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A série HOMENS QUE AMAMOS apresentou no LIVRO 1 o casal Jules e Javier, em O

HOMEM DOS MEUS LIVROS, e na noveleta O HOMEM DA MINHA VIDA! Quem leu os livros, sabe que
há uma pequena participação de Hani e Zayn, já como um casal. Quem ainda não leu,
saiba que não há problema algum, pois isso não interfere no enredo de nenhuma das
histórias. Eles podem ser lidos separadamente e também fora de ordem. Porém, ESSE
HOMEM É MEU é um prequel de O HOMEM DOS MEUS LIVROS, ou seja, a história de Hani e Zayn,
aconteceu antes da história do casal J&J.

Se este é o primeiro livro que você está lendo desta série, convido você a ler O
HOMEM DOS MEUS LIVROS depois. Você conhecerá Javier Stanton e ainda terá um gostinho a
mais de Hani Mitchell e Zayn El Safy.
Olá! Eu sou a Evy Maciel.
Escrevo romances contemporâneos para mulheres apaixonadas por histórias de
amor, intensas e de tirar o fôlego! E sobre mulheres que buscam encontrar o caminho
para a verdadeira felicidade!
Minha missão como escritora é proporcionar o lazer através da leitura, incentivando
o amor próprio, motivando a autoestima e evidenciando a importância da independência
emocional.
Acredito que não devemos ter medo de nos reinventar, aprendendo com os erros e
persistindo em nossos ideais sempre!
Nasci em 5 de abril de 1989. Sou gaúcha de Osório-RS, mas moro quase a vida
toda em um município de Santa Catarina, chamado Içara!
Comecei a escrever romances em 2012, por hobby, publicando no site Nyah
Fanfiction.
Em 2014, lancei meu primeiro livro na Amazon: O HOMEM DOS MEUS LIVROS!
Ele é o primeiro de uma série que intitulei de HOMENS QUE AMAMOS!
Em 2015, decidi me arriscar a viver exclusivamente da escrita e abandonei minha
profissão de fotógrafa, fechando meu estúdio. E desde então tenho me dedicado a
escrever livros e interagir com meus leitores!
Em 2016, lancei meu primeiro livro por editora: O QUE ACONTECE EM VEGAS
FICA EM VEGAS, lançado na Bienal de São Paulo, com o selo da Editora Qualis.
Ainda assim, continuei lançando meus e-books na Amazon de forma independente.
Em 2018, lancei meu segundo livro com a Qualis, na Bienal de São Paulo: VLAD –
SEDUZIDA POR UM IMORTAL! Além dele, lancei no mesmo evento outro romance,
através da Editora Pandorga: RUDE – Encontros & Confrontos.
Atualmente, tenho mais de 15 títulos publicados, entre contos, novelas e romances,
seja por editora ou de forma independente. Também atingi a marca de 24 milhões de
páginas lidas pelo sistema Kindle Unlimited da Amazon, e o número cresce a cada dia.
Ao final deste livro, vou te recomendar algumas de minhas histórias, caso você
goste do meu estilo de escrita e queira conhecer mais do meu trabalho! Espero de
coração que essa seja uma boa leitura e se você quiser entrar em contato comigo, basta
acessar meu site e deixar um recado. Respondo com frequência, não se preocupe!
Obrigada pela oportunidade!
Um grande abraço!

Viste o site:
www.evymaciel.com.br
A série HOMENS QUE AMAMOS surgiu da ideia de reunir meus três primeiros livros,
inicialmente contos publicados no Nyah Fanfiction, em 2012, quando eu era apenas uma
leitora que tinha como hobby se aventurar em escrever minhas próprias histórias. Em
2014, eu reescrevi, incrementei e acrescentei mais conteúdo, tornando aquele pequeno
conto em um livro mais extenso. Foi então que surgiu o primeiro livro da série: O HOMEM
DOS MEUS LIVROS, e em seguida, o LIVRO 1.5: O HOMEM DA MINHA VIDA.

Além de reescrever as histórias, eu as interliguei, fazendo com que os


personagens de cada livro convivessem no mesmo “universo literário”.
LIVRO 1: O HOMEM DOS MEUS LIVROS
LIVRO 1.5: O HOMEM DA MINHA VIDA (noveleta)
LIVRO 2: ESSE HOMEM É MEU
LIVRO 2.5: ESSE HOMEM SEMPRE SERÁ MEU (noveleta)
LIVRO 3: O HOMEM DE SANTORINI
LIVRO 3.5: O HOMEM DE SEATTLE (noveleta)
LIVRO 4: O HOMEM DOS SEUS SONHOS

Cada livro da série conta a história de um casal diferente, podem ser lidos
separadamente e fora da ordem de lançamento, com exceção das noveletas respectivas
a cada livro. Contudo, no livro 4, onde o casal do livro 1 é novamente o protagonista, é
importante que já tenha lido os anteriores, pois os outros dois casais voltam a aparecer
para um fim definitivo.
HOMENS QUE AMAMOS é uma série de romances que aborda as questões das
mulheres modernas, independentes e audaciosas, com uma pegada leve, divertida e
charmosa, somada a uma dose extra de sensualidade.
Tenham uma boa leitura!
- Evy Maciel
PREFÁCIO
PRÓLOGO
PARTE UM
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
PARTE DOIS
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
EPÍLOGO
“Era uma vez um casal que se amava muito. Um príncipe e uma
princesa, que viviam felizes em um lindo Qasr no deserto… Para que a
alegria do casal fosse ainda mais completa, a princesa descobriu que
esperava um bebê, deixando o príncipe imensamente feliz. Toda a família
foi reunida naquele dia, para uma grande comemoração. Meses depois,
quando saíra para caçar com um grupo de amigos, o príncipe quase fora
picado por uma cobra venenosa. Por sorte, o único filho de seu melhor
amigo arriscou a própria vida para salvá-lo, agarrando a serpente com
uma das mãos e matando-a com um punhal. O príncipe ficou
imensamente grato, graças à coragem do garoto, poderia voltar ao
castelo, onde sua esposa estava prestes a dar à luz. Como
agradecimento, o príncipe mandou preparar uma festa em homenagem ao
jovenzinho que o salvara. Convidou todo o reino, para que conhecessem e
prestigiassem o mais novo herói.
Além da festa, o menino foi presenteado com uma corrente de ouro
branco, nela havia um pingente, com a metade de um coração. O garoto
não entendera o porquê de o príncipe tê-lo presenteado com a metade de
um coração, ficou confuso, mas vossa majestade explicou, mostrando-lhe
outro cordão, como o seu, que possuía a outra metade do coração. A
partir daquele dia, o príncipe estaria colocando nas mãos do menino o seu
bem mais precioso: sua pequena filha, que estava perto de nascer.
Quando a menina completasse a idade de vinte e um anos, eles se
casariam e tornariam aquelas metades em um só coração. O garoto, de
apenas quinze anos, aceitou de bom grado o presente do príncipe, afinal,
que homem no mundo não gostaria de se casar com uma princesa? O pai
do garoto era grande amigo do príncipe. Ambos achavam conveniente o
casamento entre seus únicos herdeiros. Assim que a pequena princesinha
nasceu, seu pai ofereceu um jantar em seu castelo, para celebrar o
nascimento de sua herdeira. Foi um dia de muita festa por todo o reino,
todos queriam conhecer a criança e presenteá-la com perfumes, tecidos
finos e pedras preciosas. O garoto, prometido à pequena menina, também
participou das festividades, presenteando-a com uma delicada coroa de
brilhantes para ser usada no dia do seu baile de debutante. Assim, iniciou-
se um novo conto de fadas, onde um jovem rapaz e uma bela princesa se
apaixonariam perdidamente um pelo outro, cumprindo seus destinos e
unindo-se em matrimônio...”
Em pensar que eu adorava ouvir essa história, contada por minha
mãe todos os dias, antes de eu dormir... Era um lindo conto de fadas,
quando eu tinha cinco anos e noção alguma de que casamento arranjado
era uma ideia ultrapassada. Minha mãe sabia contar uma boa história,
mas esta era sua favorita. Hoje eu entendo o porquê. Foi sua maneira de
me contar que eu estava prometida a um homem desde que nasci. Foi a
estratégia que usou para me fazer acostumar à ideia de que uma escolha
foi feita para mim, antes que eu tivesse idade suficiente e poder de
decisão. Noiva aos catorze anos, de um homem com o dobro da minha
idade. Um desconhecido.
Não foi este o presente que pedi de aniversário. Quem, em sã
consciência, ainda mais se tratando de um adolescente, aceitaria se casar
com uma mulher que sequer havia nascido?
Até onde eu havia entendido, tratava-se do filho do melhor amigo de
meu pai, um rapaz que tinha apenas quinze anos quando lhe salvou a
vida. Meu pai ficou tão agradecido que, em vez de dar uma moto ou um
carro do ano, deu ao garoto a própria filha, para que eles se casassem
quando fossem mais velhos. Esta filha, por acaso, sou eu. Foi assim que
aconteceu essa coisa toda de noivado, que, para minha sorte ou não, fez
com que eu já nascesse com o destino traçado.
Como uma promoção relâmpago de supermercado, do tipo: mate a
cobra e ganhe uma noiva!
Se eu me incomodo com isso? Mas é claro que sim! Tenho catorze
anos, nunca estive a fim de um garoto, nunca beijei na boca, nunca pensei
em me casar. Quando chegasse o momento, eu gostaria de poder
escolher.
Não estamos mais nos tempos feudais, onde os casamentos
arranjados eram uma negociação entre famílias. Mesmo vivendo nos
Emirados Árabes, onde essa prática é comum, não me conformo com
essa decisão que me roubou o livre arbítrio. Não sei o que passou pela
cabeça de meu pai quando propôs que o rapaz se casasse comigo. Penso
eu que, o fato de ele e minha mãe não serem tão jovens, contribuiu para
esse tipo de acerto entre as duas famílias.
Meu pai, aos quarenta anos, queria um herdeiro. Minha mãe, aos
trinta e sete, tinha problemas para engravidar. Brigando contra o tempo,
fizeram uma série de tratamentos de fertilização, até que fui concebida.
Quando soube que minha mãe esperava uma menina, meu pai ficou
tenso. É claro que ele me amava, mas acreditava que um filho homem o
sucederia nos negócios da família. Sendo filho único e tendo herdado de
seu pai, que herdou de seu avô, a fortuna Mitchell, meu pai temia o fim de
seu legado. A perpetuação do nome de nossa família se encerrou quando
minha mãe não pôde lhe dar o tão sonhado varão. Quando eu me
casasse, levaria o sobrenome do meu esposo e perpetuaria o nome de
sua família, através de nossos filhos.
Não se tratava de um aspecto religioso, pois não éramos adeptos ao
Islã. Mas meu pai sempre admirou a cultura do povo árabe e tinha grande
respeito pelos seus costumes. Muitos dos conceitos mulçumanos eram os
mesmos que a tradicional família Mitchell possuía e passava de geração
para geração.
Desde que colocou os pés na Cidade de Dubai pela primeira vez, há
vinte anos, para expandir os negócios da família nos Emirados Árabes,
Phillip Mitchell, meu pai, se apaixonou perdidamente pelos incríveis
arranha-céus e avenidas largas. Mas nada se comparou à beleza de Falak
Bannout, a estrela que iluminou sua vida, hoje conhecida como Falak
Mitchell, a esposa do estrangeiro que caiu de amores pelo Golfo Pérsico.
Minha mãe.
Sempre considerei a história de meus pais um lindo conto de fadas
moderno. Sonhava em viver algo semelhante. Poder me apaixonar por
alguém, ser correspondida e feliz para sempre. O fato de minha mãe
pertencer a uma família cristã facilitou o casamento, que ocorreu poucos
meses após se conhecerem. Meu pai optou por mudar-se definitivamente
para Dubai e construiu seu próprio império, pelo emirado homônimo,
triplicando a fortuna de nossa família. Foi nesse ponto que, imagino eu,
ele havia pensado em um casamento por conveniência. Esperava que seu
genro assumisse a frente dos negócios, administrando com mãos
competentes tudo o que meu pai e suas duas gerações passadas
construíram. Acho que ele nunca pensou na hipótese de uma mulher
assumir o controle de tudo. Mas Phillip não colocaria o legado Mitchell nas
mãos de qualquer homem por quem eu viesse a me apaixonar. Por este
motivo, papai traçou meu destino por conta própria. Escolheu a dedo o
homem com quem eu deveria me casar, pois este seria seu sucessor e
daria continuidade ao seu trabalho.
Para meu pai, apenas um sobrenome seria digno de substituir o
Mitchell que eu carregava em minha certidão de nascimento: El Safy.
Ibrahim El Safy era o melhor amigo de meu pai. Estudaram juntos
em Oxford e a amizade continuou após se formarem. Ibrahim, além de
grande amigo, tornou-se braço direito de meu pai. Eram sócios em alguns
empreendimentos e papai confiava nele cegamente. Sua esposa, Zahara,
tornou-se amiga de minha mãe. Havia um grande carinho e respeito entre
as duas famílias.
Ibrahim e Zahara tinham um único filho: Zayn. E foi no jovem garoto
que meu pai depositou suas esperanças. Não havia ninguém melhor que o
filho do seu mais fiel amigo, para ser o esposo de sua filha. Um
adolescente de quinze anos, que seria devidamente preparado para
assumir os negócios de ambas as famílias. Duas fortunas se tornariam
uma só. Era o plano perfeito. Um diamante bruto que seria lapidado para
um propósito já definido.
O tempo passou. Zayn tornou-se um homem, e eu, uma adolescente
magrela com aparelho nos dentes. Ele se formou com louvor em gestão e
administração, na Universidade de Cambridge. Mas não retornou a Dubai
como meu pai esperava. Investiu no ramo do entretenimento e tornou-se
dono de uma rede de casas noturnas espalhadas pela Europa. Eu não o
conhecia pessoalmente, mas graças à internet, acompanhava seus
passos desde que me dei conta de que teria que me casar com ele.
Zayn era tão bonito. Seus olhos negros quase me hipnotizavam
através das fotografias. A cabeça raspada e barba bem desenhada
deixavam-no com uma aparência exótica, mas extremamente atraente. Eu
não o conhecia além da aparência e isso me assustava. Não sabia o que
fazer, nem se queria me casar com um estranho, por mais bonito que ele
fosse.
Restavam-me seis anos antes que eu me tornasse sua esposa ou
assumisse o controle de minha vida e fugisse, para escrever meu próprio
destino. Nunca contrariei meu pai, sempre fui tratada como uma princesa.
Eu amava minha vida. Cresci cercada de luxo, morava em uma mansão
em Palm Jumeirah, estudava em casa, tinha um motorista só para mim,
empregados que estavam à minha disposição e dinheiro para comprar o
que quisesse.
Muitos diziam que eu era uma menina mimada, nunca discordei.
Meu aniversário de quinze anos estava próximo e papai deu total
liberdade para minha mãe organizar o mais perfeito baile de debutante,
seguindo uma antiga tradição europeia onde a família apresentava sua
filha, oficialmente, à sociedade.
Pois seria neste baile que eu conheceria meu noivo: Zayn El Safy.
Eu não devia ter criado expectativas.
Nunca diga tudo o que sabe
Nunca faça tudo o que pode
Nunca acredite em tudo o que ouve
Nunca gaste tudo o que tem
Porque:
Quem diz tudo o que sabe
Quem faz tudo o que pode
Quem acredita em tudo o que ouve
Quem gasta tudo o que tem
Muitas vezes:
Diz o que não convém
Faz o que não deve
Julga o que não conhece
Gasta o que não pode

Provérbio Árabe
Esta parte da história se passa em:
“Deve ter me confundido com uma otária
Pensando que eu
Seria mais uma vítima
Diga, jogue como você quiser
Mas de jeito nenhum vou cair na sua, nunca você, baby.”
WOMANIZER – BRITNEY SPEARS
A palavra é prata, o silêncio é ouro.

Provérbio Árabe
— O que você vai fazer em Dubai?
Elena estava me irritando com seu questionário patético. Era o que
acontecia quando eu tentava ser um cavalheiro, elas alimentavam algum
tipo de ilusão sobre estar em um relacionamento comigo, se achando no
direito de pedir algum tipo de satisfação. Ledo engano. Eu não dava
satisfação a ninguém. A não ser na cama.
— Não estou pedindo autorização para ir a Dubai — respondi
secamente, enquanto vestia minha boxer. Exausto demais para perder
meu tempo discutindo com uma mulher. — Estou comunicando.
Vesti meu jeans, camiseta branca e jaqueta de couro. Não tornei a
olhar para a linda ruiva em minha cama. Calcei as botas e juntei o boné do
chão, cobrindo minha cabeça raspada. Os óculos escuros estavam em
cima da cômoda, ao lado de Elena.
Ela me observava em silêncio, analisando minuciosamente cada
gesto meu.
— Espere — pediu, ficando de pé em cima da cama, apenas de
lingerie. O seu sorriso sedutor era uma das características que me
atraíram nela à primeira vista. Mas eu era possuidor de um autocontrole
invejável.
Eu ditava as regras, não ela.
Eu decidia o momento de tê-la em minha cama, não ela.
Eu quem a convencia a ficar mais um pouco, para repetir a dose.
Nunca o contrário.
Franzi a testa, mas não disse nada. Esperei que ela dissesse o que
queria.
— Não precisa falar comigo deste jeito. — Fez beicinho.
Por mais que seus lábios fossem malditamente perfeitos, eu não iria
ceder ao tesão que ela despertava em mim. Uma das regras que eu
costumava não quebrar era que todo envolvimento íntimo possuía um
prazo de validade. E o de Elena havia acabado de expirar.
— Antes de ir, quero deixar alguns pontos esclarecidos — comecei,
suavizando o tom de voz.
Meu discurso de “encerramento” consistia em três pontos.
Primeiro ponto: Levantar o ego.
— Você fode gostoso, Elena. Jamais duvide disso. Eu me diverti
muito.
Ela sorriu satisfeita, enrolando uma mecha de cabelo com os dedos.
Segundo ponto: Esclarecer os fatos.
— Somos adultos, solteiros e livres para ficarmos com quem
quisermos. Compromisso nunca foi uma exigência neste envolvimento
temporário entre nós dois.
O sorriso se desfez e o olhar de desejo começou a ser substituído
por indignação.
Terceiro ponto: Um sutil e definitivo adeus.
— A suíte está paga, você pode passar o restante do dia se quiser.
Apreciei muito os nossos momentos, mas não tornarão a se repetir. Sei
que você pensou que estivéssemos evoluindo para algo mais, não te julgo
por este erro. Mas se procura por alguém para lhe ser fiel e manter um
relacionamento, esse homem, definitivamente, não sou eu.
Elena foi a mulher com quem permaneci monogâmico por mais
tempo que de costume. Talvez por este motivo ela criou a ilusão de que
estivéssemos nos aproximando de um namoro. Mas eu não namorava,
não me envolvia, não me apaixonava. Sexo era necessário, mas amor era
pedir demais.
— Você está terminando comigo? — perguntou alterada, descendo
da cama e ficando à minha frente.
Eu era muito mais alto do que ela, em seus 1.60 m., mas a mulher
ruiva, de curvas perigosas e seios fartos, não abaixou sua cabeça.
Manteve o olhar firme e exigente, como se fosse uma igual. Mas ela não
era.
— Não posso terminar algo que nunca começou — respondi,
sustentando o olhar.
Ela segurou o choro, mas os cristais de lágrimas estavam quase
deslizando sobre o seu lindo rosto.
— Como você consegue ser tão quente na cama, mas tão frio fora
dela? — perguntou com raiva, cedendo às lágrimas. — Espero que um dia
se apaixone e sinta na pele a dor de ser rejeitado! Talvez você aprenda a
lição.
Mas que caralho!
Mulheres e suas malditas pragas.
— Apaixonar-me? — perguntei entre meu acesso de riso. — Não
diga besteiras, El. Você me conhece há quanto tempo? Com quantas
mulheres eu estive por mais de uma vez?
— Apenas comigo.
Elena Simpson era uma arquiteta renomada. Ela foi responsável por
desenvolver e coordenar todos os projetos de minhas casas noturnas, na
Europa. Antes de tudo, uma amiga. Talvez a única mulher que me
conhecia além da imagem que eu me preocupava em manter para a
mídia. O jovem árabe, que adotou Londres como sua segunda casa. O
empresário do entretenimento que mantinha uma vida reservada e longe
dos holofotes. Um dos solteiros mais cobiçados, mas que nunca era visto
em companhia feminina, sendo questionado por alguns tabloides
sensacionalistas sobre sua sexualidade.
Era necessário que Zayn El Safy tivesse uma reputação intacta. Aos
olhos da imprensa, pelo menos. Nos bastidores, a história era outra. Eu
continuava sendo o empresário, o solteiro cobiçado, mas companhia
feminina nunca me faltava. Muitas vezes, até mais de uma. Eu só não
podia correr o risco de me expor. Tinha uma reputação a zelar.
Elena sabia e havia presenciado, muitas vezes, o meu lado soberbo
e libertino. Participou de algumas festas secretas proporcionadas por mim
ou alguns de meus amigos, onde o sexo era o objetivo principal.
Compartilhávamos gostos semelhantes. E foi assim que, naturalmente,
acabamos na cama, onde éramos cem por cento compatíveis.
Talvez por nutrirmos uma amizade, o caso tenha sido mais
duradouro que os demais. Mas, de minha parte, jamais houve a intenção
de algo sério. Eu deveria ter cortado o mal pela raiz. Dificilmente
manteríamos uma relação amigável. Ela se deixou envolver, eu nunca me
permiti sentir algo mais do que tesão. Minha busca sempre foi pelo prazer
físico.
— Nunca te dei esperanças de algo duradouro — continuei,
impassível. — Não seja imatura, por favor. Não dificulte as coisas.
Elena me empurrou bruscamente e caminhou pelo quarto em busca
de suas roupas. Não sei se voltaria a falar comigo e, sinceramente, não
me importava. Eu não devia ter me envolvido com ela, mas o que estava
feito, estava feito. Sem arrependimentos, como sempre.
Fiquei parado, observando-a se vestir. Ela secou as lágrimas, pegou
sua bolsa e foi até a porta do quarto, segurando o par de salto alto na
mão, enquanto a abria.
— Tudo bem, Zayn. Não perderei mais meu tempo com você. Nem
sei por que me iludi achando que comigo seria diferente. Eu desejo, de
coração, que seu jatinho tenha um problema mecânico e caia no Golfo
Pérsico. Seu cretino! — Bateu a porta atrás de si, me deixando sozinho
na suíte mais cara do Hilton London Metropole.
Coloquei meus óculos de lente espelhada, verifiquei meu celular e
carteira no bolso do jeans e saí do quarto. Escorei-me na parede do
corredor, esperando que Elena descesse sozinha pelo elevador, antes de
me dirigir até a recepção do hotel. Meu celular tocou e sorri ao verificar o
identificador de chamadas.
— Allo![1] Como está a mulher mais importante da minha vida? —
Atendi com um sorriso no rosto.
— A mulher mais importante da sua vida? Às vésperas de completar
quinze anos. A idade que você tinha quando ficou noivo dela. — A voz
delicada de minha mãe era apenas uma camuflagem.
Revirei os olhos e meu sorriso desvaneceu. Foda-se! Eu precisava
acabar com aquela palhaçada.
— Eu era um garoto imbecil quando concordei com essa loucura —
revidei, com a voz tão suave e camuflada quanto a dela. Eu aprendi com a
melhor. — Sabe que me refiro a você, a única mulher que tem um lugar no
meu coração.
— Meu bebê, pode até ser. Mas isso não te livra do seu dever com a
família de Hani. Lembro-me, como se fosse ontem, do dia em que você
prometeu que cuidaria dela para sempre. Não pode simplesmente virar as
costas e fingir que nunca aconteceu.
Sabia que mais dia ou menos dia meu passado voltaria para me
assombrar. Mas estava decidido e não seria uma promessa idiota de
adolescente que faria com que eu me casasse com uma garota
desconhecida.
— Tenho trinta anos, não vou me casar por obrigação.
— Meu filho…
— Fora de cogitação — interrompi bruscamente. — Aliás, pretendo
continuar na Inglaterra. Voltar para Dubai não está nos meus planos,
mãe. Irei apenas para o baile de debutante de Hani. E será nessa
porcaria de baile que contarei aos pais dela e ao meu pai sobre minha
decisão.
— Não é assim que funciona, Zayn El Safy. — O tom de voz de
minha mãe era duro. E o fato de ouvi-la mencionar o meu sobrenome me
fazia temê-la. — Lembre-se de quem você é filho. Não é porque vive no
ocidente que irá desonrar o nome da sua família, rapazinho. Eu não criei
você para ser um playboy em Londres. Jamais se esqueça de onde você
veio. Não engordei trinta quilos em nove meses nem vomitei o Mar Negro
inteirinho para ter que presenciar a criança que eu gerei se voltando
contra o próprio pai.
Pressionei meus olhos, ainda fechados. Aquela conversa estava me
desgastando mentalmente.
— Tenho certeza de que meu pai e Phillip entenderão que o peso da
palavra de um adolescente não pode ser levado em consideração —
argumentei, pacientemente. — Hoje eu sou um homem, com uma
mentalidade completamente diferente de quando tinha quinze anos. Não
posso me amarrar a uma mulher apenas porque a ganhei de presente.
Ela soltou uma risada amarga.
— Eu não sei quem é você. Mas trate de trazer meu filho de volta
quando colocar os pés em Dubai.
Senti a tristeza na voz de minha mãe. Ela era uma boa mulher, mas
estava parada no tempo, e eu não era mais seu pequeno filho, havia me
tornado um homem que não precisava mais se esconder embaixo de suas
vestes.
— Mãe, sinto muito por decepcionar a senhora. Não me tornei outra
pessoa, apenas amadureci. Desculpe não ter me tornado quem gostaria
que eu fosse.
— Você é parte de mim, meu amor. Só quero que seja feliz, eu vi a
felicidade para sua vida no momento em que você pegou aquela criança
no colo. Pode não entender o que isso significa agora, mas acredito que
mudará de ideia.
— A vida segue rumos diferentes, veremos o que ela tem guardada
para mim — desconversei. — Agora preciso me organizar para a viagem.
— Até breve, filho.
Ao finalizar a ligação, escorei minha cabeça na parede e fechei meus
olhos por alguns instantes.
Droga!
Todos esses anos longe de minha terra natal me fizeram esquecer o
quanto a obediência aos meus pais era um princípio sagrado. Eu devia
minha existência a eles, meu respeito e amor deviam prevalecer. Para
todos, eu poderia ser Zayn El Safy, o magnata do entretenimento. Mas
nada disso importava para Ibrahim e Zahara, eu era o filho único, aquele
que perpetuaria o nome da família e deveria honrar minha palavra.
Teria que usar de bons argumentos para convencer Phillip Mitchell
de que eu não era o homem certo para se casar com sua filha. Eu fiz uma
promessa há quinze anos, quando ainda era um adolescente. Naquele
tempo, foi uma honra e não pestanejei ao aceitar. Jamais me passou pela
cabeça que minha vida tomaria um rumo diferente, que meus ideais
seriam outros. Constituir uma família não estava nos planos. Gostava de
minha vida atual, não havia por que mudar meu status de relacionamento.
Só espero consertar essa merda.
“Então não tente dizer que você sente muito
Ou não tente arrumar isso
E não perca seu fôlego
Porque é tarde demais, é tarde demais.”
YOUR LOVE IS A LIE – SIMPLE PLAN
Não declares que as estrelas estão mortas
só porque o céu está nublado.
Provérbio Árabe
— Ele está aqui com os pais! — gritou Samira entrando em meu
quarto, eufórica.
Tirei os fones do ouvido e disfarcei meu nervosismo.
— Ele quem? — Fiz-me de desentendida.
Deitada em minha cama, eu desenhava alguns croquis enquanto
ouvia música.
— Prima! — Samira sabia que eu estava atuando. Ela me conhecia
melhor do que qualquer outra pessoa, até mesmo minha mãe. — Zayn.
Quem mais você estava esperando?
Dei de ombros e sorri cinicamente.
— Johnny Depp, talvez? Eu tenho esperanças…
Samira se aproximou e se deitou ao meu lado na cama.
Minha prima era minha melhor amiga. Éramos praticamente irmãs,
tínhamos a mesma idade e nossa semelhança poderia ser considerada
um laço fraternal. Filha da irmã mais velha de minha mãe, Samira ficou
órfã tão logo nasceu, pois sua mãe faleceu no parto. Ela não conheceu o
pai, pois minha tia recusou-se a contar com quem esteve. Foi um
momento de vergonha para a família, mas eles a acolheram de braços
abertos e meus pais adotaram Samira. Ela insistia em me chamar de
prima, pois sempre soube que não era filha biológica de Phillip e Falak,
mas nós a amávamos como se fosse.
— Vai sonhando, prima. Se bem que Zayn é ainda mais lindo
pessoalmente. Você esquecerá sua paixonite por Johnny assim que
colocar os olhos sobre ele.
— Acho que não — desdenhei.
Eu não queria me iludir quanto a Zayn El Safy. O homem tinha o
dobro da minha idade, era incrivelmente lindo e aqueles olhos negros me
faziam esquecer qualquer coisa, quando mirava suas fotografias pela
internet. Mas eu seria ingênua se acreditasse que ele se manteria fiel à
promessa que fizera de se casar comigo. Poderia até cumpri-la, mas
éramos dois estranhos, ele era um homem e eu uma menina, não existia
amor entre nós. Além disso, duvidava muito que ele tivesse se mantido fiel
ao compromisso. Um homem bonito daqueles? Seria pedir demais que
ainda fosse virgem. Eu podia ser inexperiente, mas não era burra.
Sentei-me na cama e encarei Samira.
— Tudo bem, confesso: estou morrendo de curiosidade — revelei.
— Sua mãe me pediu para chamá-la! — Levantou-se rapidamente,
se lembrando do que veio fazer em meu quarto. — Se apresse! Vamos!
Levantei-me devagar, eu gostava de provocar Samira.
— Não estou com pressa. — Bocejei.
— Não vai se arrumar? — perguntou, repreendendo minhas
vestimentas.
Eu não estava mal vestida. Usava um vestido longo, sem mangas,
na cor preta. Era quente em Dubai, a temperatura em meados de março
era entre 40° durante o dia e 30° à noite. Estávamos na primavera,
raramente chovia. Nossa família não era muçulmana (praticantes do islã),
mesmo assim, respeitávamos a cultura local e nossas roupas cobriam as
pernas completamente, porém eu gostava de deixar meus braços à
mostra, dentro de casa. Quando saía para a rua, cobria-me com um lenço
de seda, para não chamar atenção. Com 1.60m de altura e meus 45kg, eu
não era exatamente uma modelo curvilínea. Aos catorze anos, meu corpo
ainda não estava desenvolvido por completo, e eu tinha grandes
esperanças de um dia me tornar algo próximo de uma Jennifer Aniston
morena. Minha pele bronzeada e cabelos negros eram algo do qual eu me
orgulhava, mas não havia nada volumoso. Sem peitos, sem bunda, sem
pernas grossas. E, para piorar, eu usava aparelho nos dentes. Como
qualquer adolescente, estava na fase de me sentir o patinho feio. E Zayn
poderia ser comparado a um ídolo teen.
— Não tem conserto, Samira. Nem milhares de dirhans[2] me
deixariam estupenda para conhecer El Safy Filho.
— Você é linda, Hani.
Dei de ombros.
— Para um garoto de minha idade? Talvez. Para um homem que
mais parece um artista de cinema, vive em Londres e conhece mulheres
lindíssimas? Acho que não.
— Ele é seu noivo!
— Isso não significa nada.
— Samira! Eu não pedi que chamasse Hani? — Minha mãe entrou
no quarto com expressão séria.
— A culpa é minha, mamãe. Eu que estava procrastinando.
— Por quê? — perguntou, surpresa.
— Porque estou nervosa!
Samira segurou o riso.
— Oh, minha querida. Não precisa ficar nervosa. É apenas um
encontro informal. Você e Zayn precisam se conhecer antes da festa, além
de ensaiar a valsa.
Fiz um grande esforço para não revirar meus olhos. Tudo bem, eu
amava a ideia do baile, mas a parte da valsa era a que mais me
desagradava. Porém, era tradição e concordei com um tradicional baile de
debutante.
O que Zayn pensará disso tudo?
Sorri, tomando coragem, e segurei o braço de minha mãe.
— Tudo bem, vamos lá! — Sorri, fingindo uma segurança que eu
estava longe de sentir.
Samira segurou o outro braço de minha mãe e juntas fomos
caminhando pelos corredores da mansão, até chegarmos a uma das salas
de visita. Ouvi o som de vozes e apertei, sem querer, o braço de mamãe.
Eu podia ser geniosa, mas era uma garota de catorze anos, afinal. A
insegurança era praticamente um requisito da adolescência.
Todos se calaram assim que entramos. Reconheci de imediato o
senhor e senhora El Safy. Os pais de Zayn eram presença constante em
nossa casa. Papai sorriu para mim, como se estivesse diante de seu bem
mais precioso. Sempre carinhoso comigo e Samira, não fazia distinção
alguma entre nós. Éramos suas filhas amadas.
O homem de costas, sentado em uma das poltronas, presumi que
fosse Zayn. Vestia blazer preto, de corte perfeito, e usava um turbante
vermelho na cabeça. Assim que Ibrahim e Zahara levantaram-se para nos
receber, ele se virou.
A sala ficou em completo silêncio, o que foi muito constrangedor e
me deixou quase em pânico. Sempre idealizei o momento em que
ficaríamos frente a frente, mas em momento algum calculei que fosse
travar completamente. Acho que devia estar parecendo uma garota
assustada, e eu não era assim. Seus olhos estavam focados nos meus,
intimidante, e senti como se estivesse sendo analisada por um falcão
prestes a dar o bote em um rato do deserto. Eu parecia um rato do
deserto, se ele visse minhas pernas finas por baixo do vestido, poderia ter
certeza do fato.
— Zayn, esta é minha preciosa Hani. — Mamãe tomou a frente, me
segurando pelos ombros, fazendo com que eu caminhasse a passos
lentos em direção ao “meu noivo”.
Zayn suavizou sua expressão e sorriu. Meu coração palpitou um
pouco mais que o normal, confesso, mas ele era muito mais bonito
pessoalmente do que nas fotografias. Fiquei impressionada.
— Salam[3].
Que voz é essa, Senhor?, pensei.
O homem não tinha defeito. Nem a voz era feia.
— Ahlan[4]… — murmurei, dando-lhe boas-vindas. Em nosso
cotidiano usávamos bastante o idioma inglês e desde pequena eu era
fluente nas duas línguas.
— Ahlan Wa Sahlan[5]! — Aproximou-se, estendendo sua mão para
me cumprimentar. — É um prazer imenso conhecê-la, Hani — disse em
inglês.
Não fazia parte da tradição árabe que um homem tocasse uma
mulher em cumprimento, apenas palavras podiam ser trocadas. Zayn El
Safy tinha hábitos de estrangeiro, portanto, fitei meu pai em busca de
aprovação e ele assentiu. Aceitei o cumprimento e sorri. O nervosismo se
esvaindo aos poucos.
— A recíproca é verdadeira, Zayn.
Passado o primeiro momento, meu pai tomou a rédea da conversa.
Cumprimentei os pais de Zayn e meu pai, e logo estávamos todos
sentados, conversando amenidades. Zayn contou um pouco de sua rotina
em Londres, papai e Ibrahim o atualizaram sobre os negócios da família,
com a expansão da rede de Hotéis Mitchell por todo o mundo. Samira e eu
nos mantivemos em silêncio, observando, ouvindo, enfeitando o ambiente.
Já estávamos acostumadas. Volta e meia eu me pegava observando
Zayn, com demasiada atenção. Reparei em sua barba bem desenhada,
algo que ele devia prezar com muito afinco. Era perceptivelmente,
vaidoso. O sorriso raro em sua expressão, mas tive a oportunidade de me
deleitar com um ou dois. Quando espontâneos, eram incríveis. Mas na
maioria das vezes, reparei seu maxilar tenso, forçando a expressão. Ele
estava ali contra sua vontade. Não que estivesse sendo obrigado pelos
pais, mas, talvez, se pudesse escolher, não era ali que ele gostaria de
estar.
Levantei-me, sentindo a necessidade de sair dali.
— Com licença, eu volto em alguns instantes — comuniquei, sorrindo
e acenando minha cabeça, saindo logo em seguida.
— Hani, espere! — Samira me chamou, fazendo eu desacelerar o
passo.
Escorei-me na parede do corredor, a bons metros de distância da
sala em que eles estavam.
— O que aconteceu? — perguntou-me, visivelmente preocupada.
Antes de responder, puxei Samira pela mão, caminhando para um
dos jardins que minha mãe cultivava em uma das varandas da mansão.
— Ele também não quer se casar comigo — revelei.
— Como você tem tanta certeza? — A testa enrugada denotava
dúvida.
— Ele está desconfortável.
— E você percebeu isso porque não conseguia tirar os olhos dele.
— Sim. — Percebi o que ela estava insinuando e pestanejei. — Não!
Samira, pare com isso. Quero dizer que ele está forçando o sorriso,
tentando pacientemente suportar o momento.
— E o que isso significa? Você também não estava nem um pouco
animada em se casar com ele. Não é verdade?
— Devo me sentir ofendido?
Samira e eu arregalamos os olhos, assustadas. A voz de Zayn nos
fez pular, e encaramos a imagem da perfeição parado à porta, de braços
cruzados e um sorriso enigmático nos lábios.
— Alma'derah[6]. — Abaixei meu olhar, sentindo-me constrangida.
— Você pode usar o inglês sempre que falar comigo, Hani — disse
ele, com a voz serena. — Samira, poderia nos dar licença por alguns
instantes? Law samaht[7].
— Na'am[8]. — Acatou seu pedido.
Não havia problemas em ficarmos sozinhos. Não éramos
namorados, teoricamente, éramos noivos, mas nossos costumes não
eram tão rígidos quanto aos dos adeptos ao Islã. Enquanto estivéssemos
dentro de casa, tínhamos liberdade, mas na rua, mantínhamos o respeito
pela tradição local.
Zayn se aproximou e me mantive quieta, encarando o chão. Senti
sua mão quente e macia tocar meu queixo com ternura. Foi impossível
não olhar para ele naquele momento.
— Tem medo de mim ou algo assim? — perguntou-me, sem desviar
o olhar.
Neguei com a cabeça.
— Responda, gosto de ouvir sua voz.
— Não, eu não tenho medo de você. Só fiquei envergonhada —
confessei, recuperando minha coragem.
— Por quê?
— Pelo que você ouviu. Pelo que Samira disse.
— Você não querer se casar comigo? — Arqueou as sobrancelhas,
um gesto que o deixava ainda mais bonito.
— Eu tenho catorze anos…
— Quase quinze. — Sorriu.
— Quase quinze. — Devolvi o sorriso. — Pensar que sou noiva não
é algo convencional. Quero dizer, não fomos criados nesse tipo de cultura.
Pode ser comum para outros esse tipo de arranjo, mas para mim não é.
Ele assentiu.
— Você é uma menina esperta, Hani. Gostei de você.
— Chuckran[9]! — Soltei uma risadinha.
— Ainda faltam alguns anos para nos casarmos. Seis anos, para ser
exato.
— Mas pensei que você não quisesse…
— Por quê?
Dei de ombros.
— Sua vida não é aqui, não nos conhecemos e existe uma grande
diferença de idade entre nós.
— Você tem razão, eu não quero me casar com você.
Naquele momento, uma pontada de tristeza me invadiu. Eu
realmente não queria me casar com um homem que mal conhecia, que
não amava. Mas ouvir isso da boca dele, de certa forma me magoou.
Minha autoestima já não era das melhores, então ela realmente atingiu um
número negativo. Tipo uns menos cem.
— Eu não quero me casar com ninguém, na verdade.
Talvez ele tivesse tentando consertar as coisas, tão visível era o meu
descontentamento com o que acabara de dizer. Mas minha autoestima se
elevou gradativamente, indo parar no menos quarenta e cinco.
— Entendi — falei, recuperando-me da surpresa inicial.
— Minha intenção é conversar com nossos pais, tentar desfazer
esse acordo ou seja lá o nome que isso tenha. Você não pode ser refém
desta situação, Hani. Deveria poder escolher com quem se casar. Não
quero ser o motivo da sua infelicidade.
— Isso é nobre de sua parte, Zayn. — Sorri, sentindo-me
agradecida.
Ele riu, e aquela sim foi uma risada espontânea.
— A palavra nobre não se encaixa ao meu perfil, menina. Mas você
não precisa saber disso.
Não entendi o que ele quis dizer. Deixou-me intrigada a seu respeito.
— De todo modo, agradeço sua preocupação com meu livre arbítrio.
Eu acredito que meu pai não me forçará a me casar, caso eu não o queira
fazer. Mas minha mãe e ele têm esperanças de que me apaixone por
você.
— Quer um conselho? Não cometa esse erro.
— Que erro? — Eu queria que ele me dissesse em voz alta.
Masoquista? Só um pouquinho.
— Não se apaixone por mim.
Foi minha vez de rir, ele pareceu surpreso.
— Eu não o conheço, mas tenha certeza de que não corro esse
risco. Meu coração pertence a outro homem.
A expressão de espanto em sua face me deixou imensamente
satisfeita.
Toma, babaca! Está pensando que é quem? A última Coca-Cola no
Saara?
— Sou completamente apaixonada por Johnny Depp. Então fique
tranquilo, você não tem chances contra o Johnny.
— Você é engraçada. — Soltou uma risadinha, enquanto balançava
a cabeça em negativa.
— Eu sou uma adolescente de quase quinze anos, Zayn. Não tenho
idade para me apaixonar.
— Venha, vamos voltar para a sala. Devem estar nos esperando.
Assenti em silêncio.
Zayn se aproximou e depositou um beijo em minha testa, fazendo
meu coração palpitar novamente e minha autoestima elevar para menos
vinte e cinco.
“E eu não suporto você
Tudo o que você faz, me faz querer sorrir
Será que eu posso não gostar disso por um instante?
Não... mas você não me deixa
Você me chateia garota, e depois me beija
De repente eu esqueço que estava chateado
Nem me lembro do que você fez.”
HATE THAT I LOVE YOU – RIHANNA FT. NE-YO
A coisa mais difícil para o homem
é o conhecimento próprio.
Provérbio Árabe
O primeiro passo foi dado. Senti-me aliviado ao ter aquela conversa
com Hani. Ela era uma menina legal, não merecia passar por uma
situação como a que nos encontrávamos. Aparentemente, uma garota
desengonçada, mas para sua idade fazia todo sentido. Talvez, no futuro,
pudesse se tornar uma linda mulher. Mas naquele momento, tudo o que
eu conseguia enxergar era uma menina magricela, com olhos de
azeviche[10] e sorriso metalizado pelo aparelho nos dentes. Nada atraente.
Tudo o que eu precisava era ter um tempo a sós com Phillip e meu
pai, para esclarecer a mudança de planos devido às circunstâncias atuais.
Eu estava confiante. Não era como se estivéssemos violando alguma
tradição. Foi um acordo entre partes, mas havia chegado o momento de
uma revisão e alteração, ou melhor: uma rescisão. Nada de casamento,
nada de assumir o conglomerado. Nada de fixar residência em Dubai.
Hani tinha razão, minha vida era em Londres.
Entretanto, estava difícil conseguir a ocasião perfeita para uma
conversa tensa. Sabia que seria inevitável, enfrentaria a fúria dos dois
homens que mais respeitava no mundo. Mas eu não era mais um garoto
manipulável, tinha tomado as rédeas de minha vida há muito tempo. Eles
teriam que entender e aceitar. Eu teria que escutar alguns sermões e me
demover das tentativas de coação. Sabia que pegariam pesado, mas
aprendi com os melhores, eu mesmo praticava os métodos de
argumentação nos quais eles eram especialistas.
Hani e eu voltamos para a sala, logo novos assuntos surgiram,
referentes ao aniversário. Assim que a promoter chegou, fomos
encaminhados para outra sala, onde havia um banquete preparado.
Foram acertados diversos detalhes do baile de debutante, que ignorei
discretamente. Hani parecia animada, mas em alguns momentos nossos
olhares se cruzavam e ela suspirava desanimadamente, como se
estivesse pedindo desculpas por ter que me submeter àquilo. Após o
lanche, nos encaminhamos ao salão vazio, para o ensaio da valsa.
Um tédio total.
Observei atento enquanto ela dançou com Phillip e depois com meu
pai, que era seu padrinho. Quando chegou minha vez, me aproximei e
assumimos nossa postura.
— Você não precisa fazer isso, se não quiser — disse ela, em uma
voz quase inaudível.
A música ressonava em volume alto, dando-nos a liberdade de
conversar sem que fôssemos ouvidos por nossos pais, a promoter e
Samira.
— Eu quero. Vim especialmente para o seu aniversário, Hani.
Ela balançou a cabeça e revirou os olhos.
— Veio para desfazer nosso noivado. Não precisa mentir pra mim,
Zayn.
— Certo, vim por isso também. Mas quis conhecê-la e participar
deste momento especial em sua vida. A décima quinta primavera, dizem
que é a fase em que uma menina se torna mulher. Algo assim.
Ela riu e, desajeitadamente, pisou no meu pé.
— Desculpe!
Paramos e a promoter abaixou a música.
— Continuem! Vocês precisam acertar o passo, vamos lá! Mais uma
vez!
— Está desculpada. — Sorri para tranquilizá-la. — Mas não erre
outra vez, ou essa mulher não nos deixará em paz nunca.
A música continuou e nos concentramos nos passos, acertando a
coreografia. Seriam apenas cinco minutos de dança, mas parecia uma
eternidade. Eu não via a hora de ir embora e esquecer toda a sessão de
tortura. Amava meus pais, tinha um carinho imenso por Phillip e Falak,
achava Hani uma menina querida, Samira também. Mas precisava me
distanciar daquelas pessoas, ficar em um ambiente escuro e silencioso,
tomar coragem para fazer o que precisava e ir embora para Londres,
seguir com minha vida.
Ouvi o barulho de palmas e a música parou. Hani e eu nos
afastamos, como se tivéssemos levado um choque.
— Vocês são tão lindos juntos! Imaginem quando for a valsa de
casamento?
Aquela era minha mãe, implicitamente me mandando um recado. Eu
podia ouvir sua voz dizendo: “Você não vai se livrar dessa, rapazinho.”
Hani revirou os olhos, mas segurou o sorriso.
— Boa sorte, Zayn. Acho que irá precisar — falou enquanto passava
por mim, para ir ao encontro dos pais.
Estou fodido.

