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de Segunda Ordem
Mariana Ferreira
Orientador: José Koiller
Outubro de 2019
1 Introdução
Uma relação de recorrência linear de segunda ordem com coeficientes constantes
é uma relação que pode ser escrita na forma
1
Nestes casos, pode-se aplicar um método de “coeficientes a determinar”, análogo ao
utilizado para resolver equações diferenciais lineares de segunda ordem (ver [1]). É
possı́vel considerar, ainda, o caso em que gn é uma combinação linear de sequências
dos tipos (i), (ii) ou (iii), utilizando o Princı́pio da Superposição (ver seção 3.4).
Essa apostila tem por objetivo propôr e exemplificar a resolução de recorrências
lineares não homogêneas, nos casos citados acima, usando o método de coeficientes a
determinar. Este texto poderá ser utilizado como material auxiliar na disciplina de
Matemática Discreta, complementando o tratamento superficial dado a esse assunto
na bibliografia básica.
2 Recorrências homogêneas
Dizemos que a recorrência linear (1) é homogênea quando o termo gn é nulo,
ou seja, quando gn = 0 para todo n. Assim, uma recorrência linear homogênea de
segunda ordem com coeficientes constantes é uma recorrência que pode ser escrita
na forma
an+2 + αan+1 + βan = 0. (2)
O conjunto de todas as soluções dessa equação é a sua solução geral. Um objeto
útil na obtenção de soluções gerais de recorrências lineares homogêneas é o polinômio
caracterı́stico. O polinômio caracterı́stico da recorrência (2) é definido por
p(x) = x2 + αx + β.
Observe que, como estamos tratando de recorrências de segunda ordem, p(x) é
um polinômio de grau dois, logo poderá ter duas raı́zes reais simples, uma raiz real
dupla ou raı́zes complexas. Apesar de ser possı́vel tratar o caso complexo, nessa
apostila só consideraremos os dois primeiros casos.
2
2.2 Raiz dupla
Reproduzimos, agora, o Teorema 23.9 de Scheinerman [4]. A demonstração é
dada nessa referência.
a(H) n n
n = c1 · r + c2 · nr ,
an = 6an−1 − 9an−2 .
an = c1 · 3n + c2 n · 3n
A seguinte terminologia será útil: dizemos que (2) é a recorrência homogênea asso-
ciada a (1). (Para obter a recorrência homogênea associada a uma recorrência não
homogênea, basta “zerar” o termo independente gn .)
Para encontrar a solução geral da recorrência não homogênea (1), propomos o
seguinte roteiro:
(H)
1. Primeiro, vamos encontrar a solução geral an da recorrência homogênea as-
sociada (2). Na seção anterior, já vimos como fazer isso.
(P)
2. Em seguida, vamos encontrar uma solução particular an da equação não
homogênea (1). Veremos como fazer isso, para certos casos especiais, mais
adiante.
(H) (P)
3. Uma vez que as sequências an e an foram encontradas, a solução geral do
problema não homogêneo (1) é dada pela soma dessas sequências, conforme o
teorema a seguir.
3
(H)
Teorema 3. Suponha que an seja a solução geral da equação homogênea (2) e que
(P)
an seja uma solução particular da equação não homogênea (1). Então, a solução
(H) (P)
geral de (1) é dada pela soma an = an + an .
Esse teorema para recorrências é análogo a um teorema para equações diferenciais
lineares (ver enunciado e prova em [1], seção 3.5).
(P) (H)
Vale enfatizar que an é uma solução particular do problema (1), enquanto an
representa o conjunto de todas as soluções de (2), como definido na seção 2. A soma
(H) (P)
an = an + an é a solução geral da recorrência (1), ou seja, representa o conjunto
de todas as soluções dessa recorrência não homogênea, e não apenas uma solução.
Como dito na introdução, iremos considerar a recorrência (1) apenas nos seguin-
tes casos: quando gn é um polinômio em n; quando gn é da forma sn (exponencial);
quando gn é um produto de uma exponencial por um polinômio; e, por fim, quando
g(n) é uma combinação linear destes casos. O método que discutiremos para encon-
trar uma solução particular é baseado em “chutes”, de acordo com cada um destes
casos. Vamos começar com o caso do polinômio.
3.1 Polinômio
Para achar uma solução particular de uma recorrência não homogênea da forma
onde P (n) é um polinômio em n, faria sentido usar, como chute, um polinômio Q(n)
do mesmo grau que P (n). Assim, se
o chute seria
4
Exemplo 3. Obter a solução geral da recorrência
an = An + B.
2An − 3A + 2B = n + 3.
cuja solução é A = 1/2 e B = 9/4. Uma solução particular da equação (5), dessa
forma, é
n 9
a(P)
n = + .
2 4
A solução geral da equação (5), pelo Teorema 3, é dada pela soma da solução
geral da equação homogênea associada com uma solução particular da equação não
(H) (P)
homogênea (5), isto é, an + an . Assim, a solução geral que procuramos é
n 9
an = c1 · 2n + c2 · 3n + + .
