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DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any

E DIÇÃO 963 I 28 DE NOVEMBRO DE 2016

Diretor de Redação: João Gabriel de Lima epocadir@edglobo.com.br


Editor-Chefe: Diego Escosteguy

PRIMEIRO PLANO Geddel Vieira Lima, o ministro


que desafiou a opinião pública . . . . . . . . . . 46
Diretor de Arte Multiplataforma: Alexandre Lucas
Editores Executivos: Alexandre Mansur, Guilherme Evelin,
Leandro Loyola, Marcos Coronato
Editores-Colunistas: Bruno Astuto, Murilo Ramos
16
DA REDAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Marcelo Calero, uma vitória
Editores: Aline Ribeiro, Bruno Ferrari, Flávia Tavares, Flávia Yuri Oshima,
Liuca Yonaha, Marcela Buscato, Marcelo Moura
50 Editores Assistentes: Isabela Kiesel, Bruno Calixto
23 da transparência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Repórter Especial: Cristiane Segatto
PERSONAGEM DA SEMANA . . . . . . . . . . Colunistas: Eugênio Bucci, Guilherme Fiuza, Gustavo Cerbasi, Helio Gurovitz,
José Ivo Sartori, o governador Por que a população precisa olhar
Ivan Martins, Jairo Bouer, Marcio Atalla, Ruth de Aquino, Walcyr Carrasco
Repórteres: Daniel Haidar, Gabriela Varella, Luís Lima,
de um estado falido o projeto da anistia do Congresso . . . . . . . . 52 Nina Finco, Paula Soprana, Rafael Ciscati, Rodrigo Capelo,
Ruan de Sousa Gabriel, Teresa Perosa
26 Vídeo: Pedro Schimidt; Web Designer: Giovana Tarakdjian;
A SEMANA EM NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . . ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Consultora de Marketing: Cássia Christe
Estagiários: Amanda Geroldo, Beatriz Morrone, Bruna de Alencar,
28 Rodrigo Janot, procurador-geral da República Gabriela Navalon, Helena Fonseca, Zé Enrico Teixeira
A SEMANA EM FRASES . . . . . . . . . . . . . . . SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: epocasuc_rj@edglobo.com.br
Praça Floriano, 19 – 8o andar – Centro – CEP 20031-050
30 CENAS BRASILEIRAS Editor: Sérgio Garcia; Repórteres: Acyr Méra Júnior, Guilherme Scarpa,
EXPRESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O colapso do Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . 62
Marcelo Bortoloti;
Repórteres Especiais: Hudson Corrêa, Samantha Lima; Repórter: Nonato Viegas
Gastos com reforma do Palácio da Estagiária: Gisele Barros
l BRASÍLIA: epocasuc_bsb@edglobo.com.br
Alvorada para receber a família Temer CONTAS A PAGAR SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 – Salas 701/716 – Asa Sul
são classificados como “reservados” O colapso do Rio Grande do Sul . . . . . . . . . . 68 Diretor: Luiz Alberto Weber;
Repórteres: Alana Rizzo, Ana Clara Costa, Bruno Boghossian, Filipe Coutinho,
Ricardo Coletta, Talita Fernandes
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EUGENIO BUCCI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As lições dos estados falidos . . . . . . . . . . . . 76
FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento; Assistente: Sidinei Lopes
DESIGN E INFOGRAFIA l Editor: Daniel Pastori;
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80
36 ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Estagiários: Felipe Rocha, Fernanda Ferrari
SUA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Giovani Feltes, o secretário
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REVISÃO l Coordenadora:AracidosReisGalvãodeFrança; Revisores: Alice Rejaili Augusto,
40 da Fazenda do Rio Grande do Sul Elizabeth Tasiro, Silvana Marli de Souza Fernandes, Verginia Helena Costa Rodrigues
NOSSA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CARTAS À REDAÇÃO l epoca@edglobo.com.br;
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Automação Editorial: Ewerton Paes, Ronaldo Nascimento; Opec On-Line: Rodrigo
84 Santana Oliveira, Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes, Rodrigo Pecoschi, Thiago Previero
42 CONTAS A PAGAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
TEATRO DA POLÍTICA . . . . . . . . . . . . . . . . Os obstáculos para a reforma gaúcha MERCADO ANUNCIANTE l Segmentos – Financeiro, Imobiliário, TI, Comércio e Varejo l Diretor
O embate entre o velho e o novo de negócios multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de negócios multiplataforma:

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Ciro Hashimoto; Executivos multiplataforma: Cristiane Paggi, Selma Pina, Milton Luiz Abrantes,
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HELIO GUROVITZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . l Diretor de negócios multiplataforma: Cesar Bergamo; Executivas multiplataforma: Adriana
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O risco adolescente de idealizar o passado Mazerino Sobral; Segmentos – Casa, Construção, Alimentos e Bebidas, Higiene Doméstica e
Saúde l Diretora de negócios multiplataforma: Luciana Menezes; Executivos multipla taforma:
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Serviços Públicos e Sociais, Agro e Indústria l Diretor de negócios multiplataforma: Renato
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VIDA
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O filme A chegada mostra como a linguagem multiplataforma: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos multiplataforma: Daniela Nunes,
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As cartas devem ser encaminhadas com assinatura, endereço e telefone do remetente. ÉPOCA reserva-se o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação.
Só podem ser incluídas na edição da mesma semana as cartas que chegarem à Redação até as 12 horas da quarta-feira.

10 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


A gastança
que gera violência
A s contas públicas se assemelham a um sistema hidráu-
lico. De um lado, um cano enche a caixa-d’água – os
impostos. De outro, saem os tubos que abastecem os diver-
O espírito de gastança dos anos da ditadura militar foi
retomado durante o governo de Dilma Rousseff (de quem,
ironicamente, Guido Mantega era ministro da Fazenda).
sos chuveiros da casa – o orçamento. A imagem era usada Tornou-se comum, entre os estudiosos do tema, o paralelo
por Guido Mantega quando trabalhava como assessor pes- entre Dilma e Ernesto Geisel, o general que quebrou o país
soal do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva e dava ao aumentar subsídios quando o Brasil ainda se ressentia da
aulas de economia ao futuro presidente. Lula foi eleito e, crise do petróleo. Hoje, como naquela época, temos de en-
em seus discursos, se notabilizou por usar comparações frentar um momento sofrido de ajuste fiscal. O lado bom é
domésticas para explicar temas com- que nos demos conta de algo que só
plicados a seus eleitores. não era obviedade no Brasil: a água
O orçamento público é, claro, da caixa não é infinita. Na semana
muito mais complexo que o sistema passada, o ministro da Fazenda, Hen-
de tubos e conexões de uma casa. A rique Meirelles, começou a costurar
essência, no entanto, é a mesma da com os governadores estaduais um
comparação de Guido Mantega. Se acordo sobre corte de gastos.
a caixa-d’água está vazia, não é pos- Começaram reações de todos os
sível tomar banho. Se não há dinhei- lados – de funcionários com salários
ro no orçamento, o governo não atrasados a aposentados que temem
consegue cuidar da saúde e da edu- perder suas pensões. Tais reações são
cação nem tocar programas sociais. compreensíveis e normais numa de-
Também faltarão recursos para pagar mocracia, e ainda mais num país
funcionários públicos, incluindo os onde a classe política enfrenta acu-
policiais. Daí decorre a tragédia de sações graves de corrupção. Cada vez
Porto Alegre, tema de reportagem CAUSA E EFEITO mais, no entanto, os brasileiros per-
Os brigadianos de Porto Alegre.
especial nesta edição. Sem policiais Eles não recebem salário, cebem quanto a questão fiscal inter-
militares nas ruas – brigadianos, no e a criminalidade sobe fere em seu dia a dia. O desajuste nas
vocabulário do Rio Grande do Sul –, contas está na raiz, por exemplo, do
a criminalidade da cidade explodiu. desemprego. Nas últimas eleições,
Porto Alegre é hoje a capital mais violenta entre os estados muitos dos que perderam seus trabalhos devido à crise
do Sul e do Sudeste do país. econômica saíram em busca de candidatos que prometiam
Formou-se no Brasil uma cultura maligna segundo a rigor com o dinheiro público. É necessário fechar as tor-
qual, em vez de caixa-d’água, temos no orçamento uma neiras para que a caixa-d’água volte a ficar cheia. Ou, indo
fonte de jorro infinito. Governos se acostumaram a gastar da comparação para a realidade: é necessário que os estados
o que não tinham e jogar a conta para as gerações seguin- recuperem sua saúde financeira para que os policiais voltem
tes, via endividamento, ou para os brasileiros mais pobres, a receber salário – e a tranquilidade volte às ruas.
via inflação. No mundo globalizado, onde se tomam deci-
sões em cima de dados objetivos da economia dos países,
isso deixou de ser possível. Sem economia equilibrada não
há investimento. Sem investimento não há empregos nem
imposto. Sem impostos – o cano que leva a água para a
caixa – não é possível sustentar sistemas de saúde, educação
ou combate à pobreza. Nem pagar os policiais que impedem João Gabriel de Lima
que a criminalidade se alastre por nossas metrópoles. Diretor de Redação

16 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Foto: Ronaldo Bernardi/Agência/RBS/Folhapress


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PRIMEIRO
PLANO JOSÉ IVO SARTORI

O BOM EXEMPLO
DA HISTÓRIA
O governador do Rio
Grande do Sul, como outros
políticos de sua geração, é
personagem acidental de um
momento que pode mudar
o Brasil para sempre

Foto: Letícia Moreira/Ed. Globo 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 23


