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Os fundamentos so SUS
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição de 1988 e se inspira
nos sistemas universais ao afirmar que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Essa
Constituição prevê que os serviços de saúde podem ser prestados também pela iniciativa
privada. Desse modo, o sistema de saúde brasileiro é constituído por pelo menos dois tipos
diferentes de sistemas (cada um deles chamado de subsistema): a) um governamental, o Sistema
Único de Saúde (SUS); b) outro privado, o Sistema Supletivo de Assistência Médica (SSAM).
Da maneira como funcionam, há vários pontos de contatos entre eles, principalmente em
relação aos profissionais de saúde (os mesmos profissionais trabalham nos dois sistemas) e
alguns serviços assistenciais (os dois sistemas contratam os mesmos serviços de hospitais e
laboratórios clínicos, por exemplo). No entanto, com relação à possibilidade de a população
poder usar os recursos desses dois sistemas, há uma espécie de muro que barra a utilização do
sistema privado para a maior parte da população – justamente aquela parcela de brasileiros
relativamente mais necessitada. O SUS deve ser entendido a partir de seus princípios e
diretrizes:
Princípio: aquilo que serve de base, alicerce.
Diretriz: estratégias para atingir os objetivos.
É importante que seja entendido o conceito desses dois termos para não haver dificuldade
de interpretação. A lguns autores descrevem os princípios do SUS como diretrizes e vice-
versa, chegando a propor a redescrição dessas noções, indicando que, em vez de princípios e
diretrizes, o SUS seja organizado a partir de princípios doutrinários e princípios organizativos.
Os princípios doutrinários estão relacionados aos valores e concepções que servem de
alicerce ao sistema, e os princípios organizativos seriam os meios e as estratégias para
operacionalização do sistema.
Para as provas de residência devemos entender esses conceitos de forma equivalente.
PRINCÍPIOS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS =
base filosófica, cognitiva, ideológica e alicerce.
DIRETRIZES PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS =
estratégias e meios de organização do sistema para sua
concretização.
Princípios doutrinários do SUS
Universalidade
Esse princípio deve ser entendido como um direito à saúde e à vida, pois garante igualdade de
acesso aos serviços de saúde a todos os cidadãos brasileiros – sem distinção de raça, sexo,
orientação sexual, condição financeira, religião e outras variáveis de segregação – em todos os
níveis de assistência. Foi responsável pela substituição do modelo contributivo de seguro social,
que vigorou por um longo período no Brasil e que condicionava o acesso dos contribuintes da
previdência social aos serviços públicos e privados credenciados ao sistema previdenciário.
A universalidade pressupõe a ideia de direito e jamais podemos realizar qualquer menção à ideia
de pagamento ou gratuidade. É uma pegadinha frequente em provas aparecer a associação desse
princípio com gratuidade, portanto, muito cuidado! Para as questões discursivas, devemos saber
que há dois desafios levantados pelo princípio da universalidade, que são:
1. Garantir o acesso às ações e serviços de saúde que, muitas vezes, apresentam uma série
de dificuldades aos cidadãos.
2. Garantir boas condições de vida que possibilitem boas condições de saúde, assegurando
assim um projeto de construção de sociedade mais justa e igualitária.
Equidade
É o princípio de maior dificuldade de compreensão, pois nos remete à perspectiva de igualdade.
Entretanto, é um erro conceitual interpretá-lo sob essa ótica. Esse princípio identifica o espaço
da diferença, e não da igualdade. É fruto de um dos piores problemas da sociedade, que é a
inequidade social. Portanto, essa base conceitual do SUS propõe um desafio de tratar “de forma
desigual os desiguais”, isto é, o Estado deverá atender às necessidades individuais e coletivas
daqueles mais atingidos pelas inequidades sociais. Isso perpassa pela lógica de criar políticas
públicas que englobem o espaço regulador de diferenças e tentem organizá-las, reconhecendo a
diversidade da condição humana e suas potencialidades e necessidades. Geralmente, utilizamos
indicadores epidemiológicos e de distribuição de renda como critérios para determinar políticas
equânimes.
Integralidade
A integralidade das ações de saúde é um princípio que reforça a ideia de sistema único de saúde,
pois garante acesso integral à saúde, que vai das ações preventivas às assistenciais. A
Constituição afirma que devemos priorizar as ações de prevenção, porém sem prejuízos
curativos. Daí a célebre frase que melhor exemplifica esse princípio: “O indivíduo deve ter
acesso garantido, da vacina ao transplante”. Esse princípio também se refere ao atendimento
integral do indivíduo do ponto de vista do novo conceito de saúde. Não podemos mais pensar
na doença apenas como um modelo biomédico, mas sim incorporado às diversas dimensões que
determinam a produção de saúde-doença (sociedade/meio no qual se vive), e então garantir
acesso a todos os tipos de serviços que envolvam promoção, proteção e recuperação da saúde.
As políticas de saúde devem ser desenvolvidas tendo em vista a integralidade, compreendendo
a atenção e as necessidades dos grupos específicos. Exemplo:
Política de atenção integral à saúde da mulher.
Atenção às DST/Aids.
Outro aspecto abordado pela integralidade está relacionado à formação dos trabalhadores para
o processo do trabalho em saúde. a formação deles leva em consideração a perspectiva integral
de atenção à saúde.
Princípios organizativos do SUS
Descentralização
Pela nossa Constituição, o Estado brasileiro é considerado uma federação, e, como tal, os
princípios constitucionais devem ser garantidos e exercidos em cada esfera de governo. O SUS
deve, portanto, se organizar a partir da descentralização, com direção única em cada esfera de
governo. Em outras palavras, o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) passa a não ser mais
gerido somente pelo governo federal. Ocorre uma distribuição de poder político, de
responsabilidades e de recursos para os níveis estadual e municipal. De uma maneira mais
simples, podemos ainda concluir que é uma desconcentração do poder da União para os estados
e municípios. Com essa descentralização, o formato do processo de gestão do SUS fica assim
definido:
União – governo federal: Ministério da Saúde.
Estados e Distrito Federal: Secretaria Estadual de Saúde.
Municípios: Secretaria Municipal de Saúde.
A Lei nº 8.080, de 1990, apresenta as atribuições e competências de forma genérica e, segundo
alguns autores, torna a compreensão das especificidades de cada instância gestora um pouco
difícil. Já as Normas Operacionais Básicas (NOB) definem claramente as competências de cada
esfera de governo na organização e operacionalização do SUS. Elas definem de maneira
estratégica e detalhada as condições que os estados e municípios precisam adquirir diante do
processo de implantação e consolidação do SUS
Regionalização
A rede de serviços do SUS deve ser organizada de forma regionalizada e hierarquizada,
permitindo um conhecimento maior dos problemas de saúde da população de uma área
delimitada, favorecendo ações de vigilância epidemiológica, sanitária, controle de vetores e
educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de
complexidade. Em outras palavras, essa diretriz deve focar a organização do sistema em uma
noção de território, levando em consideração os perfis populacionais, os indicadores
epidemiológicos, as condições de vida e o suporte social. Assim, a gestão municipal estará mais
próxima da realidade que a cerca e contribuirá para uma melhor resolutividade dos problemas
que acometem a população que está presente nos distritos e regiões que compõem o município.
Segundo Matta (2006), a lógica proposta é de que quanto mais perto da população, maior será
a capacidade de o sistema identificar as necessidades de saúde e melhor será a forma de gestão
do acesso e dos serviços para a população.
A regionalização deve ser norteada pela hierarquização dos níveis de complexidade requerida
pelas necessidades de saúde das pessoas. O princípio da integralidade deve ser levado em
consideração, pois é a partir dele que vamos organizar o serviço, desde as ações de promoção
e prevenção de doenças até as de maior complexidade como recursos diagnósticos, internação,
cirurgias e transplantes.
Hierarquização
A hierarquização diz respeito à organização do acesso da população à rede de serviços de saúde
por meio da definição de níveis de atenção à saúde.
O nível primário de atenção deve ser qualificado para atender e resolver os principais
problemas que demandam serviços de saúde. Os que não forem resolvidos nesse nível deverão
ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica. O nível primário (baixa
complexidade) é composto pelas unidades básicas de saúde e pelos programas de saúde da
família, e engloba ações de vacinação, consultas básicas, etc. Nesse nível, são resolvidos 80%
dos problemas de saúde da população.
O nível secundário (média complexidade) resolve 15% dos problemas de saúde e está nos
centros de especialidades, nos hospitais com baixa complexidade (clínica médica, pediatria e
obstetrícia), nas clínicas de raio-X, USG, nos laboratórios, entre outros (a maioria desses
serviços está nas Santas Casas e em hospitais privados conveniados ao SUS).
O nível terciário de atenção à saúde (alta complexidade) está nos hospitais de referência,
clínicas de tomografia, hemodiálise, quimioterapia, entre outros, e resolve os 5% restantes dos
problemas de saúde. Atualmente, no SUS, a maioria desses serviços é composta pelos hospitais
públicos brasileiros.
Participação da comunidade (ou controle social)
Essa diretriz também é definida como participação popular ou participação da comunidade, ou
ainda como participação dos cidadãos e até controle social. Podemos considerar essa diretriz
como um dos marcos históricos da reforma sanitária brasileira, pois garantiu a participação da
comunidade no processo de construção e consolidação do SUS. Seria um erro histórico apontar
essa diretriz e não a relacionar com a 8ª Conferência Nacional de Saúde, pois, durante esse
encontro em Brasília, no ano de 1986, a participação popular foi apresentada como um dos
princípios organizativos do novo sistema nacional de saúde, o qual ainda estava por ser
aprovado, conforme extraído dos manuais do Ministério da Saúde: “[...] participação popular,
através de suas entidades representativas, na formulação da política, no planejamento, na
gestão, na execução e avaliação das ações de saúde” (Matta 2006 apud Brasil, 1996:10). Em
1990, a Lei nº 8.142 trouxe a regulação das instâncias da participação popular no processo
decisório do nosso sistema de saúde, garantindo um caráter permanente de formulação e
acompanhamento das políticas de saúde no Brasil. As instâncias colegiadas de
participação popular no SUS são: conselhos de saúde (municipais e estaduais) e
conferências de saúde (nacional, estadual e municipal). Os conselhos de saúde têm caráter
permanente e deliberativo. Estão presentes nos três níveis de governo, representados pelo
Conselho Nacional de Saúde, Conselho Estadual de Saúde e Conselho Municipal de Saúde. São
órgãos colegiados compostos por representantes do governo, prestadores de serviço privado,
profissionais de saúde e usuários. Atuam na formulação de políticas, estratégias,
acompanhamento das ações e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão
homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. Os
conselhos devem ser formados de forma paritária entre usuários e prestadores:
50% de participação dos usuários (população);
25% de representantes das instituições administradoras
do SUS e prestadores de serviços de saúde;
25% de representantes dos trabalhadores da saúde.
