Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
a ajuda do Brasil)
Não deu no jornal
Ao mesmo tempo em que o Vietnã do Sul, Camboja e Laos passavam ao
controle de ditaduras comunistas, alinhadas com os interesses de Moscou
ou Pequim, o continente africano seria alvo de uma das mais audaciosas
operações expansionistas já lançadas em toda a história, revestida de um
caráter estratégico extremamente importante e cujas conseqüências
seriam duradouras para região. A forma como essa expansão ocorreu,
seus desdobramentos e a cobertura dos acontecimentos pela mídia serão
analisados no presente artigo, que se voltará para as operações em
Angola, país onde a presença comunista atingiu características de
verdadeira ocupação.
Após longo período de combate contra movimentos guerrilheiros em suas
colônias africanas, Angola, Moçambique e Guiné Bissau, o governo
português acabou convencido, em meados da década de 1970, que os
custos da luta em solo africano eram por demais elevados. Além disso, ao
fim de anos de regime salazarista, havia muita insatisfação popular em
Portugal e exigiam-se mudanças, o que resultou na chamada Revolução
dos Cravos, em 1974 -- um golpe militar que contou com amplo apoio
popular, mas que rapidamente assumiu feições socialistas.
Interessado em sair rapidamente da África, sobretudo de Angola, o novo
governo português fez um acordo com os três movimentos guerrilheiros
angolanos que lutavam pelo poder: o MPLA (Movimento Popular para a
Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e
a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).
Entretanto, as bases do acordo entre os grupos guerrilheiros eram muito
frágeis, razão pela qual existia um vazio de poder em Angola, o qual o
MPLA foi rápido em preencher, conquistando Luanda e a maior parte do
país. Mas para conseguir isso, o MPLA teve a vital ajuda da URSS, sem a
qual a vitória teria sido obtida pelos dois outros grupos rebeldes
angolanos.
A investida soviética em apoio ao MPLA foi muito facilitada pela
inoperância do governo norte-americano, recém saído do desastre no
sudeste asiático, e, portanto, sem condições de intervir em uma nova crise
internacional. Além disso, com a posse do presidente Jimmy Carter, mais
interessado em pressionar regimes autoritários ditos de direita, do que em
enfrentar as tentativas de expansionismo russo, Moscou sentiu-se livre
para agir.
Quanto ao envolvimento brasileiro, não se sabe muito bem o que o Brasil
ganhou em patrocinar uma ditadura socialista e corrupta como a do MPLA,
que mantêm o mesmo representante ocupando o cargo de presidente
desde 1979. Nem ao menos é possível afirmar que a Petrobrás conseguiu
grandes contratos, visto que a extração de petróleo em Angola está em sua
maior parte nas mãos de companhias norte-americanas. Mas, enquanto o
governo militar nacionalista do general Ernesto Geisel trabalhava ao lado
do comunismo internacional, os sul-africanos acompanhavam com
atenção os acontecimentos em solo angolano. Muito longe da imagem
apresentada pela mídia, segundo a qual a África do Sul pretendia apenas
"oprimir os povos negros da África", o interesse sul-africano em Angola era
motivado sobretudo por razões de segurança. A idéia de os portugueses
saírem do país deixando em seu lugar um governo comunista patrocinado
pela URSS não era nada atraente ao governo sul-africano, às voltas com
problemas provocados por terroristas de orientação marxista em seu
próprio território. Em vista disso, logo em seguida à retirada portuguesa,
destacamentos sul-africanos passaram a apoiar os grupos guerrilheiros
rivais do MPLA. Este foi um fato inusitado: o apoio do governo de Pretória
a guerrilheiros de orientação socialista. Sim, porque ao contrário do que a
mídia veiculou durante anos, a guerrilha da UNITA, liderada por Jonas
Savimbi, longe de ser um grupo guerrilheiro de extrema-direita, era uma
organização maoísta, que havia sido apoiada pela China durante a luta
contra os portugueses. Como se vê, para justificar a presença soviética e
cubana num país despedaçado por uma guerra civil, vale tudo na mídia, até
mesmo transformar guerrilheiros socialistas em rebeldes de
extrema-direita.