Pensei que estaria livre após o ensaio da valsa, mas a conversa se


estendeu por algumas horas, e mais uma vez estávamos sentados à mesa
para desfrutar de um jantar delicioso. Matei a saudade do arroz com
açafrão, cozido de carneiro e quibe nayeh. Mas apesar da fome e de
apreciar a comida típica, ainda sentia a necessidade de ficar sozinho.
Estar com aquelas pessoas, sabendo que em breve as decepcionaria, me
deixava inquieto e com peso na consciência. Era fácil quando estava em
Londres e dizia a mim mesmo que não me casaria por convenções
familiares, porém, enfrentar meus pais e Phillip não seria tão fácil quanto
imaginei.
Após o jantar, as mulheres pediram licença e se retiraram para uma
das salas de entretenimento. Meu pai e eu acompanhamos Phillip até seu
escritório para compartilharmos xixa[11]. Sabia que deveria aproveitar a
ocasião para contar a eles sobre a desistência do noivado, mas era como
se minha boca tivesse sido costurada sempre que eu tentava abordar o
assunto.
Maldição!
— Está muito quieto, Zayn — observou Phillip. — Não falou quase
nada desde que chegou. Está acontecendo alguma coisa?
— Sabe que pode confiar em mim, filho — completou meu pai, me
deixando ainda mais tenso. — Phillip também é de confiança. Se há algo
que nós possamos fazer por você, nos diga logo.
Encarando os dois homens que tanto admirava, formulei a frase em
minha mente, parecia tão fácil.
Eu gostaria de falar sobre o cancelamento do meu noivado com
Hani…
— Está tudo bem, apenas cansado da viagem. — Levantei-me. —
Podem me dar licença? Eu já volto.
Nem mesmo olhar para eles eu conseguia, pelo simples fato de
saber que estava sendo um covarde.
Refugiei-me em uma das varandas e fixei meu olhar na iluminada
Dubai. As luzes dos edifícios gigantescos e de arquitetura solene
causavam alto impacto. A atmosfera luxuosa dos Emirados Árabes Unidos
trazia um misto de emoções ao ser contemplada com as águas do Golfo
Pérsico. Quase um mundo de sonhos.
— Como é estar em casa novamente?
A voz suave de Hani soou atrás de mim, mas não me virei para fitá-
la.
— Não consigo ver Dubai como minha casa, me considero apenas
um visitante. Gosto de admirar as belezas que há nesta terra, mas não me
imagino vivendo aqui. É estranho.
— Eu te entendo.
Olhei para ela, sentada no muro que isolava a varanda, os braços
em torno da perna dobrada, os olhos negros fitando o mar. Aproximei-me
e me escorei no muro, ainda de pé.
— Como poderia me entender? Você já esteve em outro lugar tempo
o bastante para não querer mais voltar aqui?
Ela continuou fitando o mar, mas vi um sorriso brotar em seus lábios.
— Tirando a Disney? Não. — Virou-se para encontrar seu olhar com
o meu. — Mas me sinto um peixe fora d’água, na maior parte do tempo.
Eu tenho quinze anos, estudo em casa, passo meus dias aqui. Não é uma
prisão, mas não me sinto livre. Consegue entender?
— Sim, consigo. Quando eu tinha a sua idade, sentia algo
semelhante. Logo depois que você nasceu, meu pai me mandou para a
Inglaterra. Seria até eu concluir os estudos e então voltaria para me unir a
ele e ao Phillip, nos negócios da família. Mas, sem me dar conta, fui aos
poucos fixando raízes em Londres. Eu gosto daqui, de verdade, mas é lá
onde consigo ser eu mesmo.
— E quem você é, Zayn El Safy?
A pergunta me pegou de surpresa. Parei para pensar em uma
resposta e, surpreendentemente, não sabia o que dizer. Ou talvez não
quisesse me revelar para ela.
— Acho que você não gostaria de saber, Hani.
— Por que não? — Seu sorriso demonstrava inocência. — Não deve
ser uma pessoa ruim.
— Talvez eu seja. Não necessariamente alguém mau, mas tenho
alguns pecados que não me tornam benevolente.
— Todas as pessoas têm pecados. Umas mais que as outras, pois
ninguém é livre de cometer erros.
— Não estou me referindo a erros. Para muitos deles existe o
arrependimento, mas eu gosto da maioria dos pecados que cometo.
Ela pestanejou, mas não parecia assustada.
Hani Mitchell era uma garota corajosa.
— Eu tenho inveja de você — disse Hani, tornando a fitar o mar.
— Por quê?
Ela não respondeu de imediato. A menina magricela, de longos
cabelos negros e aparelho nos dentes não era atraente aos meus olhos,
mas exercia inexplicável magnetismo sobre mim. Não era sexual, só me
intrigava ao ponto de querer saber mais sobre ela.
— Você construiu uma vida lá fora, atingiu seus objetivos e é livre
para fazer o que quiser. Estou sendo criada como uma princesa e
ensinada a me comportar como uma esposa troféu para meu futuro
marido, que, nesse caso, ainda é você. Meu pai quer um sucessor para os
negócios da família, mas não passou pela cabeça dele que eu poderia ser
essa pessoa. Ele quer que seja um homem. Ele quer que seja você, Zayn.
— Você é jovem demais, Hani. Ainda terá a oportunidade de fazer
tudo o que tem vontade.
— Será? — Seu sorriso triste me pegou desprevenido. — Sabe, sou
apaixonada por moda. Meu sonho é ser estilista e poder trabalhar em uma
grande marca. Talvez ter a minha própria.
— Tenho certeza de que um dia realizará esse sonho.
— Você poderia me ajudar a ser livre…
— Como é? — Tentei me controlar para não demonstrar tanta
surpresa, mas não consegui. Minha voz saiu alterada, me denunciando.
Hani esticou suas pernas e desceu do muro, deu dois passos à
frente, se aproximando de mim. Eu era muito mais alto que ela, tive que
olhar para baixo, a fim de fitar seus olhos negros como azeviche.
— Se mantiver o noivado, poderá continuar sua vida em Londres e
me dará a chance de sair daqui. Posso ir para a Inglaterra, estudar e ter
uma vida diferente, conhecer e experimentar coisas novas. Se você não
pretende se casar com ninguém, seria um bom arranjo. Não precisaríamos
estar envolvidos.
Fiquei sem palavras, tentando entender o que ela acabara de dizer.
— Tem ideia do que está sugerindo? Dois filhos trapaceando os
pais? — A palavra “trapaceando” trouxe um gosto amargo ao meu paladar.
Senti-me nauseado.
Hani desviou seu olhar do meu.
— Sinto muito, Zayn. Eu não deveria ter insinuado algo tão
desonesto. Pensei que poderia usar este arranjo para me beneficiar de
certa forma. Mas não ponderei as consequências.
Sorri para ela, demonstrando compreensão.
— Você tem mesmo quinze anos? — perguntei, brincando com ela.
— Fala com tanta maturidade, é algo que eu não esperava de você. Tem
me surpreendido de forma positiva.
Seu rosto enrubesceu, ela não conseguiu conectar seu olhar com o
meu novamente.
— De todo o jeito, foi uma péssima ideia. Desculpe-me, Zayn. —
Afastou-se, indo em direção à porta de vidro que dava acesso à casa. —
Você pode comunicar nossos pais ainda hoje, não precisa dançar comigo
amanhã. Quanto antes se livrar desse fardo, melhor para nós dois.
— Falarei com eles depois da festa, não quero estragar o seu
momento.
— Tudo bem, ao menos um dos meus sonhos eu terei realizado.
Salaam.
Após vê-la partir, voltei minha atenção para a vista do Golfo Pérsico
e me perdi em pensamentos.
“Toque meu corpo
Coloque-me no chão
Carregue-me por aí
Brinque comigo um pouco mais
Toque meu corpo
Jogue-me na cama
Eu só quero fazer você se sentir como nunca se sentiu.”
TOUCH MY BODY – MARIAH CAREY
A árvore quando está sendo cortada,
observa com tristeza que o cabo do machado é de madeira.
Provérbio Árabe
Minha noite de sono foi conturbada, agitada por sonhos onde Zayn El
Safy era meu príncipe árabe, salvando-me de uma tempestade de areia,
no deserto. Seguido de momentos a dois em um oásis, onde éramos os
únicos visitantes. Acordei suando frio, me sentindo constrangida por ser
dona de uma imaginação tão fértil.
Confesso que me deixei deslumbrar pela beleza exótica daquele
homem, para ajudar, Zayn era atencioso e conversava comigo como se eu
fosse tão adulta quanto ele. Tendo o dobro de minha idade, era de se
admirar que não me tratasse como uma criança. O medo de ter que me
casar com um desconhecido, muito mais velho que eu, já não existia mais.
Porém, estava ciente de que o casamento que meus pais idealizaram para
mim, durante toda a vida, não iria acontecer.
Zayn não me queria como esposa e logo todos saberiam.
Samira apareceu em meu quarto segurando uma bandeja linda, com
um decorado e pequenino bolo de aniversário. As velas acesas
comemoravam meus quinze anos de vida e ela cantou parabéns em um
inglês perfeito. Só faltou se vestir de Marilyn Monroe.
Ajeitei-me na cama, ainda sob o lençol emaranhado. Escorei-me na
cabeceira e enrolei meus cabelos em um coque desajeitado.
— Você é a melhor irmã que eu poderia ter, Samira! Amo você.
Minha prima ajustou os pés da bandeja, depositando-a sobre minhas
pernas, em seguida sentou-se ao meu lado na cama.
— Bom dia, princesa Jasmine! — brincou, me abraçando. — Feliz
aniversário, Hani. Eu também amo você.
Passar algum tempo sozinha em meu quarto, com Samira, foi a parte
mais tranquila do meu dia. Logo que me vesti e desci para o desjejum com
meus pais, mesmo tendo comido escondida o bolo que minha prima
levara, meu dia se tornou agitado. Massagem, manicure, pedicure,
limpeza de pele e cabeleireira ocuparam boa parte do meu “grande dia”.
Recebi alguns telefonemas de familiares, me felicitando pelo aniversário, e
alguns presentes e flores foram entregues em minha casa. Às três horas
da tarde, eu estava exausta e consegui convencer mamãe e a
cerimonialista a me deixarem tirar um cochilo. Os preparativos para o baile
de debutante corriam conforme o planejado, tudo estava encaminhado e
minha noite seria digna de uma princesa.

— Você está maravilhosa, prima — disse Samira.


Sorri enquanto me olhava no espelho, encantada com minha
aparência. O vestido deslumbrante, desenhado com exclusividade pelo
australiano Paolo Sebastian, possuía transparência delicada e aplicações
de um bordado floral sobre um fino tule, dando a impressão de estarem
coladas à pele, elegante e discreto, me deixando com curvas esbeltas e
nunca me senti tão feminina e atraente. O cabelo e maquiagem
colaboraram para que eu aparentasse ser muito mais bonita do que
realmente era. Já havia ensaiado sorrisos estratégicos, com a boca
fechada, com a finalidade de esconder o aparelho dos dentes. Mas me
sentia estranhamente nervosa, a expectativa sobre qual seria a reação de
Zayn, ao me ver, dominava meu interior.
— Será que Zayn vai me achar bonita? — perguntei ao espelho,
como se ele pudesse me responder.
Mas não se tratava de um conto de fadas, meu espelho não diria que
eu era a mais bela de todo o reino.
— Ele seria um tolo se não o fizesse.
A voz de minha mãe me fez olhar para trás.
— Estou nervosa — confessei.
— É perfeitamente compreensível, meu amor. — Aproximando-se de
mim, ela me puxou para um abraço. — Minha garotinha está crescendo,
eu não havia me dado conta de como o tempo passou tão rápido, mas vê-
la nesse vestido branco me faz lembrar que daqui a alguns anos será um
vestido de noiva, não mais uma debutante. Você será uma linda mulher,
minha querida.
— Obrigada, mãe.
Contemplei-me novamente no espelho, enquanto minha mãe
segurava meus ombros. Éramos muito parecidas e eu tinha esperanças
de que em alguns anos eu pudesse ser tão exuberante quanto ela. Meus
longos cabelos negros estavam soltos, adornados na ponta com cachos
perfeitos, eram a única coisa, além de meus olhos, que eu gostava em
mim.
— Samira, traga-me a caixa, por favor — pediu mamãe.
Minha prima se aproximou, segurando uma linda caixa de veludo em
tom de vinho. Meus olhos se arregalaram de surpresa ao ver a linda tiara
de brilhantes que minha mãe retirou da caixa.
— Essa coroa pertence a você, Hani. Foi um presente de Zayn El
Safy, pelo seu nascimento. Ficou guardada durante todos esses anos,
para ser usada em seu baile de debutante. Venha, deixe-me colocá-la em
você.
Era o que faltava para eu me sentir uma princesa.
Uma princesa sem príncipe, mas, ainda assim, uma princesa.
Camille Preston, a cerimonialista, apareceu para acertar os últimos
detalhes antes da minha entrada no salão de festas. Despedi-me de
mamãe e Samira, ficando apenas na companhia de Camille. Estávamos
em um dos hotéis de meu pai, em Dubai, minha festa seria em um imenso
salão, decorado especialmente para meu aniversário.
Uma batida na porta do meu quarto despertou minha atenção.
Encaminhei-me para a porta, mas Camille me interrompeu, pedindo que
eu permanecesse sentada, aguardando o momento de descer até o salão.
— Gostaria de um minuto a sós com a aniversariante.
Eu conhecia aquela voz, ela esteve em meus sonhos durante toda a
noite.
Zayn.
— Senhor El Safy, está quase na hora de Hani descer para a festa —
interveio Camille, com sutileza.
— Acredito que temos tempo de ensaiar nossa valsa, uma última vez
— justificou ele com cordialidade. — Talvez eu tenha me esquecido da
coreografia.
— Não acredito nisso!
Levantei-me e fui até ela.
— Camille, deixe-o entrar — pedi.
Ela assentiu e deu um passo para o lado, permitindo a entrada de
Zayn.
— Nos dê cinco minutos, Srta. Preston — pediu ele.
Assenti em silêncio e a cerimonialista saiu, fechando a porta atrás de
si. Fitei Zayn da cabeça aos pés. Ele estava lindo em seu terno sob
medida azul marinho, com bordados em tom dourado. A barba estava
perfeitamente desenhada e os olhos negros, marcados com um fino
contorno em preto, próximo à linha d’água. O turbante, também na cor
preta, adornava sua cabeça e caía um pouco sobre os ombros.
Parecia um príncipe. Um príncipe das trevas, mas, ainda assim, um
príncipe.
— Você está radiante, Hani — ele disse, sorrindo para mim.
Parecia sincero em suas palavras, o que fez com que eu me sentisse
bonita. Mas, ainda assim, eu não estava à altura daquele homem.
Entendia muito bem o porquê de ele não querer levar o noivado adiante.
Zayn El Safy merecia muito mais.
— Obrigada.
— Eu gosto de como essa palavra soa sendo pronunciada por você.
Sinto-me honrado.
Senti meu rosto ficando vermelho.
— Vejo que está usando o meu presente, gostou da coroa? Eu
mesmo a escolhi, mas não recordava quão bela era. Caiu-lhe
perfeitamente bem.
— Eu adorei, muito obrigada. — Sorri.
Pegando uma de minhas mãos, Zayn me puxou para perto de si, me
deixando nervosa. Aquele homem magnífico, tão perto de mim, me
intimidava um pouco.
— Eu lhe trouxe outro presente — disse, tirando do bolso um
pequeno estojo, estendendo-o para mim. — Feliz aniversário, Hani.
Ao abrir o estojo, Zayn retirou uma linda pulseira de ouro, cravejada
com estupendas pedras de safiras.
— É maravilhosa…
Guardando o estojo de volta no bolso, Zayn tocou meu pulso direito e
eu lhe estendi o braço para que colocasse a pulseira em mim. Observei,
hipnotizada, enquanto suas mãos grandes, delicadamente, ajeitavam a
joia em torno do meu pulso, fechando-a com um pouco de dificuldade.
Ergui o pulso para vislumbrar as pedras azuis contrastando com minha
pele.
— Ficou linda em você, espero que tenha apreciado.
— Muito. — Mas apesar de ter adorado o presente, era Zayn a quem
eu contemplava com adoração.
O silêncio tornou-se constrangedor, mas quando ele fez menção de
se afastar, indo em direção à porta, em um gesto impulsivo, me aproximei
e o segurei pelo braço.
— O que…
— Tenho um último pedido — interrompi, tentando não demonstrar o
pavor que eu sentia por estar prestes a fazer algo, muito provavelmente,
insano. — Desejo de todo o meu coração que você possa atendê-lo, como
mais um presente por meu aniversário.
Ele semicerrou os olhos, me analisando com atenção.
Sabia que estava prestes a cometer um erro, algo que me
envergonharia muito, principalmente se ele dissesse não. Mas, acima de
tudo, eu estava disposta a tentar uma resposta positiva.
— O que eu poderia fazer para deixá-la feliz, Hani?
Engoli em seco e, com a mão livre, toquei meus lábios.
— Beije-me… — sussurrei sentindo a coragem se esvair.
Fechei meus olhos, ciente de que passaria por um momento de
grande constrangimento. O silêncio e a falta de movimento por parte de
Zayn me fez sentir uma tola.
Quando ele deu um passo à frente, meu coração parecia que ia sair
pela boca, mas não recuei, apenas mantive os olhos fechados. Senti
quando seus lábios tocaram minha testa em um beijo singelo e, sem
controlar, uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Ele se afastou e, em
seguida, enxugou a pequena gota de lágrima, impedindo-a de fazer o seu
percurso até o chão. Abri meus olhos e vi interrogação em sua expressão
confusa.
— Por que chora?
— Não é esse o tipo de beijo que eu gostaria de receber, não de
você.
— Hani… — Recuou um passo, afastando-se do meu toque em seu
braço.
— Eu só queria saber como é — justifiquei, tentando não soar
desesperada. — Sei que depois da festa você irá falar com nossos pais.
Não espero nada de você, Zayn El Safy. Mas sei o que virá depois, voltará
para Londres e seguirá sua vida, enquanto eu continuarei aqui, estudando
em casa e sem oportunidade de conhecer outras pessoas, outros homens,
além dos que meu pai tentará me apresentar por ser conveniente aos
seus negócios.
— Seu pai te ama, menina. Ele não forçará você a se casar contra
sua vontade.
— Eu sei, mas dificultará as chances de eu conhecer e me apaixonar
por qualquer pessoa. Ele quer escolher o homem que irá administrar seu
império, e isso vem antes do que é importante para o meu coração.
— Sinto muito, Hani. Não posso ser esse homem.
— Não estou pedindo que seja, Zayn. — Sem conseguir conter
minha vergonha, virei-me de costas para ele. — Perdoe-me pela
indiscrição que cometi, foi um ato impensado de minha parte.
O que se passou pela minha cabeça quando lhe pedi que me
beijasse?
— Hani… — Senti sua mão tocando meu ombro, incitando-me a virar
para ele.
Então o fiz e me surpreendi quando ele segurou meu rosto entre
suas mãos enormes e aproximou sua boca da minha. Não estava
preparada para ser beijada, já havia desacreditado daquela possibilidade
e então aconteceu. Os lábios de Zayn El Safy tocaram os meus com
genuína delicadeza, pressionando com cuidado e me fazendo flutuar em
um tapete mágico imaginário.
Eu era a princesa Jasmine sendo beijada por seu Aladdin.
“Mas você se colocou num grande show
Me convenceu a continuar
Mas agora é hora de ir
As cortinas finalmente se fecharam
Esse foi um show
Muito divertido
Mas acabou agora
Vá e reverencie-se.”
TAKE A BOW - RIHANNA
Mais vale ser cego dos olhos
do que do coração.
Provérbio Árabe
Mais uma vez demonstrei minha covardia, desde que retornei a
Dubai. Não sei onde estava com a cabeça quando me aproximei de Hani e
sucumbi ao seu pedido descabido. Zayn El Safy nunca foi e nunca seria
manipulado por mulher alguma, muito menos por uma criança!
Ser traído por meu próprio corpo despertou fúria dentro de mim. Era
para ser um beijo inocente, tudo o que eu sentia quando olhava para
aquela garota era pena, porque sabia que o seu destino seria viver à
sombra de um marido escolhido por seu pai. Mas não percebi em que
momento a minha compaixão se tornou desejo, talvez tenha sido quando
minhas mãos escorregaram de seu rosto e tocaram seus ombros,
puxando-a para mais perto de mim, permitindo que ela me tocasse e
envolvesse seus braços em volta do meu pescoço. Pode ter sido quando
me abaixei para encaixar o meu corpo sedento ao dela; ou quando abracei
sua cintura e a levantei para que ficássemos na mesma altura. Talvez
tenha sido quando minha língua entrou em sua boca e se encontrou com a
dela, ou quando nossas salivas se misturaram conforme o beijo se
aprofundava, e, mesmo que tudo tenha acontecido em um ritmo
absurdamente lento, sem pressa de cessar, acabou rápido demais,
quando percebi o erro que havia cometido.
Interrompi o beijo, coloquei-a no chão e a fitei em silêncio, tentando
não demonstrar meu arrependimento. Sempre fui muito bom em
dissimular minhas emoções, o que foi ótimo naquele momento. Ela sorriu
para mim e agradeceu, fazendo uma mesura, segurando seu vestido
branco. Senti-me um devasso, um libertino dos tempos feudais, que
acabara de tirar de uma donzela um dos seus momentos mais preciosos,
um momento que deveria ser vivido com alguém que realmente se
importasse com ela, e eu não era essa pessoa.
— Obrigada, Zayn. Você foi um príncipe.
Seus olhos brilhavam e me adoravam como se eu fosse algo
inacreditável. Já vi alguns olhares como aquele serem dirigidos a mim por
outras mulheres.
— Este foi meu último presente para você, Hani — consegui dizer,
sem soar deselegante. Não queria estragar o momento de tamanha
importância para ela. — Eu te vejo daqui a pouco, lá embaixo. Cuidado
para não pisar no meu pé durante a valsa. — Pisquei para ela, tentando
soar engraçado, e saí do quarto.
Ignorando a presença da cerimonialista, caminhei apressadamente
em direção ao elevador.
Disfarçar minha inquietude diante de meus pais foi algo difícil, minha
mãe possuía um radar para detectar meu nervosismo. Felizmente, havia
bebidas alcoólicas na festa, uma incrível exceção no mundo árabe, mas
como muitos dos convidados eram estrangeiros e Phillip apreciava um
bom e velho uísque… Consegui beber duas doses às escondidas, antes
de me sentar à mesa reservada para minha família. Engrenei uma
conversa pacífica com meus pais e cumprimentei alguns convidados que
conhecia de longa data. Não havia muitos jovens que pudessem ser
amigos da aniversariante, constatei, podia apostar que a maioria eram
conhecidos de negócios do Phillip, além de poucos parentes vindos da
América do Norte e os familiares por parte de Falak.
— Esteve com Hani? — perguntou minha mãe.
Sorri, tentando disfarçar o meu desconforto.
— Sim, dei a ela a pulseira que você me pediu. Ficou adorável, ela
apreciou muito o presente.
— Excelente, querido. Aquela pulseira pertenceu à sua avó e a mim,
quando completei minhas quinze primaveras. Tenho certeza que Hani irá
guardar com muito carinho e passará adiante, quando tiver uma filha.
Remexi-me desconfortavelmente na cadeira.
— Acho que isso vai demorar um bocado, mãe.
— Vocês se casam em seis anos, querido. Podem providenciar uma
criança tão logo oficializem a união.
— Mãe, pare, por favor! — resmunguei num sussurro, verificando se
meu pai ouvira o disparate que ela havia acabado de dizer.
Felizmente, ele estava entretido em uma conversa com um de seus
amigos.
— Não ouse quebrar sua promessa, Zayn El Safy. Não desonre a
nossa família dessa maneira.
— Mãe…
— Vamos encerrar o assunto por aqui. Recuso-me a ouvir seus
argumentos mesquinhos. — Ignorando-me totalmente, levantou-se e foi
até Falak Mitchell.
— Eu sei o que você está pensando em fazer, Zayn — disse meu
pai, encarando-me com seriedade. — Zahara está certa, você não deve
pronunciar as palavras mesquinhas que pretende dizer a mim e a Phillip
Mitchell. Não seja desonroso.
Desviei meu olhar, envergonhado por ser repreendido por meu pai, o
homem a quem eu devia todo o respeito do mundo e uma das poucas
pessoas que eu detestaria decepcionar.
— Você tem trinta anos, não é mais um menino — continuou. —
Talvez não pense em se casar agora nem constituir família. Mas daqui a
seis anos sua cabeça pode estar diferente e acredito que estará. O
ocidente lhe proporciona prazeres e novidades que aqui seria inviável, já
estive no seu lugar, não se esqueça disso. Sei como é lá fora. Mas não
traga uma tempestade para nós, agora, se pode evitá-la temporariamente.
— Como assim, pai?
— Deixe para tomar esta decisão quando chegar o devido momento.
Se daqui a seis anos você ainda não quiser se casar com Hani, eu o
apoiarei nesta decisão, mas não antes disso.
Ponderei suas palavras e assenti com um gesto de cabeça. Eu sabia
que para meu pai o assunto estava encerrado. Tranquilizou-me saber que
ele estava ciente do meu descontentamento com a promessa de me casar
com a filha de Phillip Mitchelll, mas não estava cem por cento certo sobre
ter que aguardar o momento chegar para dar-lhes a notícia de minha
desistência. Seria prudente e mais justo com Phillip se eu desfizesse o
acordo o quanto antes, para que ele tivesse tempo de preparar Hani e
escolher um pretendente adequado.
O assunto ficou de lado quando as celebrações iniciaram. A
cerimonialista chata merecia ser parabenizada pela perfeição de cada
momento da festa. Hani estava deslumbrante em sua ingênua felicidade,
seus pais estavam radiantes de orgulho e os convidados admirados e
emocionados com a jovem menina e sua oficial apresentação à
sociedade.
Ela dançou com seu pai, o avô materno, meu pai e, finalmente, havia
chegado minha vez. Conforme o ensaio, segui a orientação da Srta.
Preston e guiei Hani pelo salão, ambos sorridentes, nos divertindo com os
poucos minutos em que esquecemos os demais convidados.
— Não chore, Hani — pedi, ao ver uma lágrima cair sobre o seu
delicado rosto. — É para ser um momento de alegria.
— Eu sei, estou chorando de felicidade.
— Pois trate de sorrir.
Ela revirou os olhos.
— Com esses dentes metálicos? Nem pensar. Eu odeio esse
aparelho.
— Daqui a alguns anos, o seu sorriso será inesquecível para alguém.
Não deveria se envergonhar dele.
A música foi silenciando gradativamente e paramos de dançar.
Caminhamos lado a lado, de mãos dadas, e, antes de entregá-la ao seu
pai, beijei sua testa uma última vez.
Depois de cumprir com minha parte naquele ritual tradicional, tudo o
que eu conseguia pensar era na garrafa de uísque equilibrando-se na
bandeja de um dos garçons.
O que está acontecendo comigo?
O beijo, a conversa com meus pais, a dança, a indecisão sobre
desistir ou não daquele casamento. Tudo martelando em minha mente e
me deixando confuso.
Conseguindo despistar meus pais e convidados conhecidos, fugi
sorrateiramente até a copa e monopolizei uma garrafa de uísque.
Refugiei-me em uma parte do depósito, onde as caixas de bebidas e buffet
estavam empilhadas, não havia fluxo de funcionários por ali e aproveitei
para me sentar em uma das caixas de madeira. Bebi um gole e senti o
líquido percorrendo e queimando minha garganta, mas o alívio que eu
buscava sentir com a ingestão do álcool ainda não acontecera.
— Eu só quero me esquecer de toda essa merda… — Continuei
bebendo, sem medo algum do amanhã.
— Zayn El Safy, bebendo às escondidas num hotel em Dubai? Eu
deveria fotografar esse momento, os tabloides ingleses adorariam um furo
de reportagem. Talvez eu envie ao The Sun…
Estendi meu olhar sobre a bela loira à minha frente. Levou alguns
minutos para reconhecê-la. Tratava-se de Alisson Spencer, a filha mais
nova de um investidor americano, socialite conhecida por indiscrições na
mídia sensacionalista. Uma das muitas que já passaram pela minha
cama. Ela se aproximou e se sentou na caixa ao lado da minha, sua perna
nua roçou no tecido da minha calça, o vestido curto que ela usava havia
subido consideravelmente quando se sentou.
— Alisson, que coincidência te ver aqui.
— Mundinho pequeno, não? — Soltou uma gargalhada e estendeu a
mão, para que eu compartilhasse minha garrafa. Eu o fiz. — Meus pais
são grandes amigos de Phillip e Falak. Eu vim pela praia, na verdade.
— Mundo pequeno, mesmo. — Peguei a garrafa de novo e bebi dois
goles seguidos.
— Você é familiar da menina? Eu vi vocês dançando a valsa,
pareciam tão felizes.
— Apenas um amigo da família.
— Então os rumores que ouvi são apenas boatos? Não é sua noiva
prometida? — Fitou-me desafiadoramente.
Bebi mais um gole e coloquei a garrafa no chão. Bati na minha perna
e sorri para ela.
— Sente aqui, Alisson. Deixe-me te mostrar um boato que é
realmente verdade.
Um sorriso cínico adornou seus lábios, logo Alisson estava sentada
de frente para mim, encaixando-se como se eu fosse uma moto e ela a
piloto.
Quando sua boca devorou a minha, eu não consegui pensar em
mais nada.
“Se eu fosse um garoto
Acho que entenderia
Como é amar uma garota
Juro que seria um homem melhor
Eu a escutaria
Porque sei como magoa
Quando você perde alguém que queria
Porque ele não te dá valor
E tudo que você tinha foi destruído.”
IF I WERE A BOY - BEYONCÉ
Se você atirar lama na parede,
mesmo que ela não grude,
deixará marca.
Provérbio Árabe
Finalmente eu estava vivenciando o momento mais especial de
minha vida, o tão sonhado baile de debutante. Depois de meses de
preparo e ensaio, tudo aconteceu tão rápido, deixando em mim o desejo
intenso de conseguir guardar cada momento em meu coração, para
sempre.
A entrada, a apresentação, o momento da valsa…
Estive nervosa demais para conseguir desfrutar por inteiro de cada
segundo, principalmente de minha dança com Zayn. Depois do beijo, algo
dentro de mim mudou. Não sabia dizer se era por ter sido a primeira vez
que eu tivera contato mais íntimo com um homem ou por ter um
significado especial. De fato, foi importante para mim, mas me incomodou
por não ser com alguém que eu amasse de verdade.
Pobre menina tola!
Sabia que um homem como Zayn jamais teria olhos para uma garota
como eu, não por me menosprezar, mas por estar ciente de nossa
diferença de idade. Ele era um homem feito e eu não possuía as
qualidades que mulheres adultas e criadas no ocidente possuíam. Mesmo
não pertencendo a uma família islâmica, minha criação foi sob uma rígida
doutrina. Não conhecia muitos jovens de minha idade, além de primos por
parte de minha mãe e alguns filhos dos parceiros de negócios de meu pai,
nada próximo o bastante para me despertar sentimentos de amor. Talvez,
a expectativa de um futuro casamento entre mim e Zayn tenha feito com
que meu pai me mantivesse isolada do contato com outros garotos. Mas
eu tinha apenas quinze anos, não poderia ser uma princesa enclausurada
no alto da torre mais alta por muito mais tempo.
A conversa que tive com meu futuro ex-noivo, sobre a possibilidade
de manter o acordo entre nossas famílias, mesmo que por aparência, me
fez pensar no quanto eu ansiava por mais da vida. Queria poder conhecer
outro país, uma nova cultura, ter a oportunidade de me especializar em
moda, algo que sempre amei. Ter contato com outras pessoas, mas,
principalmente: o direito de fazer minhas escolhas e traçar meu próprio
destino.
Seria um sonho tão inatingível assim, para uma garota como eu?
Senti-me exausta e faminta após cumprimentar meus convidados e
posar para uma interminável sessão de fotos. Não aguentava mais ouvir a
voz de Camille Preston insistindo para que eu sorrisse e mostrasse os
dentes. Talvez eu devesse ter aceitado a sugestão de Samira e ter retirado
o aparelho apenas para minha festa, mas meus dentes ainda estavam
desalinhados e eu certamente ficaria muito mais envergonhada.
Procurei Zayn entre os convidados, discretamente, mas não o vi em
lugar algum. Após nossa dança, ele desapareceu. Não quis demonstrar
interesse demais, por isso não perguntei por ele. Dancei minhas músicas
favoritas, acompanhada de Samira e algumas primas distantes. Havia
tirado a armação longa do meu vestido, adaptando-o para um modelo
mais curto, com a barra um pouco acima do joelho.
— Filha, você ainda não comeu nada! — alertou minha mãe,
aproximando-se da nossa roda. — Não pense que não reparei, querida.
Eu não gostava de comer em público, principalmente na minha
grande noite. Não queria cometer nenhuma gafe, como cumprimentar
meus convidados com o aparelho sujo ou até mesmo ser fotografada e
eternizar meu constrangimento.
— Tudo bem, mãe. — Parei de dançar e acenei para minhas primas,
me afastando da roda. — Prometo que vou comer daqui a pouco. Irei até a
copa e pedirei que me sirvam lá.
— Na copa? — perguntou, como se eu tivesse falado um grande
absurdo.
— Sim, não quero me lambuzar de bolo na frente dos convidados! —
Sorri, recebendo um olhar de compreensão por parte dela.
— Eu vou providenciar…
— Não é necessário, já sou bem grandinha, não acha? Pode deixar
que eu mesma peço. Por que não convida o papai para dançar?
Aproveitem essa festa tanto quanto eu.
Ela me puxou para um abraço e, logo depois, seguida por seu olhar,
fui em direção à copa.
O fluxo de movimentação dos funcionários me deixou ligeiramente
zonza. Havia uma equipe bastante numerosa trabalhando para servir
meus convidados. Esgueirei-me entre alguns deles e fui até a mesa onde
havia um tradicional bolo de aniversário e pedi que uma das copeiras me
servisse de um pedaço generoso. Enquanto aguardava, reparei uma linda
mulher de cabelos loiros entrando e olhando em volta, como se estivesse
procurando por alguém. Não era comum convidados entrarem na copa em
busca de comida, bastava pedir a um dos garçons, mas quando ela abriu
a porta que eu sabia ser do depósito de bebidas, fiquei ligeiramente
intrigada.
— Aqui está o seu bolo. — Voltei minha atenção à copeira e
agradeci.
Provei uma generosa garfada de bolo de chocolate com recheio de
chantilly e morango, fechando os olhos e me deleitando com o sabor
inigualável do meu doce preferido. Usei a língua para limpar meus dentes,
mas sabia que era em vão, já que ainda não havia terminado de comer.
Apaixonada por Coca-Cola, fui até um dos freezers e peguei uma lata,
puxando em seguida um canudo do suporte, em uma das mesas.
Não encontrando um local menos movimentado onde eu pudesse me
sentar e comer com tranquilidade, me lembrei da mulher e tive a ideia de ir
até o deposito de bebidas, onde seria bem provável encontrar um lugar
sossegado para comer, sem correr o risco de ser flagrada por meus
convidados. Desconfiava que ela estivesse fumando escondida, pois era
proibido fumar no salão de festas. No hotel, havia uma área exclusiva para
fumantes, porém, nada mais me ocorreu para justificar a presença de uma
convidada em um local destinado aos funcionários.
Desajeitadamente, segurando o prato com bolo em uma das mãos e
usando a outra, que segurava o refrigerante, para girar o trinque da porta,
consegui abri-la e entrei, olhando em volta à procura da ilustre penetra dos
bastidores. Nem sinal dela.
Estaquei de repente ao ouvir um gemido.
Meus olhos se arregalaram e eu engoli em seco, não sabendo se
corria em direção ao som ou se fugia para fora dali.
A iluminação do ambiente era precária, apenas uma lâmpada acesa
nos fundos do cômodo. Uma parede de caixas de bebidas me impedia de
ver o que acontecia, mas eu não era tão ingênua ao ponto de estar
totalmente alheia ao que estava acontecendo. Oh, assistir reality shows
estrangeiros, me trazia alguma experiência, de fato. Sabia que não devia
permanecer ali, bancando a voyer. Minha intenção era me virar e ir para
outro lugar, até que a voz que tanto me encantou no dia anterior penetrou
em meus ouvidos, e foi como ácido corroendo as entranhas.
— Você é uma safada, Alisson. Continue rebolando assim e eu vou
rasgar a porra do seu vestido e te comer no chão desse depósito. É o que
você quer, não é?
— Eu não estou reclamando, estou? — respondeu a mulher arfante.
Ainda em choque, permaneci estática, piscando inúmeras vezes
como se estivesse tentando me desfazer de uma miragem, mas eu não
estava vendo nada, estava ouvindo vozes e nem em meu momento mais
criativo eu elaboraria um devaneio como aquele.
— Sei que você está doida pra cavalgar no meu pau.
— Talvez eu queria abocanhá-lo primeiro.
As risadas se misturaram e, em seguida, os gemidos voltaram.
Fazendo um esforço sobre-humano, consegui retomar o controle do meu
corpo e depositei o prato e a lata de refrigerante em cima de uma caixa.
Eles deviam estar muito distraídos para não terem percebido a entrada de
uma terceira pessoa ali. Eu fui silenciosa, mas a algazarra dos
funcionários podia ser ouvida quando abri a porta para entrar.
Como podiam ser tão descuidados e descarados? Se fossem pegos,
seriam presos por atentado ao pudor. Zayn sabia das consequências.
Seria vergonhoso para sua família, Zahara adoeceria de tanto desgosto.
Quanta imprudência e devassidão!
Tomada por uma coragem desconhecida, andei a passos lentos,
quase flutuantes, para os fundos do depósito. A cada risada, a cada
gemido ou palavras impróprias sendo proferidas pelo homem que eu
considerava um príncipe, meu peito ardia com a chama da decepção e
mágoa. Mas foi quando vi diante de meus olhos a cena que mancharia
completamente a imagem nobre do homem que eu admirava, que meu
coração se despedaçou.
Devia ter sido coisa do destino. Em geral, eu não era uma pessoa
curiosa, mas havia um ímã me puxando em direção àquelas vozes, e não
resisti ao impulso de espiar. Quem me dera tivesse resistido, talvez fosse
poupada de uma cena tão nojenta.
Lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos, mas me controlei
para não me render à histeria e gritar aos quatro ventos, externando
minha súbita raiva.
Lá estava o homem a quem fui prometida em casamento, sendo
montado como um cavalo por uma amazona devassa, com o vestido
levantado até a cintura, as pernas desnudas e os seios à mostra,
chacoalhando conforme ela se movimentava sobre ele, simulando o ato
sexual. Não precisavam estar nus para consumar, a maneira promíscua
com que se acariciavam era o bastante para ser considerado imoral. Ela
jogava os cabelos para trás enquanto ele investia contra ela e beijava um
dos seios, acariciando o outro. Ficou claro o porquê de não perceberem a
minha presença, ambos estavam embevecidos pela luxúria.
Sem reação, permaneci estática, olhando hipnotizada para o casal
distraído. Memorizei cada gemido, beijo e carícia de Zayn para aquela
mulher. Em nada se parecia com o homem que me beijou naquela mesma
noite, horas atrás. O homem que estava diante de mim era um pervertido.
Mas o que eu poderia esperar? Era obvio que ele não era virgem! Zayn El
Safy tinha trinta anos, era lindo, rico e vivia livremente em um país onde
os costumes eram diferentes dos quais eu estava habituada. Porém, nada
me preparou para o que acabara de presenciar, e não sabia como lidar
com a dor e tristeza que se abateu sobre mim.
Eu mantive uma distância segura e somente quando sequei minhas
lágrimas foi que percebi que estava prendendo a respiração. Fechei meus
olhos, me abasteci de um orgulho que estava longe de sentir realmente,
mas que precisava para me fortalecer para o que pretendia fazer a seguir.
Como ele teve coragem de fazer aquilo durante a minha festa de
aniversário? No mesmo dia em que me presenteou com meu primeiro
beijo!
Zayn El Safy era um maldito egoísta.
Eu poderia dar as costas a ele e fingir que nunca estive naquele
depósito, mas não era tão misericordiosa ao ponto de deixá-lo se livrar da
culpa. Sabia que jamais esqueceria aquela noite, mas faria com que ele
também se lembrasse. E não por causa da loira, mas por mim.
— Desculpe-me interromper. — A suavidade em minha voz escondia
quaisquer resquícios da fúria que eu sentia por dentro. — Será que você
poderia sair de cima do meu noivo?
Os dois congelaram ao ouvir minha voz. A mulher me fitou com
espanto e vi seu rosto enrubescer instantaneamente, enquanto cruzava os
braços para cobrir os seios.
Zayn parecia aterrorizado, talvez assimilando que, de fato, eu os
havia pegado no flagra ou surpreso com a minha calma excessiva.
— E-eu sinto muito… E-eu não sabia … — murmurou ela, ajeitando
o vestido e se afastando de Zayn, que permanecia sentado, sem se
mover.
— Tenho certeza de que o seu comportamento inadequado não se
justificaria mesmo que ele fosse descompromissado — revidei, mantendo
a frieza em um tom de voz aveludado.
Cada palavra que saía de minha boca era doce, porém afiada como
um bisturi. Meu sorriso poderia ser comparado ao de um anjo, mas meus
olhos não mentiam a fúria demoníaca que se escondia em meu interior.
Se a moça fosse esperta, não me provocaria.
Felizmente — para o bem dela — ela era.
Recompondo-se apressadamente, a mulher saiu sem se despedir de
Zayn, deixando-nos a sós.
— Hani — ele começou, mas assim que sua voz pronunciou meu
nome, minha calmaria se transformou em tempestade.
— Você é um cretino! Pensei que fosse mais inteligente, Zayn El
Safy — interrompi.
Ele me encarava perplexo, como se não acreditasse que eu
estivesse repreendendo-o em tom severo.
— Eu compreendo que não queira se casar comigo, mas isso não
lhe dá o direito de me humilhar dessa maneira em minha festa de
aniversário. Você não quis romper o acordo antes para não estragar meu
momento. Mas veja só o que fez! Não há humilhação maior que essa para
transformar o dia mais feliz da minha vida em um horrendo pesadelo.
Cobrindo o rosto com as mãos, Zayn permaneceu em silêncio.
— Devia pensar melhor antes de sair por aí fazendo promessas que
não pretende cumprir — continuei meu discurso improvisado, mantendo a
suavidade em cada palavra. — Você não estava preocupado em estragar
meu momento, não é? Estava com medo da reação dos nossos pais, por
isso se acovardou e adiou a notícia por mais um dia. Não podia ter adiado
a sua falta de moral por mais um dia também?
— Mas que porra, Hani! — esbravejou, levantando-se abruptamente
e me encarando com olhos raivosos.
Era eu quem deveria estar esbravejando com ele, só que eu tinha
escolhido uma forma diferente de defesa. Feri-lo com as palavras seria
muito mais doloroso do que qualquer tapa na cara.
— Mas que porra digo eu! — revidei, alterando minha voz.
Não queria soar histérica, perder minha razão usando da
agressividade nem chamar a atenção dos funcionários que trabalhavam
na copa. Estranhamente, ninguém havia entrado ali ainda, mas
poderíamos ser interrompidos a qualquer momento. Eu tinha que falar
tudo o que estava entalado em minha garganta para, então, me refugiar
no meu quarto e sucumbir à minha tristeza.
— Seja homem e conte ao meu pai que você não irá se casar
comigo. Eu bem que poderia dizer a ele, mas por que facilitaria pra você?
— Sorri com escárnio. — Não vai ser o noivo rejeitado nem me fará de
mim a filha rebelde que desagradou a vontade de seu pai.
O silêncio pairou sobre nós enquanto sustentávamos os olhares
desafiadores.
Eu estava diante da verdadeira face de Zayn El Safy, o homem que
não se importava com os meus sentimentos, que colocava seus desejos
acima de qualquer coisa, mas que ainda fazia o meu coração bater mais
forte.
Desejei, por um instante, ser mais velha e experiente para enfrentá-
lo de igual para igual.
Quando ele deu um passo à frente, meu orgulho me impediu de
recuar. Eu não seria um carneirinho acuado com medo do lobo mau.
— Confesse que ficou com ciúmes de me ver com outra. — Um
sorriso cínico brotou em seus lábios, me pegando de surpresa.
— O quê?
O maldito sorriso permanecia, deixando-me ainda mais irritada com
ele.
— Talvez esteja tão brava porque não era você rebolando no meu
colo. Posso ver nos seus olhos, Hani. — Deu mais um passo em minha
direção. — Queria estar no lugar da Alisson, sei que sim.
— Como se atreve a pensar isso de mim? — Minha indignação
ressoou em minha voz.
— Por que não se juntou a nós? — atreveu-se a perguntar, passando
a mão em meu rosto, me fazendo dar um passo para trás, por repulsa.
O que mais me doeu foi ver seu sorriso inabalável.
Ele estava debochando de mim sem remorso algum.
Engoli em seco, não queria surtar na frente de Zayn, mas nunca
havia me imaginado em uma situação como aquela. Não depois do que
aconteceu entre nós, de ele ter sido gentil comigo desde nosso primeiro
encontro. Não depois de ter me presenteado com aquela linda pulseira e
ter sido o primeiro homem que eu beijei.
Senti-me cega pela raiva.
— Porque não sou como essas mulherzinhas com quem você anda!
— gritei. — Pensando bem, se eu fosse, talvez você reconsiderasse se
casar comigo. Sair por aí e sentar no colo de qualquer um, rosnar como
uma cadela no cio. É isso o que você tanto gosta em uma mulher?
— Hani, você não faz ideia da merda que está dizendo. É melhor
parar — alertou.
De repente, o desejo de agredi-lo e fazer com que se sentisse mal,
como eu me sentia, se apoderou de mim. Nunca me rebelei contra meus
pais, nunca fui desobediente ou malcriada com uma pessoa. Mas eu
queria, mais do que qualquer outra coisa, que Zayn El Safy sentisse algo
por mim, nem que fosse raiva.
A mesma raiva que eu sentia cada vez que reparava naquele sorriso
arrogante e pretensioso.
— Uma pena que aqui eu não tenho essa liberdade. — Sabia que ele
usaria a rigidez de nossa cultura local como um argumento para invalidar
o que eu disse. — Mas desde que conversamos, pensei em criar coragem
para falar com meu pai sobre passar um tempo fora de Dubai.
Experimentar coisas novas. Ver até onde algo assim pode me levar, as
sensações que poderia me proporcionar…
Seus olhos me encaram perplexos e eu sorri por dentro, satisfeita
por pegá-lo de surpresa.
Comecei a caminhar de um lado para o outro, divagando
possibilidades, ignorando-o deliberadamente.
— Se eu for corajosa para isso, terei a liberdade que tanto desejo.
Quando finalmente voltar pra casa, saberei me comportar como as
mulheres de que você tanto gosta. Aí você não precisará fugir da sua
promessa de casamento, poderá se casar com uma vadia!
E foi assim que tirei o sorriso do rosto daquele idiota arrogante.
Vi a fúria em seus olhos quando ele, abruptamente, aproximou-se de
mim e me segurou pelos ombros, fazendo com que eu desse passos para
trás até esbarrar em uma parede.
Quando colou seu corpo ao meu, uma onda de eletricidade percorreu
por todo o meu interior.
— Se quer tanto ser minha mulher, por que não se entrega a mim
agora? — Voltou a sorrir daquele jeito asqueroso.
Senti o medo se apossar de mim, talvez eu tivesse ido longe demais
em provocá-lo. Zayn era mais alto, mais forte do que eu.
Até aquele momento ninguém tinha nos interrompido, eu estava
vulnerável e não seria tão imprudente ao ponto de provocá-lo e incitá-lo a
fazer algo comigo contra a minha vontade.
Apesar de estar magoada e muito brava com Zayn, eu não era burra.
Não o conhecia, não sabia muita coisa sobre quem ele realmente era, e o
pouco que descobri me fez mal.
Reuni toda a minha força e o empurrei para trás, conseguindo me
livrar dele.
— Você não toca em mim! — gritei, deixando as lágrimas caírem
livremente.
Eu havia perdido a batalha contra meu orgulho.
Em vez de sair correndo dali, cobri meu rosto com as mãos, tentando
controlar o choro. Foi quando senti uma mão suave em meu ombro e o
seu perfume tão perto novamente.
Ele me deixava confusa. Há um minuto eu estava com medo e me
afastara dele, depois senti tranquilidade com o toque em meu ombro.
Quão contraditória eu poderia ser?
— Desculpe, Hani. Não pensei direito quando falei aquilo. Eu jamais
tocaria em você contra a sua vontade.
Dei um passo para trás, me afastando de seu toque. Precisava
pensar com clareza e tê-lo tão perto me desnorteava.
— Você nunca pensa direito, Zayn. Não pensou nas consequências
quando aceitou fazer parte do acordo entre nossos pais nem no que me
disse há pouco. — Não consegui disfarçar a mágoa que estava sentindo
naquele momento, mas olhei dentro de seus olhos negros e falei com
frieza: — Sugiro que pense melhor antes de abrir a boca para proferir
tolices.
— Você me tirou do sério!
— Eu só disse a verdade!
Ele riu.
— Você me provocou, Hani. Aquelas insinuações de sair por aí se
envolvendo com estranhos. Aquilo foi verdade? Falou pra me irritar, sei
disso e não adianta negar.
— Não te devo satisfações. — Jamais voltaria atrás em minhas
palavras. — O que eu decidir fazer daqui pra frente é problema meu. Você
já destruiu a minha noite perfeita, então pode encerrar com chave de ouro
e ir correndo para nossos pais avisá-los que não haverá nenhum
casamento. Não direi nada sobre o que aconteceu aqui, invente a
desculpa que quiser. Provavelmente já tem uma ensaiada.
Ele me fitou em silêncio, mas não disse nada.
— A não ser que tenha mudado de ideia. — Arqueei as
sobrancelhas.
— Não vou me casar com você.
Por mais que eu soubesse, vê-lo tão convicto de não querer cumprir
o acordo doía.
— Ótimo. Mas acabe com esse noivado você.
Não olhei para trás, caminhei até a porta de saída e engoli o choro.
Tudo o que eu queria era sair dali, daquela festa. Precisava me refugiar
em meu quarto e somente lá eu me permitiria desabar completamente.
— Hani! Onde você estava? — perguntou Samira ao me interceptar
enquanto eu tentava sair do salão de festas.
— Não importa, só quero subir para o meu quarto e dormir.
— Mas ainda é cedo, você estava tão animada com sua festa. —
Arqueou as sobrancelhas e puxou-me pela mão para um canto reservado.
— Tem algo errado, sei que esteve chorando. Vamos até o toalete para
você se recompor.
Samira me conhecia muito bem, e eu não conseguia mentir para ela.
Sabia que guardar para mim o que havia acontecido só me faria ainda
mais mal. Não pretendia contar aos meus pais nem aos pais de Zayn, mas
Samira era minha prima, minha melhor amiga e como uma verdadeira
irmã.
Entramos no toalete feminino e aguardamos as mulheres que ali
estavam se retirarem. Conversei com algumas convidadas e, logo que se
foram, Samira trancou a porta e então pude tirar o sorriso do rosto.
— Agora me diga, quem te fez chorar?
— Zayn.
Contei tudo a ela, que ficou perplexa diante de cada revelação. Sem
perceber, voltei a chorar, mas minha prima providenciou lenços de papel e
me ajudou a me recompor para voltar ao salão de festas.
Após me sentir confiante novamente, saímos do banheiro.
— O que pretende fazer? — ela quis saber.
Dei de ombros.
— Não há mais nada que eu possa fazer, Samira. Zayn não é quem
pensei que fosse. Não quer se casar comigo e tudo o que me resta é
esperar que fale com nossos pais. De todo o jeito, é melhor assim.
— Você não queria se casar sem estar apaixonada, se ele desfizer o
compromisso, estará livre.
Assenti em silêncio.
Mamãe e Zahara vieram ao nosso encontro.
— Venha, querida. Quase esquecemos! Você não tirou fotos com a
família El Safy, Zayn estava ausente.
Eu e Samira nos entreolhamos e ela percebeu o pânico em meus
olhos, mas não podia fazer nada para me livrar daquilo. Sem escolha, abri
o meu melhor sorriso e acompanhei minha mãe e Zahara até o pequeno
estúdio que havia sido montado para a sessão fotográfica.
— Aqui está a nossa princesa! — comemorou Zahara ao
encontrarmos Ibrahim, Zayn meu pai e o fotógrafo.
Disfarçar a tensão entre mim e Zayn foi um esforço sobre-humano.
Nunca precisei dissimular tanto e a cada minuto eu sentia que iria
desmoronar na frente deles. Coloquei-me entre os pais de Zayn, tomando
o cuidado de não demonstrar que estava evitando sua presença. Assim
como fiz anteriormente, sorri de boca fechada para não mostrar o aparelho
nos dentes. Logo o fotógrafo sinalizou que havia terminado e soltei um
suspiro de alívio, disfarçadamente.
— Venha, marido — chamou Zahara, pegando Ibrahim pela mão. —
Agora Zayn e Hani irão posar juntos para uma foto. Quero colocar em um
porta-retratos, eternizar esse momento lindo.
Imediatamente, o meu olhar cruzou com o dele, que se mantinha
calmo, como se nada tivesse acontecido.
— Tudo bem, vamos lá — avisou o fotógrafo, acenando para que eu
me aproximasse de Zayn.
Por um breve instante, Zayn demonstrou desconforto ao ter que
chegar tão perto. Buscando autorização em meu olhar, ele estendeu o
braço por cima de meu ombro e eu me afastei subitamente. Sua testa
franzida deixou claro que ele não esperava que eu reagisse daquela
maneira, não na frente de nossos pais.
— Por favor, me perdoem — pedi com a voz fraca. — Sinto-me
envergonhada com vocês todos nos olhando. Não consigo me concentrar.
A desculpa não foi a mais convincente, mas era tudo o que eu podia
usar ao meu favor.
— Oh, querida… — murmurou Zahara. — Nós podemos nos retirar,
assim vocês ficam mais à vontade. Só preciso de uma foto, sim?
Assenti com um gesto de cabeça.
Nossos pais se retiraram, acreditando na minha desculpa
esfarrapada.
— Envergonhada? — perguntou Zayn, para que apenas eu pudesse
ouvi-lo.
— Não toque em mim.
— Não seja infantil, menina. É apenas a porra de uma fotografia.
— Tudo bem, eu cuido disso — interveio Samira, se aproximando de
nós dois. — Vamos acabar logo com esse momento constrangedor, sim?
Fiquem de lado para o fotógrafo, de costas um para o outro. Como Sr. &
Sra. Smith, mas sem as armas. Zayn, cruze os braços. Hani, coloque a
mão na cintura. E sorriam, por favor.
Sem opção melhor, seguimos as orientações de Samira para nos
livrar logo um do outro. O fotógrafo, após alguns cliques, nos liberou.
Tentei me afastar rapidamente, mas Zayn me interceptou.
— O que foi aquilo? Já disse que nunca te tocaria contra a sua
vontade, não precisa agir como se eu fosse forçar algo com você.
— Ótimo, porque eu não quero que toque em mim.
— Era apenas uma fotografia, Hani. Não sou um leproso.
— Já chega, Zayn. Não temos mais nada para conversar. Espero
que fale logo com nossos pais e acabe com essa farsa.
Sem deixar espaço para ele replicar, me desviei de seu caminho e
saí apressadamente. Avistei meus pais conversando com alguns primos
meus e aproveitei a deixa para me despedir. Samira me acompanhou em
silêncio.
Meu dia tinha iniciado de forma tão perfeita, mas minha noite
terminou de um jeito tão ruim, que levaria muito tempo para eu me
esquecer de tudo completamente.
Que homem era aquele?
Assim que fechei a porta do quarto, Samira me ajudou a tirar o
vestido e pedi licença para tomar um banho. Já no chuveiro, me sentei no
chão e deixei a água desabar sobre mim. Fechei os olhos e me permiti
soltar as lágrimas que ainda insistiam em cair.
Não conseguia esquecer a cena de Zayn se agarrando com aquela
mulher. Mas ninguém precisava saber o quanto aquilo me fazia sofrer. De
certa maneira, ele tinha razão, mesmo que de forma inconsciente, eu
queria estar no lugar daquela tal de Alisson. O desejo oculto de estar nos
braços de Zayn El Safy e ser vista por ele como uma mulher existia dentro
de mim. Por isso eu não queria que ele me tocasse novamente.
Preferia que ele acreditasse que eu sentia repulsa, não atração.
Eu jamais conseguiria atrair um homem como ele. Aqueles
pensamentos que teimavam invadir minha mente deveriam ser
pulverizados. Iludir-me com uma possibilidade altamente improvável era
burrice.
Assim que eu acordasse na manhã seguinte, receberia a notícia de
que o acordo havia sido desfeito e que Zayn já estava a caminho de
Londres. Ele continuaria sua vida libertina, no ocidente, e eu permaneceria
em minha bolha invisível, em Dubai.
Meus quinze anos se resumiu a um primeiro amor, um primeiro beijo
uma primeira desilusão.
“Tipo de garota que consegue fazer tudo por ela mesma
Eu olho para ela e isto me faz orgulhoso
Há algo nela
Tem algo tão atraente
Tipo de mulher que não precisa da minha ajuda
Ela diz que é com ela, ela consegue, sem dúvida
Há algo nela.”
MISS INDEPENDENT – NE-YO
Quem responde com pressa
raramente acerta.
Provérbio Árabe
— Mas que menina detestável — praguejei para mim mesmo ao
observá-la ir embora.
Como permiti que uma pirralha falasse comigo daquela maneira?
Jamais mulher alguma me desafiou, mesmo quando eu estava
errado. A não ser minha mãe.
Hani me surpreendeu desde que a conheci. Tudo o que imaginei
sobre ela caiu por terra a cada uma de nossas conversas.
Eu não estava raciocinando direito desde que a beijei.
Tentei me afastar e me escondi no depósito, tentei esquecê-la de
uma vez por todas ao aceitar o flerte de Alisson.
Por que ela tinha que aparecer e estragar tudo?
Sabia que era loucura transar com alguém na festa, principalmente
estando em Dubai. Se tivéssemos sido pegos por um dos funcionários, eu
estaria muito encrencado e Alisson também. Mas ser flagrado por Hani foi
tão ruim quanto ser preso por atentado ao pudor. Por sorte não tínhamos
chegado tão longe, mas foi o bastante para que Hani fizesse o seu
showzinho de noiva traída.
Porra, nem somos noivos de verdade! No que ela estava pensando?
Por que simplesmente não deu as costas e foi embora?
Geralmente, eu era mais controlado e resistia aos impulsos sexuais.
Estava acostumado a viver cercado de beldades, mas só acontecia
quando e com quem eu queria. Já me senti atraído por algumas mulheres
por quem optei não seguir adiante.
Nem todas valiam a pena, eu era muito seletivo.
Mas ao beijá-la e perder meu autocontrole sem perceber, fiquei muito
frustrado. Hani havia me afetado e eu estava chocado com a maneira com
que meu corpo respondeu ao seu toque inocente. Ela era apenas uma
menina e eu já havia me envolvido com mulheres muito mais bonitas e
muito mais gostosas do que ela, que sequer era atraente. Porém, pior do
que me pegar atraído, foi ficar sem ação quando ela confrontou Alisson e
depois a mim. Tudo o que eu consegui fazer foi ficar lá, sentado,
encarando-a com perplexidade e tentando pensar em algo para acalmá-la,
em vão.
Sua raiva, o desdém em seus olhos misturado à mágoa que eu sabia
que estava sentindo, não deveriam ter me feito sentir culpado. Eu era um
homem solteiro e não devia satisfações a ninguém, mas estava tentando
encontrar uma maneira de me justificar e isso foi muito fora do habitual. Eu
estava cometendo um erro atrás do outro.
Foi uma noite de merda.
O que deu na minha cabeça quando a incitei a se entregar a mim?
O ego ferido me cegou, a raiva por vê-la sendo a dona da razão e se
munindo de argumentos válidos para me dar um sermão como se eu fosse
uma criança levada foi a gota d’água. Perdi o controle mais uma vez. Agi
sem pensar. Resultado: Hani ficou com medo de mim, mas, ainda assim,
não abaixou a cabeça.
Atrevida!
— Querido! — A voz de minha mãe atraiu minha atenção. — Você
parece irritado, aconteceu alguma coisa?
Não consegui fitá-la nos olhos. Zahara El Safy era uma mulher muito
astuta. Ela sabia a resposta, mas queria que eu confirmasse.
— Estou com sono, acho que já vou me retirar.
— Fotografou com Hani?
Tentei sorrir, mas não fui muito convincente. Não iria adiantar muito,
não com minha mãe.
— Sim, você terá o seu porta-retratos. — Aproximei-me dela e a
segurei pelos ombros, beijando sua testa em um gesto carinhoso. — Boa
noite, mãe.
— Boa noite, meu amor. — Sorriu-me, mas logo ficou séria. — Não
pense que me passou despercebido o cheiro de uísque na sua roupa e o
perfume feminino. Espero que a loira descarada não esteja hospedada
aqui.
Era só o que me faltava!
— Alisson é apenas uma conhecida, nada de mais.
— Você é mais esperto do que pensei. — Encarou-me com os olhos
semicerrados. — Pode ir, amanhã conversaremos.
Observei-a se afastar e ir até Falak e Phillip. Procurei Hani por todo
o salão, mas não a vi. Irritado por estar pensando nela mais uma vez,
tratei de sair dali o mais rápido possível.
Sozinho no elevador, escorei-me à parede e fechei os olhos,
tentando apagá-la de minha mente, em vão.
“Você não toca em mim!”
Sua voz ecoava dentro da minha cabeça. A maneira como recusou
meu abraço para a foto, na frente de nossos pais, denunciou a repulsa
que sentia por mim.
— Mas que droga!
Caminhando pelo corredor vazio em direção ao meu quarto, uma
porta se abrindo chamou minha atenção. Era Samira, saindo do quarto de
Hani. Ela acenou para mim, em um gesto de cumprimento.
Eu sabia que deveria entrar no quarto atribuído a mim e ignorá-la,
mas para somar a lista de erros, fui até ela.
— Vai voltar para a festa? — perguntei, colocando minhas mãos nos
bolsos da calça, para aparentar casualidade. Não queria intimidá-la.
— Vou buscar alguns doces, não quero chamar o serviço de quarto.
— Ela deu de ombros.
— Sua prima está ali?
Ela assentiu com a cabeça.
— Posso falar com ela um instante? Somente até você voltar?
Samira parecia desconfortável em minha presença.
— Não me parece certo…
— Ela te contou tudo, não foi? — Esperei que respondesse e, após
sua confirmação, continuei: — Samira, jamais faria mal a ela. Hani me
tirou do sério, mas tudo o que fizemos foi discutir um com o outro. Só
preciso vê-la uma última vez, estou indo embora amanhã. Não quero
deixar pendências. Pode me fazer esse favor?
Aguardei enquanto ela tomava sua decisão. Suspirando
pesadamente, estendeu-me o cartão chave do quarto e eu aceitei.
— Ela vai me odiar por isso, mas estou confiando em você, Zayn.
— Obrigado, Samira.
Esperei que ela entrasse no elevador, para então entrar no quarto
de Hani. Não a vi de imediato, fechei a porta e me escorei contra ela. Foi
então que a vi saindo do banheiro, usando apenas um roupão felpudo e
uma toalha enrolada na cabeça. O susto que tomou ao se deparar comigo
me deixou ainda mais culpado por tê-la amedrontado no depósito.
— Como entrou aqui? — Embora o seu olhar fosse cauteloso, Hani
demonstrava segurança em sua voz.
— Samira. — Mostrei o cartão chave para ela, guardando-o no bolso
em seguida. — Precisava falar com você uma última vez.
— Não temos mais nada para conversar. Vá embora!
— Sei que não gostou do que viu naquele depósito, mas não vou
me desculpar. Fui sincero desde o início. Você sabia que eu não queria
me casar, que voltei a Dubai justamente para desfazer o acordo entre
nossas famílias.
— Você me humilhou, Zayn.
— Não foi algo planejado.
— Depois do nosso beijo, era o mínimo que eu merecia.
Engoli em seco.
Então é isso, ela está confundindo as coisas. O que eu poderia
esperar de uma adolescente?
Estava na hora de fazer o meu discurso de encerramento. Mas
decidi pular a parte um, nada de levantar o ego. Iria direto ao
esclarecimento dos fatos e partiria para o sutil e definitivo adeus.
— Não houve “nosso beijo”, Hani. Você queria ser beijada por um
homem, eu te fiz esse favor. Foi um presente de aniversário, não teve
nenhum sentimento envolvido. Eu não vim aqui para brincar de príncipe e
princesa, como o conto de fadas que nossas mães criaram para justificar
o acordo de negócios entre nossos pais. É melhor que coloque isso na
sua cabeça e entenda, de uma vez por todas que não temos nada, não
somos nada um do outro. Sou um homem livre e pretendo continuar
assim até o dia em que decidir o contrário. Ninguém me forçará a fazer o
que não desejo, nem mesmo a minha família.
— Já disse tudo o que queria? — perguntou ela, quase sem voz.
Eu a havia desarmado, finalmente.
— Você não precisa se preocupar quanto a eu tocar em você. Não
tenho o menor interesse. Se o fizer, será como um gesto amistoso, uma
forma de cumprimento cordial. Nada além disso. — Abri a porta do quarto
e retirei o cartão chave do bolso, depositando-o em um aparador ao lado
da entrada. — Boa noite, Hani. E bem-vinda ao mundo real, não somos
personagens de “As Mil e Uma Noites”.
Saí, fechando a porta atrás de mim.
Senti-me aliviado, finalmente.
Tudo estava no seu devido lugar, eu havia dado a última palavra.