PE R SO NAG E M DA S E MANA

D
Marcos Coronato
o governador José Ivo Sartori, do Rio Grande
do Sul, não se pode dizer que seja um radical
ou alguém extremamente apegado a uma fór-
mula para governar. Sua trajetória política
cobriu todo um lado do espectro ideológico
no Brasil: militou no movimento estudantil e no antigo
Partido Comunista Brasileiro, entrou no MDB, oposição
autorizada pela ditadura militar, e assim deslizou para este
imenso vácuo de ideias e convicções que se chama PMDB.
Por esse partido se elegeu prefeito de Caxias do Sul, em 2004,
e governador do Rio Grande do Sul, em 2014. Pode-se dizer
que ele tem uma trajetória da esquerda para o centro (na
interpretação generosa de que a falta de posições do PMDB
configure um centro). Surpreende positivamente que ele INSPIRAÇÃO
tenha, na semana passada, ilustrado suas intenções com Ivo Sartori com Michel
uma referência à liberal Margaret Thatcher, primeira-mi- Temer em Brasília,
em 2016, e Margaret
nistra do Reino Unido de 1979 a 1990, uma política das Thatcher no Parlamento
mais convictas e aguerridas que já se viu. britânico, em 1979. Ela se
Sartori anunciava, no Palácio do Piratini, sede do governo tornou referência para
gaúcho, um conjunto de medidas econômicas e financeiras. quem precisa lembrar
que o Estado apenas
Elas criam a possibilidade de as contas públicas do Rio Gran- administra o dinheiro
de do Sul se colocarem numa trajetória saudável, no futuro. em nome do cidadão
“Não causamos essa situação, mas precisamos enfrentá-la
com ações e medidas concretas, inclusive com sacrifício de
todos. Mas não basta um ato ou conjunto de medidas”, dis-
se.“Essas políticas precisam continuar. Não será um homem
só, um governo só, ou uma equipe só que fará isso.” Ao en-
cerrar o discurso, mencionou a governante britânica. “Não
concordo com todas as ideias de Thatcher, mas ela estava
certa quando disse que ‘não existe dinheiro público, mas sim
dinheiro dos pagadores de impostos e das famílias’.”
Pode-se amar ou odiar Thatcher, a depender de onde
cada um se situa no espectro político, mas nunca faltaram
a ela clareza e convicção, materiais tradicionalmente es-
cassos entre os líderes brasileiros e absolutamente neces-
sários para que o país encontre o rumo para fora da crise.
A primeira-ministra assumiu o governo num momento
em que os gastos cresciam mais rapidamente que a eco-
nomia e fez um ajuste radical. A dívida pública e a inflação
caíram como ela previa. O desemprego cresceu num pri-
meiro momento, problema compensado mais tarde com
a criação de novos negócios, e pode-se criticá-la por isso.
Mas, se você é de esquerda, deveria adorar a possibilidade
de ter uma oponente como ela, que fazia o que dizia, dizia
o que pensava e pensava alguma coisa.
Para sermos justos com Sartori, ele já havia apoiado
iniciativas de enxugamento estatal defendidas por gover-
nadores anteriores, como seu correligionário Antônio Brit-
to (que ocupou o cargo de 1995 a 1999) e a tucana Yeda
Crusius (que governou de 2007 a 2011). Nada do que seus

24 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Fotos: Beto Barata/PR e Owen Franken/Corbis via Getty Images
José Ivo Sartori

antecessores fizeram, porém, iguala-se ao impacto do que


propõe Sartori – reformar a Previdência estatal, extinguir
órgãos governamentais, privatizar estatais e demitir fun-
cionários públicos (leia mais a respeito a partir da página
84). Ao mesmo tempo, aceitar limites definidos pelo gover-
no federal ou impor limites estaduais que coibirão aumen-
tos salariais e concessão de benefícios ao funcionalismo,
assim como novas contratações.
Pela ousadia de se submeter à matemática, ele já começou
a colher as reações costumeiras diante de iniciativas desse
tipo, num país em que o debate público ainda é muito po-
bre. O apoio ocorre de jeito comedido e um tanto cético
dentro daquela parcela pequena da população que faz con-
tas, entende os limites do Estado, acha necessário fazer pla-
nejamento de longo prazo e já viu boas iniciativas de go-
verno sufocadas nos labirintos da política. A oposição, ao
contrário, espalha-se como um incêndio, numa onda de
pânico que envolve grandes grupos. Entre eles misturam-se
má-fé, apego a boquinhas públicas, ignorância quanto à
realidade aritmética das contas do governo, visão de curto
prazo e uma indignação ideológica antiquada, que espera
do Estado muito mais do que ele pode oferecer. O apoio é
discreto e a oposição é barulhenta. Sartori vem levando vaias
de manifestantes que se aglomeram diante do Palácio do
Piratini. Antes disso, ele já vinha parcelando os salários de
funcionários públicos, que em setembro o receberam aos
gritos de “caloteiro!” numa feira agropecuária em Esteio, na
região metropolitana de Porto Alegre.
Sartori era o candidato improvável nas eleições de 2014.
Nas primeiras pesquisas eleitorais, aparecia com apenas 7%
nas intenções de voto. Os favoritos eram Ana Amélia, do

Pode-se odiar PP, e Tarso Genro, do PT. Na reta final do primeiro turno,
conseguiu emplacar a imagem de homem do povo e via

Thatcher, mas
alternativa aos políticos tradicionais. Ganhou o apelido de
“gringo”, dado aos descendentes de italianos da Serra Gaú-
cha. As pesquisas feitas na véspera do pleito mostravam

ela tinha clareza que Sartori havia ganhado mais de 20% das intenções de
voto em apenas dois dias. No segundo turno, com apoio

e convicção,
da maioria dos partidos derrotados no primeiro turno,
manteve-se à frente de Tarso. Foi eleito com 61% dos votos.
O governador faz parte de uma geração muito especial de

essenciais no políticos – todos os que ocupam posições de poder hoje. São


especiais não porque demonstrem mais capacidade, ética ou

enfrentamento
dedicação que os políticos em geral no Brasil. Mas porque
desabou sobre a cabeça deles o resultado de décadas de ir-
responsabilidade com as contas públicas. Caberá a eles ten-

da crise atual tar reagir. Daqui a décadas, historiadores olharão para trás,
para este período em que o país atravessou a recessão mais
severa de todos os tempos, e saberão quais desses políticos
fizeram o que era preciso. Sartori talvez seja incluído nesse
grupo, se tiver brio para continuar a suportar as vaias. u

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 25


NOVEMBRO I 2016

Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom


QUE RESUMEM A SEMANA 21 22 23 24 25 26 27

Garotinho solto
O plenário do Tribunal Superior
Eleitoral revogou na quinta-feira,
dia 24, a prisão do ex-governador do
Rio de Janeiro Anthony Garotinho,
depois do pagamento de uma
fiança de R$ 88 mil. Ele cumpria
prisão domiciliar após decisão da
ministra Luciana Lóssio, na semana
passada. Garotinho é acusado
de comprar votos com dinheiro
público na eleição municipal
em Campos, Rio de Janeiro.

Neonazistas pró-Trump
Em um evento em Washington na semana passada,
supremacistas brancos fizeram saudações nazistas
para celebrar a vitória de Donald Trump nas eleições
presidenciais. Richard Spencer, responsável pela
reunião, iniciou seu discurso com um “Heil Trump!”, EXPURGO BB mais enxuto
expressão usada na Alemanha nas décadas de 1930 O governo da O Banco do Brasil anunciou
e 1940 para saudar Adolf Hitler. Trump repudiou o Turquia anunciou no domingo, dia 20, um plano
ato. Na quarta-feira, dia 23, sua equipe de transição na terça-feira, dia de corte de despesas. Vai fechar
anunciou a republicana Nikki Haley, governadora 22, a exoneração 781 agências, cerca de 14% do
da Carolina do Sul, como nova embaixadora do de mais total. Foi anunciado também
país nas Nações Unidas. Haley é a primeira mulher um plano de incentivo a
indicada por Trump para um cargo do alto escalão. aposentadorias, para reduzir em
10 mil o número de funcionários.
O banco espera economizar R$
Pedala, Neymar 750 milhões com o corte, que
acontecerá ao longo de 2017.
Na quarta-feira, dia 23, o
Ministério Público espanhol
pediu dois anos de prisão para
o atacante Neymar, acusado
de fraude nos impostos
referentes à transferência funcionários
do Santos para o Barcelona, públicos,
em 2013. Além da prisão, a acusados de
ligação com
promotoria ainda pede que a tentativa
o craque pague uma multa frustrada de
de y 10 milhões, mais de golpe militar
R$ 35 milhões. Neymar em julho.
pode recorrer da decisão.
SEM PAZ No Iraque, um homem descansa em um acampamento em Khazar depois de conseguir escapar de
Mossul, na quarta-feira, dia 23. A cidade, dominada pelo Estado Islâmico, é o atual palco de uma violenta disputa entre
o Exército iraquiano e o grupo terrorista.

Menos mortes entre crianças


De acordo com dados divulgados pelo IBGE na quinta-feira, dia 24, a mortalidade
de crianças menores de 1 ano no Brasil atingiu seu menor nível em 41 anos –
desde o início da série histórica em 1974. O índice de mortalidade infantil é um
importante indicador a respeito do desenvolvimento social de um país.
Número de óbitos no Brasil

220.267
155.818
83.177
Ligações perigosas 39.921
A Polícia Civil de São Paulo prendeu 31.160
na terça-feira, dia 22, 35 pessoas,
a maioria advogados, suspeitas de
trabalhar para a facção criminosa 1974 1984 1994 2005 2015
que domina os presídios do estado.
% de óbitos de menores de 1 ano ante todos os óbitos do país
Entre os presos está Luiz Carlos dos
Santos, vice-presidente do Conselho
Estadual de Defesa dos Direitos
de Pessoa Humana de São Paulo,
acusado de receber salário para
passar informações aos bandidos. Fonte: IBGE

Fotos: Reprodução,Ricardo Borges/Folhapress, Mohammed Salem/ 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 27


Reuters, Tom Vieira Freitas / Fotoarena / Agência O Globo, Bruno
Santos/Folhapress e Manuel Queimadelos Alonso/Getty Images
QUE RESUMEM A SEMANA

“Escrevi para
uma advogada
feminista
e para Hillary
Clinton,
então
primeira-
dama”
Meghan Markle,
atriz e namorada do príncipe
Harry da Inglaterra,
sobre como, aos 11 anos,
conseguiu mudar
um comercial
machista na televisão

28 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Fotos: George Pimentel/Getty Images,


Pedro Ladeira/Folhapress e agência senado
“Me pareceu tão “Precisa dar piti?” “Venho pedir bom-
absurdo o ministro Jovair Arantes (PTB-GO), deputado, contrário a
Calero divulgar a discussão que teve com Geddel
senso, equilíbrio aos
ligar determinando senhores... Votem
que eu liberasse um “Lave a boca com soda pensando no Brasil,
empreendimento cáustica para falar com patriotismo”
no qual ele tinha do ministro Geddel”
Onyx Lorenzoni (DEM-RS), deputado relator do
pacote anticorrupção, que tirou do texto brechas
um imóvel” Wladimir Costa (SD-PA), deputado, quando seu para anistiar crimes de caixa dois. Foi vaiado

