esforços em complementar o quadro fundiário da área de


pesquisa deste projeto, realizamos consultas à Prefeitura Municipal de Santana.
Através desta busca, foi possível obtermos informações mais detalhadas sobre o
terreno em questão. No entanto, foi possível constatar que o terreno onde estão
localizadas as estruturas construídas do Forte Cumaú não tem sequer matrícula
formal nos arquivos municipais.

Através da Prefeitura Municipal de Santana, chegamos à Secretaria de


Desenvolvimento Urbano e de Resíduos Sólidos (SEMDURES), que detém o acervo
– inclusive em meio digital – da situação cadastral de imóveis na cidade de
Santana. A SEMDURES está localizada no endereço Avenida Santana nº 2913.
Dentro desta Secretaria, fomos atendidos no Departamento de Topografia (DTD)
pelo funcionário José dos Santos, Diretor de Topografia da Prefeitura de Santana.

Explicamos ao Sr. Santos a pesquisa que estava sendo realizada e nosso


interesse em obter dados mais precisos sobre os terrenos relacionados ao Forte
Cumaú, no bairro Igarapé da Fortaleza. No acervo deste setor, foi possível
consultar os Boletins de Informação de Cadastramento Imobiliário (BIC), assim
como mapas produzidos pela Secretaria.

O Boletim de Informação de Cadastramento Imobiliário do terreno onde


estão localizadas as estruturas construídas do Forte Cumaú (referente ao terreno
que tem por endereço Av. Rio Trombetas, nº 54) tem data de 08/01/1996, e seu
código de registro na Secretaria é 011955. É indicado como proprietário a empresa
Dabel Distribuidora Amapaense de Bebidas Ltda, sem referência a CNPJ e sem
indicação de Pessoa Física (ver Anexo 09).

Além deste documento, também foram disponibilizados dois mapas que


permitem uma melhor identificação fundiária dos terrenos sob pesquisa. No mapa
abaixo, podemos observar a distribuição de lotes urbanos do bairro Igarapé da
Fortaleza, com indicação de proprietários.

82
Mapeamento de lotes urbanos no Igarapé da Fortaleza, disponibilizado pela Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e de Resíduos Sólidos (SEMDURES) da Prefeitura Municipal de Santana. O
terreno de interesse deste projeto está hachurado com mais intensidade, e tem como indicação de
proprietário “Dabel – Distribuidora Amapaense de Bebidas Ltda”.

O terreno onde estão localizadas as estruturas do Forte Cumaú aparece,


nesta documentação, como propriedade da Dabel – Distribuidora Amapaense de
Bebidas Ltda. Já o terreno a oeste, tem como proprietários o Sr. Claudio de Almeida
Magalhães Guimarães, mas também a Sra. Cristiane Moreira Guimarães. E o
terreno a leste é identificado como de propriedade do Sr. André Alcolumbre.

Complementar a este mapa, também foi disponibilizado outro com a


indicação de matrícula de imóveis no bairro Igarapé da Fortaleza (Anexo 10). Estas
são informações muito relevantes para esclarecer a questão fundiária. A matrícula
de imóveis refere-se à primeira etapa do processo de registro fundiário, e deve ser
feita em Cartório de Imóveis. Sem a matrícula, não é possível fazer o registro,
definindo quem é o proprietário do imóvel, nem sua averberação, que registra as
alterações e acréscimos tanto do imóvel quanto das pessoas a ele relacionadas.

No caso do Igarapé da Fortaleza, chama a atenção a ausência de matrículas


na maior parte dos terrenos. De fato, na área de pesquisa em questão, apenas o
terreno a Oeste das estruturas do Forte Cumaú tem matrícula inscrita, em nome de
Lecy da Silva Thomé. Note-se aqui que a matrícula está em nome diferente do que
aparenta no mapa anterior, em que Claudio e Cristiane Guimarães eram apontados
como proprietários. Quanto ao terreno de interesse mais direto desta pesquisa, ele
aparece neste segundo mapa também com o nome da empresa DABEL, no entanto

83
sem referência à matrícula do imóvel. Este parece ser um indício de que o terreno
onde estão os vestígios estruturais do forte não está regularizado.

Um outro elemento que deve ser destacado no que se refere a questões


fundiárias referentes ao Forte Cumaú, é uma descoberta recente da equipe do
projeto. De fato, foi apenas após a entrega da primeira versão deste Relatório Final
que a equipe recebeu esta nova informação. O que ocorre é que a Constituição do
Estado do Amapá, promulgada em 1991, pelos primeiros deputados estaduais, tem
um Artigo Constitucional voltado especificamente para o Forte Cumaú. Vejamos
abaixo o texto constitucional:

“PREÂMBULO
Nós, os primeiros Deputados Estaduais, representantes do povo
amapaense, reunidos em Assembléia Estadual Constituinte para
instituir o ordenamento básico e reafirmar os valores que
fundamentam os objetivos e princípios da Constituição da
República Federativa do Brasil, invocando a proteção de Deus,
inspirados no ideal de a todos garantir justiça, liberdade e bem
estar, promulgamos a CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO AMAPÁ.
(...)
TÍTULO X
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
(...)
Art. 32. A área onde estava edificado o Forte de Santo Antônio de
Macapá, antigo Forte Cumaú, no Município de Santana, às
proximidades da foz do Igarapé da Fortaleza, passa a ser área de
preservação histórico-cultural e de lazer.
(...)
Macapá – AP, 20 de dezembro de 1991.
Adonias Trajano, Amiraldo Favacho, Antônio Teles, Aluízio Gomes,
Dáqueo Ribeiro, Felix Ramalho, Fran Júnior, Geraldo Rocha, Hildo
Fonsêca, Janete Capiberibe, Jarbas Gato, Jefri Hippolyte, João
Dias, Júlio Miranda, Luís Barreto, Manoel Brasil, Maurício Júnior,
Milton Rodrigues, Nelson Salomão, Nilde Santiago, Ricardo Soares,
Regildo Salomão, Sebastião Rocha, Waldez Góes.” (Amapá 1991).

Esta é uma informação bastante relevante, pois por constar da Constituição


do Estado deve ser entendida como lei fundamental do Estado do Amapá, e
portanto deve ser cobrado do poder público que faça esta lei ser implementada de
fato. O texto acima deixa bastante claro que o local a ser protegido é justamente a
área em que identificamos, através de diferentes linhas de pesquisa, como o local
do Forte Cumaú. Considerando que a Constituição foi promulgada em 1991, este

84
elemento apenas reforça a importância histórica e cultural deste lugar para a
identidade do Estado do Amapá.

Vale lembrar que esta mesma Constituição destaca que “A Fortaleza de São
José de Macapá, as Vilas de Mazagão Velho, Cunani e Curiaú são patrimônios
históricos protegidos pelo Estado” (Amapá 1991, Título IX, Art.344). Com isso, o
Forte Cumaú é reconhecido como parte deste patrimônio histórico-cultural
especialmente relevante para o Estado do Amapá, ainda que tratado em um Título
diferente. Esta situação pode ser resultante da menor visibilidade que
historicamente caracteriza o Forte Cumaú, mas o fato de existir um Artigo
Constitucional específico para ele sugere que o poder político constitucional estava
particularmente sensível na sua proteção e valorização. Se de fato isto não ocorreu,
como podemos observar isto na atualidade, o mecanismo legislativo segue válido, e
portanto deveria ser acionado.

Com isso, concluímos a Pesquisa Cartográfica e Cadastral com um


importante indicativo da existência de instrumentos legais que contribuam para a
real e efetiva proteção e valorização deste patrimônio histórico e cultural.

85
PARTE IV
RELATÓRIO FINAL DE
DIAGNÓSTICO DE DANOS

SOBRE O BEM

Elaborado por:

Eloane de Jesus Ramos Cantuária, Msc.| Pesquisadora, Arquiteta & Urbanista

Com a colaboração de:

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo

Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga

Fernando Luiz Tavares Marques, Dr. | Pesquisador, Arqueólogo Histórico

Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,


Graduando em História

Zeli Teresinha Company, Dra. | Pesquisadora, Arqueóloga Histórica

Augusto de Oliveira Junior, Dr. | Pesquisador, Historiador

86
IV. Relatório final de Diagnóstico de Danos
sobre o Bem
Este é o relatório que trata do diagnóstico dos danos sobre o bem do projeto
de pesquisa histórica e arqueológica para identificação do chamado Forte Cumaú,
fortificação histórica construída no século XVII, às margens do Rio Amazonas. Esse
item é um dos produtos constantes do escopo da pesquisa, que complementa a
pesquisa histórica, arqueológica e cadastral da área.

O mapeamento de danos, assim como o diagnóstico do estado de


conservação do bem, auxilia na gestão de bens, apontado para a execução de
ações conservativas e restaurativas, além de ser um dos passos, em conjunto com
as pesquisas históricas e arqueológicas, para a elaboração de projetos de
preservação de bens materiais.

O conhecimento do bem, em especial de seu sistema construtivo, sua


caracterização arquitetônica e seu percurso histórico foi essencial para a elaboração
deste diagnóstico, portanto, este relatório fundamentou-se na pesquisa histórica,
de história oral e arqueológica, além das observações das visitas técnicas efetuadas
ao local. Desta maneira, essa análise é fruto de um trabalho multidisciplinar da
equipe de pesquisa envolvida no projeto composta por pesquisadores das áreas de
Arqueologia, Arqueologia Histórica, História e Arquitetura, além de auxiliares de
pesquisa nas áreas de Arqueologia e História.

87
Atividades realizadas
As atividades aqui descritas dizem respeito às ações empreendidas para a
elaboração do diagnóstico de danos sobre o bem, documento que complementa as
informações das pesquisas histórica e arqueológica, conforme plano de atividades
constantes no projeto básico do Contrato nº 05/2012, de Prestação de Serviços
Técnicos Especializados de Pesquisa Histórica e Arqueológica para Identificação do
Forte Cumaú.

Para a elaboração do diagnóstico de danos da ruína da fortificação,


seguiram-se os mesmos procedimentos metodológicos da pesquisa histórica, ou
seja, participação em reuniões de trabalho com a equipe do projeto; realização de
pesquisas documentais, bibliográficas e iconográficas; visitas de campo e
finalmente a análise de danos sobre o bem cultural.

Reuniões de trabalho

O projeto de pesquisa iniciou em Junho de 2012, com a oficialização do


contrato. Inicialmente a coordenação do projeto de pesquisa concentrou-se em
organizar os processos administrativos do contrato, realizando a 1ª reunião de
trabalho com o representante do IPHAN-AP, Sr. Djalma Santiago.

Após a 1ª reunião, a coordenação do projeto realizou a organização da


equipe de pesquisa e a distribuição de atribuições e atividades para seus membros.
Com a equipe definida, foram realizadas duas novas reuniões de trabalho com a
presença dos componentes diretamente envolvidos na pesquisa histórica. Na 2ª
reunião foram definidos os procedimentos para a realização da pesquisa histórica e
no 3º encontro, a equipe responsável pela pesquisa histórica expôs o andamento
das pesquisas. Participamos, posteriormente, da 4ª reunião de trabalho, realizada
no dia 11/07/2012, no Laboratório de Arqueologia do IEPA. Nesta reunião, a
pesquisadora Zeli Company, arqueóloga histórica, falou sobre o andamento da
pesquisa histórica e ficamos cientes dos prazos para entrega do 1º relatório parcial.
Neste encontro, também se tratou de pontos relativos à história oral da fortificação
e do imaginário que repercute na população do entorno das ruínas.

Posteriormente, fomos convocados para outra reunião de trabalho, no dia


06/11/2012, no laboratório de arqueologia do IEPA, com a presença do
coordenador da pesquisa, arqueólogo João Saldanha, o arqueólogo Fernando
Marques, a arqueóloga Zeli Company, o historiador Marcos Jesse e o acadêmico de
história, José Ricardo Vasconcelos. A reunião serviu para nivelamento da equipe
sobre o andamento da pesquisa, a apresentação do arqueólogo histórico Fernando

88
Marques à equipe, além de marcar o início das pesquisas arqueológicas na área do
“Forte Cumaú”. O arqueólogo Fernando Marques apresentou uma planta do forte
Santo Antônio, elaborada no século XVIII, e que viria a ser base para as
investigações de campo.

Visitas de campo

A identificação e conhecimento do bem cultural são fundamentais para a


realização do diagnóstico do estado de conservação da estrutura, assim como são
parte integrante dos documentos que compõem os projetos de preservação,
restauro e gestão do patrimônio cultural. O diagnóstico de danos sobre as ruínas da
fortificação foi um dos produtos solicitados no contrato nº 05/2012 (Prestação de
Serviços Técnicos Especializados de Pesquisa Histórica e Arqueológica para
Identificação do Forte Cumaú).

As visitas aqui relatadas dizem respeito às vistorias realizadas por esta


técnica a fim de acompanhar a pesquisa arqueológica, conhecer o bem cultural,
identificar as reais condições de conservação das ruínas da fortificação para a
elaboração do diagnóstico de danos sobre as ruínas do forte.

A primeira visita foi realizada no dia 06/11/2012, após a reunião de trabalho


ocorrida no laboratório de arqueologia e contou com a presença do coordenador da
pesquisa, arqueólogo João Saldanha; o arqueólogo histórico Fernando Marques,
além desta técnica. Nesta vistoria a equipe foi guiada pelo coordenador do projeto,
arqueólogo João Saldanha que já havia estado no local em outras ocasiões,
conduzindo os demais técnicos em todo o perímetro da área da área das ruínas da
fortificação, inclusive nos terrenos adjacentes que fazem limite ao lote que contém
a ruína.

Nesta visita, realizou-se o conhecimento inicial do sítio e a identificação das


estruturas remanescentes da fortificação, em especial da ruína de um dos
baluartes, de parte do fosso e do que deveria ter sido a praça do forte. Também se
constatou que edificações contemporâneas foram construídas exatamente sobre a
fortificação, destruindo uma grande extensão do forte. Outras construções
extemporâneas também foram identificadas no entorno do forte, assim como um
embarcadouro de concreto. Neste dia também foi realizado levantamento
fotográfico, inclusive com a execução de panorâmicas para auxiliar na avaliação da
área.

Em 10/11/12, realizou-se a segunda visita técnica. Nesta vistoria as


intervenções arqueológicas já haviam sido iniciadas e pode-se discutir com o
coordenador da pesquisa de campo, arqueólogo Fernando Marques, sobre as

89
descobertas advindas das escavações. Neste encontro, constatou-se a existência de
parte da estrutura externa da fortificação, construída em “taipa de formigão”,
técnica construtiva utilizada nos tempos do Brasil colônia, que possui variante como
a taipa de pilão e a taipa de mão (Colin, 2010). O talude prospectado encontra-se a
leste, no limite da rampa que dá acesso ao embarcadouro.

Figura 01: Vista panorâmica da área. A elevação de terra é parte da ruína do forte. Notar os galpões
atrás das ruínas. Fotografia: Eloane Cantuária

As áreas demarcadas para serem prospectadas seguiram o desenho da


estrutura visualizada na iconografia da fortificação de 1765, encontrada na obra de
Arthur Viana, sobre as Fortificações na Amazônia, publicada em 1905.

Durante o período das escavações, realizou-se mais uma visita no local das
ruínas, no dia 15/11/2012. As prospecções estavam bastante avançadas e dois
novos cortes haviam sido realizados, um no lado oposto ao do talude prospectado,
a oeste da estrutura e outro no terreno ao lado da área da pesquisa, na intenção de
conhecer o entorno e buscar uma possível delimitação para o sítio arqueológico.

Novamente vestígios da estrutura das muralhas foram visualizados,


comprovando que ali foi edificada uma estrutura fortificada a outrora.
Possivelmente as ruínas do forte português de Santo Antônio, construído sobre o
forte inglês, o Cumaú.

A realização de visitas técnicas ao local é uma das fases essenciais para


elaboração do laudo de danos, especialmente no momento em que são realizadas
as pesquisas arqueológicas, momento em que se pode ter contato com os vestígios
e a estrutura física do bem.

Outro momento importante nas visitas técnicas com finalidade de verificar o


estado de conservação do bem foi o diálogo entre os pesquisadores de campo, os
técnicos da pesquisa histórica e o técnico responsável pelo diagnóstico de danos. O
intercâmbio e confronto de idéias auxiliam no conhecimento e identificação das
estruturas e seu real estado de integridade.

90
O diagnóstico de danos sobre os remanescentes
arqueológicos do Forte de Santo Antônio, chamado de
Forte Cumaú

Caracterização arquitetônica dos remanescentes


arqueológicos da fortificação

De acordo com a pesquisa histórica, a ruína localizada às margens do Rio


Amazonas, próximo ao igarapé da Fortaleza, no município de Santana, estado do
Amapá, refere-se aos remanescentes arqueológicos do Forte de Santo Antônio,
construído pelos portugueses entre os anos de 1688 e 1695 (Castro, 1999), no
local onde anteriormente havia sido edificado o forte inglês Cumaú. O sítio onde a
fortificação foi edificada localiza-se às margens do Rio Amazonas, em uma porção
de terras que tem a ilha de Santana à sua frente.

Figura 2 – Planta do forte Santo Antônio, com a indicação das estruturas que compõem a fortificação.
Fonte: Viana (1905). Desenho modificado pela autora

Como demonstrado no item sobre a história da fortificação, o engenheiro


Azevedo Carneiro, responsável pelo desenho do forte, descreve que a edificação
seria um polígono com defesas para o mar e para a terra, que possuía quatro peças
de artilharia e um fosso, construída ao moderno método dos lusitanos. Essa
descrição lembra o desenho da planta do forte de Santo Antônio encontrada na
obra de Viana (1905).

