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Caosgrafias cidade*

Chaosgraphies city

Frederico de Araujo

Resumo Abstract
Caosgrafias nomeia um modo de construção cole- Chaosgraphies refers to a means of collective
tiva de discursos que navega entre ciência, arte e construction of discourses that navigates among
filosofia. Aciona a prática cartográfica enquanto science, art and philosophy. It uses cartographic
trama de afectos, associada à noção de caos co- practice as affective plotting, associated with the
mo possibilidade do devir. Pode ser dita, então, notion of chaos as a possibility of “becoming”.
como modo “caótico” de composição de grafias It can be understood as a “chaotic” means of
enquanto potência a criação de discursos; como graphical composition towards the creation of
uma aventura corpóreo-palavreira, que busca ins- discourses, or as a corporeal/word-based adventure
taurar tensionamentos no processo de instituição e that seeks to establish tensions in the process of
narrativa do objeto experienciado. As caosgrafias instituting and narrating experiences of objects.
são, assim, inventadas como “acontecimentos des- Chaosgraphies, therefore, are “deconstructed
construção”, não no sentido de “terra arrasada”, happenings:” rather than being “scorched earth”
mas sinalizando o intuito de que o experienciar practices, they signal an intention in which
problematize o dizer logocêntrico, em termos tanto experience problematizes logocentric speech by
de derrubamento de absolutos, quanto de trans- overturning absolutes and also through poietic
gressão poiética. Este trabalho – Caosgrafias cida- transgression. Chaosgraphies city exercises this
de – exercita esse modo caosgráfico de construção chaosgraphical means of constructing discourses
de discursos com o tema “cidade”. whose theme is “the city.”
Palavras-chave: experiência; narrativa; cidade; Keywords: experience; narrative; city; discourse;
discurso; escritura. written word.

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Frederico de Araujo

A cidade com seus olhos enormes, onde tudo pode acontecer, aberta ao aleatório,
carrega, no vão aberto entre a noite e o dia, a fuga imaginada para as estrelas.
Ninguém conhece seu começo ou fim, nem as placas que anunciam a chegada nem
o rio que corta sua silhueta. Dizem que o caminho para Pasárgada passa por entre
seus becos e vielas e arcos e chuvas finas e tascas e avenidas.1

essas experienciações (não são todos entre nós


e introdução e aproximações
que se convenceram disso). Será, no entanto, a
e (des)norteamentos e própria escritura deste texto, o próprio ato de
fazer do texto não uma re-apresentação, mas
Como pôr em palavras/escrever sobre algo que uma tradução como reinvenção, capaz de fazer
foi pensado enquanto estratégia, dispositivo de saltar esse(s) motivo(s)? Será a leitura das pa-
experimentação corpóreo-discursivo-performá- lavras que por fim ficam grafadas na superfície
tico ou prática de um dizer? Algo que não quer do papel ou da tela o movimento que pode nos
ser visto como uma coisa objetiva no mundo reenviar à pertinência de fazer da caosgrafia
para ser explicada nem como uma possibilida- texto? Movimento que encontrará alguma ra-
de metodológica de separação subjetiva desse zão para essa tentativa? Não esperamos con-
mundo, capaz de explicar ou cartografar algo cordância nem pretendemos convencer, muito
aí? Como dizê-lo, portanto? Melhor não seria, menos responder. Nisso concordamos. E, ao
então, simplesmente contar sem receio de pro- menos – assim também estamos de acordo –,
sear por demais (ou até gaguejar) sobre o que esperamos que a textura que aqui ganha caos-
ali se viu, se produziu, aconteceu? grafia nos acosse, inquiete questões, desassos-
Pois é o que viemos fazendo com as segos –, isto já nos dará motivos. Ainda que de
caosgrafias: dar notícias de algo que resta do pequenas alegrias. Segue, pois, a tentativa.
que temos experimentado, de modo coletivo, O que denominamos caosgrafias resul-
a partir de um exercício de desconstrução de ta da posição ético-estética por navegar no
dizeres existentes que se querem absolutos, limiar entre ciência, arte e filosofia, articulan-
necessários. O que é sempre um exercício de do teorias e práticas com a experiência estéti-
afirmação de dizeres outros e de dizeres múlti- ca envolvida nos atos de dizer (e criar) cidade
plos – expondo-os, dispondo-os. Incitando-os através de múltiplas linguagens em meio a
a um jogo, a uma arena. atividades que proferem temas e problemas
Talvez não possamos dizer com toda pre- da cidade contemporânea. Associamos essa
cisão ou certeza do por que, hoje, do desejo prática à noção de caos,2 acionado não como
de tomar a escrita como forma de dar lugar a sinônimo de desordem, mas como o meio de