A Lei nº 8.142 também define que as conferências de saúde (veja o capítulo Histórico das
Conferências Nacionais de Saúde) estruturam-se em cada nível de governo e se reúnem a
cada quatro anos, com o intuito de avaliar a conjuntura de saúde vivenciada por cada
uma das áreas de abrangência e propor diretrizes para formulação política em cada
esfera. Elas podem ser convocadas pelo Poder Executivo ou de forma extraordinária pela
própria conferência ou pelos conselhos
A gestão do SUS
A gestão do SUS funda-se no comando único em cada esfera de governo, isto é, na união o
comando é do Ministério da Saúde; nos estados, das Secretarias Estaduais de Saúde; e nos
municípios, das Secretarias ou Departamentos Municipais de Saúde. Os estados e municípios
devem solicitar habilitação em uma das modalidades de gestão; no caso dos municípios a plena
do Sistema ou a Plena da Atenção Básica. Combinado à diretriz da descentralização, esse
dispositivo possibilita, principalmente aos municípios, os meios necessários para a efetivação
de planos de ação adaptados às necessidades locais e/ou regionais. Na atualidade, o pacto pela
Saúde é o instrumento direcionador no qual diversas ações de saúde são estipuladas
consensualmente. Por meio de compromissos específicos da União, dos Estados e dos
Municípios, essas ações deverão ser efetivadas pelo SUS em prazos definidos. No que tange à
remuneração, os prestadores, sejam públicos ou privados, são tratados da mesma forma, isto é,
remunerados por produção de serviços, procedimento que induz o subsídio à oferta de serviços
nem sempre de acordo com as necessidades assistenciais e/ou os preceitos técnicos. Mais
recentemente, têm sido introduzidos em setores específicos mecanismos de remuneração por
compromisso assistencial, como os contratos assinados pelo SuS com hospitais universitários
e de ensino.
A matriz gerencial do SUS é interessante por permitir a coexistência dos níveis técnico e político
com mecanismos de participação direta. Ela é constituída por três instâncias: instituição gestora,
comissão interinstitucional e colegiados participativos.
As instituições gestoras deveriam ser os organismos encarregados de apresentar as
soluções técnicas para a efetivação das políticas de saúde, além de exercerem as
atividades de gestão, planejamento, controle e avaliação do sistema em seu âmbito de
competência. as comissões intergestores são os espaços em que as esferas de governo
realizam os pactos para a operacionalização do sistema, ou seja, representam um
arranjo para enfrentar as dificuldades advindas do modelo federativo.
Compostas por representantes do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de
Secretários Nacionais de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde (Conasems), deliberam sobre assuntos técnicos e políticos
diversos, como a definição dos tetos financeiros de repasse para cada estado e a
habilitação de estados e municípios nas modalidades de gestão.
Os colegiados participativos deveriam ser a instância privilegiada para o exercício da
participação direta dos segmentos sociais interessados no SuS. Representados pelos
conselhos de saúde, instituições deliberativas tripartites (gestores e prestadores
privados do SUS; trabalhadores e usuários) e paritárias (os usuários devem compor
pelo menos 50% do total de conselheiros, sendo a outra metade distribuída igualmente
entre trabalhadores e gestores/ prestadores), têm como atribuições em sua esfera de
abrangência definir as diretrizes das políticas de saúde e fiscalizar as ações dos
gestores, inclusive nos aspectos financeiros.
Decreto n° 7.508 de 2011
O Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de
1990, que dispõe sobre a organização do sistema único de saúde, o planejamento da saúde, a
assistência à saúde e a articulação interfederativa, além de dar outras providências.
Conforme já preconizado pela Lei nº 8.080/90, o SUS deve ser organizado de forma
regionalizada e hierarquizada. por isso, o Decreto nº 7.508/2011 cria as regiões de saúde. Cada
região deve oferecer serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial,
atenção ambulatorial especializada e hospitalar e, por fim, vigilância em saúde.
Em relação à hierarquização, o Decreto estabelece que as portas de entrada do SUS, pelas quais
os pacientes podem ter acesso aos serviços de saúde, são: de atenção primária; de atenção de
urgência e emergência; de atenção psicossocial; e, ainda, especiais de acesso aberto. O Decreto
também define quais são os serviços de saúde disponíveis no SUS para o atendimento integral
dos usuários por meio da Relação Nacional de ações e Serviços de Saúde (Renases), que deve
ser atualizada a cada dois anos.
Lei Complementar n° 141 de 2012
A Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, regulamenta o § 3º do art. 198 da
Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela
união, estados, Distrito Federal e municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece
os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização,
avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo; e revoga dispositivos
das Leis nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993.
A Emenda Constitucional nº 29 (EC nº 29) foi finalmente regulamentada 12 anos depois de sua
promulgação, em 13 de setembro de 2000. Tinha como objetivo estabilizar o financiamento do
setor saúde com recursos das três esferas de governo, provenientes da aplicação de percentuais
das receitas estabelecidos em lei. Definiu, no caso da União, que o valor mínimo seria aquele
apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Para
os estados e o Distrito Federal, os recursos mínimos equivaleriam a 12% da arrecadação de
impostos e das transferências constitucionais, deduzidas as parcelas transferidas aos municípios.
para os municípios, os recursos mínimos corresponderiam a 15% da arrecadação de impostos e
dos recursos de transferências constitucionais. Com a promulgação da EC nº 29, surgiu a
necessidade da regulamentação dos dispositivos não autoaplicáveis para orientar a correta
execução pelos entes federados e a fiscalização pelos tribunais de Contas quanto ao seu
cumprimento. No Congresso Nacional, a discussão da regulamentação teve como base o projeto
de Lei Complementar (PLC) nº 01/2003 do deputado Roberto Gouveia (PT-SP), que tinha como
objetivo definir o que são ações e serviços de saúde e tornar obrigatória a alocação de 10% das
Receitas Correntes Brutas (10% da RCB) da União para a saúde. Em 2007, o PLC nº 01/2003
já apresentava várias emendas, dentre as quais se destaca o retorno às regras presentes na EC
nº 29, que trata da participação mínima da União no financiamento do SUS, acrescido de
percentuais da receita da CpMF. a não prorrogação da CpMF comprometeu o prosseguimento
desse projeto no Senado, onde passou a tramitar em conjunto com o projeto de Lei do Senado
(PLS) nº 156/2007, de autoria do senador Marconi Perillo (PSDB-GO).
Em abril de 2008, foi aprovado por unanimidade o PLS 121/2007, de autoria do senador Tião
Viana (PT-AC), que contemplava a destinação de 10% das RCBs para a saúde. Enviado à
Câmara dos Deputados, foi aprovado em forma de substitutivo, com a denominação projeto de
Lei Parlamentar (PLP) nº 306/2008, em 21 de setembro de 2008, tendo como relator o deputado
Pepe Vargas (PT-RS). Nesse substitutivo, a Câmara rejeitou a proposta do Senado quanto aos
10% da RCB da União e a do relator Vargas, criando a Contribuição Social para a Saúde (CSS),
resultando em nenhum acréscimo de recursos federais para o SUS. Em devolução ao Senado, o
substitutivo voltou a tramitar como pLS nº 121/2007 e foi aprovado em 7 de dezembro de 2011,
regulamentando a EC nº 29, com a manutenção das mesmas regras de vinculação presentes na
EC nº 29. Dessa forma, a Lei nº 141/2012 não apresentou qualquer vinculação de recursos
federais para a saúde, frustrando a expectativa de ampliação de recursos para o setor. Ela define
o que pode ser considerado despesas em ações e serviços públicos de saúde, valoriza o processo
de planejamento e o controle social e define a transferência regular e automática por meio dos
fundos de saúde para custeio e investimento. A referida lei foi sancionada pelo Poder Executivo
com alguns vetos e está organizada em cinco capítulos: Disposições preliminares; Das ações e
dos Serviços públicos de Saúde; Da Aplicação de Recursos em Ações e Serviços Públicos de
Saúde; Da Transparência, Visibilidade, Fiscalização, avaliação e Controle; e Disposições Finais
e transitórias.
Apostila 2
Retomando o que foi mencionado anteriormente, apesar de estar intrínseco à informação seu
potencial de fabricação, desenho (projeto) ou concepção, a informação em saúde, por si só, não
tem significado quando em uma ilha. Informação em saúde apartada de uma política na- cional
de informação e de uma informática na saúde que primem pelo controle social e pela utilização
ética e fidedigna de dados produzidos com qualidade, seja em relação ao cidadão, seja em
relação aos gestores da área saúde, não é mais do que um mote, uma expressão vazia. E, se
assim o for, ela servirá tanto para a produção de informações importantes e per- tinentes quanto,
também, para a disseminação de equívocos e de produtos de manipulação indevida dos dados
em saúde..
De toda forma, mesmo tendo em mente que informação em saúde não é um (nem todos) sistema(s)
de informação(ões) em saúde, muito menos um constructo dependente exclusiva e diretamente
da informática, vale historiar sucintamente a composição dos Sistemas de Informação em Saúde
de Base Nacional, em nosso país, atualmente sediados no Departamento de Informática do
Sistema Único de Saúde (Datasus), uma vez que são incontestáveis mananciais de informações
em saúde. Segundo Camargo Jr. et al. (2007), os avanços significativos na implantação dos
Sistemas de Informações em Saúde de Base Nacional, ocorridos principalmente na década de
1990, são o marco inicial de composição desses sistemas o Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM), criado em 1975, bem como a criação do Grupo Técnico de Informação em
Saúde, em 1986.
Além disso, destacam-se os avanços na implantação e no acesso a bancos de dados nacionais com
informações sobre nascimentos, óbitos, doenças de notificação, atenção básica, imunizações,
produção de procedimentos ambulatoriais, atendimento de alto custo, hospitalizações,
estabelecimentos de saúde e orçamentos públicos.
Na geração dos indicadores em saúde deve ser destacada, também, a maior acessibilidade às
informações oriundas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes
a variáveis demográficas e socioeconômicas coletadas e processadas. Outras informações
produzidas em setores do governo, como benefícios da previdência social e sistemas específicos
implantados nos níveis estadual e municipal, afetas à área da saúde, foram também
disponibilizadas.
Importante considerar, no Brasil, o acesso às bases de dados oriundas do sistema de saúde
complementar que começam a ser disponibilizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS). Essas informações são de suma importância para a análise das condições de saúde da
população que não utiliza, exclusivamente ou não, o Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim sendo, mesmo considerando que existem problemas referentes à cobertura dos sistemas,
à qualidade dos dados e à ausência de variáveis importantes para as análises e/ou construção de
indicadores em saúde, esses bancos de dados representam fontes importantes que podem ser
utilizadas rotineiramente em estudos epidemiológicos, na vigilância em saúde, na pesquisa e na
avaliação de programas e serviços de saúde.
COLETA PROCESSAMENTO
Controle da
Identificação e análise
quantidade e do Codificação
das discrepâncias
conteúdo
Classificação e
tabulação
Controle de erros
e inconsistências
Cálculos básicos
Apresentação
Vigilância epidemiológica
“[...] um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção
de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou
coletiva com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle
das doenças ou agravos.”
