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A Noviclínica 

Psicocaca 

MÍDIA SEM MÁSCARA, 18 DE SETEMBRO DE 2002 

Noviclínica: a reforma psiquiátrica que é feita pelos loucos 

Humberto Campolina* (convidado) 


("A  mentira  é  a  maior  força  enlouquecedora  do  universo."  Olavo  de 
Carvalho) 

Em  nota  introdutória  ao  X  Congresso  Mineiro  de  Psiquiatria,  a 


presidente  da  Associação  Mineira  de  Psiquiatria  (AMP),  Gilda  Paolielo, 
escreve  que  "a  saúde  mental  circula  no  cotidiano  das  cidades,  se 
manifesta  nas  artes,  na  política  e  na  cultura.  O  Psiquiatra  deve  tomar 
posição  em  relação  às  questões  sociais  e  políticas  da  saúde  mental, 
deve  responder  ao  mal  estar  da  cultura,  cada  vez  mais  avassalador  no 
mundo  globalizado".  Não  sei  se  os  meus  colegas  psiquiatras  se 
interessam  pelos  conselhos  da  sra.  Paolielo,  ou  se  estão  dispostos  a 
"circular  no  cotidiano  das  cidades"  empunhando  a  bandeira  da 
psiquiatria  (ou  da  "saúde  mental",  que  ninguém  sabe  exatamente  em 
que  consiste).  O  que  sei  e  vejo  no  cotidiano  desta  cidade  é  o  aumento 
de  doentes  mentais  pobres  (os  ricos  estão  nas  clínicas  particulares) 
perambulando  sujos,  desnutridos  e  desassistido  pelas  ruas,  praças  e 
viadutos,  o  que  qualquer  cidadão  pode  constatar  facilmente  num 
simples circular pela cidade. 

Sei  também  que  os  familiares  desses  pacientes  estão  revoltados.  Não 
da  maneira  que  Paolielo  cita  mais  adiante  na  referida  nota introdutória, 
"com  as  condições  de  atendimento  do  doente",  mas  justamente  com  a 
falta  de  atendimento  decorrente  da  implantação  da  "reforma 
psiquiátrica"  à  revelia  da  comunidade  psiquiátrica  mais  esclarecida  e 
dos  principais  interessados,  os  doentes  mentais.  Pelo  menos  é  o  que 
diz  o  presidente  da  Associação  de  Familiares  e  Amigos  dos  Pacientes 
Psiquiátricos  (Afapp),  sr.  Gutemberg  Caldeira,  em  reportagem  do  jornal 
O  Tempo:  "A  idéia  da  prefeitura  é  implantar  um  modelo  diferente,  mas 
que  não  está  dando  certo.  Quando  levo  meu  irmão  [esquizofrênico]  ao 
Galba  Veloso  ele  é  medicado  e  os  médicos  o  mandam  de  volta  para 
casa.  (...)  Ele  sai  e  ameaça  se  suicidar"  (O  Tempo,  24/07).  Na  mesma 
reportagem,  o  jornal  faz  uma  enquete  sobre  a  desativação  de  leitos 
psiquiátricos  levada  a  cabo  pela  prefeitura  em  BH  (1640  nos  últimos 
anos!).  O  resultado  é  letra  para  quem  sabe  ler:  85%  votaram  contra  (a 
desativação).  Esse  não  deve  ter  sido  o  voto  da  sra.  Cláudia  Pequeno, 
coordenadora  de  saúde  mental  da  PBH,  que  declarou  ao  repórter: 
"Queremos  um  jeito  diferente  de  tratar  os  diferentes"...  Porventura 
alguém já notou que quase sempre há algo angelical na ignorância? 

