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DO PROCESSO
CONTRA-ORDENACIONAL
ESTRADAL
VO L U M E I
RELATÓRIO PRELIMINAR
ÍNDICE
VOLUME I
Pág.
A. INTRODUÇÃO
1. Antecedentes 1
2. Constituição da Comissão para o Estudo do Processo Contra-ordenacional
Estradal – tarefa e pressupostos 2
F. PROPOSTAS 37
G. CONSIDERAÇÕES FINAIS 43
VOLUME II – ANEXOS
Anexo 1
Inspecção Temática n.º 4/2003 da Inspecção-geral da Administração Interna –
Conclusões
Anexo 2
Informação n.º 221/2005 – GJC (PP 118/05), de 9 de Setembro de 2005
Anexo 3
Informação DGV n.º 261/04/GJC, de 31 de Maio de 2006
Anexo 4
Informação DGV n.º 123/GJC/2006, de 13 de Março de 2006
Anexo 5
Lei Orgânica da DGV
Anexo 6
Informação estatística (dados de sinistralidade e de desenvolvimento do
processo contra-ordenacional)
Anexo 7
Notas síntese das reuniões da Comissão
RELATÓRIO
A. INTRODUÇÃO
1. Antecedentes
Acontecimentos recentes, que vieram enfatizar problemas e dificuldades que já não são novos,
então amplamente noticiados, motivaram à altura que fosse ordenado à Direcção-Geral de Viação
(DGV) uma averiguação profunda das razões e explicações para a verificação de um conjunto de
ocorrências classificadas como inaceitáveis e em que urgia compreender as causas. O resultado da
averiguação desencadeada, mais do que permitir a confirmação, por mero conhecimento analítico das
questões e das dificuldades existentes, deixou clarividente a necessidade de ser incentivado um
trabalho de maior profundidade, capaz obter uma perspectiva global do processo de contra-
ordenações resultantes da infracção ao Código da Estrada, desde logo pela aferição das questões de
natureza institucional, instrumental, relacional e funcional que atravessam todo o processo e que
foram então enunciadas pelo supra identificado relatório da DGV.
que todavia nunca foram incrementadas, e ainda com o propósito de avaliar, com a profundidade que
se justifica, a introdução de medidas que visem a normalização de todo o processo contra-
ordenacional, numa perspectiva integrada e tendo presente a diferente natureza das entidades
envolvidas, foi determinada a criação da Comissão para o Estudo do Processo Contra-ordenacional
Estradal (adiante referida como Comissão).
Após cada uma das entidades constituintes ter indicado o seu representante, a Comissão iniciou
os seus trabalhos integrando os seguintes elementos:
Dr. Raul Oliveira – Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna;
Dr. Miguel Braga – Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna;
Dra. Eliana Pinto – Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna;
Major João Fernando Maia – em representação da Guarda Nacional Republicana
Subintendente José Leonardo – em representação da Polícia de Segurança Pública
As entidades fiscalizadoras constatam em média, por dia, 3.500 infracções ao Código da Estrada
(no ano de 2005 foram levantados 1.276.521 autos de contra-ordenação). Esta circunstância,
atendendo à especificidade social que representa, ao impacto negativo que induz ao combate à
sinistralidade rodoviária e não deixando de ter presente o empenhamento político que o Governo quer
garantir para esse combate foi o móbil de uma iniciativa especialmente destinada a encontrar novas
soluções que assegurem no futuro que o Código da Estrada é mais respeitado.
A DGV viu-se então confrontada com a necessidade de adaptar rapidamente a sua estrutura de
recursos humanos e de meios a uma nova realidade que manifestamente encerrava uma
complexidade muito maior do que acontecia até esse momento.
Foi então adoptado o Sistema Informático de Gestão de Autos – SIGA, que embora longe de ser
perfeito, permitiu à DGV acautelar o primeiro impacto das novas competências de havia sido investido.
O SIGA, na sua primeira versão, apesar de se ter mostrado bastante adaptado ao processo de
colecta da receita proveniente das contra-ordenações processadas, nunca se revelou suficientemente
eficaz na gestão do processo de decisão e pós-decisão do processo contra-ordenacional.
Acresce ainda, que ao longo dos últimos doze anos o processo contra-ordenacional tem estado
repartido, se considerarmos só a DGV, por três subunidades orgânicas, o Gabinete Jurídico e do
Contencioso no que respeita ao processo propriamente dito, a Direcção de Serviços de Informática no
que concerne ao desenvolvimento e gestão do SIGA I e mais tarde do SIGA II e a Direcção de
Serviços Administrativos relativamente à cobrança dos autos de contra-ordenação, conforme melhor
se percebe pela consulta da Lei Orgânica da DGV – Anexo 5.