Inicialmente, a vigilância epidemiológica foi utilizada para programas de monitoramento e
controle de doenças transmissíveis no Brasil. Em 1969, as secretarias estaduais de saúde
passaram a alimentar informações semanais para a elaboração do boletim epidemiológico
quinzenal. Em 1999, foi instituída a Programação Pactuada Integrada – Epidemiologia e
Controle de Doenças, que financiava as ações de saúde coletiva e na qual estava incluída a
vigilância epidemiológica.
Propósito e funções da vigilância epidemiológica
A vigilância epidemiológica tem como propósito:
Dar orientação técnica permanentepara os profissionais de saúde que têm a
responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de doenças e agravos.
Disponibilizar informações atualizadas sobre a ocorrência de doenças e agravos, bem
como dos fatores que as condicionam, numa área geográfica ou população definida.
Ser instrumento para o planejamento, a organização e a operacionalização dos serviços
de saúde, bem como para normatização das atividades técnicas correlatas.
A vigilância epidemiológica tem como funções:
Coleta de dados.
Processamento dos dados coletados.
Análise e interpretação dos dados processados.
Recomendação das medidas de controle apropriadas.
Promoção das ações de controle indicadas.
Avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas.
Divulgação de informações pertinentes.
A eficiência do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica depende do desenvolvimento
harmônico das funções realizadas nos diferentes níveis. Quanto mais capacitada e eficiente for
a instância local, mais oportunamente podem ser executadas as medidas de controle. Os dados
e informações produzidos serão mais consistentes, possibilitando melhor compreensão do
quadro sanitário estadual e nacional e, consequentemente, o planejamento adequado da ação
governamental. Nesse contexto, as intervenções oriundas dos níveis estadual e federal tenderão
a tornar-se seletivas, voltadas para questões emergenciais ou que, por sua transcendência,
requerem avaliação complexa e abrangente, com participação de especialistas e centros de
referência, inclusive internacionais.
Vigilância sanitária
Com a Constituição brasileira assumindo a saúde como um direito fundamental do ser humano
e atribuindo ao Estado o papel de provedor dessas condições, a definição de vigilância sanitária,
apregoada pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a ser, nesse contexto, conforme
o artigo 6º, parágrafo 1º, a seguinte:
Entende-se por vigilância sanitária um “conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da
produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: o
controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde,
compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; o controle da prestação de
serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde”.
Essa definição amplia o seu campo de atuação, pois, ao ganhar a condição de prática capaz de
eliminar, diminuir ou prevenir riscos decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de
bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, torna-se uma prática com poder de
interferir em toda a reprodução das condições econômico-sociais e de vida, isto é, em todos os
fatores determinantes do processo saúde-doença.
A noção de meio ambiente hoje, mais do que o conjunto de elementos naturais físico-biológicos,
significa também as relações sociais do mundo construído pelo homem, abrangendo o ambiente
de trabalho. Essa atribuição de intervenção no meio de trabalho é reforçada pelo parágrafo 3º
do mesmo artigo 6º da Lei nº 8.080/90. Através das vigilâncias epidemiológica e sanitária,
busca-se “a promoção e proteção à saúde dos trabalhadores”, bem como sua recuperação e
reabilitação em decorrência “dos riscos e agravos advindos das condições de trabalho [...]”.
Destacam-se quatro dimensões inerentes à prática de vigilância sanitária:
A dimensão política: como uma prática de saúde coletiva, de vigilância da saúde,
instrumento de defesa do cidadão, no bojo do Estado e voltada para responder por
problemas, situa-se em campo de conflito de interesses, pois prevenir ou eliminar riscos
significa interferir no modo de produção econômico-social. Essa é sua dimensão
política, relacionada ao propósito de transformação ou mudança desses processos em
benefício, a priori, da população. Contudo, os entraves serão maiores ou menores
dependendo, de um lado, do grau de desenvolvimento tecnológico dos setores
produtores e prestadores e de suas consciências sanitárias ou mercantilistas, e, de outro,
da concreta atuação e consciência dos consumidores.
A dimensão ideológica: significa que a vigilância deverá responder às necessidades
determinadas pela população, mas enfrentar os atores sociais com diferentes projetos e
interesses.
A dimensão tecnológica: refere-se à necessidade de suporte de várias áreas do
conhecimento científico, de métodos e de técnicas que requerem uma clara
fundamentação epidemiológica para seu exercício. Nessa dimensão, está incluída sua
função de avaliadora de processos, de situações, de eventos ou agravos, expressa por
meio de julgamentos a partir da observação ou cumprimento de normas e padrões
tecnicos e de uma consequente tomada de decisão
A dimensão jurídica: distingue-se das demais práticas coletivas de saúde, conferindo-
lhe importantes prerrogativas expressas pelo seu papel de polícia e pela sua função
normatizadora. A atuação da vigilância sanitária tem implicações legais na proteção à
saúde da população, desde sua ação educativa e normativa, estabelecendo
obrigatoriedades ou recomendações, até seu papel de polícia, na aplicação de medidas
que podem representar algum tipo de punição. Assentada no Direito Sanitário, sua
atuação se faz no plano do jurídico, significando que qualquer tomada de decisão afeta
esse plano. Para isso, suas ações devem estar corretamente embasadas em leis. Torna-se
imprescindível para aquele que exerce a ação o conhecimento dos instrumentos
processuais, das atribuições legais e responsabilidades.
Qual o campo de abrangência da vigilância sanitária?
A definição atual da vigilância sanitária, como já foi visto, torna seu campo de abrangência
vasto e ilimitado, pois poderá intervir em todos os aspectos que possam afetar a saúde dos
cidadãos. Para facilitar a exposição, assumimos que seu campo de abrangência é composto por
dois subsistemas, subdivididos em: bens e serviços de saúde e meio ambiente.
Bens e serviços de saúde
Subsistema de produção de bens de consumo e serviços de saúde que interferem direta ou
indiretamente na saúde do consumidor ou comunidade. São bens e serviços de saúde que
interessam ao controle sanitário:
As tecnologias de alimentos, relacionadas aos métodos e processos de produção de
alimentos necessários ao sustento e à nutrição do ser humano.
As tecnologias de beleza, limpeza e higiene, relacionadas aos métodos e processos
de produção de cosméticos, perfumes, produtos de higiene pessoal e saneantes
domissanitários.
As tecnologias de produção industrial e agrícola, relacionadas à produção de outros bens
necessários à vida do ser humano, como produtos agrícolas, químicos, drogas
veterinárias, etc.
As tecnologias médicas, que interferem diretamente no corpo humano na busca da cura
da doença, alívio ou equilíbrio da saúde. Compreendem medicamentos, soros, vacinas,
equipamentos médico-hospitalares, cuidados médicos e cirúrgicos e suas organizações
de atenção à saúde, seja no atendimento direto ao paciente, seja no suporte diagnóstico,
terapêutico, seja na prevenção ou apoio educacional.
As tecnologias do lazer, alusivas aos processos e espaços onde se exercem atividades
não médicas, mas que interferem na saúde dos usuários, como centros esportivos,
cabeleireiros, barbeiros, manicures, pedicuros, institutos de beleza, espaços culturais,
clubes, hotéis, etc.
As tecnologias da educação e convivência, relacionadas aos processos e espaços de
produção, englobando escolas, creches, asilos, orfanatos, presídios, cujas condições das
aglomerações humanas interferem na sua saúde.
Meio ambiente
Subsistema relacionado ao conjunto de elementos naturais e de elementos que resultam da
construção humana e suas relações sociais:
Omeio natural, correspondente à água, ao ar, ao solo e à atmosfera. Interessam ao controle
sanitário as tecnologias utilizadas na construção de sistemas de abastecimento de água
potável para o consumo humano, na proteção de mananciais, no controle da poluição do
ar, na proteção do solo, no controle dos sistemas de esgoto sanitário e dos resíduos
sólidos, entre outros, visando à proteção dos recursos naturais e à garantia do equilíbrio
ecológico e, consequentemente, da saúde humana.
O meio construído, relacionado às edificações e às formas do uso e parcelamento do
solo. Aqui o controle sanitário é exercido sobre as tecnologias utilizadas na construção
das edificações humanas (casas, edifícios, indústrias, estabelecimentos comerciais, etc.)
e a forma de parcelamento do solo no ambiente urbano e rural; sobre os meios de
locomoção e toda a infraestrutura urbana e de serviços; sobre o ruído urbano e outros
fatores, no sentido de prevenir acidentes, danos individuais e coletivos e proteger o meio
ambiente.
O ambiente de trabalho, relacionado às condições dos locais de trabalho, geralmente
resultantes de modelos de processos produtivos de alto risco ao ser humano. o controle
sanitário dirige-se a esse ambiente, em que frequentemente encontra cidadãos que são
obrigados a dedicar grande parte de seu tempo ao trabalho em condições desagradáveis,
em ambientes fechados e insalubres, em processos repetitivos, competitivos e sob
pressão, o que altera e põe em risco a saúde física e psicológica e a vida dos indivíduos
e da comunidade.
No processo histórico de conformação de seu campo de atuação e na divisão das tarefas de
vigilância sanitária, vários órgãos de governo assumem o todo ou parte desses subsistemas. Na
área de alimentos, por exemplo, o Ministério da Agricultura compartilha as ações de controle
de alimentos in natura. Nas radiações ionizantes, em seu uso em terapêutica médica, tem sido a
Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) a responsável pelo controle e segurança das
fontes. A gestão do sistema de vigilância ambiental em saúde, em todo o território nacional,
passou a ser atribuição do Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), conforme o Decreto nº
3.450, de 10 de maio de 2000. Com relação à vigilância do ambiente de trabalho, em várias
unidades federadas, o controle sanitário tem sido exercido por órgãos ligados ao Ministério do
Trabalho e Secretarias do Trabalho ou outros órgãos relacionados ao Programa de Saúde do
Trabalhador.
Determinantes sociais da saúde
A comissão homônima da Organização Mundial da Saúde (OMS) compreende os determinantes
sociais da saúde como condições sociais em que uma pessoa vive e trabalha. São os fatores e
mecanismos por meio dos quais as condições sociais afetam a saúde e que potencialmente podem
ser alterados por ações baseadas em informação. Para Buss e Pellegrini, são considerados os
fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que
influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população, como moradia,
alimentação, escolaridade, renda e emprego.
Estudos sobre determinantes sociais apontam que há distintas abordagens possíveis. Além disso,
indicam que há uma variação quanto à compreensão sobre os mecanismos que acarretam
inequidades de saúde. por isso, os determinantes sociais não podem ser avaliados somente pelas
doenças geradas. Eles vão além disso, influenciando todas as dimensões do processo de saúde
das populações, do ponto de vista tanto do indivíduo quanto da coletividade na qual se inserem.
Os determinantes sociais de saúde apontam tanto para as características específicas do contexto
social que afetam a saúde quanto para a maneira com que as condições sociais traduzem esse
impacto sobre a saúde.