Marcelo Calero, ministro da Cultura, ao pedir colega Paulão (PT-AL) pediu investigação de Geddel
demissão. Ele acusou o colega Geddel Vieira
Lima de pressioná-lo a liberar a construção do “A possibilidade de
edifício La Vue, de 30 andares, em uma área de “Vocês percebem que não se criminalizar o
valor histórico na Bahia. O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico (Iphan), subordinado ao não dão destaque caixa dois no passado
Ministério da Cultura, permite 13 andares
ao apartamento do não significa anistia”
Geddel como deram Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente
“Deixar cargo por isso, ao meu tríplex” do Senado, simpático à inclusão, no pacote
anticorrupção, de uma emenda para impedir
pelo amor de Deus” Lula, ex-presidente, em aparente punição a casos anteriores de caixa dois
Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de ato falho. Antes, Lula dizia que
Governo. Cinco dias depois, pediu demissão o tríplex em Guarujá não era dele
“Não há anistia de
“Quero que me “Só faremos o Brasil um crime que não
digam qual foi o crescer substituindo existe. É só um
crime praticado pelo o ilusionismo jogo de palavras
ministro Geddel” pela lucidez” para desmoralizar
André Moura (PSC-SE), líder Michel Temer, presidente, ao comparar o e enfraquecer o
do governo na Câmara governo de Dilma Rousseff com o dele
Parlamento brasileiro”
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da
Câmara. Pressionado pela opinião pública
DE D O NA CAR A a não anistiar o caixa dois, Maia adiou a
votação do pacote anticorrupção

“Seu irmão está feito “Seu filho foi acusado


sagui: chorando de desviar recursos do “Vão forçando
e mamando. Ele chorou, Ministério do Turismo. Na a barra. Quando dá,
mas continua mamando” Bahia, a gente chama isso de avançam. Não foi uma
Silvio Costa (PTdoB-PE), deputado jacu baleado, cobra acuada” desistência, foi um
federal, ao colega Lúcio Vieira Lima (PMDB-
Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), deputado
BA). Irmão de Lúcio, o ministro Geddel
Vieira Lima chorou ao se dizer inoccente
federal
federal, sobre Silvio Costa Filho
Filho, ex-secretário recuo organizado”
o
estadual de Turismo de Pernambuco Miro Teixeira ((Rede-RJ), deputado

“O resu
ultado se dá de
forma mais pessoal,
em enccontros de
aconseelhamento”
Sérgio Cabral Filho (PMDB), ex-governador
do Rio de Janeiiro, preso sob suspeita de
corrupção. Ele disse à Polícia Federal que
prestou consulttoria oral a empreiteiras,
sem produzir reelatórios ou outras
provas de que prestou
p um serviço

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 29


POR MURILO RAMOS expresso@edglobo.com.br

Mãos à obra
O governo se recusa a informar
quais itens estão sendo utilizados na
pequena reforma feita no Palácio da
Alvorada para receber a família do
presidente Michel Temer. Classifica
como reservados os documentos
com as informações relativas à
segurança do presidente da República,
cônjuge e filhos. Na semana passada,
EXPRESSO revelou que foram gastos
R$ 20.200 nas intervenções.

Em campanha
O procurador da República
Deltan Dallagnol vai continuar
em campanha pela aprovação do
projeto das dez medidas contra a
corrupção. Ele e seus colegas do
Ministério Público acreditam que
as ameaças à Lava Jato são reais
caso o pacote anticorrupção não
vingue. Os investigadores sempre
Próximos capítulos citam que o efeito moralizador da

Alívio imediato? Operação Mãos Limpas, na Itália,


foi enterrado pelos políticos.

A inda é cedo para saber se a saída de Geddel Vieira Lima da Secretaria


de Governo dará (alguma) tranquilidade ao governo do presidente
Michel Temer. O certo é que alguns ministros e presidentes de estatais
Batata assada
O deputado Onyx Lorenzoni, relator
estão sorridentes com o ocaso do político baiano. Nos bastidores, dizem que das dez medidas contra a corrupção
Geddel interferia demasiadamente em suas Pastas e tentava desgastá-los na na comissão especial sobre o assunto,
Esplanada. No clube dos contentes estão o ministro da Justiça, Alexandre de está convencido de que não será
Moraes, e o ministro do Esporte, Leonardo Picciani. convidado a relatar o projeto no
plenário. Foi posto contra a parede
por seus colegas ao frustrar um
acordão para maneirar o projeto.
Última chamada
Geddel odiava pegar voo
de carreira para ir e voltar Bastião
de Salvador, sua cidade, nos Um dos deputados mais irritados
finais de semana. Abusava com o pacote anticorrupção é José
das aeronaves da Força Aérea Guimarães (PT-CE), cujo assessor
Brasileira. Alegava motivo foi flagrado carregando dinheiro na
de “segurança” para usá-las. cueca em 2005. Nem o indiciamento
Seu último voo para a capital de Guimarães pela Polícia Federal na
baiana, na quarta-feira (23), Lava Jato por corrupção passiva freou
foi nessa condição. Geddel era o ímpeto do ex-líder do governo
o único passageiro do avião. petista na Câmara dos Deputados.

30 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Fotos: Pedro Ladeira/Folhapress, Renato Costa/Folhapress,


Wilton Junior/Estadão Conteúdo, Sérgio Lima/Slim/Época
Com Bárbara Lobato e Nonato Viegas

Fé Migué
Em meio à discussão do pacote Enivaldo Quadrado, ex-sócio
anticorrupção, o presidente da Câmara da corretora Bônus Banval,
dos Deputados, Rodrigo Maia, foi condenado no mensalão, apresentou
pressionado a acelerar a aprovação da comprovante de 1.242 horas de
proposta de emenda constitucional que serviço comunitário numa escola de
isenta templos religiosos de pagar IPTU São Paulo ao juiz Sergio Moro. Tenta
em imóveis alugados. O prefeito eleito comovê-lo para que sua condenação
do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella na Lava Jato seja amena. Ele é
(PRB), esteve no gabinete de Maia. acusado de lavar dinheiro junto com
o doleiro Alberto Youssef.
Conveniência
Os petistas do Senado estão inclinados Malhação
a apoiar a indicação do peemedebista Investigadores da Operação Calicute
Eunício Oliveira (CE) para a presidência avançam em informações sobre João
da Casa em fevereiro. Concordância Pedro Neves Cabral, filho do ex-
ideológica? Nada disso. É a chance governador do Rio de Janeiro Sérgio
de manterem cargos estratégicos Cabral. Descobriram, por exemplo,
na Casa, como a presidência da que o telefone de sua academia,
Comissão de Assuntos Econômicos. registrado na Receita Federal, está
em nome do escritório de advocacia
Pobre Gari Pô, meu de Regis Fitchner, ex-secretário da
Casa Civil de Cabral. O escritório diz
O senador Garibaldi Alves (PMDB-RN)
está macambúzio. Diz que o Planalto
Ponte aérea que prestou assessoria jurídica a João
Pedro na constituição da academia,
foi incapaz de perguntar a ele sobre Pivô do mensalão, Roberto localizada em Jacarepaguá.
o que acha de uma provável reforma Jefferson quer voltar à Câmara
da Previdência. Garibaldi comandou
a Pasta por quatro anos durante o
dos Deputados em 2018. Mas,
em vez de ser pelo Rio de Stand-by
governo da ex-presidente Dilma Janeiro, onde disputaria voto O empresário Fernando Cavendish,
Rousseff. “Não quiseram saber de com sua filha, Cristiane Brasil, da Delta Construções, está em
número, políticas, ideias, visões. Minha deverá ser por São Paulo. A compasso de espera. Investigadores
experiência não serviu. Aqui, agora, sou lógica é puxar votos para o do Ministério Público Federal querem
do baixo clero”, afirma Garibaldi. partido e eleger correligionários. analisar o material e as provas obtidas
na Operação Calicute antes de voltar
a negociar os termos da delação
premiada. Cavendish frequentava a
Sem teto... oficial casa de Cabral e deu até um anel de
R$ 800 mil para a mulher do ex-
O prefeito eleito do Rio de governador, Adriana Ancelmo.
Janeiro, Marcelo Crivella, diz
que ele e sua família não vão se
mudar para a Gávea Pequena, Dá zika?
residência oficial da prefeitura, Dirigentes do Ministério da Saúde
quando tomar posse em janeiro. responsáveis por organizar a
Crivella ainda não sabe qual mobilização nacional contra
destinação dará ao espaço, o Aedes aegypti, marcada para a
erguido no final do século XIX. sexta-feira, dia 2, estão assustados.
O prefeito atual, Eduardo Paes, Observaram que centenas de
fica de olhos marejados todas prefeitos, que não foram reeleitos,
as vezes que fala do local. Diz desmobilizaram equipes que
ter visto seus filhos crescer lá. deveriam combater o mosquito.
Afinal, são oito anos na casa. Temem pelo aumento da incidência
de doenças provocadas pelo inseto.
Leia a coluna Expresso em epoca.com.br
28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 31
EUGÊNIO BUCCI