Acordei na manhã seguinte disposto a conversar com Phillip,


sozinho. Seria mais fácil encará-lo sem meu pai presente. Desafiá-lo não
era algo que me agradava, mas viver com o peso de um compromisso, o
qual eu não estava disposto a assumir, me consumia por dentro. Ter que
calcular meus movimentos para não tornar público nenhum deslize que
pudesse manchar minha reputação com a família Mitchell e envergonhar
meus pais era viver diariamente sob pressão. Queria ser livre para seguir
minha vida sem ter que questionar cada passo que eu dava.
Levantei-me e tomei um banho, após me vestir, recolhi meus
pertences. Uma batida na porta me deixou em alerta, por um momento,
pensei que pudesse ser Hani, mas, ao abri-la, dei de cara com meus pais.
— Bom dia — cumprimentei, mas pelo olhar severo que eles me
direcionaram, não parecia que o dia iria começar bem.
Permiti que entrassem no quarto ainda em silêncio. Fechei a porta e
esperei que um deles tomasse a iniciativa, de todo modo, sabia que não
seria uma conversa agradável.
— Você esteve sumido por um tempo, ontem, durante a festa de
Hani — começou meu pai, fitando-me seriamente. — A menina parecia
estar com medo de você, quando nos reunimos para fotografar. Devo me
preocupar com isso?
— Não, o senhor não deve.
— Ótimo. Espero que tenha pensado no que conversamos e
decidido esperar antes de tomar uma decisão definitiva.
Engoli em seco.
— Minha decisão definitiva já foi tomada, pai. Não quero me casar
com Hani, também não quero esperar seis anos para dizer o que já sei
hoje.
Sua expressão severa me deixou tenso.
— Há outra mulher em sua vida? Está apaixonado por alguém?
— Mas é claro que não! — falei, como se aquilo fosse um grande
absurdo.
Bem, a meu ver, era.
— Não fale como se fosse algo improvável, rapazinho — interveio
minha mãe. — Você não é imune ao amor. Se não há uma mulher em sua
vida, por que a relutância em manter o noivado com Hani? Ela será uma
ótima esposa, é uma boa moça, de excelente família. Quando aceitou se
casar com ela, o fez de bom grado. O que mudou?
— Eu mudei. Não quero continuar preso a um compromisso por
convenção social. Tenho trinta anos, Hani é uma menina. Não faz sentido
algum esse acordo entre o senhor e Phillip Mitchelll, pai. Podia fazer, há
quinze anos, mas não agora. Os tempos mudaram.
— Não posso voltar atrás com a minha palavra por um capricho
seu! — ralhou ele. — Você não é mais um menino para se rebelar contra
mim. Todos esses anos eu tenho deixado você fazer o que quis. Vive na
Europa do modo que melhor lhe convém. Essa liberdade tem um preço,
meu filho. Seu compromisso com a família é honrar esse acordo e se unir
a Hani Mitchelll, para dar continuidade ao legado que Phillip e eu
construímos ao longo dos anos. É sua responsabilidade como meu único
herdeiro, além disso, tem mais seis anos para aproveitar o estilo de vida
que leva em Londres. Quando chegar o momento de se casar, estará com
quase quarenta. Terá que sossegar e começar uma família.
— Eu gostaria de poder escolher com quem irei construir minha
família.
— Você escolheu quando disse sim, há quinze anos.
— Eu era apenas um garoto! — gritei, perdendo minha compostura.
— Meu filho é um homem honrado! Deu sua palavra e irá mantê-la.
Se até lá você se apaixonar por alguém, serei o primeiro a apoiá-lo. Farei
com que o acordo se desfaça e abençoarei a sua união com a mulher que
você escolher. Mas se não acontecer, você se casará com Hani Mitchell.
Porra! Como fazer esse homem turrão mudar suas convicções?
— Há um provérbio que diz: “O maior erro é a pressa antes do
tempo e a lentidão ante a oportunidade.” Siga o conselho de seu pai,
espere. Mantenha a sua palavra — retificou minha mãe.
Eu quis dizer a ela que não era um conselho, mas uma imposição
feita pelo meu pai. Porém, jamais desafiaria os dois dessa maneira. Já
estava sendo difícil assumir o meu repúdio pelo compromisso que tinha
com Hani. Admitir que cometi um erro quando era jovem demais para
entender a seriedade de uma promessa de casamento feriu meu orgulho
e minha honra.
Se eu desistisse de tudo naquele momento, sabia que não estaria
apenas desfazendo um noivado, mas desmanchando um elo entre mim e
minha família. Meu pai jamais aceitaria que eu lhe afrontasse daquela
maneira. Tentei fazê-lo entender meu ponto de vista, mas, para um
homem que cresceu dentro de uma cultura rígida e a absorveu como
parte de sua fé, não seria fácil ganhar sua aprovação.
Minha convicção havia escorrido pelo ralo. Não se tratava de
covardia nem submissão. Eu sabia como era importante para o meu pai o
poder da palavra de honra. Quebrar uma promessa era como assumir
uma fraqueza, algo inadmissível no clã El Safy.
Resumindo: Eu estava preso a uma mulher por quem não sentia
absolutamente nada.
— O senhor tem razão, pai — admiti, dando-me por vencido. —
Fique tranquilo, manterei minha palavra. Mas levarei em conta a sua de
que, se eu encontrar uma mulher por quem me interesse ao ponto de
propor casamento, terei seu apoio para desfazer meu noivado com Hani.
— Você o terá, mas não antes disso.
Não me serviria de muita coisa, mas ganhei tempo e evitei um
desastre familiar.
Havia perdido a batalha, mas não a guerra.
Minha mãe me abraçou, seu evidente alívio por eu ter cedido e não
afrontado meu pai. Despedi-me deles e, após fechar a porta, me joguei na
cama, sem ânimo.
Eu só queria a minha vida de volta.
Dubai não era o meu lar.
Fechei os olhos e repassei em minha mente toda a conversa com
meu pai. Sabia que, de certo modo, ele tinha razão. Eu estava com trinta
anos e, se não arrumasse uma esposa e iniciasse minha família, nosso
legado não iria adiante. Como filho único, era minha responsabilidade.
Seria egoísmo demais eu me manter solteiro apenas por querer ficar
sozinho. Mesmo que não quisesse me casar com Hani, teria que
encontrar uma companheira que fosse compatível comigo, na cama e fora
dela, para então me tornar um homem casado e constituir uma família.
O que inicialmente me parecia uma péssima ideia, aos poucos
tornou-se aceitável. Ainda me restavam seis anos para aproveitar a vida
de solteiro ou encontrar a companheira ideal.
Em último caso, me casaria com Hani e teria a perfeita esposa
troféu.
— A não ser que… — Sentei-me abruptamente na cama, pensando
em qual seria a probabilidade de aquilo acontecer. — Se ela desistir de se
casar comigo, tudo seria bem mais fácil.
“Quente como uma febre, ossos tremendo
Eu poderia apenas provar
Se não é pra sempre, se é só hoje à noite
Continua sendo a melhor.”
SEX ON FIRE – KINGS OF LION
" Quando a poeira baixar,
ver-se-á quem estava montando uma mula
e quem estava montando um cavalo.”
Provérbio Árabe
Depois que Zayn saiu do meu quarto, me deixando arrasada por
suas palavras frias, desatei a chorar como uma menininha boba. Samira
retornou ao quarto e bateu na porta, pois estava sem o cartão chave.
Minha vontade foi deixá-la do lado de fora, mas eu estava tão inconsolável
que precisava desabafar com alguém. Permiti que entrasse e me joguei
em seus braços. Como minha melhor amiga, ela chorou comigo e, juntas,
nos entupimos de doces até eu estar exausta demais para continuar
chorando.
Dormi, felizmente, como uma pedra.
Acordei na manhã seguinte me sentindo renovada. O momento ruim
havia sido superado, a partir daquele dia, eu seria uma nova pessoa. Uma
adolescente de quinze anos, sem um noivado em meu histórico.
Não haveria mais a necessidade de me manter tão isolada, pois eu
sabia que meu pai tentava me deixar alheia ao mundo lá fora para que
não conhecesse alguém por quem pudesse me apaixonar e, assim,
desistir de aceitar o noivado que me arranjou quando eu era apenas um
bebê.
Cresci sabendo qual era o meu papel, nunca me passou pela cabeça
ir contra o que meus pais decidiram para mim. Para onde eu iria? O que
faria? Conformar-me com o destino que me foi traçado parecia muito mais
fácil, mesmo que não fosse o que eu sonhava para mim de verdade.
— Bom dia, prima — disse Samira, ao me ver acordada. — Como
está se sentindo?
Sorri para tranquilizá-la.
— Muito melhor, obrigada. Eu me sinto renovada, é isso. — Levantei-
me, indo até o armário para escolher minhas roupas do dia. — Quero ir
pra casa logo, abrir meus presentes. Estou morrendo de curiosidade.
Realmente eu estava, embora houvesse uma pitada de nervosismo e
ansiedade para saber o que foi decido entre Zayn e meu pai, após ele lhe
revelar que não se casaria comigo.
Após nos arrumarmos, Samira e eu decidimos fazer o desjejum no
restaurante do hotel. Liguei para minha mãe e combinamos de nos
encontrarmos no hall de entrada. Assim que fechamos a porta do quarto e
caminhávamos pelo corredor, em direção aos elevadores, justamente
quando passamos na frente do quarto de Zayn, a porta se abriu e ele saiu.
Parei, fazendo Samira parar também para ver o que houve comigo. Na
verdade, eu parecia uma estátua de cera, tipo aquelas que podiam ser
encontradas em museus específicos. Magra, pálida e inerte. Quando seu
olhar encontrou o meu, ele também parou.
— Samira, você pode ir na frente, te encontro no hall daqui a pouco.
— Meu tom polido fez com que minha prima concordasse sem questionar.
Zayn franziu o cenho, intrigado com o meu pedido, mas permaneceu
em silêncio. Aguardei Samira desaparecer atrás da porta do elevador,
para então iniciar uma conversa.
— Já falou com meu pai? — perguntei com a voz firme.
— Ainda não. Estou indo me encontrar com meus pais e os seus
agora, para o desjejum.
— Também estou indo para lá. Quer lhes dar a notícia em pleno café
da manhã? Em minha presença? — Demonstrei meu desagrado com a
possibilidade. — Se não for pedir muito, gostaria de não estar presente
quando você falar com eles.
— Por que não? Você é uma das partes interessadas, também não
deseja se casar comigo.
Ele estava me desafiando. O que pretendia com isso, afinal?
— Já fui humilhada o bastante, não pretendo ser repudiada na frente
da minha família e da sua. Obrigada. Prefiro receber a notícia depois, de
preferência, quando você estiver bem longe. Prometo fingir que fiquei
arrasada — falei em tom de deboche.
— Você poderia me repudiar.
— Como é? — Pensei tê-lo ouvido dizer que…
— Diga aos nossos pais que não quer se casar comigo.
Semicerrei os olhos, em uma expressão desconfiada.
— E ser a filha adolescente se rebelando contra a vontade de seu
pai? Deixando você sair dessa como o noivo abandonado? Por que eu
facilitaria para você, depois do que você fez e me disse? — desdenhei.
Se Zayn El Safy me fez aquela sugestão, com toda certeza estava
com medo de enfrentar nossos pais. Mas se ele acreditava que eu era
uma menininha tola e iria cair no seu jogo, estava muito enganado.
— Por que você se submeteria a um casamento sem amor, Hani?
Ele não estava tão confiante como quando me disse aquelas
palavras duras.
Dei de ombros.
— É simples, eu vivo trancada em uma mansão, sob os cuidados de
seguranças e cercada por meus familiares apenas. Você é jovem, bonito,
rico, vive em um dos países que eu adoraria conhecer. Por que eu não me
casaria com você, se isso significaria um pouco de liberdade para mim?
Eu seria tola se me recusasse. Porque se eu disser ao meu pai que não
quero me casar, ele não irá me obrigar, mas certamente não permitirá que
eu saia de Dubai. Vivo em uma bolha de superproteção.
— Você não é uma prisioneira, Hani.
— É fácil para você falar, Zayn. Sou uma mulher árabe, totalmente
dependente do meu pai. O que você sugere, além de eu desfazer o
noivado? Que fuja sozinha? — Bati palmas, sorrindo com sarcasmo. —
Parabéns, você conseguiu ser mais idiota do que eu imaginava que seria
possível.
— E se casaria comigo mesmo depois do que viu ontem?
Não é como se eu tivesse muitas opções.
— Eu pensei que você fizesse questão de desfazer esse
compromisso, estava confiante de que faria isso hoje. Não havia por que
imaginar que nos casaríamos depois do que aconteceu — revelei, sem
entender aonde ele estava querendo chegar.
De repente, Zayn deu um passo à frente, me pegando desprevenida.
Segurou-me pelos ombros, mas sem força, apenas para se certificar de
que eu não iria fugir.
— Não vou desfazer o noivado.
— P-por quê?
— Pensei muito antes de tomar esta decisão. Quando nos casarmos,
terei trinta e seis anos, já não sou um garotinho. Terei que dar
continuidade ao sobrenome El Safy, afinal, sou filho único. Também fará
bem para a minha imagem de empresário ter família constituída, passar a
mensagem de estabilidade, responsabilidade e compromisso. — Ele
parecia estar falando sério, não havia ironia ou deboche em sua voz, o
que me assustou muito. — Ainda me restam seis anos para aproveitar
minha vida de solteiro, fazer e experimentar o que eu quiser, enquanto
minha noiva intocada permanece em Dubai, preservando-se e se
preparando para ser uma boa esposa.
— Você não pode estar falando sério… — murmurei, sem conseguir
assimilar o que Zayn acabara de me dizer.
— Mas estou, e, a não ser que você se oponha aos nossos pais,
acostume-se com a ideia de que será minha. Acostume-se também com o
fato de que não terá tanta liberdade como imagina, pois ficará aqui em
Dubai, na casa que comprarei para vivermos depois de casados. Pois
quando eu estiver em minhas viagens de negócios, quero você em
segurança, cuidando de nossos filhos e zelando pelo nosso lar.
— Zayn… — Afastei-me, sem saber o que dizer.
Como o homem diante de mim havia se transformado, de príncipe
em monstro, tão repentinamente?
— Você me ouviu. Só depende de você, Hani. Minha decisão está
tomada. — Afastou-se, virando as costas e indo em direção aos
elevadores.
A raiva, a mágoa e o desespero tomaram conta de mim. Sem pensar
direito, corri até ele e o segurei pelo braço. Consegui conter minhas
lágrimas, mas o ódio em minha voz não pôde ser disfarçado.
— Se você acredita que eu me manterei intocada, me preservando
pra você, está muito enganado — sibilei, olhando em seus olhos para que
percebesse a seriedade de minhas palavras. — Restam-me seis anos
para aproveitar e experimentar o que eu quiser, Zayn El Safy.
Seu sorriso sarcástico me enojou.
— Experimente fazer aulas de bordados e aprenda a preparar pratos
típicos de nossa região, talvez as danças? Eu vou adorar ter uma esposa
tão talentosa. Seis anos em Dubai, no convívio com a sua família, serão
de grande aprendizado para você, menina.
Soltando-se, Zayn se apressou a pegar um dos elevadores enquanto
eu permaneci parada no corredor, sem saber como agir diante de suas
últimas palavras. As lágrimas vieram e eu usei a manga de minha camisa
para secá-las. Os soluços chegaram e eu definitivamente havia perdido
minha fome. Restou-me voltar para o quarto e me jogar na cama, me
afogando em um choro incessante e lamentações infinitas.
De um dia para o outro, Zayn El Safy se revelou uma cobra
peçonhenta.
Não me restavam muitas opções. Depois de esgotar minhas
lágrimas, me sentei na cama e comecei a pensar em alternativas para me
livrar daquele homem.
Eu poderia conversar com minha mãe e contar a ela tudo o que
aconteceu desde que conheci Zayn, ela certamente acreditaria em mim e
intercederia a meu favor perante papai. Ele jamais colocaria como
prioridade o meu casamento com aquele homem, se soubesse como fui
humilhada. Mas como consequência, eu seria o pivô de um conflito de
enormes proporções entre os Mitchell e os El Safy. Papai e Ibrahim eram
grandes amigos, o relacionamento deles ficaria abalado se eu trouxesse à
tona todos os acontecimentos que me fizeram desistir do casamento, além
dos negócios que tinham em sociedade. Ibrahim também ficaria muito
decepcionado com Zayn, e tornar pública a desonra de seu filho
prejudicaria a boa reputação da família El Safy. Seria o mais correto se eu
fosse egoísta o bastante para pensar somente no meu bem-estar e não
me importasse com os sentimentos das outras pessoas envolvidas. O que
eu não era.
Também havia a possibilidade de Zayn negar tudo o que eu
dissesse. Seria a palavra dele contra a minha, pois ele manteve sua
promessa de se casar comigo e eu poderia estar inventando mentiras para
evitar o casamento. Era bem provável que isto acontecesse, afinal, eu era
uma adolescente de quinze anos e ele um homem com o dobro da minha
idade. De todo o jeito, desistir do casamento apontando-o como o culpado
resultaria em acontecimentos ruins. Definitivamente, não era uma opção.
Só havia duas alternativas realmente válidas: ou Zayn tomaria
coragem de enfrentar o seu pai e o meu, desistindo de se casar comigo,
ou nós dois realmente nos casaríamos assim que eu completasse vinte e
um anos, como foi predefinido.
Estava mais do que óbvio que Zayn não pretendia mudar de ideia. A
devoção e respeito aos seus pais era algo que ele jamais macularia. Mas
isso significava que ele descontaria o seu descontentamento com essa
união em mim.
— Você não vai desgraçar a minha vida. Eu não vou permitir.
Levantei-me e corri até o espelho que preenchia uma das paredes do
quarto. Encarei-me em silêncio, reparando em cada uma das minhas
características, o que considerava qualidade e o que considerava defeito.
Naquele instante, fiz uma promessa silenciosa de que seria forte e
aprenderia a lidar com qualquer coisa que o destino propusesse para mim.
Mas de uma coisa eu tinha certeza: Zayn El Safy se arrependeria de cada
palavra. A Hani Mitchell que ele pensou ter conhecido em Dubai, aos
quinze anos, havia ficado para trás.
Eu teria seis anos para convencer Zayn El Safy a desistir do nosso
casamento ou fazê-lo se apaixonar perdidamente por mim.
A ampulheta foi virada e os grãos de areia começaram a cair
gradativamente, conforme o tempo passava.
"Se ele não sabe e sabe que não sabe,
é ignorante, ensine-o;
Se ele sabe e sabe que sabe,
é sábio, siga-o;
Se ele não sabe e pensa que sabe,
é louco, fuja dele."
Provérbio Árabe
“Nós fomos feitos um para o outro
Eu e você
E eu não tenho medo algum
Sei que vamos sobreviver
Um dia, quando o céu estiver desabando
Eu estarei ao seu lado, ao seu lado.”
NEXT 2 YOU – CHRIS BROWN FT. JUST BIEBER
Enquanto não tiveres conhecido o inferno,
o paraíso não será bastante bom para ti.
Provérbio Árabe
Havia quase três anos desde a última vez que vi Zayn El Safy
pessoalmente. Se fosse possível, gostaria de nunca mais ter que olhar
nos olhos daquele homem arrogante. Mas, infelizmente, ele ainda era meu
noivo e, apesar de eu ter conseguido me desviar por tanto tempo, mesmo
vivendo em Londres, havia chegado o momento de me reencontrar com
ele e fazê-lo engolir sua arrogância.
Quando eu tinha quinze anos, Zayn conseguiu fazer com que eu
desacreditasse que um dia poderia realizar todos os meus sonhos. Após
revelar sua verdadeira face para mim, deixando claro o que pretendia
quando nos casássemos, percebi que se não fizesse algo a respeito,
minha vida seria mais uma vez controlada por outra pessoa, não mais os
meus pais, mas meu marido.
Naquele dia, chorei tudo o que tinha para chorar e matei dentro de
mim a menina que cresceu sendo alimentada por histórias fantasiosas
sobre o amor. Como uma fênix, renasci das cinzas, mais forte e muito
mais determinada. Eu estava pronta para começar uma guerra, venceria
quantas batalhas fossem necessárias, mas teria minha liberdade de
escolha.
Impressionante que meu pai, sendo um grande empresário
americano, tivesse um comportamento tão antiquado e machista sobre a
minha educação. Ele queria tanto que eu me casasse com Zayn, que me
isolava do mundo para que eu não me rebelasse contra seus planos. O
único que poderia mudar tudo havia reconsiderado a opção de desistir de
sua promessa. Os anos se passavam e eu me via sempre no mesmo
lugar, uma espera que em breve chegaria ao fim.
Não foi fácil convencer meu pai a permitir que Samira e eu
saíssemos de Dubai para morarmos sozinhas em Londres. Sempre
estudamos em casa, fomos tratadas como princesas intocáveis e, de
repente, lá estava eu, pedindo para viver três anos em outro continente.
Trazer minha mãe para o meu lado pesou a meu favor, porém, foi a
intervenção de Zayn que fez meu pai mudar de ideia. Fiquei surpresa por
ele convencê-lo de que era importante eu estudar fora, mesmo se tratando
do ensino médio. No início, pensei que estivesse tramando algo. Mas com
o passar do tempo, abdiquei desse pensamento.
Samira e eu tínhamos a mesma idade, sendo eu dois meses mais
velha. Foi estranho conviver com outras garotas, principalmente pela
questão cultural, mas nos adaptamos com o passar do tempo. Três anos
como boarder[12] nos fizeram bem. Aprendemos muito da cultura ocidental
e fizemos amizades. Nos feriados e períodos de recesso, retornávamos a
Dubai. Meus pais jamais permitiram que ficássemos em Londres, a não
ser que fosse no colégio, o que era uma verdadeira chatice, mas tivemos
algumas, mesmo que pouquíssimas, oportunidades de conhecer um
pouco da cidade. Zayn sabia que eu vivia ali, mas nunca me procurou e
sempre fui grata a ele por isso. Nossos calendários funcionavam de
maneira diferente, nunca coincidindo de estarmos em Dubai na mesma
época. Como eu permanecia reclusa, mesmo não mais vivendo com meus
pais, não corria o risco de encontrá-lo. Muitas vezes pensei que Zayn me
evitava propositalmente, pois devia estar aproveitando para fazer tudo o
que disse que faria em seu período de solteirice. Enquanto isso, eu
continuava usufruindo a minha falsa liberdade.
O final do ano letivo terminou em meados de julho. Às vésperas de
completar meus dezoito anos, sabia que meu tempo em Londres havia
chegado ao fim. Concluímos o ensino médio e teríamos que retornar a
Dubai, mas eu não podia partir, precisava revê-lo. Não poderia permitir
que minha vida estagnasse novamente até que chegasse o momento de
cumprir o papel que fui compelida a desempenhar em minha vida.
Infelizmente, eu dependia dele, pois sozinha não teria força o bastante
para me impor contra a vontade de meu pai.
A mágoa que ainda sentia por tê-lo visto com outra no mesmo dia em
que me beijou, também era um dos motivos que me inclinavam a querer
encontrá-lo. Eu já não era uma menina magricela, com aparelhos nos
dentes e nada atraente. Transformei-me em outra pessoa, me sentia mais
confiante com minha aparência, me amava mais. A insegurança foi
diminuindo conforme eu atingia o padrão de beleza que estabeleci para
mim mesma e sentia a necessidade de mostrar a ele que aquela garotinha
do passado não existia mais.
Queria que ele me enxergasse como uma mulher de verdade, que
me achasse bonita, se sentisse atraído.
Somente assim eu conseguiria afetá-lo com minha rejeição.
— Você está quieta demais, Hani — observou Samira, fitando-me
com os olhos semicerrados. — O que está tramando?
Estávamos em meu quarto, uma suíte dupla no Mitchell Royal
Palace, na Eaton Square, um dos hotéis cinco estrelas mais famosos de
Londres, que pertencia à minha família. Samira ocupava o quarto
contíguo, com uma porta de acesso ao meu. Meus pais estavam para
chegar dentro de algumas horas e, em poucos dias, retornaríamos a
Dubai.
— Preciso convencer o papai a nos deixar ficar por mais tempo —
revelei, ainda com o pensamento longe.
— Temo que isso não seja possível, prima. — Samira deitou-se ao
meu lado na cama. — Não há mais motivos para permanecermos longe
de casa, você sabe que faculdade está fora de cogitação.
— Algumas pessoas dariam a própria alma para estar em nosso
lugar, não é irônico? Temos uma vida de luxo, uma família com dinheiro e
influência, mas não podemos realizar nossos sonhos, pois somos apenas
peças em um jogo de poder ou algo assim. Em pleno século XXI, não
somos livres.
— O tio nos ama, Hani. Ele só quer nos proteger. Vemos o tempo
todo na mídia, escândalos envolvendo herdeiros de famílias com prestígio.
Playboys envolvidos em acidentes de carro, dirigindo alcoolizados, se
achando acima da lei, presos por desacato. Patricinhas se casando em
Vegas com algum cara que conheceram em menos de uma semana para
se rebelar contra a família tradicional. Socialites tendo suas fotos nuas
vazadas na internet, ou pior, vídeos explícitos. Sem falar na possibilidade
de sequestros, pedindo resgates milionários e, em alguns casos,
terminando em tragédia. Você sabe que isso é real, tio Phillip tem medo de
nos perder. Nos manter seguras dentro de casa é a maneira de ele evitar
que passemos por algo semelhante.
Sabia que, em parte, ela tinha razão.
— Não podemos crescer em uma bolha, Samira. Além disso, não
somos celebridades, passamos despercebidas no meio de todas essas
pessoas que você citou. Sabemos o que é certo e o que é errado, o
mundo está cheio de pessoas boas e ruins, todos nós estamos suscetíveis
a tragédias. O que nos impede de ficarmos gravemente doentes, mesmo
dentro de casa?
— Não diga isso nem de brincadeira, Hani! — Samira bateu
levemente em meu ombro, em um gesto de repreensão.
— Não estou brincando, falo sério. — Levantei-me da cama,
encarando-a. — Meu sonho sempre foi sair de Dubai e conhecer outros
lugares, aprender coisas novas e conviver com outras pessoas além dos
nossos familiares. Durante esse tempo, mesmo com limitações, me senti
viva. Nós duas mudamos, evoluímos com essa experiência. Seja sincera
comigo, Samira, quer voltar para casa e viver trancafiada em uma mansão
pelo resto da sua vida? Ou até meu pai encontrar um homem adequado
com quem você possa se casar? Uma gaiola não deixa de ser gaiola por
ser dourada.
Samira absorveu minhas palavras a contragosto, mas acabou por
entender aonde eu estava querendo chegar.
— Nunca pensei por esse lado… — murmurou mais para si mesma
do que para mim.
— Amo meus pais, amo ser tratada como uma princesa. Não estou
reclamando da boa vida que levo, mas de que adianta tudo isso se não
tenho o direito de escolher aquilo que me faz feliz?
— E-eu não sei.
— Mas eu sei, prima. Não quero me casar com um homem
arrogante, que passa anos sem me ver e acredita que estou sendo
preservada enquanto ele se diverte pelo mundo. Acha que serei feliz?
As lágrimas caíram sem que eu pudesse controlá-las. Havia muito
tempo que eu não chorava, não tinha motivos para fazê-lo, porque passei
cada minuto aproveitando da minha falsa liberdade.
— Sinto muito! — Levantando-se, minha prima veio ao meu encontro
e me tomou em seus braços, chorando junto comigo. — Não sabia que
isso te afetava tanto, Hani.
— Preciso me encontrar com ele. Tenho que falar com Zayn antes de
voltar para casa.
— Para quê?
Afastei-me do seu abraço e enxuguei minhas lágrimas com a manga
da blusa.
— Para convencê-lo a desistir do casamento. Quando foi ao meu
aniversário de quinze anos, Zayn queria desfazer o noivado. Então
brigamos e ele mudou de ideia. Eu o acusei de ser covarde e não ter
coragem de enfrentar nossos pais, mas eu também fui. Devia tê-lo
ajudado, mas me calei. Tinha tanta vontade de sair daquela casa, que
entreguei a ele a informação mais preciosa e ele a usou contra mim.
— Mas você ainda pode falar com seu pai, tio Phillip não te forçaria a
se casar contra sua vontade.
— Certamente não, mas ainda me privaria de realizar meu sonho de
estudar moda. Papai é um bom homem, mas tem fortes convicções e
dificilmente eu sairia cem por cento vitoriosa em minha batalha. Não sem
Zayn El Safy como um aliado.
— Vou tomar um banho, sugiro que faça o mesmo. Seus pais
chegarão daqui a pouco e jantaremos juntos. Prometo que vou te ajudar a
pensar em algo para convencer tio Phillip a nos deixar ficar em Londres.
Estou do seu lado, prima. Sempre.
— Obrigada, Samira. Isso é muito importante para mim.