A essa altura, já era possível perceber que a situação em Angola tinha
muita semelhança com o que a mídia dizia ter ocorrido no Vietnã, ou seja,
uma potência exercendo influência armada sobre um pequeno país. Na
verdade, a situação em Angola era ainda pior do que fora no sudeste
asiático, onde os norte-americanos utilizaram-se de suas próprias forças
para auxiliar governos que eram seus aliados de longa data. Em Angola, ao
contrário, os soviéticos empregaram um exército "alugado" de seu fiel
vassalo Fidel Castro (que para efeito de propaganda havia lançado a
operação "à revelia de Moscou"), para conseguir a vitória de uma das
facções em luta pelo poder em Angola. Entretanto, para a imprensa
internacional a crise angolana parecia não ter a mesma importância da
guerra do Vietnã. Jornalistas não correram para a região, não se deu
destaque à atuação soviética e cubana, nem ao uso do território angolano
como refúgio para terroristas e guerrilheiros que atacavam países vizinhos.
Em 1978, confirmando que a presença comunista em Angola não era
apenas para apoiar a estabilização do novo regime marxista de Luanda,
tropas formadas por congoleses dissidentes, apoiados por forças cubanas,
penetraram na província de Shaba (ex-Katanga), no vizinho Zaire, e
tomaram a cidade de Kolwezi, rica em minérios e estratégica para vários
países ocidentais.
A operação, que somente fracassou devido à intervenção de forças
francesas, demonstrou que a presença de assessores soviéticos e
militares cubanos em Angola também visava a transformar o país em base
estratégica para as aventuras expansionistas de Moscou no continente.
Além da invasão do Zaire, também foi de solo angolano que partiram os 15
mil soldados cubanos que apoiaram o novo governo marxista etíope em
1978. (Ogaden em luta. A Somália invade a Etiópia. Ed. RGE, p. 976)
Para a mídia, entretanto, o problema continuava sendo unicamente a África
do Sul, que a partir de 1978, em represália aos ataques de guerrilheiros da
SWAPO (Organização do Povo do Sudoeste Africano), grupo financiado por
Moscou, passou a desencadear surtidas freqüentes contra as instalações
dessa organização no sul de Angola, e a apoiar de forma mais ativa os
guerrilheiros da UNITA.
Dessa forma, todas as vezes que os sul-africanos reagiam retaliando ou
antecipando as ações da SWAPO, atacando suas bases em território
angolano, a mídia os transformava em meros "agressores" e
"patrocinadores da desestabilização do governo angolano". Quando em
1981 os sul-africanos destruíram a principal base da SWAPO em solo
angolano, capturando 4 mil toneladas de armas e munições, avaliadas em
US$ 200 milhões, além de inúmeros documentos que comprovavam o
apoio soviético e cubano aos terroristas, a mídia internacional informava
que "campos de refugiados" haviam sido o alvo dos ataques sul-africanos.
Nem mesmo quando os sul-africanos apresentaram um militar russo
capturado (outros quatro foram mortos durante a operação) e o imenso
arsenal apreendido, suas alegações foram consideradas procedentes.