Facebookracia
É isso mesmo que você leu: “Facebookracia”. Assim como
democracia quer dizer “poder do povo” e plutocracia
quer dizer “poder dos ricos”, a palavra Facebookracia é o
ao mesmo tempo que proporciona carícias virtuais no ego
das multidões. Uma coisa (as inverdades) e a outra (as ca-
rícias virtuais) se apoiam reciprocamente. A dinâmica do
poder controlado pelo Facebook. Não é bem um regime Facebook atropela os fatos exatamente para aplacar as ca-
ou um sistema político, não é uma forma de governo esta- rências afetivas e suas multidões de cativos. Dá o que eles
belecida numa Constituição, como acontece com o parla- desejam, não o que é fato. Cria suas bolhas infladas de sor-
mentarismo ou o presidencialismo. A Facebookracia vai se risos, elogios e juras de amor eterno exatamente para abrir
instalando aos poucos, de maneira mais ou menos informal, as portas por onde entram as inverdades. A economia do
até que, quando a gente olha, já tomou conta dos processos afeto virtual se confunde com a economia da inverdade.
pelos quais os eleitores tomam decisões. A Facebookracia Como consequência, quem está dentro de uma bolha
é a democracia entregue à lógica das redes sociais. Em sua quase não enxerga direito quem está dentro da outra. Mu-
exuberância cibernética até parece democracia, mas é uma ros de desamor se levantam, partindo a sociedade. A pro-
deformação da democracia. pósito, o maior problema de Trump não é o muro que ele
O termo Facebookracia não é original, embora ainda seja quer construir na fronteira do México, mas o muro que já
pouco difundido. Buscando na internet, a gente não o en- corta seu próprio país. Foi esse muro que impediu os insti-
contra em português, mas ele já aparece em outras línguas tutos de pesquisa e boa parte da imprensa americana de
(Facebookcracy, por exemplo). O que nos enxergarem a bolha imensa onde se aglo-
falta é entender e explicar melhor seu sig- meravam, confiantes, os eleitores de Trump.
nificado e suas consequências complexas. Foi patético, mas a imprensa americana se
A Facebookracia gera novas distorções NA DEMOCRACIA, deixou aprisionar por uma das bolhas.
no espaço público, mais ou menos como Por fim, a Facebookracia corrói um
uma força gravitacional deforma o espa-
A VERIFICAÇÃO DOS dos principais denominadores comuns
ço-tempo imaginado por Einstein. A re- FATOS É A BASE DA da democracia: a verdade dos fatos. Na
cente eleição de Donald Trump, nos Esta- TOMADA DE DECISÕES ordem democrática, a política funciona
dos Unidos, tornou o fenômeno um bem quando a verificação dos fatos é a
pouco mais visível a olho nu. Pelo Face- – E NÃO OS LIKES DOS base da tomada de decisões. Quando en-
book, notícias falsas, e mesmo absurdas, CARENTES AFETIVOS tregue aos likes instantâneos dos carentes
como a de que o papa Francisco estaria afetivos, a política se esvazia, perde seu
apoiando o candidato republicano, foram sentido. Mais um pouco e – fique de olho
disseminadas para milhões de pessoas que as tomavam – alguém vai propor a substituição do Congresso Nacio-
como comprovação irrefutável de seus próprios precon- nal por um superalgoritmo (e outro alguém vai dar risa-
ceitos e as replicavam como verdadeiras. Essa e outras da, dizendo que não seria má ideia).
mentiras, turbinadas pelas redes, produziram novas dis- Fora tudo isso, o Facebook é apenas um negócio desleal,
torções no debate público. em que os usuários são os operários, a matéria-prima e a
Isso acontece por obra das chamadas “bolhas” do Face- mercadoria, tudo ao mesmo tempo e tudo de graça. Como
book. Os algoritmos que orientam a distribuição de con- escravos sorridentes, os usuários entregam à grande em-
teúdos de acordo com as preferências dos usuários se es- presa (um monopólio mundial) suas fotos familiares, suas
pecializaram em oferecer mais do mesmo para deleite da memórias sensuais e suas piores indiscrições. Depois, têm
clientela. Dentro das bolhas, as pessoas se agrupam pela seus olhos vendidos para o mercado anunciante e ainda se
identificação emocional, mais ou menos como torcidas de sentem valorizados, amados, desejados e amparados.
futebol, e vão perdendo de vista as que pensam diferente. Por certo, não foi Mark Zuckerberg o inventor da carên-
Os critérios dessa tecnologia são mais afetivos que racionais. cia afetiva e da mentira na política. Ele apenas aprendeu a
O afeto (refletido no número de likes, de “curtidas” etc.) lucrar (mais) com elas. O saldo é claro: ele ficou mais rico
pesa muito mais que a razão. Se uma notícia agrada à po- e a democracia ficou mais pobre. u
pulação daquela bolha, vai “bombar”, mesmo que não seja
rigorosamente fiel aos fatos.
Por aí, o Facebook vira uma usina atômica de inverdades, Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

32 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


NÃO NOSBASTA
CRIARPRODUTOS
DE QUALIDADE,
CRIAMOS O QUE
O CONSUMIDOR
PRECISA.VOCÊ SABE
DE QUALEMPRESA
ESTAMOSFALANDO?
BRF. A EMPRESA
QUE ENTENDE,
RESPEITA E ATENDE
ÀS NECESSIDADES
DOS CONSUMIDORES.

Manoel Cordeiro Henri Philippe Reichstul Walter Fontana Filho Luiz Fernando Furlan

Quer saber mais? Acesse Linkedin.com/company/BRF www.brf-global.com


Alimentando o mundo.

A BRF é uma empresa multicultural. Contamos com a parceria de mais


de 105 mil colaboradores, cerca de 240 mil clientes e aproximadamente 35 mil
fornecedores espalhados pelo mundo. E para manter a mesma sinergia com tantas
pessoas diferentes, respeitamos a localidade e a cultura de cada uma delas. Ser glocal
significa exatamente isso: atuar em escala global, sem esquecer as necessidades
locais, sejam dos consumidores, dos fornecedores ou dos colaboradores.
Alimentando a conexão entre pessoas, também estamos alimentando o mundo.

ALIMENTANDO
ALIMENTANDOOMUNDO

Abilio Diniz José Carlos Reis Aldemir Bendine Vicente Falconi Renato Proença Lopes
de Magalhães Neto
O RIO PEDE SOCORRO AMEAÇA À DEMOCRACIA?
Em “Acerto de contas com o Rio” Em “As mentiras que compartilhamos”
(962/2016), ÉPOCA mostrou a prisão (962/2016), ÉPOCA tratou das informações
de dois ex-governadores, crise na saúde falsas no Facebook e do posicionamento
e na segurança e revolta nas ruas da rede social diante do problema

O Rio está falido como cidade, como O Facebook foi a maior ferramenta
estado, como mentalidade. A situa- de mídia da história brasileira. Ele fez
ção exige mudanças urgentes. o povo entender e ter algum ponto de vis-
Rafael Santana, ta sobre a lama da política nacional.
via Twitter Leo Amancio,
via Facebook
A política no Brasil virou caso de po-
Escreva para: lícia. Todos os partidos estão eivados Qual o espaço mais democrático que
epoca@edglobo.com.br de corruptos. O país está um caos e nin- temos hoje em dia? As redes sociais!
guém está a salvo – exceto eles. Júlio Cesar Lustosa,
Adilson Alves, via Twitter
via Facebook
O Facebook democratizou o uso da
Realidade causada pelo voto. Não informação. Agora, se os usuários
sabemos votar até hoje e, mesmo as- não têm bom-senso e acham que tudo é
sim, insistimos em continuar num sistema verdade, eles é que precisam refletir.
que não funciona. Gabriela Lucena,
Guilherme da Silva, via Facebook
via Twitter
Pessoas que propagam informações
Na verdade o Brasil pede socorro. É sem sequer verificar são a ameaça. A
muito sanguessuga para uma nação. internet tem um poder absurdo!
Eduardo Melo, Camila Sena,
via Facebook via Facebook

A FÓRMULA DO DESASTRE
“Os instantes que levaram ao caos”
(962/2016) expõe o jeitinho de fazer
pedaladas fiscais, que arrastaram o país à
maior recessão da história
COM E N TÁ R IO DA S E M A NA
Tudo isso também se deve a um Con-
gresso que cruzou os braços. Nin-
guém estava pensando no povo brasileiro.
Há um tsunami de lama Agora, está aí o resultado.
Dijalma Alexandre,
e corrupção. O Rio está no via Facebook
buraco. Salve-se quem puder!”
Marcos Rodrigues, Agora que o estrago está feito, sobrou
via Twitter mais uma vez para o povo brasileiro.
Dirceu Brolini,
via Facebook

36 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


INFORME PUBLICITÁRIO

TRA
RANSPARÊNCIA
A E
RES
SPO
ONS
SABILIDADE
O que a população precisa saber sobre o combustível adulterado
encontrado nos tanques das empresas afiliadas ao Sindicom.

16 MILHÕES DE LITROS DE ETANOL FORAM ADULTERADOS COM O ACRÉSCIMO DE METANOL

440 5 MIL 5 MIL FRENTISTAS


ISSO REPRESENTA: CAMINHÕES - TANQUE VEÍCULOS COM A VIDA
CARREGADOS ABASTECIDOS COLOCADA EM RISCO

O metanol é altamente tóxico, podendo das maiores empresas do segmento de


comprometer a saúde do consumidor e distribuição brasileiro.
causar danos ao meio ambiente, além de
reduzir a qualidade do combustível com o A empresa, além de tentar transferir a
objetivo de obtenção de maiores lucros. responsabilidade para a ANP, omite que,
por intermédio do Sindicom, questionou
Em informe enviado para os postos de judicialmente as normas de controle de
gasolina, uma das empresas afiliadas qualidade impostas pela ANP.
ao Sindicom tenta transferir suas
responsabilidades, por zelar pela qualidade Assim, a afiliada do Sindicom tenta acusar
dos produtos, para a ANP. a ANP e, ao mesmo tempo, tenta reduzir
suas responsabilidades quanto à qualidade
A Refinaria de Manguinhos repudia dos produtos que comercializa.
essa absurda tentativa e destaca que a
ANP, mesmo sofrendo com a redução
de seu orçamento, vem realizando um
ótimo trabalho, tanto que encontrou e
divulgou essa imensa quantidade de
produto adulterado dentro das instalações
SUA O P I N IÃO

ÜBER DELATOR
O doleiro Alberto
DE VOLTA PARA CASA solto: está em prisão domiciliar, com torno- Youssef sai da
Em “O Uber da propina está livre” zeleira eletrônica e uma série de restrições. cadeia. Ele foi
(962/2016), ÉPOCA mostrou a saída Catarina Garcia Pinho, fundamental
para a Operação
de Alberto Youssef da cadeia via Facebook Lava Jato
Neste país o crime compensa – e mui- Não seria uma delação premiada
to. Isso está escancarado na Lava Jato, demais?
em que todo mundo é preso, faz delação Fabricio Fertis,
premiada e volta para casa como se nada via Twitter
tivesse cometido.
Celia Sartorato, Graças à delação dele foi descoberto
via Facebook esse mar de lama na política brasilei-
ra e grandes empreiteiros foram presos na
Mereceu! Se não fosse por ele, toda Operação Lava Jato.
essa rede intrincada de corrupção não Emanuel Henrique,
teria sido levantada. Além disso, ele não foi via Facebook