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todas as possibilidades do devir, habitado por Cartografar aí consiste em decodificar, desar-


fluxos de intensidades e afectos. Concebemos, ranjar e embaralhar as variações de códigos
assim, “caosgrafias cidade” como modo “caó- enraizadas em nossos territórios existenciais
tico” de constituição de grafias como potência para poder experimentar e dar corpo e língua a
máxima às possibilidades de criação de narra- intensidades, fluidificações, poiésis3 e reprodu-
tivas cidade. ções inerentes às polifonias geradoras de terri-
Optamos, neste ensaio, pela forma de tórios singulares.
fragmentos caosgráficos (aforismos), a fim Esse modo de cartografar tem também
de evidenciar posição que visa a romper com inspiração no princípio antropofágico da deglu-
linearidades, causalidades e hierarquia tão re- tição do outro, sobretudo o admirado, de for-
correntes nos discursos que queremos descons- ma que partículas do universo desse outro se
truir, mas também porque assumir uma estética misturem às que já povoam a subjetividade do
do fragmento e uma ética do paradoxo, parece- antropófago produzindo transmutação. Nesse
-nos a melhor condição a um processo de fei- sentido, é importante destacar que, para se rea-
tura realizado por muitas pessoas que não pre- lizar uma cartografia com pitadas de antropo-
cisam e/ou não desejam concordar ou chegar fagia, os procedimentos são sempre inventados
a uma síntese totalizadora, ou conclusão, ou de acordo com o contexto em que o cartógrafo
verdade. Dessa forma, autorizamo-nos a dizer se inventa, pois não se segue nenhuma espé-
das caosgrafias como prática política coletiva cie de protocolo normalizado. Busca-se abrir
que, quando produz reverberações potentes, as condições para que o desejo possa ganhar
pode contribuir enquanto provocação, tensio- expressão e atuar como entidade no jogo, pois
namento e/ou desestabilização no debate do entendido ali como vetor ativo no processo de
fazer, instituir e pensar cidade. produção de subjetividades. Concepção de de-
Com caosgrafias nos aproximamos do sejo que não se liga à representação, à lei, à
aporte teórico desenvolvido por Suely Rolnik, carência, à reatividade; ele é processo de pro-
que propõe uma cartografia cuja realização de- dução, remete à vontade de criar, ao devir, pois
manda a ativação de um corpo vibrátil, são as necessidades que derivam do desejo e
não o contrário (Deleuze e Guattari, 2004).
capaz de apreender a alteridade em sua Dizemos, então, que o dizer-cidade é
condição de campo de forças vivas que
conjunto heterogêneo e trama tensa e polê-
nos afetam e se fazem presentes em
nosso corpo [...]. O exercício dessa capa- mica, campo (político) de disputas discursivas
cidade está desvinculado da história do pelo que “é” cidade em determinado mo-
sujeito e da linguagem. Com ela, o outro mento, o que, por si, evidencia a relevância
é uma presença que se integra à nossa do refletir criticamente sobre as bases, as es-
textura sensível, tornando-se assim par-
tratégias e os modos de agenciamento desse
te de nós mesmos. Dissolvem-se aqui as
figuras de sujeito e objeto, e com elas campo, interpelando-o de um lugar outro, que
aquilo que separa o corpo do mundo. não é mais do que o mesmo lugar rasurado 4
(Rolnik, 2006, p. 12) por um agenciar opaco. 5 Dizê-lo campo de