2 4
Exemplo 4. Obter a solução geral da recorrência
an = An2 + Bn
5
Assim, an+1 = A(n + 1)2 + B(n + 1) e an+2 = A(n + 2)2 + B(n + 2). Substituindo
na equação (6), temos
A(n + 2)2 + B(n + 2) + A(n + 1)2 + B(n + 1) − 2(An2 + Bn) = 12n + 1.
Simplificando o lado esquerdo dessa equação, temos
6An + 5A + 3B = 12n + 1.
Igualando os coeficientes dos termos de mesmo grau, obtemos o sistema
6A = 12
5A + 3B = 1
cuja solução é A = 2 e B = −3. Uma solução particular da equação (6), dessa
forma, é
a(P) 2
n = 2n − 3n.
A solução geral da equação (6) é dada pela soma da solução geral da equação ho-
mogênea com uma solução particular da equação não homogênea. Assim, a solução
(H) (P)
geral encontrada é an + an , mais precisamente
an = c1 (−2)n + c2 + 2n2 − 3n.
Exemplo 5. Obter a solução geral da recorrência
an+2 − 2an+1 + an = 6n. (7)
A equação homogênea associada ao problema acima é an+2 − 2an+1 + an = 0.
Seu polinômio caracterı́stico é p(x) = x2 − 2x + 1, que é o produto notável (x − 1)2 ,
(H)
então 1 é sua raiz dupla. A solução geral da equação homogênea é, portanto, an =
(H)
c1 · 1n + c2 · n · 1n , isto é, an = c1 + c2 n.
Para achar uma solução particular da equação não homogênea (7), simplesmente
tentar um polinômio genérico An + B como chute não irá funcionar, assim como
no exemplo anterior, porque 1 é raiz do polinômio caracterı́stico p(x). Aliás, 1 é
raiz dupla de p(x). Então, ao invés de multiplicar o chute por n, como no exemplo
anterior (em que 1 era raiz simples), agora vamos multiplicar por n2 , porque 1 é raiz
dupla. Mais especificamente, nosso chute é
an = An3 + Bn2 .
Assim, an+1 = A(n + 1)3 + B(n + 1)2 e an+2 = A(n + 2)3 + B(n + 2)2 . Substituindo
na equação (7), temos
A(n + 2)3 + B(n + 2)2 − 2 A(n + 1)3 + B(n + 1)2 + An3 + Bn2 = 6n.
(H) (P)
A solução geral da equação (7), então, é dada pela soma an + an , isto é, por
an = c1 + c2 n + n3 − 3n2 .
6
3.2 Exponencial
Quando s é uma constante real, sn é dita uma sequência exponencial em n (ou
uma progressão geométrica). Vamos considerar, agora, recorrências não homogêneas
em que o termo independente é um múltiplo de sn , ou seja, recorrências da forma
onde b e s são constantes reais. Para achar uma solução particular desta recorrência,
faria sentido usar, como chute, alguma sequência múltipla de sn , também. Assim,
o chute seria A · sn , onde A é um coeficiente a determinar.
No entanto, quando s é raiz do polinômio caracterı́stico p(x) = x2 + αx + β, esse
chute não funciona. A regra para encontrar uma solução particular da equação (8)
é a seguinte:
(P)
• A solução particular será da forma an = A · sn , se s não for raiz de p(x).
(P)
• A solução particular será da forma an = An · sn , se s for uma raiz simples de
p(x).
(P)
• A solução particular será da forma an = An2 · sn , se s for uma raiz dupla de
p(x).
Em todos os itens acima, A é uma constante a determinar.
Veremos que essa regra é, também, um caso particular de uma regra mais abran-
gente.
Exemplo 6. Encontrar a solução geral da recorrência
an = A · 2n .
A · 2n+2 − A · 2n+1 − 6A · 2n = 2n
A · 2n (22 − 2 − 6) = 2n
7
Para a solução geral da equação não homogênea, vamos somar a solução geral
(H) (P)
an da equação homogênea associada com a solução particular an que obtivemos
para a equação não homogênea. Então, temos, como solução geral de (9),
an = c1 · (−2)n + c2 · 3n − 2n−2 .
an = An · 3n .
A · 3n 32 (n + 2) − 3(n + 1) − 6n = 3n .
6A(−2)n = 12(−2)n .
8
Logo, A = 2. Então, uma solução particular da forma an = An(−2)n é
a(P) n
n = 2n(−2) .
(H) (P)
Portanto, somando an com an , temos a solução geral da equação (11):
an = c1 (−2)n + c2 + 2n(−2)n .
an = An2 · 2n .
n2 n
a(P)
n = ·2
8
(H) (P)
Portanto, an + an é a solução geral da equação não homogênea (12):
n2 n
an = c1 · 2n + c2 · n · 2n + ·2 .