91
Atualmente, os remanescentes da fortificação configuram como um monte
de terra irregular com paredes em talude, coberto por vegetação rasteira, gramínea
e árvores de pequeno, médio e grande porte (Figura 3). Existem ainda vestígios do
fosso a oeste da estrutura, entretanto, nesta pesquisa o local não pode ser
escavado porque o fosso é o limite entre os lotes e existe um muro de alvenaria em
toda sua extensão reconhecível (Figura 4).

Figuras 3 – Remanescentes arqueológicos do Forte


Santo Antônio. Notar as escarpas cobertas de vegetação. Figura 4 – Muro construído sobre o fosso
da fortificação. Note ao fundo, atrás do muro, a elevação das muralhas.

Alcântara (1979:9) elucida o uso de fosso nas fortificações argumentando


que

O que é muito característico, igualmente, é o cuidado de


“enterrar” o núcleo da fortificação e cercá-los com obras
complementares. Assim, ficaria protegido da Infantaria e Artilharia
das tropas atacantes. O Fosso, onde era enterrado e que o
circundava, forçava a Infantaria inimiga a descer em seu interior
para atingi-lo.
Alcântara (Idem) continua, esclarecendo que:

“Acima do nível do terreno, era construído o REPARO. Este não


precisava ser elevado, porque sua altura estaria somada à
profundidade do fosso, constituindo enorme barreira. Aproveitando
a terra da escavação do fosso, formava-se à volta deste, uma
ESPLANADA com declividade decrescente na direção oposta”.
Esta descrição dos componentes de uma fortificação feita pela autora foi
baseada na obra do engenheiro português Manuel de Azevedo Fortes, Engenheiro-
mor de Portugal e autor do livro “Engenheiro Portuguez”, um tratado histórico
sobre a engenharia militar portuguesa.

92
A partir das visitas de campo, pode-se observar que nos remanescentes do
reparo da fortificação (Figura 5) não foram visualizados nem parapeitos ou
banquetas, apenas o terrapleno, que provavelmente teve seu nível rebaixado pela
exposição às intempéries e por ações humanas. As escarpas interiores e exteriores
também podem ser visualizadas nos remanescentes da estrutura, entretanto, em
alguns pontos pode-se notar o desbarrancamento da terra.

Nas ruínas do forte identifica-se também o que deveria ter sido parte da
praça interna (Figura 6), contudo, o nível dela também deve ter sido modificado
pelo deslizamento de terra do terrapleno, pela ação das intempéries e ação
humana.

Ao se observar atentamente as estruturas pode-se constatar que os


1
remanescentes da fortificação representam cerca de ¼ a /5 das construções
demonstradas na planta que serviu de base para a investigação arqueológica.

Figura 5 – Vista dos remanescentes do terrapleno do reparo. Notar as escarpas interna (a esquerda) e
externa (a direita). Figura 6 – Vista dos vestígios da praça interna, destruída para a construção do
galpão a direita da foto .

Percebe-se que a construção de dois galpões utilizou exatamente a área da


fortificação e, segundo testemunhos de moradores ouvidos na pesquisa de história
oral, a destruição do local foi feita nos últimos anos de maneira rápida, em dois
momentos distintos, um relacionado a construção de um desembarcadouro e outro,
para a construção dos galpões, como atestam Saldanha e Cabral (2012b:30) no
relatório da referida pesquisa:

O processo de destruição da fortificação parece ter sido rápido.


Ainda que impactos anteriores já houvessem acontecido, houve
um momento específico em que máquinas e caçambas foram
levadas para a área para terraplanar o terreno e construir um
desembarcadouro. Este momento é associado com a pessoa que é
apontada como atual proprietário da área, Roberto Rodrigues.

93
Em um segundo momento de intensa destruição da área, foram construídos
dois galpões exatamente sobre o forte, representado o tiro de misericórdia nas
estruturas da fortificação. Cabral e Saldanha (2012b:30-31) no relatório da
pesquisa oral relatam que:

“Nas descrições, o uso da área como um porto de desembarque


parece remontar ao proprietário Chagas, e certamente foi utilizado
com esse fim durante o tempo da empresa Arnave. No entanto, foi
mais recentemente que os impactos profundos aconteceram, com
a terraplanagem da área, quando tratores e caçambas foram
usados para remover as grandes quantidades de terra.
(...)
A construção deste galpão foi seguida da construção de um muro
dentro da vala que circundava a fortaleza. Esse muro foi
construído pela empresa King of Palms, que faz limite com o
terreno do forte. De acordo com o proprietário, com o qual não
conseguimos gravar uma entrevista, ele mandou construir o muro
para proteger sua propriedade, receoso que uma próxima
construção adentrasse seu terreno.” (Cabral e Saldanha
(2012b:30-31)

Técnica construtiva do forte de Santo Antônio de Macapá e do


forte Cumaú

No que se refere à técnica construtiva utilizada na fortificação, cujas ruínas


são objeto de estudo do Projeto de Pesquisa Histórica e Arqueológica para
Identificação do Forte Cumaú, os escritos históricos não são muito específicos. No
relatório da pesquisa histórica do referido projeto é possível aventar que o forte
Cumaú tenha sido construído de terra, de “faxina” ou “fachina”, provavelmente por
isso sua existência tenha durado tão pouco.

Alcântara (1979:20) esclarece o que é fachina, baseada nas definições de


Manuel de Azevedo Fortes, dizendo que

É qualquer gênero de ramos, ou mato com que se ajudam as


trincheiras, e as fortificações de terra, pondo de cada uma sua
camada a fachina se faz em molhos de 5 para 6 palmos de
comprido, atados pelos extremos, e pelo meio e servem também
para cobrir dos tiros da mosquetaria, fazendo deles parapeito, e
também servem para encher os candieiros.
A pesquisa histórica destacou em Baena (1969) a referência de que, após a
tomada do forte Cumaú por Feliciano Coelho em 09/07/1632, o comandante
ordenou a destruição daquela fortificação pelos seus soldados. Nos demais escritos
históricos consultados é recorrente a menção de que o forte inglês foi destruído e
que o forte português de Santo Antônio foi erguido no local do forte destruído,
desaparecendo da história a descrição do forte construído pelos ingleses.

94
Já para o Forte de Santo Antônio de Macapá, construído pelos portugueses
sobre o Forte Cumaú, existe uma citação de Castro (1999: 159), baseada nas
Cartas Régias ao governador do Pará, datadas de 2 de setembro de 1691 e de 11
de novembro de 1692, que relata que “os trabalhos levaram muito tempo, por ser
uma grande fortificação, construída em cantaria e por sofrer os problemas
inerentes à região: falta de mão-de-obra, as constantes chuvas e as doenças do
clima equatorial.” À exceção desta citação sobre o método construtivo, na pesquisa
histórica não se encontrou outras indicações sobre o processo construtivo do forte
português.

É certo que as informações sobre as fortificações construídas no Estado do


Amapá ainda não estão suficientemente sistematizadas e as pesquisas
arqueológicas sobre essas estruturas ainda estão começando, à exceção da
Fortaleza de São José de Macapá, as demais estruturas de defesa construídas no
período colonial ainda urgem de pesquisas.

Castro, ao visitar as ruínas do antigo forte Cumaú na década de 1990, e


tomando por base a planta reproduzida por Viana em 1905, discordou que aquelas
ruínas se tratavam do Forte de Santo Antônio de Macapá, pois para ele

as referidas ruínas não estão no local apontado no referido mapa,


não tem as dimensões nem a forma geral do forte ali
representado, além de não ter estruturas em cantaria visíveis,
como deveria ser o caso se elas fossem do Forte de Santo Antônio.
Parece-nos que os vestígios que existem no local, caso sejam de
um forte, seriam de um forte inglês do início do século XVII, talvez
o segundo Torrego. (Castro, 1999:158)
Entretanto, divergindo dos escritos e das impressões de Castro, a
escavação arqueológica realizada na área do antigo forte Cumaú, que tomou por
base a planta encontrada na obra de Viana, encontrou vestígios de “taipa de
formigão” nos muros estruturais do forte, em dois pontos escavados: um no
terrapleno a oeste e outro na escarpa externa a leste, demonstrando que aquele
forte não foi construído de cantaria.

A taipa de formigão foi uma técnica construtiva utilizada no Brasil colonial


onde era misturada “à massa de barro, pedras miúdas e pedras maiores (pedra de
mão)” (Colin, 2010). Ao secar, a mistura adquiria bastante resistência, a ponto de
se assemelhar a alguns concretos contemporâneos, porém, esta não foi uma
técnica muito utilizada no Brasil. Esse método pode ter sido uma adaptação do
formigão, que era a mistura de cascalho, barro ou areia e cal, utilizada em
fundações nas construções do período colonial. Os autores são unânimes também
em relatar que a estrutura deverá ser revestida com argamassa de cal e areia, e

95
que devem ser executadas sobre uma fundação de pedra, para evitar a umidade do
solo.

Quaresma (2011) também fala sobre o termo formigão, afirmando que ele
“significa um tipo de construção semelhante à taipa, mas em que a terra é
substituída por cal hidráulica, fazendo uma argamassa de grande consistência e
durabilidade. Já os romanos utilizaram esta técnica para obterem massas tão duras
como o cimento e mais duráveis (o opus signinum)”.

No Amapá, uma das raras utilizações da taipa de formigão conhecida foi no


prédio da antiga Intendência Municipal, edificação construída no final do século XIX.
A técnica pôde ser visualizada durante a prospecção arquitetônica realizada na
parede lateral externa da edificação durante as obras de restauro do prédio em
2002 (figuras 7 e 8). Curioso naquela construção é que a taipa de formigão não foi
a única técnica utilizada na edificação da parede, outras técnicas construtivas foram
utilizadas na estrutura, como a taipa de pilão e a alvenaria de tijolo de diversos
tipos e formatos, demonstrando que a construção foi modificada ao longo dos anos.

Figura 7 – Vista da parede externa da antiga Intendência Municipal de Macapá. Figura 8 – Detalhe da
taipa de formigão encontrada na parede da Intendência.

É importante salientar que o uso do barro não era muito comum nas
fortificações de maior porte, seu uso era restrito a pequenos fortins ou fortes de
terra e fachina, em razão da baixa resistência e dos problemas de manutenção,
especialmente em áreas úmidas e chuvosas como a região Amazônica. As
construções de maiores vulto, como fortes, igrejas e prédios oficiais, geralmente
utilizavam em sua estrutura a pedra. Também é possível encontrar edificações com
paredes auto-portantes de alvenaria de tijoleira.

96
Contudo, em regiões onde a ocorrência da pedra e da cal era rara, era
comum a utilização da terra, também chamada de barro ou saibro. Quaresma
(Idem) relata que a construção em terra pode ser encontrada em todo o mundo,
especialmente nos locais onde falte pedra, e este parece ser o caso de Macapá e
seus arredores, a dificuldade em se encontrar jazidas de pedra, especialmente as
mais utilizadas como material de construção como calcários, arenitos e granitos
(Colin, 2010).

No Amapá, excetuando-se a Fortaleza de São José de Macapá, obra


grandiosa da engenharia militar portuguesa construída no século XVIII, obras que
utilizaram pedra em sua construção na região são raríssimas.

97
Diagnóstico dos danos e estado geral de conservação
dos remanescentes arqueológicos do forte de Santo
Antônio de Macapá, também chamado de Cumaú
O mapeamento de danos e diagnóstico do estado de conservação dos
remanescentes arqueológicos da fortificação chamada de Cumaú buscou seguir as
orientações e critérios recomendados pelas principais instituições nacionais e
internacionais de proteção do patrimônio cultural.

O diagnóstico de danos e do estado de conservação de bens culturais é uma


das fases essenciais para projetos de preservação do patrimônio material.
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – ICOMOS reuniu em um
documento recomendações para análise, conservação e restauro do patrimônio
arquitetônico, essa recomendação foi ratificada pela 14a Assembléia Geral do
ICOMOS, realizada em Victoria Falls, Zimbábue, em outubro de 2003. No
documento, destaca-se os itens 2.3 e 2.5 que versam o seguinte:

2.3 É necessária uma compreensão completa das características


estruturais e físicas (do material) na prática da conservação. É
essencial obter informações sobre a estrutura original ou etapas
anteriores, sobre as técnicas que foram usadas na construção, as
alterações sofridas e seus efeitos, sobre os fenômenos ocorridos e,
finalmente, sobre o seu estado atual.

2.5 O diagnóstico é baseado em abordagens históricas, de caráter


qualitativo e quantitativo; a abordagem qualitativa se baseia na
observação direta dos danos estruturais e da decomposição do
material, bem como em pesquisa histórica e arqueológica, e a
abordagem quantitativa principalmente em testes físicos,
monitoramento e análise estrutural. (ICOMOS, 2003)
O Manual de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural,
editado pelo Instituto Monumenta/MINC, foi elaborado com o objetivo de
“consolidar e transmitir os conceitos, normas e preceitos que orientam a
preservação do Patrimônio Histórico e Artístico protegido pela União” (Brasil, 2000).
No manual, o diagnóstico é uma das fases do projeto de preservação sendo:

“a etapa de consolidação dos estudos e pesquisas anteriormente


realizados, na medida em que complementa o conhecimento do
objeto, analisando de forma pormenorizada determinados
problemas ou interesses específicos de utilização do Bem” (Brasil,
Idem).
No guia, o diagnóstico é dividido em mapeamento de danos e análises do
estado de conservação.

98
Neste projeto, o mapeamento de danos e a avaliação do estado geral de
conservação dos vestígios do forte chamado Cumaú serão efetuados a seguir.

Como mencionado na caracterização arquitetônica do bem, neste relatório,


os remanescentes da fortificação conformam como um monte de terra irregular
com paredes em talude, coberto por vegetação rasteira, gramínea e árvores de
pequeno, médio e grande porte. Ao comparar os vestígios com a planta reproduzida
por Viana (1905), percebe-se que o monte de terra diz respeito ao terrapleno do
forte e as paredes referem-se às escarpas internas e externas da estrutura.

Por ser uma estrutura de terra exposta às intempéries e ações humanas, os


danos observados são gerados exatamente pela falta de proteção das estruturas,
pelo uso inadequado e pela inexistência de medidas conservativas do bem (ver
Anexo 13 sobre áreas mais fragilizadas da estrutura).

Como relatado acima, a técnica construtiva em terra deve evitar a exposição


às intempéries e à umidade excessiva. No perfil da fortificação existente na planta
reproduzida na obra de Viana, vê-se que a estrutura do forte, construída em taipa
de formigão, está protegida da ação direta das intempéries por aterro, o que lhe
confere boa proteção á ação da umidade, tanto das chuvas quanto a umidade
relativa do ar, contudo, não garante proteção da umidade resultante da infiltração
do solo.

Percebe-se, contudo, que os maiores danos às estruturas remanescentes


estão nas escarpas, ou seja, nas encostas do morro. Em diversos pontos das
escarpas pode-se observar o desabamento ou desprendimento de material,
especialmente nos locais em que a proteção de vegetação (gramínea) não existe ou
existe de maneira insuficiente (figura 9).

Figura 9 – Desprendimento de material da encosta. Figura 10 – Queima da vegetação.

99
Figura 11 – Vista panorâmica do forte. Notar a alta presença de lixo na área.

Outros danos ocasionados pela ação humana, como a queima da vegetação


(figura 10), causam degradações significativas à estrutura de terra, podendo fazer
com que surjam rachaduras e fissuras no solo, desagregando-o e facilitando o
processo de infiltração e lixiviação da água. A deposição de lixo no local (figura 11)
é outro dano ocasionado pela ação humana, podendo comprometer o solo com
contaminações de produtos químicos ou elementos biológicos, difíceis de serem
tratados em processos de conservação e restauro.

Devem-se observar também os danos ocasionados pela vegetação


inadequada para o local. Muitas espécies arbóreas possuem raízes que podem
comprometer a estabilidade e a integridade da estrutura da fortificação, sendo
necessária a precisa avaliação das espécies vegetais que não representem risco
para o bem cultural.

A ação da água do rio sobre a escarpa também é uma das maiores geradora
de danos sobre o local, necessitando de estruturas de proteção como muro de
arrimos, gabiões ou outra estrutura que auxilie na diminuição da degradação do
maciço de terra pela ação das águas do rio.

E finalmente, a execução de medidas que facilitem a drenagem da área,


evitando o acúmulo de água sobre a estrutura, sobretudo, na época das chuvas
amazônicas, auxiliariam na boa conservação do bem.

100
PARTE V
RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA
ARQUEOLÓGICA

Elaborado por:

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo

Fernando Luiz Tavares Marques, Dr. | Pesquisador, Arqueólogo Histórico

Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga

Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,


Graduando em História

Com a colaboração de:

Eloane de Jesus Ramos Cantuária, Msc.| Pesquisadora, Arquiteta & Urbanista

Daiane Pereira, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Arqueológica

Bruno de Souza Barreto | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

101
V. Relatório Final da Pesquisa Arqueológica
A pesquisa arqueológica realizada dentro do projeto seguiu todos os
encaminhamentos necessários para o desenvolvimento das atividades de acordo
com a legislação vigente. Um projeto de pesquisa, intitulado “Investigações
Arqueológicas nas Possíveis Ruínas do Forte Cumaú”, foi encaminhado ao IPHAN
para a solicitação de Permissão de Pesquisa.

Este projeto tem como arqueólogos responsáveis Dr. Fernando Marques


(MPEG), Msc. João Saldanha (IEPA) e Msc. Mariana Cabral (IEPA), e a instituição de
Apoio e Guarda é o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do
Amapá (IEPA). A permissão de pesquisa, emitida pelo Centro Nacional de
Arqueologia (CNA/IPHAN), foi publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, no dia
1º de Outubro de 2012, como Anexo I da Portaria nº 28, de 28 de Agosto de 2012.

