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Harry G. Levine
Departamento de Sociologia
Queens College, City University of New York
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08/11/2018 Ciência Social Ceará: Um bom sociólogo é um bom escritor
Alguns anos atrás, fui convidado para falar sobre ser um sociólogo em
um seminário para novos estudantes de doutorado no centro de pós-
graduação da University of New York. Eu aproveitei a ocasião para resumir
algumas das coisas mais úteis que eu aprendi ao longo dos anos sobre a
escrita sociológica. Eu gostaria que alguém tivesse dito estas coisas para
mim. Como todos os conselhos, essas "dicas, observações e princípios" não
devem ser levadas ao pé da letra.
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3. Ser um sociólogo
Meu velho amigo, Jerry Himmelstein, escreveu um trabalho de
graduação em seu último ano na Universidade de Columbia. Jerry trabalhou
arduamente durante todo o ano. Nas últimas semanas ele virava dias e noites
para concluir o trabalho. Já exausto, ele entregou a monografia no escritório
de seu orientador. O orientador pegou calhamaço pesado, folheou-o
brevemente e disse:
"Bom trabalho Himmelstein - você está querendo ir para a pós-
graduação em sociologia, não é?"
"Sim, eu estou", respondeu Jerry orgulhosamente.
"Bem", disse o professor, "se você trabalhar duro, e se você for muito
bom, você conseguirá fazer isso para o resto de sua vida."
Por que alguém iria querer fazer isso ?
Estou feliz de ser um sociólogo por várias razões, sobretudo por não ser
um trabalho tão alienante. Gosto de ensinar e agora estou ficando muito bom
nisso. Mas eu tenho sido contratado, pago, e promovido para aprender coisas
e escrever um pouco do que eu aprendi. A escrita ainda hoje é algo difícil para
mim, mas o aprendizado é fantástico. Como sociólogo eu posso estudar sobre
quase tudo que eu quero.
Uma das melhores coisas de ser um sociólogo, é que podemos ir a
qualquer lugar, não ver nada, não ler nada, não falar com ninguém, e sempre
poderemos dizer que estávamos fazendo trabalho de campo. E pior que
podemos realmente estar fazendo trabalho de campo. Ninguém sabe o que
será útil para nossos escritos ou nossas aulas - e nós certamente também não
sabemos. Como disse Edward Brecher, “certas coisas não aparecem no
resultado”.
O nosso trabalho como sociólogos é aprender as verdades sobre o
mundo social para escrever sobre elas. Grande parte do tempo, talvez a maior
parte do tempo, nós não podemos estar indiferentes ou desinteressados. Mas
podemos ser honestos e sinceros sobre o que interpretamos. O mundo real é
feito de seres humanos e dificilmente é da forma como gostaríamos que
fosse. As ações das pessoas, palavras e criações são muitas vezes
surpreendentes, até mesmo peculiares, estranhas ou bizarras. Nossa tarefa
como sociólogos é descrever de maneira mais clara e honestamente possível
alguma parcela do mundo social. Se você não acredita que existam coisas
verdadeiramente importantes a serem ditas sobre o mundo social e sobre o
que as pessoas fazem, então você está no campo errado. Considere uma
carreira no direito, filosofia ou economia.
Sociologia é uma ciência. Não é uma ciência puramente positivista ao
molde das ciências naturais. Mas faz uso de muitas das ferramentas lógicas e
empíricas das ciências naturais. Todas as ciências, incluindo a sociologia,
procuram descrever e compreender o mundo. Mas a sociologia é também
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uma forma de arte - entre muitas outras razões, porque é uma variedade de
literatura. (Robert Nisbet tem uma boa discussão sobre isso em seu livro, A
sociologia como uma forma de arte[11]).
Em Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística[12], Peter Berger
diz que a sociologia não é definida pelo que ela estuda, nem pelas teorias e
métodos que utiliza. Ele diz que a sociologia se distingue por suas
perspectivas, especialmente pela sua desconfiança em relação aos dados
obtidos. Berger oferece o que ele chama de “primeira verdade sociológica". A
ideia de que um campo acadêmico tem uma "primeira verdade" é inteligente e
ousado. A primeira verdade da sociologia de Berger é: as coisas não são o
que parecem ser. Eu gosto muito desse conceito.
Berger aponta quatro características que ele considera centrais na
escrita sociológica. Ele chama de desmascaramento (desmascaramento no
sentido de revelar a verdade sobre algo), não-respeitabilidade (olhar o mundo
a partir da perspectiva dos não-respeitáveis, os
perdedores), relativização (compreensão de que quase tudo depende do
contexto), e cosmopolitismo (uma valorização da visão cosmopolita e da
diversidade humana). Eu amo fazer uma ciência com essas
características. Todas essas características são importantes, mas acho que a
primeira é a mais importante. No mesmo sentido de Berger, eu afirmo que os
sociólogos bons são bons contadores de histórias, que mostram que as
coisas não são como parecem ser.