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disputas é, para nós, relevante, pois permite nem como crítica (em sentido geral, ou mesmo
fazer emergir concepções de cidade que irão nos termos kantiano ou marxiano), nem, ain-
substanciar desde grandes ações estatais (pla- da, como meios para alguma coisa (uma fala,
nos, políticas, normatizações, ações policiais, um gesto, um escrito, uma fotografia), mas
etc.) até as mais aparentemente desimportan- como o que denominamos “acontecimentos
tes práticas cotidianas. desconstrução”. 8 O atributo “desconstrução”
Instituindo esse campo da maneira deli- sinaliza, ao modo de Derrida (1975), o intuito
neada e desviando de qualquer intuito de juízo de que o experienciar/acontecer se realize pro-
sobre o que seria, aí, a formulação correta, jus- blematizando o dizer ontológico, logocêntrico,
ta ou científica, interessa-nos problematizar a em termos tanto de derrubamento – de estru-
própria linguagem como modo de pensamento turas, absolutos, totalidades, origens, desti-
que permite a construção dos diversos tipos de nos, relações causa-efeito, funcionalidades –,
discursos cidade. Não com a pretensão de que quanto, no mesmo movimento, de transgres-
inventaríamos uma outra linguagem, um outro são poiética.
campo e, portanto, outros, agora sim “verdadei-
ros”, dizeres-cidade. Mas com a perspectiva de
nos apropriarmos dos dizeres predominantes
rasurando-os e expondo esse rasurar, através
e trajetórias e percursos
de narrativasexperiência coletivas construídas
e caosgrafias e
como jogo (caosgrafias) com escrituras ditas
dizendo cidade.6 Experiências que se instituem A trajetória que chega às práticas caosgráficas
enquanto poiéticos dizeres-cidade no ensejo de é traçada com linhas tortas, intermitentemen-
traspassar seu tradicional traço empirista ou te de fuga e de territorialização, num zigue-
transcendental.7 -zague rasurante, sobre um dito percurso de
O caráter de jogo, predicado como modo pesquisas no qual a problematização da lin-
às narrativasexperiência, expressa nossa apos- guagem e a dos discursos presentes no campo
ta processual à possibilidade de explicitação de do planejamento urbano e regional e, de ma-
nossa interferência enquanto agentes provoca- neira mais ampla, da produção de cidades e
dores ou narrantesjogadores, ao mesmo tempo territórios sedimentavam-se como elementos
que essa interferência fica posta à prova pela centrais. O jogo de linguagem, que é indisso-
imprevisibilidade e pelo caráter errático do jogo. ciavelmente produtor e produto dos processos
Tal jogo se configura, então, como um adentrar de produção de cidade, mobilizava-nos a per-
com “passo” próprio – operando em desvio – guntar: quais agentes, sujeitos, instituições,
uma discursividade cidade constituída como tomam parte desse processo e quais os efeitos
movimento interdiscursivo de dizeres-cidade, gerados por modos e formas como cada di-
sendo interpelado por ele e interpelando-o. zer cidade particular e determinado conjunto
Propomos, então, essas narráticas expe- agenciado – em aliança ou em disputa con-
riências cidade não como processos analíticos, flitiva – é produzido. Mas também, em sinal
etimológicos, semiológicos ou hermenêuticos, invertido: tais dizeres não produzem também

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seus próprios enunciadores, contextos, inter- urbano. Utilizamos “dita” e não “descrita”,
locutores e objetos? pois constitui questão central das caosgrafias
Nos percursos trilhados lá pelos idos de pensar (a/ uma/ um projeto de) cidade enquan-
um incerto 2013, as caosgrafias se produziam to produção discursiva, posição que problema-
diretamente em tensão aos dizeres-cidade que tiza a ideia de que os discursos sejam “sobre a
se afirmam absolutos, postulando-se como cidade”, ou seja, representações de uma cida-
discurso verdadeiro, e tentam solapar a possi- de “real” que já está aí e restaria dela falar. A
bilidade de uma política. Naquele, então, 2013, cidade seria, nessa perspectiva, produção con-
referíamo-nos, sobretudo, àqueles que funda- tinuada a partir do que dela se fala (recorren-
mentam e são explicitados pelo denominado do a diferentes formas de linguagem), em que
“Planejamento Estratégico”, discurso que vem uma disputa política eminentemente discursiva
sendo assumido por diversas administrações emerge do encontro conflituoso de diferentes
municipais, principalmente a partir da década modos de dizer, de ver, de pensar, de instituir
de 1990, cujos postulados básicos concebem a seus processos cotidianos. Evidentemente não
cidade como algo a ser gerenciado em moldes se trata de movimento de mão única, pois os
empresariais, apontando para a necessidade supostos sujeitos do discurso não estariam
de definir sua “vocação” e seu “diferencial”. separados de um suposto objeto cidade, mas
Subjaz a isso um pressuposto que despolitiza da construção de agenciamentos complexos,
as dinâmicas de planejamento e gestão urba- situados num espaço-tempo atual do qual par-
na, em nome da construção de consensos e ticipam fluxos transescalares, de geografias das
de um projeto de cidade cuja meta é torná-la mais locais às mais globais.
mais atrativa para empresas, investidores, mão Esses agenciamentos vão constituindo
de obra qualificada e turistas. Como hegemonia “resultados parciais”, rastros de rastros nos
que se faz, desqualifica vozes ou discursos dis- termos propostos por Derrida (2004), a partir
sonantes ao seu dizer-cidade. Não os reconhece de eventos cotidianos, de práticas ordinárias,
enquanto dizeres outros que podem disputar de políticas públicas, de investimentos e es-
qualquer possibilidade de dizer-cidade porque peculações privados, de interações sociais no
não há, nesse dizer, a disputa mesma. Diante espaço público, de transformação das arqui-
desse problema, o viés motivador das caosgra- teturas e dos espaços abertos, que compõem
fias, afectando-se por um certo modo combati- – individualmente e em suas relações – escri-
vo de multidões que narramexperienciam rua, turas, sobre as quais novas escrituras se pro-
territorializa-se no dizer que essa disputa existe. duzem: escrituras-cidade, ou dizeres-cidade.
Nesse sentido, deixa rastros nas caosgra- Esse processo, é preciso ressaltar, será sempre
fias uma cidade do Rio de Janeiro dita como entrecruzado pelas tramas de dizeres que orga-
arena de disputas discursivas diretamente arti- nizam o social, onde os diferentes sujeitos que
culadas aos processos recentes – autoritários/ colocam, ou não, uma disputa certamente não
espetaculares – de transformação do território fazem em posição de igualdade.