Optamos aqui, por apresentar nesta seção sobre a Pesquisa Arqueológica a


produção relativa às prospecções e escavações, às análises em laboratório, e à
curadoria do material arqueológico coletado. Na próxima seção, sobre as ações de
divulgação do projeto, apresentamos também as ações de Educação Patrimonial
desenvolvidas, por considerarmos que são atividades complementares.

Neste relatório final, seguimos as orientações expressas no Projeto Básico a


fim de oferecer um produto que esteja de acordo com as definições do contrato.
Porém, uma vez que foram realizadas atividades e elaborados produtos que não
haviam sido previstos originalmente, optamos por também inseri-los neste
relatório, por compreendermos que caracterizam partes importantes da pesquisa
arqueológica e contribuem para as reflexões alcançadas com a finalização deste
projeto.

Para organizar este relatório final da pesquisa arqueológica, apresentamos


as atividades realizadas em sequência cronológica. Desta forma, iniciamos
apresentando a execução do levantamento topográfico na área, uma atividade não
prevista no Projeto Básico, e portanto que excede a contratação firmada. Sua
realização, dentro das limitações técnicas de uso e aplicação pela própria equipe do
projeto (e não por topógrafos profissionais), permitiu a elaboração de produtos que
contribuem para a avaliação sobre os danos que este patrimônio arqueológico
sofreu, além de facilitar a sistematização das informações espacializadas referentes
ao componente de arqueologia.

A próxima etapa descrita refere-se às intervenções arqueológicas, que


abarcam tanto atividades de caráter prospectivo ou exploratório, quanto
escavações propriamente ditas. Nesta seção, apresentamos com detalhamento

102
como foram realizadas estas diferentes atividades, buscando tornar claro não
apenas a localização, mas os resultados obtidos em cada uma das áreas e das
atividades. Ao fim da seção, apresentamos ainda algumas observações gerais sobre
as intervenções e o que foi possível alcançar através delas.

Na seção seguinte são apresentadas as atividades realizadas em laboratório,


que ocorreram no Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA, em Macapá. Aqui são
descritas as análises empreendidas e apresentados os resultados, que permitem
uma compreensão mais clara não apenas dos conteúdos das camadas
estratigráficas presentes no sítio, mas também do rico potencial informativo que
persiste sob o solo da área. Estas análises contribuem para a percepção de que,
apesar dos graves impactos que este patrimônio arqueológico sofreu, ainda há
muita informação disponível do ponto de vista arqueológico na área.

Antes da apresentação de uma discussão geral sobre a pesquisa


arqueológica empreendida, fazemos uma descrição geral das atividades
relacionadas à curadoria e guarda da coleção arqueológica, que abarca não apenas
o material arqueológico, mas também toda a documentação produzida em campo
durante sua coleta.

As observações gerais apresentadas por fim servem para sintetizar os


resultados da pesquisa e apontar para a necessidade de haver uma continuação na
pesquisa, inclusive para garantir a boa conservação deste patrimônio histórico e
arqueológico.

103
Levantamento topográfico
A primeira etapa da pesquisa arqueológica na área de localização das
estruturas da fortificação foi o levantamento topográfico das estruturas presentes
no sítio e da situação do terreno no entorno. Com o auxílio de uma estação total,
foram tomados pontos (com detalhamento entre 0,5 e 1 metro) na área das
estruturas da fortificação (paredes externas, fossos, área interna, etc.).

Em seguida, realizamos um estudo topográfico amplo da área do entorno da


fortificação, tomando pontos com variação de 5 a 10 metros um do outro. Isto
permitiu a visualização e posterior reconstrução em 3D da topografia da área e das
ruínas restantes, como apresentamos abaixo. É importante salientar que esta
produção topográfica foi realizada pela própria equipe do projeto, sem a
contratação de topógrafos profissionais. Apesar disso, em especial por esta ser uma
atividade excedente do Contrato firmado entre IPHAN e IEPA, os resultados são
muito interessantes.

Muralhas

Fosso

Visualização 3D do levantamento topográfico do sítio. Nele é possível visualizar o fosso preservado a


leste, bem como a fachada sul e partes das paredes leste e oeste do forte.

Através deste levantamento topográfico, foi possível evidenciar dois


principais vestígios ainda conservados do sítio. Primeiramente, foi possível
evidenciar, no lado oeste, o fosso que cercava a fortificação. Este fosso inicia junto
ao rio e percorre, no sentido sul-norte, toda a lateral da parte conservada das
muralhas do forte e, posteriormente, o fundo dos galpões recentemente
construídos que obliteraram o restante destas muralhas.

Também é possível verificar a preservação da fachada sul da fortificação, de


fronte ao rio. Atualmente, ela está aparente na forma de um grande monte de
terra, formando uma espécie de platô em seu topo, porém não muito largo.

104
Podemos observar uma porção recentemente desmoronada deste monte, em que a
estratigrafia mostrava uma sucessão de camadas de terra preta relativamente
horizontais, que indicam sua construção artificial. No entorno destas estruturas
conservadas é possível verificar grandes quantidades de cerâmica indígena,
misturadas em meio à terra preta.

Muralhas

Vista 3D da área do sítio, com demarcação das construções recentes (blocos amarelos) junto às ruínas.

Através da topografia realizada, também foi possível mapear com detalhe a


localização das intervenções arqueológicas. No mapa abaixo, apresentamos estas
informações, sobre um modelo de curvas de nível que fornece os dados sobre o
relevo atual do terreno:

Mapa de localização das intervenções arqueológicas e das estruturas construídas relacionadas ao Forte
Cumaú (muralhas e fosso), sobre modelo de curvas de nível indicando relevo atual.

105
Intervenções Arqueológicas
No que tange o componente interventivo da pesquisa arqueológica,
organizamos a apresentação iniciando com os resultados das ações de caráter
prospectivo. Os resultados das escavações são apresentados na sequência, com
detalhamentos sobre as diferentes áreas de intervenção. Ao final, algumas
considerações sobre as escavações são traçadas.

Atividades de Prospecção: Tradagens e Coletas em Superfície

Como parte das atividades de reconhecimento deste sítio arqueológico,


realizamos prospecções no entorno para observar a distribuição de material
arqueológico em superfície. Apesar das estruturas construídas (muralhas e fossos)
estarem espacialmente limitadas, sendo facilmente definidas, já nas primeiras
visitas à área começamos a observar que havia fragmentos cerâmicos em superfície
em uma área mais ampla do que o entorno imediato destas estruturas.

A partir desta observação, realizamos alguns percorrimentos para mapear


melhor esta dispersão. Inicialmente, foram feitos percorrimentos radiais, partindo
das estruturas em direção às áreas vizinhas. Como há muitas construções neste
entorno imediato, inclusive terrenos murados, nem sempre foi possível observar
sistematicamente todas as áreas. Apesar disso, a amostra que conseguimos obter
serve como uma estimativa importante para a delimitação deste sítio arqueológico.
Durante estes percorrimentos, foram realizadas coletas assistemáticas de peças
diagnósticas, como bordas, fragmentos com decoração e tijoleiras bem
preservadas.

Para complementar as observações de superfície, também realizamos uma


série de tradagens, com a ferramenta “boca-de-lobo”. Estas foram locadas no lado
Oeste do fosso e em porções a noroeste. A escolha por esta área se deu em função
das condições atuais de preservação do entorno, sendo esta a única área do
entorno imediato onde não foram implantadas construções recentes. Na figura
abaixo, localizamos estas tradagens sobre o mapa com as estruturas da fortificação
e as demais intervenções arqueológicas.

106
Mapa de localização das tradagens.

Ao todo, foram realizadas 12 tradagens, que alcançaram em média cerca de


40cm de profundidade. Em função da ferramenta utilizada, as tradagens têm cerca
de 15 cm de diâmetro. Nosso objetivo em fazer esta atividade não era apenas
observar a presença de peças arqueológicas em sub-superfície, mas principalmente
observar o comportamento das camadas estratigráficas.

Para denominar cada uma das tradagens, fizemos uso do sistema numérico
de coordenadas X/Y, utilizando como ponto inicial uma das estações topográficas
implantadas no terreno. Nomeamos este ponto inicial como 5000/5000, sendo que
– seguindo um padrão cartesiano – as coordenadas aumentam em direção a norte
e leste. Para a distribuição das tradagens no terreno, buscamos distanciá-las cerca
de 25m entre si, no entanto, em função de obstáculos no terreno, algumas
adaptações foram feitas, como pode ser observado no próprio nome das tradagens.

Na tabela abaixo, sumarizamos as informações coletadas nesta atividade:

107
Tradagem Profundidade Observação
alcançada
5000/5000 50cm Camada superficial com 20cm, seguida de camada
laterítica. 01 fragmento de cerâmica colonial na camada
superficial.
5000/5025 40cm Camada superficial com 10cm, seguida de camada areno-
argilosa, sobre camada laterítica aos 40cm. 05 fragmentos
de cerâmica indígena
5000/5050 18cm Camada superficial com 18cm, sobre camada laterítica.
Sem material arqueológico.
5000/5075 35cm Camada superficial com 20cm, seguida de camada
laterítica compacta. 01 fragmento lítico.
5025/5075 36cm Camada superficial com 20cm, contendo entulho de
construção (telha e lajota), seguida de camada com mais
lateritas, e ainda com entulho. 02 fragmentos de cerâmica
colonial entre 20 e 30cm.
5041/5075 40cm Camada superficial com entulho e lateritas, seguida de
camada com lateritas. Sem material arqueológico.
5041/5100 32cm Camada superficial com entulho chega a 20cm, seguida de
camada sem entulho (até 32), sobre camada laterítica. 02
fragmentos de cerâmica colonial entre 0 e 30cm.
5041/5125 20cm Camada laterítica, área impactada por abertura de acesso
para carros. Sem material arqueológico.
5062/5125 50cm Camada superficial com 20cm, seguida de camada com
entulho (até 40cm), sobre camada laterítica. Sem material
arqueológico.
5062/5150 47cm Camada superficial com 20cm, húmica, contendo carvões
esparsos; seguida de camada com carvões esparsos até
40cm; e camada laterítica a seguir. Sem material
arqueológico.
5062/5175 40cm Camada superficial com pouca laterita até 20cm, seguida
de camada areno-argilosa até 40cm, quando alcançou
camada laterítica. Sem material arqueológico.
5062/5190 60cm Camada superficial com entulho alcança até 20cm,
seguida de camada com pouca laterita e concreções de
argila, sobre camada com pouquíssima laterita e
sedimento solto, seguida de camada laterítica. Sem
material arqueológico.
Tabela de informações sobre as tradagens realizadas.

Como pode ser observado na tabela acima, foi possível identificar vestígios
arqueológicos em sete tradagens. É interessante ressaltar que todas estão
localizadas em um contínuo, o que indica que esta é uma área com alto potencial,
oferecendo boas condições para a continuidade das pesquisas. Também foi possível
observar que a camada contendo as peças arqueológicas já não está aparente ao
distanciar-se das estruturas, e também aumenta a perturbação recente, com
presença de entulho e até lixo.

Com a realização destas tradagens também ficou bastante claro a


persistência de uma camada laterítica bem compacta que serve de base geológica
nesta área, e que certamente foi aproveitada para a construção das muralhas,
como ficou evidente no Perfil Leste, que será apresentado mais adiante.

108
Através das informações oferecidas pelas tradagens, em conjunto com as
informações coletadas em percorrimentos em outras áreas no entorno, podemos
afirmar que o sítio arqueológico, apesar de bastante impactado no entorno entre
norte e leste das estruturas, tem porções bem preservadas a oeste. Além disso, há
outras porções bem preservadas a leste, no terreno vizinho, onde não foram
implantadas construções recentes. Como apresentamos mais abaixo, realizamos
uma escavação nesta área (Trincheira 4) que aponta exatamente para esta ótima
preservação do sítio. Com isso, os resultados obtidos nestas atividades
prospectivas muito contribuem para uma caracterização melhor deste patrimônio
arqueológico.

Apresentação geral das unidades de intervenção

As escavações realizadas tiveram como objetivo identificar o potencial


arqueológico do bem, e portanto não visavam abarcar amplas áreas do sítio, o que
nem seria possível em função das limitações financeiras do projeto. De fato,
optamos por realizar intervenções em quatro áreas distintas, que permitiram a
identificação da tecnologia construtiva, dos componentes estratigráficos e da
variação nas densidades e tipos de materiais arqueológicos presentes.

Para as escavações, partimos da idéia de que a configuração espacial dos


sítios arqueológicos e dos artefatos dentro de um sítio é heterogênea. Neste
sentido, a investigação da variação espacial da cultura material em um sítio e entre
sítios deve ser considerada como um dos pré-requisitos imprescindíveis numa
aproximação à interpretação do registro arqueológico. Esta variabilidade espacial
inter e intra-sítio está diretamente relacionada à ordenação hierárquica, derivada
de diferenças entre indivíduos ou grupos, na medida em que estes desempenham
atividades especializadas ou dispõem de diferentes níveis de controle sobre
recursos (Wust 2001). Por sua vez, as diferenças da cultura material nos diversos
espaços de um sítio podem remeter a áreas de atividades específicas e indicar
eventuais aspectos da organização sócio-política e econômica (idem).

Tais preocupações nortearam a metodologia empregada na investigação do


sítio. Desta forma, privilegiou-se neste projeto a morfologia do sítio e sua
distribuição na paisagem, orientando para uma coleta sistemática e representativa
do material arqueológico. Isto porque a análise espacial destes elementos permite a
investigação dos processos de formação do depósito arqueológico e do significado
dos diversos espaços neste assentamento (Schiffer 2002).

109
A seleção das áreas a serem escavadas partiu das informações coletadas
durante as prospecções e visitas exploratórios. Foi assim, por exemplo, que
optamos por abrir a Trincheira 4, em uma área afastada das estruturas, mas com
fragmentos cerâmicos em superfície. No mesmo sentido, a delimitação das
estruturas construídas (fosso e muralhas) serviram como guia para a escolha das
intervenções voltadas para a compreensão do processo construtivo e do histórico
de ocupação da área.

As intervenções ocorreram a partir dos problemas de pesquisa levantados,


tendo sido direcionados pelo mapeamento e pelas problemáticas relacionadas à
própria história do sítio em questão. Assim, foram investigadas áreas específicas do
sítio, a fim de compreender a forma, função e cronologia das estruturas presentes.
Portanto, as escavações no sítio arqueológico foram preferencialmente
concentradas nas áreas-chave para compreensão da estrutura e espacialidade das
evidências, tais como parcelas das muralhas e a praça central.

A metodologia de escavação ocorreu da seguinte forma: primeiramente, a


partir de um ponto Ø definido no sítio (localizado no topo das muralhas), uma
malha de quadrículas foi lançada sobre a área a ser investigada. A nomeação das
áreas de intervenção foi dada a partir de um nome geral (Trincheira), numeradas
cronologicamente. Dentro de cada trincheira, cada unidade de 1m² recebeu um
número específico, ordenados de oeste para leste.

As quadrículas escolhidas para intervenção, com objetivo de mapear as


concentrações do sítio, profundidade das camadas e natureza e função de
estruturas, foram escavadas a partir de camadas naturais, porém sendo
controladas em níveis artificiais de 10 cm de espessura. Tal situação permite o
controle da estratigrafia natural ao mesmo tempo em que oferece o registro
acurado em camadas artificiais.

Os procedimentos de escavação e as camadas culturais foram descritos em


diários de campo. Cada estrutura encontrada foi registrada e georreferenciada com
ajuda de uma estação total e posicionadas em XYZ com coordenadas UTM, o que
permite a elaboração de planos de escavação detalhados, por nível e por camada.

Os artefatos escavados foram acondicionados em sacos plásticos e


identificados quanto à sua procedência. Durante as escavações, em função da alta
presença de componentes indígenas, foram feitas coletas de carvão vegetal para
datações, a fim de averiguar-se posteriormente a maior antiguidade desta
ocupação. No entanto, como não havia recurso previsto no Projeto Básico para este
tipo de análise, armazenamos as amostras na Reserva Técnica de Arqueologia do
IEPA para usos futuros.

110
Ao todo, quatro unidades principais foram alvo de intervenções, cada uma
utilizada para resolver problemas específicos da pesquisa. Uma destas áreas, de
fato, denominada “Perfil leste”, não foi escavada no sentido habitual, já que se
caracteriza como um perfil estratigráfico exposto pelas ações anteriores de impacto
ao sítio arqueológico. Houve ainda uma unidade que não chegou a ser trabalhada
de fato (Trincheira 3), e sobre a qual não há informações a serem apresentadas.

No mapa abaixo, apresentamos a localização destas unidades de


intervenção:

Mapa de localização das quatro unidades de intervenção.

De forma breve, descrevemos cada uma destas unidades, para depois


apresentar com mais detalhes os resultados alcançados em cada uma delas.

A unidade “Perfil Leste” só tornou-se disponível ao estudo em função da


destruição parcial da fortificação durante a construção do porto que existe na área.
Com o desbarrancamento de partes da estrutura, este perfil ficou exposto. Segundo
relatos dos trabalhadores da empresa que atua na área, durante o período de
chuvas intensas, a camada superficial deste talude escorre, deixando-o aparente,
como encontramos no início das atividades. Com a limpeza deste perfil, tivemos
acesso ao processo de construção da muralha.

111
A unidade denominada “Trincheira1” foi situada no topo da porção oeste dos
atuais vestígios da muralha, objetivando obter, em complementação ao “Perfil
Leste”, informações sobre o processo de construção das mesmas, bem como obter
informações sobre artefatos e estruturas “In situ”. Ao todo foram escavadas 6,5
unidades de 1m² nesta trincheira.