— Seu aniversário está próximo, filha — comentou mamãe, após o


garçom recolher nossos pratos.
Jantamos no restaurante do hotel, meus pais estavam exaustos da
viagem e pretendiam se recolher cedo para descansarem. O cronograma
estava planejado, o dia seguinte seria o meu último na Europa. Papai
participaria de uma reunião com os acionistas de um dos seus
empreendimentos e logo depois estaríamos todos em um jatinho
particular, rumo ao golfo pérsico.
— Eu sei. — Dei de ombros.
— Deveríamos fazer uma festa para comemorar seus dezoito anos,
o que acha? — Ela parecia tão empolgada como quando debutei.
— Gostaria de fazer algo diferente, não uma festa. — De repente, foi
como se uma lâmpada se acendesse sobre minha cabeça. Um insight
com o argumento perfeito para tentar permanecer na terra da rainha.
— No que você pensou, querida? — Papai parecia interessado em
meu ouvir.
— Férias.
— Mas você já está de férias, Hani. — A risadinha de minha mãe me
deixou irritada, mas consegui disfarçar.
Não poderia entrar em conflito com ela, pois seria minha única aliada
no que eu pretendia sugerir a seguir.
— Quero passar minhas férias em Londres, passeios turísticos,
compras. Samira e eu ficamos o tempo todo na escola, retornando a
Dubai nas férias. Gostaria de ter essa experiência, poder explorar a
cidade, ser uma turista.
Meus pais se entreolharam e engoli meu nervosismo. Não seria fácil
convencê-los.
— Eu sei que sou exagerado quando se trata da segurança de vocês
duas — admitiu papai. — Tivemos dificuldades em conceber um filho,
quando você nasceu, Hani, tornou-se meu tesouro mais precioso. Meses
depois, a vida nos presenteou com Samira, iluminando ainda mais os
nossos dias. — Olhando para minha prima, ele sorriu ternamente. — Foi
uma tristeza a perda de sua mãe, mas você foi um pequeno milagre.
Mesmo que insista em nos chamar de tios, nós a amamos como se fosse
uma filha. — Pigarreou, disfarçando a emoção. — Mas retomando o
assunto, esses três anos longe de vocês me fizeram pensar em muita
coisa. Inclusive, rever alguns conceitos.
Foi a vez de Samira e eu nos entreolharmos, como se
conseguíssemos ler o pensamento uma da outra.
— Não posso mantê-las para sempre dentro de casa — continuou.
— Vocês estão crescendo e é difícil para mim aceitar que minhas
garotinhas estão se transformando em belas mulheres. Mas também sei
que nós as criamos muito bem, são inteligentes, responsáveis e se
viraram muito bem sem a nossa presença constante. Estamos orgulhosos
de vocês.
— Obrigada, pai.
— Obrigada, tio Phill.
— Permitirei que permaneçam em Londres por mais alguns dias,
porém, terão que voltar para casa no prazo determinado. Isso é
inegociável.
Não acreditei que meu pai estava concordando com a ideia sem
colocar empecilhos para justificar uma resposta negativa.
— O senhor está falando sério? — Queria ter certeza de que não se
tratava de um sonho bobo.
— Vocês merecem esse voto de confiança — falou mamãe. — Mas
não queremos que andem por Londres sozinhas. Providenciaremos um
segurança para acompanhá-las. Nada de táxi ou transporte público,
apenas o carro com o motorista. Estamos combinadas?
— Combinadíssimo! — dissemos em uníssono, Samira e eu.
Pensar que ficaria em Londres por mais tempo transformou o meu
humor. Seria o bastante para tornar a ver Zayn El Safy.

— Nem acredito que estamos sozinhas em Londres. — Samira se


jogou de costas em minha cama, como se estivesse deitando em nuvens
de algodão. — Estes foram os melhores quatro dias da minha vida!
Meus pais retornaram a Dubai no domingo, deixando minha prima e
eu sob os cuidados de Christopher, um dos seguranças do hotel, que fora
designado para nos acompanhar durante nossa estadia. Aproveitamos
para fazer passeios turísticos e tirarmos algumas fotografias no Big Ben,
na London Eye, Hyde Park e Palácio de Buckingham. Piccadilly Circus e
Harrods também fizeram parte do nosso roteiro de viagem. A estratégia
era agirmos como garotas deslumbradas, ganhando a simpatia do nosso
protetor.
— Então se prepare, Samira. Esta noite será a melhor de todas.
A sexta-feira finalmente havia chegado e eu estava ansiosa para a
noite… Combinei com algumas colegas da escola de nos encontrarmos
em uma danceteria.
— Eu sabia que você estava aprontando alguma coisa, Hani!
Meu sorriso cínico foi impossível de disfarçar.
— Vamos à Oásis, uma casa noturna exótica. Fica perto do hotel e
Christopher irá conosco, como somos menores de idade, ele será o
responsável por nós. — Revirei os olhos. — Emily nos convidou, os
primos dela fecharam um camarote e nosso nome está na lista.
Samira me olhou desconfiada.
— Essa casa noturna pertence a Zayn El Safy, você sabe disso, não
sabe?
— Sim, e é exatamente por isso que iremos lá esta noite. Quero vê-
lo.
Minha prima se sentou na cama, me encarando com seriedade.
Continuei me olhando no espelho, enquanto passava o algodão com
demaquilante no rosto, antes de entrar no banho.
— Como sabe que ele estará lá? Zayn é dono de outras casas como
essa, espalhadas pela Europa.
— Tenho acompanhado a vida dele através das notícias pela
internet. Zayn tem alguns hábitos e um deles é frequentar a área VIP da
Oásis, nas sextas-feiras. Essa é sua casa preferida, inclusive, um dos
camarotes é exclusivo para os seus, ou melhor dizendo, suas convidadas.
Seu maldito harém particular.
— Onde você leu sobre isso? — Era compreensível o espanto de
Samira diante da minha revelação, Zayn sempre prezou pela reputação
impecável perante a mídia. Nunca deu motivos para sua família se sentir
desonrada.
— Emily me contou sobre o harém. Seus primos são frequentadores
assíduos da casa, em algumas áreas não é permitido fotografar, há,
inclusive, um guarda-volumes exclusivo para aparelhos celulares. Após a
revista feita pela equipe de segurança, quem estiver portando um aparelho
com câmera, tem que deixá-lo no guarda volumes. Imagine o que deve
acontecer lá dentro? — Minha risada saiu sem emoção. — Deve ser por
isso que é a preferida, ele pode fazer o que quiser.
— Como você se sente sobre isso?
— Sinto que se ele pode agir assim, eu deveria ter o mesmo direito.
— Ter um harém? — perguntou em tom de perplexidade.
Minha risada ecoou pelo quarto. Terminei minha limpeza de pele e
me virei para Samira.
— Quero ver com meus próprios olhos, prima. Também quero saber
se ele me reconhecerá e qual será sua reação ao me ver, depois de quase
três anos. Se ele está se divertindo enquanto acredita que eu permaneço
isolada dentro de casa, faço questão que saiba que também irei aproveitar
meus anos de solteira. A não ser que mude de ideia e desista do nosso
casamento.
— É um jogo muito perigoso, Hani. Acredito que ele não irá te
reconhecer imediatamente, mas nós sabemos que você está em
desvantagem. Zayn é livre para fazer o que quiser, enquanto você tem
poucos dias para curtir Londres sob a vigilância de uma babá de terno e
gravata.
Samira tinha razão. Eu estava muito diferente de quando tinha
quinze anos. Retirei o aparelho dos dentes, o que modificou meu rosto
consideravelmente, não tinha mais vergonha de sorrir e aumentei minha
autoconfiança. Minha pele estava livre das acnes e o tratamento estético
havia eliminado qualquer resquício de manchas. Também ganhei um
pouco de peso, o suficiente para que curvas delineassem meus traços
femininos. Um par de seios ainda pequenos, mas respeitáveis. Os
cabelos, antes compridos até a cintura, estavam mais curtos e caíam
sobre meus ombros. A maquiagem ajudava muito na aparência, pois eu
gostava de pintar meus olhos, evidenciando a cultura na qual fui criada. O
design de sobrancelha, algo que quando mais nova eu não tinha coragem
de fazer, tornou-se sagrado desde que comecei a estudar em Londres.
Sim, ainda existia um pouco da antiga Hani, mas a atual era como eu
sempre tive vontade de ser.
Por mais que tentasse me convencer de que não me importava com
o que Zayn acharia de mim quando nos reencontrássemos, havia uma
parte que temia desagradá-lo mais uma vez. A dor da rejeição foi algo que
me magoou muito no passado, me motivou a crescer pensando em como
eu precisava ser uma jovem bonita e atraente. Talvez provar a ele e a mim
mesma que não havia nada de errado comigo, que alguém poderia se
interessar por mim, se apaixonar por mim.
— Tenho que vê-lo outra vez, Samira. Se antes eu tinha medo de ser
a filha rebelde e por isso não tomei a iniciativa de ser contra o acordo
entre meu pai e Ibrahim, a cada dia que se passa eu me convenço de que,
se Zayn não desistir do casamento, terei que ser a pessoa a colocar um
ponto final em tudo.
— Está disposta a enfrentar seu pai?
— Estou disposta a ser dona do meu destino, mesmo sabendo que
não sou forte o suficiente.
“Tem alguma coisa no sorriso dela e no pacote todo
Me deixou nas nuvens e não vou voltar
Meu coração está batendo mais alto.”
JUST CAN’T GET ENOUGH – THE BLACK EYED PEAS
O homem é mais parecido
com sua época do que com seu pai.
Provérbio Árabe
Levantei-me da cama e me vesti às pressas, deixando para tomar
banho assim que chegasse em casa. A noite anterior foi agitada, mas
vencido pelo cansaço, acabei adormecendo no quarto de hotel ao lado de
uma mulher que eu sequer me lembrava do nome.
Não deixei bilhete, ela seria informada por um dos funcionários da
recepção que a conta foi paga e ainda poderia usufruir do excelente
brunch servido no restaurante.
Nas noites de quinta e sexta-feira, a casa noturna atingia o limite
máximo de pessoas permitidas em um local fechado. Com a decoração do
ambiente fazendo jus ao seu nome, Oásis era um paraíso exótico das
noites londrinas. Os melhores DJ’s residentes e atrações internacionais de
destaque, tocando para um público seleto.
Eu frequentava a Oásis, quase que religiosamente, às noites de
sexta-feira. Mas abri uma exceção e apareci por lá na quinta. No meu
camarote, apenas mulheres convidadas e escolhidas a dedo por mim ou
meu assistente, Omar. Não tinha tempo e nem disponibilidade para me
aventurar à procura de companhia para uma noite de sexo sem
compromisso. Em meu “harém”, apelido que deram ao meu camarote,
havia opções consideráveis para o que eu pretendia, e isso sempre me
bastou. Mantinha uma vida regrada, seguindo minhas próprias normas, e
tudo funcionava muito bem.
Quando minha mãe me ligou, na quinta-feira pela manhã,
instintivamente eu sabia que afetaria meu humor. Se Zahara El Safy me
ligava tão cedo, o tema da conversa era sempre o mesmo: Hani Mitchell.
— Phillip e Falak estiveram em Londres no fim de semana, e fiquei
muito triste ao saber que meus amigos não tiveram a oportunidade de vê-
lo, Zayn. — O tom de repreensão não me passou despercebido.
— Mãe, eu estava fora de Londres — justifiquei. — Passei o fim de
semana em Glasgow.
Sabia que os pais de Hani estariam por perto e justamente por esse
motivo programei uma viagem à Escócia.
Hani e sua prima estudaram por três anos em um colégio interno e
concluíram o ensino médio. Mesmo não me fazendo presente, sabia o
bastante sobre minha noiva, inclusive, fui eu quem apoiou a garota
quando ela propôs ao pai a possibilidade de estudar fora. Hani passou a
vida inteira dentro de casa, mesmo que tenhamos brigado quando nos
conhecemos, considerei que talvez aquela fosse a única oportunidade de
tentar mudar o rumo de sua vida.
Estive com raiva por muito tempo após retornar a Londres depois
daquela maldita noite. Sei que fui muito duro com ela, embora eu não me
recordasse de tudo o que lhe disse, movido pelo calor do momento. Sabia
que havia exagerado, mas jamais admitiria.
Incentivar Phillip a deixá-la frequentar uma escola na Inglaterra foi a
maneira que encontrei de aliviar minha consciência. Mas apenas isso, não
quis tornar a vê-la.
— Hani continua em Londres, com a prima. Estão hospedadas no
Mitchell Royal Palace. Quero que a leve para jantar, no sábado. Você tem
se mantido distante durante tanto tempo, e eu não interferi, Zayn. Mas a
menina acabou de se formar na escola e fará dezoito anos em alguns
dias. Faça isso por mim, rapazinho.
— Tudo bem, mãe. Farei o que me pede.
— Nunca duvidei disso, querido.
Somente duas pessoas me desestabilizavam emocionalmente: meu
pai e minha mãe. O medo de decepcioná-los era algo que me atormentava
a cada ano que passava longe do lar onde nasci e me criei. Mesmo não
querendo me aproximar de Hani novamente, sabia que não poderia
protelar o encontro. Passei o dia inteiro mergulhado no trabalho e, à noite,
já em casa, não consegui afastar as lembranças do passado que
teimavam em me assombrar, me lembrando a todo o instante de que um
prazo estava se esgotando e eu estava sendo conivente com o acordo e
nada fazia para revertê-lo.
Foi por conta dessa confusão de sentimentos que peguei a chave do
meu carro e fui para a Oásis, em busca de distração. Meu “harém” estava
repleto de lindas mulheres e, sem demora, escolhi minha companhia. Uma
noite inteira regada a sexo foi o bastante para me distrair e me fazer
esquecer momentaneamente o quanto minha vida, por mais que
parecesse o contrário, estava longe de ser perfeita.
— Omar, quero que consiga o número do celular de uma pessoa —
disse sem delongas, assim que meu assistente pessoal atende a ligação.
— Hani Mitchell, você sabe quem ela é.
— Envio por mensagem assim que obtiver a informação.
— Obrigado.
Preparava-me para finalizar a ligação quando ouvi o questionamento
de Omar.
— Virá à Oásis hoje à noite?
— Sempre vou às sextas, nada mudou.
— Claro. Até mais tarde, então.
Desde que me formei na faculdade e cada um de meus amigos
retornaram aos seus países de origem, tive dificuldades em confiar em
outras pessoas ao ponto de compartilhar minha vida pessoal. A equipe
que trabalhava comigo na administração da rede de casas noturnas era
competente, mas o âmbito profissional jamais se misturava com o pessoal.
Com exceção de Omar, que, além de meu braço direito, era um grande
amigo. Não precisava de subterfúgios para que soubesse o que eu tinha
em mente, tudo o que precisava ser dito era feito de maneira clara e
direta.

Quando cheguei à Oásis, a casa estava cheia como de costume.


Nas noites de quinta-feira e domingo, abríamos às vinte horas e
encerrávamos às duas da manhã. Sexta-feira e sábado, abríamos às vinte
e duas horas e a festa rolava até as seis do dia seguinte. Londres tinha
muitas opções de danceterias, das mais acessíveis às mais luxuosas, a
Oásis estava entre as mais caras e mais badaladas.
Entrando pela área exclusiva, na parte dos fundos da propriedade,
fui logo para o segundo andar. O bar da área VIP ficava ao centro de
todos os camarotes, como uma ilha. Aproximei-me sem pressa,
observando os jovens bebendo e dançando, mulheres estonteantes
exibindo os corpos em movimentos sensuais, fazendo o seu melhor para
conquistar a atenção dos homens. Acenei ao bartender, que já sabia o que
me servir. A dose da vodca Kauffman Luxury Vintage, com quatro pedras
de gelo, não tardou a chegar. Virei-me em direção ao meu camarote,
observando de longe as mulheres rindo e conversando, como se fossem
amigas e não competissem entre si pela minha atenção. Um sorriso de
escárnio escapou de meus lábios e o primeiro gole da bebida serviu para
me distrair antes de ir até meu “harém” escolher com quem passaria a
noite.
Senti a vibração do celular no bolso traseiro do meu jeans, a
mensagem de Omar com o contato de Hani me fez revirar os olhos em
desagrado. Teria que ligar para ela no dia seguinte e convidá-la para
jantar, mesmo contra minha vontade, apenas para agradar minha mãe. O
que me confortava era o fato de que logo Hani retornaria a Dubai e eu não
tornaria a vê-la por mais três anos, tempo suficiente para criar coragem e
desistir da ideia absurda de me casar com ela.
— Uma água com gás, por favor. — O pedido feito por um homem ao
meu lado chamou minha atenção.
— Água, tão cedo? — perguntei despretensiosamente, buscando um
pretexto para não ir até meu camarote.
— Estou em serviço — justificou o homem que devia ter mais de dois
metros de altura e músculos protuberantes, mesmo que estivesse vestindo
um terno escuro.
— Você não trabalha aqui, eu conheço todos os meus funcionários.
Ele deu de ombros.
— Estou acompanhando duas garotas que estão no camarote,
enquanto isso eu observo de longe.
— A noite vai ser longa.
— Vai, sim, mas elas são boas meninas, não creio que terei
dificuldades.
— Enquanto estiverem aqui dentro, certamente não. Essa casa
noturna é totalmente segura, vieram ao lugar certo.
Acenei um cumprimento com a cabeça e fui em direção ao meu
camarote. O burburinho em uma das cabines despertou minha atenção e,
assim, que meus olhos se fixaram nela, parei imediatamente no meio do
trajeto. A garota de cabelos negros e sorriso aberto tentava aprender
alguns passos de dança com as outras, divertindo-se a valer. Era estranho
que eu me sentisse tão hipnotizado observando a cena que não era
incomum em uma danceteria, mas por algum motivo, ali estava eu,
tentando decifrar o que havia de tão diferente nela que pudesse me afetar
da maneira que afetou.
“Você lançou um feitiço em mim,
Você me atingiu como se o céu caísse,
E decidi que você fica bem comigo,
Então, vamos para algum lugar
onde ninguém possa ver
Você e eu…”
Um remix de Glad You Came, do The Wanted, animava a noite e
serviu de trilha sonora para os minutos em que me perdi nos movimentos
daquele corpo feminino. Ela parecia tão feliz e rapidamente aprendeu a
coreografia que suas amigas ensinaram.
Subitamente, mudei de ideia e retornei ao bar, sentando-me em uma
das banquetas.
Nada de harém por hoje, ficarei aqui apreciando essa bela miragem.
“Olho nos seus olhos enquanto você atravessa o salão
Não aguento mais estou indo até aí
Ela faz de propósito, dança e rebola
Se fecharmos os olhos seremos apenas nós dois.”
LOVE IN THIS CLUB - USHER
Pensar bem é sábio,
planejar bem é mais sábio
e executar bem é o mais sábio.
Provérbio Árabe
A Oásis era esplêndida. Assim que colocamos os pés dentro da
danceteria, senti como se tivesse sido transportada para uma realidade
paralela. A decoração temática remetia a um paraíso em meio ao deserto,
as cores dourado, verde e azul eram destaques; dançarinos com
fantasias mitológicas da cultura árabe dançavam em gaiolas espalhadas
por toda a casa. Na pick-up, o DJ residente tocava os sucessos da
atualidade e as pessoas dançavam, riam e se divertiam como se o mundo
lá fora não existisse.
Levei algum tempo para me acostumar à música alta e a quantidade
de pessoas que ali estavam, nunca vivi esse momento antes e tudo era
novidade. Samira estava animada e logo me deixei levar pelo seu estado
de espírito. Estive tão ansiosa para rever Zayn que não parei para
imaginar como seria estar em um local tão badalado pela primeira vez,
curtindo como uma adolescente na companhia de seus amigos.
Christopher nos acompanhou até o segundo andar, onde ficava a
área VIP. Enquanto Samira e eu ficássemos no camarote dos primos de
Emily, ele nos observaria discretamente de um local mais reservado. A
ideia de ter uma companhia constante nos vigiando não era a mais
agradável, mas depois que meus pais consentiram minha estadia em
Londres, qualquer exigência se tornou um mero detalhe.
Emily nos apresentou Gabe e Noah, seus primos e associados da
Oásis. Os gêmeos de vinte e cinco anos eram idênticos. Bonitos e
simpáticos, nos apresentaram às suas respectivas namoradas e aos
demais convidados. Logo estávamos à vontade e até aprendi alguns
passos de dança com as garotas.
Em um determinado momento, me senti observada, olhei em volta
disfarçadamente e meu coração quase parou quando o vi, escorado ao
balcão do bar, me encarando com o semblante sério. Mesmo depois de
tanto tempo, eu ainda me sentia deslumbrada por sua beleza exótica, e
seu olhar intenso era como se me desnudasse. Se antes eu não percebia
esse tipo de olhar, talvez fosse porque ele não me olhava como fazia
naquele momento. Zayn El Safy podia não ter mudado em aparência, mas
eu sim. Tornei-me uma mulher desejável e, finalmente, ele reparou em
mim.
Uma confusão de sentimentos inundou minha mente e coração.
Raiva, orgulho ferido, mágoa, até mesmo uma forte atração. Engoli em
seco e desviei o olhar, voltando a me concentrar na música e dançando
em sincronia com a coreografia improvisada pelas garotas. Ignorá-lo até
saber como agir seria o mais sensato a se fazer, ponderei, tentando
manter a naturalidade, enquanto, por dentro, sentia o meu mundo virar de
cabeça para baixo.
— O que aconteceu? — A pergunta de Samira me transportou para
a realidade.
— Zayn está aqui, acabei de vê-lo — revelei. — Não se vire, mas ele
está no bar e não para de olhar para cá, para mim.
— Como sabe que é para você?
— Pode apostar, se fosse para você, você mesma perceberia.
— O que pretende fazer? — Afastou-se um pouco, mas continuou
dançando à minha frente.
— Não tinha parado para pensar em como seria quando o
encontrasse, acho que se alguma vez cheguei a imaginar como seria, não
estava preparada para como reagiria.
— Você está bem?
— Estou irritada, eu acho.
Sabia que ele continuava tão lindo como quando o conheci, pois
acompanhava a vida de Zayn através da internet. Em Londres, ele era um
dos solteiros mais cobiçados, e sua postura reservada o deixava ainda
mais interessante aos olhos da mídia. A maneira como ele me olhou me
deixou na dúvida se eu fui ou não reconhecida, mas, ao mesmo tempo,
um perverso sentimento de vingança inundou meus sentidos, como se
uma voz em minha mente gritasse: Seduza-o e depois o rejeite.
— Dança comigo, Hani? — Nathan, um dos convidados, se
aproximou e segurou minha mão.
— Por que não? — Arqueei a sobrancelha e sorri, me aproximando
ainda mais e envolvendo meus braços em torno do seu pescoço.
Nunca estive tão perto de um garoto antes, minha única experiência
foi com Zayn. Mas a determinação vencia a timidez, eu queria saber se
sentiria com outro o que senti há três anos, ou algo semelhante ao que
senti quando revi o homem que seria meu marido em um futuro não muito
distante.
“Podemos fazer isso de um jeito legal e devagar?
Pare a batida e vá até o chão,
Porque eu só quero curtir a noite toda sob as luzes neon
Até que você não possa me largar.
Só quero sentir o seu corpo bem ao lado do meu
A noite toda.
Baby, vá mais devagar com a música
E quando estiver chegando perto do fim, volte ao começo.”
Permiti que Nathan escorregasse suas mãos pelo meu corpo, me
embalando no ritmo de Slow Down, da Selena Gomez. Apesar de ser
muito bonito e atraente, eu não senti o que gostaria de ter sentido. A
constatação de que talvez estivesse afetada demais com a presença de
Zayn me deixou ainda mais confusa em relação aos meus sentimentos.
Instintivamente, olhei em sua direção, e lá estava ele, seus olhos negros e
misteriosos pairando sobre mim, mas seu semblante denotava algo
sombrio e o arrepio que percorreu meu corpo foi de tensão, com uma
mistura de medo e excitação. Como se fosse errado estar ali com outro
homem, dançando e tentando me divertir pela primeira vez na vida, algo
que, certamente, ele havia feito por infinitas noites.
Sem pensar direito no que estava fazendo, agindo por impulso e
certamente provocação, toquei o rosto de Nathan e sorri quando ele me
fitou com expectativa. Sabia que era errado usá-lo como uma peça do
meu jogo, mas fui egoísta o bastante para não pensar em mais nada além
do meu desejo de apunhalar Zayn El Safy, mesmo que figurativamente.
Aproximei meu rosto ainda mais, sentindo a fragrância do perfume
amadeirado de Nathan, do seu hálito quente em uma respiração
controlada. Permitindo-me desfrutar de um momento de liberdade,
deslizei minha mão para sua nuca e o puxei para mim, iniciando um beijo.
Nunca havia beijado outro homem desde minha primeira experiência
com Zayn. Quando a língua de Nathan invadiu minha boca, aprofundando
o beijo, fechei meus olhos e me deixei levar. Meu coração continuava
batendo normalmente, meu estômago não formigava, minhas pernas
continuavam firmes no chão. Uma de suas mãos pressionava minha
cintura e a outra prendia minha nuca, enroscada em meus cabelos.
Nathan tinha um gosto bom e seu beijo era delicioso, mesmo sem
experiência, soube apreciar o momento. Porém não envolveu sentimento
algum e algo dentro de mim me dizia que aquilo era errado.
Mas por quê?
Eu era uma jovem com quase dezoito anos, bonita e solteira. Por
que seria errado beijar um rapaz que se sentia atraído por mim? Quantas
garotas da minha idade faziam a mesma coisa?
Afastei-me quando senti o ar me faltar, mas continuamos dançando,
como se nada tivesse acontecido. Assim que a música terminou, me
afastei sutilmente, antes que ele sugerisse que dançássemos a música
seguinte ou tentasse me beijar outra vez. Não sabia como agir depois da
minha iniciativa.
— Tenho que ir ao toalete, com licença. — Olhei em volta, à procura
de minha prima, mas ela estava distraída conversando em um dos divãs
com outro convidado de Gabe e Noah.
Sem querer interrompê-la, avisei Emily e saí do camarote em
direção ao corredor que levava aos banheiros da área VIP. Christopher
me avistou, mas compreendeu aonde eu estava indo e permaneceu em
seu posto, discretamente escorado em um pilar. Não tive coragem de
olhar em direção ao bar.
Fitei-me no espelho que ocupava uma parede inteira do luxuoso
banheiro feminino. Eu usava um minivestido de cetim preto, frente única,
com detalhes em tiras no decote a partir da gola alta até o início do busto,
provocante e sexy, as costuras da frente exibiam detalhes em renda,
assim como na bainha curta, mas ali, o truque era a renda preta desfiada,
chamando atenção para as pernas. Minha sandália de salto completava o
visual, com tiras de couro preto, transpassadas em X, subindo até pouco
acima do joelho. Meu cabelo solto, a maquiagem leve evidenciando
apenas meus olhos. Se pudesse fazer uma comparação com a garotinha
de quinze anos, somente meus olhos poderiam me denunciar. Mas não
acreditava que Zayn pudesse se lembrar de mim tão detalhadamente.
Nathan era tão bonito e bem mais jovem que Zayn, eu deveria me
sentir atraída por ele, mas por que não me sentia? Apenas soube que
estava sendo observada e quis provocar algum tipo de reação no homem
que me devorava com os olhos, à distância.
— Não brinque com fogo, Hani — disse a mim mesma, tentando
colocar algum juízo em minha cabeça.
Saí do banheiro e fui em direção ao camarote, meu olhar buscou por
Zayn quando avistei o bar, mas não o encontrei. Não sei por que me senti
tão incomodada com sua ausência, mas sem conseguir me conter, olhei
em volta, à sua procura e, quando o vi novamente, a sensação de
despeito se apoderou de mim.
Maldito!
Estava em seu harém, o famoso camarote onde apenas as mulheres
mais lindas eram convidadas a passar a noite, para que o jovem
empresário do entretenimento pudesse escolher sua preferida para
“entretê-lo” na cama.
Já não me importava a música, os amigos ou qualquer outra coisa.
Tudo o que eu via era o homem para quem fui prometida em casamento,
sentado em uma poltrona dourada, como um poderoso sheik, cercado por
suas odaliscas. Zayn parecia entediado, não demonstrava interesse em
nenhuma das que tentavam chamar sua atenção. Mas ele era assim,
indecifrável como a esfinge e pronto para devorar.
Ele ficava lindo usando o turbante feito com lenço de cor caramelo, a
barba bem desenhada e um leve traçado em preto na linha d’água dos
olhos evidenciavam o cuidado que tinha com a própria aparência. Jeans e
coturnos pretos, camiseta branca e uma jaqueta em couro azul-petróleo
deixavam-no tão mais jovem do que era e ainda mais masculino, com um
toque de rebeldia sem causa.
Eu tinha a certeza de que o odiava depois do que ele fez comigo e
do que disse que faria quando nos casássemos. Passei três anos
planejando um reencontro, uma volta por cima onde eu o faria engolir
cada palavra arrogante antes de deixar bem claro que não tinha intenção
alguma de me tornar sua esposa. Pensei algumas vezes em fazê-lo se
apaixonar por mim, confesso, mas esse era o meu lado de menina
sonhadora tentando falar mais alto. Meu principal objetivo, no início, era
convencê-lo a desistir do casamento, me livrando do fardo de ser a filha
desobediente. Mas depois de tanto tempo e de muito analisar a situação
em que me encontrava, estava convicta de que ninguém além de mim
deveria tomar a atitude que mudaria tudo.
Se eu seria a mais prejudicada ao me casar com Zayn El Safy, por
que teria que esperar por sua desistência?
Entretanto, a contrariedade das minhas emoções me deixava
irritada. Não queria demonstrar fraqueza diante do homem que ameaçava
o meu futuro, ao mesmo tempo que o sentimento de posse era quase
incontrolável. Uma raiva movida pelo ciúme corroía meu interior, lutando
contra minha sensatez, exigindo que eu fosse até aquele maldito harém e
gritasse bem alto para que todas elas pudessem ouvir: Esse homem é
meu!
O que está acontecendo comigo?
Meu cérebro ordenava para que eu retornasse ao camarote, meu
coração interceptou a mensagem que comandava minhas pernas a se
locomoverem, me deixando inerte. Poucos minutos haviam se passado,
mas pareceu uma eternidade de agonia. Até que seu olhar encontrou o
meu e senti meu rosto se ruborizar, me envergonhando por ter sido
flagrada pelo alvo de minha total atenção. Passei a língua sobre os lábios
já ressecados, respirei pesadamente e, com uma força que não sabia de
onde vinha, dei um passo para trás. Voltei a estar no controle. Virei-me de
costas para ele e, sem saber exatamente o que estava fazendo, avistei a
escada de acesso para o terceiro andar da boate.
Foi como se minhas preces tivessem sido atendidas.
Subi cada degrau como se minha vida dependesse daquilo.
— Mas que droga! — ralhei ao chegar ao último degrau,
atravessando a pesada cortina vermelha e deparando-me com um largo
corredor todo decorado para se parecer com o interior de uma pirâmide
egípcia. Era como estar em um cenário do filme do Indiana Jones.
— Você não devia ter subido até aqui sozinha. — A voz de Zayn
ecoou no corredor, onde o som da música eletrônica do andar de baixo
quase não podia ser ouvida.
O sarcasmo em sua voz me pegou de surpresa e me virei para
encontrar seus olhos brilhando em divertimento, acompanhado de um
sorrisinho petulante.
Que ótimo! Sou uma gazela prestes a ser abatida pelo guepardo.
Não sorri, eu não faria isso. Não para ele.
— Posso resolver isso descendo até o camarote — respondi com a
voz neutra.
Arqueando as sobrancelhas, sem tirar o sorriso do rosto, Zayn deu
um passo à frente, e eu permanecia onde estava.
— Este andar é privado. Apenas clientes privilegiados podem
usufruir o que há por trás daquela porta, depois de passar pelo rigoroso
sistema de segurança — continuou, sem se importar com minha resposta.
— E, claro, eu também, pois sou o proprietário.
Quanta arrogância!
— Pois fique à vontade para usufruir seja lá o que tenha atrás
daquela porta, já estou de saída. — Tentei passar por ele, mas sua mão
segurou meu braço com firmeza, me levando de encontro ao seu tórax.
Estar tão perto dele mais uma vez, fez meu corpo se aquecer em
proporções vulcânicas. Minha pele ardia, minhas pernas fraquejavam,
meu coração acelerou e meu estômago parecia se retorcer. Aquela não
devia ser uma boa sensação, porque era desagradável demais sucumbir
tão facilmente ao toque de um homem como Zayn. Ao menos deveria ser.
Mas repulsa não era o que eu sentia.
— Uma mulher como você não deveria estar desacompanhada.
— Não estou desacompanhada. — Levantei meu rosto para fitá-lo
diretamente nos olhos, não me deixaria intimidar por ele. Nunca mais.
— Claro que não, está comigo.
Tentei me afastar, mas foi em vão. Zayn prendeu meu outro pulso
com a mão, me deixando indefesa, de frente para ele.
— Você viu com quem eu estava, não se faça de desentendido —
cuspi as palavras com raiva, sentindo meu autocontrole sucumbir aos
poucos.
— Sim, é verdade. Não tirei os olhos de você desde o primeiro
instante que te vi.
Aquela revelação me deixou sem o que dizer em seguida.
Por quanto tempo ele esteve me observando?
Por mais que tenha ido à Oásis para encontrá-lo, jamais me passou
pela cabeça que teria sucesso imediato. Mas o destino parecia brincar
comigo, me colocando frente a frente com homem que eu queria ver,
porém, muito mais perto do que realmente desejava.
Em um duelo silencioso, nos encaramos seriamente. A intensidade
de suas pupilas negras quase me hipnotizava.
— Você é tão linda…
A suavidade em sua voz soou como música aos meus ouvidos. Por
alguns segundos, quase acreditei que ele seria um perfeito cavalheiro,
mas logo as lembranças do passado retomaram com força, e eu sabia
que Zayn El Safy era dissimulado. Queria me prender em sua teia de
sedução, pois não fazia ideia de quem eu realmente era. Contudo, não
tornaria a me iludir.
— Deixe-me ir.
Sua cabeça se movimentou de um lado ao outro, negando o meu
pedido em um gesto.
— Por quê? Quer voltar para os braços daquele moleque que estava
beijando?
— Você não tem nada a ver com isso. Posso beijar quem eu quiser!
— Chama aquilo de beijo? — debochou, tentando disfarçar a fúria
que sentia. Sabia como era, pois eu tentava fazer o mesmo. — Foda-se
aquele merdinha. Isso é um beijo de verdade.
Não tive tempo de assimilar as palavras, pois logo sua boca colou
na minha em um beijo agressivo e invasor. Relutei no início, porém,
mesmo sabendo que iria me odiar quando o momento chegasse ao fim,
sucumbi ao desejo de entreabrir meus lábios e corresponder às carícias
de sua língua macia e quente, que parecia me devorar e sugar minha
alma ao mesmo tempo. Em nada se parecia com o beijo de Nathan, o
misto de sensações que se apoderou de meu corpo e as batidas
descompassadas do meu coração me fizeram comparar o incomparável.
Ele tinha razão. Aquele, sim, era um beijo de verdade, sobrecarregado de
luxúria e uma intensidade que nunca antes vivenciei.
Suas mãos continuavam a prender meus pulsos, e quando, no calor
do momento, Zayn as soltou para enlaçar minha cintura, me colando
ainda mais a ele, o choque de realidade se apoderou dos meus sentidos,
me fazendo abrir os olhos para ver os dele fechados.
O que estou fazendo? Que loucura! Eu o odeio, por que estou me
derretendo em seus braços?
Em um acesso de fúria, reuni toda a minha força de vontade e
impulsionei minhas mãos contra o seu peito, me afastando. Foi tudo muito
rápido, seu olhar pairou sobre mim e ele parecia confuso.
Eu queria chorar, porém, prometi que nunca mais o faria na frente
dele.
Apontei o dedo e riste em sua direção.
— Você não toca em mim!
“As cicatrizes do teu amor me fazem lembrar de nós
Me fazem pensar que nós tínhamos quase tudo
As cicatrizes de seu amor me deixam sem fôlego
Eu não consigo parar de sentir.”
ROLLING IN THE DEEP - ADELE
Não abra a boca se o que tens a dizer
não for mais belo que o silêncio.
Provérbio Árabe
Não era um déjà vu, estava mesmo acontecendo.
Como não percebi antes?
— Mas que porra! — ralhei, desferindo um soco contra a parede do
corredor. Não forte o bastante para uma lesão grave, mas o suficiente
para deixar dolorido.
Hani Mitchell estava na Oásis, chamou minha atenção como mulher
e eu a beijei.
A provocação implícita em seu olhar, mesmo de longe, não me
passou despercebida. Como se ela, ao mesmo tempo em que
demonstrava interesse ou curiosidade por mim, não quisesse que eu
descobrisse. Mas ela não era experiente, por mais que tentasse disfarçar,
eu captei a reciprocidade. Devorei-a com os olhos, não fiz questão de
esconder que ela era o alvo de minha total atenção.
Não foi me fazendo de bobo que conquistei as mulheres que já
passaram pela minha cama.
Ela estava diferente, não se parecia em nada com a garotinha
magricela de olhos desafiadores e uma língua tão afiada quanto o meu
temperamento difícil. Embora, tirando a aparência e seu inglês sem
sotaque árabe, a personalidade de Hani ainda fosse a mesma ou talvez
até pior.
Em questão de segundos, não me restavam dúvidas de que se
tratava da mesma pessoa.
Escorei-me na parede, buscando em minhas vagas lembranças a
imagem da menina que conheci aos quinze anos. Fiz de tudo para apagar
sua imagem dos meus pensamentos depois de nosso último encontro, em
Dubai. Muitas mulheres surgiram para que eu não me ocupasse
remoendo aquela noite, onde fui um cafajeste. Contudo, bastou que eu
desbloqueasse a parte que ocultei de minha memória para que o rosto da
garota surgisse como uma miragem à minha frente, ao lado da mulher
que eu pensava ter acabado de conhecer. Os cabelos estavam mais
curtos, seu quadril mais largo, curvilíneo, seios perfeitos ao meu gosto,
até mesmo os traços de sua face haviam mudado, mas ela já não usava o
aparelho nos dentes, o que justificava a mudança. Estava mais alta, mais
segura de si. Mas seus olhos eram os mesmos e me transmitiram toda a
raiva que ela sentia.
Hani Mitchell me odiava.
Mesmo que houvesse uma óbvia atração, ela certamente lutava
contra seu desejo.
De repente, tudo pareceu tão nítido. A intensidade do seu olhar
insistindo em manter o contato. A seriedade, a provocação, o beijo
naquele rapaz. Foi deliberado, supostamente premeditado, mas, com
certeza, intencional. Hani sabia quem eu era e fez questão de me mostrar
a mulher que havia se tornado.
— Quem você pensa que é? Sua pirralha mimada! — ralhei em voz
alta, descendo as escadas apressadamente.
A música alta atordoou meus sentidos assim que retornei ao
segundo andar. Fui em direção ao camarote onde a tinha visto no início
da noite, foi fácil localizá-la entre as outras, porque era como se eu
tivesse um sensor que me guiasse até ela.
Hani se despedia de uma garota e, em seguida, saiu acompanhada
de uma jovem que logo reconheci se tratar de Samira, sua prima e melhor
amiga. Mesmo com os cabelos mais claros pela descoloração estética, a
garota ainda se parecia com quem conheci há três anos. Se eu tivesse
visto Samira antes de Hani, teria imediatamente deduzido que minha
noiva por conveniência estava ali naquela noite.
Ela sabia de mim, mas eu estava completamente alheio à sua
presença.
Possesso ao me dar conta de como fui ludibriado, retomei meus
passos em sua direção. Antes que ela me enxergasse, o rapaz com quem
ela esteve dançando a tocou nos ombros, fazendo-a se virar para ele.
Pressentindo o que estava por vir, tentei ser mais rápido, mas não o
bastante para impedir que ele a beijasse.
Já chega dessa palhaçada!
Cego pela raiva, por estar sendo feito de idiota em meu próprio
território, empurrei o rapaz para trás com força, afastando-o de Hani.
— Não toque nela — vociferei. — Ela é minha!
O filhinho de papai me encarou, irritado, e os outros caras que
estavam no camarote de onde ele havia saído se aproximaram com
cautela.
— Sai fora, cara. Ela está comigo — esclareceu ele.
Virei-me para Hani, amparada por Samira.
— Ela é minha noiva — falei em alto e bom tom, para que minha voz
se sobressaísse à música.
— O que está acontecendo? — Um homem grandalhão se
aproximou e logo o reconheci. Havia trocado algumas palavras com ele
mais cedo, no bar. Estava em serviço e logo deduzi que o seu serviço era
Hani.
Os seguranças da Oásis não tardaram em aparecer, tão logo a
aglomeração de pessoas chamou a atenção. Minha casa noturna tinha
uma excelente reputação, nunca houve brigas e eu não seria o primeiro a
quebrar meu recorde cuidadosamente imaculado.
Sinalizei para os meus homens manterem uma distância segura, até
que eu pedisse para avançarem. Não seria necessário, resolveria aquele
circo em minutos.
— Sua noiva? É sério? — O rapaz estava incrédulo, mas
permaneceu onde estava.
— Foi o que eu disse. Agora, se ainda quer aproveitar a noite em
minha danceteria, sugiro que volte para o camarote com seus amigos e
me deixe resolver com minha noiva o seu deslize moral.
Hani resmungou alguma coisa, mas Samira a conteve. O segurança
das garotas estava atento a todos nós, perto o suficiente para protegê-las
ou atacar quem as importunasse.
— Foi mal aí, eu não sabia.
Sentindo-se constrangido, o rapaz se virou para os amigos e todos
retornaram ao camarote, ignorando Hani e Samira.
— Seu imbecil! — gritou ela, sem se preocupar com as pessoas à
nossa volta.
— Calada! — Fiz um sinal com o dedo indicador, cobrindo minha
boca em um gesto de silêncio.
— Vamos embora, Srta. Mitchell — intercedeu o segurança.
— Ela fica — falei diretamente ao homem, me virando em seguida
para Hani. — Veio aqui para me ver, não foi? Pois conseguiu. Então pare
de agir como uma menina mimada e finja que é adulta, por quinze
minutos. Vamos conversar no meu escritório.
— Eu não quero falar com você.
— Então vai ouvir, porque eu quero falar com você.
— Senhor, acho melhor…
— Sou noivo dela — interrompi o homem. — Se quiser a
confirmação, ligue para o Phillip. Mas Hani só irá sair daqui quando eu
permitir.