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fragmento caosgráfico 19

e caos e escritura e disputas e âmbito das lutas contra os poderes constituí-


dos – exoconsistência do dizer –, mas também
A trama discursiva e heterogênea que compõe no âmbito circunscrito à produção de resistên-
o campo de disputas entre dizeres-cidade pode cias e contra-hegemonias – endoconsistência
ser vislumbrada à luz de um tipo de agencia- do dizer. Dizer cidade a n-1 como modo de ex-
mento proposto por Deleuze e Guattari (1996a) pressar nesse dizer a inescapável tensão multi-
como produção a n-1, onde n diz respeito à plicidade/unicidade.
multiplicidade heterogênea e 1 diz respeito Nas bordas, interstícios e zonas de som-
ao uno totalizante. No que viemos expondo bra do dizer-cidade hegemônico, é produzida
até este ponto, o uno seria o discurso que se uma miríade de discursos outros que, ocupan-
pretende instaurar consensualmente como úni- do a hegemonia com outros componentes
co e verdadeiro, em meio à multiplicidade de (subjetivos, materiais, semióticos, afetivos),
discursos-outros, heterogêneos entre si e ditos dizem resistir, desviar, produzir linhas de fuga
minoritários em relação ao uno. Essa proposi- ou simplesmente garantir existência. Minorias
ção provoca a necessidade contínua da opera- criadoras, diria Deleuze, que não se distinguem
ção de conjurar o uno, ainda que sem a possi- da maioria pelo número, mas por não se con-
bilidade de escapar dele, a favor do múltiplo, formarem ao modelo, e sim serem tomadas por
da diferença e do heterogêneo, não apenas no um devir, um processo.

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Ilustração 1 – Corpo-caosgráfico

Fonte: Elaboração própria, 2014.

Quando uma minoria cria para si modelos, esses dizeres-cidade descontínuos e minori-
é porque quer tornar-se majoritária, e sem tários sob uma aura de pureza que os mante-
dúvida isso é inevitável para sua sobrevi-
ria imunes à feitiçaria capitalista (Pignarre e
vência ou salvação (por exemplo, ter um
Stengers, 2011). A produção de subjetividade
Estado, ser reconhecido, impor seus direi-
tos). Mas sua potência provém do que ela urbana ocorre em meio a fluxos em disputa,
soube criar, e que passará mais ou menos instaurando-se em processos de atualização
para o modelo, sem dele depender. O po- incessante. Nesse movimento, uns e outros,
vo é sempre uma minoria criadora, e que agentes em agenciamentos, são atravessados
permanece tal, mesmo quando conquista
por novos acontecimentos que produzem para-
uma maioria: as duas coisas podem coe-
xistir porque não são vividas no mesmo doxos e exigem um contínuo redizer(-se). Dian-
plano. (Deleuze, 1992, p. 214) te disso, faz-se necessário desconfiar de nossos
dizeres e ter precaução no âmbito da produção
Importa, assim, construir dizeres arrasta- discursiva, ou seja, problematizar a própria
dos por devires de resistência, mas igualmente linguagem enquanto campo de conflitos a ser
tomar cuidado contra a sedução em envelopar permanentemente tensionado.

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Ilustração 2 – Disputas

Fonte: Elaboração própria, 2014.