Entre os desafios para entender a relação entre determinantes sociais e saúde está o
estabelecimento de uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais de natureza
social, econômica, política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a
situação de saúde de grupos e pessoas, não havendo uma simples relação direta de causa e
efeito. Daí a importância de o setor de saúde se somar aos demais setores da sociedade no
combate às inequidades. Todas as políticas que assegurem a redução das desigualdades sociais
e que proporcionem melhores condições de mobilidade, trabalho e lazer são importantes nesse
processo, além da própria conscientização do indivíduo sobre sua participação pessoal no
processo de produção da saúde e da qualidade de vida.
A partir de discussões e comentários, foi nos anos 1970 e no início dos anos 1980 que surgiu o
conceito de determinantes sociais de saúde. As limitações das intervenções sobre a saúde eram
destacadas quando orientadas pelo risco de doença nos indivíduos. As críticas afirmavam que
para compreender e melhorar a saúde, é necessário focalizar as populações, com pesquisas e
ações de políticas direcionadas às sociedades a que esses indivíduos pertencem. Foi sugerido
um movimento “contrário à correnteza” no que diz respeito tanto aos fatores de risco individuais
quanto a padrões e modelos sociais que moldam as chances das pessoas serem saudáveis. Um
ponto comum a essas críticas foi o argumento de a atenção médica não ser o principal fator de
auxílio à saúde das pessoas. pelo contrário, o conceito de determinantes sociais está ligado aos
“fatores que ajudam as pessoas a ficarem saudáveis, ao invés do auxílio que as pessoas obterão
quando ficarem doentes”. Nos anos 1990, a partir da reforma sanitária e da 8ª constituinte e de
acordo com a Lei 8.080, vigente desde 19 de setembro de 1990, também são descritas as relações
e os cuidados com a saúde com base no entendimento dos determinantes sociais:
“Artigo 2 - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover
as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. 1º O dever do Estado de garantir a
saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à
redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação.”
O famoso modelo de Dahlgren e Whitehead explica como as desigualdades sociais na saúde
são resultado das interações entre os diferentes níveis de condições, desde o nível individual até
o de comunidades ao que compete ao Estado fornecer todos os subsídios em saúde para a
manutenção e bem-estar da população, independentemente de suas diversidades psicossociais e
socioeconômicas. Existem diferentes concepções para o tema desigualdades sociais de saúde.
Muitas vezes utiliza-se o termo diferenciais de saúde ou iniquidades. Entretanto, em todos os
termos utilizados está presente a relação com o processo social de partilha de bens ou de saúde
e a posição que o indivíduo ocupa na sociedade.
Iniquidade em saúde: desigualdades em saúde que são sistemáticas, injustas e
evitáveis.O termo iniquidade deriva da palavra equidade, um dos princípios do SUS
que vimos no módulo anterior. Equidade é atender cada indivíduo de acordo com suas
necessidades. Logo, as iniquidades, além de não serem o atendimento justo de cada
indivíduo, são desigualdades que agravam o que já era desigual.
Os determinantes de saúde continuam a ser compreendidos, em alguns contextos, como
características do indivíduo, como a rede de apoio social da pessoa, ou o salário, ou função.
Entretanto, a população não é meramente uma coleção de indivíduos. as causas da má saúde
agrupam-se em padrões sistemáticos. Além disso, os efeitos sobre um indivíduo podem
depender da exposição sobre outros indivíduos e de suas consequências. Isso ocorre porque os
determinantes de características individuais diferentes em uma população podem não ser os
mesmos determinantes de diferenças entre as populações.
Diante disso, é útil distinguir dois tipos de questões etiológicas: a primeira busca a causa dos
casos, e a segunda, as causas das incidências. Quando se trata de determinantes sociais,
queremos compreender como as causas dos casos individuais estão relacionadas às causas da
incidência nas populações. Por que observamos uma relação gradual entre a posição social e
um status de saúde que afeta as pessoas em todos os níveis da hierarquia social? Como ela muda
com o tempo? Os fatores determinantes sobre a saúde estão mudando para melhor? O mesmo
ocorre para todos? onde e para quem eles estão mudando para pior?
Nos últimos anos, vários modelos foram desenvolvidos para demonstrar os mecanismos através
dos quais os determinantes sociais de saúde afetam os resultados na saúde; para deixar claras
as conexões entre diferentes tipos de determinantes de saúde; e para localizar pontos
estratégicos para as ações de políticas. Dentre os principais modelos, há aqueles propostos por
Dahlgren e Whitehead (1991); Mackenbach (1994); Diderichsen e Hallqvist (1998, adaptado
subsequentemente por Diderichsen, Evans e Whitehead, 2001); e Marmot e Wilkinson (1999).
Esses modelos foram particularmente importantes para demonstrar as formas de contribuição
dos determinantes sociais de saúde sobre as iniquidades na saúde em vários grupos sociais.
Apostila 3
O normal e o patológico
Normal: aquilo que é usual, regular, conforme a norma, exemplar.
Patologia: parte da medicina que estuda as doenças. Desvio do que é considerado
normal; desvio do ponto de vista fisiológico e anatômico e que constitui ou caracteriza
uma doença
Usualmente, é mais fácil refletirmos sobre o que o conceito de doença representa na nossa
sociedade ou para nós. Definir o que é saúde torna-se um pouco mais difícil, pois levamos em
consideração diferentes faces da realidade em que estamos inseridos ou em que contexto o que
queremos definir como saudável está inserido. Logo, saúde não tem o mesmo significado para
todos. para considerar o que é normalidade parte-se da situação mais positiva ou benéfica e
mais frequente, ou seja, do que é mais comum.
Desde que a humanidade existe, a doença a acompanha. tentamos sempre, incansavelmente,
encontrar meios de detê-la. o mundo passou por ondas de epidemias e pandemias que, na
verdade, ainda nos atingem. Será que a doença estaria restrita somente a estes casos
“contagiosos”?
Na literatura, é mais comum encontrar a história do conceito doença do que a do conceito saúde.
primeiramente, o conceito doença era entendido como resultado de fatores externos, e a saúde
como uma recompensa. Em razão disso, compreendia-se a vontade dos deuses ou de seres
místicos e das forças sobrenaturais. A leitura que se faz é a da unicausalidade, isto é, uma
única causa definiria a saúde ou a doença de uma comunidade inteira. Na ausência de
conhecimentos que permitissem elaborar terapias, era a cultura que mais determinaria a
percepção de doença.
Na Antiguidade Clássica, houve um afastamento da ideia religiosa ou de fé sobre o surgimento
das enfermidades. As doenças eram percebidas ainda como resultado do desequilíbrio entre os
elementos calor, frio, água, terra e ar; ou eram ainda relacionadas às estações do ano. Surge
também neste período a observação entre o trabalho, a posição social e a doença. Observe que,
de certa forma, a humanidade percebia a relação entre qualidade da água e do ar com a situação
de saúde e, por essa razão, atribui-se a este período o surgimento da ideia de contágio. No
entanto, não havia ainda nessa época sequer o conceito de microrganismos para que se pudesse
fazer uma relação mais direta. É importante ressaltar que, na Antiguidade Clássica, aparece a
consciência sobre a condição social do indivíduo, que já estudamos ser um dos determinantes
sociais de saúde. Os gregos tinham como ponto forte a pesquisa, a ciência e o estudo. Por essa
razão, buscavam a causalidade dos problemas que acometiam a saúde da população na época.
É no ápice da civilização grega que surge o rompimento com a superstição e a magia. A
medicina grega cultuava a divindade de asclépius. Suas práticas, no entanto, iam além da
ritualística, envolvendo o uso de ervas medicinais e de métodos naturais. Na mitologia grega,
asclépius teve duas filhas a quem ensinou a sua arte: Hygeia (de onde deriva ‘higiene’) e Panacea
(deusa da cura). Os médicos eram filósofos que procuravam entender a relação da doença do
homem com a natureza.
Hipócrates foi um médico e filósofo grego considerado o pai da medicina. Ele elaborou a teoria
miasmática e escreveu sobre as endemias, classificando-as como doenças que ocorrem de
maneira regular e contínua entre habitantes de uma comunidade. Depois descreveu as epidemias
como o surgimento repentino de um grande número de casos na população. Na época da
medicina hipocrática, os médicos eram notórios observadores. Eles registravam
meticulosamente as relações com o quadro de doença e, também, realizavam avaliação médica
que consistia em: exploração do corpo (ausculta e manipulação sensorial); conversa com o
paciente (anamnese); entendimento sobre o problema (raciocínio diagnóstico); e estabelecimento
de procedimentos terapêuticos ou ações indicadas para as queixas mencionadas (prognóstico).
Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela,
bile negra, fleuma e sangue. Desta forma, a saúde era baseada no equilíbrio desses elementos.
Ele via o homem como uma unidade organizada e entendia a doença como uma desorganização
desse estado.
Teoria miasmática: teoria que entende como causa das doenças as impurezas e odores
fétidos contidos no ar, conhecidos como miasmas.
Os romanos eram conhecidos por seu excelente planejamento de cidades e organização urbana.
Eles construíram notórios aquedutos que abasteciam a cidade e tinham um sistema de
esgotamento de dejetos conhecido como cloaca máxima. além disso, uma marca cultural desta
civilização eram os banhos públicos, que demonstravam a preocupação com a higiene. Apesar
dos avanços feitos por gregos e romanos, a Idade Média (500 d.C. – 1500 d.C.) herdou práticas
supersticiosas que recomendavam aos doentes utilizar amuletos com a palavra mágica
abracadabra e que os reis tocassem as pessoas para que elas fossem curadas. Claro que essa
última prática era apenas privilégio da monarquia.
O cristianismo pregava que a doença era uma forma de expiação dos pecados, de purificação da
alma e, por esse motivo, inicialmente, era considerado a religião dos pobres. Essa forma de
interpretação da doença dava sentido ao sofrimento. Certamente, surgiram epidemias nessa
época, que eram explicadas como formas de livrar os pecados do mundo. algumas doenças
tinham estigma social, como a lepra (a impureza), cujos pacientes ficavam reclusos em lugares
distantes das cidades conhecidos como leprosários. Antes de serem enviados para esses locais,
os doentes eram considerados como mortos e tinham rezada uma missa de corpo presente. Essa
forma de “tratamento” dos doentes nos lembra a primeira medida de controle epidemiológico
que vimos na unidade 2, usada até hoje: o isolamento. por não dar conta da redução das
enfermidades, a Igreja reforça as instituições de caridade que cuidarão dos excluídos, das viúvas
e dos indigentes. Muitas instituições de caridade são hoje hospitais do nosso país – a exemplo
das Santas Casas de Misericórdia –, legados do período pós-colonial. outras doenças que
assolavam este período histórico foram sífilis, varíola, rubéola, sarampo, influenza, erisipela
– doenças que existem até os dias de hoje.