— O que tinha em mente quando planejou vir até aqui essa noite?
Retornei ao terceiro andar, segurando Hani pelo braço. Após alguns
minutos de conversa com sua prima, ela finalmente aceitou conversar
comigo. Não que tivesse opção, pois estava falando muito sério quando
disse que ela só iria embora quando eu permitisse.
Meu escritório ficava à última porta do corredor. Entramos e só após
trancar a porta e retirar a chave, colocando-a no bolso traseiro de minha
calça, liberei Hani.
— Me divertir. Sou jovem, solteira, estou de férias em Londres. Essa
é a casa noturna mais badalada, eu quis conhecer. — Deu de ombros.
— Poderia ter ido ao Cirque Le Soir.
— Não gosto de circo, prefiro o deserto.
Respirei fundo, controlando meu humor. Ela estava claramente me
desafiando, mas eu não cederia. Fui até minha mesa e me escorei contra
ela, cruzando os braços.
— Tudo bem, chega de enrolação. — Fui categórico. — O que faz
em Londres? Já não terminou os estudos?
Hani estava escorada na porta de saída, imitando o meu gesto de
cruzar os braços.
— Como disse, estou de férias. Meus pais me presentearam com
alguns dias de liberdade, antes do meu retorno a Dubai. Voltarei para
casa antes do meu aniversário.
Praticamente um milagre que ela tenha me revelado a verdade sem
fazer jogo duro. Outro milagre era Phillip deixar sua filha e sobrinha
sozinhas em Londres.
— Há quanto tempo está solta pela cidade?
— Cinco dias.
— Quando é seu aniversário?
— Tá de brincadeira? — A indignação em seu tom de voz me fez
perceber a gafe que havia acabado de cometer.
Como é que eu saberia o dia do aniversário dela? Não era algo
importante a ponto de me lembrar por conta própria.
Porra!
— Deixa pra lá. — Eu não ia me desculpar. — Não vamos nos
dispersar do assunto principal, Hani. Quero saber a verdade.
Considerando a última vez em que estivemos juntos, eu não diria que
você veio me visitar para matarmos a saudade um do outro.
Ela sorriu abertamente, algo que antes não fazia por ter vergonha do
aparelho nos dentes. Hani se tornou uma mulher muito bonita, mesmo
jovem e imatura demais para se dar conta disso.
— Na última vez em que estivemos juntos, você deixou muito claro
quais eram as suas intenções comigo. — Seu tom severo me deixou em
alerta. — Passar os anos que lhe restavam antes de se casar,
aproveitando a vida na companhia de outras mulheres enquanto eu
permaneceria isolada na casa de meus pais. Depois disso, continuaria a
levar sua vida, me mantendo em Dubai enquanto viajasse pelo mundo.
Sorri com sarcasmo.
Eu não me recordava de ter falado aquelas sandices, embora não
tivesse dúvidas de que ela dizia a verdade. Estava alterado pelo efeito do
álcool, sabia que tinha cometido um erro ao quase transar com uma
mulher em um depósito de bebidas e tinha certeza de que consegui
desmanchar a imagem do príncipe encantado que Hani pintou ao me
conhecer. Mas não tinha plena consciência de que fui ainda mais
cafajeste do que pensei ter sido. Sabendo o quanto ela desejava ser livre,
insinuar que a manteria isolada era sádico demais, até mesmo para mim.
Talvez eu devesse esclarecer a ela que não pretendia fazer nada
daquilo, embora a ideia de me casar realmente estava sendo
considerada. Os anos se passaram e nenhuma mulher me despertou o
desejo de constituir família. Se eu tivesse que me unir a alguém para
elevar minha credibilidade com meus pais e também no mundo dos
negócios, que fosse com Hani. A filha de Phillip Mitchell se encaixava nos
padrões sociais e minha mãe tinha verdadeira adoração pela garota. Mas
depois do que ela aprontou, beijando outro enquanto sabia que eu era o
principal espectador, perdurar a mentira até que ela desempinasse o nariz
arrogante, era minha nova estratégia.
Hani era como uma égua selvagem: arisca e rebelde. Mas eu estava
mais do que disposto a domá-la.
— Isso significa que ainda tenho três anos para continuar
aproveitando — falei, dirigindo-lhe um sorriso desafiador.
Para minha surpresa e desagrado, Hani retribuiu o sorriso e me fitou
com malícia.
— Certamente saberá como fazê-lo — proferiu com indiferença. —
Mas não se apresse, não iremos nos casar. Você pode ir com calma para
não enfartar antes dos quarenta.
— Você sabe que reconsiderei o acordo, não mudei de ideia sobre
nos casarmos. Acha que estou blefando?
— Não, acho que fala muito sério. Pelo visto, ainda é o covarde que
tem medo de desapontar os pais. Mas reconsiderei meu receio de ser a
filha desobediente, quem não quer esse casamento e quem irá desfazer
essa porcaria de acordo, sou eu.
— Como é? — Afastei-me bruscamente da mesa, indo até ela. Hani
não tinha para onde fugir, estava contra a porta e a chave estava sob
minha custódia.
Mas ela não parecia preocupada, manteve-se impassível e me fitava
com uma altivez inabalável.
— Você se divertiu esses anos todos e, mesmo assim, não criou
coragem para expor a sua vontade aos seus pais. Eu precisei de cinco
dias de liberdade para saber o que quero para minha vida, e não é você.
Não quero me casar com um homem por quem não sou apaixonada, um
homem arrogante e machista, que pensa que é dono do mundo e que
todos devem acatar seus comandos. Não vou ser a sombra de alguém
que não me permite caminhar em direção ao horizonte ensolarado. Prefiro
viver o resto da minha vida na casa dos meus pais.
— Hani…
— Acha que só você pode aproveitar a vida do jeito que quer? —
Deu um passo à frente, me enfrentando. — São quinze dias, Zayn El Safy.
Cada um equivalente a um ano. Restam-me mais dez, e pode apostar,
serão muito bem aproveitados. Precisarei de lembranças inesquecíveis
para quando retornar à minha casa, dizer ao meu pai que não vou me
casar com você e estou pronta para viver isolada, se for preciso. Mas
nunca serei sua.
Pela primeira vez em meus trinta e três anos, não sabia o que dizer
para uma mulher.
— Me dê a chave, quero ir embora.
Sem argumentos, tudo o que consegui fazer foi pegar a chave no
bolso de minha calça e estender em sua direção. Observar Hani Mitchell
virar-me as costas e sair pela porta do meu escritório sem olhar para trás
deixou um rombo enorme em meu peito.
“Sim, iremos contra estas probabilidades invencíveis
É assim, você não pode colocar um preço na vida
Fazemos por amor
Então lutamos e nos sacrificamos todas as noites
Portanto, não vamos tropeçar e cair nunca
Esperando para ver um sinal de derrota.”
PRICE TAG – JESSIE J
Só sacia sua sede
quem bebe pela própria mão.
Provérbio Árabe
— É sábado. Vai ficar na cama o dia todo?
Era a terceira vez que Samira entrava em meu quarto tentando me
fazer levantar. Minha desculpa era o sono, por não estar habituada a sair
à noite. Mas ela sabia que a mudança em meu estado de espírito se devia
ao encontro com Zayn.
Depois que saí do seu escritório, retornei ao bar da área VIP, onde
Samira e Christopher estavam me aguardando. Pedi para que fôssemos
embora e nada disse durante o trajeto até o hotel. Minha prima e melhor
amiga sabia quando não devia insistir para que eu me abrisse.
— Estamos de férias, Samira. Posso dormir até mais tarde, não
posso?
Cobri meu rosto com o travesseiro, ignorando a garota. Não tardou
para que ela se jogasse em minha cama, fazendo um estardalhaço.
Teimosa como só eu conseguia ser, fingi que estava dormindo e não me
importei com sua provocação infantil.
— Sabe que cedo ou tarde terá que se levantar e encarar a
realidade — disse, aconchegando-se ao meu lado. — Você queria tanto
reencontrá-lo, Hani. O que pretende, agora?
Bufei, sentindo minha paciência se esvair. Arremessei meu
travesseiro para longe e me sentei no colchão.
— Pronto, acordei. Está satisfeita?
— Ainda não, você não respondeu minha pergunta.
Tornei a me deitar, apoiando a cabeça em minhas mãos, fitando o
teto.
— Não quero me casar, Samira. Nem irei. Depois de ontem, sei que
não posso contar com o apoio de Zayn. Ele quer uma esposa para
agradar seus pais e eu sou a melhor opção. Casar-se comigo não o
impedirá de continuar com sua vida, a única pessoa que sairá
prejudicada, neste acordo, serei eu.
— Vai conversar com o tio Phillip?
— Sim. Finalmente tomei coragem, prima. É da minha vida que
estamos falando, e da sua também. Sei que gostaria de cursar faculdade.
Foi aceita em Cambridge, não foi?
— Como sabe? — Ela estava realmente surpresa.
— Li a carta — revelei sem culpa. — Você não pode ser afetada
pelas decisões que o meu pai tomou em relação ao meu futuro. Se nem
eu aceito o que ele quer para mim, por que você tem que assentir calada?
A tristeza nos olhos de minha prima partiu o meu coração. Ela se
levantou abruptamente, ficando de costas para mim.
— Sou apenas uma sobrinha órfã, Hani. Tudo o que tenho vem da
caridade dos seus pais. Como eu pagaria minha faculdade? Mesmo que
conseguisse uma bolsa, me manter em Londres seria impossível.
— Que porra você está dizendo? — Levantei-me, indo ao seu
encontro e tocando seu ombro para fazê-la se virar para mim.
Samira não retribuiu meu olhar, permaneceu de cabeça baixa, seu
semblante apático.
— Nunca diga uma besteira dessas na frente dos meus pais, você
entendeu? — perguntei com rispidez. — Eles a amam como filha e,
apesar de eu te chamar de prima, você é minha irmã. Alguma vez na sua
vida te fizemos se sentir órfã?
— Não, mas…
— Jamais repita isso, Samira. Estou falando muito sério. — Puxei-a
para um abraço. — Você perguntou o que eu pretendo, pois bem,
pretendo antecipar nosso retorno a Dubai. Falarei com meu pai sobre o
rompimento do noivado com Zayn. Essa história já foi longe demais, ele
não pode e nem irá me obrigar. Também conversarei a respeito dos seus
estudos, se minha punição por ir contra a vontade dele de me casar com
o seu escolhido para a sucessão dos negócios da família é não poder
realizar meu sonho de estudar moda, você não faz parte disso.
— Desculpe-me — murmurou chorosa. — Você é que tem
problemas e eu fico me lamentando à toa…
— Não se desculpe, prima. Preciso de você mais do que nunca,
uma de nós precisa ser a forte.
— Você sempre foi a forte, Hani.
— Nada disso, sempre fui a que escondeu melhor as fraquezas,
só isso.

Samira e eu passamos o dia todo em nosso quarto, assistindo a


vídeo clipes e ensaiando a coreografia das musas do pop. Gostávamos
muito de dançar e aprendíamos bastante através de tutoriais. Christopher
apareceu para nos checar e se surpreendeu por nossa opção de
permanecer no hotel em pleno sábado. O serviço de quarto trouxe as
refeições que pedimos e nossa festa do pijama durou a tarde inteira.
Exaustas, depois de tanto comer e dançar, decidimos encerrar a bagunça
e tirar um cochilo.
Acordei com o toque do meu celular, embaixo do travesseiro.
Preguiçosamente, peguei o aparelho e me sentei na cama, atendendo a
chamada de um número desconhecido.
— Alô? — Minha voz rouca denunciava que eu havia acabado de
acordar.
— Esteja pronta às oito, meu motorista irá buscá-la no hotel. Você
jantará comigo esta noite.
Ao ouvir a voz de Zayn do outro lado da linha, meus sentidos se
aguçaram imediatamente, me despertando de vez.
— Não irei a lugar algum — retruquei com indiferença.
Quem ele pensava que era?
— Não seja teimosa, Hani.
A calma com que ele falava me irritava ainda mais.
— Não é teimosia, Zayn. Trata-se da constatação de um fato. Não
quero te ver.
O silêncio pairou por alguns segundos antes de ele dizer, em tom
suave:
— Preciso conversar com você.
— Estamos conversando agora.
— Pessoalmente. — A suavidade foi substituída pela impaciência.
Mesmo não querendo vê-lo, a curiosidade para saber o que Zayn
queria conversar comigo falou mais alto. De todo o modo, jamais
facilitaria. O homem era arrogante e eu não me curvaria para acatar seus
desejos.
— Se quer tanto falar comigo, esteja pronto às oito. Jantarei no
restaurante do hotel, com minha prima e Christopher. Você pode se juntar
a nós.
— Às oito, meu motorista estará te esperando na recepção do hotel.
Não se atrase, Hani.
Controlei a súbita vontade de atirar o celular contra a parede. Engoli
minha raiva e fechei os olhos com força. Não podia perder a compostura.
Depois da noite passada, pensei que não o veria novamente. Zayn nunca
quis se casar comigo, mas não queria desacatar seus pais. Fez o possível
para me convencer a desistir e, quando eu finalmente havia me decidido,
tudo o que ele precisava fazer era desaparecer da minha vida, não
marcar um jantar para conversar.
O que esse cavalo selvagem quer comigo?
— Diga ao seu motorista para esperar sentado, porque não estarei
pronta às oito. Aliás, não estarei pronta nunca para você. Adeus, Zayn.
Desliguei o celular para não correr o risco de atender uma nova
ligação dele. Embora acreditasse que Zayn El Safy não tornaria a insistir.
Ele era orgulhoso demais para isso. Não queria vê-lo, não precisava.
Cada vez que seus olhos se fixavam em mim, meu corpo reagia de uma
forma que me fazia perder a compostura. Era inegável a atração que ele
despertava em mim, mas esse tipo de emoção, movida pela necessidade
do corpo, não iria me dominar. Permitir-me sentir paixão por aquele
homem poderia ser muito perigoso.
Fui informada pela recepção de que o motorista de Zayn El Safy me
aguardava no hall do hotel, quando o relógio marcava exatas oito horas
da noite. Agradeci o comunicado e não senti remorso algum por deixar o
homem à minha espera, em vão. Samira e Christoper desceram para o
restaurante, às nove. Temendo que um certo árabe arrogante pudesse
dar o ar de sua graça, usei a velha desculpa de estar sem fome e
querendo dormir cedo, para não os acompanhar. Era deprimente ter que
ficar em um quarto de hotel em pleno sábado à noite, quando me
restavam poucos dias de férias, mas os recentes acontecimentos
esgotaram o meu emocional. Nada me seria atraente até que eu digerisse
tudo o que acontecera na noite anterior.
Resolvi tomar outro banho para relaxar, antes de me esticar no
gigantesco sofá da sala de TV. Perdida em pensamentos, deitada na
banheira cheia de sais de banho, a lembrança de um beijo surgiu. Quase
senti o seu gosto em minha boca enquanto revivia a cena. Por mais que
odiasse admitir, Zayn me fez sentir viva. Se quando fui beijada por ele da
primeira vez havia me deslumbrado, a segunda vez foi ainda mais
perigosa. Ciente da minha sexualidade, meu desejo à flor da pele imperou
sobre a razão.
Queria me sentir assim novamente, mas com outro homem. Alguém
que se interessasse por mim de verdade, que se apaixonasse e não se
sentisse obrigado a estar em um relacionamento por causa de uma
obrigação.
Ao sair da banheira, me enxuguei e vesti um robe de seda vermelho,
calcei um chinelo de dedo e enrolei meus cabelos em uma toalha.
Pensava no que iria pedir para o jantar, quando, ao chegar ao quarto, me
deparei com um homem sentado em minha cama, me encarando com seu
par de olhos negros, prendendo o lábio inferior com os dentes. Não podia
acreditar que era mesmo real. Eu devia estar alucinando, pois Zayn El
Safy jamais entraria no meu quarto enquanto eu estivesse tomando
banho.
Parei abruptamente, minha boca se entreabriu, demonstrando
surpresa em vê-lo ali.
Mas como…
— Samira — ele disse, lendo meus pensamentos. — Não a culpe,
sou muito persuasivo.
E eu sou filha da Lady Di.
— Já passou das oito, você não é nada pontual. — Foi tudo o que
consegui dizer.
O som da sua risada reverberou pelo quarto e me peguei admirando
seu sorriso espontâneo. Zayn se levantou da cama e caminhou
lentamente em minha direção.
Ainda sem reação, permaneci inerte observando cada traço do seu
lindo rosto.
— Você está testando os meus limites, Hani Mitchell. — A
rouquidão em sua voz exalou sensualidade. — Nenhuma mulher me
desafiou tanto quanto você o faz. Mas não pense que é um elogio, a sua
teimosia somada à rebeldia, me tira do sério e eu não gosto de perder o
controle das minhas emoções. Agir por impulso não é uma característica
da minha personalidade.
— Quer dizer que você pensou duas vezes antes de vir até aqui?
— Quer dizer que eu falhei em um dos testes. Vir até aqui foi agir por
impulso.
Ele estava perto demais.
— Então volte à razão e me espere na sala, vou me vestir e te
encontro lá para conversarmos. — Passei por ele, fingindo uma
segurança que estava longe de sentir. Andei até meu closet e respirei
fundo, acreditando que, ao estar ali dentro, me encontrava em uma zona
de conforto.
Concentrei-me em procurar uma roupa entre os cabides.
— Não recebo ordens, menina.
Pulei de susto ao ouvir sua voz atrás de mim, pois não percebei sua
aproximação. Voltei minha atenção aos cabides pendurados em uma
arara móvel.
— Quem está sendo o teimoso, agora? — perguntei irritada. — Não
somos íntimos, Zayn. Este é o meu quarto e eu quero trocar de roupa,
poderia, por favor, me aguardar na sala?
— Está bem, um de nós tem que ceder, de vez em quando.
— Isso é sério? — questionei ao entrar na sala e encontrar Zayn
sentado à mesa.
Minha suíte tinha um hall de entrada e uma aconchegante e
espaçosa sala de TV, havia também uma mesa próxima a um janelão de
vidro, que dava acesso à sacada. Era ali onde Samira e eu
costumávamos fazer o desjejum, pois não tínhamos o hábito de descer
para o restaurante, preferíamos o serviço de quarto. A mesa estava
decorada com um delicado vaso de cristal, onde um botão de rosa
vermelha imperava sua beleza. Ainda não atingira o ápice de sua mais
bela forma, mas era igualmente esplendorosa. Uma vela acesa deixava o
clima romântico, o que me deixou em alerta, pois não havia motivo algum
para romantismo, tratando-se de quem ali estava.
— Você trouxe pizza para o jantar? — Pestanejei, salivando com o
aroma delicioso de queijo derretido, ao me aproximar da mesa e ver que
Zayn cortava as fatias em tamanhos generosos.
— É o que parece. Venha, sente-se.
Aquele homem não conhecia a palavra “por favor”. Para Zayn tudo
era uma exigência, não um pedido.
— Por que está aqui? — insisti, ainda de pé.
Ele não fazia contato visual, continuava concentrado em cortar a
pizza e tudo o que eu conseguia fazer era observar seus gestos. Mesmo
ali, sentindo-se tão à vontade, Zayn El Safy exalava poder e
autoconfiança.
— Quem está sendo teimosa, agora? — Fitou-me, deixando escapar
um sorrisinho no canto dos lábios. — Acho que é a sua vez de ceder,
Hani. Por favor, sente-se e jante comigo.
Somente porque ele havia pedido com gentileza, cedi. Sentei-me à
sua frente e não contive um sorriso ao vê-lo me servir um pedaço de
pizza.
— Obrigada. Foi você quem escolheu os sabores? Pepperoni e
quatro queijos são meus preferidos.
— Samira.
— Minha prima está se mostrando uma grande fofoqueira —
resmunguei a contragosto.
— Ela é uma boa moça e, como eu disse antes, sou muito
persuasivo.
— Devia persuadi-la a se casar com você, assim poderia me deixar
em paz de uma vez por todas.
— Fique quieta e coma, ou te calarei com um beijo. O que você
prefere? — perguntou com rispidez.
Sorri, contendo o impulso de dizer que duvidava, mas não estava
preparada para “pagar pra ver”.
“E é por isso que eu sorrio
Já faz um tempo
Que todos os dias e tudo parecem tão certos
E agora você dá a volta por cima
E, de repente você é tudo que eu preciso,
A razão por que eu sorrio.”
SMILE – AVRIL LAVIGNE
O incenso só exala seu perfume se queimado.
Provérbio Árabe
Há muito tempo minha vida se manteve em uma rotina que
estabeleci e não fazia questão alguma de mudar. Acordar cedo,
frequentar uma academia, ir para o escritório da Oásis e trabalhar até que
o último funcionário fosse embora. Algumas viagens de negócios,
verificando as casas noturnas que possuía pela Europa, reuniões com a
equipe que me auxiliava na administração das boates e minha sagrada
noite de sexta-feira, no “harém”, onde conseguia companhia para
desfrutar de uma boa noite de sexo. Voltar para casa sozinho, tomar um
banho e dormir até que o despertador me acordasse para iniciar tudo de
novo. Mais do mesmo, todos os dias, por muitos anos.
Raramente me desviava do padrão ao qual eu estava acostumado.
Com exceção de minha família, pois visitar meus pais era algo que tornei
a fazer com mais frequência nos últimos três anos. Por ser filho único,
sabia que a preocupação comigo era redobrada. Minha mãe não tinha
mais ninguém para quem voltar sua afeição materna e, meu pai,
expectativas sobre o meu futuro como seu sucessor nos negócios.
Infelizmente, pais não são eternos e eu sabia da importância que era a
presença das pessoas mais especiais de minha vida, enquanto eles ainda
estavam por perto. E foi por me aproximar mais de Ibrahim e Zahara El
Safy que minhas barreiras quanto ao casamento foram se esvaindo aos
poucos.
Embora detestasse a ideia de ter que me casar com Hani, sabia que
mais cedo ou mais tarde eu teria que encontrar uma mulher para seguir
ao meu lado. Ter filhos, proporcionar aos meus pais a alegria de serem
avós. Ver minha mãe aliviada por saber que não estaria mais sozinho e
dar a segurança ao meu pai de que o legado de nossa família prosperaria
com meus descendentes. Mas não ser o dono dessa escolha me fazia
sentir limitado. Aceitar me casar com alguém que não escolhi era o que
mais me incomodava.
Hani era jovem demais, eu tinha o dobro de sua idade e ambos
éramos donos de personalidades muito fortes. Em nosso primeiro
encontro, antes do seu aniversário, a menina que conheci me causou boa
impressão. Ela tinha opinião própria, sonhos e ambições consistentes
para quem acabara de ingressar na fase da adolescência. Poderíamos ter
nos tornado bons amigos, mas um erro de minha parte causou uma
reação em cadeia, nos distanciando de qualquer chance de conviver
harmoniosamente.
Tudo o que desejava, quando a tratei daquela maneira, era incitá-la
a desistir do casamento. Por puro egoísmo, brinquei com os sentimentos
de uma garota, manipulando-a para que fizesse o que eu não tive
coragem. E se ela não desfez o noivado naquela época, não foi pelo
mesmo motivo que eu. Hani não tinha medo de enfrentar seus pais,
mesmo que argumentasse não querer assumir o papel de filha rebelde.
Do que ela realmente tinha medo, era de passar o resto de sua vida
enclausurada em Palm Jumeirah, debaixo da saia da mãe e da
superproteção de seu pai. Um casamento por conveniência era sua
esperança de ter uma oportunidade diferente na vida. O que a tornava
uma menina corajosa e me fazia sentir ainda mais covarde.
A palavra de meu pai, sobre me apoiar caso eu encontrasse uma
mulher por quem viesse a me apaixonar, permanecia. Mas os dias se
passaram e nunca dei espaço para que alguma delas se aproximasse
além do que me era conveniente.
Ao reencontrar Hani, uma chama se acendeu dentro de mim. Não
fazia ideia de que estava diante da mesma pessoa que um dia fiz questão
de despedaçar os sonhos românticos, mas a forte atração que me fez ir
atrás dela na Oásis e beijá-la sem o seu consentimento era algo novo e
não podia ser ignorado. Ela estava diferente da garotinha que conheci,
fiquei satisfeito pela primeira vez com a possibilidade de ser seu marido.
Minha noiva já não era uma criança e chamou minha atenção. Se a
mulher com quem deveria me casar em alguns anos, finalmente havia me
despertado o desejo, eu tinha que explorar essa oportunidade. Hani era
linda, atraente, e meu corpo clamava pelo seu. Para unir o útil ao
agradável, ela era a mulher ideal aos olhos dos meus pais, e eu, o
homem que Phillip Mitchell desejava como genro. Bastasse que nos
entendêssemos de uma vez por todas e tudo estaria no mais perfeito
equilíbrio. Nossos pais estariam satisfeitos com essa união, eu daria
continuidade ao clã El Safy e Hani continuaria a ter sua vida de princesa
árabe, mas com a liberdade de realizar seus projetos pessoais. Eu daria
isso a ela, se ela escolhesse se entregar a mim por inteiro.
Todos sairiam ganhando.
Entretanto, depois do que me disse, convicta de não querer se casar
e disposta a enfrentar seu pai, encontrei-me em uma encruzilhada. Hani
havia tomado a coragem que me faltou e desistiria do casamento. Eu
finalmente estaria livre da responsabilidade da qual fui incumbido desde
muito cedo. Poderia ter a autonomia para escolher a mulher que eu
desejasse para desposar. Mas, por ironia do destino, ela havia se tornado
essa mulher.
Hani não fazia ideia do quanto me afetou. Eu não a deixaria escapar.
Contudo, me equivoquei quando a comparei com uma égua
selvagem, arisca e rebelde. Hani era uma mulher magoada, e mulheres
magoadas não precisavam ser domadas, mas conquistadas. O que
tornava tudo ainda mais complicado.
“Eu não posso vencer, eu não posso reinar
Eu nunca ganharei este jogo sem você
Sem você
Estou perdido, eu estou inútil
Eu nunca serei o mesmo sem você
Sem você.”
WITHOUT YOU - DAVI GUETTA FT. USHER
Ele joga a pedra e depois diz:
' Foi destino'…
Provérbio Árabe
— Obrigada pela pizza, mas você já pode falar por que veio.
Jantamos em silêncio, na verdade, Zayn me ignorou
deliberadamente, aumentando ainda mais a minha raiva.
Para que jantar comigo se age como se eu não estivesse aqui?
Como ele não disse nada, me levantei e lhe dei as costas, indo até o
sofá e pegando o controle da televisão. Ligando-a, comecei a zapear os
canais. Não demorou para que eu sentisse o sofá afundar com o peso
dele, sentando-se ao meu lado. Encolhi minhas pernas, abraçando-as e
apoiando meu queixo sobre os joelhos, enquanto me concentrava na
reprise da cerimônia do BRIT Awards, na O2 Arena, um grande complexo
do entretenimento na Península de Greenwich, ao sudoeste de Londres.
O silêncio entre nós continuava e a voz de Adele em uma linda
interpretação ao vivo de Someone Like You tornou-se o foco de minha
atenção. A letra, carregada de emoção, penetrou em minha alma e
parecia descrever boa parte do que eu senti desde que reencontrei Zayn,
na Oásis.
“… Eu odeio aparecer do nada sem ser convidada
Mas eu não pude ficar longe, não consegui evitar
Eu esperava que você visse meu rosto
E que você se lembrasse
De que pra mim não acabou…”
Eu vou matar a Samira!
Eu vou matar o Christopher também!
"… Às vezes o amor dura, mas, às vezes, fere…"
Com raiva da artista britânica por cantar algo tão carregado de
intensidade, desliguei a televisão. Continuei com os braços em torno de
minhas pernas, o olhar focado na tela de sessenta e duas polegadas, sem
nenhuma imagem.
— Eu menti — disse Zayn, com brandura em sua voz, um caçador
querendo amansar um animal selvagem antes de finalmente capturá-lo. —
Nunca tive a intenção de cumprir o que disse sobre te manter em Dubai
depois que nos casássemos. Para ser sincero, nem me lembrava de ter
dito essas coisas pra você. Sei que falei muita merda, queria te intimidar e
fazê-la desistir de tudo, já que eu não tinha coragem suficiente. Mas não
sou o tipo de homem que mantém uma mulher enclausurada, vivendo
apenas para me servir.
— Eu só tinha quinze anos… — murmurei, tentando assimilar suas
palavras.
Passei praticamente três anos remoendo em minha mente e coração
o medo de me tornar sua esposa, por conta do que me dissera. Saber que
ele havia mentido podia ser um enorme peso sendo tirado de minhas
costas, mas também me inundou de raiva. Minha vida nos últimos anos
poderia ter sido diferente se Zayn El Safy não tivesse feito o que fez.
— Pensei que você imploraria ao seu pai para romper o noivado,
Hani. Passei dos limites, agi de cabeça quente, reconheço que fui infeliz
em minha falha estratégia para…
— Infeliz? — interrompi, virando-me para fitá-lo, irritada. — Você foi
um cretino!
— Eu sei, me desculpe.
Soltei uma risada amarga, sem qualquer traço de humor.
— Vá se foder com as suas desculpas! — Levantei-me, a adrenalina
me deixando agitada demais para permanecer inerte em um sofá.
Não tinha o hábito de falar palavrão. Meus pais surtariam se
soubessem que meu vocabulário chulo tinha expandido depois que me
mudei para o ocidente.
— Não faz ideia do que essa mentira idiota fez comigo — confessei,
cansada demais de bancar a durona. Fitei seus olhos com firmeza. Aquele
homem jamais voltaria a me intimidar. Eu não tinha mais medo, pelo
contrário, estava cada vez mais disposta a lutar pela minha liberdade de
escolha. — Pode ficar tranquilo, Zayn, não terá que mentir uma segunda
vez. Assim que eu voltar pra casa, meu pai será comunicado sobre o fim
desse acordo.
— Não acho que seria prudente você desfazer nosso noivado.
Arqueei as sobrancelhas.
— Como chegou a essa conclusão?
— Você pode se desarmar para que possamos conversar com
maturidade? — perguntou, sem alterar o tom de voz.
Aquilo estava estranho demais. Zayn El Safy havia se desculpado e
estava controlando a arrogância. Mas o que me intrigava era o porquê
daquela postura pacificadora. Tão diplomático, como se tivesse pretensão
de negociar alguma coisa. Ele podia ser astuto, mas estava se tornando
previsível. Eu não fazia ideia do que ele tinha em mente, mas sorri,
tentando fazê-lo acreditar que estava disposta a estender uma bandeira
branca, ao menos por alguns minutos. Contudo, se enganaria ao acreditar
que poderia me tornar sua aliada, amiga ou qualquer que seja o posto em
que pretendia me colocar em sua vida.
— É mais forte que eu, mas prometo tentar. — Cruzei meus braços.
Zayn levantou-se e ficou de frente para mim, mas mantendo a
distância que eu impus.
— Manter o noivado é benéfico para nós dois. Embora eu tenha
relutado no início, cheguei à conclusão de que me casar não é uma ideia
ruim. Nossos pais contam com esse casamento, irá unir as famílias e
também os negócios. Já passei dos trinta e tenho que pensar na
continuidade do meu legado.
Será que ouvi direito? Ele realmente está insinuando que não quer
apenas se casar, mas também ter filhos comigo?
— Só vi vantagem para você e nossos pais — retruquei em desafio.
— Agora que já sabe que não pretendo mantê-la em Dubai, poderá
pensar no que deseja fazer. Ainda quer estudar moda?
Ele ainda lembrava…
— Sim.
Seu sorriso preencheu a face e precisei engolir em seco para
disfarçar o quanto me senti afetada.
— Não irei impedi-la de realizar seus sonhos, Hani. Pelo contrário,
incentivarei cada um deles. Inclusive, não é preciso esperar que nos
casemos para começar, posso conversar com seus pais para que continue
na Inglaterra, a fim de iniciar sua faculdade. Samira também, é claro. Faço
questão de apadrinhá-la.
Ele parecia tão seguro de suas palavras, como se já desse como
certa a minha resposta. Por mais que dissesse tudo o que eu mais
desejava, não era assim que planejava ter o que tanto sonhei. Quando eu
tinha quinze anos, até poderia ter aceitado de bom grado. Antes de minha
desilusão, quando ainda acreditava que Zayn era meu príncipe. Mas
depois de tudo o que houve entre nós, nada daquilo fazia sentido. Minha
decisão estava tomada, e eu, mais do que disposta a enfrentar os
obstáculos que aguardavam por mim no meu retorno a Dubai.
— Deixe-me ter certeza de que entendi. Nosso casamento se tratará
apenas de uma união de interesses, não é? Você permitirá que eu consiga
o que tanto sonhei para mim, mas, em troca, eu terei que lhe dar filhos
para a continuidade do seu sobrenome? — perguntei devagar, para que
ele ponderasse cada palavra.
Parecendo surpreso com a minha pergunta, o sorriso de Zayn foi
diminuindo aos poucos. Ele se aproximou, cautelosamente, me fitando
para ter certeza de que tinha a permissão de chegar mais perto. Não o
impedi, tampouco me afastei.
— Não creio que seja tão ruim, Hani. — Sua voz serena me alertou
novamente para o perigo. — Lembra-se do nosso beijo, ontem? Porque eu
não esqueci. Não negue que existe uma forte atração entre nós, portanto,
basta que passemos algum tempo juntos para nos conhecermos melhor e
nos acostumarmos com a ideia. Serei um bom marido, tratarei você como
uma princesa.
Revirei os olhos e dei um passo para trás, saindo da zona de
encanto do djinn[13] trapaceiro.
— Fui tratada como princesa a minha vida toda, mais precisamente
como uma Rapunzel. Então, por mais que eu ame a vida de luxo que levo,
não é o título de princesa que irá me seduzir a aceitar sua oferta. — Dei
um passo à frente e toquei seu ombro com o dedo indicador, o
empurrando. — Você não vai me comprar para ser a mãe dos seus filhos,
entendeu bem?
— Você fica ainda mais linda quando me afronta. — Sua mão
prendeu meu pulso, impedindo-me de me afastar. — Mas precisa
aprender a se comportar, Hani. Menina teimosa.
— Você não toca em mim! — gritei, olhando fixamente em seus
olhos.
Zayn sorriu, como se a minha fúria o divertisse. Fechei meus olhos,
tentando não me desconcentrar ao me perder em suas íris negras. Seu
perfume intoxicando os meus sentidos, me fazendo desviar da intenção de
afastá-lo.
— Você me tocou primeiro — revidou. — Não adianta vir com essa
raiva toda pra cima de mim, Hani. Estou acostumado a domar mulheres
selvagens.
Em um gesto brusco, Zayn prendeu meu outro pulso e me puxou
ainda mais para perto. Muito próximos, nossa respiração se misturava e,
apesar de ele ser muito mais alto que eu, seu rosto estava perto o
bastante, pois ele se inclinara.
— Eu odeio você — sussurrei, sentindo minhas forças se esvaírem.
Brigar com Zayn era desgastante.
Ele balançou a cabeça negativamente.
— Não, você não odeia. Pode até querer, mas o seu olhar não
mente. A raiva é passageira, pode ser confundida com o ódio, mas eu
consigo diferenciar o seu sentimento.
— Você não sabe nada sobre mim! — tornei a gritar, sacudindo-me
para que ele me soltasse de uma vez por todas. — Solte-me, seu babaca!
— Cale essa boca, menina malcriada.
Jamais pensei que Zayn El Safy me beijaria naquele instante. Mas
quando seus lábios se chocaram com os meus, em um beijo possessivo e
violento, não tive tempo de alertar os meus sentidos racionais para impedi-
lo. Peguei-me correspondendo, sedenta. Ainda presa por suas mãos que
me mantinham colada a ele, esqueci completamente da raiva que me
motivou a querer agredi-lo. Sua língua buscando a minha, seu gosto
misturando-se ao meu. Quando estávamos assim, conectados na mesma
frequência, tudo à minha volta parecia perder o sentido.
Não havia como ser mais contraditória.
“Eu o quero pra mim…”, pensei, inebriada pelo desejo.
“Não posso sucumbir…”, a sanidade tornou a falar mais alto em
minha mente.
Sem interromper o beijo, Zayn soltou meus pulsos e segurou firme
em minha cintura, me pressionando contra o seu quadril. E apesar de ser
inexperiente, eu não era idiota, sobretudo depois de alguns anos
estudando fora e tendo contato com meninas que receberam criação de
diferentes culturas. Então, sim, eu pude sentir o desejo de Zayn através
daquela proximidade, ali, bem abaixo da linha de sua cintura. Mas a
intensidade do momento me fez despertar, ciente de que eu estava me
deixando manipular por um homem que sabia o poder que exercia sobre
as mulheres e o estava usando comigo. Reunindo minhas forças, segurei
seus ombros e o empurrei, conseguindo me separar dele. Ao encarar seu
olhar confuso, não contive o impulso que me dominou e, quando me dei
conta, o estalo de minha mão se chocando contra o seu rosto assustou
não só a ele, mas a mim também.
O que foi que eu fiz?
Minha boca se abriu, tamanha surpresa. Seus olhos estavam sobre
mim, mas não havia nenhum resquício de raiva, o que me fez sentir ainda
mais culpada. Fechei meus olhos, transtornada. Senti uma de suas mãos
tocar em meu ombro com delicadeza e tornei a fitá-lo, me segurando para
não chorar. Depois do que pareceu uma eternidade, Zayn virou seu rosto
para o lado, me deixando de frente para a face imaculada.
— Bata de novo, só que mais forte.
Esse homem é doido, só pode!
Arrependida por ter cedido à raiva e me comportado de maneira tão
infantil, eu sabia que jamais tornaria a repetir a agressão. Por mais que
me tirasse do sério, aquela não era a maneira correta de confrontá-lo. Mas
pedir desculpas não era uma opção viável, meu orgulho impedia tal atitude
nobre.
Cheguei mais perto e o toquei suavemente com a palma de minha
mão, em uma leve carícia. Com a outra, toquei a face que certamente
estava dolorida pelo impacto da bofetada e o fiz ficar de frente para mim.
Havia algo em seu olhar que me conectava a ele, me deixando confusa e
com raiva de mim mesma por saber que eu não seria capaz de odiá-lo. E
mais uma vez, naquela noite, me recusei a pensar antes de agir. Colei
minha boca na sua, sem pressa, sentindo um calor crescente em meu
ventre e as batidas descompassadas do meu coração. Zayn mordiscou
meu lábio inferior, mas suas mãos não me tocaram. Então retomei o
controle, me afastando com sutileza.
— Você não me dá ordens. — Arqueei minhas sobrancelhas,
desafiando-o a me contrariar.
Retomando o sorriso petulante, Zayn caminhou até a porta do meu
quarto, abrindo-a em seguida.
— Não terminamos por aqui, Hani. Eu te ligo amanhã e sugiro que
me atenda. — Deu de ombros. — Viu só? Não foi uma ordem, apenas
uma sugestão amigável. Até breve.
“Você poderia ser a garota para mim
Menina, você é demais
Amar você podia ser crime
É louco como a gente combina
Essa é a garota
Pode me condenar pra toda a vida
Eu só quero curtir a noite toda
E trazer você para o meu holofote.”
IT GIRL – JASON DERULO
Defeito que agrada o sultão, vira virtude.
Provérbio Árabe
— Preciso que compre alguns livros para mim — pedi a Omar,
entregando-lhe os títulos escritos em um bilhete.
— Escolha interessante — observou, com um sorrisinho prepotente.
— Mais alguma coisa para acompanhar?
— Como o que, por exemplo? — Franzi a testa.
— Flores e bombons.
— Não sou do tipo que envia flores e bombons, Omar. Até parece
que não me conhece.
— Você me fez vir à Oásis em plena manhã de domingo para me
fazer comprar livros no seu lugar. — Deu de ombros. — Como esse não é
o meu horário de trabalho, considerando que saí daqui às seis e meia
desta manhã, e agora são dez, estou falando como amigo. Eu te conheço,
mas não te reconheço, Zayn. Percebe a diferença? Desde sexta-feira você
está agindo de um jeito estranho.
— Não diga bobagens, apenas compre os livros. Peça que embalem
para presente.
Dobrando o papel e colocando-o no bolso traseiro de sua calça,
Omar continuou parado à frente de minha mesa, aguardando uma nova
instrução. Ele estava habituado a esperar até que eu o pedisse para sair.
— Tem a ver com a sua noiva árabe?
Apoiei os cotovelos em cima da mesa, respirei pesadamente e
esfreguei meu rosto com as mãos. Não consegui dormir desde que voltei
do hotel. Desistindo de lutar contra a insônia e ansiedade, levantei-me e
fui para a academia, passando na Oásis ao terminar meu treino. Precisava
descontar minha frustração no trabalho, mas Omar acabou por ser o alvo
da minha inquietação.
— Ela me tira do sério — confessei a contragosto. — É petulante,
respondona, agressiva. Em nada se parece com a menina que conheci há
três anos. Embora tenhamos nos enfrentado no passado, não se compara
com agora. Hani Mitchell está conseguindo bagunçar minha cabeça.
— Depois do que presenciei na sexta-feira, acho que ela não quer
mais se casar com você.
Omar foi uma das testemunhas do pequeno infortúnio entre minha
noiva e eu.
— É o que todas querem, com ela não vai ser diferente. Hani é
mimada e está sendo rebelde, mas sabe que o melhor a fazer é se casar
comigo. Pode levar um tempo, mas tenho certeza de que irá ceder.
— Você é um mistério, como a Esfinge: “Decifra-me ou devoro-te” —
citou. — Até onde me lembro, não tinha o menor desejo de se casar com
essa garota. O que te fez mudar de ideia?
Ponderei a observação de Omar. Ele tinha razão.
— Agora é diferente. Antes eu não conseguia vê-la como mulher.
Para mim, Hani sempre foi uma criança. Quando eu a vi dançando,
anteontem, não sabia que se tratava da mesma pessoa. Eu me senti
atraído, a desejei em minha cama. As mulheres com quem estive nunca
significaram nada, portanto, se eu tenho que me casar, ao menos que seja
com alguém que me desperte tesão. Pensei que nunca o teria por ela,
mas tenho, isso é suficiente para levar esse noivado adiante.
— Tesão?
— Foi o que eu disse, Omar. Não pretendo ser infiel à minha esposa,
então preciso me casar com alguém que mantenha a chama acesa. Hani
é bonita, atraente e tem personalidade forte. Um combo erótico com as
qualidades necessárias para me manter interessado. Eu só preciso
mostrar a ela quem manda.
— Um casamento sem amor, Zayn, não vejo futuro para uma relação
onde um ordena e o outro acata. Você precisa de uma companheira, não
de uma serva.
— Eu preciso de uma esposa que agrade aos meus pais e que me
agrade, principalmente na cama. — Levantei-me, incomodado com a
interferência de Omar em um assunto tão pessoal.
Mesmo que fosse meu amigo, jamais me abri com ele dessa forma.
Mas, acima de tudo, os argumentos que usei para justificar o interesse por
minha própria noiva soaram desagradáveis aos meus ouvidos. De onde eu
tirei tudo aquilo? Certamente não foi do meu coração arredio, mas da
minha mente orgulhosa.
— Passe lá em casa para me entregar o livro, almoçaremos juntos.
Você pode ir agora, Omar.
— Até mais tarde, Zayn.