fragmento caosgráfico 2 prazer. penso: até o momento tenho consegui-


do não matar; com um pouco de sorte, seguirei
evitando. falo: cidade.
“Manifestações ou sete atos e um desatino” –
[com efeito]
Ato Gordo Elias 10
[assim também]
palavras haviam feito seu trabalho, sul-
cando como imprecisos arados o que outras
e modo operativo-reflexivo
palavras dizem ser minha mente revolta. os e jogo e
rastros que aí deixaram, trazem ao lume cida-
des e impérios grandiosos, mas também esqui- Como modo a essa aventura poiética, conside-
nas escuras, postes tortos e enferrujados, ruí- ramos a condição da não suposição prévia e
nas de pequenas casas tristes, prédios que se necessária do caráter dicotômico entre distin-
dizem inteligentes, luzes insuportáveis, sorrisos ções clássicas do pensar hegemônico moderno,
sem rosto, euforias carnavalescas, peixes mor- como aparência / essência, totalidade / parte,
tos a olhar o vazio, um pão mordido no chão de etc. Todo o trabalho tem como referências uma
uma calçada imunda, perguntas sem resposta, postura desconstrucionista derridiana, uma po-
esquecimentos de coisas que não se sabe, ter- lítica dos afectos inspirada em conceitos como
renos baldios em meio a milharais de prédios, potência, devir e rizoma, de Deleuze e Guattari,
avessos, meninas feinhas, milharais de espigas e o método de montagem de Walter Benjamin.
douradas, uma pequena chave que não sabe Essas referências não são objeto de apresenta-
sua fechadura. esqueço, seleciono, rememo- ções apriorísticas, mas acionadas e discutidas
ro, teço tramas, violento que me agencio. ajo: na medida de necessidades surgidas durante o
pego do chão o pão mordido e o devoro com processo prático.

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A construção, enquanto agenciamento (a-)regras do jogo


coletivo de enunciação (Deleuze e Guattari, Se jogos se efetuam pela definição
1996a; Guattari e Rolnik, 2005), de dizeres- prévia de regras, nas caosgrafias sua pró-
-cidade, sem formato ou modalidade de ex- pria formulação, revisão, descarte e reela-
pressão predefinidos, tem por fundamento boração constituem questão central ao que
a tensão / interpelação entre fragmentos consideramos uma investigação teoricoprá-
tempo-espaciais originários de agenciamen- tica de criação coletiva de narrativasexpe-
tos díspares do cotidiano tomados a partir riência voltadas ao pensar cidade, política,
de determinado(s) dispositivo(s), fragmentos linguagem. Dizemos, então, de cada caos-
por vezes funcionais, por vezes desúteis (isto grafia como narrativaexperiência singular,
é, que colocam em xeque o primado da utili- mas também podemos dizer de momentos
dade), e totalizações hegemônicas, em geral que, por potência de fazer jogar, ganharam
auto-assumidas eficazes pelo poder instituído. condensação e territorialidade no jogo e
Um dos pontos-chave do jogo é o mo- também um nome, que possivelmente já diz
mento no qual os fragmentos (sejam imagens, algo. Indicados a seguir em sequência, num
objetos, escritos, gestos, etc.) são produzidos propositado acidente pedagógico, podem,
pelos jogadores para compor arranjos e mon- entretanto, trocar de posição, se misturar ou
tagens sobre um tabuleiro que só passa a exis- mesmo sumir em cada jogo, com exceção do
tir, que só se dá a ver, na própria dinâmica das último – despacho – que só acontece quan-
composições, desvios, provocações e interpe- do há necessidade e desejo produzidos no
lações de cada jogada. Esse jogo, denominado jogo para desdobrar o agenciamento coletivo
“cartografia de afectos”, opera na perspectiva de enunciação ali elaborado em expressões
da construção de dizeres que afirmam cidade que podem ser partilhadas além dos limites
enquanto enunciado(s) a n-1, tramados rizo- espaço-temporais do jogo (um evento, uma
maticamente. Isto é, um jogo que se propõe publicação, um ato público, etc.).
espaço de narrativaexperiência coletiva com Enrosco: onde são definidos coleti-
a palavra cidade sem desta procurar decantar, vamente dispositivos provocadores de uma
sejam os modos mais completos ou complexos deriva que pode, contudo, ocorrer tanto em
de se dizer / tomar / entender cidade – aquilo espaços considerados abertos como também
que faria una, idêntica a si mesma, realidade fechados (afinal onde começa e termina ci-
que preexiste aos discursos, às práticas que a dade?). São utilizados exercícios livremente
dizem –, mas, antes, narrativaexperiência que adaptados do teatro e da dança para mobi-
toma a palavra, ela mesma, como território de lizar o corpo inteiro ou os corpos-corpo co-
disputa, matéria plástica que se faz e refaz in- letivo, a potencializar-se enquanto máquinas
cansavelmente nos jogos discursivos, nas indis- expressivas que maquinam(-se) (n)o jogo
sociáveis micro e macropolíticas cotidianas. caosgráfico.

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Imagem 1 – Momento Enrosco em oficina


com estudantes de arquitetura na UFF

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Imagens 2 e 3 – Momento Enrosco com estudantes grevistas na UFRJ

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Deriva / produção de fragmentos : âmbito do jogo, fragmentos são qualquer tipo


onde Deriva é provocada como movência e de matéria de expressão – encontros e garim-
delírio e composição de corpos e coisas em pos, emergências, devires e atravessamentos
deslocamento (pela cidade, pelo espaço, pelos significativos e apropriados pelos participantes
dispositivos, pelos sentidos, pelas sensações, para constituir a matéria bruta a ser agenciada
pelos sujeitos e pelas ideias ligadas a essas pa- numa cartografia de afectos. Podem ter diver-
lavras), visando a ativar o sensível mobilizado sos formatos: imagens, textos, fotografias, fa-
pelo dispositivo disparador do jogo, a fim de las, gestos, objetos, vídeos, sons, gente, bicho,
produzir (coletar, compor, criar) fragmentos. No planta, etc.

