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Carta ao Dr.

Nelson Nery Junior, a propósito


da locução “Inaudita altera parte”

São Paulo, 25 de janeiro de 2005

Muito estimado Dr. Nelson Nery Junior:


Cordiais saudações!
Espero tenha o Amigo a bondade de relevar-me a ousadia com
que compareço à sua presença.
Faço-o movido do sentimento natural que obriga o beneficiário
ao benfeitor: a gratidão.
Sim, é ingente a dívida em que estamos — os lidadores do
Direito — para com Vossa Excelência, processualista exímio e
justamente louvado pela preciosa contribuição que continua a dar às
letras jurídicas nacionais. Correndo em silêncio outras produções de
seu fecundo engenho, detenho-me no soberbo Código de Processo Civil
Comentado.
Tenho-lhe grande afeição a esse prestantíssimo livro! Não passa
um dia sem que o tenha à mão e perlustre em busca da boa doutrina e
da opinião abalizada com que possa dar alento e segurança a meus
obscuros votos na 4a. Câmara de Direito Privado de nosso Tribunal de
Justiça (onde estou há coisa de 8 meses, oriundo do Tribunal de Alçada
Criminal).
Entre os colegas — e mesmo a generalidade dos cultores do
Direito — o distinto Amigo conquistou já o timbre de autor clássico, que
Horácio mandava compulsar com mão diurna e noturna (Arte Poética,
v. 269).
A especial consideração (em que tenho assim o livro como seu
autor) é que me dá confiança para discorrer de um ponto, que pudera
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parecer questão de nonada: a sintaxe da locução latina “inaudita altera


parte”.
Em mais de um lugar de sua reputada obra dei com a
construção “inaudita altera pars” (cf. pp. 1.181, 1.182, 1.189 e 1.194, da
8a. edição).
Lancei-o à conta de lapso tipográfico, de que se não eximem
edições, até as mais bem cuidadas, como a sua.
Firo agora o tema.
A fórmula escorreita da expressão “sem ouvir a outra parte”,
empregada mormente no capítulo das Medidas Cautelares, é “inaudita
altera parte”. Aqui se há de escrever parte (com e), porque é a desinência
que os nomes da 3a. declinação têm no caso denominado ablativo. Tal
construção — “inaudita altera parte” — constitui o que, na língua de
Cícero, os gramáticos chamam de ablativo absoluto.
Do tema trataram as Gramáticas Latinas de Augusto Magne (1930,
p. 416), João Ravizza (1956, p. 239), Napoleão Mendes de Almeida
(1974, p. 283), Mílton Valente (78a. ed., p. 173), António Freire (1956,
p. 287), John Clintock (1925, p. 190), Giovanni Zenoni (2a. ed., p. 171),
Manuel Francisco de Miranda (1946, p. 350), Antonio Pereira de
Figueiredo (1900, p. 202), Júlio Comba (1991, p. 270), etc.
O velho Bluteau, em sua obra monumental, traz o passo famoso
de Sêneca: “Qui statuit aliquid, parte inaudita altera, aequum licet statuerit,
haud aequus fuit”, que tirou em linguagem: “O que sentenciou, sem ouvir as
partes, ainda que a sentença dada seja justa, não é ele justo juiz” (Vocabulário,
1720, t. VI, p. 164).
Atenta a liberdade da ordem indireta do frasear latino, “parte
inaudita altera” monta o mesmo que “inaudita altera parte”.
Há também, ao propósito, lição do culto e insigne Des. Geraldo
Amaral Arruda: “Com grande frequência a indicação de circunstâncias pode ser
feita, com expressividade e elegância, em orações reduzidas de particípio ou
gerúndio. Essa construção nos adveio do que na gramática latina se denomina
ablativo absoluto. Esse é o caso da conhecida locução “inaudita altera parte”, na
qual “parte” exerce a função de sujeito da oração, embora esteja no ablativo” (A
Linguagem do Juiz, 1996, p. 84).
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Dificuldade é essa, para a qual, sem dúvida, terá muito


contribuído a sentenciúncula “audiatur et altera pars”, que, em vulgar,
significa “ouça-se também a outra parte”, pedra angular do contraditório
processual, como se vê em Manzini: “Il giudice penale, dovendo rivolgere la
propria attività all’accertamento della verità reale, deve sentire così l’accusa come
la difesa (audiatur et altera pars)” (Trattato di Diritto Processuale Penale, 1952,
vol. I, p. 223).
Aqui se haverá grafar “pars” (e não “parte”), porque a palavra está
no nominativo, que é o caso do sujeito.
Fico me não levará a mal o Amigo por ter-lhe apontado nuga
literária no utilíssimo Código de Processo Civil Comentado. Foi desejo de
perfeição da obra, à qual — verdadeiro tesouro jurídico — bem se
ajustam as elegantes palavras que escreveu Bluteau acerca do Grande
Dicionário Histórico do sábio francês Luís Moreri: tais falhas “são manchas
no disco do Sol: ficam embebidas em um mar de luzes” (Suplemento ao
Vocabulário, 1728, 2a. parte, p. 590).
Aceite a expressão sincera de minha estima e profunda
admiração.
Carlos Biasotti
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São Paulo, 25 de setembro de 2006