Pequeno  (talvez  por  não  ser  psiquiatra,  mas  enfermeira) parece ignorar 


que  uma  das  causas  que  justifica  in  limine  a  internação  é  o  risco  de 
suicídio;  parece  igualmente  não  ter consciência de que essas reformas, 
na  verdade  antipsiquiátricas,  foram  implantadas  em países ricos (Itália, 
Inglaterra,  EUA,  Canadá;  na  Alemanha,  o  Basaglia  deles  lá, tal de Huber, 
foi  para  a  cadeia  onde  passou  quatro  longos  anos...),  nos  anos  60/70, 
com  resultados  no  mínimo  decepcionantes;  e,  finalmente,  Pequeno 
parece  nunca  ter  lido  psiquiatras  brasileiros  eminentes  como  Valentim 
Gentil  Filho  e  Carol  Sonnenheich  que  de  um  modo  ou  de  outro  se 
manifestaram  contra  a  Lei  Delgado.  Valentim  e  Sonnenheich 
escreveram ensaios didáticos e definitivos sobre reformas psiquiátricas 
na  revista  da  USP  e  no  Jornal  Brasileiro  de  Psiquiatria  (1) 
respectivamente;  Sonnenheich  deu  uma  entrevista  ao pasquim da AMP, 
"O  Risco",  em  que  abordou  o  assunto  de  forma  clara  e  insofismável  (o 
editor  tentou  "esconder"  a  entrevista,  puxando  para  destaque  frases 
insossas do ilustre psiquiatra...). 

No  último  Jornal  Mineiro  Psiquiatria,  abordei  a  questão  de  a  AMP  ter 
cunhado  a  expressão  "Nova  Clínica"  e  feito  dela  o  leitmotiv  do 
congresso  psiquiátrico  de  agosto/  2002.  Alcunhei  esse  ente  exótico de 
Noviclínica,  inspirado  na  Novilíngua,  linguagem  produzida  pelo  Big 
Brother  orwelliano  com  o  fito  de  amansar  consciências  individuais  que 
se  aventurassem  contra  o  pensamento  monolítico  do  coletivismo 
burocrático  reinante  (qualquer  semelhança...).  Mas  o  que  vem  a  ser 
afinal a Noviclínica? 

A  Noviclínica  desenvolveu-se  a  partir  de  três  equívocos  básicos.  O 


primeiro  diz  respeito  à  Ciência  que,  segundo  os  noviclínicos,  não  é  boa 
parceira  para  a  Psiquiatria  pois  "forclui"  (leia-se  "elide")  o  sujeito.  Ipso 
facto,  a  Psiquiatria  transcenderia  o  saber  médico  "objetivante"  (leia-se: 
deve  ser  suplementada  ou  substituída  pelo  lacanismo  que  possui  o 
monopólio  da  "escuta"  do  sujeito).  Apesar do novidadeiro e pretensioso 
rococó  lacaniano,  trata-se  do  velho  problema  da  singularidade  vs. 
universalidade  nas  ciências,  questão  essa  debatida há mais de dois mil 
anos,  desde  a  Grécia  Antiga.  Qualquer  principiante  no  estudo  de 
Epistemologia  sabe  que  todo  conhecimento  sistematizado  (inclusive  a 
psicanálise)  sempre  será  universal.  A  pessoa,  não:  esta  é  singular.  A 
arte  do  profissional,  seja  psiquiatra,  psicanalista  ou  psicólogo,  é 
harmonizar  essas  duas  dimensões  no  trabalho  clínico.  Simples  assim 
(o que não significa que seja fácil). 

O  segundo  equívoco  da  Noviclínica  é  que  a  internação  psiquiátrica não 


tem  objetivos  terapêuticos. Esse equipamento da terapêutica seria uma 
espécie  de  encarnação  do  Mal  Absoluto. Isso torna compreensível a ira 
inquisitória  que  os  noviclínicos  devotam  aos  hospitais  psiquiátricos. 
Contudo,  a  idéia  de  que  a  internação  psiquiátrica  é  intrinsecamente 
ruinosa  é  tão  falsa  como  nota  de  três  dólares.  Há  dados  empíricos, 
verificáveis,  que  jogam  por  terra  essa  teoria,  a  saber:  a)  se  o  mau 
hospital  é  danoso  para  o  doente,  o  bom  hospital,  ao  contrário,  lhe  é 
indubitavelmente  benéfico;  b)  certos  pacientes  deterioram  igualmente 
estando  no  hospital,  no  ambulatório  ou  em  casa,  seja  no  Brasil,  na 
Nigéria  ou  na  Suíça;  c)  existem  certas  famílias  denominadas  "de 
expressão  emocional  intensa"  que  promovem  recaída  se  permanecem 
em  contato  com  o  paciente  por  tempo  prolongado,  o  que  obriga  o 
psiquiatra  a  interná-lo  (2).  Portanto,  achar  que  toda  internação 
psiquiátrica  é  nociva  porque  alguns  hospitais  usaram  mal  a 
prerrogativa  de  internar  é  o mesmo que proibir qualquer cirurgia porque 
um paciente morreu em mãos de cirurgião incompetente. 