— Precisamos nos encontrar para discutirmos o projeto da nova


casa noturna.
— Hoje é domingo, porra! — resmunguei. — Por que está me
ligando para falar de trabalho?
Elena Simpson. Excelente arquiteta, um dia foi considerada minha
grande amiga, mas, ao se tornar minha ex-amante, permaneceu apenas o
laço profissional. Jamais deixaria que nosso envolvimento pessoal
prejudicasse meus empreendimentos. Ela era a melhor, eu só trabalhava
com os melhores. Portanto, mesmo que tivesse me desejado a morte em
um acesso de raiva, deixei que suas maldições entrassem por um ouvido
e saíssem pelo outro.
— Porque passei a noite toda trabalhando em cima dos croquis.
Como você adora interromper as pessoas quando bem deseja, decidi te
dar o troco. — A risada descontraída me fez sorrir também. Às vezes
Elena esquecia que me odiava e deixava nossa antiga amizade falar mais
alto. Somente por este motivo eu não lhe dei uma resposta ácida, em
revide.
— Não poderei essa semana, agenda cheia. — Tinha em mente
passar meu tempo com Hani, enquanto ela permanecesse em Londres. —
Ligue para o Omar e peça para te encaixar na semana que vem. Direi a
ele para reservar um dia todo para discutirmos esse projeto.
— Certo. Já escolheu o nome?
— Ainda não. Mas prometo pensar e definir isso logo.
— Tudo bem, até semana que vem.
— Até. — Desliguei.
Decidi tomar um banho antes de encontrar Omar para o almoço.
Assim que tivesse o livro em mãos, iria para o Mitchell Royal Palace.
Cheguei à conclusão de que, para me aproximar de Hani, precisava contar
com a ajuda de alguém muito próximo a ela. Samira foi a escolha mais
óbvia. Eu tinha planos para a última semana de Hani na Inglaterra. Teria
que fazê-la mudar de ideia quanto ao nosso casamento. Se ela levasse
adiante seu desejo de desfazer o noivado, além do conflito familiar, eu
também seria humilhado ao ser rejeitado. Nunca antes eu havia
considerado essa questão, mas foi um pensamento que surgiu enquanto
relembrava cada palavra de desprezo que ela disparou contra mim em
nossos dois encontros desastrosos.
Ela mudaria de ideia. Tinha que mudar.
“Eu estava sob feitiço há tanto tempo
que não conseguia me libertar
Você brincou com meu coração
me enganou com mentiras e jogos
Foi preciso toda a minha força
mas eu me arrastei e fiquei de pé
Agora você está tentando me atrair de volta...”
DON’T HOLD YOUR BREATH – NICOLE SCHERZINGER
"Se conseguiste escapar do leão,
não tentes caçá-lo.
Provérbio Árabe
— Bom dia, por acaso você está esperando alguém?
Minha pergunta descarada para o homem sentado sozinho, em uma
mesa no canto do restaurante do hotel, poderia dar a entender que eu
tinha segundas intenções. Talvez eu tivesse, mas não exatamente as que
ele certamente estaria imaginando. Mas eu pouco me importava, reparei
que não usava aliança e era o bastante para que o abordasse sem medo
de ser atacada por uma esposa ciumenta. A possibilidade de existir uma
namorada ciumenta não passou pela minha cabeça.
Franzindo a testa, mas abrindo um sorriso logo depois, o homem
loiro com os olhos verdes mais incríveis que eu já vira na vida sinalizou
com a mão, um gesto para que eu me sentasse à sua frente.
— Estou sozinho, mas você pode me fazer companhia, se quiser.
Sentei-me e ajeitei o boné em minha cabeça, que estava frouxo.
— Obrigada, desculpe chegar assim, do nada. Mas eu preciso me
camuflar e me pareceu uma boa ideia estar acompanhada, principalmente
por um homem.
— Sem problemas. — Bebeu um gole de seu café, parecendo
despreocupado. — Desde que você não seja uma foragida da polícia e
esteja me usando como seu álibi, ou uma celebridade fugindo dos
paparazzi. Odiaria aparecer na capa dos tabloides ingleses como o
suposto namorado de uma ídolo teen.
Sorri com espontaneidade. A simpatia por aquele estranho surgiu de
forma natural.
— Não sou uma ídolo teen, nem uma foragida. Mas você tem razão,
eu estou mesmo me escondendo — confessei, escorando meus cotovelos
na mesa, ignorando a regra de etiqueta. Apoiei meu rosto entre minhas
mãos e o observei com curiosidade.
Ele era muito bonito, a barba por fazer, a camisa social e o cabelo
bem penteado eram uma combinação elegante e, ao mesmo tempo,
casual. Deveria estar na casa dos vinte e poucos anos, eu chutaria uns
vinte e cinco. Atraente, de fato, mas não senti por ele o que eu sentia
quando estava na presença de Zayn, o que significava que não me
interessava por ele como homem.
Não queria pensar nele, mas estava cada vez mais complicado não
fazê-lo.
— Sou Hani Mitchell — apresentei-me, estendendo-lhe a mão. —
Estou evitando minha prima, Samira. Daqui a pouco ela estará à minha
procura e eu não quero conversar, por enquanto.
Aceitando o meu cumprimento, o homem apertou minha mão sem
malícia.
— Muito prazer, Hani. Sou Javier Stanton. — Imitou meu gesto,
apoiando os cotovelos na mesa. — Posso saber por que está fugindo da
sua prima? Onde estão seus pais? Acho que eles não gostariam de vê-la
sentada com um estranho, estou errado?
Nunca fui sensitiva, mas, naquela ocasião em especial, eu sabia que
podia contar com minha intuição. Era algo idiota, afinal, o que uma garota
de dezessete anos, que nunca interagiu com os homens, saberia sobre
interpretação de caráter ou boas intenções? Não tinha lógica alguma, mas
sabia que Javier era boa pessoa. Talvez estivesse enganada, mas daria o
benefício da dúvida.
— Você não é inglês… — Mudei de assunto ao perceber seu
sotaque.
Ele percebeu minha manobra de distração, mas deu de ombros.
— Sou de Nova Iorque, mas vivo na Austrália há alguns anos.
— Viajando a passeio?
— A negócios. Mas, me diga, onde estão seus pais?
Arqueei as sobrancelhas.
Por que ele queria saber?
Hesitei por alguns instantes, sem saber o que dizer. Não estava
habituada a mentir, mas, certamente, dizer que estava sozinha em
Londres não era a melhor opção. Ele continuava sendo um estranho para
mim.
— Estão no quarto, eles dormem até tarde. — Mordi meu lábio
inferior, um cacoete para disfarçar meu nervosismo por mentir. — Não
sabem que estou chateada com minha prima.
— Já tomou café?
— Ainda não…
— Eu só bebi uma xícara enquanto acessava meus e-mails. Você
não está a fim de falar sobre a família, então vamos fazer o desjejum em
silêncio, tudo bem? Se depois quiser conversar, prometo ser um bom
ouvinte.
— Por quê?
— Porque dizem que desabafar com estranhos pode ser libertador, e
me parece que você está precisando.

— Onde você estava, prima?


Samira se levantou do sofá assim que entrei em nossa suíte. Segui
direto para meu quarto, ignorando-a.
— Não me ouviu? — insistiu, me seguindo.
Deitei-me em minha cama e fitei o teto.
— Fui ao restaurante do hotel para o desjejum — disse apenas, sem
me dar ao trabalho de encará-la.
Senti o colchão afundar quando ela se sentou aos meus pés, na
cama.
— O que foi que eu fiz para você me ignorar assim? — A mágoa em
sua voz balançou meu coração.
Sentei-me, finalmente lhe dando atenção.
— Tem certeza de que não sabe? Pense um pouco, Samira. —
Cruzei meus braços, na defensiva.
Ela franziu a testa, parecendo confusa.
— Ontem à noite, quando saí do banho, Zayn estava sentado na
minha cama! Por sorte eu não tenho o hábito de sair nua do banheiro. Mas
foi quase isso.
— Aasef [14]…
— Você mais do que ninguém sabe como me sinto em relação a ele.
Por que permitiu que entrasse sem me consultar antes?
— Hani, pensei que ele fosse te aguardar na sala. Quando saí com
Christopher, era lá que Zayn estava.
— Estou muito chateada com você, prima — confessei. — Não foi a
primeira vez que fez isso comigo. Lembra-se da noite do meu aniversário
de quinze anos? Como Zayn entrou no meu quarto? O que acontece com
você? Fica hipnotizada por ele?
— Prima! — Levantou-se, começando a andar de um lado para o
outro. — Eu só quero o seu bem. Vocês precisavam conversar, se
entenderem…
— Não há motivos para eu me entender com ele. — Levantei
também. — Você é minha melhor amiga, é do meu lado que tem que ficar.
Só porque Zayn é bonito e tem aqueles olhos que parecem te devorar
inteira, não tem que ceder a tudo o que te pede.
Reparei que Samira sorria de um jeito debochado. Pestanejei.
— O que foi agora?
— Ele nunca me olhou como se quisesse me devorar inteira. Esse é
o jeito que ele te olha, Hani. Porque, não sei se reparou ou estava
ocupada demais sendo a garota rebelde, mas Zayn está caidinho por
você.
— Não sou rebelde — retruquei a contragosto.
— Não seja dissimulada. — Aproximou-se, me segurando pelos
ombros e me empurrando devagar, até que nos sentássemos novamente
na cama. — O que vocês conversaram ontem à noite?
— Eu não quero falar sobre isso. Quero esquecê-lo.
— Acho difícil de acontecer. Por mais que se faça de durona, sabe
perfeitamente que nunca o esqueceu. Há três anos, Zayn El Safy entrou
na sua vida. Foi por pouco tempo, mas o suficiente para que
permanecesse aí dentro, no seu coração. Amor não correspondido,
somado à raiva, à mágoa, mas ainda assim é amor.
— Não diga uma idiotice dessas.
— Você poderia ter falado com o tio, acabado com essa história há
muito tempo. Se está tão decidida a fazer isso agora, por que não fez
antes? — Arqueou as sobrancelhas, me desafiando.
Aonde ela está tentando chegar?
— Sabe o porquê — justifiquei. — Não estaríamos aqui hoje se eu
tivesse desistido antes.
— Não pode afirmar isso com certeza, Hani. Nosso tio é o melhor pai
do mundo, ele jamais te forçaria a um casamento se soubesse o quanto
você abomina a ideia. Só que nunca se impôs a ele, por isso permanece
noiva. Para Zayn é diferente, pois ele é o filho homem, sua palavra
envolve a honra da família, a palavra do senhor Ibrahim. Zayn aceitou o
acordo, mas você nem tinha nascido, não teve escolha.
Fitei o chão sem saber o que dizer.
— Eu saberia dizer se o amasse. Não saberia?
Senti o braço de Samira me puxando para si. Minha prima me
abraçou e encostou sua cabeça em meu ombro.
— Somos tão jovens, o que podemos saber sobre o amor? Mas você
contou cada grão de areia que escorregava pela ampulheta até que
chegasse o dia em que o veria novamente. Agora que Zayn está por perto,
é sua chance de descobrir o que sente de verdade por esse homem. Ele
mexe com você, é um fato. Só tenha a certeza do que isso significa.
— Obrigada, prima. — Virei-me para retribuir o abraço. — Desculpe
por antes, eu fui uma boba.
— Eu te desculpo se me contar tudo sobre a conversa de vocês
ontem à noite.
E eu contei.

Almoçamos com Javier e apresentei minha prima a ele. Christopher


não gostou muito quando sugeri que saíssemos para turistar em Londres
com meu novo amigo, mas não demorou a perceber que o jovem Sr.
Stanton era boa pessoa. Ter a companhia de mais alguém, além de minha
prima e meu segurança, foi uma experiência nova e muito agradável.
Javier tinha razão quando disse que desabafar com estranhos podia
ser libertador. Havia acabado de conhecê-lo, ele era um homem de outra
cultura e mais velho que eu. Talvez não compreendesse meus dramas
pessoais, talvez acreditasse que eu era apenas uma adolescente insegura
e cheia de rebeldia, ou pensasse que eu estava fazendo tempestade em
copo d’água. Mas, para minha surpresa, me ouviu com interesse e
demonstrou real preocupação.
— Essa história me parece surreal, mas acredito em cada palavra —
disse ele após ouvir minha narrativa. — A cultura em que você foi criada é
diferente da realidade em que vivo. São costumes com os quais eu jamais
convivi. Embora seu pai seja americano e sua família não seja adepta ao
islamismo, o casamento arranjado entre o senhor Mitchell e o pai de seu
noivo parece mesmo ser um acordo válido. Se não fosse, Zayn não teria
tanto receio em desfazê-lo. Não acredito que um empresário bem-
sucedido, um homem com mais de trinta anos, tão cheio de si, como você
descreveu, tenha simplesmente medo de dizer não ao pai. É muito mais
sério que isso, não é?
Assenti com um gesto de cabeça.
Estávamos no Hyde Park, caminhando lado a lado enquanto Samira
e Christopher seguiam nossos passos a uma distância não tão longa, mas
o suficiente para que pudéssemos conversar com privacidade. Durante o
desjejum, eu havia contado tudo sobre o arranjo de casamento, a maneira
como fui criada para que me acostumasse com a ideia de me casar com
alguém escolhido por meu pai e o momento em que finalmente conheci o
homem que seria meu marido, a decepção que sofri em minha festa de
quinze anos e, principalmente, o medo com o qual convivi durante os três
anos que passei acreditando que Zayn El Safy me manteria isolada em
Dubai após eu me tornar sua esposa, enquanto ele continuaria
aproveitando sua vida como sempre fez.
— Eu não posso interferir, Hani. Espero que essa não tenha sido sua
intenção ao me contar.
Franzi a testa e parei de caminhar imediatamente.
— Jamais envolveria você nesse assunto, Javier. Falei sério quando
me sentei à sua mesa hoje cedo, saí do meu quarto para espairecer,
estava chateada com minha prima. Mas já resolvemos. Você quem
sugeriu que eu desabafasse, obrigada por isso. Ser meu ouvinte já foi de
grande ajuda, acredite. Minha prima é maravilhosa, porém conversar com
alguém de fora, alguém que não faz parte do meu mundo, me trouxe outra
perspectiva.
— E que perspectiva é essa, posso saber?
Dei de ombros e retomei minha caminhada.
— Desde que reencontrei Zayn tenho estado na defensiva. Ele quer
se aproximar de mim, o que é estranho, pois quando nos conhecemos ele
me repeliu. Aquele homem é uma incógnita. Mudou de ideia quanto ao
casamento, mas os critérios para essa união estão longe de ser o que
deveriam ser. É por isso que não quero ir adiante com esse noivado. Não
existe amor entre nós.
— Você fugiu da minha pergunta, mocinha. — Sorriu e balançou a
cabeça negativamente.
— Minha nova perspectiva é que talvez eu devesse olhá-lo com
outros olhos — revelei. — Criei em minha mente a imagem de Zayn como
o grande vilão do meu conto de fadas. O empecilho que atrapalha a
realização dos meus sonhos. Mas se me propor a conhecê-lo de verdade,
talvez o veja como um aliado, não um inimigo. Compreende?
— Faz sentido. Eu sugiro que dê uma oportunidade a ele. Pelo que
me descreveu, vocês dois têm personalidade forte. Ele como homem, na
cultura de vocês, está habituado a ter sua palavra como certa. Precisam
estar na mesma sintonia, se não for para levar esse relacionamento
adiante, ao menos que seja para encontrarem a melhor maneira de
desfazerem o acordo. Ninguém precisa perder, não é uma competição. O
lado mais fraco da corda, infelizmente, é o seu. Você é corajosa, mas, se o
tiver a seu lado, será invencível. Percebe a vantagem?
— Sim.
— Acho melhor voltarmos para o hotel. Tenho compromisso mais
tarde e quero descansar um pouco.
— Você é um ótimo ouvinte e conselheiro. Espero que um dia eu
consiga te ajudar como você me ajudou agora.
— Não fiz nada de mais, Hani. Só observei a situação em que você
se encontra de um ângulo diferente.
Passamos pela entrada do Mitchell Royal Pallace, rindo de uma
piada que Christopher acabara de nos contar. Distraída, não percebi a
aproximação do homem zangado, até que Samira, Christopher e Javier,
silenciaram-se abruptamente.
Pestanejei, olhando na direção em que minha prima apontou
discretamente, com um olhar cauteloso.
“Oh, não…” pensei, mas não consegui conter um gemido de
desgosto.
Zayn me fitava com intensidade, mas a fúria em seus olhos era
inegável. Por mais que não quisesse transparecer, eu sabia que o fato de
estar ao lado de Javier o estava perturbando. Havia uma conexão invisível
entre nós, era possível sentir a adrenalina percorrendo meu corpo, me
preparando para a batalha que travaríamos em seguida, um instinto quase
natural. Minha autodefesa contra a autoconfiança exacerbada dele.
Porém, foi impossível não reparar no quanto estava bonito, o que me
deixava com raiva de mim mesma, por ser tão fraca. Ele exalava poder e
exercia um magnetismo que me atraía e me deixava completamente
vulnerável. Por mais que tentasse me manter forte, sentia minhas
barreiras caindo pouco a pouco.
— Onde você estava? — perguntou, ignorando aqueles que me
acompanhavam.
Cruzei meus braços, pronta para iniciar uma discussão, mas ao
sentir a mão de Javier tocar meu ombro, relaxei minha postura
imediatamente, me recordando de nossa conversa e desistindo de atacar
Zayn com palavras ácidas.
— Não toque nela! — O tom agressivo de Zayn, direcionado ao meu
amigo, me pôs em alerta.
Dei um passo à frente, me afastando do toque de Javier e me
aproximando o suficiente para segurar o braço de meu noivo, com o intuito
de acalmá-lo e evitar um escândalo.
— Ei, ele não fez por mal — sussurrei, para que somente Zayn
pudesse ouvir. Quando seu olhar encontrou o meu, a testa franziu ao
estranhar a delicadeza em minha voz. Sorri, sabendo que o confundiria
ainda mais. — Javier é apenas um amigo, não esqueça que a cultura
ocidental é diferente da nossa, ele não sabe que não deve me tocar.
— Avise a ele. Você é minha. — Seu tom rude me fez querer
esmurrá-lo, mas ao mesmo tempo, sua possessividade quase me fez
sorrir.
Contudo, não daria esse trunfo a ele.
— Eu sou minha, Zayn — reforcei, encarando-o com determinação.
— O que está fazendo aqui?
— Vim te ver.
— Poderia ter me ligado, você disse que ia ligar.
— Eu liguei, você não me atendeu em nenhuma das cinco vezes.
— Juro que não ouvi meu celular tocando — justifiquei, sem graça.
Tateei o bolso traseiro do meu jeans, em busca do celular. Estava
desligado, provavelmente sem bateria. Mostrei o aparelho para ele, que
anuiu em silêncio.
Reparei que Javier ainda estava por perto, mas não encontrei Samira
e Christopher.
Terei outra conversinha com minha prima fujona!
— Zayn, deixe-me apresentá-lo a Javier Stanton. — Fiz um sinal
para que meu amigo americano se aproximasse. — Javier, esse é Zayn El
Safy.
— Olá, sou o noivo de Hani — apressou-se em dizer, enquanto
esticava a mão para cumprimentar Javier.
— Prazer em conhecê-lo, Zayn. Eu sou amigo de Hani.
Fitaram-se por alguns segundos, o que foi muito esquisito, pois me
pareceu um duelo silencioso.
— Não sabia que ela tinha amigos homens — alfinetou Zayn, fitando-
me de soslaio.
— Há muita coisa sobre sua noiva que você não sabe — revidou
Javier, sem se afetar. — Mas ainda há tempo para que se conheçam
melhor, não é mesmo? — Sem esperar por uma resposta, Javier virou-se
para mim e sorriu, mas não me tocou. — Obrigada pela companhia, Hani.
Diga a Samira que mandei um abraço, talvez possamos nos encontrar
antes de eu retornar à Austrália. Agora preciso ir, tenho compromisso,
como mencionei.
— Você tem o número do meu celular, me ligue antes de ir embora,
quero me despedir pessoalmente. — Ignorei a presença de Zayn de
propósito. Não quis provocá-lo ao conversar com Javier, mas deixar claro
que eu não tinha nada a esconder e não me privaria da amizade com
outro homem porque ele acreditava que eu lhe pertencia.
Não é desse jeito que a banda toca, querido.
Javier foi embora e, então, eu já não sabia como agir.
— Não me disse onde estava — insistiu Zayn.
— Passeando.
Sabia que ele não havia gostado de minha resposta vaga, mas não
insistiu e fiquei satisfeita por ele ter conseguido se conter.
— Preparei algo para nós, espero que goste. Venha. — Estendeu
sua mão em um gesto de cavalheirismo, para que eu a aceitasse.
— Aonde vamos? Preciso tomar um banho e me vestir
adequadamente para…
— Você está linda, não precisa trocar de roupa. Não sairemos do
hotel.
Fitei-o intrigada.
— Hospedei-me no Mitchell Royal Pallace, durante sua estadia em
Londres. Minha suíte fica em frente à sua. É para lá que iremos agora.
Engoli em seco.
— Para o seu quarto?
Seu sorriso se expandiu ao perceber minha hesitação.
— Para a minha suíte, que, assim como a sua, tem uma sala
bastante espaçosa. — Tornou a me estender a mão. — Uma garota como
você não deveria pensar coisas tão sujas, Hani.
— Eu não pensei…
— Apenas me acompanhe, está bem? — Demonstrou impaciência.
— Estou tentando ser gentil, mas você não facilita. Pode guardar sua
armadura por alguns instantes? Se eu fizer ou disser qualquer coisa que a
desagrade, você pode me esbofetear outra vez. O que acha?
Enrubesci, não ao me lembrar de quando o bati, mas de quando o
beijei, quando ele pediu para que eu lhe batesse uma segunda vez.
Estendi minha mão e ele entrelaçou seus dedos nos meus.
— Percebeu como eles se encaixaram perfeitamente? — Sorriu de
novo. — Maktub[15], Hani.
“E se for amor, apenas sinta
E se há vida, veremos
Esta não é a hora de ficar sozinha...
Sim, eu não vou te deixar ir.”
I WON’T LET YOU GO – JAMES MORRISON
Quando você deseja algo do fundo do coração,
o universo inteiro conspira a seu favor.
Provérbio Árabe
— Para que tudo isso?
O tom de deboche na pergunta de Hani, ao entrar em meu quarto e
ver a surpresa que preparei para ela, me fez sentir um idiota de merda.
Nem mesmo quando eu tentava agradá-la ela baixava a guarda, sempre
desconfiada das minhas ações. Por mais que quisesse ser paciente, era
em momentos como aquele que eu sentia a necessidade de virar minhas
costas e desistir de tentar conquistá-la. Contudo, ao mesmo tempo,
gostava do desafio e não queria me acovardar outra vez. Já que não
possuía a coragem para voltar atrás em minha promessa de casamento,
ao menos que eu tivesse coragem para fazer com que minha noiva não
desistisse do acordo que nos uniria em um futuro não muito distante.
Esperei que ela entrasse e fechei a porta atrás de mim, observei a
tenda que mandei montar no centro da sala espaçosa. A seda branca
transpassada em cordas douradas, dando o requinte ao que deveria ser
rústico. Almofadas espalhadas pelo chão em cima de um tapete persa,
além de frutas, vinho, pães. A voz de Amr Diab ao fundo, como trilha
sonora para o que eu pretendia lhe propor naquela noite.
— Queria que se sentisse em um Oásis, a abundância em meio ao
deserto. Um momento que, em meio a uma sequência de situações
desagradáveis, lhe proporcionasse prazer — falei, aproximando-me dela.
— Peço que deixe lá fora as barreiras que você ergueu contra mim, Hani.
Quando a vi entrando no saguão do hotel, acompanhada de outro
homem, o sentimento de posse me inundou de forma avassaladora, quase
fazendo com que eu agredisse seu amigo, Javier Stanton. Hani exercia
um forte poder sobre mim, sem que eu permitisse e sem que ela
soubesse, o que era bastante perigoso. Jamais me senti assim e, a cada
nova descoberta, a sensação de que eu estava caindo em um poço sem
fundo assolava-me por completo. Se eu quisesse fazer nossa relação
prosperar, eu teria que fazer algumas concessões.
— Quer saber? Tudo bem, posso fazer isso. Saiba que estou aqui de
coração aberto.
Sorri ao ouvir suas palavras. Mas não abertamente o bastante para
irritá-la.
Convidei-a para se sentar entre as almofadas e me sentei de frente
para ela. Dispensei o serviço de quarto, queria eu mesmo servi-la. Seria o
nosso momento e cada detalhe podia contar ao meu favor ou fazer com
que ela desistisse de tudo e fosse embora. Samira me deu algumas dicas
do que poderia agradar Hani e segui à risca as sugestões. Ela aceitou a
taça de vinho tinto suave e observei enquanto bebericava a bebida rubra.
— Tenho um presente para você, talvez já o tenha, mas gostaria que
entendesse o porquê de eu ter feito esta escolha. — Retirando a almofada
que escondia o embrulho, peguei o pacote dourado e o estendi em sua
direção.
Estranhamente, me senti ansioso para saber o que ela acharia do
presente. Quando pedi que Omar saísse para comprá-los durante aquela
manhã, tinha em minha mente uma outra percepção de como deveria ver
minha relação com aquela garota. Em questão de horas, enquanto tentava
me comunicar com ela através do celular e quando cheguei ao hotel e
soube que havia saído sem avisar para onde iria, muita coisa mudou. A
vulnerabilidade que se apoderou da minha autoconfiança me pegou
desprevenido, e enquanto eu a fitava, contemplando o embrulho, tudo o
que conseguia pensar era no quanto seu rosto era delicado e sereno
quando toda a raiva que ela sentia por mim era esquecida.
Estou fodido, muito fodido.
— O que é? — questionou, sorrindo timidamente.
— Abra, não quero estragar a surpresa.
Peguei-me prendendo a respiração enquanto Hani retirava os livros
do pacote. O sorriso se intensificou e ela fitou as capas dos livros
admirada, quando seu olhar encontrou o meu, soube que tinha acertado
em minha escolha.
— Princesa Sultana… — murmurou ela.
— Conhece?
Ela assentiu com um gesto de cabeça.
— Tenho uma vaga noção do que se trata, mas não li os livros.
Nunca tive acesso a eles e depois acabei me esquecendo.
A trilogia da Princesa Sultana, da escritora americana Jean Sasson,
mostra a realidade sobre a vida das mulheres na Arábia Saudita. Li os
livros quando estava na faculdade, por curiosidade. Baseado nos diários
de uma princesa saudita, entregues à autora, que preservou a identidade
da verdadeira princesa, os livros mostram a vida de Sultana, desde a
infância até sua maturidade, e a forma como ela via o mundo ao qual
pertencia e os ideais que tinha para as mulheres árabes.
Hani se sentia prisioneira em um palácio dourado, mesmo que fosse
mais livre que muitas mulheres. Desde que a conheci, sabia que ela não
seria o tipo de mulher que se conformaria com um papel antagonista, ela
tinha sonhos e ideias e poderia ter a oportunidade de conquistá-los, pois,
apesar de ter nascido em um país onde as mulheres não tinham muita voz
e a religião predominante tivesse costumes muito diferentes do ocidente,
ela nasceu em uma família com tradições não tão rígidas, embora ainda
com suas restrições.
Desejava que ela compreendesse que eu respeitava sua
individualidade e admirava sua força de vontade. Não queria tê-la apenas
como um enfeite ao meu lado, mas se tivesse a chance, seria seu
companheiro e a apoiaria em suas escolhas.
— Não se trata de um conto de fadas, você deve saber. Mas sei que
irá apreciar a leitura, assim como eu apreciei.
— Tenho certeza de que sim, obrigada Zayn. — Colocou os livros de
volta no embrulho e depositou-o ao seu lado, no tapete. — Por que
escolheu estes livros para me presentear? Por que imaginou que eu
entenderia o significado?
Engoli em seco, ela queria que eu me abrisse. Droga! Eu queria me
abrir com ela, mas tinha receio de extrapolar e estragar tudo, assustá-la
ou irritá-la e voltarmos à estaca zero. Passei as mãos pelo meu rosto e a
fitei seriamente, ponderando as palavras, pensando em como eu poderia
começar a expressar o que sentia por dentro.
— Hoje pela manhã pedi que Omar comprasse os livros para que eu
pudesse dá-los a você — comecei, optando pela franqueza. — Queria
agradá-la, talvez impressioná-la, fazê-la baixar a guarda e se tornar mais
acessível.
— Eu não acredi….
— Não me interrompa! Deixe-me terminar, depois você fala. Nosso
histórico não traz os momentos mais sublimes, sei que o culpado de toda
essa merda sou eu. Assumo a responsabilidade, porém eu não penso
como antes. Você me interessa muito, Hani. Eu me senti atraído por você
desde que a vi na Oásis, foi naquela noite que te enxerguei
verdadeiramente como mulher. Estaria mentindo se dissesse que foi
antes, quando nos conhecemos em Dubai. Mas não sou o mesmo desde
então. Mesmo que me recusasse a tê-la como esposa, por questões de
orgulho e do que eu acreditava, hoje acredito que podemos fazer dar
certo.
— Por que mudou de ideia?
Revirei os olhos ao ser interrompido mais uma vez, mas Hani não se
importou com o gesto. Sorri, mesmo contrariado, pois a petulância da
menina me fazia sentir ainda mais vivo. Ela me desafiava sempre que
podia, eu amava o desafio.
— Estou disposto a me apaixonar por você.
Sua risada me pegou de surpresa.
— Como é? Eu ouvi direito? — Balançou a cabeça de um lado para o
outro, freneticamente, demonstrando sua incredulidade.
— Não deboche de mim, garota. Estou sendo sincero sobre os meus
sentimentos.
— Você não sabe nada sobre sentimentos! Pois se soubesse, não
feriria tanto os meus!
— Hani…
Parecia transtornada.
— Minha vez de falar — cortou-me. — Não seria muito mais fácil
acabarmos logo com isso?
Hani se levantou, colocando as mãos na cintura e me encarando com
evidente irritação.
Droga! Vai começar tudo outra vez!
— Por que faz isso comigo, Zayn? Já falei que vou desfazer o
noivado, você quis isso por tanto tempo. Agora decide que quer se casar
comigo, que é conveniente me ter como esposa. Tenho que aceitar suas
mudanças? Tenho que me adequar ao que decide ser o melhor? Melhor
para quem? Você não quer se apaixonar por mim, quer me manipular…
Quando a primeira lágrima rompeu, senti o punhal se cravando em
meu peito. Fazê-la chorar me causava agonia e uma dor que eu
desconhecia a intensidade. Não era o que eu pretendia quando a levei até
meu quarto. Eu não queria fazê-la sofrer, queria que ela aceitasse a
oportunidade de me deixar fazê-la feliz.
Levantei-me e fui até Hani, antes que ela fugisse de mim, segurei-a
pelos ombros, me arriscando a tocá-la e me surpreendendo ao vê-la me
tocar também, apoiando suas mãos em meu antebraço, mas sem me
afastar, apenas me usando como apoio. A conexão entre nossos corpos,
sem nenhuma conotação sexual, me atordoou.
— Você me assusta pra caralho… — murmurei, desconcertado.
— Pare!
Engoli em seco.
— O que você me faz sentir me assusta pra caralho. Droga, Hani!
Bastou te reencontrar e tudo mudou, você bagunçou minha cabeça. Não
sei como lidar com isso, só sei que preciso ficar perto de você.
— Não entendo…
— Acha que eu entendo? — Fechei os olhos com força, tentando
buscar em minha mente as palavras certas. — Eu me achava o dono do
mundo antes de você aparecer naquela boate. Ficar longe de Dubai me
fazia esquecer o compromisso que assumi quando era adolescente,
passei dezoito anos sendo dono de mim, mas bastou um segundo para
que tudo desmoronasse por completo. Você, menina. Você é o motivo de
eu não conseguir decifrar meus sentimentos, a razão por eu querer estar
somente com uma pessoa e me dedicar a fazer essa pessoa feliz. Dá pra
entender? Porque eu ainda estou tentando entender o que te faz tão
especial, mas preciso que me dê uma chance para te mostrar que também
posso ser especial pra você. Eu estou disposto a me apaixonar, porque eu
nunca tive vontade de ter uma única mulher em minha vida como eu tenho
agora de ter só você, Hani.
— É fácil dizer isso quando você viveu dezoito anos fazendo tudo o
que teve vontade, aproveitando sua liberdade e usufruindo dos prazeres
que a vida te ofereceu. — Desviou seu olhar do meu, fitando o chão.
Parecia cansada. — Ficar com você é me limitar, é aceitar o destino que
meu pai traçou para mim antes mesmo de eu nascer. Tudo o que mais
quero é ter o direito de escolha…
— Então escolha ficar comigo!
Hani estava em sua razão, mas eu não conseguia aceitar que ela
escolhesse um caminho que não se cruzasse com o meu.
— Se eu fizer isso, você vence.
Toquei seu queixo com o dedo indicador, fazendo com que tornasse
a me olhar diretamente nos olhos.
— Não estamos competindo, estamos? — questionei, em um
sussurro. — Sei que eu não posso apagar o meu passado, nem as
merdas que eu fiz e as besteiras que te falei. Também sei que estou
pedindo demais, mas não dormi a noite inteira pensando em você e
estava disposto a te conquistar pelos motivos errados, só que… Quando
penso em nós dois juntos, me parece tão certo que me torno egoísta, pois
não consigo imaginar que você possa seguir em frente sem mim.
— Zayn…
Puxei-a para mim em um abraço. Ela não recuou.
— Você é tão bonita, Hani. — Quando me dei conta, já havia soltado
as palavras.
Ela se afastou um pouco e sorriu ao me encarar, finalmente parecia
ter se desarmado, me lembrando da menina que um dia conheci. Aquele
sorriso tinha inocência e seus olhos mais ainda.
— Você não pode ficar comigo apenas porque me acha bonita, eu
espero que não seja esse o motivo que tenha feito você tomar essa
decisão. E não estou querendo discutir com você, mas preciso que seja
honesto comigo.
— Deixe-me ser o seu tudo, Hani.
— Não vou me entregar a você por paixão. Eu mereço muito mais.
— Eu quero te dar mais.
Ela encostou sua testa na minha.
— Você não é pra mim…
— Posso te provar que sou. Seja minha, Hani — supliquei, temendo
que ela se afastasse definitivamente.
— E você será só meu? — A insegurança em sua voz era evidente.
Afastei-me apenas para que pudesse fitá-la nos olhos.
— Eu sou seu.
Você não tem o direito de me dizer
Quando e aonde ir, não tem o direito de dizer
Agindo como se fosse meu dono ultimamente
Sim, querido, você não sabe nada sobre mim.”
MR. KNOW IT ALL – KELLY CLARKSON
Quem não provou o amargo
não sabe apreciar o doce.
Provérbio Árabe
Eu não estava preparada para o que enfrentaria quando entrasse na
suíte de Zayn El Safy. Acostumada a sempre estar na defensiva, me senti
vulnerável quando disse que estava de coração aberto para ouvir o que
tinha a me dizer. Era minha chance de finalmente me libertar, mas algo me
prendia a ele e eu não entendia de onde vinha o fascínio que sentia a
cada vez que seus olhos me fitavam.
Zayn era um homem poderoso, independente e dono de uma
personalidade marcante. Eu tinha uma escolha a fazer, queria ser dona do
meu destino.
Mas e se o meu destino fosse ele?
— Você é um cavalo selvagem — murmurei.
O sorriso no canto dos lábios brotou no mesmo instante.
— Eu sou, mas estou deixando as rédeas sob o seu comando.
Permanecemos de frente um para o outro, suas mãos seguravam
meu rosto e ele me acarinhava com delicadeza, fazendo com que meu
coração quisesse pular para fora do peito. Seu gesto me acalentava e eu
não sentia mais a raiva que quase sempre ele despertava em mim. Zayn
podia ser o belo acalmando a fera que eu teimava ser.
— Se eu aceitar, como isso irá funcionar? — Não podia
simplesmente me jogar em seus braços sem ter certeza de que minha
escolha era segura.
Quando seus lábios tocaram minha testa em um beijo suave, permiti
que meus olhos se fechassem para desfrutar daquele momento único. A
doçura que emitiu naquele gesto singelo, fez despertar algo em meu
coração. Sabia que eu estava muito encrencada e, mesmo assim, deixei-
me levar.
— Aceite ser minha namorada e me dê mil e uma noites para te
provar que sou o homem certo para você.
— Mil e uma noites? — Pestanejei. — São quase três anos, Zayn.
— Exatamente, tempo o bastante para eu conquistá-la e convencê-la
a se tornar minha esposa.
Afastei-me bruscamente.
— Casamento? Quando eu completar vinte e um anos, como
planejaram os nossos pais? — Sorri com sarcasmo. — Que conveniente
para você!
Caminhei em direção à porta, exausta de tantos altos e baixos
naquela conversa. Queria sair logo dali, quanto mais longe dele, mais
chances de pensar com coerência eu tinha.
Maldito homem que abalava as estruturas do meu coração.
— Já chega! Você tem seus argumentos na ponta da língua e uma
opinião formada sobre mim. — Zayn quebrou o silêncio. — Pode ir, Hani,
eu não vou mais insistir. Você é livre para fazer suas escolhas, não sou eu
quem irá atrapalhar seu caminho.
Engoli em seco e o encarei confusa.
Ele finalmente estava me deixando ir. Então, por que eu não queria?
“Há três anos, Zayn El Safy entrou na sua vida. Foi por pouco tempo,
mas o suficiente para que permanecesse aí dentro, no seu coração. Amor
não correspondido, somado à raiva, à mágoa, mas, ainda assim, é amor.”
A voz de Samira não parava de ecoar em meus ouvidos, deixando-
me sem ação. Eu precisava retomar o controle.
Observei o homem à minha frente, vestindo jeans, camiseta branca e
blazer azul royal, o turbante negro envolto na cabeça. Zayn aparentava
ser muito mais jovem do que realmente era, embora a diferença de idade
nunca tivesse me incomodado. Ele era lindo, mas não apenas sua beleza
me hipnotizava, seu gênio forte e a maneira como se portava,
demonstrando invencibilidade, desafiava e me confundia ao mesmo
tempo. Queria detestá-lo, mas o admirava.
A contradição em tudo o que eu sentia em relação àquele homem me
fez dar um passo à frente e finalmente tomar uma decisão definitiva. Era
tão fácil repeli-lo, mas queria saber como era tê-lo por perto sem me
preocupar com nada além de ser eu mesma.
— Sem prazos.
— Como é? — Pareceu confuso.
— Nada de estipular por quanto tempo vamos namorar, até
decidirmos que estamos prontos para elevar o relacionamento a um
próximo nível. Não pretendo me casar aos vinte e um anos, Zayn. Quero
estudar, ter uma carreira. Não desejo um marido, mas um companheiro
que sinta orgulho de mim pelas minhas conquistas, que não fique
esperando que eu cumpra obrigações exigidas pelas convenções
familiares da nossa tradição. Não serei esse tipo de mulher, imagino que
tenha sido essa a mensagem que você quis me passar quando me
presenteou com aqueles livros. Que assim como eu não me encaixo
nesse molde, você não espera isso de mim, porque você também não se
encaixa.
— Está dizendo que aceita ser minha namorada?
— Estou dizendo que aceito tentar.
Diminuindo a distância entre nós, Zayn ficou perto o bastante para
que eu sentisse seu hálito quente, porém não me tocou. Estava comedido.
— Se me aceitar, que o passado fique pra trás e comecemos a partir
de agora a escrever nossa história. Sem julgamentos, sem comparações.
Seremos você e eu, o presente e a esperança de um futuro.
— A partir de hoje, você é meu, Zayn El Safy.
Pousei minhas mãos em seu peito e o empurrei para trás,
caminhando lentamente de volta para a tenda no centro da sala. Com os
olhos fixos nos meus, Zayn obedecia ao meu comando silencioso e eu
nunca me senti tão poderosa em toda a minha vida. Não era uma questão
de mostrar quem mandava nem estar no controle ou, como ele havia
mencionado, ter as rédeas em minhas mãos. Zayn até podia ser um
cavalo selvagem, mas eu não queria domá-lo nem domesticá-lo, apenas
queria tê-lo para mim da forma mais verdadeira possível.
Impulsionei-o para que ele se sentasse sobre as almofadas no tapete
persa, esperei e, somente depois, me abaixei, me inclinando em sua
direção e me ajoelhando, abrindo as pernas para que as dele ficassem
entre as minhas. Não era uma posição confortável, porém se tratava da
primeira vez que eu avançava daquela maneira com um homem e me
sentia ousada, sexy, até. Zayn permanecia em silêncio, permitindo que eu
nos guiasse, talvez para não forçar a barra ou então porque quisesse ver
até onde eu pretendia chegar. Nem mesmo eu sabia, mas a única certeza
que tinha naquele momento era que, se fosse com ele, eu iria até o céu.
— Vem cá!
Seu comando possessivo ressoou em meu ouvido, fazendo com que
o calor entre minhas pernas se tornasse mais intenso. Sem me dar tempo
para pensar, Zayn puxou-me pela nuca e senti sua barba roçar em meu
rosto quando nossas bocas selaram um beijo de comum acordo, sem
raiva ou dominação, apenas duas pessoas que se desejavam com ardor e
não conseguiam mais disfarçar o quanto precisavam estar juntas sem
restrições. Deixei-me levar por meus instintos de mulher desejosa,
pressionei meu corpo contra o dele e, quando uma de suas mãos
acariciou meu traseiro por cima do jeans, impulsionei meu quadril para
frente, buscando contato com o corpo viril.
— Você me faz perder a razão… — murmurou antes de tornar a me
beijar.
De maneira desajeitada, Zayn me abraçou e girou meu corpo,
invertendo nossas posições. Deitando-me sobre as almofadas, esticou
minhas pernas e pairou sobre mim, moldando o seu corpo por cima do
meu em seguida. Agradeci mentalmente por ele ter tomado as rédeas de
volta, pois eu não saberia nos guiar no que poderia vir a seguir. Minha
pose de garota durona não duraria muito tempo, afinal, eu nada sabia
sobre como era estar com alguém de forma tão íntima. Assistir a filmes ou
ler em livros era muito diferente de vivenciar. A adrenalina, a emoção e o
calor do momento eram muito mais intensos do que imaginei ser possível.
Mas não senti medo, me entreguei a cada carícia, explorei sua boca,
apertei seu corpo contra o meu, rocei minha pélvis contra sua ereção e
senti um formigamento delicioso e ao mesmo tempo torturante com o
contato.
— Céu e inferno, porra! — Sua voz rouca e as mordiscadas no lóbulo
de minha orelha fizeram com que eu soltasse um gemido alto, mas não
me importei em demonstrar o quanto ele me afetava, sentia que causava
nele o mesmo efeito. — Será só minha e de mais ninguém…
Queria ter forças para desafiá-lo, mas ao vê-lo se afastar para retirar
o turbante da cabeça e, em seguida, o blazer e a camiseta, desisti da
ideia. Sua pele tom de oliva em um corpo moldado à perfeição pelo divino
me deixou em estado de embriaguez. Precisava tocá-lo e sentir seu corpo
contra o meu. Por este motivo, me ajeitei entre as almofadas e me sentei,
tirando minha t-shirt e ficando apenas com um sutiã de renda, na cor lilás.
Meus seios pequenos me lembraram de que eu não era uma mulher
adulta, mas uma adolescente com o corpo ainda em formação. Desviei
meu olhar do seu e a timidez mostrou sua face, me fazendo ruborizar
diante dele.
— Você é linda, Hani. Perfeita aos meus olhos. — Aproximando-se,
pegou a t-shirt que eu ainda segurava. — Levante os braços, deixe-me
vesti-la.
Pestanejei.
— Mas…
— Vai acontecer, mais cedo do que imaginamos, porém não esta
noite — justificou-se. — Não quando estamos sobrecarregados
emocionalmente. Eu quase me deixei cegar pelo tesão que você desperta
em mim, mas não posso estragar tudo agora que me deu uma chance.
Compreende?
Assenti em silêncio, levantando meus braços para que ele me
ajudasse a vestir a roupa.
— Não precisa ter vergonha do seu corpo. Já sabe o efeito que
causa em mim, não sabe? Isso significa que tudo em você me agrada,
inclusive seu belo par de seios. — Abriu um sorriso atrevido, me deixando
ainda mais encabulada. Após me vestir, segurou meu rosto entre suas
mãos e roçou o seu nariz levemente no meu. — Vamos jantar, conversar e
nos conhecer melhor.
— O que está fazendo? — perguntei com a voz sonolenta, ao abrir
meus olhos e me deparar com Zayn deitado ao meu lado, apoiando o
cotovelo no travesseiro enquanto me fitava.
— Apreciando sua serenidade enquanto dormia — respondeu
sorrindo. — A propósito, bom dia para você também.
Retribuí o sorriso.
— Bom dia.
Jantamos e passamos o restante da noite conversando, nos
conhecendo. Apesar de não ter muito o que contar e não querer chateá-lo
falando sobre a vida de uma colegial interna, Zayn demonstrou interesse
em saber mais sobre mim. Foi estranho no início, pois passei muito tempo
planejando meu reencontro e nada do que pensei em fazer estava sendo
colocado em prática. Era conflitante lidar com esse sentimento de que
falhei, pois me rendi ao que sentia, depois de tudo, mas a cada minuto em
sua presença fui conhecendo um lado diferente dele que estava me
conquistando sem que eu conseguisse evitar. Ao final da noite, ele pediu
que eu dormisse em sua cama e, sem pensar nas consequências, acatei
seu pedido.
Não houve consequências, Zayn me emprestou uma de suas
camisetas e permaneceu vestindo o seu jeans. Deitamos lado a lado e,
quando me virei de costas para ele, buscando melhor me acomodar na
cama, ele se aproximou e me abraçou por trás, encaixando seu corpo ao
meu, no que os namorados chamam de “dormir de conchinha”.
Estranhamente, me senti tão bem ali. Foi uma experiência nova e nunca
havia pensado em estar assim tão próxima de alguém, principalmente do
homem a quem eu acreditava detestar com todas as minhas forças. Seu
cheiro era tão bom, o calor do seu corpo aquecia o meu, a energia que
pairava entre nós era tensa, devido à atração que sentíamos um pelo
outro, mas tudo o que ele fez foi entrelaçar uma de suas mãos com a
minha até que o sono nos embalasse.
Ao abrir meus olhos e vê-lo tão perto, o medo de estar me
apaixonando por Zayn El Safy deixou-me sem ação. Não podia acreditar
que era possível, pois mal nos conhecíamos e, na maior parte do tempo,
brigávamos. Mas eu estava diferente, sabia que algo havia mudado, só
não queria dar um nome ao que estava acontecendo dentro do meu
coração.
— Qual seu plano para hoje? — perguntou ele, aproximando-se de
mim e tocando o meu rosto com delicadeza.
— Não pensei em nada.
— Quero que passe o dia comigo. Pensei em levá-la para conhecer
minha casa, almoçarmos juntos e depois podemos dar um passeio. O que
acha?
Hesitei antes de responder, não tinha dúvidas de que adoraria passar
o dia com ele, mas sua proximidade me deixava nervosa e eu sentia uma
vontade incontrolável de beijá-lo mais uma vez. Fitando sua boca,
involuntariamente, acabei passando minha língua pelos lábios, sedenta.
— Você pensa demais… — murmurou, pegando-me de surpresa ao
me puxar pela nuca e avançando sobre minha boca em um beijo urgente.
Entrelaçando suas pernas na minha, Zayn ficou por cima de mim
enquanto eu o abraçava com força, não querendo que o beijo terminasse.
Seu jeans roçando em minhas pernas nuas, sua mão livre explorando com
curiosidade por debaixo da minha camiseta, onde eu estava vulnerável.
Quando senti seus dedos tocarem um dos meus seios, soltei um gemido
rouco, surpreendendo-me com o quanto aquela carícia fazia meu corpo
arder em chamas.
— Quero beijá-los, mordê-los, sugá-los… Quero tudo, Hani. Tudo o
que você estiver disposta a me dar.
Beijando meu queixo e descendo lentamente para o pescoço, Zayn
continuou a me torturar enquanto beliscava de leve meu mamilo
intumescido. Arranhando suas costas, arqueando meu quadril para sentir
sua virilidade em meu ponto sensível, eu quase pedi que ele fizesse
comigo tudo o que tivesse vontade de fazer, pois eu estava mais do que
disposta a me entregar. Mas antes que eu manifestasse em voz alta o
meu desejo, ele diminuiu o ritmo e eu soube, naquele momento, que ainda
não havia chegado a hora certa.
Havia uma hora certa para se entregar à paixão? Quem foi que
estipulou essa regra?
Ainda em cima de mim, Zayn me devorou com os olhos e sentenciou
com a voz rouca de desejo:
— Se quer que eu seja seu, tome posse.
“Adeus
Eu deveria estar te dizendo isso agora, não deveria?
Estabelecendo as regras da minha vida
Bem talvez da próxima vez
Eu tenho uma língua complicada
Cheias de palavras que não são cantadas
Cozinha e depois ferve por alguém
Alguém errado.”
GONNA GET OVER YOU – SARA BAREILLES
Quem quer comer o pão do rei,
deve cortá-lo com a espada.
Provérbio Árabe
Com a ajuda de Samira, sem que Hani soubesse, consegui preparar
uma noite para que finalmente tivéssemos a oportunidade de nos
entender. Desarmá-la não foi tão fácil quanto imaginei, mas só foi possível
quando eu mesmo rompi as barreiras que havia imposto para mim.
Confessar o que se passava em minha mente era vencer um conflito
interno que travei com meu orgulho e somente assim pude ter o que tanto
almejei desde que a reencontrei.
Precisei frear meus instintos para não dar um passo maior que a
perna, apressar as coisas não seria sensato, mesmo que o meu desejo
por ela quase tivesse falado mais alto. Hani mexia com minha libido,
despertava lascívia e fazia meu corpo ansiar por contato com o seu.
Queria fazê-la minha, sentir como era estar dentro dela e tomar posse do
que já considerava meu. Porém, aquele não era o momento, o que foi uma
tortura, mas necessário.
Convidá-la para passar a noite em minha cama sem tocá-la como eu
gostaria foi um grande desafio. Mas observá-la enquanto dormia, tranquila
e segura em meus braços, foi surpreendente. Como o silêncio podia ser
perfeito em algumas ocasiões. Eu que estava acostumado com mulheres
para uma noite apenas, estava encantado por uma garota que repousava
em minha cama, vestindo apenas calcinha e uma de minhas camisetas,
além de um par de meias nos pés.
Estava me acostumando com a personalidade forte de Hani, suas
respostas elaboradas e argumentos inteligentes. Inicialmente pensei que
fosse apenas por provocação, mas percebi que essas características
faziam parte de quem ela era de verdade e que eu deveria saber
interpretar seus rompantes e relevar o seu gênio indomável.
Convidei-a para passar o dia comigo, pretendia levá-la para minha
casa, a fim de que me conhecesse melhor. Nada mais íntimo e pessoal do
que meu lar.
Após levantarmos e fazermos o desjejum na tenda que continuava
armada no meio da suíte, Hani foi para seu quarto se preparar, queria
conversar com a prima e ligar para sua mãe, antes de sair comigo.
Lembrei-me de que eu também precisava falar com a minha e entrar em
contato com Phillip Mitchell. Por mais que houvesse uma promessa de
casamento, queria conversar com o pai de Hani para atualizá-lo de nosso
envolvimento. Tomei um banho, me vesti e aproveitei que estava sozinho
para finalmente fazer a ligação.
— Filho querido! Lembrou-se da existência de sua progenitora.
Zahara El Safy conseguia fazer o brilhante papel de rainha do drama.
— Tão bom ouvir a voz da mulher da minha vida. Perdão por não ter
ligado antes, estive ocupado.
— Nunca esteja ocupado para sua família, rapazinho.
Não era como se eu estivesse sem conversar com minha mãe por
um grande período de tempo. Tínhamos o hábito de nos falar uma vez por
dia, somente assim eu conseguia evitar viagens constantes para Dubai.
Talvez as coisas mudassem com Hani e eu envolvidos. Seus pais não
permitiriam que ficássemos sozinhos em Londres, não antes que nos
casássemos. Se Phillip e Falak sequer sonhassem que ela dormiu comigo,
mesmo que eu não tenha corrompido sua virgindade, estaríamos
encrencados. Queria interceder por Hani e Samira, para que
permanecessem na Europa e frequentassem a universidade. Phillip tinha
conceitos bastante rígidos, assim como meu pai. Mas eu estava confiante
de que, com a ajuda de minha mãe, eu poderia obter sucesso.
Respeitava muito meus pais e os de Hani, mas minha crença era um
pouco diferente das suas.
— O motivo de eu não ter ligado é que estive ocupado tentando me
acertar com Hani Mitchell — confessei.
— Esteve com ela? Conversaram? — Acertei bem no alvo.
— Sim. Hani e eu temos aproveitado a estadia dela em Londres para
nos conhecermos.
— Vai se casar com ela? — A expectativa em sua voz me fez sorrir.
— Pensei muito no que a senhora e o pai vivem me dizendo desde
que aceitei o noivado com Hani. Os anos se passaram e não encontrei
uma mulher com quem eu gostaria de me casar e constituir família. Mas
ao revê-la tive a certeza de que ela é a escolha certa.
— Então isso é um sim?
— Sim, mãe. Eu quero me casar com Hani.
— Finalmente caiu em si! — comemorou. — Sempre soube que
foram feitos um para o outro. Você é que não enxergava, porque é um
menino teimoso e orgulhoso.
— Quero falar com Phillip, passou tempo demais e deixamos essa
conversa de noivado se perder ao vento. Foi um acordo entre ele e o pai,
eu não sabia o que estava fazendo quando aceitei, mas agora é diferente
e quero colocar tudo em pratos limpos.
— Virá a Dubai?
— Pretendo. Hani completa dezoito anos na próxima semana, é a
oportunidade perfeita para resolvermos tudo.
— Meu filho, meu coração se inunda de alegria. Posso organizar um
jantar em nossa casa, para formalizarmos o noivado de uma vez por
todas!
— Não se precipite, mãe. Gostaria de estar em Dubai para então
discutirmos como proceder, tudo bem? — Preferi não mencionar o quanto
Hani era teimosa e ainda precisaria conversar com ela sobre minhas
intenções.
— Tudo bem, rapazinho.
— O pai está por aí?
— Não. Mas falarei com ele e pedirei que lhe telefone.
— Obrigado, mãe. Preciso desligar agora. Eu te amo.
— Eu também te amo, querido. Mande um abraço para Hani e, por
favor, cuide da menina, sim?
— Cuidarei, não se preocupe. Ligo amanhã.
“Venha e bata na minha direção
À toda velocidade
Nós podemos colidir...”
COLLIDE – LEONA LEWIS
O maior erro é a pressa antes do tempo
e a lentidão ante a oportunidade.
Provérbio Árabe
Voltei ao meu quarto com o propósito de me arrumar para passar o
dia com Zayn, mas antes precisava ligar para minha mãe e ter uma
conversa séria com minha prima. Para minha surpresa, ela não estava em
seu quarto.
Tomei um banho e me arrumei, liguei para mamãe e confirmei meu
retorno a Dubai no próximo final de semana. Optei não por mencionar
Zayn, para que ela e papai não interferissem. Sabia que torciam para que
eu me apaixonasse pelo meu noivo, mas superprotetores como eram,
fariam Christopher ser ainda mais cuidadoso e imporiam restrições que
apenas serviriam para frustrar minhas tão sonhadas férias.
Minha mãe estava preparando um jantar de boas-vindas, onde todos
os nossos familiares e amigos estariam presentes. Não quis comemorar
meu aniversário com uma festa grande, por mais que ela insistisse.
Eu tinha planos para o meu retorno a Dubai, conversar com meu pai
era crucial e o clima para festa poderia não existir. Eu temia decepcioná-
lo, mas precisava ser honesta sobre os planos que tracei para minha vida.
Envolver-me com Zayn em nada mudou minha visão de liberdade, se ele
realmente estivesse disposto a levar nosso relacionamento adiante, teria
que ser compreensível. Passei tempo demais obedecendo às expectativas
depositadas em cima de mim, mas estava determinada a lutar pelo que
almejava.
Samira entrou na suíte e se assustou ao se deparar comigo. Franzi o
cenho e a observei com desconfiança ao questioná-la.
— O que está acontecendo com você, Samira? Onde estava?
— Fiz o desjejum no restaurante do hotel — justificou-se,
aproximando-se para me dar um abraço. — Estava preocupada com você,
prima. Quando enviou mensagem comunicando que ia dormir no quarto
do Zayn, quase bati na porta da suíte para te chamar de volta. Que
loucura foi essa?
Afastei-me do seu abraço e fui até o sofá.
— Ele me pediu uma chance, pensei melhor e decidi aceitar. Foi isso
o que aconteceu — respondi polidamente.
— E precisou dormir fora? — Ironizou Samira.
— Não aconteceu nada, se é o que está pensando. Só conversamos,
nos beijamos. Estamos nos conhecendo.
Samira se aproximou e sentou-se ao meu lado.
— Está apaixonada por ele?
A pergunta me pegou desprevenida. Depois de um tempo em
silêncio, consegui colocar em palavras um pouco do que estava sentindo.
— Se eu tivesse o poder de mandar no meu coração, escolheria
odiá-lo. Mas não consigo. E você sabe que não foi por falta de tentar. Eu o
quero para mim, cada vez que estou com ele, essa certeza se intensifica.
— Fechei meus olhos e cobri meu rosto com as duas mãos. — Amor,
paixão, obsessão… Que nome eu posso dar ao que sinto? Não sei,
Samira. Mas sei que o que ele desperta em mim é forte. Isso me assusta.
— Apesar de ter a alma de uma anciã, você é apenas uma
adolescente, minha prima. É normal que se sinta assim, Zayn é o primeiro
homem com quem tem contato. — Segurou minhas mãos nas suas, me
fazendo encará-la.
— É errado desejar que ele seja o único? — Senti meus olhos
marejarem. — Eu estava tão decidida em terminar com esse noivado, em
fazê-lo engolir sua arrogância. Agora estou me rendendo ao seu charme.
— Está se rendendo ao amor.
— Posso estar cometendo o maior erro da minha vida.
— Ou se permitindo viver os melhores momentos dela.
Nos dias que se passaram, Zayn e eu nos aproximamos cada vez
mais. Ter a oportunidade de mudar a impressão que eu tinha sobre ele
abriu meu coração para recebê-lo. Sabia que havia me apaixonado, mas
já não me sentia culpada por tal sentimento. Sentia que pertencia a ele,
mas não o deixaria saber disso tão cedo. Não enquanto não tivesse
certeza sobre o que ele sentia em relação a mim.
Zayn El Safy me surpreendeu ao proporcionar passeios românticos e
demonstrar afeto, ausentou-se do trabalho para ser meu guia em Londres
e cada dia ao seu lado foi uma descoberta. Tê-lo cuidando de meu bem-
estar e querendo me agradar fez com que minhas barreiras se
extinguissem de uma vez por todas. A cada abraço e beijo, cada toque de
suas mãos em meu corpo, o reconhecimento de que juntos éramos
perfeitos fez com que eu nos isolasse em uma bolha.
Não queria que a semana terminasse, saber que precisaria voltar a
Dubai e que ainda não tínhamos conversado sobre como as coisas entre
nós funcionariam depois que eu fosse embora de Londres me deixava
angustiada.
Ele era mais velho, mais experiente, acostumado a ter as mulheres à
sua volta, principalmente na Oásis. Não era como se eu não confiasse
nele, porém estávamos apenas nos conhecendo e o relacionamento era
muito recente, a insegurança que tomou conta de mim podia se justificar
pela minha imaturidade, não tinha problema nenhum em admitir.
Em uma de nossas conversas, o questionei sobre sentir falta de estar
na companhia de outras mulheres. Manter uma postura confiante e dona
de mim estava cada vez mais difícil quando eu me via completamente
encantada por um homem que tinha o dobro da minha idade e conhecia o
melhor que a vida tinha para oferecer.
— Não sou tão canalha como você imagina. Sei que fui promíscuo
nesses anos todos, mas isso não pode ser apagado. Eu não quero mais
me envolver com outras mulheres da maneira fria com que me envolvia,
elas não significaram nada para mim, mas você é diferente e quero a
chance de te mostrar isso. Quero ser só seu.
— A pergunta é: você conseguirá pertencer somente a mim? —
Minha voz trêmula denunciou minha insegurança.
Seu olhar fixo ao meu não deixou nenhuma dúvida quando
respondeu:
— Já pertenço, Hani. Será que não enxerga?
Quando seus braços me envolviam e sua boca devorava a minha em
um beijo de posse, eu fechava meus olhos e me entregava àquele
momento como se pudesse ser o último. Nunca pensei que um dia eu
viveria o amor de maneira tão intensa, acreditei que o meu destino havia
sido selado e a felicidade não seria minha companheira por conta de um
casamento planejado e da minha falta de coragem em contrariar meu pai.
Porém, fui surpreendida ao me apaixonar pelo homem para quem fui
prometida. Não me sentia obrigada a dar continuidade no acordo entre
nossas famílias, embora fosse conveniente.
Estava com Zayn porque queria estar, não porque me foi imposto que
assim deveria ser.
— Kunti fin[16]?