Imagens 4 a 7 – Exemplos de Fragmentos e Derivas


e dispositivos de produção de fragmentos

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Ta b u l e i r o : onde os f ragmentos de uma cartografia de afectos, em que cada


produzidos são apropriados e atualizados li- jogada é provocada por afectações de ou-
vremente como peças para constituir jogadas tras jogadas, e dizeres cidade fragmentários
elaboradas por um ou vários jogadores, de passam a compor também outro dizer cida-
modo sucessivo ou simultâneo, a depender de múltiplo, um agenciamento coletivo de
da própria dinâmica que se instaura em ca- enunciação, a partir de conjunções, conexões,
da jogo. Um plano de composição se produz, disjunções, proximidades, distâncias, intensi-
no qual as jogadas podem se espacializar e dades, marcas, colisões, rasuras e sobreposi-
tempo rizar, constituindo o que chamamos ções entre jogadas.

Imagem 8 – Momento Tabuleiro em oficina com participantes do XIX Congresso


Iberoamericano de Geografia, Universidade do Minho, Portugal

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Despacho: quando o jogo, pela potência disponíveis encontrados e passíveis de serem


de afectações, não se deixa terminar e os par- operarados pelos jogadores. Já foram feitos
ticipantes elaboram estratégias e/ou táticas a despachos em meios diversos, como audiovi-
fim de estendê-lo além das próprias fronteiras sual, material gráfico, textos publicados, apre-
de seu acontecimento. São, então, produzidos sentações em eventos, instalação de estruturas
desdobramentos da cartografia de afectos em não permanentes e performances em espaço
linguagens múltiplas, com recursos e suportes público.

Imagens 9 a 11 – Despachos executados em meios diversos.


Na ordem em que aparecem: trecho de um material gráfico;
intervenção em uma praça pública de Porto Alegre;
instalação na UFRJ

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fragmento caosgráfico 3 breve apontamento


Estado-jogo11 experenciaragenciarnarrar

Esse movente caos palavrório, não obstante, Caosgrafias são também concebidas na trama
tem a potência de individuar por afectação, não imbricada dos termos experenciar-agenciar-
aquela supostamente determinada por alguma -narrar, na qual a experiência não é conside-
essência imaginada, mas a afectação possibili- rada fora do processo narrativo. Experiência e
tada pelos planos de intensidades que fazem o narrativa se instituem, assim, na própria rela-
jogo. Essa individuação – como aqui assumida, ção, como agenciamento coletivo de enuncia-
uma ecceidade rasurada, se tivermos em conta ção. Experienciar como agenciarnarrar.
os termos em que Deleuze e Guattari (1997a) a
formulam.12 No acontecimento constituído pe-
lo presente indefinido da escrita, instituo e me
afecto por outro acontecimento, aquele de um
fragmento caosgráfico 413
fluxo de ecceidades – que designo como sons
e formas e durações e odores e texturas e vo- ● “Isaura experiencia”. Tomar essa escritura
lumes e cores e temperaturas e distâncias – a ao modo diabólico enunciado, no intuito de
se mover aceleradamente, desenhando e desfa- dizer um sentido a ela, por efêmero que pos-
zendo figuras doces ou ameaçadoras e outras sa ser o que possa ser dito, enquanto também
nem tanto. um (outro) experienciar, quer dizer considerar
Interpelado e definitivamente arrebatado que o nome Isaura não indica um sujeito ex-
por essa afectação, jogador desejante que me perienciador (uma presença), nem que o verbo
faço, desdobro-a em jogo movente de outras experienciar significa previamente qualquer
ecceidades [...] cujas intensidades se agenciam coisa, especialmente o confrontar sensorial /
por e como errância e reverberação e frequên- racional / subjetivo de uma suposta presença
cia e insistência e contração e curto-circuito e com alguma alteridade, também presença em
amplificação e multiplicidade e aceleração e si e por si. Quer dizer, como rasura a esse ex-
adensamento e agregação e simultaneidade e perienciar como relação de presenças, que a
intercalação e acréscimo e eliminação e violên- escritura “Isaura experiencia”, entendida como
cia e difusibilidade e superposição e, a consti- narrativa a (n-1), não dizendo então de coisas
tuir “plano de consistência”, é agenciamento, ou estados de coisas autônomas e independen-
redobra explodida em multiplicidade de pala- tes a esse dizer, ainda que assustada por esses
vras, elas também redobras de redobras, eccei- fantasmas e por vezes incorporando-os conci-
dades de ecceidades de outras palavras na infi- liadoramente, sugere um agenciar múltiplo de
nitude do jogo enquanto potência de negação palavras que constitui como trama de intensi-
do mesmo. dades ao mesmo tempo um si mesmo, outros