A unidade denominada “Trincheira 2” foi instalada no que se considera o


interior ainda conservado da fortificação, e procurou evidenciar pisos de ocupação e
a possível seqüência estratigráfica que evidenciasse a história da ocupação do sítio.
Ao todo, foram escavadas 4 unidades de 1m² nesta trincheira.

Outra unidade, denominada “Trincheira 3”, chegou a ser locada no sítio. Esta
trincheira tinha dimensões 1m x 1m, estando localizada na meia encosta das ruínas
da muralha, próxima à Trincheira 02. É importante salientar que em decorrência do
surgimento de uma raiz de árvore extremamente grossa no meio da quadrícula ela
teve somente o início do nível de 0-10 cm escavado, não sendo possível dar
continuidade à escavação. Além disso, sua posição em meio encosta mostrou-se
pouco propícia à identificação de novos elementos, e com isso optamos por não dar
continuidade, não havendo, portanto, informações sobre esta unidade.

A última unidade aberta foi denominada de “Trincheira 4”, composta de


apenas uma unidade de 1m². Ela foi localizada fora do terreno delimitado da
Waldemar Navegações Ltda., na propriedade do Sr. André Alcolumbre (de acordo
com as informações obtidas na Prefeitura Municipal de Santana, ver mapa no anexo
9). A escolha por uma unidade tão afastada das estruturas da fortificação foi feita
justamente para podermos observar com mais detalhe a composição dos entornos
do sítio. Esta unidade objetivou, portanto, entender a estratigrafia de uma área de
terra preta contendo cerâmica indígena em um local pouco perturbado tanto pela
construção da fortificação quanto das construções mais recentes relacionadas com
o porto.

Perfil Leste

Na parte leste dos atuais vestígios da muralha, havia um corte


provavelmente feito por máquinas e que destruiu partes da estrutura desta
fortificação. Na parede onde a estrutura foi cortada, observamos que havia
possibilidade de se ter a visão do perfil estratigráfico daquela parede, oferecendo
uma ótima oportunidade para verificarmos as técnicas construtivas utilizadas.
Decidimos então fazer a limpeza da parede, pois estava coberta por gramíneas e
sedimentos caídos devido à erosão ocasionada por vento e chuva.

112
Feita a limpeza da parede, foi possível evidenciar o perfil estratigráfico dessa
parede, oferecendo contribuições importantes para a compreensão de como foram
construídas as muralhas dessa fortificação, com uma técnica denominada de taipa
de formigão (ver relatório de Danos ao bem para uma melhor definição deste
método construtivo). É importante frisar também que na limpeza da parede foram
retirados vários fragmentos de cerâmica indígena, encontrados misturados a uma
terra preta, um tipo de solo característico de sítios arqueológicos indígenas na
Amazônia.

Perfil Leste. Cotidiano da limpeza realizada para evidenciar o perfil.

Apesar das dificuldades de se realizar uma escavação vertical nesta unidade,


em especial devido à altura da área, fizemos uso de uma escada retrátil para
conseguir expor uma ampla área desta porção. Ao todo, foi exposta uma área de
mais de 10 m², que permitiu a observação do interior das muralhas. Foram
coletadas 686 peças nesta unidade, sendo que 657 são fragmentos de cerâmica
indígena.

Como pode ser evidenciado na fotografia abaixo e no perfil estratigráfico


inserido ao final deste relatório da pesquisa arqueológica, a exposição deste perfil
permitiu uma observação muito importante sobre o processo de construção das
muralhas. Uma característica marcante é a linha vertical que distingue dois tipos de
solo muito distintos: uma camada laterítica de cor laranja, e um solo mais arenoso
de cor escura. Este solo escuro pode ser caracterizado como Terra Preta

113
Arqueológica (TPA), e de fato é formado por terra oriunda de um sítio arqueológico
indígena, o que explica em parte a alta densidade de fragmentos de cerâmica
indígena nesta unidade.

Como observamos durante as prospecções, o entorno da área das estruturas


do Forte Cumaú tem forte presença de material cerâmico indígena, em muitos
casos associado com a Terra Preta. Esta situação indica que a construção das
muralhas fez uso de terras disponíveis no entorno, inclusive parcelas significativas
deste sítio arqueológico indígena.

Registro fotográfico da unidade “Perfil Leste”, em que se pode observar a parede vertical construída em
taipa de formigão e seu aterro interno realizado com terra preta arqueológica (TPA) que compõe o
entorno do sítio. A malha de quadriculamento com unidades de 1m² serviu de base para o registro
gráfico.

Ainda não está claro, no entanto, se este sítio arqueológico ainda era
habitado por populações indígenas durante a construção do forte. De qualquer
forma, o material arqueológico recolhido nas escavações sobre as muralhas e no
interior da estrutura (Trincheiras 1 e 2) indica que a presença indígena era
significativa durante a ocupação portuguesa desta área. Isto significa que povos
indígenas e europeus conviveram durante o funcionamento deste sítio colonial, o
que também é indicado nas fontes históricas, desde o tempo da construção do forte
inglês, no século XVII.

A estratigrafia aparente no Perfil Leste aponta, portanto, para pelo menos


dois momentos desta construção. Há primeiramente a edificação de uma muralha

114
com camadas lateríticas, que devem ter qualidades geológicas que contribuem para
sua resistência. Esta é observada na “parede” vertical de coloração laranja exposta
no perfil. Depois de levantada esta “parede”, o solo de terra preta era depositado.
O perfil estratigráfico mostra claramente que a deposição deste solo foi realizada
em camadas relativamente horizontais, com porções de terras alaranjadas entre
elas, permitindo uma reconstrução dos múltiplos eventos que resultaram nesta
muralha de cerca de oito metros de altura.

A partir destas informações, em associação com informações de documentos


históricos e de pesquisas sobre conservação, podemos afirmar hoje que as
muralhas foram construídas, basicamente, com a técnica de ‘taipa de formigão’.
Isto aponta para uma diversidade de tecnologias construtivas empregadas na
região, já que a Fortaleza de São José – ainda que um pouco posterior – faz uso de
uma técnica embasada em paredes de rocha.

A técnica construtiva empregada no Forte Cumaú, portanto, contribui ainda


para entendermos os processos de degradação que este patrimônio arqueológico
vem sofrendo desde seu abandono. Este pode ser um dos motivos pelos quais os
moradores do entorno elaboraram seu imaginário sobre uma ideia de que o Forte
Cumaú nunca fora finalizado, já que mesmo os moradores mais antigos
conheceram sua estrutura já degradada.

Trincheira 01

A trincheira 01 foi escavada com dimensões de 6 metros e meio de


comprimento por 1 metro de largura e foi aberta na parte leste das ruínas, próxima
ao galpão principal. Suas quadrículas de tamanho 1m x 1m foram representadas
pelos números 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29. Ao todo, foram coletadas 1509 peças
nesta unidade, sendo que 178 são de origem europeia, o que atinge mais de 10%
desta amostra.

Quanto à técnica de escavação nesta trincheira, é importante ressaltar que,


até aos 40 centímetros de profundidade, as quadrículas pertencentes a esta
trincheira foram escavadas por nível artificial. A partir do nível 40cm, foi escolhida
a quadrícula de número 29 para ser escavada em camada natural. A expectativa,
baseada nas observações feitas no “Perfil Leste” era de que, abaixo da laterita,
houvesse uma camada de terra preta, que corresponderia à camada de ocupação
ou camada arqueológica propriamente dita.

Encontrada a camada arqueológica na quadricula 29, foi então definido que


as outras quadrículas da Trincheira 01, a partir dos 40 cm, fossem escavadas por

115
nível natural até que se chegasse à camada arqueológica, o que ocorreu entre os
níveis 60cm, 70cm e 80 cm.

Cotidiano da escavação da unidade denominada “Trincheira 01”, ainda em seus primeiros níveis.

Perfil estratigráfico da Trincheira 01 mostrando a camada de laterita recobrindo a Terra Preta.

116
Sobre a composição e textura dos solos escavados nas quadrículas da
Tricheira 01, observamos que até o nível 60 cm de profundidade o solo apresentou
uma coloração Marrom Alaranjado de textura areno argilosa, com presença muito
intensa de lateritas e também materiais cerâmicos, tanto construtivos (tijoleiras,
telhas) quanto utilitários (principalmente cerâmica manual indígena, mas também
foi encontrada faiança, possivelmente portuguesa). Descendo do nível 70 aos 80
centímetros, a coloração do solo começou a ter uma mudança entrando em
transição para um marrom mais escuro. Vale frisar que continuava a presença de
lateritas e materiais arqueológicos. Chegando a camada de terra arqueológica em
todas as quadrículas da trincheira 01, foi realizado o processo de limpeza da
mesma para que em seguida fossem feitos os devidos registros fotográficos e
gráficos.

Esta sobreposição de uma camada alaranjada, laterítica, sobre a camada de


terra preta, repete a mesma estratigrafia observada no Perfil Leste, em que a parte
mais alta das muralhas está totalmente recoberta por este tipo de solo alaranjado.
É possível que isso se deva ao desmoronamento de possíveis guarda-corpos que
poderiam circunscrever todo o topo das muralhas.

A escavação desta unidade permitiu a identificação, a cerca de 60 cm de


profundidade, do limite interno da taipa de formigão utilizada para construir o muro
externo do amuralhamento.

Detalhe do limite da taipa de formigão e da terra preta, evidenciando uma distinção muito clara entre os
dois pacotes estratigráficos.

117
Este pequeno detalhe foi essencial para conseguirmos associar esta
estrutura de fortificação com a iconografia histórica do Forte Cumaú. Isto se deu
porque o alinhamento desta parede externa segue o mesmo alinhamento indicado
na iconografia, ou seja, não é uma linha perpendicular ao rio, e sim uma linha
inclinada.

Nas figuras abaixo, é possível observar melhor este relação entre a


evidência material (arqueológica) e a evidência iconográfica:

Relação entre as evidências materiais e iconográficas que permitiram identificar ruínas com a fortificação
histórica conhecida como Forte Cumaú.

A partir destas informações, conseguimos alinhavar não apenas a


documentação histórica com a documentação arqueológica, mas também a própria
história oral partilhada pela comunidade. Como mostramos em relatório anterior, o
nome Forte Cumaú tem persistência ainda hoje entre os moradores, sendo a
nomenclatura mais citada para se referir a esta fortificação.

118
Trincheira 02

Esta trincheira teve dimensões de 4 metros de comprimento por 1 metro de


largura, e foi aberta em uma área que pode ser considerada como parte interna do
forte, ou sua praça. Infelizmente, uma vez que amplos galpões foram construídos
sobre partes significativas da praça fortificada, não foi possível investigar as áreas
de fato centrais. Esta unidade foi dividida em 4 quadrículas de 1m x 1m, recebendo
as numerações: 37, 38, 39 e 40. Ao todo, foram coletadas 2048 peças nesta
unidade, sendo que 1427 têm origem europeia, representando quase 70% desta
amostra. Esta é a unidade que mais ofereceu material colonial, reforçando a ideia
de que o interior da fortificação abrigava edificações para a moradia de europeus.
Vale ressaltar que a maior parte destas peças são materiais construtivos, como
fragmentos de telhas e tijolos. Ressaltamos também que nesta unidade foi
encontrada uma miçanga de vidro, um item bastante comum de comércio com
nativos.

Etapa inicial das escavações da denominada “Trincheira 2” (que totalizou 4 unidades de 1m²).

A escavação de suas quadrículas apresentou, até a profundidade de 50 cm,


um solo areno-argiloso bastante compacto, com uma intensa presença de lateritas,
além de vários fragmentos arqueológicos, como: fragmentos de cerâmica
construtiva (tijoleira e telhas), líticos e vidros. Aprofundando para os níveis abaixo
dos 50-60 cm, o solo começou a apresentar uma coloração mais escura,
mesclando-se ao solo mais claro. Nestes níveis que se seguiram abaixo do 50-60
cm, continuamos a encontrar fragmentos arqueológicos como cerâmicas
construtivas, fragmentos de cerâmica indígena, além de vidros e fragmentos de
louça européia.

119
Cotidiano da escavação, em cena de registro gráfico da estratigrafia na Trincheira 2.

Esta camada de coloração escura foi interpretada como um contrapiso, que


foi soterrado pela degradação natural das paredes das muralhas. Foram observadas
duas estruturas neste nível que poderiam caracterizar buracos de esteio de postes,
mas que careciam de um contexto mais claro. Após a evidenciação deste
contrapiso, facilmente observável pela coloração mais escura, decidimos seguir a
escavação em apenas uma das quadrículas, para averiguar a composição
estratigráfica.

Como pode ser observado no perfil estratigráfico apresentado ao final deste


relatório de pesquisa arqueológica, abaixo desta camada de contrapiso havia outra,
com coloração alaranjada e composta por muita laterita. Esta camada alcançava
cerca de 20 a 30cm, e estava sobreposta ao solo de Terra Preta Arqueológica, e
deveria ser uma camada de nivelamento para a construção do piso. Na Terra Preta
Arqueológica, havia fragmentos de cerâmica indígena, sem presença de material de
origem europeia. Ao que tudo indica, esta é uma camada anterior à chegada dos
europeus neste local.

120
Trincheira 02, contrapiso em terra escura evidenciado, com duas possíveis marcas de buracos de poste.

Perfil Norte da Trincheira 2 ao final da escavação. Na parte mais funda está evidenciada a camada de
terra preta arqueológica, sobreposta por camadas de nivelamento de contrapiso.

121
Trincheira 04

Esta trincheira foi aberta fora do terreno da empresa Waldemar Navegações,


em uma área no limite Leste, onde não há construções recentes. Sua dimensão foi
de 1m x 1m e foi delimitada a Leste das outras trincheiras próximo ao muro que
marca a divisa de terrenos. Apesar da pequena área escavada (1m²), foram
coletadas 411 peças, sendo quase 95% de origem indígena. Apesar da baixa
representatividade, a presença de material de origem europeia demonstra que a
distância entre as áreas não significa isolamento. De fato, a presença de
componentes de origem europeia nesta porção do sítio – claramente indígena –
reforça a ideia de que uma aldeia indígena existia nesta área concomitante à
presença dos europeus. É interessante ainda ressaltar que o material de origem
europeia estava presente apenas até cerca de 30cm de profundidade, o que indica
uma possível continuidade entre uma ocupação pré-colonial até o contato.

Escavação da unidade “Trincheira 4”. O muro à direita demarca o limite do terreno onde estão as ruínas
da fortificação.

A profundidade em que esta trincheira foi escavada chegou ao nível 50cm,


apresentando em todos níveis escavados um solo de textura areno-argilosa, escuro
(terra preta arqueológica), compacto, com presença de lateritas e de cerâmica
indígena.

122
Situação final da Trincheira 04, alcançando o solo alaranjado estéril.

No Perfil Estratigráfico desta unidade, fica evidente a sobreposição da Terra


Preta Arqueológica à camada laterítica que parece ser o substrato geológico da
área. Foram observadas também algumas anomalias estratigráficas, como o
aprofundamento da camada arqueológica em alguns pontos (alcançando 50cm de
profundidade). No entanto, em função das pequenas dimensões, não foi possível
caracterizar melhor estas possíveis estruturas.

Observações gerais sobre as intervenções arqueológicas

A partir das intervenções arqueológicas realizadas, somadas às atividades


prospectivas, é possível afirmar que – apesar dos impactos óbvios que este
patrimônio arqueológico sofreu, em especial nas últimas décadas – ainda existe um
rico acervo material disponível à investigação e à proteção na área.

A exposição do Perfil Leste permitiu alcançarmos uma espécie de radiografia


da construção, fornecendo elementos muito importantes sobre a tecnologia
empregada e o processo construtivo, com a deposição horizontal da terra de
preenchimento. Além disso, ficou muito claro que solo arqueológico de um sítio
indígena foi utilizado como material construtivo para as muralhas, apontando para
processos de impactos sobre o patrimônio arqueológico bastante antigos.

123
A partir das informações evidenciadas no Perfil Leste, as escavações na
Trincheira 1 foram realizadas também com o objetivo de averiguar se havia
continuidade na técnica construtiva em outras porções da muralha. Os resultados
foram ainda mais relevantes do que o esperado. Para além de observarmos o
mesmo processo de construção nos dois pontos, sugerindo a congruência desta
técnica talvez por todo amuralhamento, identificamos um elemento que confirma
serem estes os vestígios do Forte Cumaú. Com isso, as escavações arqueológicas
somam-se à história oral partilhada pelos moradores, e conflui com a única
iconografia detalhada deste forte histórico. Foi de fato uma surpresa alcançarmos
um resultado tão relevante em uma pesquisa ainda embrionária.

As escavações realizadas ainda em uma porção do interior da praça murada


e em áreas periféricas desta muralha contribuíram para um entendimento mais
claro sobre a participação de diferentes grupos na construção desta história. Na
Trincheira 2, como esperado para uma área no interior da fortificação, foi coletada
a maior quantidade de materiais de origem europeia, com forte presença de
cerâmicas construtiva. Este é um indício importante da presença de edificações
nesta área, que talvez tenham sido degradadas ainda no período colonial, durante
as obras de construção da Fortaleza de São José de Macapá (período em que foi
produzido o croqui histórico sobre o Forte Cumaú). Se este foi o caso, isto
explicaria a ausência de referências a estas construções pelos moradores do bairro,
que descrevem com muito detalhamento a forma e as dimensões das muralhas e
do fosso.