Em grande medida, a elevada sinistralidade rodoviária que marca o passado recente explica-se
por uma cultura de irresponsabilidade e impunidade muito implantada nos condutores.
Para efeito do trabalho a desenvolver pela Comissão ficou assente desde o início a enorme
conveniência de uma apresentação pormenorizada do processo de contra-ordenações resultantes
da infracção ao Código da Estrada, com identificação das diversas etapas e dos actores
intervenientes em cada uma delas, desde o momento em que é levantado o auto de contra-
ordenação até à eventual remessa do processo para a comarca criminal competente.
Um dos erros mais comuns que ocorre nesta fase consiste no preenchimento de forma incorrecta
e sem objectividade do espaço “descrição sumária” onde, não raras vezes, os factos que deram lugar
ao levantamento do auto de contra-ordenação são descritos de forma ambígua ou incorrecta, o que
facilita ao infractor a produção de defesa ou de impugnação judicial.
Esta situação tem maior premência desde a entrada em vigor do projecto Polícia em Movimento,
atendendo à associação automática de uma proposta de texto à digitação do código de infracção, o
que leva a que, pela excessiva abrangência do texto proposto, sejam descritas várias situações
legalmente enquadradas nesse código de infracção embora o facto ocorrido tenha sido um só.
Ora, o acto de notificação do proprietário do veículo, constitui uma das grandes dificuldades do
processo. Ao longo do tempo o condutor foi consolidando a convicção de que a não actualização da
sua morada (quer como proprietário da viatura, quer como titular da carta de condução), o beneficia,
atendendo a que a impossibilidade da notificação corre a favor do infractor, porquanto o processo fica
inviabilizado.
Idêntica situação ocorre quando a viatura é pertença de uma empresa ou constitui um bem
adquirido em processo de “leasing”, “rent-a-car” ou “ALD”, onde a identificação do condutor infractor
raramente é assegurada com sucesso.
Não obstante as alterações introduzidas ao Código da Estrada preverem que, nestes últimos
casos, a sanção acessória de inibição de conduzir é transformada em apreensão da viatura por igual
período de tempo, tal circunstância continua ainda assim a ser favorável para o condutor infractor.
No caso da infracção ser detectada pela entidade fiscalizadora no momento em que ocorre,
procedendo-se de imediato à notificação do infractor, este tem, nos termos da lei, três formas de
proceder de imediato à liquidação voluntária da coima: por cartão Multibanco (através do aparelho
POS), em dinheiro e em cheque.
O pagamento por cartão Multibanco é o mais facilitador para o processo, atendendo a que a
informação de boa cobrança do auto entra directamente no SIGA II e associa-se imediatamente ao
auto ainda antes deste ser registado ou recepcionado pela DGV. Neste caso, quando o auto é
processado, já consta no sistema a informação que a respectiva coima está liquidada.
Acresce que, quando essa lista ou o comprovativo de depósito dá entrada na DGV (em formato
papel), a informação de boa cobrança tem que ser digitada auto a auto no sistema SIGA II, o que
provoca atrasos na associação de cobrança ao auto a que a mesma diz respeito, não existindo
qualquer automatismo neste procedimento.
Não raras vezes, um auto que está a ser processado pelo jurista e ao qual ainda não foi indexada
a informação de pagamento voluntário que realmente ocorreu, é decidido, erradamente, no
pressuposto de auto não pago. Quando a decisão é notificada ao infractor origina legítima reacção de
desagrado, no mínimo, determina a devolução do auto para fase de elaboração de nova decisão.
Algumas situações deste tipo resultam na imediata impugnação judicial o que coloca a DGV numa
situação particularmente desconfortável.
Ainda neste âmbito, verificam-se por vezes a recepção na DGV de cheques sem provimento, o
que vem introduzir novas dificuldades ao processo.
Se o infractor não for notificado no imediato e no local onde cometeu a infracção, a notificação é
enviada para o domicílio, conferindo-se então ao infractor as seguintes formas de pagamento
voluntário da coima: por Multibanco ou nos postos dos CTT.
Ora, o modelo de pagamento por Multibanco tem uma fragilidade, que consiste no facto de o
sistema ser aberto. O que significa que, por exemplo, se o cidadão for liquidar uma coima de 120 € e
se este se equivocar digitando uma quantia de 12 € ou 1200 €, o sistema aceita a liquidação, o que dá
posteriormente lugar a um processo de correcção de pagamento, que é feito de forma manual, ou é
exigido ao cidadão o valor em falta, ou é devolvido, por cheque, o valor cobrado em excesso.