(Death in Desert: The Namibian Tragedy. 1989)
O fato de o governo sul-africano ser adepto do regime de segregação racial
facilitou em muito o trabalho da mídia pró-comunista. Assim, enquanto a
imprensa internacional cobria os conflitos de rua que se tornaram comuns
na África do Sul a partir de 1985, em protesto contra o Aparthaid, os
soviéticos enviavam novas e poderosas armas para Angola incluindo
caças MiG-23, helicópteros Mi-24/25, e tanques T-62. (Anuário Militar 1987,
Ed. Globo, p.66)
As batalhas travadas entre agosto de 1987 e fevereiro de 1988 (as mais
violentas de todo o conflito), demonstraram claramente a intensidade do
intervencionismo soviético-cubano em Angola, pois além de um imenso
arsenal de armas russas apreendidas, os guerrilheiros da UNITA
capturaram vários pilotos cubanos, após seus caças terem sido abatidos
durante os combates. Se durante a guerra do Vietnã os pilotos
norte-americanos eram exibidos como troféus dos comunistas pela mídia
(inclusive a norte-americana), como atestados das "agressões contra o
povo vietnamita", em Angola nada parecido ocorreu, e os militares cubanos
capturados foram devidamente ignorados pela imprensa internacional.
(Cuito Cuanavale: Veil lifted at last" 1989, p. 14; Jornal O Estado de S. Paulo,
edições dos dias 12,13 e 14 de novembro 1987. A esse respeito, o
ex-embaixador J. O. de Meira Penna, visitou Angola poucos meses depois
dos combates, e esteve no QG da UNITA na aldeia de Jamba. Lá ele pode
verificar pessoalmente muitas das armas soviéticas capturadas pela
guerrilha, incluindo tanques e artilharia, atestando o vulto da derrota do
MPLA).
Quanto ao real significado do fracasso comunista em Angola, onde nem a
presença de um exército mercenário cubano, supervisionado por milhares
de assessores soviéticos, alemães-orientais e norte-coreanos, a um custo
financeiro exorbitante, permitia ao MPLA vencer a luta, nem uma palavra na
mídia.
Na ocasião em que os cubanos e soviéticos fecharam um acordo em
separado com a liderança da UNITA, durante uma reunião em Lisboa em
agosto de 1988, onde ficou combinado que a guerrilha não atacaria mais
seus soldados, (Jornal Sunday Star, outubro 1988), demonstrando a
incapacidade comunista de derrotar os rebeldes, a grande mídia manteve
silêncio, salvando as aparências para Havana e Moscou.
E finalmente quando em 1991 os últimos soldados cubanos saíram de
Angola, sem ter conseguido derrotar a guerrilha de Jonas Savimbi, a mídia
acompanhou a retirada como se os cubanos estivessem retornando de
uma excursão, e não de uma fracassada aventura militar que representou
um duro golpe nas ambições de Fidel Castro.
As exceções existiram, é verdade. O jornal O Estado de S. Paulo, por
exemplo, deu razoável cobertura aos acontecimentos, mas em grande
parte reproduzindo as noticias das agências internacionais, o que era
pouco. E restaram algumas perguntas: por que motivos a mídia escondeu
ou minimizou a ação comunista em Angola? Talvez para não ter de utilizar
os mesmos critérios de julgamento que havia empregado contra os EUA na
guerra do Vietnã, o que revelaria a imensa hipocrisia com que o conflito
fora tratado? E por que a intensa propaganda contra a guerrilha angolana,
que prosseguiu até o recente assassinato de seu líder, Jonas Savimbi,
apontado pela mídia, durante anos, como um "mercenário, agente da CIA,
traficante de diamantes, aliado de negociantes de armas", mas que morreu
no meio do mato, ao lado de uns poucos seguidores, em Angola?
Autodeterminação e nacionalismo só são válidos sob a bandeira da foice e
do martelo, e se contarem com suporte de "internacionalistas" cubanos ou
patrocínio soviético, como era o caso do MPLA ou dos comunistas durante
a guerra do Vietnã?
O fato é que, após décadas de conflito, e de todo o desperdício de recursos
e vidas, apenas escombros restaram em Angola, ainda nas mãos do
mesmo governo que loteou o país entre empresas de petróleo, interesses
internacionais (inclusive PETROBRÁS e empreiteiros brasileiros),
fornecedores de armas e empresas mineradoras. E novamente, a mídia
não teve muito interesse em informar que, por trás da "nobre defesa do
socialismo", estavam envolvidos interesses bem menos altruístas. Só para
variar...