Já na Trincheira 4, localizada em uma área que pode ser considerada


periférica em relação ao forte, notamos a presença de muito material indígena,
associado com o solo de terra preta. O interessante desta área, no entanto, é um
indício de continuidade da ocupação indígena desde períodos anteriores ao contato
com europeus. No entanto, em função das pequenas dimensões desta unidade,
pesquisas futuras deverão ser realizadas para averiguar melhor esta hipótese.

Com isso, mesmo com as limitações impostas na definição dos tamanhos


das intervenções, este projeto conseguiu alcançar resultados muito importantes,
não apenas para a pesquisa arqueológica e histórica sobre este momento da
ocupação humana na região, mas principalmente para a proteção a este patrimônio
que tanto requer atenção, e que ainda contém um rico manancial para a história e
a cultura do Estado do Amapá.

124
Corte Estratigráfico do Perfil Leste

125
126
127
128
Estudos de laboratório sobre o material arqueológico

Procedimentos de Curadoria e Escolha das Amostras

Diante da quantidade considerável do material arqueológico recuperado


durante a pesquisa de campo, além do diferente potencial informativo das peças,
foram elaboradas estratégias de análise amostral que pudessem fornecer
informações sobre a composição do sítio, a natureza e o significado do material
coletado. Com esta finalidade adotou-se a seguinte estratégia de curadoria e
análise dos artefatos encontrados:

 organização do material;
 lavagem e numeração;
 quantificação de todo material;
 seleção das amostras;
 análise detalhada do material arqueológico selecionado;
 documentação gráfica de artefatos;
 informatização dos dados;
 pesquisa bibliográfica e síntese

Todos os artefatos selecionados foram lavados com água e, após a secagem,


numerados com tinta nanquim. Cada peça foi individualmente numerada, segundo
o sítio, a posição geográfica da coleta (unidades de coleta, estruturas, etc). Foi
realizada a contagem e classificação da natureza do material, segundo os seus
aspectos morfológicos.

A seguir foram selecionadas as amostras: todas as faianças e artefatos


cerâmicos coloniais; peças mais preservadas de telhas e tijoleiras; bordas, bases e
fragmentos de corpo com decoração da cerâmica indígena. As bordas e elementos
decorativos da cerâmica indígena também foram desenhados e digitalizados.

Com o objetivo de sistematizar os dados provenientes das análises e de


facilitar o processamento por meio da informática, foram elaboradas fichas
analíticas específicas sobre os aspectos tecnológicos e morfológicos dos artefatos.
Foram criados diversos bancos de dados sobre os aspectos quantitativos e
qualitativos do material arqueológico, empregando-se o programa Excel.

Quantificação da coleção

Nas páginas seguintes realizamos um inventário da coleção analisada, que


será objeto de análise mais detalhada no restante do texto. Foi realizada uma
quantificação geral da coleção com base na categoria dos artefatos (faiança,

129
cerâmica colonial, cerâmica indígena, cerâmica construtiva, etc.) e na sua natureza
(borda, base, corpo, etc).

Na quantificação dos materiais do sítio, obtiveram-se os seguintes números


totais: 2935 fragmentos de cerâmica indígena, 46 artefatos líticos, 17 fragmentos
de vidro, 18 fragmentos de faiança, 201 fragmentos de tijoleiras, 5 fragmentos de
metal, 1093 fragmentos de telha e 352 fragmentos de cerâmica construtiva, os
quais, devido ao estado de fragmentação, foram impossíveis de determinar se
tratavam-se de telhas ou tijoleiras.

Quanto à proveniência desta coleção, ela é dividida da seguinte forma: 686


peças recuperadas na limpeza do perfil leste, 1509 peças junto à trincheira 1, 2048
peças junto à trincheira 2, 411 peças junto à trincheira 4, 11 peças nas tradagens
e, finalmente, 112 peças coletadas sem referência espacial, por estarem em
contextos perturbados.

Os materiais apresentaram-se da seguinte maneira em cada um dos


contextos:

No perfil leste, foram encontrados 657 artefatos cerâmicos indígenas (entre


corpos, bases e bordas, lisos ou com decoração, conforme pode ser visto na tabela
abaixo), 14 peças líticas (não necessariamente artefatos), 1 fragmento de vidro, e
fragmentos de cerâmica construtiva, além de 12 outras peças não identificadas.

Perfil Leste
558
600
500
400
300
200
100 14 10 8 53 6 5 3 5 9 1 2 12
0
fainça

outro
borda lisa

borda incisa

metal

telha
borda pintada

borda excisa

lítico lascado
lítico polido

laterita
assador

lítico bruto

tijolo
corpo inciso
corpo exciso

vidro

cerâm colonial ind


base
corpo liso
corpo pintado

Quantificação geral do material encontrado no perfil leste

Na Trincheira 1, foram encontrados 1269 artefatos cerâmicos indígenas, 46


peças líticas, 8 fragmentos de faiança, 56 fragmentos de tijoleira, 89 fragmentos de
telha, 23 fragmentos de cerâmica construtiva não identificada, 2 peças de metal,
além de 16 outras peças não identificadas.

130
Trincheira 01
1167
1200

1000

800

600

400

200 68 56 89
3 16 3 4 7 1 4 1 7 34 8 2 23 16
0

laterita
vidro

tijolo
metal
corpo inciso

borda pintada
borda incisa
borda excisa

lítico lascado
lítico polido
lítico bruto

fainça

telha
corpo liso
corpo pintado

cerâm colonial ind

outro
base
borda lisa
corpo exciso

assador

Quantificação geral do material encontrado na Trincheira 1.

Na Trincheira 2, foram encontrados 588 artefatos cerâmicos indígenas, 33


peças líticas, 12 fragmentos de vidro, 10 fragmentos de faiança, 143 fragmentos de
tijoleira, 982 fragmentos de telha, 251 fragmentos de cerâmica construtiva não
identificada, 3 peças de metal, além de 26 outras peças não identificadas.

Trincheira 02
982
1000
900
800
700 531
600
500
400 251
300 143
200 1 16 3 23 4 7 1 2 26 7 12 10 3 26
100
0
fainça
borda lisa

borda incisa
borda excisa

laterita

metal
borda pintada

lítico lascado
lítico polido
assador

lítico bruto

tijolo

telha
corpo exciso

vidro

outro
base
corpo liso
corpo pintado
corpo inciso

cerâm colonial ind

Quantificação geral do material encontrado na Trincheira 2.

131
Na Trincheira 4, foram encontrados 386 artefatos cerâmicos indígenas, 4
peças líticas, 12 fragmentos de vidro, 10 fragmentos de faiança, 19 fragmentos de
telha, além de 2 outras peças não identificadas.

Trincheira 04
343
350
300
250
200
150
100 19 2
50 6 14 2 15 5 1 1 3
0
borda incisa

lítico polido

laterita

fainça

telha
vidro

outro
metal
borda lisa
borda pintada

borda excisa

tijolo
corpo liso
corpo pintado

corpo exciso

lítico lascado

lítico bruto
assador
corpo inciso

base

cerâm colonial ind


Quantificação geral do material encontrado na Trincheira 4.

Análise da coleção de peças coloniais

O procedimento de análise da cultura material colonial encontrada durante


as escavações no Forte Cumaú levou em conta a metodologia de identificação usual
nas pesquisas arqueológicas de sítios datados do chamado período histórico, de
acordo com Schavelson (1991); Symanski (1998) e Tochetto et al. (2001). Neste
sentido, dada a diversidade própria dos elementos exumados em contextos
coloniais, ou mesmo do período do contato, a identificação e classificação do
material procedente do forte privilegiou a divisão em grupos ou categorias,
conforme a seguir.

Cerâmica Vermelha não Torneada (CNT). Constituiu os materiais feitos de


argila queimada, apresentando coloração de pasta vermelha ou em tons de ocre, de
textura porosa, com ou sem revestimento de superfície. Neste grupo com vasilhas
características da cultura indígena, a técnica mais comum ainda é a de
acordelamento, sendo observada a freqüência de uso de cariapé e caco moído
como antiplástico. As formas são compatíveis com tigelas e panelas, e quanto à
decoração, além dos lisos, observa-se técnicas de decoração complexas, com
incisões, digitados, raspados, escovados e pintados e/ou engobados. São referidos
como de cerâmica cabocla ou neobrasileira, que remetem ao seu emprego pelas

132
populações nativas mesmo após o contato até há pouco tempo atrás. Ainda em
cerâmica não torneada, identificou-se a presença de cachimbos, com uma
variedade de elementos decorativos nos fornilhos, como motivos florais, zoomorfos,
antropomorfos, geométricos. É atribuída sua predominante utilização entre as
populações nativas, desde a pré-história.

Caulim (CA). Representa objetos manufaturados com um tipo de argila pura,


bastante resistente, de coloração branca. Com este material foram identificados
cachimbos tipicamente de procedência européia. Nos fornilhos foi possível observar
elementos decorativos, inscrições e possíveis marcas de fabricantes. O início de sua
difusão é estimado a partir do final do século XVII.

Cerâmica Vermelha de torno. Trata-se de um tipo de cerâmica elaborado


com auxílio de torno, implemento típico de olarias, com uma característica presença
de óxido de ferro, com maior consistência devido à queima. Foram identificados
fragmentos de formas como alguidares, vasos para plantas, potes, panelas, bilhas,
etc.. Podem apresentar-se sem decoração, ou com incisões, modelados, vidrados,
etc. Embora ainda presente na atualidade este tipo de material passou a se difundir
em nossa região logo após o contato, em 1616.

Cerâmicas de construção. Neste grupo inserem-se os materiais destinados à


construção e compreendem as telhas onduladas (capa e colonial) os tijolos furados
e os maciços, como as “tijoleiras” ou “ladrilhos” coloniais, além de manilhas
(tubulares para fins de esgoto), perfeitamente compatíveis com dados sobre
existência de olarias.

Faianças (FA). Louças que apresentaram tipo de pasta interna com textura
terrosa e coloração amarelo-parda ou bege. No revestimento das peças há
variações entre engobado (terroso), transparente (vidrado) e opaco (esmaltado).
Apesar de raramente poder ocorrer em material de construção, como os azulejos,
seu emprego se refere mais aos objetos relativos aos serviços de mesa, como
pratos, xícaras, tigelas, pires, sopeira, terrinas e saladeiras. Há casos de estarem
também relacionados à higiene, como urinóis, ou mesmo à saúde, como os
contentores de produtos farmacêuticos. Destaca-se ainda a reutilização de
fragmentos, que eram arredondados, para utilização em brincadeiras ou jogos.
Apesar da maioria de peças brancas, verificou-se a presença motivos geométricos,
florais, paisagísticos, pintados em tons de azul, ou vinoso, ou preto, e também de
multicoloridos. Em sítios históricos brasileiros, este tipo de louça na maioria dos
casos é de origem portuguesa, e tem sido registrada sua difusão principalmente
desde fins do século XVI até início do século XIX.

133
Faianças-Finas (FF) Neste grupo estão as louças cuja pasta interna
apresenta-se na cor branca, de textura porosa, opaca ou brilhante, com ou sem
revestimento. Em meio aos padrões de decoração também detectou-se grande
variedade entre monocromáticos ou policromáticos, destacando-se: entre os
modelados, aqueles de padrões “trigal” e “royal”; e entre os pintados, ocorrência
dos seguintes padrões: bordas decoradas ou “shell edge”, incisos e pintados, em
azul ou verde; anelares como “dipped wares”, “wave” e “mocha”, em diversas
cores; pintados à mão, ou “Peasant Style”, em azul ou em policromia; impressos ou
“tranfer printed”, com motivos paisagísticos nas cores azul, verde, vermelho, preto,
roxo e vinho; carimbados, c/motivos florais e geométricos; e salpicados, em azul,
marrom, verde e vermelho. Assim como no caso da faiança, sua utilização foi muito
comum também nos serviços de mesa da sociedade colonial, como pratos, pires,
xícaras, canecas, tigelas, travessas, sopeiras, terrinas, chaleiras, etc., frasco para
creme dental. Também igualmente à faiança, são possíveis as peças arredondadas
usadas em jogos, entre outras. Este tipo de louça passou a ser largamente
produzido na Inglaterra, França, Alemanha e Holanda, a partir da segunda metade
do século XVIII.

Grés (GR) Os fragmentos de utensílios em grés apresentam pasta de


coloração mais acinzentada, opaca, compacta, com ou sem revestimento vidrado.
Com este material podem ocorrer os seguintes tipos de vasilhas mais freqüentes:
as garrafas cilíndricas com alça, de coloração laranja ou ocre-escuro, destinadas
para “água de genebra” (aguardente de Zimbro, de origem principalmente da
Holanda), com 30cm de altura por 8,5cm de diâmetro; garrafas de coloração
inteiramente branca e ou branca e marrom-chocolate, para “cerveja”, importadas
da Grã-Bretanha, com 21cm de altura por 7cm de diâmetro; e e “depósitos para
tinta” usados em tinturaria, e pequenos “tinteiros” de uso em escritórios, também
de origem inglesa, nas cores marrom-escuro e ocre, em várias dimensões. Estes
tipos de vasilhas são muito comuns em sítios históricos datados desde o século XIX
até início do século XX.

Metais (ME). Neste grupo podem ocorrer objetos associados a:

 Uso Militar: fragmentos de armas de fogo de diversas épocas, com


seus mecanismos de disparo por pederneira e percussão usados em
arcabuzes e espingardas, gatilhos, balas esféricas de chumbo,
projéteis, cartuchos, uma espada, canhões, balas de canhão de
vários calibres, parte de uma palanqueta, “saca-trapo” e agulhas
(apetrechos usados para limpeza de canhões). São ainda
identificadas medalhas comemorativas, com motivos militares.

134
 Ferramentas: compassos, martelos, facões, pás, enxadas, etc.
 Materiais construtivos: dobradiças, fechaduras, chaves, ferrolho,
ferraduras, cravos e pregos;
 Vestuário: botões, medalhas, insígnias e dedais relacionados aos
fardamentos da guarda colonial.
 Cozinha: colheres, garfos e facas...
 Uso religioso: crucifixo, medalha com esfinges de Santos.

Também referente a este material, existem registros muito comuns de


moedas, cunhadas em diferentes metais ou ligas, como ouro, prata, cobre, bronze,
latão e etc. Comumente, são de procedência de Portugal e Espanha (as mais
antigas), mas também do Brasil, elaboradas nas casas de moedas nacionais, como
do Rio de Janeiro, Maranhão e de Cuiabá, Mato Grosso e aquelas com carimbo da
época da Cabanagem. Além das produzidas durante o período colonial, há ainda
aquelas do primeiro império, qundo foram comuns as remarcações para aumentar o
valor das peças com uso de carimbos como o escudete (pequeno brasão
português). Tal providência servia para controlar e unificar o sistema monetário,
evitando o derramamento de moedas falsas e o aparecimento de contramarcas
regionais.

Porcelanas (PO). Estes materiais são constituídos de pasta branca


translúcida ou opaca, compacta, textura vítrea ou característica de pó-de-pedra,
com ou sem revestimento, e quanto às formas e funções, associam-se a pratos,
tigelas, pires, xícaras, sopeiras, bandejas, tampinhas cônicas de garrafa, chaleiras,
botões, material elétrico, etc. Quanto à decoração, podem ser florais pintados à
mão, em tons azul ou dourado, modelados, e anelares

Vidro (VI). Nesta categoria ressalta-se uma marcante variabilidade de


coloração, como por exemplo, verde âmbar, verde claro, azul, marrom e vermelho,
além de grande número de incolores. As formas compreendem basicamente
garrafas de bebidas como vinho, champanhe, cerveja, refrigerantes e águas
gasosas; garrafões ou “frasqueiras” de aguardente, copos, taças, frascos de
produtos medicinais. Com este material há tamblém outros produtos, como por
exemplo contas de colar, como adorno.

Líticos, ou Rocha (RO). Esta categoria é representada por amostras de seixo


rolado (quartzo), sendo porém caracterizados alguns artefatos lascados,
possivelmente raspadores, além de um fragmento de lâmina de machado polido,
usualmente atribuídos às culturas indígenas pré-históricas. Ainda pertencente ao
grupo de Rocha, registraram-se pedras de pederneiras usadas em armas de fogo,
como arcabuzes, durante o período colonial.

135
Apesar de haver uma quantidade significativa de artefatos relacionados ao
período colonial na coleção obtida durante as escavações no Forte Cumaú, a maior
parte deles possui pouco poder informativo, por tratarem-se, majoritariamente, de
cerâmicas construtivas, como telhas e tijoleiras.

Com exceção então das cerâmicas construtivas, os materiais coloniais


encontrados que possuem maior capacidade informativa destacam-se as faianças,
fragmento de porcelana, conta de vidro e cerâmicas coloniais. Como são poucas
peças, elas serão apresentadas individualmente.

Faianças

1. Fragmento de borda de prato, com diâmetro de 20 cm, decorada em tons de


azul, com motivos anelar e floral.

2. Fragmento de base de prato, com diâmetro de 12 cm, decorada em tons de


azul, com motivos anelar e floral.

3. Fragmento de corpo de prato, decorado em tons de azul, com motivos


anelar e floral.

136
4. Fragmentos de corpo de prato, decorado em tons de azul, com motivos
anelar e floral.

5. Fragmento de base de prato fundo, medindo 12 cm de diâmetro, decorado


em tons de azul, com motivo anelar.

Fragmento de Porcelana

1. Fragmento de corpo de possível objeto decorativo em porcelana com tom


azulado medindo 2.5cm.

137
Conta de Vidro

1. Conta de vidro branco leitoso, possuindo diâmetro externo de 4,2 mm,


diâmetro interno de 1,3 mm e espessura de 3,1 mm.