Prezado Dr. Nelson Nery Junior:


Tendo-lhe escrito, há coisa de um ano, a propósito de certa
questão da língua do foro — “inaudita altera parte” e “audiatur et altera
pars” —, honrou-me Vossa Excelência com amável carta, que conservo
entre meus tesouros literários.
A matéria que nela versou, considero-a de grande utilidade a
todos os que atuamos na barra da Justiça; por isso, fora verdadeira
lástima ficasse inédita!
Se o distinto amigo não tem objeção à ideia, e me dá permissão
para publicar sua carta, muito folgarei em incluí-la na próxima edição
de meu Tributo aos Advogados Criminalistas, de que lhe estou enviando
um exemplar. Espero me releve a ousadia de passar às sua mãos —
habituadas ao contacto de obras do mais subido merecimento
(“scilicet”: Código de Processo Civil Comentado, Código Civil Comentado, etc.)
— este pobre livrinho!
Creia-me sempre seu discípulo, admirador e amigo obrigado.

Carlos Biasotti
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São Paulo, 5 de fevereiro de 2005

Prezado Desembargador Carlos Biasotti,


Recebi hoje sua amável e gentil carta de 25 de janeiro de 2005,
que traz importantes considerações sobre a utilização das expressões
inaudita altera parte e audiatur et altera pars.
Agradeço imensamente as palavras de incentivo sobre o nosso
trabalho de anotação ao CPC. Nossa intenção é proporcionar aos
profissionais do Direito ferramenta com que possam ser auxiliados
nas tarefas comuns do dia-a-dia da profissão.
Daí por que as críticas aos Comentários sempre são bem vindas,
notadamente as suas, que são totalmente procedentes, fruto da
observação de quem tem verdadeira e profunda cultura humanística.
A sua benevolência em chamar os erros de tipográficos só
demonstra a elegância com que foram feitas as críticas.
Os gramáticos da língua latina, bem citados por V.Exa. (Padre
Ravizza, Padre Augusto Magne, Napoleão Mendes de Almeida, etc.), se
ocuparam do tema e grafam as expressões como constam,
corretamente, de sua amável carta.
O nominativo é pars, de modo que quando a frase pede esse
caso, deve ser grafada a expressão como consta dos dicionários:
audiatur et altera pars. No entanto, quando utilizado no ablativo, deve ser
declinado para parte, consoante muito bem anotado em sua gentil
correspondência: inaudita altera parte.
Consultando o Padre Bluteau, verifiquei que em seu
monumental vocabulário menciona a sentença de Sêneca, sem,
entretanto, dar a fonte da obra do grande escritor latino(1).
Em Forcellini(2) é dada a fonte de Sêneca que, consultada,
confirma suas preciosas observações(3):
“Medea: –– Qui statuit aliquid parte inaudita altera, æquum licet
statuerit, haud æquus fuit”. (Na tradução de Justus Miller: “He who
has judge aught, with the other side unheard, may have judged
righteously, but was himself unrighteous”).
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Agradeço muitíssimo a valiosa colaboração de V.Exa. para o


aprimoramento de nosso texto. As correções estão sendo
providenciadas e, na próxima edição, espero que o livro saia sem esses
deslizes.
Receba o meu abraço fraternal.

(1) Padre Raphael Bluteau, Vocabulario Portuguez & Latino, v. VI, na


Officina de Pascoal da Sylva, Lisboa, 1720, verbete “ouvir”, p. 164.
(2) Aegidii Forcelini, Totius Latinitatis Lexicon, v. II, Editio in
Germania prima, Sumptibus et Typis C. Schumanni,
Schneebergæ, 1831, verbete “inauditus”, p. 485.
(3) Seneca. Medea, in “Tragedies”, v. VIII, texto bilingue latino-inglês,
tradução de Frank Justus Miller, Loeb Classical Library, William
Heinemann Ltd., London, 1979, nº 199, pp. 246/24.

Carlos Biasotti
Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

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