— Zayn nos convidou para ir à Oásis hoje — comentei com Samira,


enquanto enxugava meu cabelo com a toalha de banho.
Minha prima e eu mal nos vimos durante a semana. Estando a maior
parte do tempo na companhia de Zayn, acabei deixando Samira um pouco
de lado, acompanhada apenas de nosso segurança.
— Por mim tudo bem, vou avisar o Christopher.
— Acho que ele não precisa ir conosco desta vez, Zayn estará por
perto e há os seguranças da boate — argumentei, procurando minha
escova de cabelo.
— Quero que ele vá — insistiu Samira. — Você estará com o seu
namorado e eu não quero tomar chá de cadeira ou ficar atrapalhando o
clima de vocês. Prefiro estar acompanhada, e Christopher é praticamente
um acessório, já que tem estado ao meu lado durante toda a semana.
— Se prefere assim, tudo bem.
Meu retorno para Dubai estava marcado para o domingo pela manhã.
Era sexta-feira e aproveitaria minha última noite em Londres em uma
balada. Zayn queria que passássemos o sábado juntos, antes de eu
embarcar. Por conta dos negócios adiados durante a semana, ele teria
que permanecer em Londres até quarta-feira, mas chegaria a tempo para
a comemoração do meu aniversário. Em parte, sentiria falta dele, mas
também teria tempo o bastante para conversar com meu pai sem a sua
interferência.
O toque do meu celular, em cima da penteadeira, acusava uma
mensagem recebida. Verifiquei a caixa de entrada e o nome de Javier
apareceu.
JAVIER>>> Retorno amanhã para a Austrália. Que tal um café de
despedida? Ou um jantar?
Atualizei Javier sobre meu relacionamento com Zayn durante a
semana. Trocamos algumas mensagens e ele me ajudou com alguns
conselhos que fizeram a diferença. Ele era um cara muito legal e tornou-
se um bom amigo. Queria ter a oportunidade de me despedir dele
pessoalmente, poderia aceitar o convite para jantar, mas preferiria que
Zayn estivesse presente para entender que Javier era somente um amigo,
não alguém que tinha segundas intenções comigo.
HANI>>> Que tal uma balada londrina? Estou indo para a Oásis,
hoje à noite.
JAVIER>>> Não vou arrumar problema com seu namorado
possessivo?
HANI>>> Christopher e Samira estarão conosco.
JAVIER>>> Ok. Apareço por lá às 23h.
Decidida a impressionar meu namorado, fui até o closet em busca de
uma roupa que me deixasse deslumbrante. Queria me sentir linda e
poderosa, dar a impressão de ser mais velha e não me sentir inferior às
lindas mulheres que costumavam frequentar a Oásis e, principalmente,
aquele maldito camarote ao qual ele chamava de “harém”.
Escolhi um macacão preto, com calça flare e o decote bastante
generoso, ousado, até, mas como meus seios eram pequenos, não ficaria
vulgar ao extremo. Sensual era a palavra. Queria os olhos de Zayn sobre
mim durante toda a noite, e talvez algo mais acontecesse quando
saíssemos da boate. O desejo de me entregar a ele estava cada vez mais
forte, a necessidade de tê-lo de maneira íntima era como afirmar que ele
me pertencia de verdade. Soava possessivo, mas era o que eu sentia e
precisava da confirmação de que éramos um do outro, antes de voltar à
Dubai.
Finalizei meu visual com uma maquiagem marcante nos olhos e um
batom vermelho vivo. Prendi o cabelo em um coque desleixado, calcei
uma sandália preta, de salto fino, e coloquei a pulseira que ele havia me
presenteado no meu aniversário de quinze anos.
— Uau! Você está vestida para matar! Zayn vai ter um enfarto
quando vir esse decote — comentou Samira, ao me ver pronta.
Sorri com malícia.
— Então acho que acertei na minha escolha.
“Quem vai te amar?
Quem vai lutar?
E quem vai ficar para trás?”
SKINNY LOVE - BIRD
"Fez do lobo o guardião das ovelhas.
Provérbio Árabe
— Elas chegaram.
A voz de Omar me tirou dos devaneios. Fitei meu amigo e acenei
com um gesto de cabeça.
— Obrigado, já vou descer.
— A outra menina, Samira, ela também foi prometida a alguém?
— Por que a pergunta? — Arqueei as sobrancelhas.
— Somente curiosidade, nada importante. — Pareceu intimidado
diante do meu questionamento.
Levantei-me e caminhei em direção à porta do escritório, parando
diante dele antes de ir ao encontro da mulher que habitou meus
pensamentos durante todo o dia.
— Se não é importante, não pergunte. Samira é tão preciosa quanto
Hani. Se em algum momento eu pensei que poderia me envolver com
aquela garota sem me render, fui um tolo. Se tiver a intenção de se
aproximar da menina, que seja para cair aos seus pés e beijar o chão que
ela pisa. Entendeu?
Omar riu diante do meu aviso direto, mas não conseguiu sustentar o
olhar. Eu o havia intimidado deliberadamente.
— Não tenho chance com ela, amigo. A preciosa Samira só tem
olhos para o guarda-costas.
— O que está dizendo?
— Exatamente o que acabou de ouvir. Basta vê-los juntos e você
percebe que ela beija o chão que ele pisa.
Será que Hani sabia de tal fato? Estivemos tão focados em nós
mesmos nos últimos dias, que deixamos Samira sob os cuidados e
companhia constante de Christopher. Precisava ver com meus próprios
olhos antes de tirar alguma conclusão e, assim, decidir o que fazer a
respeito. Gostava de Samira como se fosse da minha família, me sentia
responsável e não queria vê-la magoada por se envolver com alguém
cujo Phillip certamente não aprovaria.
— Quero que permaneça por perto esta noite, Omar. Não perca
Samira de vista, e se vir algo que comprove o envolvimento dela com o
guarda-costas, me comunique imediatamente.
— Como quiser.
— Vamos descer, preciso ver Hani.
— Esteja preparado, meu caro amigo — falou, com um sorrisinho no
canto dos lábios.
— Por que está dizendo isso? E por que o cinismo?
— Veja com seus próprios olhos e entenderá.

Entendi as palavras de Omar assim que avistei Hani, ao chegar à


área exclusiva dos camarotes. Aquela garota fazia meu sangue ferver em
questão de segundos, e bastou um olhar em sua direção para que eu
desejasse tirá-la dali para colocá-la em uma gaiola, onde somente eu
pudesse apreciá-la ao meu bel prazer. Como um pássaro raro, que
desejava liberdade, mas era prisioneiro do egoísmo de seu dono, que não
tinha intenção de compartilhar sua beleza com mais ninguém.
Era insano pensar em Hani de maneira tão possessiva, mas o poder
que ela exercia sobre mim, sem sequer ter consciência do fato, era algo
tão intenso e poderoso que precisei reunir todo o meu autocontrole para
não caminhar até lá e colocá-la por sobre os meus ombros, como um
saco de batatas, e carregá-la para longe dali.
O decote do macacão frente única era provocante. O que ela havia
escondido de pernas, mostrava de colo. Eu não deveria ficar furioso por
causa de uma roupa. Estava acostumado com as mulheres se vestindo
de maneira sexy, principalmente as que frequentavam o meu “harém”
com a intenção de me provocar e seduzir.
Era isso o que ela queria? Brincar com fogo?
Eu arderia no inferno pelos pensamentos que me dominaram ao vê-
la dançando.
Dei o primeiro passo em sua direção, mas parei abruptamente ao
ver o americano se aproximar de Hani. Ele a tocou em seu ombro
desnudo e ela sorriu, virando-se para então abraçá-lo. Meu ciúme entrou
em ebulição, o desejo de ir até lá e arrancá-lo de cima dela para então
jogá-lo escadaria abaixo e exigir que a equipe de segurança o
escorraçasse da minha casa noturna a pontapés, quase sucumbiu. Mas
eu não faria um escândalo. Hani sabia que eu não suportava a ideia de
outro homem a tocando, mesmo que não houvesse segundas intenções.
Porém, não conhecia o tal Javier Stanton, ela também não. O homem era
um hóspede do Mitchell Royal Palace, a quem ela decidiu chamar de
amigo do dia para a noite.
Fechei meus olhos com força, inspirei o ar e o soltei gradativamente.
Eu conseguia ser um homem civilizado, mas se ela podia ter amigos, eu
podia ter amigas. Soava como provocação, mas não pensei com clareza,
apenas tracei uma nova rota e fui em direção ao camarote onde as mais
belas mulheres da noite dançavam exclusivamente para mim.
“Fácil para você dizer
Que seu coração nunca foi partido
Que seu orgulho nunca foi roubado
Ainda não.”
THESE DAYS – FOO FIGHTERS
Quem não compreende um olhar,
tampouco compreenderá uma longa explicação.
Provérbio Árabe
— Javier! Que bom que você veio — cumprimentei meu novo amigo,
feliz por sua presença.
Desfizemo-nos do abraço e ele cumprimentou Christopher e Samira.
— Minha temporada em Londres chegou ao fim, então aceitei me
despedir em grande estilo. Não costumo frequentar casas noturnas, mas a
Oásis é diferente de todas em que já estive.
— Zayn planejou cada detalhe junto com a arquiteta — comentei,
sentindo-me orgulhosa do meu namorado.
— E onde está o seu Zayn? — perguntou ele, em um tom brincalhão.
— Deve aparecer daqui a pouco, Omar foi avisá-lo de que
chegamos.
— Na verdade, ele já apareceu — revelou Christopher, mantendo
sua postura neutra.
Olhei em volta, mas não o vi entre as pessoas, então encarei
Christopher, questionando-o com um arquear de sobrancelhas.
— No camarote.
Engoli em seco. Sabia exatamente de qual camarote se tratava.
Disfarçando o meu desagrado, sorri para Javier, mas mordi os lábios em
um gesto de nervosismo. Fechei a palma de minha mão, fazendo com que
as unhas causassem dor ao serem pressionadas contra a pele.
O que ele está fazendo naquele camarote que todos apelidam de
“harém”?
— Ele te viu abraçando o Javier — Samira disse ao pé do meu
ouvido.
Droga…
A culpa era minha.
Fitei minha prima e ela anuiu em silêncio, concordando comigo.
Tínhamos essa conexão, sem precisar de palavras, nos compreendendo
apenas com o olhar.
— Vai lá, Hani. Nós estaremos aqui — aconselhou Javier.
Sem me despedir, caminhei com determinação até o camarote
frequentado pelas mulheres mais interessantes da noite londrina.
Mulheres lindas, desimpedidas, sensuais e liberais, dispostas a se
entregarem por uma noite inteira ao homem que estava sentado no trono
dourado, observando-as.
Decidindo qual delas será a escolhida, talvez?
Zayn El Safy exalava poder e autoconfiança exacerbada, mas eu
sabia que por dentro ele estava furioso comigo. Embora eu sentisse a
necessidade de fazê-lo entender que não seria o tipo de mulher que não
tem amigos por conta de ciúmes, compreendia-o em parte, porque
somente em vê-lo ali também fui dominada pelo ciúme e precisei me
manter firme em meu propósito, para não armar um escândalo e agredir
qualquer uma delas.
Entrei no camarote e não me preocupei em ser gentil com ninguém,
esbarrei em duas ou três, e não pedi desculpas. Meu olhar estava fixo no
homem à minha frente, que já havia me visto, porém não esboçava
nenhuma reação. As íris negras, o semblante impassível, os lábios
pressionados um contra o outro, deliberadamente, mostrando o quanto
estava se contendo. Mas eu estava decidida e não iria fingir indiferença
perante o que sentia.
— Mande-as embora — exigi, falando alto para que minha voz se
sobressaísse à música.
— Mande você.
Ele estava me desafiando.
Sem pensar duas vezes, me aproximei dele e me sentei de lado, em
uma de suas pernas. Senti seu corpo estremecer e sorri, vitoriosa. Ele
podia estar chateado comigo, mas ainda me desejava e eu iria usar a
atração física ao meu favor. Envolvi meus braços em torno do seu
pescoço e o olhei diretamente nos olhos.
— É o que preciso fazer para chamar sua atenção? Disputar com
essas mulheres a honra de ser escolhida por você?
Ele não respondeu.
— Pois elas que fiquem e vejam com os próprios olhos que agora
você é meu. — Desci uma das mãos até seu queixo e o apertei de leve,
puxando-o para um beijo rápido.
Senti suas mãos tocarem minha cintura e um arrepio percorreu
minhas costas.
— O que acha que está fazendo, Hani?
— Tomando posse.
Não foi preciso dizer mais nada, Zayn me puxou para mais perto e
segurou minha nuca com firmeza, beijando minha boca com voracidade.
Prendi seu rosto entre minhas mãos e me entreguei ao beijo, queria que
ele entendesse o quanto o desejava, que não havia mais ninguém em
meus pensamentos e em meu coração além dele. Não precisava pôr em
palavras algo que se entendia nas minhas ações.
— “Eu sempre estou com você. Você sempre está em minha mente e
em meu coração. Eu nunca a esqueço. Eu sempre sinto falta de você. Até
mesmo se estou com você…” — cantarolou ao pé do meu ouvido, ao
afastar sua boca da minha, um trecho da música Tamally Maak, do Amr
Diab.
Era minha música favorita do cantor, contei a ele na noite em que
dormi em sua suíte.
— Mande-as embora.
— Não.
— Por quê? — Tentei me afastar, mas ele não permitiu.
— Porque você não manda em mim.
— Foi um pedido — retruquei.
— Foi uma ordem.
Sim, havia sido. Mas eu não admitiria em voz alta.
— Não precisa dessas mulheres, Zayn. — Cheguei mais perto,
falando em seu ouvido: — Você me tem, agora. Eu quero que você me
foda, quero que faça comigo o que já fez com as outras, quero ser sua e
de mais ninguém…
Em um gesto de ousadia, levei minha mão entre suas pernas e
apertei sua ereção. Zayn me surpreendeu ao se levantar bruscamente,
quase me fazendo cair. Ajudando-me a me equilibrar, me encarou com
evidente irritação:
— Nunca mais se humilhe desta maneira, Hani! Jamais terá de mim
o que eu tive com elas. Não percebe? — alterou o tom de voz, fazendo
com que as mulheres à nossa volta parassem de dançar e focassem sua
atenção em nós.
— Ai, essa doeu! — Ouvi uma delas dizer em tom de deboche.
O impacto de suas palavras me fez recuar um passo. Senti-me
envergonhada, diminuída perante aquelas que estavam ali para agradá-lo.
Sem conseguir me expressar em palavras, lhe dei as costas e me afastei.
Queria ir para qualquer lugar, desde que fosse longe dele.
Mais uma vez, Zayn El Safy feria o meu coração, mas nunca havia
doído tanto quanto daquela vez.
Talvez fosse porque eu o amava.
Sem me importar com quem quer que fosse, me misturei às pessoas,
tentando me camuflar. Entre lágrimas, desci as escadas com pressa,
puxando meu cabelo preso para que se soltasse e me disfarçasse. Minha
visão turva, a música alta, a raiva insana e a tristeza que me consumia
fizeram com que eu não pensasse em mais nada além de fugir o mais
rápido possível.
— Hani, espere!
Eu já estava perto da saída quando Javier me alcançou. Permiti que
se aproximasse e colocasse seu blazer por cima dos meus ombros,
amparando-me em seguida, com um abraço protetor. Sem dizer nada,
deixei que ele me guiasse para fora da Oásis.
Mais tarde, já deitada na cama, ao lado de Javier, chorei até o
esgotamento. Mil coisas se passaram pela minha cabeça, as lembranças
de anos atrás, somadas às mais recentes, me fizeram tomar uma decisão
definitiva. Mas eu estava cansada demais para levantar e seguir em frente
naquele momento, poderia esperar para o dia seguinte.
Exausta, caí no sono.
“E quando a gente terminar
Eu não quero sentir minhas pernas
E quando a gente terminar
Eu quero sentir as suas mãos passando por mim, baby
Você não pode parar por aí.”
MOTIVATION – KELLY ROWLAND FT. LIL WAYNE
Não pressiones demais o covarde
que ele vira valente.
Provérbio Árabe
Ela virou as costas para mim, mais uma vez.
Se acha que vou atrás de você, está enganada!
Saí do camarote a passos largos, indo em direção ao meu escritório.
Enquanto subia os degraus, percebi que Samira e Omar me seguiam.
Continuei pelo corredor e abri a porta com força, entrando na sala
reservada e esperando que os dois fizessem o mesmo. Fui até o frigobar
e me servi de conhaque puro, sem gelo, ingerindo sem degustar.
— O que você fez pra ela? — gritou Samira, se aproximando com
agressividade.
Nunca vi a prima de Hani elevar sua voz ou assumir uma postura
tão autoconfiante.
— Por que não foi atrás dela para descobrir? — revidei em tom
gélido.
— Javier foi, mas eu quero saber da sua boca, o que fez para que
Hani saísse tão transtornada?
— E por que acha que fiz alguma coisa? Pois saiba que eu não fiz
nada de errado! A sua priminha é que bancou a garotinha mimada e fez
beicinho porque não dei a ela o que queria.
A boca de Samira se abriu em uma expressão perplexa.
— Não fale assim com a garota, Zayn — interveio Omar, tentando
apaziguar a situação.
Servi-me de mais uma dose de conhaque e, novamente, ingeri o
líquido, sentindo minha garganta queimar.
— Hani queria que eu a tratasse da mesma maneira que tratava as
outras mulheres… — murmurei, concentrando-me em mais uma dose.
— E o que você disse a ela? — insistiu Samira, mais calma.
— Que jamais teria de mim o que eu tive com elas.
— Você é um idiota!
— Por valorizá-la mais que as outras?
A prima de Hani balançou a cabeça, negativamente.
— Por não perceber que ela entendeu que você a estava repelindo
mais uma vez. Deveria ter ido atrás dela, Zayn. — Desviou-se de Omar e
saiu do escritório, deixando a porta aberta.
Ponderei o que ela havia acabado de dizer e somente depois de
reviver a cena em minha mente percebi o mal-entendido. Hani pensou
que eu a rejeitei quando disse que não a trataria como as outras, quando
tudo o que eu quis dizer foi que ela não era igual às outras mulheres,
porque para mim ela era especial.
Não precisava se oferecer como as outras faziam, porque era eu
quem me ofereceria para ela.
— Porra! Estraguei tudo!
Esta maldita dor que estou sentindo é por causa de um sentimento
que deixei crescer dentro de mim e me recusei a compartilhar com ela?
Essa merda é o que chamam de amor?

Entrei no saguão do hotel tentando disfarçar minha inquietação.


Fazia uma oração mentalmente para que estivesse em seu quarto e que
me desse a oportunidade de esclarecer o equívoco. Conforme o elevador
subia, eu me remexia agitado até que, finalmente, parei no andar
correspondente. Às pressas, caminhei a passos largos em direção à suíte
de Hani e, quando estava quase chegando, deparei-me com Javier
Stanton saindo do quarto dela.
Maldito americano!
— O que fazia no quarto de Hani? — vociferei, sentindo a raiva
crescer dentro de mim.
— Eu fiz o que você deveria ter feito, Zayn. — respondeu
indiferente, tentando sair pela tangente. — Deixe para vê-la amanhã, Hani
está dormindo agora. Foi uma noite exaustiva.
Segurei-o pelo braço, impedindo que fosse embora.
— É melhor me soltar, Sr. El Safy. Não sou um garoto da faculdade
que curte bancar o valentão. Espero que você também não seja. Somos
adultos e eu não vou me estapear com você no corredor de um hotel por
causa do seu ciúme idiota.
Desviando-se do meu toque, Javier foi embora.
Escorei minha cabeça na porta do quarto de Hani, angustiado.
Precisava falar com ela, mas ao mesmo tempo estava consumido pelo
ciúme e queria exigir uma explicação sobre por que vi um homem saindo
do seu quarto durante a madrugada.
Sem alternativas, pois não queria acordá-la, sentei-me no chão.

— O que está fazendo aqui, Zayn?


Abri meus olhos lentamente, tentando me situar à realidade. A voz
de Samira despertou-me de um sono desajeitado, sentado no corredor do
hotel, em frente à porta da suíte que ela dividia com Hani.
— Precisa me deixar entrar, Samira — pedi, levantando-me.
Reparei que Christopher estava ao seu lado, de prontidão.
— Está tarde, eu nem sei se a Hani já chegou.
— Ela chegou, vi o Stanton saindo do quarto, disse que ela estava
dormindo — comuniquei a contragosto.
— Volte amanhã — interveio o guarda-costas. — Se Hani está
dormindo, Samira não irá acordá-la.
— Quem você pensa que é para falar assim comigo?
— Sou o responsável pela segurança das filhas de Phillip Mitchell e
já fiz vista grossa para a maioria das suas visitas, só que, desta vez, você
não vai entrar.
— Samira, por favor…
— Sinto muito, Zayn. Mas estou do lado dela, agora. Onde eu
sempre deveria ter estado, se soubesse que a magoaria novamente.
— Foi um mal-entendido, porra!
— Você está fedendo a bebida, por favor, vá para o seu quarto e
amanhã ligue para ela.
Sem argumentos, dei-me por vencido e fui para o meu quarto.
Sentado em minha cama, segurando uma garrafa de uísque, dormir
não estava nos meus planos. Não antes de esvaziar pelo menos
cinquenta por cento daquela garrafa.
“Eu costumava pensar que um dia ia contar a nossa história
Como nos encontramos e as faíscas voavam instantaneamente
As pessoas iriam dizer 'Eles são sortudos'
Eu costumava saber que meu lugar era um lugar próximo a você.”
THE STORY OF US – TAYLOR SWIFT
Ele procura mel no traseiro da vespa.
Provérbio Árabe
Acordei sentindo uma terrível dor de cabeça, ao abrir meus olhos,
deparei-me com Samira adormecida ao meu lado. Acariciei seu rosto e
beijei sua testa com carinho. Levantei-me preguiçosamente e fui até o
banheiro. Lavei meu rosto e verifiquei minha imagem no espelho. Os
olhos inchados de tanto chorar me lembraram o motivo da minha tristeza.
Eu que me achava forte, percebi que, por mais que quisesse ser
uma muralha, era mais frágil do que cogitei.
Tirei minha roupa e liguei o chuveiro, acreditando que a água
corrente fosse levar embora a mágoa que eu sentia por dentro. Mas não
levou.
— Ei, como você se sente?
A pergunta veio de minha prima, assim que retornei ao quarto,
secando o cabelo com a toalha de banho, enquanto caminhava para o
closet em busca de uma roupa para vestir.
— Não quero falar sobre isso agora — respondi, pendurando a
toalha em um cabide de parede, tirando o robe e o colocando junto com a
toalha.
— Zayn queria falar com você, mas Christopher e eu não o
deixamos entrar. Ele provavelmente virá hoje.
Vesti uma calça jeans desbotada e escolhi uma t-shirt preta com
estampa de unicórnio.
— Eu disse que não quero falar sobre isso, agora — repeti,
contrariada.
— Hani…
— Quer parar de defendê-lo? — Irritei-me. Voltei ao quarto e
comecei a procurar minha escova de cabelo sobre a penteadeira. — Já
chega de insistir em algo que só me fez mal nos últimos anos. Amanhã
voltamos para Dubai e é vida que segue, minha querida.
— Essa não é você…
— Não sou? — Fitei-a pelo reflexo do espelho, enquanto penteava
meu cabelo ainda molhado. — Pois deveria ter sido, assim evitaria muitas
lágrimas. Mas essa pode ser eu a partir de agora, então se acostume.
O silêncio pairou sobre nós e eu terminei de me arrumar, ignorando
sua presença.
— Não vou voltar pra Dubai.
— O que disse? — Virei-me em sua direção, incrédula com o que
acabara de ouvir.
— Quero continuar em Londres, Hani. Não vou pra Dubai passar
meus dias dentro de casa até que meu tio decida o que fazer comigo ou
com quem devo me casar.
— O papai não vai te obrigar a se casar com ninguém, Samira!
— Christopher e eu estamos apaixonados.
— E você despeja essa bomba, assim, de uma hora pra outra? Mais
especificamente quando eu estou uma merda emocional?
— Desculpe, prima. Eu só queria te contar logo e não sabia como
tocar no assunto.
Fui até ela e me sentei ao seu lado, segurando suas mãos entre as
minhas.
— Conte-me tudo, não me esconda nada.