O modelo de pagamento nos postos dos CTT não evidencia nenhum problema em particular,
atendendo a que os CTT transferem imediatamente a verba recebida para a conta da DGV, para além
de integrarem a informação de cobrança de cada auto, automaticamente no sistema SIGA II, pelo que
a informação de boa cobrança fica imediatamente disponível para o jurista que prepara a decisão, em
igualdade de circunstâncias com o sistema POS ou Multibanco.
Solicitado que seja este procedimento por parte do condutor infractor e desde que a pretensão se
enquadre no preceituado da lei, deve o condutor depositar a favor do Estado uma determinada
quantia, apurada por referência à declaração de IRS do cidadão. Essa quantia fica depositada em
conta bancária da DGV durante o período suspensão da pena (na maior parte dos casos, de seis
meses), findo o qual deve a DGV devolver essa quantia ao cidadão em causa, desde que durante esse
período não tenha sido cometida outra contra-ordenação grave ou muito grave, porque nesse caso a
verba reverte definitivamente a favor do Estado.
Este processo, para além de moroso e de absorver consideráveis recursos humanos, não
representa uma vantagem para o Estado, atendendo a que a DGV tem funcionado como um mero
interposto de dinheiro, sem que daí resulte qualquer benefício para além da cobrança de juros.
De facto, para que o auto de contra-ordenação seja registado no sistema SIGA II, é necessário
que os dados de identificação do condutor, código de infracção, etc. constantes do auto estejam
totalmente isentos de erros.
Não raras vezes, porque as entidades fiscalizadoras nem sempre têm acesso facilitado a todas as
bases de dados relevantes, dados essenciais estão incorrectos ou mesmo omissos, o que determina
logo à partida a obrigatoriedade de proceder ao reenvio desses autos às entidades que o emitiram ou
à sua própria correcção na DGV.
De facto, como já ficou dito atrás, o actual sistema informático SIGA II, para além de só muito
recentemente permitir a continuidade entre as fases de levantamento do auto, notificação e
processamento da decisão, continua a não permitir um processo contra-ordenacional informatizado
em contínuo, fundamentado na produção nula de peças em papel e que enquadre todo o
processamento desde o levantamento do auto até à decisão judicial produzida em tribunal.
Por outro lado, o sistema SIGA II ainda não consegue interagir com a totalidade das bases de
dados do sector automóvel desenvolvidas pela DGV (condutores e veículos, por exemplo), pelo que,
ainda não é possível obter automatismos plenos que facilitariam a integração automática de
informação relevante para o desenvolvimento do processo.
Quando não acontece prescrever antes, não raras vezes o processo acaba por prescrever no
momento em que se encontra no tribunal, adicionado que seja o atraso verificado no âmbito da
intervenção da DGV com o atraso dos mesmos Tribunais.
5. Processamento contra-ordenacional
5.1. O sistema informático regista a cobranças dos autos com atraso, o que determina a
necessidade de anular as decisões que erradamente alegam a não liquidação voluntária da
coima - à data da decisão não constava do registo de autos cobrados, o que se verifica dois
ou três meses mais tarde). Tal facto tem motivado alguns recursos judiciais desnecessários);
5.2. A audição de testemunhas é aproveitada pelos mandatários dos condutores infractores para
retardar a elaboração da decisão, designadamente requerendo a audição de testemunhas
em várias cidades do país;
5.3. Inexistência de um sistema informático que integre as diferentes bases de dados relevantes e
a inexistência de automatismos informáticos que permitam a produção de decisões sobre
modelos automáticos ou semi-automáticos (no caso das contra-ordenações graves e muito
graves sem defesa ou com defesa irrelevante);
5.4. A notificação da decisão padece das mesmas dificuldades registadas na notificação inicial da
contra-ordenação;
5.5. Ambientes de trabalho nem sempre adaptados às particularidades do processo contra-
ordenacional, por vezes com manifesta falta de espaço e arquivos quase sempre
inadaptados;
5.6. Falta de recursos humanos, ainda assim colmatada pela contratação de avençados ou
trabalhadores em regime de “outsourcing”, cuja convivência com os funcionários do quadro
nem sempre se apresenta pacífica;
5.7. Intervenção dos Governadores Civis no processo contra-ordenacional que em muitos casos
provoca uma diluição da responsabilidade do processamento que não favorece o processo;
6. Processamento judicial
6.1. Problemas inerentes ao sistema judicial, em particular quanto ao atraso na decisão dos
processos;
6.2. O envio de processos para execução judicial exige o empenhamento de muitos recursos
humanos, pois é necessário proceder à cópia integral de cada processo, que vai em original
para o Tribunal;
6.3. Embora esteja previsto no Código da Estrada que, após notificação do infractor por carta
registada com aviso de recepção e se esta for devolvida, deve a autoridade administrativa
proceder á notificação por carta simples para a morada que conste na carta de condução ou
do proprietário do veículo, considerando-se assim o infractor notificado, verificam-se casos
em que o Juiz determina o arquivamento do processo se dele não constar o aviso de
recepção assinado em conformidade, alegando não ter a certeza da notificação do infractor;