Cultura pode ser definida como um conjunto de elementos que mediam e qualificam
qualquer atividade física ou mental, que não seja determinada pela biologia, e que seja
compartilhada por diferentes membros de um grupo social. Trata-se de elementos sobre
os quais os atores sociais constroem significados para as ações e interações sociais
concretas e temporais, assim como sustentam as formas sociais vigentes, as instituições
e seus modelos operativos. A cultura inclui valores, símbolos, normas e prática.” Fonte:
Langdon EJ, Wilk FB. Antropologia, saúde e doença: uma introdução ao conceito de
cultura aplicado às ciências da saúde. Rev. Latino-Am. Enfermagem 18(3):[09
telas]mai-jun 2010.
Toda essa pestilência serviu para alguns avanços sanitários, como canalização das águas,
ampliação das ruas, restrição da circulação de animais perto de rios e fontes de água. É na Idade
Média que surge a quarentena como medida de vigilância e a notificação de casos suspeitos às
autoridades. Cabe lembrar que, nesse período, as crenças de cura relacionadas a outras religiões
eram vistas como bruxaria e sofreriam as consequências da Inquisição.
Perto de 1500, surge o Renascimento com suas descobertas acerca de contaminação e formas
de contágio. Nessa época, iniciou a expansão comercial, que levou ao descobrimento do Brasil.
Nosso país contém muitas crenças sobre doença que são oriundas de índios e escravos, que
construíram muito da nossa cultura. No período Colonial, os feiticeiros, pajés e xamãs foram
grandes curandeiros que utilizavam benzeduras, rezas, chás e feitiços. Para um grupo de índios
que vive na fronteira entre Brasil e Venezuela, os Sarrumá, nenhuma morte é por causas
naturais. Para eles, em casos de morte, basicamente algum feitiço tem que ter sido feito contra
a pessoa, mas não necessariamente outra pessoa faz o feitiço, pois ele pode ter sido realizado por
algum desentendimento, um espírito maligno ou espírito do animal que a pessoa comeu.
Passaram a ser desenvolvidos estudos de anatomia, fisiologia e de individualização da descrição
das doenças, fundados na observação clínica e epidemiológica. A experiência acumulada pelos
médicos forneceu elementos para a especulação sobre a origem das epidemias e o fenômeno do
adoecimento humano.
Na Idade Moderna, com a introdução da máquina a vapor intensifica-se o ritmo produtivo, as
fábricas passam a demandar mais mão de obra e as cidades crescem nas periferias. Assim, as
péssimas condições de trabalho começam a chamar a atenção dos administradores. O corpo,
tomado como meio de produção pelo capitalismo emergente, torna-se objeto de políticas,
práticas e normas, surgindo as primeiras regulações visando à saúde nas fábricas.
No século XIX, há um grande avanço nas descobertas bacteriológicas com Louis Pasteur, com
a descoberta de microrganismos, vacinas e soros. A era bacteriológica causou uma grande
revolução, pois pela primeira vez em séculos surge uma nova explicação para a causa do
adoecimento, o qual tinha agora também prevenção e cura. Concomitantemente a esses
progressos surge a epidemiologia e a estatística e o entendimento de que, se a saúde de um
indivíduo pode ser mensurada em números de batimentos, de respiração e de temperatura, o
mesmo deveria poder acontecer com a dimensão social das pessoas por meio de indicadores.
Em 1779, surge na Alemanha a ideia de intervenção estatal na saúde por meio da polícia
sanitária. Na França, surge a saúde urbana, entendida como um planejamento da cidade para
evitar aglomerados de pessoas, sobretudo próximo às águas, e para controlar a higiene de
cemitérios e matadouros. Na Inglaterra, o desenvolvimento do proletariado industrial leva a
medicina inglesa a tornar-se social por meio da ‘lei dos pobres’. Caracterizada pela assistência e
pelo controle autoritário dos pobres, a implantação de um cordão sanitário que impunha o
controle do corpo da classe trabalhadora por meio da vacinação, do registro de doenças e do
controle dos lugares insalubres visava tornar a pessoa mais apta ao trabalho e menos perigosa
para as classes ricas.
Em 1860, surgiram estudos de Louis Pasteur com hipóteses sobre a relação entre doenças e
microrganismos, e em 1870 os estudos de Robert Koch estabeleceram as regras de investigação
desse tipo de hipótese. No decorrer da segunda metade do século XIX, a teoria microbiana das
doenças foi gradualmente aceita pela maioria dos médicos e pelo público. A era bacteriológica
conviveu durante algum tempo com a teoria dos miasmas, sendo influenciada por ela. Em meados
do século XIX, houve grandes epidemias de cólera na Europa, matando milhões de pessoas.
Autoridades médicas, como William Farr, tinham certeza de que sua causa era um miasma.
Pasteur fez parte de uma comissão que procurou identificar o modo pelo qual essa doença era
transmitida. Provavelmente influenciado pela teoria dos miasmas, tentou encontrar no ar algum
microrganismo que fosse responsável pela doença. Nada encontrou. Depois, descobriu-se que o
cólera era transmitido principalmente pela água. Na era bacteriológica, os índices de
mortalidade por doenças contagiosas reduzem drasticamente e muitas doenças têm sua cura
descoberta ou, ao menos, sua forma de prevenção revelada. Por descobrir-se a prevenção,
muitas modificações nas condições de vida das pessoas foram indicadas.
As explicações de cunho microbiológico estavam tão fortes que começou a surgir crítica sobre a
ignorância em relação aos fatores sociais que causam as doenças. Os contagionistas enfatizavam a
busca de uma causa verdadeira e específica da doença. Os anticontagionistas, apesar de também
estarem tentando precisar a especificidade da doença e sua etiologia, enfatizavam a importância
de estudar a predisposição do corpo e do ambiente para o surgimento da doença. a
predisposição, noção originalmente relacionada à teoria da constituição epidêmica, denotava,
no contexto desta teoria, um estado, uma totalidade que não se expressava como um conceito.
A partir de 1970, surge o modelo multicausal de doença. A determinação social da saúde/
doença procura articular as diferentes dimensões da vida envolvidas nesse processo. assim, são
considerados os aspectos históricos, econômicos, sociais, culturais, biológicos, ambientais e
psicológicos que configuram uma determinada realidade sanitária.
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.”(Constituição Federal, 1988)
Conceitos de saúde
A saúde como ausência de doença resulta dos pensamentos racionais e objetivos que buscam
causa e tratamento – um agente causador e um agente de cura. Esse modelo foi vencido por
outros, mas ainda permeia o imaginário das pessoas. após a Segunda Guerra Mundial, a OMS
define a saúde como o bem-estar físico, psíquico e social. Esse conceito trouxe muitas polêmicas,
porque implica uma definição do que é esse bem-estar e, portanto, do que é normal ou não.
Assim, tudo que foge a esse conceito está passível de ser medicalizado. Essa é a realidade que
observamos com o ritmo frenético de vida da nossa sociedade, que resulta no surgimento de
várias novas doenças do mundo moderno e para as quais há sempre novas medicações.
A saúde como direito social é o conceito mais ampliado de saúde. Constitui-se como resultado
da garantia de acesso a diferentes outros direitos como: condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse
da terra e acesso aos serviços de saúde.
Racionalidade Médica
Holístico ou holista é um adjetivo que classifica alguma coisa relacionada com o
holismo, ou seja, que procura compreender os fenômenos na sua totalidade e
globalidade.
Paradigma é um modelo ou padrão a seguir.
Iatrogenia é um resultado negativo decorrente de um tratamento médico.
Médico: pessoa que exerce medicina; o que cura um mal (físico ou moral);
Médico espiritual: confessor; relativo à medicina
A partir dos anos 1960 – no movimento a favor do naturismo e de contracultura –, começa a
surgir um discurso a favor do fortalecimento da natureza. Nessa época, as características mais
marcantes eram os Estados unidos e a Europa voltados para impulsionar a tecnologia, a ciência
e a inteligência artificial. No campo da saúde, esse movimento de contracultura gesta a ideia da
promoção de saúde e de práticas terapêuticas naturistas, ao contrário da prevenção de doenças
ou de tratamentos com remédios.
Nos anos 1970, a crítica à farmacologia foi impulsionada pelas publicações de autores como
Foucault e Illich. um dos destaques desses discursos eram a iatrogenia médica e farmacêutica,
a medicalização social como forma de controle dos cidadãos, os deslocamentos da saúde para a
lógica de produção de mercado. acontecia ainda no campo saúde a redução da saúde ao seu
aspecto biológico, usando, por meio da lógica farmacêutica, uma maneira de reduzir os
sofrimentos, como se eles fossem de origem biológica apenas.
Em 1972, a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
destaca como condição de nossa sobrevivência a preservação do meio ambiente, nele
compreendida a nossa fonte de bem-estar biológico e social. Em 1978, a Conferência de Alma-
Ata, realizada na antiga União Soviética, aponta que os cuidados primários em saúde são o
mínimo para que as nações alcancem um nível de saúde aceitável. o próprio diretor da OMS
na época declarou que a medicina tecnológica era insuficiente para resolver os problemas de
saúde da população mundial, os quais acometiam dois terços da população.
Em 1986, a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde realizada em Ottawa,
Canadá, afirmou que não apenas os fatores biológicos, mas também os políticos, econômicos,
sociais, culturais, de meio ambiente e de conduta podem intervir a favor ou contra a saúde. Entre
outros aspectos, a Carta de ottawa defendeu que os serviços de saúde adotem “uma postura
abrangente, que perceba e respeite as peculiaridades culturais” e incentivem “a participação e a
colaboração de outros setores, outras disciplinas e, mais importante, da própria comunidade”.
Esse entendimento de saúde aparece traduzido no texto da Constituição Federal que menciona
“atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas”, entendendo-se que pela
integralidade seriam proporcionados todos os níveis de saúde à população. Os anos 1970 e 1980
são marcados por um resgate popular de práticas orientais de saúde, como a medicina
ayurvédica, a medicina tradicional chinesa, e as práticas religiosas vinculadas ao xamanismo e
a religiões afro-indígenas. Foram denominadas práticas alternativas as terapias que utilizavam
como métodos o que fosse holístico, energético, natural, ou que, frequentemente, derivavam de
conhecimentos anciãos de curandeiros, xamãs, rezadores, parteiras, pajés, etc.
O que se percebeu foi a necessidade de poder estabelecer uma relação entre a medicina
biomédica e as demais que existiram e existem em paralelo. Assim, observou-se que existe uma
lógica comum a esses raciocínios médicos, ao que se deu o nome de racionalidade médica.
ATENÇÃO PARA OS CONCEITOS A SEGUIR!
Morfologia humana: define a estrutura e a forma de organização do corpo.
Dinâmica vital humana: define o movimento da vitalidade, seu equilíbrio ou
desequilíbrio no corpo, suas origens ou causas.
Doutrina médica: define, em cada sistema, o que é o processo saúde-doença, o que é a
doença ou adoecimento, em suas origens ou causas, o que é passível de tratar ou curar.
Sistema de diagnose: determina se há ou não um processo mórbido, sua natureza, fase
e evolução provável, origem ou causa.
Sistema terapêutico: determinam-se as formas de intervenção adequadas a cada
processo mórbido (ou doença) identificado pela diagnose.