Eu sou um wrightmillsiano. Eu acredito que decifrar os sentidos do
mundo é um trabalho fascinante e útil. Eu amo interpretar o mundo, e para
isso eu preciso de uma representação grande para poder me orientar e ter um
parâmetro. Rotineiramente, eu busco entender quem eu sou, o que eu quero,
e o que eu sinto a partir da observação do contexto histórico em que estou
inserido em relação a minha biografia. Eu entendo minha própria vida
visualizando-a no contexto político, econômico, cultural, institucional e
histórico. Eu acredito que a imaginação sociológica pode realmente ajudar as
pessoas - coletivamente e individualmente - para melhorar suas vidas, as
tornando mais felizes, mais saudáveis e mais eficientes em tudo que
fazem. Acredito que com mais força do que nunca.
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Blumer, Arthur J. Vidich, Joseph Bensman, Ned Polsky, Ernst Becker, Robin
Williams, E. Digby Baltzell, Joseph Gusfield, John Seeley, Raymond Aron,
William Domhoff, David Matza, Robert Blauner, Kingsley Davis, Reinhard
Bendix, Herbert Gans, Daniel Bell, e Kai Erickson.
Na mesma época, boa parte dos bons antropólogos, historiadores,
cientistas políticos, geógrafos, linguistas e filósofos também eram escritores
hábeis. Suas obras importantes resistem e continuam a ter importância para
os estudantes e pesquisadores, em parte, porque essas obras geralmente
foram bem estruturadas em termos da frase e de parágrafo. Têm surgido
muitos cientistas sociais que são bons e bem sucedidos, porque eles têm algo
importante a dizer e dizem isso bem. Devemos aprender com os seus
trabalhos e exemplos. No final, somente existem duas tarefas profissionais
para o sociólogo - descobrir o sentido das coisas através do trabalho
sociológico e escrever sobre ele com habilidade.
[1] Agradeço a contribuição dos amigos Vinicius Frota, Napoleão Araujo Neto, Carlos
do Valle, Diego de Almeida Alves
[2] Artigo originalmente publicado em
http://dharma.soc.qc.cuny.edu/soc/faculty/pages/levine/docs/a-good-sociologist.html .
[3] No original “how to write sociology”.
[4] Aqui ele faz uma distinção entre o ofício de sociólogo como pesquisador e como
professor.
Nos EUA essa diferença é mais clara devido a diversidade do mercado de trabalho, já
no Brasil essa distinção ainda é pouco aparente.
[5] Um indício do fenômeno que Levine descreve pode ser percebido na transformação
linguística através das redes sociais eletrônicas e microblogs, como facebook e twitter.
Dificilmente, as pessoas leem textos grandes e complexos nas mídias digitais, que cada
vez mais ganham espaço no cotidiano dos leitores.
[6] Ambos sem tradução para o português:
STRUNK, Jr., William; E.B. White. The Elements of Style. Boston: Ed Allyn & Bacon,
2009.
ZINSSER, William Knowlton.On writing well : the classic guide to writing nonfiction.New
York: Ed First HarperResource Quill, 2001. Disponível em: . Acesso em: 3 dez. 2012.
[7] Lembro que durante minha própria pós-graduação meu orientador, Domingos Sávio
Abreu, sempre fazia a recomendação: Escreva como se sua avó fosse ler. Com isso ele
queria dizer para que eu não fosse prolixo na escrita.
[8] Um exemplo de voz ativa: O deputado roubou o povo. Na voz passiva seria: O povo
foi roubado pelo deputado.
[9] No mercado norte-americano existem diversas empresas que fazem pesquisa de
mercado, pesquisa de opinião e até especializadas em pesquisas acadêmicas.
[10] Aqui o autor se refere à busca por um trabalho que possa orientar na confecção da
estrutura da monografia.
[11] NISBET, Robert. A sociologia como uma forma de arte [orig. ingl.1962].
Trad.S.Garcia.Re.técn.H.Martins.Plural,Revista do curso de pós-graduação em
sociologia da USP, São Paulo, n.7, pp.111-130,10 sem.2000. Disponível em:
http://www.fflch.usp.br/ds/plural/edicoes/07/traducao_1_Plural_7.pdf
[12] BERGER, Peter I. Perspectivas Sociológicas – uma visão humanística. Petrópolis:
Vozes, 1986.
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