6.4. Nem sempre os Tribunais informam a DGV das decisões proferidas.
Nesse sentido afigura-se muito relevante que possa ser incrementado nas entidades fiscalizadoras,
um conjunto de ferramentas informáticas que lhes permitam processar o auto de contra-ordenação de
forma simplificada e com o menor número de erros.
Por outro lado, devem ser assegurados aos militares e agentes das forças de segurança maior
formação, especificamente dirigida ao preenchimento dos diferentes campos constantes do auto, que
incorpora a definição sumária dos factos de que resulta a autuação do condutor, designadamente
assegurando a inserção correcta do código de infracção.
2. Notificação
Apreciadas as dificuldades e comprovadas que estão estatisticamente, haverá desde logo que
introduzir uma inversão no princípio base vigente. O ónus do condutor que motiva entraves ao normal
desenrolar dos actos de notificação deve cair inequivocamente sobre quem os cria.
Ou seja, é imperativo que o registo do endereço dos condutores, dos proprietários dos veículos ou
dos habituais utilizadores tenha um valor inquestionável, com o mesmo impacte, por exemplo, do
endereço fiscal, que os cidadãos não correm o risco de não actualizar.
A questão das notificações, todavia, não se reduz a este entrave criado pela não
actualização das moradas.
A par da questão relacionada com a imposição de ónus negativo pela não alteração do
endereço, a administração fiscal concentra os seus esforços no âmbito da notificação, no
envio de carta registada. Nos casos em que não se obtém sucesso – que, segundo foi
possível apurar são cerca de 10% das situações – recorre à notificação pessoal e à
notificação por aviso postal na residência do cidadão infractor. A Comissão considera que
este modelo pode ser uma solução a importar com sucesso para o processo de contra-
ordenações estradal.
3. Cobrança
Face ao exposto, o futuro quadro de procedimentos relativos ao pagamento das coimas, deve
assentar no pressuposto de que qualquer pagamento, seja feito em dinheiro, em cheque ou por
Multibanco ou ainda nos postos dos CTT, é transmitido automaticamente, em módulo “off line” para o
No que respeita ao processamento de cauções de boa conduta, que como acima foi dito, não
beneficia hoje de qualquer suporte informático, podem ser adoptadas duas soluções: a possibilidade
de requerer a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir pela prestação de
caução de boa conduta é excluída das disposições do Código da Estrada, ou, a manter-se a actual
legislação, seja desenvolvido um módulo informático específico, associado ao sistema principal de
processamento de autos, de forma a automatizar este procedimento.
Na segunda opção, e numa primeira análise, não se afigura muito complexo que, na fase de
composição da decisão, e em face de solicitação específica nesse sentido, seja criado um automatismo
que produza a decisão determinando a aplicação de caução de boa conduta e definindo o seu valor. A
cobrança da caução cumprirá os mesmos pressupostos da liquidação da coima, sendo produzido um
alerta automático ao fim do tempo de suspensão da pena e emitido de forma automática o cheque no
valor da caução previamente depositada, em nome do condutor infractor que consta do auto.
4. Registo e recepção
O registo e a recepção dos autos devem ser efectuados pelas próprias entidades fiscalizadoras,
que deste modo estarão numa posição privilegiada para proceder à correcção dos erros e omissões
que eventualmente fiquem associados ao auto no momento em que é levantado.
Aliás no âmbito do trabalho desenvolvido pela Comissão, ficou assente como elemento transversal
e estruturante a todas as soluções contempladas no Relatório, a emergência do processo contra-
ordenacional assentar num sistema informático único. Ou seja desde o momento em que o auto de
contra-ordenação é levantado até à eventual remessa do processo para o competente foro judicial,
todos os procedimentos correm no mesmo sistema informático, assegurados os devidos acessos e os
necessários cruzamentos de dados entre as entidades fiscalizadoras, a entidade competente para
preparar a decisão e a entidade competente para decidir.