Samira e eu passamos a manhã inteira conversando sobre a volta


para Dubai e o relacionamento dela com Christopher. O guarda-costas
bonitão realmente gostava dela, estava disposto a nos acompanhar até
Palm Jumeirah para conversar pessoalmente com meu pai. Embora
torcesse muito pela felicidade dos dois, tinha medo de qual seria a reação
de papai sobre o namoro deles. Não é que meu pai tivesse algum tipo de
preconceito com pessoas de classe social mais baixa, mas Samira e eu
vivemos a vida toda sob sua proteção e, na primeira vez que nos deixou
livres, ambas nos apaixonamos. A diferença era que ela estava feliz, e eu,
desacreditada.
Saí do quarto para dar mais privacidade aos dois, ao menos um
casal podia ter a chance de ser feliz, pensei. O que eu não esperava era
me deparar com Zayn El Safy saindo do quarto no mesmo instante que
eu. Tentei voltar para dentro da minha suíte, mas fui impedida por suas
mãos, me puxando para si. Senti o cheiro forte da bebida em sua roupa e
o encarei com receio.
— Está bêbado!
— Venha!
Para não armar um escândalo no corredor, permiti que ele me
guiasse até seu quarto, mas assim que ele fechou a porta atrás de si, fiz
questão de me afastar.
— Você não toca em mim!
— Porque se entregou a outro! — Não foi uma pergunta, o que me
pegou desprevenida.
Do que ele estava falando?
— De onde tirou isso?
Sua risada sarcástica ecoou pelo quarto.
— Vai negar que o seu amigo americano esteve na sua suíte?
— Ele me trouxe de volta para o hotel — respondi na defensiva.
— Eu o vi saindo do seu quarto, sabe o que ele disse quando
perguntei o que fazia lá? — Não esperou por minha resposta. — Disse
que fez o que eu deveria ter feito.
Zayn estava bêbado, atropelava-se nas palavras e me acusava de
algo totalmente sem sentido.
— Sim, ele fez! — alterei meu tom de voz, chateada pela acusação
feita. — Cuidou de mim, me ajudou quando eu precisava.
— Conta outra, garota. — Sorriu com escárnio. — Não era o que
tanto queria? Aproveitar a vida e perder sua virgindade? De preferência
com um estranho só para me tirar o privilégio de ser o primeiro, porque
sabia muito bem que eu seria o único depois que se entregasse a mim!
O veneno em suas palavras me atingiu em cheio. Dei um passo para
trás e o encarei com os olhos semicerrados.
— Acha mesmo que eu faria isso pra me vingar por você ter me
rejeitado?
— Não tenho como apagar o passado, mas desde que nos
reencontramos eu tenho feito o possível para compensá-la. Meu interesse
é real, o meu desejo é intenso e tenho sido paciente e feito de tudo para
que enxergue a mudança que fiz em minha vida para que você possa
fazer parte dela. Eu não te rejeitei!
— Rejeitou, sim, na frente de todas aquelas mulheres, no seu
maldito harém!
Zayn se proximou e me segurou pelos ombros, mas sem força.
Permiti o seu toque, fraca demais para recuar.
— Eu não quis estragar tudo com uma foda, Hani. Nunca vou foder
com você como eu fazia com as outras mulheres. Foi o que me pediu
ontem. Você não é como elas. Porque com elas não envolvia sentimento,
mas com você, sim.
— Zayn… — Não sabia o que dizer.
— Você me pediu algo que eu não quero mais. Não quero apenas
sexo, sinto a necessidade de compartilhar sentimento. — Balançou a
cabeça, em negativa antes de continuar: — Mas parece que nada disso
importa. Você me quer, mas não o bastante para que sua amargura
desapareça. Sente a necessidade de me ferir, Hani.
Afastei-me bruscamente, fazendo-o se desequilibrar.
— Se é nisso que acredita, não tenho mais nada para fazer aqui. —
Caminhei em direção à porta.
— Vai me virar as costas novamente?
— Prefere que fique e caia de joelhos? Quer que eu faça um exame
para comprovar minha virgindade? — Meu tom saiu mais ríspido do que
eu gostaria. — Nunca fui tão eu em toda a minha vida, como fui nos dias
que passamos juntos. Sou eu quem deveria estar chateada, mas o
orgulho ferido cegou seu coração. Eu só cansei de brigar.
Abri a porta e dei o primeiro passo para fora da vida dele. Eu estava
chorando.
— Hani… — chamou-me em um sussurro que parecia desesperado.
— Volto pra Dubai amanhã e você não terá mais com o que se
preocupar.
— Eu não quero que você vá. Permaneça em Londres, Hani. Fique
comigo.
Olhando-o uma última vez, tomei coragem para expor o que sentia
em meu coração.
— Amo você, Zayn. Mas não posso me anular por esse amor. É
como diz o antigo provérbio: "Se há muitos comandantes, o navio afunda."
“Bem aqui, entre nós dois
Não importa o que digam, você vai ser o meu amor
E se for pra me apaixonar, baby, tô dentro
Só me prometa que você estará aqui apesar de tudo.”
GONE – NELLY FT. KELLY ROWLAND
Para cada coisa que acredito saber,
dou-me conta de nove que ignoro.
Provérbio Árabe
Ela foi embora e a realidade de sua ausência me trouxe a certeza
dos sentimentos que eu recusava admitir. Em tão pouco tempo, vivi muito
mais do que nos anos que se antecederam ao meu encontro com ela.
Então eu me deitei na cama e fiquei pensando: teria Hani nascido para
me completar?
Nos três dias após seu retorno a Dubai, fiquei inacessível para meus
pais. Sabia que minha mãe esperava por informações, queria preparar o
tal jantar de noivado e eu não pensei em como diria a ela que estraguei
qualquer possibilidade de Hani e eu ficarmos juntos.
Definitivamente, eu era um covarde.
Usei o trabalho como desculpa para não pensar nela, mas muitas
vezes me peguei verificando o celular na esperança de ter recebido
alguma mensagem sua. Em vão.
Na quarta-feira, dia em que eu deveria estar pegando um avião
rumo a Dubai, estava em meu escritório na Oásis, aguardando Elena para
uma reunião sobre a casa noturna em Milão. O prazo para a inauguração
estava encurtando e tínhamos que discutir o projeto de paisagismo
interno. Ela estava me cobrando o nome para que pudesse esboçar os
detalhes do acabamento, mas minha cabeça não conseguia pensar em
nada nem em ninguém além de Hani.
— Quem é ela? Preciso conhecê-la — disse em determinado
momento.
Levantei o meu olhar do croqui que estava analisando e arqueei
minha sobrancelha.
Como ela sabia?
— Eu não sei do que você está falando — desconversei.
— Você pode ser um babaca, El Safy, mas mentiroso você nunca
foi. Está assim porque alguma mulher destroçou o seu coração de pedra.
Jamais imaginei estar viva para presenciar este momento — debochou.
Revirei meus olhos.
— El, em algum momento, eu já mencionei que você é uma vaca?
Ela riu abertamente, sem se ofender com a minha pergunta.
— Sabia! É mulher! — Bateu palmas. — Eu deveria parabenizá-la
por ser esperta o suficiente para te dar um pé na bunda antes que você
estragasse tudo. — Pestanejou. — Espere, você já estragou tudo, não
foi? Por isso ela te deixou?
Levantei-me e fui até o frigobar, me servindo de uma dose de
conhaque sem gelo. Não ofereci, pois sabia que Elena havia parado de
beber.
— Quer mesmo saber? Eu te conto a porra da história toda, então.

— Filho! Quanta alegria recebê-lo de volta.


O abraço carinhoso de minha mãe, fez com que eu finalmente me
sentisse em casa. Meus pais foram me receber no aeroporto, como
sempre faziam quando eu retornava a Dubai. Apesar de tê-los evitado,
não consegui manter a façanha por muito tempo. Por fim, quando meu pai
conseguiu me contatar, levei a maior reprimenda de todos os tempos.
— Volte para casa. Phillip e eu o aguardamos para conversarmos
sobre o seu noivado com Hani.
Não questionei, apenas informei o dia e meu horário de chegada.
Era véspera do aniversário de Hani e eu estava ansioso para vê-la,
mas saber que Phillip e meu pai queriam se reunir comigo me deixou
ligeiramente intrigado e inquieto.
Fomos para a casa de meus pais, em Palm Jumeirah. Não perguntei
sobre Hani, mas minha mãe percebeu o meu abatimento durante o trajeto
de carro e sussurrou em meu ouvido:
— Não sei o que houve, mas ela está tão destroçada quanto você.
Sorri, agradecido por se preocupar comigo e me decifrar tão bem.
— Eu a perdi.
— Enquanto estiverem vivos e solteiros, ninguém perdeu ninguém.
Tenha um pouco de fé, rapazinho.

A sala de reuniões do Mitchell Royal Pallace, em Palm Jumeirah, foi


o local escolhido por Phillip Mitchell para que conversássemos. Um
ambiente neutro, o que demonstrava que o amigo de meu pai não quis
me receber em sua casa. Talvez eu não fosse mais bem-vindo. Não sabia
quais motivos levaram os dois patriarcas a exigirem minha presença em
Dubai, meu pai não entrou em detalhes, o que me deixou receoso, mas
não insisti por nenhuma informação.
Sabia que Hani voltaria para casa e se colocaria contra o acordo
feito no passado, mas quais seriam os argumentos para tal, ainda eram
uma incógnita para mim. Em nosso último encontro, eu a pedi para ficar,
ela disse que me amava e eu não assumi o que sentia. Apenas explanei
minhas suposições, movido pela coragem que o conhaque me
proporcionou. Proferi palavras que não podiam ser engolidas de volta,
que feriram e não podiam ser justificadas pela decisão de me entorpecer
com a ingestão de álcool. Demonstrei a inconstância dos meus
sentimentos, sugerindo que ela fez algo com o intuito de me machucar,
duvidei da sua palavra, coloquei em xeque um relacionamento que não
era estável o suficiente para superar uma primeira dificuldade e perdi.
Sentei-me em uma das cadeiras, após cumprimentar o homem por
quem eu tinha grande admiração e respeito. Aguardei meu pai se sentar
ao meu lado e Phillip se acomodou, ficando de frente para mim.
Repousando as mãos em cima da mesa vazia, o pai de Hani me observou
com atenção antes de começar o seu discurso. O tom polido não me soou
estranho, visto que o Sr. Mitchell estava acostumado a discutir acordos de
negócios, o que sempre foi aquele noivado.
— Quando descobri que Falak estava grávida, a alegria em meu
peito mal coube dentro de mim. Sempre tive o desejo de ser pai, mas me
dar conta de que seria o pai de uma garotinha, e que ela seria minha
única herdeira, me fez pensar em como eu poderia protegê-la, mesmo
quando eu não mais estivesse neste mundo. — Pigarreou antes de
continuar. — Vi em você, Zayn, a figura masculina que a protegeria, já
que Ibrahim e Zahara são meus amigos mais estimados e as pessoas em
quem mais confio, depois de minha esposa. Depositei em você uma
esperança. Por este motivo, seu pai e eu achamos que seria conveniente
unir nossas famílias através do matrimônio entre nossos únicos filhos.
Temos um legado, queremos que este legado prospere, mas, acima de
tudo, desejamos que nossos filhos sejam felizes. — Fez uma breve
pausa. — Preparamos você para que desse continuidade ao nosso
trabalho, acreditávamos que seguiria nossos passos, visto que nós
seguimos os passos de nossos pais, que seguiram os passos de nossos
avós. Mas você trilhou por outro caminho, deu início à sua própria
jornada, conquistou novos horizontes.
Desviei meu olhar do seu, fitando a mesa, sem saber como agir.
— Temos muito orgulho de você, Zayn — disse meu pai. — Sempre
acreditamos que era capaz, mas você superou todas as nossas
expectativas. Apesar de não ter seguido pela rota que traçamos para
você, demonstrou sabedoria e força de vontade para alcançar seus
objetivos.
— Hani também me surpreendeu — retomou Phillip. — Criei minha
filha isolada em nossa casa, crente de que a estava protegendo das
maldades do mundo. Mas, inconscientemente, eu a despreparei para os
percalços da vida. Porém, enganei-me ao pensar que minha linda
garotinha era frágil. A jovem que voltou para casa, dias atrás, não é a
mesma menina que um dia permiti que estudasse em Londres. A
adolescente que eu esperava receber de braços abertos em meu ninho
de proteção e afeto revelou-se uma mulher dona de uma maturidade à
frente do seu tempo. Minha princesinha, Hani, aquela a quem eu mantive
em uma redoma, tornou-se uma jovem cheia de sonhos, disposta a lutar
pelo que acredita.
A emoção em cada palavra de Phillip, ao falar de Hani, era
indisfarçável. O empresário polido deu lugar ao pai orgulhoso.
— Não é segredo para ninguém que Falak e eu amamos Samira
como se fosse nossa filha. Ela é nossa filha, não a vemos de outra
maneira. E da mesma forma como Hani me surpreendeu, Samira também
o fez. Temi que o ocidente as seduzisse de forma ilusória, mas subestimei
minhas princesinhas. Elas são mais fortes do que aparentam.
Novamente o silêncio, até meu pai ir direto ao ponto:
— O motivo de eu te chamar de volta a Dubai, meu filho, é que após
uma longa conversa com suas filhas, Phillip veio até mim se desculpar e
comunicar que reconsiderou o acordo de casamento entre você e Hani.
Fechei meus olhos e absorvi cada palavra. Finalmente, o que tanto
desejei ao longo dos anos estava acontecendo, mas não da maneira
como eu esperava.
— Eu amo a sua filha — falei de repente. — Amo a Hani e desejo
me casar com ela, Phillip.
Senti a mão de meu pai tocando o meu ombro e ouvi seu sussurro:
— Filho, não precisa fazer isso. Nós estamos liberando você da
responsabilidade de um casamento por conveniência.
— Perdão, meu pai. Mas o dia em que Hani e eu nos casarmos, não
será por conveniência. Se ela me aceitar como seu marido, será porque
me ama e porque eu a desejo como esposa. — Abri meus olhos e fitei o
pai da mulher por quem eu estava apaixonado. — Passei muito tempo
tentando buscar a coragem necessária para me recusar a casar com sua
filha, Phillip. Não queria decepcionar você nem desonrar a palavra do
meu pai. Porém, tive a oportunidade de conhecer Hani em seus últimos
dias em Londres. Eu me apaixonei por ela, de verdade. Como nunca
pensei que fosse possível me apaixonar por alguém em tão pouco tempo.
Mas eu a amo.
— Assim como eu compreenderia a sua decisão de não querer se
casar com ela, não posso obrigar minha filha a se casar com você, Zayn.
Independentemente do que diz sentir por ela. Eu ficaria mais do que
honrado em tê-lo como meu genro, porém a felicidade da minha filha está
em primeiro lugar, e a decisão de se casar e com quem se casar um dia,
será tomada por ela.
— É um grande alívio saber que respeita a necessidade que Hani
tem de fazer as próprias escolhas, mesmo querendo protegê-la. Eu só
peço permissão para me aproximar dela e tentar conquistá-la. Tive essa
chance em Londres e a desperdicei. Magoei sua filha e me sinto o pior
dos homens por tê-la perdido, mas a amo e preciso dizer isso a ela.
Phillip Mitchell me fitou em silêncio pelo que me pareceu uma
eternidade.
— Você tem minha permissão, Zayn El Safy. Porém, se Hani te dizer
não, as portas da minha casa estarão fechadas para você
permanentemente.
“Eu estava pensando nela, pensando em mim
Pensando em nós, o que vai ser?
Abro os olhos, sim, era só um sonho
Então eu viajo de volta por esse mesmo caminho
Ela vai voltar? Ninguém sabe
Eu percebo, sim, que era apenas um sonho.”
JUST A DREAM – NELLY
" Coincidências são pequenos milagres
onde Deus prefere não aparecer."
Provérbio Árabe
Os dias que se passaram desde que retornei a Dubai foram de
mudanças significativas em minha vida e na de Samira. Christopher foi
recebido por meus pais e o namoro aceito. Minha prima em breve se
mudaria definitivamente para Londres, onde frequentaria o curso de
Ciência Econômica da universidade de Cambridge, e Christopher
continuaria trabalhando no Mitchell Royal Pallace. Outra pessoa foi
designada para fazer a segurança de Samira, que residiria próximo ao
campus da universidade.
Samira estava radiante com o rumo que sua vida estava seguindo,
estudando em uma excelente instituição de ensino, se preparando para
iniciar uma carreira promissora, além de existir a possibilidade de suceder
meu pai nos negócios da família.
Mesmo que não tivesse tocado no assunto, eu sabia que papai
havia depositado confiança e esperança em sua outra filha. Ele e mamãe
amavam Samira tanto quanto a mim, porém, com minha renúncia a um
casamento por conveniência e a intenção de estudar moda, minha prima
se tornou a nova garota prodígio. Mas eu, mais do que ninguém, estava
feliz por vê-la realizando os seus sonhos e por papai confiar que ela
poderia, um dia, ser aquela que daria continuidade ao legado Mitchell.
Conversar com meu pai a respeito de meu noivado e meus planos
para o futuro foi libertador. O que eu acreditava que o movia a desejar que
eu me casasse com Zayn, não condizia com a realidade. Era bem
provável que se eu tivesse conversado abertamente com ele, ou se Zayn
o tivesse feito anos atrás, nossas vidas teriam seguido caminhos
diferentes. Talvez nem tivéssemos nos conhecido, ou talvez, sim, visto
que Ibrahim e papai eram melhores amigos. Mas o silêncio de todas as
partes envolvidas foi o que direcionou nossos destinos a se cruzarem.
Eu estava livre. Mas estava longe de me sentir plena.
— Está se escondendo, princesinha?
Virei-me para ver minha mãe se aproximando da varanda onde eu
estava sentada por mais de duas horas, tentando avançar na leitura do
primeiro livro da trilogia Princesa Sultana. Meus pensamentos soltos não
me permitiam concentrar-me na história, por fim, fechei o livro, deixando-o
para ler em um momento mais oportuno.
Sorri para ela e aguardei que se sentasse na poltrona ao meu lado.
— Talvez eu esteja — respondi tristemente.
— Estou preocupada com você, filha. O que aconteceu em Londres
para deixá-la tão tristonha? Sei que passamos três anos longe uma da
outra, mas ainda sou sua amiga, além de sua mãe.
Pensei no que poderia dizer a ela, amava minha mãe e ainda a tinha
como amiga, mas não queria confidenciar minhas experiências em
Londres, principalmente as que vivi com Zayn. Era como se os momentos
que vivemos fossem tão preciosos e frágeis, que se qualquer outro
tentasse tocá-los, poderiam se esfacelar e se perder. Era tudo o que havia
me restado dele e eu não queria compartilhar minhas lembranças com
mais ninguém.
Era a minha história, e eu não queria que ela fosse contada por
ninguém, que não ganhasse versões adaptadas nem que fosse
incompreendida pelos ouvintes que a conhecessem, em diferentes
linguagens. Era a minha história, e eu guardaria para sempre no meu
coração. Só minha e dele, a nossa história.
— Quando eu era pequena, a senhora costumava me contar lindas
fábulas sobre príncipes e princesas que viviam felizes para todo o
sempre. Eu cresci sendo chamada de princesa, eu vivi em um palácio por
quase toda a minha vida. Onde está meu príncipe encantado?
— Ah, querida. A pergunta certa não é essa. Não importa onde
esteja o seu príncipe encantado, mas onde está o seu final feliz? Você
teve o seu príncipe. Encantado ou não, havia um príncipe na sua história,
mas você, princesinha, escolheu o seu final. Porém, não está feliz. Então,
onde está a felicidade com que tanto sonhou? Em um lugar? Em uma
pessoa? Um objeto? Sua carreira profissional?
— Eu não sei.
— Sim, você sabe. Tudo o que precisa fazer é admitir para si
mesma.

O dia do meu aniversário foi cheio de comemorações. Desde o


momento em que abri meus olhos, recebi flores, mensagens, presentes e
visitantes de nossa família e círculo de amigos. Estar cercada por
pessoas que me tinham em alta estima deixou-me feliz e me fez esquecer
a tristeza que eu sentia secretamente dentro de mim, ao menos por
algumas horas.
Quando Zahara e Ibrahim El Safy chegaram, meu coração parecia
que iria sair pela boca. Um pedacinho do meu coração, bem pequenino,
esperava que Zayn aparecesse. Mas não aconteceu, e eu até que
disfarcei bem a minha decepção. Aceitei o presente e, como era
costume, não o abri na frente dos convidados.
— Este é o presente que Zayn me pediu para entregar a você —
sussurrou Zahara em meu ouvido, para que somente eu ouvisse. —
Pensei no que eu poderia te dar, mas o meu bem mais precioso você já
tem, que é o coração do meu filho. Então, mocinha, cuide bem dele. —
Afastou-se e sorriu com cumplicidade após depositar um beijo em minha
testa.
Precisei ser forte para não irromper em lágrimas, mas consegui
disfarçar e, tão logo o fiz, me refugiei no quarto, na ânsia de abrir o
presente.
— As mil e uma noites… — murmurei ao retirar o livro de capa dura
do embrulho.
A primeira vez que Zayn mencionou o livro para mim foi no meu
aniversário de quinze anos.
“Você não precisa se preocupar quanto a eu tocar em você. Não
tenho o menor interesse. Se eu o fizer, será como um gesto amistoso,
uma forma de cumprimento cordial. Nada além disso. Boa noite, Hani. E
bem-vinda ao mundo real, não somos personagens de ‘As Mil e Uma
Noites’.”
A segunda vez havia sido dias atrás.
“Aceite ser minha namorada e me dê mil e uma noites para te provar
que sou o homem certo para você.”
— O que ele quer me dizer com este presente?
Abri o livro e, na contracapa, a caligrafia de Zayn fez meus olhos se
encherem de lágrimas.
“Agora eu me dissolvo em chamas.
O teu rosto é o meu paraíso.
Vou morrer de minha sede ardente.
E, no entanto, seus lábios poderiam me refrescar.”
- As Mil e Uma Noites -
— Ele está te esperando.
Samira entrou no quarto sem bater na porta. Em outra ocasião, eu
poderia tê-la repreendido, mas o que ela disse me deixou curiosa e em
expectativa.
Ele era Zayn. Só podia ser!
— Na sala? — questionei, como se fosse óbvio demais perguntar de
quem se tratava.
— Na praia. Há uma tenda na área particular de nossa propriedade.
Não reparou? Estão trabalhando nela durante todo o dia.
Era fim de tarde, passei o dia envolvida com as festividades do meu
aniversário e não reparei na movimentação no pedaço da praia que
pertencia ao patrimônio dos Mitchell.
— Christopher está comandando a equipe de segurança, a pedido
de Zayn.
— O pai sabe disso?
Ela anuiu com um gesto de cabeça, sorrindo em cumplicidade.
— Ele concedeu permissão. — Aproximou-se de mim e retirou o
livro de minhas mãos. — O que você está esperando, Hani? Vá ao
encontro dele.
Sem pensar duas vezes, abracei Samira e beijei-lhe o rosto.
— Torça por mim, prima.
— Eu sempre faço isso. Agora vá.
Sem mais delongas, disparei para fora do quarto, correndo
apressadamente pelo corredor de nossa casa, procurando o caminho
mais perto para chegar até a praia. Quase pisei na bainha do meu vestido
longo, de seda, e, para evitar que engalhasse no couro da sandália
rasteira, puxei o tecido, deixando meus tornozelos à mostra. Meus
cabelos esvoaçavam conta a brisa e, assim que senti meus pés
afundarem na areia e avistei a tenda em uma área restrita, o receio de
que pudesse ser um sonho do qual acordaria a qualquer momento se
apoderou de mim.
— Que não seja uma miragem em meio ao deserto… — supliquei,
me aproximando e não vendo quem eu gostaria.
A metros de distância, percebi a movimentação da equipe de
segurança e acenei para Christopher. O som da flauta, em uma música do
folclore árabe, vinha de dentro da tenda. O tecido em tom de púrpura não
tinha nenhuma transparência, impedindo-me de ver quem estava lá,
embora eu soubesse de quem se tratava. Toquei o tecido na fenda que
permitia minha entrada e então o vi, de pé, de costas para mim, vestindo
uma Kandoora[17] de algodão branca e o Ghtrah[18] da mesma cor, envolto
pelo Igal[19].
— Habib[20]…
Foi como se todos os grãos de areia do deserto caíssem sem pressa
na ampulheta, mas quando se virou e seus olhos de azeviche
encontraram os meus, tão negros quanto os dele, foi naquele instante que
tive a certeza de que minha vida não teria cor se Zayn El Safy não fosse o
meu homem.
— Se acredita em mim, vai me tratar como uma princesa, como
disse que eu merecia. Mas se acha que me entreguei a outro, faça como
fazia com as malditas odaliscas do seu harém. De um jeito ou de outro,
serei sua e não tem mais volta, Zayn. O que você decidir agora, selará os
nossos destinos.
Ele veio até mim e me puxou para si, prendendo minha cintura com
uma das mãos e, com a outra, tocou meu rosto, secando uma lágrima que
eu nem percebi que escorria.
— Você é minha. Só minha e de mais ninguém. Sempre foi e
sempre será.
Levantei meus pés para alcançar seus lábios, mas Zayn facilitou,
erguendo-me para nos unir em um beijo de saudade. Envolvi meus
braços em torno do seu pescoço e o puxei, querendo que nossos corpos
se fundissem e se tornassem um só. Sua língua invadiu minha boca, e
senti minhas pernas fraquejarem.
Zayn deu alguns passos, ainda entre beijos, e inclinou meu corpo
para trás, me deitando entre almofadas no chão coberto por uma lona e o
tapete persa. Um cenário preparado para receber um casal de amantes
apaixonados. Nosso Oásis.
Tirei o Ghtrah de sua cabeça, deixando seu cabelo raso à mostra.
Zayn tinha o hábito de raspar a cabeça, mas não havia feito daquela vez,
assim como tinha o hábito de manter sua barba sempre bem desenhada,
mas a tirou por completo, mostrando seu rosto limpo, aparentando ser
mais jovem do que ele era.
— Senti tanto a sua falta — murmurei, acariciando o seu rosto lindo.
— Tenho tanta coisa pra te falar, Hani…
Selei sua boca com um beijo estalado.
— Depois você fala, Habib. Agora eu preciso que você seja meu.
— Tem certeza?
— Como nunca antes…
Zayn entendeu minha súplica e, com agilidade se desfez de sua
roupa, ficando apenas com a cueca boxer preta, onde a ereção se
destacava. Fiquei nervosa, pois sabia que finalmente aconteceria e
iríamos pertencer um ao outro, de corpo e alma. Sentei-me para retirar
meu vestido, mas ele me impediu de fazê-lo.
— Sou eu quem irá despi-la.
Concordei, ficando de joelhos e ajeitando o tecido, erguendo meus
braços para que ele pudesse retirar minha roupa, me deixando apenas de
calcinha, pois eu estava sem sutiã. Seu olhar recaiu sobre o meu colo
desnudo e vi adoração em seu semblante, ele sorriu de uma maneira tão
doce que me senti a mais preciosa das mulheres.
O meu Zayn, o meu Habib, admirava meu corpo imaculado como se
eu fosse a mais bela de todas.
Deitando-me outra vez sobre as almofadas, Zayn acariciou minhas
pernas, descendo até as sandálias e desamarrando as tiras de couro que
transpassavam minha panturrilha em formato de “x”. Com carinho, beijava
minha pele, que se arrepiava a cada toque de seus lábios quentes, até eu
estar livre do calçado. Subindo com uma trilha de beijos, me contorci em
busca de alívio, mas sabia que apenas ele seria capaz de me
proporcionar tamanho deleite.
Ouvi tantas histórias de minhas colegas de escola, assisti a filmes
com cenas eróticas e li alguns livros que descreviam o ato sexual de
maneira detalhada. Mas apesar de me sentir excitada com a insinuação,
nada se comparava com o que eu vivia naquele momento, não porque era
real, mas porque era com o homem que eu amava, o homem que eu
escolhi e que me escolheu.
Meu lado menina ainda alimentava a ilusão de um conto de fadas, o
cenário colaborava, a música, o olhar amoroso do homem que seria o
meu príncipe das mil e uma noites. E foi pelo conjunto da obra que me
permiti aproveitar cada segundo, inclusive tomar a iniciativa de tocá-lo,
para ter certeza de que estava mesmo acontecendo. Acariciei o seu tórax,
apertei os bíceps e desci sem pressa até o abdômen. Passei a língua
pelos lábios, ao sentir minha boca ressecada. Apesar do nervosismo,
continuei a tocá-lo, até que ele colocou sua mão na minha e me guiou
mais para baixo, até o seu membro.
— Nunca sinta vergonha de mim, Hani. Nunca esconda o desejo
que sente nem hesite em tocar qualquer parte do meu corpo.
Assenti em silêncio, com meu olhar fixo no seu.
— Sinta o meu pau, aperte, acaricie, beije. Faça o que tiver vontade,
porque eu sou seu.
Zayn era bom com as palavras, mas também mostrou que sua boca
tinha talentos incríveis para proporcionar prazer. Sugando um dos meus
mamilos com volúpia, me fez gemer delirante com as sensações. Envolvi
minha mão em seu pau, sentindo-me ousada para fazer minhas
descobertas, masturbando-o enquanto também recebia sua atenção entre
minhas pernas, em um ponto sensível que gritava por libertação.
— Minha garota gostosa… — Mordeu o lóbulo da minha orelha e me
fez gemer alto ao penetrar-me com o dedo.
A sensação estranha e ao mesmo tempo deliciosa me deixou um
pouco nervosa com a expectativa de como seria quando ele estivesse
dentro de mim de verdade. Mas quando Zayn tomou minha boca em um
beijo exigente, todo o nervosismo se esvaiu, provavelmente junto com os
meus neurônios, pois não me permiti pensar em mais nada a não ser em
tê-lo dentro de mim.
Não reparei em qual momento a minha calcinha foi tirada, nem sua
cueca. Nossos corpos se entrelaçavam enquanto rolávamos pelo tapete e
nos livrávamos de algumas almofadas em nosso caminho. Entre risadas,
beijos, toques íntimos e gemidos de puro desejo, eu finalmente fui
preenchida por ele.
Eu finalmente me tornei mulher.
— Está tudo bem? — perguntou, demonstrando preocupação.
— Shhh… Continua, não fala nada.
Mas ele falou, com um sorriso nos lábios e um brilho diferente no
olhar:
— Eu te amo, Hani.

Já era noite quando abri meus olhos, a música ainda tocava, mas a
ausência de Zayn me fez sobressaltar entre os lençóis, buscando
encontrá-lo com o olhar pela tenda. Não o encontrei. Sentindo um nó em
minha garganta, levantei-me e procurei meu vestido entre as almofadas.
Vesti-me sem me preocupar com a lingerie ou meus cabelos
desgrenhados, caminhei para fora e finalmente avistei Zayn, sentado na
areia, perto do mar.
— Ei — chamei, me aproximando e me sentando ao seu lado. —
Está tudo bem?
Fitando o golfo pérsico, ele sorriu, mas não olhou para mim.
— Mais que bem, eu diria. Talvez eu não mereça sentir a felicidade
que estou sentindo, mas sou egoísta o bastante para te pedir que fique
comigo, que me ame e perdoe as minhas falhas. Que deixe o passado
para trás.
Toquei seu ombro, acariciando com suavidade.
— Eu já deixei, no instante em que saí do meu quarto e corri até
aqui para te encontrar.
Finalmente ele se voltou para mim.
— Quer se envolver com outros homens? Saber se o que te ofereço
é suficiente ou se outro é capaz de te amar mais do que eu?
— Mas é claro que não! — alterei minha voz, sentindo-me confusa
com a direção que aquela conversa estava tomando. — Eu não quero
mais ninguém além de você.
— Posso colocar o mundo aos seus pés…
Segurei seu rosto entre minhas mãos.
— Eu não quero o mundo! Só quero você do meu lado, não abaixo e
nem acima de mim.
Ele sorriu com malícia e somente então percebi a dubiedade de
minhas palavras. Dei um tapinha em seu ombro e o empurrei para trás,
caindo na gargalhada.
— Você entendeu o que eu quis dizer, seu safado!
— Completamente! — Levantou-se e estendeu a mão para me
ajudar a fazer o mesmo. — Venha, tenho um presente para você.
De mãos dadas, voltamos para dentro da tenda, e Zayn parou diante
de uma mesa posicionada em um dos cantos, onde havia frutas, uma
jarra de água, duas taças de cristal e um balde de gelo com uma garrafa
de champanhe.
— Está com sede? — Sem esperar pela minha resposta, serviu-me
de uma taça com água, colocando duas pedras de gelo.
Aceitei a gentileza e bebi.
— Certamente você já ouviu falar sobre o Instituto Marangoni.
— Sim. Uma escola de ensino em moda e design em Milão, Paris,
Londres, Florença e Xangai.
Ele sorriu, satisfeito com minha resposta.
— Eles oferecem excelentes cursos de férias — complementou. —
Seja para quem já é da área ou para quem ainda não possuí nenhuma
formação. Duram em torno de três semanas. Há uma grande variedade
de opções para você escolher e se identificar com a área que deseja
atuar.
— Não estou entendendo aonde você quer chegar… — Na verdade
eu estava.
Ele se aproximou e tocou meu rosto.
— Vá para Milão, viva o seu sonho.
Recuei um passo, assustada.
— Está desistindo de mim? De nós? — Senti minha voz embargar.
— Hani, eu te amo — Quebrou a distância que nos separava e
envolveu seus braços em torno da minha cintura. — Se para ver você feliz
eu tiver que te esperar, eu espero. Seria muito egoísmo da minha parte te
isolar em uma bolha novamente, só porque descobri tarde demais o
quanto você é importante para mim. Realize seus objetivos, conquiste
aquilo que tanto almejou. Terei o maior orgulho de você, na verdade, já
tenho, porque é muito mais corajosa do que eu.
Hesitei antes de perguntar:
— Mas e você?
— Não se preocupe comigo. Eu ajeito a minha vida para ela se
encaixar na sua.
Me diga, sou só eu
Ou você também sente o mesmo?
Você me conhece bem o bastante para saber que não é brincadeira
Juro que não vou mudar de ideia e não vou te decepcionar
Pode acreditar que nunca me senti assim antes
Baby, não há nada, não há nada que a gente não possa encarar.”
I DO – COLBIE CAILLAT
A humildade é a rede com que se apanha a glória.
Provérbio Árabe
Você pode ter tudo, dinheiro, fama, mulheres. Porém, quando você
ultrapassa algumas barreiras que não deveriam ser ultrapassadas, nem
sempre sairá da maneira que esperava ou planejava.
Eu me considerava um homem afortunado por nascer em uma
família de posses, que me proporcionou oportunidades para que eu me
tornasse quem me tornei. Contudo, escolhi meu próprio caminho, cometi
alguns erros e aprendi que, mais cedo ou mais tarde, chega um momento
na vida em que você acaba se arrependendo das merdas que fez ao
longo do tempo.
Quando eu finalmente descobri que meu sentimento por Hani era
amor, a dor de não tê-la mais ao meu lado me fez repensar tudo o que eu
já tinha feito sem me dar conta do poder que minhas palavras e ações
exerciam sobre outras pessoas. A dor que assolou meu coração, ao vê-la
indo embora, poderia ser o mesmo tipo de dor que eu já havia causado ao
virar as costas para as mulheres que passaram pela minha vida antes
dela.
Quando se está do lado fodido, aquele que sofre, que chora a perda,
você se dá conta de que não é o centro do universo, de que não é a
melhor pessoa do mundo e que existe outras coisas e pessoas mais
importantes que você. Colocar-se no lugar de alguém, às vezes pode te
resgatar do fundo do poço, quando você enxerga o babaca que é e sente
a necessidade de consertar isso, talvez o universo decida conspirar ao
seu favor.
Três meses se passaram desde que Hani e eu assumimos um
compromisso de namoro perante os nossos familiares. A noite do seu
aniversário de dezoito anos ficou marcada para muitos como o início de
um relacionamento, mas, para nós, significava o início de uma vida juntos.
Entreguei o meu coração para aquela garota naquela mesma noite e
não pretendia recebê-lo de volta jamais. Eu nunca acreditei que amaria
alguém com tamanha intensidade, e por este mesmo motivo, estava
convicto de que um sentimento assim não era coisa de momento.
Maktub nunca fez tanto sentido em minha crença.
Parafraseando um autor americano, Richard Bach:
“É um processo lento mudar de princípios, e nunca saberás que eles
mudaram até que alguma coisa que era certa para ti, simplesmente deixe
de o ser.”
E novamente o Richard:
“Não dê as costas a possíveis futuros, antes de ter certeza de que
não tem nada a aprender com eles.”
Por último, mas não menos importante, aquilo que me fez refletir e
repensar a maneira como eu enxergava o meu relacionamento com Hani
Mitchell, ao final de tudo:
“Quando amas alguém e sabes que ele está pronto para aprender e
crescer, tu o deixas em liberdade.”
“Se você ama alguém, deixe-o livre. Se ele voltar, é seu. Se não,
nunca foi.”
Sábio Richard Bach.
Hani era minha. Sempre foi. Porque, por mais que nos
afastássemos, ela sempre voltava para mim. Eu aprendi a deixá-la livre
para que fosse atrás dos seus sonhos, mas a recebia de braços abertos
quando ela ancorava em seu porto seguro.
E ali estava eu, há mais de trinta minutos, sentado em uma poltrona
dourada, no centro de uma pista de dança vazia, em minha nova casa
noturna em Milão. A inauguração seria no sábado, dentro de dois dias, e
Omar exigiu que eu assistisse a um show particular, com o grupo de
dança que faria a estreia do palco principal no evento de abertura oficial
da Hani.
Sim, eu finalmente havia escolhido o nome para a nova boate.
Milão foi a cidade que ela escolheu para estudar moda e iniciar sua
carreira profissional. Mesmo havendo uma escola do Instituto Marangoni,
em Londres, não a pressionei para que optasse pelo que me era mais
conveniente. Ajeitei minha vida para que se encaixasse à dela. E
estávamos indo muito bem.
— Dez minutos atrasados… — murmurei irritado, até que o arranjo
musical iniciou.
As luzes se apagaram e somente um refletor direcionado ao palco
iluminava o local.
O vulto no palco logo se revelou uma mulher, ao se posicionar na
parte iluminada. Mesmo que usasse um véu de seda, na cor azul,
cobrindo seu rosto, deixando em destaque os olhos bem marcados pela
maquiagem, eu conhecia aquele corpo como ninguém.
— Princesa Jasmine? — perguntei em tom de malícia, ao reconhecer
sua fantasia.
Hani me contou que quando nos beijamos pela primeira vez, no seu
aniversário de quinze anos, ela se imaginou sendo a princesa Jasmine e
eu, o seu Aladdin. Mas ali, diante daquele palco, eu agradeci mentalmente
ao djinn que transformou minha Hani na versão adulta e sexy da princesa
da Disney.
Remexi-me na poltrona, sentindo meu pau ganhar vida dentro das
calças. Mas quando Hani começou a balançar os quadris, iniciando sua
dança e dublando a voz da cantora, eu me dei conta de que não
conseguiria controlar minha libido. Ela sabia exatamente como me deixar
louco de tesão e usava todas as suas armas de sedução para que eu me
rendesse aos seus pés.
“Quando você estiver pronto, venha e pegue
Você não tem que se preocupar, é um convite aberto
Ficarei sentada bem aqui pacientemente
O dia todo, a noite toda, aguardando
Não posso parar porque eu adoro
Odeio o jeito que eu amo você
O dia todo, a noite toda…”
“Talvez esteja viciada para sempre, sem mentira
Não sou tão tímida pra mostrar que amo você
Não tenho arrependimentos
Amo você demais, demais pra esconder
Esse amor ainda não acabou
Então, amor, quando estiver pronto
Quando você estiver pronto, venha e pegue…”
Esse amor será a minha morte
Mas sei que morrerei feliz
Eu saberei, eu saberei, eu saberei
Porque você me ama…”
Come Get It - Selena Gomes
A cada movimento seu, meu desejo se intensificava cada vez mais.
Eu tinha plena consciência de que Hani estava me enviando um recado
explícito.
Ela queria que eu tomasse posse, e seus desejos eram como uma ordem
para mim.
Todo pedido de autorização será negado…[21]
Provérbio Árabe
— Acho que Javier está apaixonado — comentei, enquanto
penteava meus cabelos em frente à penteadeira, fitando o reflexo de
Zayn pelo espelho.
— Por que diz isso?
— Ele me enviou mensagem esses dias, me perguntando quem
era Gideon Cross.
Observei enquanto meu homem se levantava da cama,
completamente nu.
— E por que você saberia quem é esse cara? — resmungou, de
mau humor. — Stanton não sabe o que é internet? Por acaso está
apaixonado por esse tal de Gideon?
— Relaxe, Habib. Gideon Cross é personagem de um livro
erótico. Ele perguntou para mim porque sabe que gosto de ler
romances contemporâneos, e acertou em cheio, pois a série
Crossfire, escrita por Sylvia Day, é uma das minhas favoritas. —
Levantei-me e caminhei até ele, envolvendo meus braços em torno
do seu pescoço. — Além disso, você sabe que Javier não é gay.
— Eu sei… — sussurrou em meu ouvido, descendo suas mãos
por minhas costas nuas, agarrando minha bunda com
possessividade. — Por que acha que ele está apaixonado?
— Porque tem uma garota no prédio das Indústrias Stanton,
que, aparentemente, adoraria ter um Gideon Cross em sua vida. —
Mordi seu queixo, de leve.
— O personagem de um livro?
— Uhum.
— Que maluca! — Riu, divertindo-se.
— Pois é exatamente assim que ele a chama: maluquinha.
Zayn continuava acariciando o meu traseiro. Senti seu pau
roçando em minha perna, a ponto de bala.
— E qual foi o conselho que a melhor amiga de Javier Stanton
lhe deu? — perguntou, escorregando uma das mãos para minha
pélvis, tateando preguiçosamente até encontrar o que tanto
procurava.
— Eu disse para ele não perder tempo e ser o homem dos livros
que ela tanto gosta — gemi ao sentir o estímulo em meu clitóris.
Fechei meus olhos, antecipando o prazer que viria a seguir. — Pare
de me provocar, Habib. Que tal me fazer gozar, hum?
— Só mais uma pergunta. — Mordeu o lóbulo da minha orelha.
— Quando é que você vai aceitar se casar comigo?
Desci uma de minhas mãos pelo seu corpo até chegar ao seu
pau, começando a masturbá-lo sem pressa.
— Não se preocupe, amor. Quando chegar a hora certa, você
será o primeiro a ficar sabendo.
O momento certo estava mais próximo do que ele poderia
imaginar.
Para encontrar meus outros livros, acesse:
https://linktr.ee/autora.evymaciel

[1] Esta saudação é usada quase exclusivamente para conversas telefônicas. Traduz-se “alô”.

[2] Dirham: Moeda local em Dubai.

[3] Maneira bastante casual, fácil e rápida de se dizer a alguém "oi ", em árabe.
[4] Esta saudação traduz-se em "seja bem-vindo(a)!". Se alguém se encontra com você em sua casa, trabalho ou em
outro local, você deve usar esta saudação de acolhimento.
[5] Se alguém recebe e acolhe-o com "Ahlan" em primeiro lugar, esta é a forma mais adequada para cumprimentar
aquela pessoa em resposta. Em essência, você está dizendo "muito obrigado por ser bem-vindo".
[6] Me desculpe.
[7] Por favor (homem).
[8] Sim.
[9] Obrigada.

[10] Uma gema orgânica, variedade compacta de linhito, substância mineral de cor muito negra, com que são feitos
objetos de adorno.
[11] É uma espécie de cachimbo de água de origem oriental, utilizado para fumar tabaco aromatizado. Também
chamado de narguilé.
[12] Boarder é como são chamados os alunos que moram na escola, não retornando aos finais de semana para casa.
Tratando-se de colégio interno.
[13] Djinn: Traduzido como “gênio”, trata-se de uma entidade sobrenatural do mundo intermediário entre o angélico e o
humano, que pode ser associada ao bem ou ao mal, que rege o destino de alguém ou de um lugar; embora sejam
também descritos de um modo inteiramente virtuoso e protetor.
[14] Desculpe (por cometer um erro).

[15] Maktub é uma palavra em árabe que significa "já estava escrito" ou "tinha que acontecer".

[16] Um cortejo: Onde você esteve? (por toda a minha vida).

[17] O “vestido” tradicional usado por homens árabes. Sempre com manga longa e comprimento até o tornozelo, pode
ser encontrado em diversas cores e materiais.
[18] O tradicional lenço árabe usado na cabeça pelos homens.
[19]“Cordinha” preta de duas voltas, feita de lã de camelo ou de ovelha, tramada para formar uma corda.
[20] Palavra em árabe que significa "amado" ou "querido"

[21] Vá em frente, faça primeiro e peça autorização depois!

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