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Análise Social, vol.

XL (Verão), 2005

Édison Gastaldo (org.), Erving Édison Gastaldo, na «Apresenta-


Goffman: Desbravador do Coti- ção» deste livro, diz-nos: «[...] tem
diano, Porto Alegre, 2004, 174 pági- por propósito apresentar ao leitor
nas. brasileiro um painel de diferentes
perspectivas sobre a vida e obra de
Goffman [...] para além dos seus
As questões iniciais que me colo- três únicos livros publicados em lín-
co sempre que penso em fazer a gua portuguesa — The Presentation
recensão de uma obra são as seguin- of Self in Everyday Life..., Asylums...
tes: «Por que é que este livro é impor- e Stigma»1. Ou seja, um dos objec-
tante?»; «Por que é que o devemos tivos primordiais será o de divulgar
ler?»; «Qual a sua pertinência para
junto do público brasileiro e de lín-
nós, cientistas sociais?» Na obra que
gua portuguesa abordagens multidis-
aqui vou apresentar encontrei várias
ciplinares apresentadas por autores
respostas a dar a estas perguntas.
Erving Goffman: Desbravador do que, sobretudo pela diferença de idi-
Cotidiano, organizado por Édison oma, não se encontram acessíveis a
Gastaldo, apresenta-se-nos como este mesmo público.
uma colectânea de artigos elaborados A apresentação do livro revela-se,
por cientistas sociais de diversas contudo, um pouco vaga e incipiente.
áreas — antropólogos, sociólogos e Não encontramos no seu início um
etnometodólogos —, tendo como aprofundamento das questões refe-
denominador comum a vida e obra de rentes especificamente ao contributo
Erving Goffman e a importância do de E. G. para as ciências sociais numa
seu trabalho no actual panorama das análise do conjunto da sua obra. Ape-
ciências sociais. sar de estes elementos estarem suma-
Vários são os ensaios que se en- riamente presentes, teria sido de toda
quadram nesta proposta. Apenas para a utilidade a perspectivação de ques-
citarmos alguns dos mais recentes, tões que, precisamente por não esta-
encontramos uma vasta recolha de rem traduzidos para português ou-
artigos numa obra composta por qua-
tros trabalhos deste autor, poderiam
tro volumes organizada por Fine e
suscitar novas interrogações no pú-
Smith (2000), as excelentes colectâ-
blico a quem esta recolha se dirige e
neas editadas por Javier Treviño
(2003) e Smith (1999). Encontramos que depois vamos encontrar nos tex-
ainda obras especificas na análise do tos apresentados. Teria sido igual-
trabalho de Goffman no seu conjunto, mente interessante encontrar aqui
como a de Tom Burns (1992) ou a
obra de referência por excelência so- 1
Faço aqui uma ressalva a esta afirmação,
bre a vida e obra de Goffman de Yves uma vez que encontramos outros textos (par-
Winkin (1988). Impõe-se então que ciais ou totais) de Erving Goffman traduzidos
para português na obra de Yves Winkin
pensemos na pertinência de mais (1988), Os Momentos e os Seus Homens, edi-
uma recolha deste género. tado pela Relógio d’Água, Lisboa, em 1999. 435
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uma leitura mais conclusiva dos arti- presentes numa conferência realizada
gos apresentados, interligando-os no Brasil em 1978 e onde estes dois
num todo e entrecruzando as diver- sociólogos, amigos e colegas, se
sas perspectivas elaboradas. destacaram pelos seus trabalhos e
Apresentamos este livro tal como também pelas suas diferentes per-
nos é dado a conhecer. sonalidades: a um Goffman excêntri-
Pierre Bourdieu, sociólogo, con- co contrapõe-se Becker prestável e
tribui com um breve texto publicado solícito. Ambos são descritos como
no jornal Le Monde por ocasião da figuras proeminentes no modo como
morte de E. G. (1982), onde salienta revolucionaram no Brasil as ciências
algumas das peculiaridades que tor- sociais e os estudos sobre «indivíduo
naram o seu trabalho uma referência: e sociedade» (2004, p. 42), desvio,
a interrogação do óbvio, do que da- instituições totais e marginalidade(s).
mos como adquirido, de tão banal Greg Smith, sociólogo, num dos
que é, e da forma como o fazer textos mais desenvolvidos e interes-
sociologia e o olhar para o quotidia- santes desta obra, entrecruza a so-
no foram alterados à luz destas no- ciologia de E. G. com Georg Simmel
vas interpretações, aparentemente no que tem de aproximações, conti-
simples na sua complexidade. nuidades e diferenças, integrando
Yves Winkin, antropólogo e bió- estas interpretações na elaboração
grafo de Goffman, reporta-nos para de uma sociologia formal.
o homem por detrás do sociólogo/ Rod Watson, etnometodólogo, no
antropólogo/etnógrafo inserido na artigo «Lendo Goffman em interac-