5. Processamento
Actualmente, o sistema SIGA II disponibiliza ao jurista que está a analisar o auto de contra-
ordenação e a preparar a respectiva decisão, cerca de duzentas propostas de decisão abertas (leia-se,
possíveis de edição), que tentam abranger a totalidade das opções possíveis que se apresentam ao
jurista, e que influenciam a produção da decisão.
Como é evidente, ninguém consegue memorizar esta quantidade de opções e optimizar a sua
escolha. O que realmente se passa é que cada jurista domina cerca de uma dezena de modelos,
conseguindo produzir cerca de 80% das suas decisões, editando a opção que melhor se adapta às
condicionantes do auto que está a processar. Os restantes 20% obrigam-no a produzir uma decisão
de raiz.
Por outro lado, o sistema SIGA II não permite a ligação automática a nenhuma base de dados
actualmente disponível, quer da DGV, como seja o Registo Individual do Condutor, Base de
Condutores, quer, por exemplo da DG de Registos e Notariados (base de proprietários).
Ainda na actualidade, existem dois processos facilitados no universo da totalidade dos autos de
contra-ordenação. Um dos processos é o que contempla o arquivo directo na própria entidade
fiscalizadora, das contra-ordenações leves, pagas e sem defesa. Outro do processo facilitado é o das
contra-ordenações resultantes de estacionamento ilegal, sem defesa, não pago (excepto se se verificar
sobre passadeiras), e que é sujeito a um processo automático, designado por “jurista virtual”, que
produz uma decisão que determina ao arguido o pagamento da respectiva coima, acrescida de custas.
A proposta da comissão consiste na extensão desta facilidade à totalidade do universo das contra-
ordenações, quer sejam leves, graves ou muito graves, com ou sem pagamento voluntário, com ou
sem defesa, seja ou não o condutor reincidente.
Para tanto, é necessário que o sistema informático a desenvolver interaja na totalidade com todas
as bases de dados detentoras de informação relevante e que condicione a decisão.
Qualquer que seja a tipologia e gravidade da contra-ordenação em análise, desde que o acesso a
essas bases de dados se processe de uma forma “on-line”, é necessário que o sistema informático vá
“compondo” a decisão através de frases chave associadas a realidades inerentes à contra-ordenação,
ao cadastro do condutor, à circunstância de a coima ter sido ou não paga voluntariamente, e assim
sucessivamente até que a decisão esteja completa, sem que o jurista tenha editado o que quer que
seja.
Por exemplo, imaginando uma contra-ordenação grave, com pagamento voluntário da coima por
parte do arguido:
1. Através de um processo de “jurista virtual”, a folha de decisão, quando for aberta, importará
automaticamente (do próprio auto de contra-ordenação levantado pela entidade fiscalizadora no
mesmo sistema informático) o NOME, MORADA (que será colocada automaticamente no espaço
próprio visível sob a janela do envelope de expedição postal), Nº DE BI e CARTA DE CONDUÇÃO
DO ARGUIDO, Nº DO AUTO, e o CÓDIGO DE INFRACÇÃO.
2. A partir daqui, o sistema informático é possuidor de informação base que lhe permite começar a
produzir um texto preestabelecido, com preenchimento de espaços em branco com informação
relevante.
3. Ao identificar o CÓDIGO DE INFRACÇÃO, e porque detecta que se trata de uma contra-ordenação
grave, o sistema deve automaticamente aceder, através do Nº DE BI ou da CARTA DE
CONDUÇÃO, ao RIC (cadastro) e introduz automaticamente, em espaço próprio na folha de
decisão, as contra-ordenações graves ou muito graves que eventualmente constarão no RIC.
4. Por essa consulta ao RIC, o sistema assume uma de duas informações: ou o arguido é primário
(cadastro limpo) ou o arguido tem em registo outras contra-ordenações graves ou muito graves
(portanto reincidente), o que lhe permite automaticamente produzir texto em conformidade com a
informação de que dispõem.
O processo fica assim simplificado, inibe dissertações desnecessárias, o jurista só edita texto
no caso de apresentação de defesas consideradas improcedentes, as decisões evidenciarão
uma homogeneidade de texto e parafraseado constante.
6. Impugnação Judicial
Entende a Comissão ser exequível a criação de secções específicas nos Tribunais de Pequena
Instância Criminal para decisão dos recursos das decisões administrativas, das execuções e para a
promoção de acções crime pela não entrega do título de condução para cumprimento de sanção
acessória.
Tais secções seriam criadas de imediato nos tribunais com maior volume de processos,
designadamente, Lisboa, Porto, Aveiro, Leiria, Coimbra, Santarém, Setúbal e Faro, ainda que, em
termos ideiais, a melhor opção seria criar estas secções em todas as capitais de Distrito.