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desse si, os modos de tecedura ou jogo entre possibilitam que muitas delas concordem que
eles (a-regras do jogo) e o devir desse jogo. esta foi a versão mais “dura” das caosgrafias.
● Narraragenciarexperienciar Isaura é como Apesar de muitos fatores estarem relacionados
narraragenciarexperienciar deserto, ou como a essa questão, o principal deles é que, naquele
desertar ou deserdar. Abandono. Solidão de momento, estávamos caosgrafando para atin-
abismo. Nenhuma referência pra frente ou pra gir um objetivo.
trás, ainda que se siga ao mesmo tempo pra Porém, não precisou muito para que ti-
frente e pra trás, nenhum norte identificável a véssemos a sensação que o modo caosgráfico
priori, nenhum dia, nenhuma noite a pontuar era muito mais potente do que sua capacidade
de saída os dizeres. Dizeres escrituras, agencia- de gerar um produto. Ainda assim (porque é
mentos comerfalarcomerfalar. complicado descer das árvores para as raízes),
● Experienciar como territorializar. Nem sempre, pensamos que o que tínhamos criado era real-
mas algumas vezes capitais. Territorializar co- mente uma “metodologia”, capaz de ajudar
mo experienciar, como um incorporal acontecer a fazer um filme com tais características.14 Já
experienciaragenciarnarrar. naquela narrativaexperiência havia surgido o
incômodo do contraste no momento em que
passávamos da etapa denominada “cartografia
relato 1 … narrativasexperiência de afetos” para a montagem dos fragmentos
caosgráficas em uma timeline, que comumente enseja certa
linearidade no tempo.
Pode-se dizer que o que chamamos caosgra- Esse incômodo vinha da sensação de que
fias se constitui tanto ou mais no campo das submeter a caosgrafia à função de organizar
práticas e das técnicas que dos conceitos e uma montagem em linha era por demais disso-
mesmo da metodologia. O mais profundo é a nante com a abertura provocada pelo proces-
pele. No entanto, a primeira narrativaexperiên- so. Não pela montagem do filme em si mesmo,
cia caosgráfica (que só pode existir como tal mas porque este nos parecia acabar sempre,
no presente incerto desta escrita) distingue-se mesmo com todas as advertências, tomando o
das demais por ter sido concebida a partir do caráter de resultado, de produto e mesmo de
propósito de dar conta da montagem de um objetivo, ao qual todo o processo anterior pare-
filme, cuja principal pretensão era a completa cia subordinado.
horizontalidade na sua produção. Uma criação Tal desconforto se tornou mais intenso
coletiva e horizontal, ao menos quanto às “re- em outra ocasião, na qual o método tomou o
gras” do jogo, foi o que motivou o desenvolvi- formato de oficina e, assim, evidenciava fissu-
mento de caosgrafias. Assim, o processo tinha ras que deslocariam o núcleo do trabalho para
um caráter mais instrumental. Até então, pode- o processo, muito mais do que para sua finali-
-se dizer que as pessoas implicadas buscavam zação. Ainda assim mantivemos a produção de
uma ferramenta capaz de garantir a abertura e um filme como etapa final do processo.15
a simetria na criação e na montagem do filme. Foram dois dias povoados de encontros
Hoje, as virtudes de uma mirada retrospectiva intensos. Pessoas de diferentes partes do País,

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de diferentes formações, idades e vontades cosmopolítica, quando a filósofa se pergunta e