8
9
(P)
• A solução particular será da forma an = n · sn Q(n), se s for uma raiz simples
de p(x).
(P)
• A solução particular será da forma an = n2 · sn Q(n), se s for uma raiz dupla
de p(x).
Em todos os itens acima, Q(n) representa um polinômio do mesmo grau que P (x),
com coeficientes a determinar. Assim, se P (n) tiver grau k, o polinômio Q(x) será
da forma (4) (ver página 4), e restará determinar os coeficientes d0 , d1 , . . . , dk .
an = 2n · (An + B).
Assim, an+1 = 2n+1 A(n + 1) + B e an+2 = 2n+2 A(n + 2) + B . Substituindo
em (14), temos
Colocando 2n em evidência,
Simplificando, temos
An + 4A + B = n.
Logo, obtemos o sistema
A=1
4A + B = 0
cuja solução é A = 1 e B = −4. Assim, uma solução particular de (14) é
a(P) n
n = 2 (n − 4).
(H) (P)
Portanto, somando an + an , a solução geral da equação (14) é
an = c1 + c2 n + 2n (n − 4).
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Como 2 é uma raiz (simples) de p(x), nosso chute não poderá ser 2n (An + B),
ele deverá ser
an = 2n · (An2 + Bn).
Assim, an+1 = 2n+1 A(n + 1)2 + B(n + 1) e an+2 = 2n+2 A(n + 2)2 + B(n + 2) .
Substituindo em (15), temos
2n+2 A(n+2)2 +B(n+2) −5·2n+1 A(n+1)2 +B(n+1) +6·2n (An2 +Bn) = 2n ·8n.
−4An + 6A − 2B = 8n.
an = c1 · 2n + c2 · 3n + 2n (−2n2 − 6n).
3.4 Superposição
Vamos considerar as seguintes três relações de recorrência:
onde γ1 e γ2 são constantes reais. Observe que essas recorrências estão todas asso-
ciadas à mesma recorrência homogênea, e que o termo independente da terceira é
uma combinação linear dos termos das duas primeiras, com pesos γ1 e γ2 .
O teorema abaixo, conhecido como o “Princı́pio da Superposição”, relaciona
soluções dos problemas acima, e diz que soluções de (18) serão combinações lineares
de soluções de (16) e de (17), com os mesmos pesos γ1 e γ2 . Essencialmente, o
teorema nos dá uma forma de dividir um problema mais complicado em problemas
mais simples: para achar uma solução particular de (18), basta encontrar soluções
particulares de (16) e de (17), e “combiná-las” linearmente.
(1) (2)
Teorema 4. Se an for uma solução qualquer da recorrência (16) e an for uma
(1) (2)
solução qualquer da recorrência (17), então an = γ1 an + γ2 an será uma solução
de (18).
(1) (2)
Para provar este teorema, basta substituir an = γ1 an + γ2 an na equação (18),
e usar as equações (16) e (17). (Um resultado análogo para equações diferenciais
lineares é dado em [1], seção 3.5.)
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Exemplo 12. Como achar a solução geral da equação
a(1) 2
n = 2n − 3n
é uma solução particular de an+2 + an+1 − 2an = 12n + 1. No exemplo 8, vimos que
a(2)
n = 2n(−2)
n
an = a(H)
n + an
(P)
pelo Teorema 3.
4 Resumo
Em resumo, para encontrar uma solução particular de uma recorrência linear
de segunda ordem não homogênea com termo independente da forma gn = sn P (n),
podemos usar a seguinte “tabela de chutes”, onde Q(n) é um polinômio com mesmo
grau de P (n), com coeficientes a determinar:
Condição Chute
(P)
Se s não é raiz de p(x) an = sn Q(n)
(P)
Se s é raiz simples de p(x) an = sn nQ(n)
(P)
Se s é raiz dupla de p(x) an = sn n2 Q(n)
Observe que esta tabela comprime em apenas três linhas todos os nove casos expli-
cados anteriormente (três casos para polinômios, três casos para exponenciais e três
casos para polinômios exponenciais). Lembre que consideramos gn da forma sn P (n).
Caso gn seja um polinômio, basta tomar s = 1. Para obter o caso exponencial, basta
tomar P (n) constante (polinômio de grau zero), assim ficamos com gn = b · sn . O
caso de gn constante é obtido tomando s = 1 e P (n) constante.
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Referências
[1] William E. Boyce e Richard C. DiPrima, Equações Diferenciais Elementares
e Problemas de Valores de Contorno, Nona Edição (2010), Livros Técnicos e
Cientı́ficos Editora Ltda.
[3] Seymour Lipschutz e Marc L. Lipson, Theory and Problems of Discrete Mathe-
matics, Third Edition (2007), Schaum’s Outline Series, McGraw-Hill.
[5] Alan Tucker, Applied Combinatorics, Sixth Edition (2012), John Wiley & Sons,
Inc.
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