MA I S COM E NTADAS M AIS L I DA S M A I S COM PA RT I L HA DA S


Filha de Garotinho chora Operador pagou até Filha de Garotinho chora
1 no plenário da Câmara 1 comida de festa de Cabral 1 no plenário da Câmara
Expresso Expresso Expresso
Governo gasta R$ 20 mil Governo gasta R$ 20 mil Governo gasta R$ 20 mil
2 em obras para receber 2 em obras para receber 2 em obras para receber
Michelzinho no Alvorada Michelzinho no Alvorada Michelzinho no Alvorada
Justus diz ter sido sondado Filha de Garotinho chora Justiça autoriza
3 para ser candidato em 2018 3 no plenário da Câmara 3 revista coletiva
Expresso Expresso em favela do Rio
Plateia reduzida constrange
4 Lula em evento no Rio
Plateia reduzida constrange
4 Lula em evento no Rio
Família Sarney pretende
4 ter três candidatos em 2018 I N STAG RA M DO L E I TOR
Expresso Expresso Expresso @karolbang venceu o tema
Mulher de Paes convida Claudia Raia: “Uma vida Terno de Cabral apreendido “Um Doce”. Confira mais fotos
5 futura primeira-dama para 5 sem drogas e bebidas” 5 pela polícia custa R$ 22 mil e o tema da próxima edição
conhecer residência oficial Bruno Astuto Expresso no site de ÉPOCA

38 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


É hora de fazer
um debate
sensato
O Congresso precisa discutir a sério a
questão da corrupção. Mas isso não pode
virar pretexto para anistiar corruptos

U ma das questões que mais mobilizam


os brasileiros atualmente é o combate
à corrupção. Integrantes do Ministério
Público encaminharam ao Congresso uma pro-
posta com dez medidas para melhorar o com-
plenário da Câmara na manhã da quinta-feira,
dia 24 – um horário inusitado para sessões do
Congresso. Tudo isso em votação simbólica,
na qual os nomes dos deputados não são re-
gistrados no painel.
bate a esse tipo de crime. Depois de discutidas A votação não ocorreu e acabou sendo adia-
pelos deputados, as medidas se transforma- da porque a manobra foi descoberta – e houve
ram num relatório coordenado pelo deputado forte reação do Ministério Público Federal, do
Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Tal relatório con- juiz federal Sergio Moro e da opinião pública
templaria as principais reivindicações da socie- por meio das redes sociais. Isso gerou diver-
dade por mais ética na política, de acordo com gências dentro dos partidos cujas lideranças
a avaliação de vários juristas e de integrantes estavam patrocinando a emenda. A criminali-
do Ministério Público. A proposta, no entanto, zação do caixa dois, com a criação de um tipo
esteve sob ataque na semana passada. Alguns penal próprio, merece uma discussão serena e
deputados sugeriram incorporar ao projeto aprofundada. Inclusive com debates sobre as
emendas que, na prática, representariam uma diferenças entre as práticas de lavagem de di-
anistia ao caixa dois – e que, no limite, tor- nheiro de corrupção mediante doação registra-
nariam mais difícil a condenação de políticos da na Justiça Eleitoral e as doações de empresas
corruptos (leia mais a respeito a partir da pá- que não são contabilizadas, mas são destinadas
gina 52). Uma das versões da emenda livraria a campanhas políticas. Não foi, porém, o aper-
de imputações criminais, eleitorais ou cíveis feiçoamento da legislação anticorrupção que
todos aqueles que tenham recebido doações parecia mover os parlamentares que propuse-
via caixa dois para fins eleitorais e partidários. ram a emenda, mas sim a busca da impunidade
Depois de discussões madrugada adentro no e de formas de escapar de um acerto de contas
gabinete do presidente da Câmara, Rodrigo com a Justiça por causa das investigações da
Maia (DEM-RJ), em meio a paneladas de arroz Operação Lava Jato. O deputado Onyx Loren-
de carreteiro e galinhada mineira, estava tudo zoni, relator do projeto que incorporou a maior
certo para que a emenda fosse aprovada pelo parte das propostas anticorrupção do Ministé-

40 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


DESCONEXÃO
À direita, o
rio Público, chegou a ser vaiado no plenário da va está conspurcada por um evidente desejo deputado Onyx
Câmara por seus colegas. A nova tentativa de de retaliação. O senador Renan Calheiros é Lorenzoni. Ele foi
aprovação de anistia coincide com o desfecho alvo de pelo menos 11 inquéritos no âmbito vaiado por
colegas por causa
das negociações para a assinatura do acordo do Supremo Tribunal Federal, a maior parte de seu relatório
de delação premiada de 77 executivos da em- deles relacionada à Lava Jato. O projeto de sobre o pacote
preiteira Odebrecht – a “delação do fim do Renan ganhou urgência de tramitação no anticorrupção
mundo”, como ficou conhecida. Senado Federal, coincidentemente, às véspe-
No fim de setembro, o primeiro-secretário ras do julgamento pelo STF da denúncia da
da Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP), Procuradoria-Geral da República em que o
já tentara, furtivamente, colocar em votação presidente do Senado é acusado de ter rece-
um projeto de anistia, sem autoria conhecida, bido propina de uma empreiteira na forma
numa sessão esvaziada de uma segunda-feira de financiamento das despesas com uma filha
à noite. O “golpe da madrugada”, como ficou fora do casamento. Se o plenário do Supremo
conhecido o episódio, foi frustrado porque transformar Renan em réu, ele deverá deixar
foi noticiado pela imprensa e denunciado pe- a presidência do Senado tão logo o ministro
los líderes da Rede e do PSOL. “Tentar votar Dias Toffoli, do STF, devolva o processo já
uma emenda de quem não se emenda a toque decidido que tira réus da linha sucessória da
de caixa – dois – extrapola todas as medidas Presidência da República.
possíveis”, ironizou o deputado Chico Alencar Foi bom para a democracia que a manobra
(PSOL-RJ), ao falar da nova investida dos para anistiar crimes de corrupção, relacionados
alvos da Lava Jato. ou não com o caixa dois, tenha sido descoberta
O mesmo tipo de contaminação afeta o a tempo. Que os deputados, na votação prevista
projeto proposto pelo presidente do Senado, para a terça-feira 29, elevem o nível da dis-
Renan Calheiros (PMDB-AL), para mudar a cussão e aprovem um pacote sensato. Eles não
lei que pune abusos de autoridade. A discus- podem esquecer que representam os brasileiros
são sobre os limites de atuação do Ministério que os elegeram – e estes brasileiros querem
Público, por exemplo, também deveria ser leis claras e Justiça célere para quem pratica o
objeto de um debate sensato. Mas a iniciati- crime de corrupção. u

Foto: Givaldo Barbosa/Ag. O Globo 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 41


TEMPO
T E AT R O
DA P O LÍTI CA

I I
DENÚNCIA
Os ex-ministros
Geddel Vieira
Lima e Marcelo
Calero. Confusão
entre público
e privado

De tempos em tempos o
Brasil antigo atropela o Brasil
moderno. O episódio da
demissão do ministro Geddel
Vieira Lima é um desses casos
I I
T E AT R O D A P O L Í T I C A

João Gabriel de Lima


impeachment da ex-presidente em torno das essenciais reformas econô- ca. Com a evolução das democracias, a
Dilma Rousseff foi um episódio micas. Em vez disso, Geddel andava com opinião pública ganhou poder. Primeiro
traumático, como são traumá- a cabeça nas nuvens. Ou melhor, no andar nas ruas, a partir do movimento dos di-
ticas as interrupções de manda- alto de um prédio, o Edifício La Vue, ar- reitos civis nos anos 1960. Depois com
to nas democracias. Passado o trauma, ranha-céu que seria construído na Ladei- as redes, na era digital. No Brasil, ruas e
ocorreu algo de bom. A qualidade do ra da Barra, em Salvador. Geddel havia redes ganharam força recentemente e de
debate público melhorou. O país deixou adquirido um apartamento, ainda na forma simultânea. As manifestações que
o Fla-Flu partidário de lado e passou a planta. A obra estava embargada pelo sacudiram o país em 2013, e as que em
discutir problemas reais. Nenhum pro- Instituto de Patrimônio Histórico local, 2015 ajudaram a derrubar a presidente
blema é mais real atualmente que a crise e isso tirava o sono do ministro. A ponto Dilma Rousseff, foram em grande parte
econômica que afeta o país. Ela nos fus- de ele recorrer a seu colega da Pasta da organizadas pela internet. Ao comentar
tiga todos os dias, ao ceifar empregos e Cultura, Marcelo Calero, ameaçando che- o fenômeno em entrevista recente a
corroer a renda – principalmente entre gar até o presidente Michel Temer. Na ÉPOCA, o ex-presidente Fernando Hen-
a nova classe média e a parcela mais po- sexta-feira, dia 18 de novembro, Calero rique Cardoso enfatizou como, já no
bre da população. A prioridade passou demitiu-se com estrépito, revelando que tempo dele, era importante governar de
a ser resolver a crise, e os debates passa- Geddel o pressionara.As notícias que vie- olho nos consensos da sociedade. Um
ram a se dar em torno das soluções que ram à tona ao longo da semana confir- líder moderno, segundo Fernando Hen-
apareceram até agora: estabelecer um maram que Geddel misturara público e rique, deveria unir o país em torno de
teto para os gastos públicos e fazer uma privado. Na quinta-feira, dia 24, em de- causas, buscando a opinião pública. E
reforma da Previdência. Resolver a crise poimento à Polícia Federal, Calero acres- criar, dentro das instituições, uma base
é essencial para que o Brasil retome seu centou que o presidente Temer o“enqua- política capaz de viabilizar tais causas.
caminho e se torne um país moderno. O drou” por causa do desconforto causado No episódio do apartamento, Temer –
problema é que, de tempos em tempos, a Geddel. Embora Temer tenha negado que almoçou com Fernando Henrique
o Brasil antigo entra em cena e atropela qualquer tipo de pressão, a crise chegara no dia da demissão de Geddel – agiu
nossos sonhos de modernização. ao Planalto. Geddel pediu demissão do pensando apenas na base política. En-
Embaixador do Brasil antigo, o mi- cargo na sexta-feira, dia 25, o que pode quanto isso, a opinião pública já conde-
nistro Geddel Vieira Lima deveria gastar – ou não – significar um alívio para Te- nara a permanência do ministro. Isso
seu tempo a pensar nas prioridades do mer (leia mais a partir da página 46). antes mesmo que Temer se visse envol-
país neste momento tão difícil.Afinal, ele Desde que as democracias existem, vido no episódio.
ocupava a Pasta da Secretaria de Governo, governantes agem com um olho na opi- Outro embate entre o Brasil antigo e
responsável pelas articulações políticas nião pública e outro em sua base políti- o Brasil moderno pode se dar na semana
que vem na Câmara dos Deputados. A
Casa deverá discutir – e votar – o pacote
anticorrupção proposto pelo Ministério
Público. O relatório inicial do deputado