Cerâmica Colonial

A cerâmica colonial distingue-se da indígena em seus aspectos tecnológicos,


principalmente o método de manufatura. Enquanto a cerâmica indígena é
construída através da roletagem e modelagem, a cerâmica colonial é caracterizada
pela produção em torno.

1. Base de vasilha, com 41,9 mm de diâmetro.

2. Fragmento de cerâmica torneada, com altura de 10,6 cm e espessura de


1,2cm.

138
3. Fragmento de alça com banho monocrômico vermelho. Sua altura é
9,1cm, largura de 5cm e espessura de 2cm.

Cachimbos

1. Fragmento de porta boquilha em forma cônica com diâmetro externo


medindo 2,8 cm. Sua borda é decorada com entalhados com diâmetro interno de
0,48 cm e comprimento medindo 1,8 cm.

2. Fragmento Porta boquilha em forma cilíndrica com diâmetro externo


medindo 2,1 cm e diâmetro interno com 0,8 cm de comprimento. A borda é
reforçada externamente.

139
Análise da coleção de cerâmicas indígenas

A metodologia de análise cerâmica é baseada em trabalhos desenvolvidos


principalmente por Wüst (1990). Tal metodologia toma como unidade básica de
análise o vasilhame cerâmico enquanto artefato, considerando as relações que os
atributos mantêm entre si em uma forma particular de pote. É dada prioridade à
forma dos vasilhames, considerada a unidade mais útil neste tipo de análise
(Arnold, 1989: 234). São selecionados fragmentos que permitam o
desenvolvimento de estudos baseados na forma das vasilhas, como bordas, bases,
apêndices e inflexões.

Após esta seleção, são realizadas reconstituições gráficas das vasilhas,


através dos critérios desenvolvidos por Arcelin & Rigoir (1979). A partir das
reconstituições e da análise do fragmento reconstituído é preenchida uma ficha de
dados levando em conta atributos técnicos, morfológicos e presença de marcas de
uso.

Este tipo de metodologia tem como principal vantagem o controle do


número mínimo de vasilhas (NMV), baseado na quantidade de bordas e bases
diagnósticos em cada sítio. O controle é feito a partir destes fragmentos,
comparando-os segundo o diâmetro de abertura, espessura da parede, cor da
pasta, queima, tratamento de superfície e outros critérios (Bray, 1995: 213-14).

Terminada esta etapa, realizamos uma classificação morfológica baseada


nas reconstituições. O esquema classificatório foi baseado nos critérios geométricos
da estrutura do vasilhame, o tipo de contorno, e a forma da borda (Shepard,
1969).

Após classificados os tipos, partimos para uma descrição dos elementos de


pasta, manufatura, tratamento de superfície e alterações por uso e pós-
deposicionais presentes em cada tipo, baseados em Sinopoli (1991) Skibo (1992).

Amostra analisada

Um total de 322 fragmentos foram analisados, referentes a um número


mínimo de 322 vasilhas. Destes, 212 fragmentos são de bordas, 2 bases, 2 flanges,
1 fragmento de assador, 1 fragmento de roda de fuso e 104 fragmentos de parede
decorados.

Pretendemos aqui traçar um perfil inicial do processo tecnológico envolvido


na manufatura da cerâmica no sítio em questão, para a seguir compreender como
este processo se cristaliza, através de seus diferentes atributos, em tipos
específicos de vasilhames.

140
Aspectos tecnológicos: Antiplástico

O principal antiplástico utilizado nos vasilhames cerâmicos localizados no


Forte Cumaú foi o caco moído, presente em 234 fragmentos. Em seguida foi
utilizado o Cariapé (42 fragmentos). Em 18 fragmentos foi verificada a ocorrência
de quartzo como antiplástico. No restante dos fragmentos foi observada uma alta
variedade dos antiplasticos utilizados, com mistura de quartzo e caco moído,
cariapé e caco moído e cariapé e quartzo.

1
caco moído
1
15 3 3 22 1
18 cariapé

42
quartzo

234 quartzo + caco moído

cariapé + caco moído

cariapé + quartzo

Distribuição dos tipos de antiplástico.

Aspectos tecnológicos: Técnica de manufatura

O método de manufatura predominante identificado para construção


dos vasilhames encontrados no Forte Cumaú foi a adição sucessiva de roletes, com
265 ocorrências. Outros métodos foram identificados, como roletado e modelado (4
casos) e somente modelado (2 casos). Em 51 casos não foi possível verificar o
método de manufatura.

42

51
roletado
Não identificado

265 Roletado + modelado


modelado

Distribuição das técnicas de manufatura.

141
Aspectos tecnológicos: Espessura dos fragmentos

Os vasilhames cerâmicos analisados possuem espessuras de parede


variáveis entre 0,2 e 1,3 cm. Uma observação do gráfico de frequência nos indica
as espessuras mais recorrentes, com um pico entre 0,7 e 0,9 cm (104 fragmentos).

120 104

100

80 64

60 44

40

20

0
0,2 - 0,6 cm 0,7 - 0,9 cm 1,0 - 1,3 cm

Frequência de espessura dos fragmentos.

Aspectos tecnológicos: Queima

Foram observados quatro tipos de queima para os vasilhames. O tipo mais


frequente foi a queima oxidante incompleta, com presença de núcleo no interior da
parede (254 casos). Este tipo de queima ocorre em fogueiras abertas, com as
vasilhas colocadas de forma às paredes terem acesso de ar, tanto no interior
quanto no exterior, mas cujo tempo no fogo não permitiu a eliminação total de
materiais orgânicos naturalmente presentes na argila, permanecendo estes no
interior da parede (RYE, 1987). Em 46 casos a queima foi totalmente oxidante. O
tempo no fogo foi desta forma suficiente para a total eliminação da matéria
orgânica da argila. Outro tipo de queima verificado foi a queima redutora completa
(1 caso). O processo de queima redutora completa acontece devido á eliminação do
oxigênio do ambiente no entorno da vasilha durante o processo de queima. Por fim,
13 casos apresentaram oxidação externa, com núcleo interno. Este tipo de queima
ocorre quando o vasilhame é queimado emborcado, não propiciando a entrada de
ar na superfície interna. Em três casos não foi identificada a queima.

142
1 Oxidação externa e
13 3 interna com presença
de nucleo
46 Oxidação total

259 Oxidação externa com


nucleo interno

Não identificável

Distribuição dos tipos de queima.

Aspectos tecnológicos: Elementos decorativos

Os elementos decorativos possuem um papel fundamental na compreensão


de aspectos associados a negociação de identidades sociais. Este tema já foi
amplamente discutido por Wiessner (1989), Shanks & Tilley (1992), entre outros.

Baseado nestes estudos foram classificados os elementos decorativos


presentes nos conjuntos cerâmicos analisados segundo suas técnicas (pintura,
banhos, incisões/excisões, apliques), orientação e disposição dos elementos
decorativos.

No sítio, 58% da amostra cerâmica analisada apresentou algum tipo de


modificação na superfície das vasilhas. Quanto às técnicas, os fragmentos foram
assim divididos: 92 fragmentos apresentaram incisão ou excisão, 36 foram
pintados, 5 apresentaram associação entre excisão e pintura e 3 apresentaram
apliques. Em seu conjunto, os elementos decorativos remetem às fases Marajoara e
Mazagão, conforme definidas por Meggers e Evans (1957).

5 3

36 Incisa/excisa
Pintada
92 Pintura\Excisão
Aplique

Distribuição dos tipos de decoração observadas na coleção.

143
Exemplos de decorações incisas observadas na coleção.

Exemplo de excisão associada com pintura vermelha.

Exemplo de fragmento de corpo com apliques.

144
Exemplo de borda cerâmica com incisão.

Análise Tipológica dos recipientes

Com o objetivo de compreender a inter-relação das características


tecnológicas e elementos decorativos em determinadas formas cerâmicas, partimos
para uma análise morfológica e funcional dos vasilhames reconstituídos.

Foi possível distinguir no universo amostral pelo menos 3 tipos de vasilhas.


Estas foram classificadas pelos seguintes atributos:

 Classe estrutural (restringido ou não restringido)


 Contorno (dado pela geometria geral da vasilha)
 Ângulo de inclinação da parede
 Relação diâmetro X altura das vasilhas

O estudo funcional de vasilhas tem uma base teórica que vale a pena
destacar. Rice (1995) nos informa de três amplas categorias de função nos quais
vasilhames tomam parte: estocagem, transformação ou processamento, e
transferência ou transporte, podendo estas categorias serem subdivididas em
funções mais específicas.

A função de um vasilhame pode ser abordada de muitas maneiras. Estas


maneiras incluem o estudo morfológico, suas propriedades físicas e as evidências
diretas de uso. As primeiras partem da premissa de que cada categoria de uso na
qual o vasilhame toma parte requer diferentes combinações de atributos de forma e
composição deste vasilhame a fim de que ele possa ter um desempenho satisfatório
na sua função. Estas “características de desempenho” (HALLY, 1986) ajudam a
determinar o quão apropriada é uma vasilha para determinada função (BRAY,
1995).

Hally (ibid.) identificou critérios específicos para avaliar o desempenho de


vasilhames. Eles são a estabilidade das vasilhas, sua capacidade e tamanho, a

145
facilidade de alcançar o conteúdo, a eficiência na absorção e retenção do calor, e
sua resistência ao choque térmico.

Outra forma de abordagem da função de um vasilhame é através das


evidências diretas de utilização. Skibo (1992), identificou três tipos de evidência a
serem levadas em conta numa análise funcional: marcas de desgaste, presença de
fuligem, e análise dos resíduos absorvidos. As marcas de desgaste geralmente são
frutos do atrito direto de algum instrumento no interior do vasilhame durante as
atividades de transformação, como mexer, raspar, triturar, etc. Feitas de forma
repetida, estas atividades vão deixar um padrão de desgaste visível nas paredes
dos potes. A presença de fuligem, por outro lado é uma clara indicação de uso na
transformação de alimentos com uso de fogo, enquanto a análise de resíduos pode
nos indicar que tipo de alimento ou bebida foi estocado ou transformado em um
vasilhame.

Tipo 1: Tigelas não restringidas, cilíndricas

As vasilhas de tipo 1 são as mais freqüentes na amostra analisada,


compondo 55 % da distribuição geral das vasilhas por tipo. É um tipo de vasilha
caracterizada por ser não restringida, contorno simples, com forma ligeiramente
elipsoide e relação altura:diâmetro de 1:2.

Foram analisadas 12 amostras deste tipo. O ângulo da borda varia entre


290 e 320o. Em apenas 3 casos foi verficado reforço de borda.
o

Nesta forma foi possível observar a disposição de elementos decorativos.


Trata-se de pinturas (traços monocrômicos aplicados sobre pasta natural – 1 peça)
e incisões retilíneas (3 peças).

O diâmetro varia entre 8 e 47 cm, com predomínio em 47 cm. A espessura


da parede pode variar entre 0,8 cm e 1,2 cm.

Estas vasilhas são por definição, não-restringidas. Este atributo enfatiza a


facilidade para alcançar o conteúdo, mais que uma preocupação em evitar
derrames e evaporação. As características físicas deste tipo de vasilhame apontam
para sua utilização em atividades de ingerir. Seu tamanho pequeno, centro de
gravidade baixo e boca não restringida, aliadas à ausência de marcas de uso
reforçam ainda mais esta interpretação.

Tipo 2: Jarros restringidos, ovais

As vasilhas de tipo 2 possuem 41% de representatividade na amostra


analisada. É um tipo de vasilha caracterizada por ser restringida, com borda
infletida e forma ligeiramente oval. A relação altura:diâmetro é geralmente de 2:1.

146
Foram analisadas 9 amostras deste tipo, todas de bordas. Seu contorno é
predominantemente infletido. Os pontos de inflexão, que delimitam o início da
construção da borda, podem ocorrer entre 1 e 2,5 cm abaixo do lábio, dependendo
do tamanho da vasilha. O ângulo da borda varia entre 65o e 97o. Em 4 casos
ocorrem reforços de borda. Os lábios deste tipo de vasilhas são predominantemente
arredondados (100%).

Em dois casos foram dispostas incisões retilíneas, tanto nas partes interna e
externa quanto somente na parte interna da vasilha.

O diâmetro varia entre 9 e 42 cm. A espessura da parede pode variar entre


0,7 cm e 1,3 cm.

Os atributos morfológicos das vasilhas de tipo 2 enfatizam mais a contenção


que o acesso aos alimentos, possuindo um pescoço restringido formado pela
construção da borda. Este tipo de vasilha é geralmente adequada para conter
líquidos. A ausência de marcas de uso suportam esta interpretação.

Tipo 3: Tigela não restringida, carenada

Esta forma esta representada por apenas um fragmento. É um tipo de


vasilha caracterizada por ser não restringida, com um ponto angular na porção
média de seu perfil, caracterizando uma carena, com relação altura:diâmetro de
1:2. Apresenta reforço interno junto ao lábio. O diâmetro é de 48 cm, com uma
espessura média de parede de 0,8 cm.

Estas vasilhas são por definição, não-restringidas. Este atributo enfatiza a


facilidade para alcançar o conteúdo, mais que uma preocupação em evitar
derrames e evaporação. As características físicas deste tipo de vasilhame apontam
para sua utilização em atividades de ingerir ou servir. Seu tamanho pequeno,
centro de gravidade baixo e abertura não restringida, aliadas à ausência de marcas
de uso reforçam ainda mais esta interpretação.

147
Tipologia morfológica das cerâmicas indígenas do Forte Cumaú.

148
Observações gerais sobre a coleção arqueológica

A análise da cultura material encontrada durante as escavações no Forte


Cumaú revelou que, em sua maior parte, ela é derivada de grupos indígenas da
região. De fato, 62% do material coletado durante a pesquisa arqueológica no Forte
Cumaú tratam-se de fragmentos cerâmicos indígenas. Tal evidência aponta para
duas direções: A fortificação foi erguida sobre um antigo sítio arqueológico
indígena, anterior ao contato; ou havia um denso povoamento indígena no local
para dar suporte à fortificação. Pode ainda ter havido ambas situações: o forte foi
construído sobre um assentamento antigo indígena (o que é atestado pela presença
de terra preta arqueológica na construção de suas paredes) e houve um
adensamento indígena no entorno do Forte. Somente datações radio-carbônicas,
que não estão previstas no projeto básico, poderão resolver de maneira decisiva
esta dúvida.

Através da análise estilística e tecnológica, podemos relacionar os artefatos


cerâmicos indígenas recuperados no Forte Cumaú com, pelo menos, duas fases
arqueológicas na foz do Amazonas: as fases Marajoara e Mazagão.

A fase Marajoara foi primeiramente definida por Meggers e Evans (1957)


através de trabalhos em sítios com grandes montículos, que serviriam tanto para
habitação quanto sepultamento, na ilha de Marajó. A principal característica desta
cerâmica é a exuberância decorativa, com presença de apliques, incisões, excisões
e pinturas. É relacionada à tradição Policroma da Amazônia (Meggers e Evans,
1957). É datada entre 400 e 1400 D.C. (Schaan, 2006)

Já a fase Mazagão foi encontrada em sítios habitação e cemitério, que,


segundo Meggers e Evans (1957), seriam encontrados por toda a região entre os
rios Araguari-Amapari e o rio Jari, no Amapá. A característica mais marcante deste
estilo é a cerâmica com incisões retilíneas e curvilíneas junto à borda. É relacionada
à tradição Inciso-ponteada. Apenas uma datação radiocarbônica pode ser atribuída
à fase Mazagão, derivada de um sítio com terra preta localizado em um afluente do
rio Maracá. A datação é de 360+-40 BP.

Cerâmicas bastante parecidas, inclusive com a mesma característica de


mistura das fases Marajoara e Mazagão foram documentadas junto a um sítio
arqueológico em Curiaú-mirim, objeto de resgate arqueológico pela equipe do IEPA
(Saldanha e Cabral, 2012). Ali foram encontradas evidências de habitações e
estruturas funerárias indígenas, contendo cerâmicas de ambos estilos citados.

Depois da cerâmica indígena, os principais artefatos coletados nas pesquisas


de campo junto ao Forte Cumaú foram as cerâmicas construtivas, tratando-se tanto

149
de telhas quanto de tijoleiras. Elas foram principalmente localizadas junto à
trincheira 2, o que indica que, no interior do recinto formado pelos muros da
fortificação, haveriam construções. O fato de não haver nenhuma estrutura
arquitetônica visível no que seria a praça central do Forte Cumaú deve-se ao fato
da coleta predatória destes materiais durante o período de abandono do Forte,
inclusive a fim de suprir a construção do Forte de São José de Macapá. Mesmo
assim, restaram, de forma bastante fragmentada, evidências destas construções,
principalmente localizadas no interior da fortificação.

Também foram encontrados materiais relacionados ao cotidiano dos


europeus que construíram e utilizaram o Forte Cumaú. São fragmentos de pratos
de faiança e outras cerâmicas coloniais que testemunham um pouco da cultura
material utilizada por estes colonizadores.

Por fim, deve-se registrar que não foram encontrados artefatos relacionados
à ocupação inglesa do Forte Cumaú. As faianças encontradas estão relacionadas ao
período de ocupação portuguesa. Isto pode se dever a três fatores: a pouca área
escavada devido à presença de construções recentes; a baixa permanência dos
ingleses no local, que não deixaram registro denso de sua cultura material; o fato
da construção do forte português ter destruído e obliterado qualquer evidência
inglesa. É possível que uma conjunção entre diferentes fatores, ou mesmo todos
juntos, tenham contribuído para esta situação.