Cosmologia: são os sentidos, símbolos, metáforas que sustentam o imaginário das
demais dimensões das racionalidades médicas.
**Racionalidade médica é um sistema médico estruturado com as cinco dimensões de forma
siste- matizada em maior ou menor grau. Isso não é uma comparação entre melhor ou pior entre
as racionalidades.
Existe o paradigma entre o biomédico e o vitalista. Biomédico é aquele que enfatiza questões
materiais, mecânicas, centradas na doença e no controle do corpo biológico e social, tendo,
dessa forma, controle também sobre a natureza. Essa visão deriva do período renascentista e do
discurso racional posterior à idade média. A natureza passa a ser objeto dominado pelo ser
humano, que pensa poder controlá-la pela tecnologia. Entende-se, assim, que as doenças podem
ser do nosso controle. Muitas críticas surgem ao fato de esta racionalidade reduzir o processo
saúde-doença a critérios biológicos ou catalogados, que excluem a subjetividade da pessoa
atendida e enfraquecem – desmancham – o vínculo entre profissional e paciente, sendo, assim,
pouco integral. Já a visão vitalista busca a harmonia entre meio ambiente social, natural e a
pessoa. Nessa harmonia, é entendida a saúde. Existe a valorização da subjetividade das pessoas,
a prevenção e promoção da saúde e a integralidade do cuidado. Dessa forma, a sustentabilidade
é uma das premissas deste ponto de vista, que cresce a partir dos anos 1960 como resultado da
contracultura.
Em todas as racionalidades médicas estudadas, foi observada a coexistência de duas formas de
interpretação das situações de saúde-doença: uma baseada na teoria e regida pela razão, outra
baseada no empirismo, ou seja, na sensibilidade do profissional ou terapeuta.
Práticas Integrativas Complementares (PIC) - O campo das práticas integrativas e
complementares contempla sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos, os
quais são também denominados, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), medicina
tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA). Tais sistemas e recursos envolvem
abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e
recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta
acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano
com o meio ambiente e a sociedade. Outros pontos compartilhados pelas diversas
abordagens abrangidas nesse campo são a visão ampliada do processo saúde-doença e
a promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado.
As PICs foram entendidas como parte de uma racionalidade médica, um instrumento ou um
método que, com certa frequência, é utilizado isoladamente. Você já deve ter ouvido falar de
várias PICs, como acupuntura, reiki, iridologia, florais e fitoterapia.
A visão mais convencional é a biológica, que necessita se fazer comprovada, executada, testada.
Dessa forma, houve uma resistência no mundo ocidental para que as outras racionalidades
médicas se inserissem e fossem aceitas. Cada vez mais se encontram profissionais de saúde que
utilizam PICs e outras racionalidades médicas como forma de ofertar um atendimento mais
amplo, mais holístico. o mundo esquece que as terapias ditas “alternativas” são milenares e
ancestrais ao modelo biomédico. De acordo com Luz (1997): “[...] a racionalidade médica
esqueceu-se de que era mais do que um saber científico, isto é, de que era também a arte de
curar sujeitos doentes, distanciando-se da sua dimensão terapêutica, na busca de investigar,
classificar, e explicar antigas e novas, sobretudo novas, patologias através de métodos
diagnósticos crescentes e sofisticados”.
Essa maneira unilateral e caolha de ver a saúde reflete-se no meio acadêmico pela epidemia de
estudos e pesquisas sem relevância e aplicabilidade social; pesquisas que existem para
comprovar o que não é necessário.
No campo da integralidade, o paciente é um ser biopsíquico e social, que é singular, devendo
ser ele o objetivo final e não o seu tratamento. Essa visão está presente nas racionalidades
médicas orientais e ditas alternativas. A formação do profissional de saúde voltado para o
paciente ao invés de para a doença é o que fará a demanda pela integralidade crescer.
O profissional com visão biomédica excludente gera pacientes que demandam tratamento,
medicação, exames e cura sem se preocupar em primeiro lugar com o diagnóstico. Da mesma
forma, um diagnóstico centrado na doença não poderia encontrar outros recursos de tratamento
senão os medicamentosos e químicos, posto que não se conhece o paciente, sua vida, seu meio
social e suas crenças.
Na medida em que se dispõe de altas tecnologias diagnósticas acompanhadas da sedução
tecnicista da precisão do acerto, a relação terapeuta-paciente fragiliza-se. O diagnóstico médico
envolvia como parte importante do exame o toque físico do paciente, lógica que está ameaçada
pela visão fragmentada da saúde. Nas medicinas alternativas, o aspecto psicológico do paciente
é elemento importante de cura. Isso expõe a questão da eficácia e da resolutividade do
tratamento convencional: a satisfação do paciente com relação ao tratamento faz parte do
sucesso.
O crescimento das práticas alternativas resulta de outra vantagem: o baixo custo tecnológico
que apresentam, sobretudo em países que enfrentam dificuldades financeiras para organização e
funcionamento dos seus serviços de saúde. Essas práticas envolvem o paciente/cidadão no
processo de cura, o tornam participativo, autônomo e ator do seu processo de saúde. Essa lógica
aproxima-se mais da visão da atenção primária à saúde, que tem como um de seus atributos a
participação social.
Certamente, é vantajoso que as racionalidades médicas não sejam excludentes, mas sim
complementares entre si. O eixo biológico é fundamental, como vimos na história do conceito
saúde, mas ele passa a ser essencial se integrado às práticas holísticas que vão otimizar a
integralidade do cuidado e a resolutividade do atendimento à saúde.
** Lembre que falar de racionalidades médicas nada tem de exclusivo aos profissionais que se
formaram em medicina. Os profissionais que restringem sua visão de atendimento a uma
questão biomédica estão também utilizando a racionalidade que tem este nome.Considerar as
dimensões culturais, afetivas, psíquicas do que as pessoas comem, sentem, dormem, vivem,
enfim, de como a vida delas transcorre é ter uma visão ampliada de saúde.
Holismo x Individualismo - Individualismo é aquela ideologia que valoriza indivíduos
e negligencia o social, ou subordina este social ao homem. A visão holística é aquela
que considera o todo, a sociedade e seu meio. Na sociedade atual, vivenciamos a
ideologia individualista que ignora o coletivo e fica centrada no indivíduo.
Práticas Alternativas de Saúde
Várias racionalidades médicas insistem que o cuidado com a saúde é um meio para o objetivo
final de realização enquanto ser humano (discurso também da promoção da saúde), concebendo
um processo de transformação e realização pessoal como trajetória individual, ainda que seja
para religar e re-harmonizar a pessoa com o cosmo, o mundo, os outros. Esse é o objetivo do
caminho das práticas tradicionais do yoga ou do tai chi chuan, inseridas nas racionalidades
médicas tradicionais da índia e da China.
“É usual que essas racionalidades ofereçam práticas, valores e técnicas de promoção de
saúde que se realizam também coletivamente em pequenos grupos e valorizam e
fomentam a solidariedade, a troca entre os praticantes, o empoderamento comunitário.
as meditações, as massagens e automassagens, os exercícios psicofísicos ou energéticos,
se bem que voltados para o indivíduo, mostram repercussões positivas na sociabilidade,
na construção de redes de apoio social, na discussão da participação social e política. Não
é por acaso que profissionais do SUS envolvidos com atividades coletivas de tipos
variados, inclusive usando técnicas complementares, não raro testemunham que os
grupos costumam fomentar cidadãos mais atuantes e mesmo conselheiros locais de
saúde. portanto, é no polo individual e grupal, numa perspectiva relacional microssocial,
que as práticas complementares podem contribuir para a promoção da saúde.” (tesser,
C.D. práticas complementares, racionalidades médicas e promoção da saúde:
contribuições poucos exploradas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(8):1732-1742,
ago, 2009)
Existem racionalidades médicas (ayurveda, medicina tradicional chinesa, homeopatia, etc.) e
existem as práticas (yoga, tai chi chuan, cupuntura, meditação, reiki, acupuntura, biodança,
automassagem, homeopatia).
A utilização das PAS tem mostrado resultados que vão para além do indivíduo. Estudos
apontam que a criação de grupos que exercem estas práticas promove a autonomia individual, a
participação social e a vinculação entre os participantes dos grupos. além disso, gera uma
percepção positiva de saúde, em que o indivíduo deixa de se perceber como portador de uma
doença para se enxergar como próprio instrumento de cura. Essas racionalidades e práticas
carecem de pesquisas científicas, especialmente por terem muito ligadas a si os conhecimentos
populares, empíricos e nem sempre verdadeiros. as políticas de fomento a estas práticas já
existem no SUS (veremos a seguir), mas cabe aos profissionais, e sobretudo aos cidadãos,
demandar que elas sejam ofertadas por meio da participação nos conselhos locais de saúde.
Política Nacional de práticas Integrativas eComplementares (PNPIC)
Em virtude da crescente demanda da população brasileira, por meio das conferências nacionais
de saúde e das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) aos Estados-
Membros para formulação de políticas visando à integração de sistemas médicos complexos e
recursos terapêuticos (também chamados de Medicina Tradicional e Complementar/Alternativa
(MT/MCA) ou Práticas Integrativas e Complementares (PIC)). Aos sistemas oficiais de saúde,
além da necessidade de normatização das experiências existentes no SUS, o Ministério da
Saúde aprovou a política Nacional de práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS,
contemplando as áreas de homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, medicina tradicional
chinesa/acupuntura, medicina antroposófica e termalismo social – crenoterapia.
Síntese
A política nacional de práticas integrativas e complementares (pnpic) tem como objetivos:
Incorporar e implementar as práticas integrativas e complementares no sus, na
perspectiva da prevenção de agravos e da promoção e recuperação da saúde, com ênfase
na atenção básica, voltada ao cuidado continuado, humanizado e integral em saúde.
Contribuir para o aumento da resolubilidade do sistema e ampliação do acesso à pnpic,
garantindo qualidade, eficácia, eficiência e segurança no uso.
Promover a racionalização das ações de saúde, estimulando alternativas inovadoras e
socialmente contributivas ao desenvolvimento sustentável de comunidades.
Estimular as ações referentes ao controle/participação social, promovendo o
envolvimento responsável e continuado dos usuários, gestores e trabalhadores nas
diferentes instâncias de efetivação das políticas de saúde.
Entre suas diretrizes, destacam-se:
Estruturação e fortalecimento da atenção em pic no sus.
Desenvolvimento de estratégias de qualificação em pic para profissionais do sus, em
conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos para educação permanente.
Divulgação e informação dos conhecimentos básicos da pic para profissionais de saúde,
gestores e usuários do sus, considerando as metodologias participativas e o saber
popular e tradicional.
Estímulo às ações intersetoriais, buscando parcerias que propiciem o desenvolvimento
integral das ações.
Fortalecimento da participação social.
Provimento do acesso a medicamentos homeopáticos e fitoterápicos na perspectiva da
ampliação da produção pública, assegurando as especificidades da assistência
farmacêutica nestes âmbitos na regulamentação sanitária.
Garantia do acesso aos demais insumos estratégicos da pnpic, com qualidade e
segurança das ações.