Geddel não Onyx Lorenzoni satisfazia, em linhas


gerais, os anseios da população que ele-

estava com a
geu os deputados – mais ética na políti-
ca. Ao longo da semana, no entanto,
surgiram ideias de emendas que, na prá-

cabeça na crise tica, representavam anistia a crimes elei-


torais (leia mais a partir da página 52 e

econômica, e sim
em Nossa Opinião, a partir da página 40).
Os brasileiros reagiram nas redes. Fize-
ram críticas pesadas nos perfis de alguns

nas nuvens. Ou deputados nas redes sociais, entre eles o


presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Já

melhor, no andar
haviam demonstrado sua posição nas
ruas, meses atrás, ao apoiar a Lava Jato.
Se o pacote for à votação na terça-feira,

alto de um prédio dia 29, como previsto, os deputados


terão a chance de mostrar se estão a
serviço do Brasil antigo ou se são sen-
síveis às demandas do Brasil moderno
– e de seus próprios eleitores. u

44 I ÉPOCA I 00 de janeiro de 2016 Montagem sobre fotos de Adriano Machado/


ÉPOCA, Alan Marques/Folhapress e divulgação
T E AT R O D A P O L Í T I C A

A derrota dos
velhos vícios
Geddel se acostumou, desde cedo, a
navegar pelos meandros da capital. Caiu
por um apartamento num prédio cafona
46 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016
Bruno Boghossian

N a noite da quinta-feira, dia 24


de novembro, depois da di-
vulgação do depoimento do
ex-ministro Marcelo Calero à Polí-
cia Federal, o ainda ministro Geddel
mesmo estilo usado por seus anteces-
sores Lula e Dilma quando o alvejado
por denúncias era um dos preferidos.
Simplesmente não deu explicações
públicas. Vetou a entrada de jorna-
Vieira Lima procurou,por telefone, listas na posse – a portas fechadas
o presidente Michel Temer para um – do sucessor de Calero, o deputado
diálogo franco. Ao avaliarem os danos Roberto Freire, do PPS, para evitar
causados pelo relato de Calero sobre perguntas inconvenientes.
as pressões que sofrera para autorizar Na terça-feira, dia 22, depois que
a construção do edifício La Vue no a comissão de ética da Presidência
centro histório de Salvador, os dois abriu investigação sobre o caso, Te-
concordaram que a crise começara a mer chamou Geddel a seu gabinete.
trazer problemas políticos para a con- Incomodado, Temer sugeriu a Geddel
dução do governo. “Veja o que você o licenciamento do cargo para evitar
acha melhor”, disse o presidente, em desgastes ao governo. Outros auxiliares
uma senha de que não insistiria na de Temer já haviam oferecido a Geddel
permanência do aliado. a “solução Henrique Hargreaves”, chefe
No início da madrugada, Geddel da Casa Civil de Itamar Franco que se
escreveu uma carta de demissão, ain- afastou do governo enquanto a CPI dos
da sem ter uma decisão final sobre o Anões do Orçamento investigava se ele
assunto. Depois de conversar com a tinha relação com desvios de verbas
família, que sugeriu que deixasse o go- orçamentárias. Nada foi constatado e
verno, Geddel acordou na manhã da Hargreaves reassumiu a Pasta. Geddel
sexta-feira decidido a entregar o cargo. não aceitou a proposta. Quando Temer
Às 7 horas, ele telefonou para Temer fez o pedido, ele se emocionou e foi
e o comunicou da decisão. O presi- às lágrimas. Disse que nessa situação
dente disse lamentar, mas não resistiu. preferia pedir demissão de vez, e que
A carta datilografada em que Geddel não havia feito absolutamente nada de
anuncia a decisão foi enviada por errado. Temer acabou concordando.
e-mail ao gabinete presidencial. Desde Foi a segunda vez que Geddel chorou
a manhã da quinta-feira, Geddel esta- naquele dia. O ex-ministro também
va fora de Brasília. O ex-ministro saíra se emocionou quando aliados do go-
da capital para fazer exames. verno no Congresso organizaram, no
A saída de Geddel priva Temer de Palácio do Planalto, uma manifestação
um de seus principais auxiliares no pública de apoio a ele.
governo. Geddel formava com Eliseu O estilo do ex-secretário de Governo,
Padilha, o chefe da Casa Civil, e Mo- como mostra sua abordagem a Calero,
reira Franco, o secretário executivo do foi sempre a de um sujeito despacha-
programa de concessões federais – to- do, que fala palavrões e expressa sua
dos do PMDB e todos ex-deputados –, lógica política de forma direta e crua.
o trio de maior confiança de Temer. O Erra feio, porém, quem confunde o jei-
ex-secretário de Governo foi também to meio truculento, a lógica seca e os
o primeiro da turma de Temer a levar palavrões de Geddel com inabilidade.
INTIMIDADE
Geddel e Temer, uma pancada mais forte. O senador Geddel é um veterano na política. Ele
no Planalto. Romero Jucá, outro companheiro de viveu na capital federal quando seu pai,
O ex-ministro PMDB, que deixou o Ministério do Afrísio, exerceu mandatos de deputado
era um dos Planejamento assim que foi flagrado federal entre as décadas de 1970 e 1980.
auxiliares de
maior confiança em uma gravação em manobras para O ex-ministro foi colega do compositor
do presidente sabotar a Lava Jato, não pertence ao e vocalista da Legião Urbana, Renato
círculo mais próximo de Temer. Por Russo, no Colégio Marista. Na biografia
isso, o tratamento dispensado pelo de Renato escrita por Carlos Marcelo,
presidente a Geddel foi bem mais cer- O filho da revolução, Geddel aparece
cado de cuidados. Até a crise atingir o como um garoto esperto, que tinha um
próprio gabinete, Temer recorreu ao Opala, não fazia muita questão de se s

Fotos: Ueslei Marcelino/Reuters 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 47


T E AT R O D A P O L Í T I C A

ímpar da Baía de Todos-os-Santos e do


nascer e do pôr do sol. Mas os cerca de
100 metros de altura do feioso La Vue
acabariam com a estética do entorno
arquitetônico tombado. O escritório na
Bahia do Instituto do Patrimônio Histó-
rico e Artístico Nacional, o Iphan, topou
a ideia, mas a direção nacional vetou.
Geddel se empenhou com afinco
pelo monstrengo arquitetônico. Um
primo seu, o advogado Jayme de Sou-
za Vieira Lima Filho, foi encarregado
pela construtora Cosbat de constituir
a empresa Porto Ladeira da Barra, que
gerenciaria o empreendimento. Jayme,
o primo de Geddel, é sócio do advogado
Igor Andrade Costa, que já defendeu
Geddel e o PMDB em ações no Tribunal
Regional Eleitoral da Bahia. Igor, advo-
gado de Geddel, e o estagiário Afrísio
Vieira Lima Neto, sobrinho de Geddel,
ESPIGÃO BREGA
Os restos da tinham uma procuração da Porto La-
obra e o La Vue deira da Barra para representá-la nas
em ilustração. discussões com o Iphan em torno da
A cafonice do liberação da obra. Todos os elevadores
século XXI
encravada num do La Vue levam a Geddel.
pedaço histórico Com a saída de Geddel, a disposição
de Salvador de Temer, por ora, é tocar pessoalmen-
te a articulação com o Congresso até
a votação em primeiro turno da PEC
do teto dos gastos pelo Senado – o que
deverá ocorrer nesta terça-feira, dia 29.
Não há um candidato natural para as-
sumir a Secretaria de Governo, porque
Temer quer evitar alojar no Planalto
mais um ministro vulnerável a suspei-
tas, o que poderia travar o andamen-
to no Congresso de pautas essenciais
para o governo. Temer vai buscar, nos
esforçar na escola e dizia que seria po- ainda nem existe, contraria suas pala- partidos da base aliada ou até dentro
lítico. Causava horror a Renato, que o vras. O projeto da construtora baiana do Palácio do Planalto, o nome de um
considerava “insuportável” e o chamava Cosbat prevê a construção de um edi- articulador com estatura política e que
pelo apelido Suíno. Maldades adoles- fício de nome francês, de 30 andares e inspire respeito entre os congressistas.
centes à parte, o tempo tornou Geddel estilo brega em um dos pedaços histó- Se o governo pode continuar a to-
um articulador competente. ricos mais bonitos de Salvador, a capital car a vida sem Geddel, a situação do
Geddel passou a semana tentando berço do Brasil. O plano era encravar ex-ministro, fora do governo, pode se
explicar por que misturou público com o espigão cafona na Ladeira da Barra, complicar. O ministério era um porto
privado e negou que tenha ameaçado uma rua de casarões históricos tomba- seguro, onde Geddel tinha direito a
Calero. Disse que o ex-ministro da Cul- dos, a poucos metros da Igreja de Santo foro no Supremo Tribunal Federal, dis-
tura confundiu sua linguagem repleta Antônio da Barra – um patrimônio de tante do juiz Sergio Moro. Depois do
de palavrões com um tom ameaçador. 400 anos de história – e perto do Farol que aconteceu a Eduardo Cunha (Sér-
Ele garantiu que insistiu na liberação das da Barra – de pouco mais de 300 anos gio Cabral nem é lembrado), ninguém
obras no edifício La Vue porque estava –, numa das primeiras áreas ocupadas no PMDB quer saber de viver sem foro
preocupado com quem, como ele, in- pelos portugueses no século XVI. Os privilegiado. Às vésperas da delação da
vestiu no prédio. Negava ter culpa no moradores do envidraçado La Vue do Odebrecht, a maior de todas, Geddel
cartório, mas seu apego pelo La Vue, que século XXI teriam direito a uma vista tem com o que se preocupar. u

48 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Fotos: Xando P./A Tarde/Futura Press, divulgação


T E AT R O D A P O L Í T I C A

O novato tombou
o Brasil antigo
Ao escolher o lado da lei, o ex-ministro da Cultura
Marcelo Calero derrubou um colega muito mais
poderoso e jogou uma crise no Palácio do Planalto