150
Curadoria e guarda da coleção arqueológica
O material arqueológico coletado durante as atividades da pesquisa
arqueológica foram transportados ao Núcleo de Pesquisa Arqueológica do IEPA,
localizado na Avenida Feliciano Coelho, 1509, Bairro Trem, em Macapá. Nesta
instituição, funciona o Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert, no qual a Reserva
Técnica de Arqueologia está inserida. Desde 2011, quando foi finalizado o Guia de
Boas Práticas do Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert (Pereira & Cabral 2011),
todo o material arqueológico que chega à instituição passa pelos procedimentos
básicos de curadoria, como higienização (que pode ser amostral, a depender do
tipo de material, objetivos do projeto e dimensão do acervo), sistematização dos
registros e organização do acervo. Após isso, o acervo é então inserido na Reserva
Técnica, que mantém não apenas o acervo material, mas também um acervo
documental (com toda documentação relacionada), e um acervo digital (com cópias
digitais do acervo documental).

O material arqueológico coletado durante as pesquisas deste projeto é


oriundo exclusivamente do sítio arqueológico Forte Cumaú, o qual foi foco de
intervenções durante o projeto. Ao todo, foram coletadas 4.777 peças
arqueológicas. Estas peças estão hoje armazenadas em três caixas modelo padrão,
localizadas no primeiro piso da Reserva Técnica de Arqueologia, na Estante 7,
situada no Corredor II. Todas as peças estão embaladas em sacos plásticos
transparentes, nos quais as informações de procedência estão registradas.

À esquerda, vista geral do pavimento térreo da Reserva Técnica de Arqueologia (IEPA). À direita,
localização do acervo do Forte Cumaú, em caixas padrão, na estante 7.

151
O material documental produzido na pesquisa arqueológica está localizado
na Pasta 46 do Arquivo Documental, e consiste de desenhos de perfis
estratigráficos, fichas e diários de quadrícula, fichas de tradagens, plantas ou
croquis e fichas de topografia. Estes documentos já têm suas versões digitalizadas
e inseridas no acervo digital da instituição.

Atualmente, um conjunto de peças oriundas destas pesquisas está exposto


no espaço Casa de Vidro do Museu Sacaca, vinculado ao IEPA, como parte da
exposição “Cumaú: A Fortaleza do Igarapé”. Também em acordo com o Guia de
Boas Práticas, estas peças estão registradas no “Livro de Saída e Devolução de
Material” da Reserva Técnica.

As ações de curadoria realizadas relacionam-se, portanto, com a


higienização amostral da coleção, conferência de informações de procedência de
todos materiais coletados, troca de embalagens no caso de má conservação dos
sacos plásticos e organização do acervo. Não houve necessidade de ações
interventivas de conservação, uma vez que o material que compõe o acervo está
em boas condições. Para a relação definitiva do material arqueológico que compõe
esta coleção, apresentamos uma tabela em anexo (Anexo 11).

152
PARTE VI
RELATÓRIO FINAL DE AÇÕES DE
DIVULGAÇÃO DO PROJETO

Elaborado por:

Mariana Petry Cabral, Msc. | Pesquisadora, Arqueóloga

João Darcy de Moura Saldanha, Msc. | Coordenador, Arqueólogo

Com a colaboração de:

Midiani da Costa Maciel Silveira, Esp. | Professora da E.E. Igarapé da Fortaleza

Eloane de Jesus Ramos Cantuária, Msc.| Pesquisadora, Arquiteta & Urbanista

Fernando Luiz Tavares Marques, Dr. | Pesquisador, Arqueólogo Histórico

Marcos Jessé Lopes da Silva, Esp. | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica

José Ricardo Vasconcelos | Auxiliar de Pesquisa Histórica e Arqueológica,


Graduando em História

Manuel Calado, Dr. | Arqueólogo, IEPA

Mara Rosa Pinto | Bolsista de Apoio Técnico, IEPA

Deyse Elisa França da Silva, Grad. | Bolsista de Apoio Técnico, IEPA

Lucio Flávio Siqueira Costa Leite, Esp. | Técnico, IEPA

153
VI. Relatório de Ações de Divulgação do Projeto
e de Educação Patrimonial
O Projeto de Pesquisa Histórica e Arqueológica para Identificação do Forte
Cumaú tem como origem uma demanda que partiu da população no entorno desta
ruína. Os moradores do Igarapé da Fortaleza, uma localidade na foz deste Igarapé
com o Rio Amazonas, no exato limite entre os Municípios de Santana e Macapá, em
área urbana, encaminharam há alguns anos uma solicitação ao Ministério Público
Federal e ao IPHAN para realização de pesquisas na ruína a fim de promover o
processo de tombamento deste bem.

As ruínas, localizadas na margem direita da foz do Igarapé da Fortaleza,


encontram-se hoje dentro de uma propriedade privada que mantém a área fechada
ao acesso público. Esta situação, no entanto, era bastante diferente há alguns
anos, como já nos foi relatado por moradores da área, quando era possível
caminhar na área e observar os elementos das ruínas.

A demanda da população local, encaminhada a órgãos públicos, resultou em


um Procedimento Administrativo Cível no Ministério Público Federal, que acabou por
demandar do IPHAN o trabalho de identificação e documentação a respeito deste
bem histórico e arqueológico.

É dentro deste contexto que as ações de divulgação e educação patrimonial


foram executadas, formalizando uma perspectiva de aproximação e diálogo com os
moradores do Igarapé da Fortaleza que temos praticado em diferentes projetos no
Estado do Amapá (Cabral & Saldanha 2009a, 2009b). Tal perspectiva alinha-se com
a proposta de Marcia Bezerra (2010a) de pensar e praticar a Educação Patrimonial
através de uma abordagem da arqueologia pública, como uma pesquisa aplicada
(ver também Shackel & Chambers 2004), em que o diálogo entre pesquisadores e
moradores permita a emergência de questões relevantes para ambos e que possam
ser solucionadas, ou trabalhadas, ao longo do projeto.

Ainda que o fator tempo seja um aspecto essencial para o desenvolvimento


de projetos conjuntos com os moradores locais, nem sempre é possível garantir
uma duração prolongada (Bezerra 2010a). No caso deste projeto, o tempo de
execução foi relativamente curto, em especial porque as ações de divulgação e
educação patrimonial dividiram a agenda com as outras atividades previstas.
Nestas condições, optamos buscar potencializar o tempo disponível, fazendo uso de
diferentes estratégias de comunicação e diálogo com os moradores locais e com
outros públicos.

154
É importante salientar, no entanto, que apesar deste projeto ter curta
duração, já começamos a ver desdobramentos de prazo mais longo. Isto é
resultado, em especial, do interesse dos moradores locais nos últimos anos pelo
tema do Forte Cumaú, mas também do perfil da nossa instituição, com base local e
foco no desenvolvimento sustentável do Estado do Amapá (Saldanha & Cabral
2012). Estes desdobramentos apontam, portanto, para resultados importantes
destas atividades, como o envolvimento de diferentes setores da comunidade e
mesmo de agentes públicos. Cabe agora criar estratégias para que estes interesses
tenham visibilidade e alcancem um resultado mais sólido para a proteção real do
patrimônio arqueológico como uma herança partilhada por todos.

155
Reflexões sobre divulgação e educação patrimonial
como arqueologia pública
Desde a implantação da Portaria IPHAN nº230/2002, quando atividades de
Educação Patrimonial tornaram-se um dos requisitos essenciais para a realização
de pesquisas arqueológicas no país, muito tem se discutido sobre as ações
realizadas e os resultados alcançados (entre outros, ver Silva 2003; Oliveira &
Oliveira 2004; Hilbert 2006; Carneiro 2008; Bezerra 2009, 2010a, 2010b; Cabral &
Saldanha 2009; Bezerra & Ravagnani 2012). Estas reflexões têm apontado não
apenas para as dificuldades práticas destas atividades, mas em especial para
obstáculos teóricos. Como destacado por Klaus Hilbert, o processo de aproximação
entre arqueólogos e moradores locais torna-se muitas vezes confuso:

Primeiro, os arqueólogos procuram convencer as pessoas da


importância e dos inestimáveis valores da cultura material
arqueológica que está na sua propriedade. Depois distribuem
cartilhas em linguagens infantis, elaboram programas de educação
patrimonial sem sentido para a comunidade local, até a ameaçam
com multas e prisão em caso de desobediência às leis, e depois,
quando finalmente os moradores do sítio arqueológico dão sinal de
ter incorporado o discurso dos educadores patrimoniais, esses
objetos tão valiosos e importantes, são levados embora pelos
arqueólogos. (Hilbert 2006: 100)
Este descompasso entre os interesses de pesquisadores da arqueologia e os
interesses da população com a qual interagimos acaba por resultar em atividades
de educação patrimonial fracas, que não conseguem atingir o público de maneira
efetiva, fazendo com que os esforços pela valorização do patrimônio arqueológico
não tenham eco na vida cotidiana dos cidadãos. É neste sentido que Marcia Bezerra
propõe que a Educação Patrimonial em projetos de arqueologia no Brasil deve ser
vista como uma metodologia para a prática de arqueologias públicas (Bezerra
2010a).

A partir desta perspectiva, o saber local das comunidades, suas maneiras de


perceber e de explicar os vestígios, suas narrativas sobre o passado e suas formas
de lidar com o patrimônio arqueológico devem ser valorizadas e inseridas nos
projetos e nos seus resultados. O processo ensino-aprendizagem que é a base da
Educação Patrimonial (Horta et al 1999) deve ganhar uma conotação de múltiplas
direções, ou seja, todos os envolvidos – pesquisadores, moradores, estudantes,
visitantes – atuam como aprendizes e como tutores. O conhecimento, nesta
perspectiva, não está concentrado em um grupo, ele está disperso em cada
participante.

156
Ao pensar e praticar uma educação patrimonial dentro do viés de uma
arqueologia pública nosso interesse é colocar a população local em relação com o
patrimônio arqueológico que é o foco de estudo do projeto. Esta relação, no
entanto, deve ser mediada por suas próprias concepções deste objeto e da sua
própria história. Partindo do princípio de que a educação patrimonial demanda a
experiência direta deste patrimônio (Horta 2003), construindo sua valorização a
partir das formas de fruição que os moradores de seu entorno desenvolvem
(Bezerra 2011), este projeto buscou evidenciar as formas como as pessoas desta
comunidade percebem o patrimônio arqueológico Forte Cumaú, fortalecendo seu
interesse na valorização deste patrimônio e contribuindo para sua preservação
através da atualização das identidades locais.

Uma vez que já existia um interesse manifesto pelas ruínas da fortificação,


expresso inclusive formalmente através de uma solicitação da Associação
Comunitária ao IPHAN e ao Ministério Público por informações sobre um possível
tombamento do bem, as ações realizadas foram elaboradas com o foco de
contribuir para este processo de apropriação da ruína como elemento histórico e
cultural da localidade e do próprio Estado.

A educação patrimonial, neste sentido, é um caminho para a prática de uma


arqueologia que almeja ser pública, no sentido de ser partilhada pelo coletivo.
Como destacado por Bezerra (2011), é uma prática que busca aproximar
“horizontes semânticos” distintos (Cardoso de Oliveira 1998, apud Bezerra
2011:68), a fim de contribuir para a “legitimação do passado de pequenas
comunidades na Amazônia” (Bezerra 2011: 68), e não a imposição de um passado
construído por outros.

Para isso, fizemos uso de diferentes estratégias, visando sempre a criação


de relações positivas e dialógicas com os moradores locais e com outros setores da
sociedade amapaense. Como vamos apresentar abaixo.

157
A prática: múltiplas estratégias de aproximação e
diálogo
Para o desenvolvimento das ações, estabelecemos como base estratégias
metodológicas que estão, de um lado, embasadas na metodologia da educação
patrimonial como proposto por Horta e colegas (1999), e de outro, em uma
aproximação de base etnográfica às pessoas e aos seus conhecimentos, como tem
sido aplicado em diferentes projetos arqueológicos no Brasil e no exterior
(Castañeda & Matthews 2008; Edgeworth 2006; Hamilakis & Agnostopoulos 2009;
Bezerra 2011).

Na linha da metodologia da educação patrimonial, buscamos aplicar as


“etapas metodológicas” propostas por Horta e colegas (1999: 11), que podem ser
assim resumidas:

1. Observação – visa identificar objeto, significados; também


desenvolve a percepção visual e simbólica.

2. Registro – visa fixar conhecimento, aprofundar percepções; também


desenvolve a memória.

3. Exploração – desenvolver capacidades de análise e julgamento


crítico; interpretar evidências.

4. Apropriação – desenvolver envolvimento afetivo, capacidade de


auto-expressão, criatividade, valorização do bem cultural.

Destro desta estrutura de ação, nem sempre, no entanto, foi possível


manter as etapas metodológicas de maneira isolada, havendo atividades que no
próprio desenrolar trouxeram elementos de etapas posteriores ou anteriores. Isto,
no entanto, foi entendido como um desdobramento positivo, e que reflete
dinâmicas de envolvimento que tem certa espontaneidade, demandando ajustes na
própria metodologia.

Em conjunto com estas ações, desenvolvemos atividades de aproximação


com a comunidade que partem de um interesse etnográfico em mapear as
maneiras como estes moradores percebem o patrimônio arqueológico e a história
daquele lugar. Os resultados deste tipo de pesquisa, como sugerido por Bezerra
(2011), podem contribuir para o questionamento sobre as políticas patrimoniais
aplicadas no país, que nem sempre permitem práticas locais de apropriação e
preservação. Além disso, este enfoque contribui para o desenvolvimento das outras
atividades, já que permite uma compreensão sobre hábitos, saberes e formas de

158
agir dos moradores, ajudando na construção de diálogos que tenham interesse para
os diferentes grupos envolvidos.

Esta linha de pesquisa voltada para arqueologias etnográficas (Castañeda &


Matthews 2008) converge para nosso interesse em praticar arqueologias públicas,
que não apenas sejam acessíveis ao público, mas que também possam ser
praticadas por eles dentro de outras lógicas. Neste sentido, o estudo teve como
foco as percepções de história e memória, com ênfase no papel ocupado pelas
ruínas e pela história da fortaleza.

Visitas ao Forte Cumaú

O início das práticas destas atividades esteve ligado diretamente à


realização das entrevistas da pesquisa oral no Igarapé da Fortaleza. Através de
uma colaboradora que é moradora do bairro, a Profª. Esp. Midiani da Costa Maciel,
nossa equipe foi apresentada a algumas das famílias mais antigas do bairro. O
papel exercido por esta colaborada foi essencial para a criação de relações de
confiança e respeito entre nossa equipe e os moradores do bairro.

Com a realização das entrevistas, que iniciaram antes das atividades de


escavação no sítio arqueológico, começamos a difundir no bairro o desenvolvimento
da pesquisa. Com isso, durante as escavações foi possível receber diversas famílias
no sítio arqueológico. Nestas visitas, incentivávamos os participantes a
desenvolverem sua percepção sobre os diferentes aspectos do patrimônio, inclusive
sobre suas próprias memórias sobre o lugar.

A experiência de estar no lugar, de visitar fisicamente o patrimônio,


mostrou-se muito positiva em vários momentos, criando de fato uma vivência
direta que contribui para a valorização do bem cultural. Alguns moradores antigos
do bairro dispuseram-se a nos guiar pelo sítio, invertendo uma lógica comum de
transmissão de conhecimento em que o pólo mais forte está nos pesquisadores.
Esta foi uma experiência muito interessante do projeto, que aponta justamente
para a importância de se criar vias de comunicação dialógicas, em que todos são
mestres e aprendizes, portadores de conhecimentos distintos, mas dispostos a
aprender com os outros.

Além destas visitas espontâneas, também incentivamos a visitação de


estudantes. Durante a pesquisa oral, havíamos identificado que as novas gerações
de moradores do Igarapé da Fortaleza estão menos ligadas ao Forte Cumaú do que
os mais velhos. A hipótese que lançamos é que esta situação reflete o progressivo
afastamento que o lugar tem sofrido, com o cercamento da área e um controle
rígido na entrada e saída de pessoal. Neste sentido, procuramos a Escola Estadual

159
Igarapé da Fortaleza para a realização de visitas de turmas de estudantes às
escavações e ao sítio arqueológico.

Um dos conhecedores da história do Forte Cumaú, Sr. José Lobato, conversa com arqueólogos durante
as escavações.

Turma de estudantes da Escola Estadual Igarapé da Fortaleza em visita guiada ao Forte Cumaú.

160
Um dos objetivos desta ação induzida de visitação foi apresentar aos jovens
moradores o lugar Forte Cumaú, que na maior parte dos casos nunca havia sido
visitado anteriormente. Ao buscar inserir este lugar na memória dos jovens, não
apenas simbolicamente, mas essencialmente como espaço real, apostamos na força
que a experiência direta do patrimônio pode ter para sua valorização. Se o Forte
Cumaú já não é um espaço de convívio social, como foi há algumas décadas,
mostrá-lo aos mais jovens contribui para fortalecer sua presença física, e com isso
pode ajudar na sua valorização, ao invés de seu esquecimento.

Estas visitas mostraram-se posteriormente muito eficientes como estratégia


de aproximação destes jovens com o patrimônio histórico e cultural presente neste
bairro. Mais abaixo, quando apresentarmos a realização de um evento cultural na
escola, detalharemos mais estes desdobramentos.

As visitas de turmas de escola aconteceram também em outros momentos,


não apenas durante as escavações. Isto se deu em função do encantamento que foi
provocado nos primeiros participantes e também nos professores que
acompanharam estas turmas. Em tempos de matrizes curriculares que cada vez
mais demandam espaço por conteúdos de base local, o Forte Cumaú emergiu como
um potencial catalisador da história do bairro.