Incentivo à pesquisa em pic com vistas ao aprimoramento da atenção à saúde, avaliando
eficiência, eficácia, efetividade e segurança dos cuidados prestados.
Desenvolvimento de ações de acompanhamento e avaliação da pic para
instrumentalização de processos de gestão.
Promoção de cooperação nacional e internacional das experiências da pic nos campos
da atenção, da educação permanente e da pesquisa em saúde.
Garantia do monitoramento da qualidade dos fitoterápicos pelo sistema nacional de
vigilância sanitária.
Apostila 4
O modelo de atenção à saúde no Brasil
Segundo alves e Silva Júnior, o modelo assistencial diz respeito ao modo como são organizadas,
em uma dada sociedade, as ações de atenção à saúde, envolvendo os aspectos tecnológicos e
assistenciais. ou seja, é uma forma de organização e articulação entre os diversos recursos
físicos, tecnológicos e humanos disponíveis para enfrentar e resolver os problemas de saúde de
uma coletividade. Existem, no mundo, diversos modelos assistenciais calcados na compreensão
da saúde e da doença, nas tecnologias disponíveis em determinada época para intervir na saúde
e na doença e nas escolhas políticas e éticas que priorizam os problemas a serem enfrentados
pela política de saúde.
No Brasil, dois modelos antagônicos de assistência à saúde garantem o acesso aos serviços de
saúde para a população brasileira. Esses modelos são extremamente contraditórios por
apresentarem formas de orientação muito diferentes. Em alguns momentos, eles se
complementam, garantindo assim a assistência em grande parte das intervenções em saúde. os
dois modelos existentes em nosso país são: modelo médico-assistencial privatista e modelo
assistencial sanitarista. Há autores ainda que incluem um terceiro modelo, chamado de saúde
da família, pautado em uma estratégia de (re)organização da atenção primária em nosso país, que
será abordado melhor mais à frente. Os dois principais modelos assistenciais constituídos no
decorrer da história do sistema de saúde no Brasil estão voltados para dois aspectos importantes:
demanda espontânea de saúde e necessidades de saúde da população.
Modelo médico-assistencial privalista
O modelo médico-assistencial privatista está destinado a conter a demanda espontânea dos
usuários. A população tem livre iniciativa para procurar os serviços de saúde, seja em hospitais,
centros de saúde, unidades de saúde, prontos-socorros, consultórios particulares ou
laboratórios. Caracteriza-se por ser um modelo voltado para o imediatismo, isto é, o indivíduo
o procura por apresentar algum sinal ou sintoma de alguma enfermidade. O objetivo da
população é apenas resolver o sofrimento naquele momento. É uma abordagem centrada na
doença e na resolução imediata do problema. Por esse motivo, é o mais difundido e o mais
prestigiado por grande parte das pessoas. O grande entrave desse modelo é o fato de estar
atrelado ao grau de conhecimento e/ou sofrimento dos indivíduos sobre determinadas doenças.
Logo, aqueles que não percebem a existência de agravos ou de doenças propriamente ditas
deixarão de ser abordados pelo sistema de saúde. Esse modelo reforça a ideia de saúde como
sendo a ausência de doença e por isso só necessitam de cuidados os que estão verdadeiramente
doentes ou que apresentam algum mal físico. É um modelo que tem sua gênese na assistência
filantrópica e na medicina liberal e que se consolidou com o desenvolvimento da medicina
capitalizada. Reproduz-se tanto no setor público como no setor privado de saúde com um único
objetivo: caráter curativo. Isso tende a prejudicar o atendimento integral do indivíduo e da
comunidade da qual ele faz parte, além de interferir negativamente no impacto sobre o nível de
saúde da população. (Rouquaryol, 2003).
Modelo assistencial sanitarista
Esse modelo, quando citado, na maioria das vezes é abordado como sinônimo de saúde pública.
É caracterizado por campanhas e programas focalizados em algum problema específico de
saúde, o qual o modelo hegemônico anterior não conseguiu resolver ou dar conta. No século
XX, o Brasil passou por diversos problemas de saúde que só foram contidos graças a campanhas
específicas como, por exemplo, as diversas epidemias que acometeram nossa população no
passado (febre amarela, varíola, peste, entre outras). Recentemente, vivenciamos as epidemias de
dengue e, mais especificamente, a pandemia de gripe pelo vírus influenza A H1N1. Esse
controle também se deve à instituição do calendário vacinal obrigatório, que conseguiu obter
bons resultados no controle e erradicação de determinadas doenças. A campanha de reidratação
oral conseguiu diminuir consideravelmente o índice de mortes por desidratação em crianças em
áreas desprovidas de serviços adequados de saúde. Alguns programas focais, como os da
tuberculose, hanseníase, hipertensão, diabetes e saúde da criança, também são exemplos desse
modelo de intervenção em saúde. Essas ações são extremamente importantes, porém não
contemplam os problemas de saúde em sua real dimensão, pois priorizam determinados agravos
ou grupos de risco em detrimento de políticas mais gerais e que gerem um verdadeiro impacto
no modo de estruturação e prestação de serviços em saúde. Outra grande dificuldade dessas
políticas é o caráter temporário que elas assumem. Com exceção de alguns programas que se
tornaram permanentes, as campanhas focais têm caráter efêmero e, no momento em que
ocorrem, desviam recursos federais para sua execução, modificando também todo um
planejamento previamente elaborado, sem contar com a infraestrutura e a disposição de recursos
humanos para tais políticas. Na verdade, podemos instituir a metáfora do “apagar incêndios”
para designar as ações que essas campanhas desempenham. Entretanto, acabam se constituindo
em um mal necessário. Os programas focais também geram problemas no sistema de saúde, pois
dispõem de administração vertical e única que individualiza os serviços e desintegra o sistema,
uma vez que não conseguem integrar as diversas ações desses programas às outras atividades
do sistema. Esse modelo é desenvolvido exclusivamente pelo setor público e tem vínculo e
financiamento direto do Ministério da Saúde e de suas subsecretarias de gestão.
Atualmente, no Brasil, o sistema de saúde é fragmentado e organizado por níveis de atenção. E
é exatamente essa descentralização a responsável por promover um melhor atendimento à
população, uma vez que cada um desses níveis corresponde a determinado conjunto de serviços
assistenciais disponibilizados aos usuários (sendo alguns de maior complexidade e outros mais
básicos). Essa forma de organização e hierarquização das redes assistenciais do modelo de
atenção à saúde envolve uma imagem em pirâmide, bem como a ideia da complexidade
crescente em direção ao topo, com o hospital no topo e a rede básica como porta de entrada do
sistema de saúde. a pirâmide organiza a assistência em graus crescentes de complexidade, com
a população fluindo de forma organizada entre os vários níveis por meio de mecanismos formais
de referência e contrarreferência (normas de fluxos de usuários na busca de alternativas de
assistência.
Níveis de atenção à saúde
Nos sistemas de saúde, são organizados níveis de atenção à saúde a partir da combinação dos
recursos assistenciais disponíveis. Eles dependem de tecnologia material incorporada (máquinas
e equipamentos de diagnóstico e terapêutica), capacitação de pessoal (custo social necessário
para formação) e perfil de morbidade da população-alvo. São, então, identificados três níveis de
atenção à saúde: nível primário (primeiro nível: atenção primária à saúde); nível secundário
(nível intermediário: atenção secundária); e nível terciário (atenção terciária).
No entanto, deve-se advertir que os arranjos possíveis na distribuição desses três elementos em
sistemas de saúde frequentemente não apresentam a mesma regularidade, pois dependem das
características do sistema em termos dos meios financeiros, materiais e de pessoal disponíveis e
das políticas de saúde implementadas em cada país.
O nível primário é aquele em que estão os equipamentos com menor grau de incorporação
tecnológica do sistema (os equipamentos de geração tecnológica mais antiga, como aparelhos
básicos de raio-X, sonar e, eventualmente, ultrassom). A capacitação de pessoal para esse nível
apresenta necessidades de uma formação geral e abrangente para atender aos eventos mais
prevalentes na população (os problemas de saúde mais frequentes), e o quadro de profissionais é
preenchido por médicos de família e clínicos gerais. Estima-se que entre 85 a 90% dos casos
demandados à atenção primária são passíveis de serem resolvidos nesse nível da atenção.
Ao nível secundário cabem os equipamentos com grau intermediário de inovação tecnológica
(aparelhos de raio-X com alguma sofisticação, ecocardiógrafo, ultrassom de geração mais nova,
aparelhos para endoscopia). a capacitação de pessoal – a dos médicos, em particular– situa-se
em áreas especializadas originárias (clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia,
pediatria) e em outras, como oftalmologia e psiquiatria. Essas especializações, no caso dos
médicos, requerem 2 a 3 anos após a graduação para atingir a formação, que se realiza por meio
da residência médica. Os serviços de atenção secundária devem estar aparelhados com pessoal
e equipamentos para atender às situações que forem encaminhadas pelo nível primário.
O nível terciário concentra os equipamentos com alta incorporação tecnológica, aqueles de
última geração e, portanto, mais caros (ressonância magnética e pEt scan). o pessoal que
trabalha nesse nível necessita de formação especializada mais intensiva, no caso dos médicos
até em áreas superespecializadas (neurocirurgia, cirurgia de mão, nefrologia pediátrica,
cancerologia, entre outras) que demandam de 3 a 5 anos de residência médica para obter a
capacitação. O nível terciário deve estar aparelhado para atender a situações que o nível
secundário não conseguiu resolver e eventos mais raros ou aqueles que demandam assistência
desse nível do sistema.
Para dar os resultados esperados, um sistema de saúde com esse tipo de organização exige que
um determinado número de pessoas vincule-se a um determinado serviço (unidade básica,
ambulatório de especialidade, hospital) – a adscrição de clientela –, e requer uma distribuição
homogênea dos serviços para garantir que as pessoas possam ser atendidas em suas
necessidades assistenciais. Em linguagem mais técnica, significa usar a noção de escala na
distribuição de serviços, ou seja, os serviços de atenção primária devem estar distribuídos de
modo que cada um esteja preparado para atender até 20 mil habitantes. assim, para cada grupo
de serviços de atenção primária (um certo número de unidades básicas de saúde) deve existir
um serviço secundário de referência (ambulatório de especialidades e hospital geral) e, da
mesma forma, para cada conjunto de serviços de atenção secundária (grupo de hospitais) deve
haver hospital e ambulatórios especializados de referência.
Atenção terciária: incorpora um alto grau de complexidade e precisa ser desenvolvida
essencialmente em nível hospitalar, no qual os universitários são de grande importância.
Congrega equipamentos com alta incorporação tecnológica e, portanto, mais caros (ressonância
magnética, pEt scan). o pessoal incorporado necessita de formação especializada mais
intensiva, no caso dos médicos até em áreas superespecializadas (neurocirurgia, cirurgia de mão,
nefrologia pediátrica, cancerologia, entre outras), que demandam de 3 a 5 anos após a graduação
para completar a capacitação. o nível terciário deve estar aparelhado para atender situações que
o nível secundário não conseguiu resolver, eventos mais raros ou aqueles que demandem
assistência desse nível do sistema.