50 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


Leandro Loyola

FORA DO
M arcelo Calero entrou no go-
verno Michel Temer no final
da montagem, meio por falta
de alternativa. O plano inicial era extin-
guir a Pasta para reduzir o número de
Um dia depois foi à Polícia Federal e pres-
tou um depoimento no qual enrolou
Temer e outro ministro, Eliseu Padilha,
da Casa Civil, na situação criada por
Geddel. Calero disse que Padilha reco-
ROTEIRO
Calero em seu ministérios num primeiro sinal de aus- mendou que ele acomodasse a decisão
gabinete no teridade fiscal, mas os protestos da clas- em favor de Geddel. Pior, disse que Temer
ministério. se artística foram crescendo e assustaram entrou no circuito. Em uma reunião no
Ele parece ter o presidente recém-empossado. A grita- Palácio do Planalto, no dia 17, o presiden-
desafiado uma
antiga cultura ria foi tamanha que o presidente voltou te disse, segundo Calero, que o entrevero
do poder atrás. Marcelo Calero, advogado de for- criara “problemas operacionais” em seu
mação, diplomata de carreira, jovem, foi governo, pois Geddel estava bastante ir-
indicado pelo prefeito do Rio de Janeiro, ritado. Na versão de Calero, Temer repetiu
Eduardo Paes. Sem nenhuma experiên- a recomendação de Padilha – que ele des-
cia na política em Brasília, Calero virou se um jeito de encaminhar o caso para a
ministro da Cultura. Agora, se pudesse Advocacia-Geral da União (AGU), onde
voltar atrás, talvez Temer tivesse enfren- seria resolvido. Para responder ao depoi-
tado os protestos de artistas e mantido a mento de Calero, Temer escalou o porta-
decisão de extinguir a Cultura. voz Alexandre Parola. Em uma nota, Pa-
Calero fez história na sexta-feira, dia rola disse que Temer conversou duas vezes
18, quando pediu demissão e saiu atiran- com Calero para “mediar” a divergência
do. Em entrevista ao jornal Folha de S. entre os dois ministros. “O ex-ministro
Paulo, Calero acusou o ministro da Secre- (Calero) sempre teve comportamento
taria de Governo, Geddel Vieira Lima, do irreparável enquanto esteve no cargo.
PMDB, de pressioná-lo para mudar uma Portanto, estranha sua afirmação, ago-
decisão de Estado. O Instituto do Patri- ra, de que o presidente o teria enqua-
mônio Histórico e Artístico Nacional drado ou pedido solução que não fosse
(Iphan), subordinado à Cultura, embar- técnica”, disse Parola. A nota de Parola
gara a construção de um certo edifício La afirma que Temer trata todos os seus
Vue em Salvador, na Bahia. O plano era ministros “como iguais”. Mas uma crise
encravar um prédio de 30 andares perto política estava criada justamente por-
do Farol da Barra. Mas o Iphan permitiria que, segundo Calero, Temer nem sem-
a construção de apenas 13 pavimentos. pre trata seus ministros dessa forma.
Dono de um compromisso de compra de Geddel agiu como mandam os velhos
um apartamento avaliado em R$ 2,6 mi- manuais do poder político brasileiro e
lhões no La Vue, Geddel queria a liberação estabacou-se. Não contava que o “quem
da obra por completo. De acordo com manda mais pode mais” de Brasília não
Calero, Geddel procurou-o várias vezes. seria entendido por um novato que não
No mês passado, protestou que o Iphan tem cargos políticos a preservar. Calero
não liberava o empreendimento. “E aí, estudou no colégio Santo Ignácio do Rio
como é que eu fico nessa história?”, disse de Janeiro, famoso pelo rigor acadêmico
Geddel, segundo Calero. Geddel disse que e ético. Formou-se em Direito na Univer-
o colega deveria intervir no Iphan e amea- sidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
çou levar o caso ao presidente Michel e atuou na Comissão de Valores Mobiliá-
Temer caso não fosse atendido.A pergun- rios (CVM). Entrou para o Itamaraty em
ta de Geddel foi respondida na sexta-feira, 2007 e ocupou alguns cargos na gestão de
dia 25. Ele teve de pedir demissão, ir em- Paes. No ministério, elogiava a equipe.
bora do governo, para preservar Temer. Tinha seguidores no Instagram que o
Geddel foi obrigado a sair porque Ca- chamavam de“lindo”e“gato”.Ao denun-
lero, sem carreira política ou cargos a ciar o malfeito de Geddel, Calero apenas
preservar, decidiu se livrar do encosto que se indignou com um costume inaceitável
empurraram em seu colo. Manteve a de- – embora geralmente aceito – na política:
cisão técnica do Iphan de defender o pa- a confusão deletéria entre público e pri-
trimônio histórico e entregou o cargo no vado. Pelo menos no momento, sua lista
dia 18, uma sexta-feira. Foi mais longe. de admiradores cresceu. u

Foto: Alan Marques/Folhapress 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 51


T E AT R O D A P O L Í T I C A

Os cavaleiros
da impunidade
Alguns deputados articulam abertamente uma anistia
ampla, capaz de livrá-los das punições da Lava Jato
52 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016
Bruno Boghossian e Alana Rizzo

O vaivém de deputados e líde- setembro, foi substituída pelo instin-


res partidários no gabinete do to de sobrevivência. Tudo deveria ser
presidente da Câmara, Rodri- resolvido durante a última semana, e
go Maia, do DEM do Rio de Janeiro, fi- deputados de quase todos os partidos
cou mais intenso perto das 22 horas da estavam preparados para suportar a re-
quarta-feira, dia 23. A noite avançava e percussão negativa. O acerto começou
os deputados não conseguiam chegar a a patinar com pressões externas contra
um acordo sobre a emenda que deveria a manobra. A hashtag #AnistiaCaixa-
ser enxertada no pacote de medidas de 2NÃO chegou ao primeiro lugar entre
combate à corrupção para perdoar as os assuntos mais citados no Twitter, e
práticas de caixa dois cometidas por al- os gabinetes dos deputados passaram
guns políticos até agora. Não era uma a ser bombardeados com telefonemas
mudança qualquer. Não se trata sim- de eleitores que atacavam a articulação.
plesmente de caixa dois. A intenção era Na quinta-feira, dia 24, depois de três
produzir um anexo/emenda que abrisse dias de reuniões a portas fechadas na re-
uma brecha maior, capaz de anistiar não sidência oficial e em seu gabinete, Rodri-
só o caixa dois, como também pagamen- go Maia anunciou o adiamento da vo-
tos de propina e outras modalidades de tação – mas não só porque a população
ilicitudes; de criar uma porta para um e os principais expoentes da Operação
universo paralelo, um ponto de fuga Lava Jato pressionavam o Parlamento. A
para a dureza da lei tábua de salvação que
imposta pela Opera- a anistia representa
ção Lava Jato. aos políticos passou a
Pressionados pela NUM DEBATE SOBRE se sobrepor ao medo
proximidade da de- da opinião pública,
lação da Odebrecht, A LEI, DISCUSSÕES no momento em que
praticamente todos PERTINENTES as ruas emitem seus
os partidos, é óbvio, gritos mais ferozes
estão interessados em SE MISTURAM A contra a corrupção. A
algum tipo de alívio. INTENÇÕES POUCO aprovação ficou para
Alguns poucos parla- REPUBLICANAS depois – existem di-
mentares, entretanto, vergências sobre a
temiam expor suas extensão da medida,
figuras como pais dessa autoclemência e discussões pertinentes se misturam a
sem pudores. A certa altura, dois deputa- intenções pouco republicanas (leia mais
dos do PT saíram da sala de Maia, meio em Nossa Opinião, a partir da página 40).
cabisbaixos, e se encostaram na parede Além disso, os deputados não consegui-
de um dos corredores da Casa. “Apoiar ram encontrar uma maneira de obter
essa anistia é uma morte política...”, essa aprovação em votação simbólica –
desabafou um dos petistas. Tentando sem que os votos fossem registrados no-
convencer o colega, o outro retrucou: minalmente. Ou seja, era aceitável dar a
“A morte política é o de menos, porque cara a tapa desde que a responsabilidade
LÍDER
Rodrigo Maia essa um dia passa”. recaísse sobre “a Câmara”, como um cor-
preside sessão da Nas incontáveis reuniões que ti- po coletivo e multipartidário, sem rosto
Câmara. Candidato veram ao longo da semana para ten- e sem identificação individual.
à reeleição, ele tar acertar os detalhes dessa salvação, O pacote de combate à corrupção e
trabalha contra
as medidas caciques da Câmara chegaram a citar anistia ao caixa dois deve voltar ao ple-
anticorrupção para abertamente o receio de serem presos nário nesta terça-feira, dia 29. Horas de-
angariar votos por ter recebido doações eleitorais “por pois de a Câmara anunciar o adiamento
fora” de empresas envolvidas em cor- da discussão, ainda na quinta-feira, lí-
rupção com contratos públicos. Perto deres partidários de PMDB, PSDB, PT
dessa possibilidade, a tarefa de aparecer e DEM se reuniram para um almoço na
no plenário como autores de um per- casa do deputado Heráclito Fortes, do
dão coletivo era “o de menos”. A postura PSB do Piauí, em Brasília, para começar
envergonhada da primeira tentativa, em a traçar os ajustes que deveriam ser s

Foto: Zeca Ribeiro/Agência Senando 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 53