Interação com Escola Estadual Igarapé da Fortaleza: 1º Fest


Cumaú

No Projeto Básico, havia sido prevista a realização de uma palestra de


divulgação no bairro Igarapé da Fortaleza. Com o desenvolvimento da pesquisa, no
entanto, estreitamos laços com a única escola estadual presente na área.

A Escola Estadual Igarapé da Fortaleza tem um histórico recente, tendo sido


fundada em 2001 (Histórico 2011). Há atualmente cerca de 1700 alunos
matriculados, cursando os Ensinos Fundamental e Médio; Jovens e Adultos (EJA); e
Ensino Especial (AEE), instruídos por um grupo de 90 professores (idem).
Novamente, foi através da Profª. Esp. Midiani Maciel que fomos levados à escola, o
que facilitou o acesso à direção e o interesse em realizar atividades conjuntas.

Esta relação mais próxima com a escola foi essencial para garantir as visitas
dos alunos, já que era necessária a autorização de saída das turmas para realização
de atividades extra-classe. Sem este apoio, certamente teríamos menos sucesso
em levar as várias turmas ao Forte Cumaú.

161
Dentro da escola, logo ficou evidente que havia um interesse muito grande
de grupos de professores, na maior parte moradores do bairro, em realizar
atividades relacionadas ao Forte Cumaú. Cientes da nossa obrigação em realizar
uma palestra, fizemos uma proposta à escola de montar um evento cultural onde a
palestra seria inserida.

Inicialmente, alguns professores sugeriram que este evento poderia ser


organizado na forma de um festival promovido anualmente pela escola, chamado
de Fest Fort. No entanto, após algumas deliberações, foi decidido que o evento
teria outro perfil, e portanto outro nome: Fest Cumaú.

O Fest Cumaú foi planejado como um evento que envolvia música, dança,
teatro, exposições, oficinas e palestras, e tendo por objetivo aproximar a escola, a
comunidade, e o projeto de pesquisa desenvolvido pelo IEPA. O foco estava na
valorização da cultura e da história local.

A organização do evento foi partilhada pela Escola e pelo IEPA, através de


uma série de reuniões para definição do perfil e da programação. O Fest Cumaú foi
realizado no dia 15 de Fevereiro, no turno da tarde, ocupando espaços da escola.
Sua programação final foi a seguinte:

 Abertura do Fest Cumaú


 Grupo de Canto Equinócio – Alunos no Projeto Ponte para o Futuro
 Leitura da Poesia “Terra Cobiçada”, de José Belo Lobato
 A história da construção do Forte Cumaú – Projeto de Pesquisa
IEPA/IPHAN – Apresentado por Adriana Pimentel (IEPA)
 Dança Regional – Grupo “Meninas do Igarapé”, Alunas do Projeto
Ponte para o Futuro
 Qual a situação do Forte Cumaú hoje? – Projeto de Pesquisa
IEPA/IPHAN – Apresentado por Eloane Cantuária (UNIFAP)
 Apresentação de Arte Circense (Grito Rock | Casa Fora do Eixo
Amapá)
 Arqueologia e patrimônio: Afinal, de quem é o Forte? – Projeto de
Pesquisa IEPA/IPHAN – Apresentado por João Saldanha (IEPA)
 Grupo de Canto Equinócio
 Leitura de Redação em homenagem ao Forte Cumaú, premiada
nacionalmente
 Dança Regional – Grupo “Meninas do Igarapé”
 Exposição “Cumaú: A Fortaleza do Igarapé”
 Exposição “Projeto Ponte para o Futuro” (produção de biojóias e
artesanato)

162
 Exposição “A História do Forte Cumaú”, contada pela turma do sexto
ano (Profª Midiani Maciel)
 Oficina de Fotografia – Ministrada por Karinny Magalhães (Casa Fora
Do Eixo Amapá)
 Oficina de Educação Ambiental – Ministrada por Yuri Silva (Casa Fora
Do Eixo Amapá)
 Oficina “Como trabalhar com o Forte Cumaú em Sala de Aula” –
Ministrada por Mariana Cabral (IEPA)

A presença da comunidade foi forte, enchendo a quadra esportiva que serviu


de auditório para o evento. Estimativas do IEPA sugerem a presença de mais de
400 pessoas, entre estudantes, moradores, professores, servidores, organizadores
e autoridades, como a Secretária Estadual de Educação Dra. Elda Araújo, a Diretora
da Escola Estadual Igarapé da Fortaleza Sra. Marcia Nobre de Melo, e o Diretor do
IEPA Dr. Augusto de Oliveira Junior. Para melhor registrar a presença do público,
foi elaborada uma lista de presenças que não chegou a ser assinada por todos, mas
que alcançou 180 pessoas.

O evento teve muito sucesso e conseguiu atrair a atenção do público para a


riqueza do patrimônio arqueológico presente no bairro. Em meio a apresentações
culturais, pequenas palestras de cerca de 15 minutos foram apresentadas por
pesquisadores do projeto. Vários moradores antigos do bairro marcaram presença,
e expressaram sua alegria e esperança no desenvolvimento do projeto.

Foi elaborada para este evento uma exposição sobre os resultados do


projeto, apresentada na forma de banners e acompanhada de três vitrines com
peças arqueológicas oriundas das escavações no Forte Cumaú. O interesse que esta
exposição despertou nos levou a montá-la posteriormente em Macapá, como será
apresentado mais abaixo.

Outra exposição realizada neste evento foi organizada pela Profª. Dora
Figueiredo e seu grupo de estudantes e voluntários. Eles apresentaram resultados
do “Projeto Ponte para o Futuro”, voltado para a valorização da cultura local e do
meio ambiente através de oficinas de arte e artesanato, com produção de biojóias e
objetos decorativos.

A Profª. Midiani Maciel também organizou com sua turma do sexto ano a
exposição “História do Forte Cumaú”, apresentada em uma sala de aula através da
produção de desenhos, de uma maquete da fortificação e de um livro de redações
sobre o tema. Esta ação é um exemplo que demonstra o potencial da metodologia
de Educação Patrimonial proposta por Horta e colegas (1999). Esta turma passou
pelas quatro etapas metodológicas, através de um trabalho conjunto da arqueóloga

163
e da professora, que iniciou dentro de sala de aula e foi levado ao sítio
arqueológico, culminando na criação de formas de expressão artística para uma
apropriação do tema discutido.

As atividades em forma de oficina também foram muito positivas. Ao todo,


foram ministradas três oficinas, alcançando um público de 45 pessoas.

Uma oficina oferecida teve como tema a Educação Ambiental. O ministrante


foi Yuri Silva, da Casa Fora do Eixo Amapá, que realizava concomitantemente um
evento cultural mais amplo, chamado Grito Rock. Como parte deste evento, esta
oficina também foi chamada de Ação Grito Verde. Ela transcorreu com a
apresentação de dois curta-metragem sobre a temática ambiental e a
responsabilidade de cada indivíduo na proteção do meio ambiente. Os vídeos
serviram de base para um debate sobre a realidade socioambiental dos jovens no
Igarapé da Fortaleza e a importância de preservação dos ambientes naturais e do
patrimônio histórico, fazendo relação com o Forte Cumaú. Como estratégia de
assimilação de conteúdo, a oficina foi finalizada com a produção de desenhos sobre
os temas retratados pelos participantes.

A Oficina de Fotografia, ministrada por Karinny Magalhães (Casa Fora do


Eixo Amapá), teve como objetivo incentivar a produção cultural através da
fotografia, entendida como meio de expressão. Os participantes receberam noções
básicas de fotografia, e puderam manusear uma câmera profissional. A oficina
incentivou o uso de aparelhos de telefonia como base para produção de fotos, o
que facilita a continuidade da produção após a oficina.

Outra oficina foi ministrada pela arqueóloga Mariana Cabral (IEPA), e teve
como mote a inserção de conteúdos sobre o Forte Cumaú em sala de aula. Esta
oficina foi voltada para professores, e buscou apresentar resultados sistematizados
da pesquisa arqueológica e histórica empreendida neste projeto. Além disso, foram
debatidas estratégias para incentivar a curiosidade dos alunos pela história local.

De maneira geral, o Fest Cumaú foi um evento de grande sucesso. Um


reflexo disso é a mobilização de professores para a realização de outro evento
similar, que retome a temática do Forte Cumaú e fortaleça a proteção a este
patrimônio. Além disso, a divulgação na mídia contribui para movimentar a cena
histórico-cultural, fazendo com que o Forte Cumaú ganhasse espaço nos meios de
comunicação e na sociedade.

164
Seminário Forte Cumaú: História, Arqueologia e Comunidade

Outro evento realizado no âmbito do projeto foi o Seminário “Forte Cumaú:


História, Arqueologia e Comunidade”, que ocorreu no dia 26 de Março, à tarde, no
Auditório Waldomiro Gomes, do Museu Sacaca (IEPA). Este evento, diferente do
Fest Cumaú, tinha como foco um público universitário, que já havia demonstrado
interesse no tema após a ampla divulgação dada ao evento na escola.

No Projeto Básico, havia sido prevista a realização de uma palestra em


Macapá sobre os resultados do projeto, mas a equipe – ainda impactada pelo
interesse despertado após o Fest Cumaú – optou em ampliar esta divulgação,
organizando este seminário. O público inscrito alcançou 169 pessoas, mas a
estimativa é que mais de 200 pessoas tenham participado, já que o auditório (com
capacidade para 220 pessoas sentadas) estava cheio (ver material de divulgação no
Anexo 12).

Neste seminário, foram apresentadas as seguintes palestras:

 A história do Forte Cumaú – Dr. Augusto de Oliveira (IEPA)


 O Forte Cumaú e sua preservação – Msc. Eloane Cantuária (UNIFAP)
 O tombamento de bens arqueológicos – Sr. Djalma Santiago (IPHAN)
 Arqueologia do Forte Cumaú – Dr. Fernando Marques (MPEG)
 Memória e patrimônio: De quem é o Forte Cumaú? – Msc. Mariana
Cabral (IEPA)

Na parte final do evento, foi ainda realizado um debate com o público


presente. Os palestrantes Dr. Augusto de Oliveira (IEPA), Dr. Fernando Marques
(MPEG), Sr. Djalma Santiago (IPHAN-AP), Msc. Eloane Cantuária (UNIFAP), Msc.
João Darcy de Moura Saldanha (IEPA) e Msc. Mariana Cabral (IEPA) responderam a
questões colocadas pela platéia, e ampliaram suas posições sobre estratégias para
a conservação e proteção do Forte Cumaú.

Como parte das atividades deste Seminário, a exposição “Cumaú: a


Fortaleza do Igarapé” foi remontada no espaço Casa de Vidro do Museu Sacaca.
Desta vez, além dos banners explicativos e das vitrines com peças arqueológicas
oriundas das escavações no Forte Cumaú, também foi exposta uma maquete que
representa o Forte Cumaú durante a ocupação portuguesa.

Esta maquete foi produzida sob coordenação do Dr. Manuel Calado (IEPA), e
contou com colaboração de técnicos e estudantes do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica, além da consultoria técnica de pesquisadores deste projeto. Ela
apresenta uma releitura sobre o Forte Cumaú, situado ao lado de uma aldeia
indígena. Além das estruturas construídas, o maquete conta ainda com um

165
conjunto de figuras humanas e cultura material, buscando apresentar uma ideia
viva deste patrimônio.

Observações gerais sobre as ações de divulgação e educação


patrimonial

A conjunção da metodologia da educação patrimonial e da pesquisa de viés


etnográfico contribuiu para ativar, entre moradores e mesmo na sociedade
amapaense mais ampla, o interesse pela história local, e dentro deste tema o papel
da fortaleza histórica e da arqueologia como uma forma de estudá-la. Estas ações,
entendidas como complementares, fortalecem o senso local de valorização do
patrimônio arqueológico e de seu próprio patrimônio cultural.

As ações empreendidas abordaram múltiplos públicos e temas diversificados.


Ao longo da execução do projeto percebemos um crescimento progressivo do
interesse de moradores não apenas sobre a história do forte, mas também sobre a
história do bairro.

A curiosidade que buscamos despertar nas novas gerações também deve


contribuir para ativar as redes de relação entre gerações distintas. Nas visitas com
os jovens e nas atividades que acompanhamos na escola, incentivamos que os
estudantes buscassem seus pais e avós para conhecerem mais sobre esse tema.
Muitos estudantes ficaram surpresos com o conhecimento que parentes mais velhos
tinham sobre o Forte Cumaú, e logo perceberam a importância deste conhecimento
para a valorização atual do patrimônio.

Nas atividades de vivência e de entrevistas junto com as famílias do bairro,


podemos perceber o quanto a história do Forte Cumaú representa também a visão
que os moradores têm hoje sobre seu bairro. Existe aí um espelhamento que
reflete uma baixa auto-estima da população. A ideia de que o Forte Cumaú não foi
finalizado, que foi abandonado no meio do caminho, parece uma ressignificação de
um sentimento de descaso e abandono da gestão pública no bairro. Neste sentido,
positivar a história do Forte Cumaú se mostrou uma estratégia importante para
combater este sentimento. No entanto, esta não é uma mudança de curto prazo, e
para que de fato ocorra, será necessário dar continuidade das pesquisas e garantir
a proteção real do Forte Cumaú. Enquanto seus vestígios continuarem encerrados
em muros e portões, parece que também a história deste forte ficará inerte e
encoberta.

166
As ações realizadas no âmbito deste projeto contribuíram para desencobrir
não apenas sua história, mas principalmente memórias e sentimentos, que se
encontram agora animados pelo interesse na proteção. Cabe a cada um que
participou deste projeto, em suas diferentes fases, não deixar este ânimo baixar.

167
Registro Fotográfico das Ações de Divulgação e
Educação Patrimonial

Fest Cumaú, na quadra esportiva da E.E. Igarapé da Fortaleza.

Fest Cumaú. Estudantes observam exposição de peças arqueológicas oriundas do Forte Cumaú.

168
Fest Cumaú: Oficina de Fotografia ministrada por Karinny de Magalhães.

Fest Cumaú: Oficina com professores, ministrada por Mariana Cabral.

169
Fest Cumaú: estudantes do sexta ano preparam a exposição sobre história do Forte Cumaú.

Fest Cumaú: exposição de estudantes do sexto ano.

170
Seminário Forte Cumaú, no Auditório do Museu Sacaca, em Macapá.

Seminário Forte Cumaú, no Auditório do Museu Sacaca, em Macapá.

171
Exposição “Cumaú: a Fortaleza do Igarapé”, no espaço Casa de Vidro do Museu Sacaca.

Maquete do Forte Cumaú, produzida sob coordenação de Manuel Calado. Parte da Exposição “Cumaú: a
Fortaleza do Igarapé”, no espaço Casa de Vidro do Museu Sacaca.

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178
ANEXOS
 Anexo 01: Carta da América de Clemendt de Jongue, datada de 1640.
 Anexo 02: Carta do Baixo Amazonas feita pelo padre Samuel Fritz, datada de
1689.
 Anexo 03: Carta do rio Amazonas feita pelo padre Samuel Fritz, datada de
1707.
 Anexo 04: Carta do Novo reino de Granada, Nova Andaluzia e Guiana, feita
pelo engenheiro M. Bonne, datada de 1780.
 Anexo 05: Carta Geral da Guiana, feita por N. Buache, datada de 1798.
 Anexo 06: Carta de Caracas e Guiana, elaborada por Pinkerton em 1818.
 Anexo 07: Planta da fortificação no Cumaú, datada de 1765
 Anexo 08: Questionário estruturado da pesquisa oral (quantitativa)
 Anexo 09: Boletim de Informação de Cadastramento Imobiliário referente ao
terreno situado à Av. Rio Trombetas, nº 54 (Acervo da Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e de Resíduos Sólidos, PMS)
 Anexo 10: Mapa de matrículas de terrenos no Igarapé da Fortaleza,
disponibilizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e de Resíduos
Sólidos (SEMDURES) da Prefeitura Municipal de Santana
 Anexo 11: Lista definitiva da coleção arqueológica armazenada
 Anexo 12: Material de divulgação do Seminário Forte Cumaú: História,
Arqueologia e Comunidade
 Anexo 13: Diagnóstico do bem: áreas fragilizadas na estrutura arquitetônica

179
Anexo 01: Carta da América de Clemendt de Jongue,
datada de 1640.

180
Anexo 02: Carta do Baixo Amazonas feita pelo padre
Samuel Fritz, datada de 1689.

181
Anexo 03: Carta do rio Amazonas feita pelo padre
Samuel Fritz, datada de 1707.

182
Anexo 04: Carta do Novo reino de Granada, Nova
Andaluzia e Guiana, feita pelo engenheiro M. Bonne,
datada de 1780.

183
Anexo 05: Carta Geral da Guiana, feita por N. Buache,
datada de 1798.

184
Anexo 06: Carta de Caracas e Guiana, elaborada por
Pinkerton em 1818.

185
Anexo 07: Planta da fortificação no Cumaú, datada de
1765.

186
Anexo 08: Questionário estruturado da pesquisa oral
(quantitativa)

187
Anexo 09: Boletim de Informação de Cadastramento
Imobiliário referente ao terreno situado à Av. Rio
Trombetas, nº 54 (Acervo da Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e de Resíduos Sólidos, PMS)

188
Anexo 10: Mapa de matrículas de terrenos no Igarapé
da Fortaleza, disponibilizado pela Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e de Resíduos Sólidos
(SEMDURES) da Prefeitura Municipal de Santana

189
Anexo 11: Lista definitiva da coleção arqueológica
armazenada

190
Anexo 12: Material de Divulgação produzido para
Seminário Forte Cumaú: História, Arqueologia e
Comunidade

191
Anexo 13: Diagnóstico do bem: áreas fragilizadas na
estrutura arquitetônica

192

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