sociedade e na época em que viveu e ção» (2004, p. 81), propõe-se fazer
que o acolheu, bem como à obra que uma interpretação dos textos de E. G.
foi produzindo. Recorre, para tal, como um objecto de estudo em si
não só a «instantâneos» da vida de mesmo, através da compreensão dos
E. G. nas suas relações quotidianas mecanismos estilístico-linguísticos
pessoais e como investigador, mas usados pelo autor, «através dos quais
proporciona-nos ainda uma leitura tenta tornar visíveis os objectos
destes mesmos fragmentos através mundanos da vida cotidiana» (2004,
da interpretação da sua obra, articu- p. 81). Pretende, deste modo, e tendo
lando «o indivíduo e sua sociedade» como modelo o trabalho de Goffman,
(2004, p. 34) e combinando sabiamen- compreender de que forma a sociolo-
te biografia, antropologia e história. gia procura usar terminologias des-
Gilberto Velho, antropólogo, ofe- critivas isentas de algum tipo de co-
rece-nos num registo pessoal e cien- notação valorativa, análise também
tífico uma abordagem ao modo seguida por Becker no artigo seguin-
como E. G. e Howard Becker se tor- te deste livro.
nam autores de referência na antro- Howard Becker, sociólogo, analisa
pologia brasileira do século XX. Rela- as propostas de Goffman no que
ta-nos um caso vivido por ele onde respeita às terminologias utilizadas
436 encontramos Goffman e Becker para descrever os fenómenos que
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estuda e observando, neste caso es- e a forma como são utilizadas pelas
pecífico, o trabalho de Goffman so- pessoas, considerando uma aborda-
bre as «instituições totais» (2004, gem etnometodológica no estudo de
p. 101). Reconhece a habilidade deste bibliografias como um objecto em si
autor na escolha dos termos que uti- mesmo e seguindo a noção de «en-
liza, uma vez que consegue, tendo quadramento» (frame) proposta por
como objecto de estudo um tema Goffman em Frame Analysis (1974).
com conotações negativas, encontrar Apresenta-nos no último capítulo da
termos neutros para se referir e des- colectânea uma pequena bibliografia
crever este contexto. Desta forma, das obras de E. G. na versão original
procura demonstrar como a ausência e nas traduções que foram feitas
de julgamentos morais e de uma co- para outras línguas.
notação positiva/negativa é pertinente Retomando as questões que pro-
na formulação das interpretações e pus no início desta recensão, penso
descrições feitas pelos cientistas so- ser agora possível fazer algumas
ciais. considerações a este respeito. Por-
Édison Gastaldo, antropólogo da quê mais uma colectânea de artigos
comunicação e organizador deste li- sobre Erving Goffman?
vro, faz alguns comentários aos três Em primeiro lugar, salienta-se que
últimos trabalhos de E. G. e que nun- esta é a primeira obra do género pu-
ca foram traduzidos para português: blicada em português, o que em mui-
Frame Analysis (1974), Gender to contribui para uma maior divulga-
Advertisements (1979) e Forms of ção deste autor nas ciências sociais.
Talk (1981). Possibilita, deste modo, Por outro lado, este livro salienta-se
ao público português um maior co- ainda por ser, de facto, uma obra
nhecimento destas obras, que, se- multidisciplinar. Ao contrário de ou-
gundo a sua perspectiva, contribuem tros trabalhos deste género, que são
para uma nova forma de entendi- sobretudo constituídos por textos de
mento nas áreas de estudo dos me- sociólogos — disciplina em que
dia e comunicação. Goffman é uma referência — e que
Fernando Andacht, sociólogo, deixam pouco espaço para aborda-
equaciona as reflexões de Goffman gens de outras áreas, encontramos
sobre o self e a «semiótica triádica» aqui um diálogo entre várias ciências
(2004, p. 125) de C. S. Peirce, pro- com diferentes perspectivas.
pondo uma interpretação sócio- Mas esta obra alerta-nos ainda
-semiótica da microssociologia de para a urgente necessidade da tradu-
E. G. e o estudo da interacção não ção de outros livros de E. G., para
verbalizada, sobretudo através dos além dos três primeiros já referidos e
signos corporais e tendo como refe- da selecção apresentada por Yves
rência The Presentation of Self in Winkin, também já citada, tal como
Everyday Life (1956). foi feito recentemente com alguns
Andrew P. Carlin, etnometodólo- textos de Georg Simmel, em boa
go, é o autor dos dois últimos artigos hora traduzidos e publicados em por-
do livro e reflecte sobre bibliografias tuguês pela Relógio d’Água (2004). 437
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Esta necessidade prende-se com o organizador (Donizete Rodrigues,