O  terceiro  equívoco  em  torno  do  qual  se  agitam  os noviclínicos é o que 


considera  a  Noviclinica  uma  clínica  em  si  mesma,  ou  seja,  um  novo 
paradigma  psiquiátrico.  Evidentemente  não  existe  nenhuma  prova  ou 
demonstração  de  que  isso  seja  verdade;  há, sim, farta evidência de que 
essa  "clínica"  consista  tão-somente  em  ideologia  substituindo  fatos  e 
crença  imune  à  realidade.  Tal  equívoco  encoraja  a  pretensão 
voluntarista  de  fazer  uma  reforma  psiquiátrica  onde  caberia  somente 
uma  reforma  da  assistência  psiquiátrica.  A  confusão  entre  essas  duas 
expressões  no  início  me  fez pensar de que se tratava de ato falho. Mas, 
com  o  tempo,  fui  me  convencendo  da  realidade:  os  noviclínicos 
estavam  mesmo  querendo  fazer  uma  reforma  psiquiátrica  -  por 
decreto!  Perversão  ou  desinformação?  Para  essa  pergunta  não  tenho 
resposta  definitiva.  Talvez  cada  noviclínico  esteja  em  um  ponto 
diferente  do  espectro  entre  os  dois  pólos.  O  que  me  parece  líquido  e 
certo,  e  todos  os  bons  médicos  sabem  disso,  é  que  uma  ciência 
(alguém  ainda  duvida  que a Psiquiatria é uma ciência?) não se reforma: 
ela  evolui,  gradualmente  ou  não,  através  de  descobertas  científicas.  E 
não  parece ser exatamente uma descoberta científica o pensamento de 
Baságlia  datado  de  40  anos,  enxertado  pelo  lacanismo  tão  ou  mais 
anacrônico. 

Resta-me  concluir,  pelo  exposto,  que  a  Noviclínica  é  um  mito  que, 


levado  na  prática  a  ferro  e  fogo,  induz  a  uma  política  de  redução 
irresponsável  de  leitos  psiquiátrico  e  uso  inadequado  do  equipamento 
hospital-dia  (vulgo  CERSAM)  para  tratar  pacientes  cuja  indicação  é  de 
internação  integral;  acoberta  e  estimula  o  desmonte  da  estrutura  de 
assistência  psiquiátrica  existente  (carente  de  reforma,  é  bom  que  se 
diga  em  alto  e  bom  som)  em  troca  de  uma quimera que despeja na rua 
doentes  crônicos  graves,  pobres  e  abandonados  pelas  famílias;  e,  last 
not  least,  entorpece  pela  manipulação  sistemática  a  consciência  de 
toda  uma  geração  de  jovens  profissionais.  Não  é  pouco.  No  país  da 
impunidade  possivelmente  ninguém  além  da  população  humilde  vai 
pagar essa conta. 

PS:  A  respeito  do  apreço  que  a  sra.  Gilda  Paolielo  tem  pela  frase  onde 
Heráclito  diz  que  só  a  mudança  não  muda,  descobri  uma  segunda 
entidade também avessa a mudanças: a própria AMP... 

(1)  De  Valentim,  "Uma  leitura  anotada  do  projeto  brasileiro  de  reforma 
psiquiátrica",  Revista  USP  nº  43.  Ver  também  entrevista  do  mesmo 
autor ao Jornal Mineiro de Psiquiatria nº 12. 

De  Sonnenheich  ver  o  artigo  "Desospitalização"  no  Jornal  Brasileiro  de 


Psiquiatria, vol. 44(4): 159-167, 1995. 

(2) Sonnenheich op. cit. 

*  O  autor  é  psiquiatra  e  editor  do  Jornal  Mineiro  de  Psiquiatria. 


hcampoli@uol.com.br 
   

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