A um outro nível e assegurado que esteja a manutenção das garantias do cidadão, que se
consideram indiscutivelmente salvaguardadas, deve implementar-se na prática a consagração legal
prevista na alínea bb) do artigo 3º, da Lei n.º 53/04, de 4 de Novembro, que autorizou o Governo a
proceder à revisão do Código da Estrada, e onde se determina a inadmissibilidade do recurso de
decisões judiciais em sede de impugnação judicial de decisões administrativas, com excepção da
decisão de cassação do título de condução.
Ainda neste domínio, na fase de impugnação judicial, em relação aos autos indirectos e
contestados, de acordo com dados disponíveis na DGV, verifica-se que em sede judicial
muitos dos procedimentos vêm a cair em razão de um insuficiente ou mesmo deficiente
acompanhamento dos mesmo, que considere e tenha presente os aspectos específicos do
regime das contra-ordenações estradais, sendo frequentemente negligenciados na
apreciação judicial pormenores jurídicos de enorme relevância, essenciais para a formulação
de um juízo condenatório.
Assim sendo, a posição da autoridade administrativa in casu, até por força da aplicação
subsidiária das regras processuais penais, é a que goza qualquer outra entidade que, ao
abrigo do artigo 340.º do CPP, entenda o Juiz dever ouvir para o bom julgamento da causa.
7. Assinaturas digitais
Atento o espírito das soluções preconizadas pelo Relatório, fica clara a necessidade de encontrar
soluções para um outro aspecto muito relevante relacionado com as assinaturas digitais.
Em diferentes casos, tem-se verificado a existência de decisões judiciais que vão no sentido de
considerar que uma decisão administrativa, pelo facto de não se mostrar assinada pelo punho da
autoridade administrativa, comportando folhas impressas sem qualquer assinatura e uma final na qual
tem aposta uma assinatura digitalizada, enferma de inexistência jurídica por não ter sido aposta na
decisão recorrida qualquer assinatura manuscrita.
rodoviária, o que significará abandonar a aplicação dos dispositivos do processo penal a esta questão
concreta.
Ora, assumido o facto da ANSR não dispor de serviços desconcentrados, e que inclusivamente a
referida entidade fará assentar o seu funcionamento administrativo no apoio disponibilizado pelo
quadro de pessoal da Secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, a opção por externalizar
parte dos procedimentos inerentes ao processo afigurou-se desde cedo como uma solução a
ponderar.
São precisamente estas aferições que nos levam a excluir a opção por soluções mistas e a propor
a opção pelo recurso a soluções de externalização, designadamente o recurso ao outsourcing.
Tendo estudado a questão a Comissão concluiu como viável a opção de, no tratamento
dos processos de contra-ordenação, toda a componente relativa à preparação da decisão
ser externalizada, recorrendo ao regime de “outsourcing”. Naturalmente desde que fique
salvaguardado que a decisão do processo estará sempre e necessariamente fora desse
âmbito, sendo assegurada por funcionários públicos com competências delegadas para o
efeito.
A este propósito diga-se, e no seguimento da ideia já acima expressa, que não é exacto
que se afigure simples assegurar, no quadro disponível na administração pública, o número
de juristas necessário para exercerem as competências de decisão nos moldes aqui
preconizados.
Esta solução não preconiza alterações de fundo às regras vigentes para o acesso ao
RIC, não exige assegurar esse acesso aos agentes de um eventual outsourcing e tem todas
as condições para ser validada pela Comissão de Protecção de Dados Pessoais, cujo
parecer, a ser validado este Relatório, deve, ainda assim, ser solicitado.
sanção acessória de inibição de conduzir decidida pelo ANSR ou pelos tribunais), podendo
par o efeito integrar, como pessoal civil, funcionários que actualmente desempenham
funções nos serviços desconcentrados, isto atenta a previsível necessidade das forças de
segurança disporem de um reforço de pessoal.
Para lá da tarefa incumbida à Comissão nos termos melhor definidos em A. 2. deste Relatório –
identificar os problemas e estrangulamentos existentes e verificados no actual processo de
contra-ordenações por infracção ao CÓDIGO DA ESTRADA e, na sequência, a apresentação
de soluções capazes de reformular os procedimento – entendeu a Comissão aproveitar a
oportunidade para analisar o processo de contra-ordenações numa outra dimensão, desta
feita mais estrutural. Ou seja, para além de encontrar respostas para tratar melhor o actual
número de processos de contra-ordenação registados em cada ano, melhor ainda seria
poder encontrar soluções para tratar de forma mais expedita um número de processos
consideravelmente menor do que hoje se verifica existir.