facto de observarmos que a obra de doutorado em Antropologia Social
Goffman continua actual e pertinente pela Universidade de Oxford e pro-
nos estudos das ciências sociais na fessor associado na Universidade da
sua globalidade. Beira Interior) na produção e divul-
gação de estudos sobre o fenómeno
religioso nos dias de hoje tanto em
BIBLIOGRAFIA
Portugal como no estrangeiro. Neste
BURNS, T. (1992) Erving Goffman, Londres
contexto, como o subtítulo sugere,
e Nova Iorque, Routledge. esta colectânea de artigos pretende
FINE, G., e SMITH, G. (2000), Erving Goffman, contribuir para uma maior com-
Londres, Sage Publications. preensão do lugar da religião na so-
GOFFMAN, E. (1993 [1959]), A Apresentação
do Eu na Vida de Todos os Dias, Lisboa, ciedade contemporânea («pós-mo-
Relógio d’Água. derna», «globalizada»), tanto pela
GOFFMAN, E. (1999 [1961]), Manicómios, Pri- sua importância no desenvolvimento
sões e Conventos, São Paulo, Perspectiva. de lógicas de acção sócio-culturais,
GOFFMAN, E. (1983 [1963]), Estigma. Notas
sobre a Manipulação da Identidade políticas e económicas como pela di-
Deteriorada, Rio de Janeiro, Zahar Edi- versidade das suas expressões, con-
tores. figurações e contextos.
SMITH, G. (ed.) (1999), Goffman and Social Assim, esta obra colectiva parte
Organization, Londres e Nova Iorque,
Routledge. dos seguintes pressupostos: 1.º a
TREVIÑO, J. (ed.) (2003), Goffman’s Legacy, realidade contemporânea mostra-nos
Nova Iorque, Rowman & Littlefield uma centralidade e transversalidade
Publishers, Inc. da «religião» em todos os domínios
WINKIN, Y. (1999 [1988]), Os Momentos e os
Seus Homens, Lisboa, Relógio d’Água. do social, o que não só traduz a in-
congruência das teses modernistas
CATARINA FRÓIS secularizadoras, mas nos obriga a
olhar o fenómeno da religião com
atenção redobrada, porquanto se re-
vela em constante mutação e recon-
figuração; 2.º esta «revalorização do
religioso» (p. 8) permite ainda ao
observador do social repensar as
suas estratégias de abordagem, agora
Donizete Rodrigues (org.), Em em termos de movimentos e inter-
Nome de Deus. A Religião na So- conectividades, onde as migrações, a
ciedade Contemporânea, Porto, guerra e o terrorismo, as expressões
Afrontamento, 2004. rituais, os media, etc., são impregna-
dos de bens, teorias e símbolos reli-
giosos, e vice-versa.
Em Nome de Deus é o resultado Neste contexto, o organizador
438 mais recente dos esforços do seu coloca duas questões fundamentais a

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