Atenção secundária: congrega os equipamentos com grau intermediário de inovação
tecnológica (como raio-X com alguma sofisticação, ecocardiógrafo, ultrassom e aparelhos para
endoscopia), capacitação de pessoal, em particular dos médicos, e geralmente situa-se em
áreas especializadas originárias (clínica, cirurgia, ginecologia, obstetrícia, pediatria) e em
outras, como oftalmologia e psiquiatria. os serviços de atenção secundária devem estar
aparelhados com pessoal e equipamentos para atender às situações que o nível primário não
absorveu – geralmente cursos atípicos ou complicações dos eventos mais frequentes e outros
mais raros que demandam assistência compatível a esse nível.
Atenção primária: caracteriza-se como a entrada do usuário no sistema de saúde. Estudos
mostram que possui um grau de 85 a 90% de resolutividade. Consegue alocar os equipamentos
com baixo grau de incorporação tecnológica como, por exemplo, eletrocardiógrafo, aparelhos
básicos de raio-X, sonar, eventualmente ultrassom e laboratório básico. A capacitação dos
profissionais para este nível apresenta necessidades de uma formação geral e abrangente para
atender aos eventos mais prevalentes na população-alvo, respeitadas as possibilidades de
intervenção neste nível de complexidade assistencial. É o nível de atenção que vem ganhando
notoriedade dentro dos países que querem atingir excelência em seu grau de desenvolvimento.
Esses níveis de atuação devem estar relacionados entre si para que consigam resolver e atender
às necessidades de saúde de toda população. para cada serviço de atenção primária deve haver
um serviço de referência para atenção secundária e terciária. Esse serviço de referência serve
para apoio no processo de resolutividade das enfermidades da população. Um dos grandes
dilemas atuais de qualquer sistema de saúde é fazer que haja, de fato, a integração dos diversos
níveis do sistema, e que eles cumpram realmente com seus respectivos papéis. A atenção
primária deve cumprir com sua função e assumir literalmente a porta de entrada do sistema. os
demais níveis, secundário e terciário, devem servir como referência para os problemas que não
puderam ser finalizados no nível anterior, assumindo suas verdadeiras funções.
Forma de estruturação do sistema de saúde
Nível terciário: atenção hospitalar
(resolve cerca de 5% dos problemas de saúde)
Nível secundário: centros de especialidades e serviço de apoio diagnóstico
terapêutico (SADT) (resolve cerca de 15% dos problemas de saúde)
Atenção básica: unidades básicas de saúde e estratégia de saúde da família
(resolve mais de 80% dos problemas de saúde)
Santos discorre que a organização do SUS em nosso país está assentada em três pilares: rede
(integração dos serviços interfederativos), regionalização (região de saúde) e hierarquização
(níveis de complexidade dos serviços). Estes são os pilares que sustentam o modelo de atenção
à saúde, conforme dispõe o art. 198 da Constituição Federal. a Constituição, ao estatuir que o
SUS é um sistema integrado, organizado em rede regionalizada e hierarquizada, definiu o
modelo de atenção à saúde e a sua forma organizativa.
A organização dos serviços de saúde promove um ordenamento de fluxo de usuários entre os
níveis de atenção, constituindo o nível primário/atenção básica o local de primeiro contato com o
sistema de saúde e de atendimento às necessidades dos usuários ao longo da vida – ressalvadas as
situações de urgência e emergência médicas. assim, à assistência primária compete ordenar o
fluxo de usuários nos sistemas de saúde – tarefa das mais complexas se imaginarmos o número
e a natureza das situações envolvidas, bem como os requisitos de formação técnica e os meios
operacionais necessários para identificar adequadamente o que encaminhar e quando fazê-lo.
Esse sistema de encaminhamento interníveis de atenção denomina-se referência e geralmente
se dá de modo crescente, isto é, do nível primário para o secundário e desse para o terciário. Já
o fluxo inverso, isto é, o retorno do usuário para um nível mais abaixo, denomina- se
contrarreferência e pode se dar tanto em ordem imediatamente decrescente ou, às vezes, do
terciário diretamente para o primário. a boa norma recomenda que os encaminhamentos
interníveis sejam realizados por meio de relatórios detalhados. Claro está que, para funcionar,
um sistema de saúde assim organizado exige adscrição de clientela (vinculação de clientela a
serviços, especialmente no nível primário) e uma distribuição homogênea dos serviços para
garantir, de modo igualitário, o acesso e atender adequadamente às necessidades assistenciais dos
usuários.
Níveis de prevenção de doenças
Leavell & Clark, em 1965, propuseram o modelo da história natural da doença, composto por
três níveis de prevenção, são eles: prevenção primária, secundária e terciária. Nesse modelo, a
promoção da saúde limitava-se e compunha um nível de atenção da medicina preventiva
(prevenção primária), constituindo ações destinadas ao desenvolvimento da saúde e bem-estar
gerais no período de pré-patogênese.
Modelo da história natural da doença
Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terciária
Tecnologias e Estratégias
• Planos de cuidado (projetos terapêuticos individuais e familiares)
• Cartão do usuário
• Gerenciamento de doenças
• Prontuários eletrônicos
• Sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico
• Equipes multiprofissionais
• Linhas de cuidado
• Complexos de regulação
• Colaboração entre unidades (integração horizontal e/ ou vertical)
• Metodologias de classificação de risco
• Apoio matricial e equipes de referência
• Sistemas de apoio logísticos
• Telecuidado, telessaúde e telemedicina
• Sistemas integrados de informação
• Primazia da atenção primária
• Sistemas de transporte em saúde
• Sistema de suporte à decisão clínica
• Roteiros de diagnóstico de situação de saúde
• Articulação com outras políticas públicas
• Sistemas de apoio logístico
• Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas
• Práticas de certificação de qualidade
• Dispositivos de segurança do paciente
• De forma geral, as estratégias operacionais de construção de redes de atenção fornecem
subsídios para organizar os sistemas de saúde a partir de sete diretrizes organizacionais
principais: definição de uma população vinculada a um território e conhecimento de suas
características socioeconômicas e culturais; projeção de um cenário desejado (imagem-
objetivo); estabelecimento de um primeiro nível de atenção como porta de entrada; definição
de um conjunto diversificado de serviços de saúde; provisão de ações e serviços especializados;
aporte de ações e cuidados sociais; e organização de estruturas de suporte à atividade clínica.
No caso do SUS, a aplicação das diretrizes de organização de redes de atenção deve ser
orientada por cinco outros fundamentos que definem a gestão e a governança do sistema: o
caráter unificado da seguridade social; os princípios constitucionais (universalidade,
integralidade e equidade); a responsabilização territorial; o comando público governamental; e
a governança federativa (relações intergovernamentais). Sendo assim, no caso brasileiro,
grande parte dos fatores que motivam a busca por maior integração no contexto internacional
tem se intensificado na última década, ampliando o desafio de construção de um sistema de
saúde fundamentado nos princípios de universalidade, integralidade e equidade, tal como
proposto na Constituição de 1988, em um país de expressiva extensão territorial e elevado nível
de desigualdade socioeconômica. Assim, as redes de atenção à saúde no SUS podem ser
caracterizadas por:
Formar relações horizontais entre os diferentes pontos de atenção: essa característica pressupõe
que os pontos de atenção passem a ser entendidos como espaços onde são ofertados alguns
serviços de saúde, sendo todos igualmente importantes para que sejam cumpridos os objetivos
da rede de atenção. Ao contrário da forma de trabalho em sistemas de saúde hierárquicos, de
formato piramidal e organizado segundo a complexidade relativa de cada nível de atenção
(atenção primária, de média e de alta complexidade), as redes de atenção à saúde são espaços que
visam assegurar o compromisso com a melhora de saúde da população, ofertando serviços
contínuos no âmbito dos diferentes níveis de atenção à saúde. Assim, para a lógica das redes de
atenção à saúde, um pronto-socorro e um centro de especialidades, por exemplo, são igualmente
importantes na garantia da atenção à saúde do usuário, pois ambos cumprem papéis específicos
para necessidades específicas.
Atenção primária à saúde como centro de comunicação: embora seja preconizada a relação
horizontal, ou seja, não hierárquica entre os níveis e pontos de atenção à saúde, isso não significa
que um deles não deva ser priorizado − considerando investimentos e alocações de recursos. A
lógica de organização do SUS em redes de atenção a partir da APS reafirma o seu papel de (1)
ser a principal porta de entrada do usuário no sistema de saúde; (2) de ser responsável por
coordenar o caminhar dos usuários pelos outros pontos de atenção da rede, quando suas
necessidades de saúde não puderem ser atendidas somente por ações e serviços da APS; (3) e de
manter o vínculo com estes usuários, dando continuidade à atenção (ações de promoção da
saúde, prevenção de agravos, entre outras), mesmo que estejam sendo cuidados também em
outros pontos de atenção da rede. Essa posição estratégica da APS no fluxo da atenção à saúde
do usuário objetiva potencializar a garantia da integralidade, continuidade, eficiência e eficácia
do sistema de saúde. A Figura na tabela a seguir, ilustra bem a APS como centro de comunicação
da RAS.
Planejar e organizar as ações segundo as necessidades de saúde de uma população específica:
as ações, os serviços e as programações em saúde devem basear-se no diagnóstico da população
adscrita à equipe de saúde, considerando fatores e determinantes da saúde desta população. Na
prática, tem se traduzido sob o fenômeno da tripla carga de doenças, mais precisamente nas
condições crônicas de doença. Além disso, a ação das equipes deve basear-se em evidências
científicas devidamente constatadas.
Cuidado multiprofissional: faz-se necessária a composição multiprofissional das equipes de
saúde porque os problemas de saúde muitas vezes são multicausais e complexos e necessitam de
diferentes olhares profissionais para o seu devido manejo. Porém, mais do que a
multiprofissionalidade, a ação interdisciplinar da equipe deve ser um objetivo a ser estabelecido,
de modo a garantir o compartilhamento e a corresponsabilização da prática de saúde entre os
membros da equipe.
Compartilhar objetivos e compromissos com os resultados, em termos sanitários e econômicos:
a missão de uma equipe de saúde deve contemplar objetivos sanitários (como o aumento do
aleitamento materno na região adscrita, maior e melhor atendimento à população, entre outros)
e objetivos econômicos (como melhor alocação dos recursos humanos, tecnológicos e
financeiros), de modo a gerar o melhor custo benefício para a população atendida
Síntese
• Nesse sentido, considerando o esforço prospectivo voltado para o aperfeiçoamento da política
de saúde do país, é importante buscar subsidiar futuras estratégias nacionais de organização da
atenção à saúde nas diversas dimensões do sistema de saúde. As informações contidas nesse
texto fornecem subsídio para a discussão da organização do cuidado à saúde visando à
promoção da atenção integrada especificamente ajustada para a consolidação do sistema de
saúde brasileiro, escopo de atuação para todos os profissionais de saúde.
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