A Comissão definiu então como restrições à equação de iniciativas que contribuam para
a diminuição do número de autos de contra-ordenação registados em cada ano e que por
norma dão origem a defesa, as seguintes constatações:
1. Que a verdadeira pressão tendente a combater os comportamentos de risco
evidenciados pelos utentes da via e que pode ser exercida sobre o condutor
infractor, não se assegura tanto pela aplicação de coimas de valor elevado (por
maior que seja) mas, antes pelo contrário, pela aplicação da sanção acessória de
inibição de conduzir;
2. Que um abrandamento da pressão sobre o condutor, seja em termos gerais, seja
apenas no domínio da inibição de conduzir, pode ter efeitos muito nefastos nos
índices de sinistralidade que têm vindo a descer de uma forma sustentada;
3. Que o número de autos não tem tendência a diminuir, especialmente tendo presente
a previsível implementação do projecto de instalação de radares digitais fixos, que,
em última instância, ao aumentarem a fiscalização, vão seguramente aumentar o
número de processo de contra-ordenação.
Assim, não sendo previsível que da definição de soluções que passem pela diminuição
da fiscalização ou da redução do grau de penalização resulte alguma vantagem para a
política de sinistralidade rodoviária, o desafio de diminuir sustentadamente o número de
autos de contra-ordenação verificados em cada ano, pode ser atingido, pelo menos no
médio prazo, pela formação da convicção nos cidadãos em geral e nos condutores em
particular, que o processamento dos autos de contra-ordenações é muito eficaz, é ágil, que
as decisões são bem preparadas tecnicamente e bem habilitadas do ponto de vista da
fundamentação, o que é assegurado, entre outras, pelas soluções aqui preconizadas por
exemplo para a notificação, para o mecanismo do “jurista virtual” e pelo sistema informático
único do processo.
Mais do que isso, esse objectivo será alcançado fazendo notar aos cidadãos que a
implementação dessas novas soluções vai permitir que os índices de prescrição de
processos seja cada vez menor e, passo a passo, até residual, aspecto que, atendendo à
convicção que a generalidade dos infractores hoje têm que o processo até pode prescrever
e portanto existem todos as razões para reclamar, pode ter resultados surpreendentes.
Não obstante, a Comissão ponderou uma inovação, que, sem prejuízo de necessitar de
melhor apreciação técnico-jurídica, inclusivamente com a colaboração de outros sectores da
administração pública, designadamente quanto ao valor e ao âmbito de aplicação (note-se
que foi intenção da Comissão manter a tarefa cingida, de momento, ao âmbito da tutela do
MAI), pode surtir efeitos positivos e relevantes – a introdução de uma taxa administrativa a
pagar pelo infractor no momento da apresentação de defesa ou impugnação.
Esta solução, como foi dito atrás, necessita de ser melhor estudada do ponto de vista da
forma, mas pareceu à Comissão que, do ponto de vista substantivo, tem todo o cabimento,
até comparado com a prática seguida ao nível dos tribunais comuns, que como se sabe
serve em muitos aspectos de referência ao processo contra-ordenacional estradal.
Consideram os membros da Comissão que, num primeiro alcance, esta solução faria
com que os condutores infractores que tomam conhecimento de uma decisão administrativa
muito bem fundamentada ou que têm a consciência que cometeram essa mesma infracção
(por exemplo quando o excesso de velocidade ficou registado, ou quando a taxa de
alcoolemia foi mecanicamente verificada) e que hoje têm todas as razões para apresentar
defesa por não terem nada a perder e muito a ganhar (desde logo com a prescrição do
processo) possam ponderar de futuro sobre as verdadeiras vantagens de apresentar essa
defesa.
Sem prejuízo do exposto, designadamente na parte inicial deste E., a Comissão está
disponível para, numa fase posterior e aferida superiormente a validade das soluções
preconizadas neste Relatório preliminar, avaliar novas soluções que possam estar para lá
das limitações que nos impusemos em matéria de política de segurança rodoviária, e vir a
explorar alterações mais radicais quanto à filosofia que hoje prevalece e, então sim, estudar
por exemplo a realidade de outros países, designadamente a verificada em Espanha que
utiliza o sistema habitualmente designado de “carta por pontos”.