se inscreveram na oficina. Uma conversa ini- lança sua provocação:
cial marcou as primeiras impressões sobre o
Como apresentar uma proposição que
que se desenrolaria nos momentos posterio-
não pretende dizer o que é, ou o que de-
res. A etapa que propusemos em seguida foi veria ser, mas que provoque pensamento;
de nos dividirmos em grupos para recolher e que não exige outra verificação além
“fragmentos” (os elementos a serem agencia- de ser capaz de desacelerar o raciocínio e
dos na experiência da “cartografia de afetos”) criar a ocasião para a emergência de uma
sensibilidade ligeiramente diferente rela-
da cidade de Salvador. As etapas seguintes
tiva aos problemas e situações que nos
se constituíram por distintas formas de reali- mobilizam?16 (Stengers, 2007, p. 45)
zação de tarefas, que cada “grupo” passou a
considerar como um caminho para aquilo que Não faz sentido, portanto, ter a expec-
pretendia constituir. tativa de que estamos diante de um novo mo-
Inicialmente o modelo de funcionamen- delo de fazer política ou planejamento, não
to era o mesmo que o da primeira caosgrafia. porque a caosgrafia exclua qualquer política
Compusemos cartas que se referiam às cenas ou planejamento de si mesma, assim como
que constituímos a partir de uma seleção pré- não exclui um modelo, mas porque nela tudo
via das imagens trazidas pelos grupos. Assim, é jogo de corpolinguagem. Não tem por obje-
era como se as “cartas” pudessem fazer refe- tivo nem explicar e menos ainda solucionar os
rência a algo dado. Completo equívoco. Que problemas que se apresentam no cotidiano da
se tornou evidente quando os participantes cidade. O que está em jogo nesta proposta de
começaram a fazer jogadas com seus próprios experiência é a criação de práticas que tenham
corpos, rompendo primeiro com a "bidimen- como consequência a abertura do campo de
sionalidade" das conexões que propúnhamos enunciações, ou seja, das possibilidades de
e especialmente com uma referencialidade dizer-cidade.
ingênua, que acabamos por reproduzir inter-
namente no processo. Ao jogar seus corpos
sobre o nosso “tabuleiro”, as pessoas caos- relato 2 … narrativasexperiência
grafaram a cartografia, o jogo e, logicamente, caosgráficas
toda a oficina.
Permitimo-nos, naquele então, pensar Desde as primeiras caosgrafias até as mais re-
que não são as regras ou as formulações a centes, pode se dizer que partiram de um certo
priori que definem o processo, ainda que par- roteiro, que continha em si determinada expec-
ticipem dele. Caosgrafar é uma prática, que tativa. Almejava-se um produto: um texto aca-
se instaura como modo de experenciarnarrar dêmico, uma apresentação em congresso, um
coletivo. Distanciando-se de certas motiva- filme ou vídeo. Então, passou-se à ocupação
ções iniciais, o principal para nós tornou-se do espaço, o interior de um edifício moderno,
“provocar pensamento”, no sentido proposto a feitura de uma instalação, uma praça públi-
por Isabelle Stengers em relação à noção de ca, e demo-nos conta de que bastava estarmos

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reunidos em modo-jogo para dizer da situação espaço-tempo. Seria errado, por isso, dizer de
como caosgráfica. A caosgrafia deixava de uma troca do racional pelo afetivo, pois as duas
ser dita como metodologia para desenvolver formas podem ser ao mesmo tempo percep-
produtos e passava a ser dita como processo ções e afectações e costumam mesmo ocorrer
movente, podendo acontecer nas mais diversas simultaneamente. Além disso, talvez se possa
formatações e contextos e instaurar-se entre dizer que é preciso prestar mais atenção aos
nós (porque um entre e um nós são pré-re- afectos e levá-los a sério, ao passo que pode
quisitos fundamentais) sem planejamento, de ser libertador não conferir um protagonismo
surpresa. O modo-jogo não precisava ser acio- permanente ao racional. Não achamos que in-
nado, mas ele acionava-nos a jogar a partir de ventamos algo novo ou descobrimos algo que
algo que se instaurava entre nós. não existia, mesmo porque não nos parece
Aos poucos, começamos a ver caosgrafia possível dar conta de alguma totalidade que
em muitas situações, algumas bem comuns. seja essência ou aparência de que tentamos
Músicos improvisando uma música juntos sem falar. Apenas escolhemos um nome para dizer
terem ensaiado, uma jogada perfeita em uma algo que acontece. Esse nome, entretanto, mo-
pelada de futebol, a coreografia astuciosamen- biliza-nos, gera desentendimentos entre nós,
te funcional, ainda que lenta, de uma sarjeta convoca-nos a jogar e estimula um contínuo
ocupada em movimento ao mesmo tempo por redizer de certezas e exploração dos limites da
gente, carros, motos, bicicletas, carroceiros, li- linguagem. Por isso tudo, e por muito menos,
xos, buracos, poças d’água e exus. E por que as caosgrafias são atualmente plurais no plural.
não capoeira angola, o jogo de olhares do
flerte, embriagar-se e pular carnaval? Há algo Entrando por uma porta,
comum a essas narrativasexperiência da ordem saindo por outra,
de uma desracionalização ou desatenção; não quem quiser que vá
completas, mas rasuradas pelos circuitos de narrandoagenciandoexperienciando
afectos que cruzam a narrativaexperiência de outra.17

Frederico de Araujo
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional,
Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
fredaraujo@uol.com.br

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Notas
(*) Texto elaborado pelo Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado por

poiésis

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Referências

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Frederico de Araujo

Texto recebido em 5/jun/2016


Texto aprovado em 25/jul/2016

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