F. PROPOSTAS
Cumpre sintetizar as soluções enunciadas ao longo do Relatório, o que, em bom rigor, se traduz
verdadeiramente no conjunto de alterações que, merecendo a validação superior, serão introduzidas
no desenho do actual processo de contra-ordenações por infracção ao Código da Estrada e respectiva
legislação complementar:
2.1. É premente valorizar junto dos condutores e dos proprietários dos veículos, a
importância da actualização do endereço registado nas bases de dados de
condutores e de veículos. Este objectivo será amplamente alcançado quando;
2.1.1. Forem facilitados os procedimentos administrativos a seguir pelo cidadão
permitindo o requerimento por Internet;
2.1.2. Esta correcção não representar despesa para o cidadão;
2.1.3. Quando a coima a pagar pelo não cumprimento da determinação legal de
proceder à alteração do endereço do título de condução, que já hoje é
obrigatória, seja incrementada para valores dissuasores;
2.1.4. Quando efectivamente a administração conseguir, através de
procedimentos claros, demonstrar ao cidadão que a não actualização do
endereço associado ao título de condução não representa um benefício,
como hoje é considerado, mas antes um prejuízo que pode ser penoso, em
função do cidadão se considerar notificado sempre que o for para o endereço
registado na base de dados dos condutores como sendo actual.
2.2. Ainda neste domínio, propõe-se introduzir na redacção do actual Código da
Estrada, no que concerne à alternativa actualmente concedida às pessoas
colectivas proprietárias de veículos (sistemas de “leasing” e “ALD”, empresas,
etc.) que não identificam condutores infractores ou que identificam condutores
residentes no estrangeiro ou ainda que identificam outras pessoas colectivas, de
procederem à permuta da eventual sanção de inibição de conduzir por igual
período de apreensão do veículo com que a infracção foi cometida, sendo que o
período de apreensão do veículo é multiplicado por um factor que seja entendido
como verdadeiramente dissuasor do recurso a esta opção.
2.3. Afigura-se claro que o acto da notificação beneficiará muito se o sistema
informático permitir a emissão automática da mesma através da introdução de
dados simplificados (matrícula do veículo infractor, data/hora e local da
infracção, código de infracção), no que será acompanhado da criação uma
ligação informática entre o sistema de envio de notificação registada (CTT) e o
sistema informático de gestão de autos de contra-ordenação, permitindo deste
modo a automatização total do processo.
2.4. É necessário valorizar junto dos Tribunais a norma do Código da Estrada que
considera o cidadão notificado, quando após o envio, sem sucesso, de carta
registada com aviso de recepção, é enviada carta simples. Não raras vezes, os
Tribunais têm considerado não notificado o infractor que não assinou o aviso de
recepção, desvalorizando o Código da Estrada, em detrimento do Código do
Processo Penal, que diga-se, tem aplicação subsidiária ao processo de contra-
ordenações estradal.
5. Processamento contra-ordenacional
5.1. Relativamente ao processo contra-ordenacional em sentido estrito, propõe-se
que o mesmo assente num sistema informático poderoso, instalado em rede, que
permita o acesso de todos os intervenientes no processo, que integre todas as
bases de dados relevantes para o processo, que seja único ou pelo menos
contínuo desde o início até ao fim do processo (isto é, desde o levantamento do
auto, passando pela notificação, proposta e emissão de decisão, notificação da
decisão, análise do cumprimento da decisão, envio do processo a Tribunal,
processamento jurídico em Tribunal). Um sistema informático concebido nestes
termos, assente em automatismos de construção da decisão, composta em
função de “inputs” relevantes (liquidação da coima voluntária ou não,
apresentação de defesa ou não, etc), num princípio de “jurista virtual”, permitirá
certamente uma evolução consolidada na qualidade do processamento, uma
6. Processamento judicial
G. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Comissão entendeu ter como tarefa, definir soluções capazes de reformular o processo de
contra-ordenações estradais, designadamente a produção de um novo desenho, tendo
Foi propósito da Comissão indicar caminhos e definir soluções que se afigurem viáveis,
ciente contudo que, a serem as mesmas patrocinadas superiormente no âmbito da decisão politica,
será com toda a certeza muito pertinente que se verifique o tratamento mais pormenorizado das
especificidades inerentes à implementação de cada uma delas. Tais tarefas podem ser asseguradas
por uma comissão de execução, a quem poderá ser incumbida a missão de operacionalizar e integrar
cada solução.
Desde logo é muito relevante que seja assegurado um casamento perfeito entre o
desenvolvimento das soluções de natureza jurídica e as soluções de natureza informática que devem
conjugar as respectivas especificidades de forma milimétrica.
Mais pretende a Comissão, disponibilizar-se para, se assim superiormente for entendido como
vantajoso e pertinente, assegurar o acompanhamento periódico do processo de implementação das
medidas que preconiza no seu Relatório, fazendo o respectivo “follow up” quanto ao grau de sucesso
do processo.