T E AT R O D A P O L Í T I C A

feitos no relatório e debater a extensão também fora desses períodos. Parece um


VIGIADO
do perdão. O desejo de sobrevivência e endurecimento da regra, mas a intenção é O relator do
de se proteger da Justiça é apartidário: menos nobre: a ideia é que, pelo princípio projeto, Onyx
só isso explica como o PT, vítima do de que a lei penal não pode retroagir em Lorenzoni. Os
impeachment, e PMDB, PSDB e DEM, prejuízo do réu, seja perdoado na prática o colegas o seguiram
para que ele não
artífices do impeachment, estão juntos recebimento de dinheiro ilegal em qualquer conversasse com
e misturados na empreitada. Partidos circunstância, desde que os recursos sejam procuradores
como o PP e o PR advogam por uma usados para atividades de campanha. Esta
anistia ampla. Chegaram a rascunhar, na redação cria a situação absurda pela qual
quarta-feira, uma emenda que declarava um candidato que recebeu de uma emprei-
que “não será punível teira dinheiro desviado
nas esferas penal, civil da Petrobras e o usou
e eleitoral” o recebi- na campanha estaria
mento de doação ile- SÓ A LUTA PARA perdoado. Essa anistia
gal para fins eleitorais ESCAPAR DA LAVA mais light tem, inclusi-
“até a data da publica- ve, o apoio de Rodrigo
ção desta lei”. Na prá- JATO É CAPAZ DE UNIR Maia. Quando a tenta-
tica, a emenda pode- PT, PMDB E PSDB, tiva de anistia chegou
ria tornar impossível a um impasse na ma-
que um político que
INIMIGOS FIGADAIS drugada de quarta para
recebeu dinheiro sujo NO IMPEACHMENT quinta-feira, deputados
fosse processado por do PSDB ficaram reu-
corrupção, lavagem nidos até as 3 horas da
de dinheiro ou crimes eleitorais. Mas aí manhã com ele no gabinete presidencial
era demais. A redação pegou mal. Con- para costurar essa alternativa. Às 6 horas, já
tudo, os partidos ainda não desistiram conversavam por telefone novamente para
de criar outro texto com efeitos seme- articular a votação imediata da medida.
lhantes para votação nos próximos dias. Como um presidente da Câmara novato
PT, PSDB, PMDB e outras siglas tra- em busca de uma reeleição controversa – a
balham nos bastidores por uma anistia interpretação fria do regimento aponta que
mais discreta. O modelo em discussão ele não pode disputar o posto novamente
prevê que se torne crime a partir de –, Maia abraçou o espírito de corpo de um
agora a prática de caixa dois não apenas Parlamento que se vê caçado pelo Judiciá-
nos 45 dias de campanha oficial, mas rio e pelo Ministério Público. A ameaça

Em tramitação no Congresso, o pacote anticorrupção

redação de uma emenda de dos políticos acusados de


plenário. Se for aprovada, ela receber recursos desviados
abre caminho para a anistia a da Petrobras, via empreiteiras,
crimes de corrupção e lavagem afirma ter usado o dinheiro
de dinheiro. em campanhas ou atividades
Com papel timbrado da Câmara, partidárias. Eles poderiam
Segundo o projeto aprovado mas de autoria desconhecida alegar que, em vez de corrupção
pela Comissão Especial da – ninguém assinou –, a emenda ou lavagem de dinheiro, fizeram
Câmara dos Deputados, no dia diz que “não será punível (...) caixa dois antes de isso virar
23, candidatos que receberem doação contabilizada, não crime. Serviria como uma
doações não declaradas à contabilizada ou não declarada anistia ampla, geral e irrestrita.
Justiça Eleitoral deverão (...) para financiamento de “Acaba com a necessidade da
responder por crime de caixa atividade político-partidária Operação Lava Jato”, disse
dois e ficar sujeitos a pena de ou eleitoral realizada até a Carlos Fernando dos Santos
até cinco anos de prisão. Na data da publicação desta lei”. Lima, procurador regional
madrugada seguinte, porém, A emenda favoreceria os réus da República, no Paraná,
os deputados articularam a da Lava Jato, já que a maioria encarregado da força-tarefa.

54 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


que a Lava Jato passou a representar
aos parlamentares gerou uma reação
corporativista em que deram os braços
praticamente todos os partidos do país.
Na saída de uma das reuniões, no final
da noite da quarta-feira, o deputado pe-
tista Vicente Cândido representou bem
esse sentimento. Meio constrangido,
mas pragmático, ele explicou que prati-
camente todo o texto do projeto inicial
havia sido modificado para incluir a
anistia. Frisou bem que todos os líderes
concordavam. “Quem não está partici-
pando disso é o PSOL, a Rede, esses aí”,
disse. Parte da bancada petista também
ameaçou ficar de fora do acordo e, nos
bastidores, dizia não querer ajudar tuca-
nos e peemedebistas a se salvarem depois
que a Lava Jato praticamente dizimou
o PT. Rodrigo Maia, obviamente, tenta
agradar a todos para obter seus votos
caso consiga viabilizar juridicamente sua
candidatura até a eleição, em fevereiro.
Não foi à toa que o presidente da Câ-
mara emprestou a mesa de sua sala de
jantar por mais de quatro horas na terça-
feira para que deputados de PT, PCdoB,
DEM, PP e PSDB retalhassem o relatório
do pacote anticorrupção elaborado pelo
deputado Onyx Lorenzoni, seu colega
de partido. Sem pudores, os parlamen-
tares bateram boca com o relator e o
acusaram de agir sob a tutela do Minis-
tério Público, ignorando as opiniões de s

proposto pelo Ministério Público pode virar uma lei de anistia a corruptos

eleitoral – prazo de 45 dias


antes do primeiro turno de
uma eleição. Mas alguns
deputados querem excluir do Tramita no Senado, em regime
projeto a parte que fala em de urgência, a reforma da lei de
Pelo texto original, proposto “período eleitoral”. Assim, crimes de responsabilidade, de
pelo Ministério Público, um político pego a qualquer 1950. Parlamentares querem
devem ser enquadrados em momento com dinheiro sujo que a lei passe a atingir juízes,
crime de caixa dois apenas – um caso de corrupção – desembargadores e membros
os candidatos que receberam poderia buscar punição mais do Ministério Público – algo
recursos não declarados à branda, ao dizer que se trata que não constava do pacote
Justiça durante o período de recurso de campanha. anticorrupção enviado ao
Congresso. Como já existem
mecanismos para coibir
“INCLUA-SE ONDE COUBER” abusos no Judiciário, a
P
Proposta anônima de emenda ao pacote anticorrupção. inclusão de magistrados serve
S
Se aprovado, o texto anistia crimes de caixa dois anteriores para inibir e constranger.

Foto: Leonardo Benassatto/Futura Press/ Estadão Conteúdo 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 55


T E AT R O D A P O L Í T I C A

colegas que dividem mesas, corredores


e votos com ele. A desconfiança era tão
grande que pelo menos um deputado
acompanhou Lorenzoni nas vezes em
que ele se levantou para respirar no jar-
dim da mansão: seus pares queriam ter
certeza de que ele não telefonaria para
algum procurador para narrar a blitz
que sofria e pedir sugestões. Depois que
o relator se foi, os líderes determinaram
que o texto deveria ser apresentado de-
finitivamente na comissão no mesmo
dia. “Ele não aguenta mais uma noite
de pressão do Ministério Público”, disse
um tucano. Maia chancelou a estratégia.
O projeto anticorrupção abriu uma
guerra fria entre os Poderes e as insti-
tuições envolvidos na Lava Jato. Quan-
do parecia que os deputados poderiam
ter êxito na aprovação da anistia, o juiz
Sergio Moro, responsável pela maioria
dos processos da operação, emitiu uma
nota pública contra a manobra do Par-
lamento.“Anistiar condutas de corrup-
ção e de lavagem impactaria não só as
investigações e os processos já julgados
no âmbito da Operação Lava Jato, mas
a integridade e a credibilidade, interna e
externa, do estado de direito e da demo-
cracia brasileira”, escreveu o magistrado.
“Preocupa, em especial, a possibilidade
de que, a pretexto de anistiar doações
eleitorais não registradas, sejam igual-
mente beneficiadas condutas de corrup-
ção e lavagem de dinheiro praticadas na uma estratégia de fortalecer as relações
forma de doações eleitorais, registradas entre MP e Legislativo. Abriu a porta de
ou não”, afirmou. O coordenador da seu gabinete para audiências com par-
força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallag- lamentares, criou uma secretaria para
nol, acompanhou boa parte dos debates tratar do tema e designou integrantes
em pé na comissão especial do projeto do Ministério Público para circular no
e circulou pelos gabinetes de líderes ao Congresso. Mas a Lava Jato afetou essa
lado de representantes de associações estratégia. Por causa dos pedidos de pri-
de procuradores. Saiu esperançoso das são dos presidentes da Câmara e do Se-
conversas, mas seus movimentos foram nado e denúncias de vários deputados
tratados com desdém por alguns depu- e senadores, parte do Congresso desen-
tados minutos depois. volveu uma postura hostil em relação
A interlocução do Ministério Públi- à maior investigação criminal do país.
co com o Congresso sempre foi delica- No dia 17, Janot baixou uma porta-
da. É uma relação fadada ao fracasso ASSIM QUE O PROJETO ria formando um grupo de articulação
pela natureza da atividade. O procura- FOR APROVADO NA para garantir a aprovação do pacote.
dor-geral da República, Rodrigo Janot, Além da atuação no Congresso, no-
membro do MP desde 1984 e conhe- CÂMARA, RENAN meou procuradores nos estados para
cedor como poucos das entranhas do CALHEIROS APRESSARÁ que fizessem um trabalho de pressão
órgão a que pertence, chegou ao cargo nas bases dos parlamentares. O MP sabe
defendendo o diálogo (leia entrevista na
SUA TRAMITAÇÃO que a única coisa que pode barrar o des-
página 58). Manteve ao longo dos anos NO SENADO virtuamento das medidas é a pressão do

56 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


ção de projetos que podem delimitar
o impacto político e econômico das
investigações. Rodrigo Maia também
manteve contato com Renan Calheiros
sobre o assunto. Trocaram telefonemas
ao longo da semana, e o presidente do
Senado chegou a garantir que, assim
que o projeto for aprovado na Câmara,
será pautado na outra Casa. Renan é
um dos principais artífices da reação
do Legislativo à Lava Jato. No dia 6 de
dezembro, pretende votar um projeto
de lei que pune juízes e procuradores
acusados de abuso de autoridade.
Antes disso, na semana que vem, o
Supremo Tribunal Federal (STF) vai de-
cidir se Renan se torna réu pela acusação
de ter apresentado emendas que benefi-
ciariam a construtora Mendes Júnior em
troca de pagamento de despesas pessoais
da jornalista Mônica Veloso, com quem
mantinha relacionamento extracon-
jugal. Fora este, Renan é alvo de mais
11 inquéritos no Supremo – oito deles
advindos de investigações da Lava Jato.
Para muitos figurões da política,
mexer no projeto e garantir a anistia
ao caixa dois, além de uma manobra
clara de autopreservação, passou a
ser um ponto de honra. Em sua visão
particular, corporativa, esses políticos
tratam alguns episódios da Lava Jato
como abusos e símbolos de uma “dita-
ESPECTADOR
O procurador dura do Judiciário”. Usam como contra-
voto. O receio é que aconteça no Brasil Deltan DalIagnol ataque o discurso de fortalecimento
o mesmo que ocorreu na Itália, onde na Câmara. Ele institucional do Legislativo para criar
o Parlamento destroçado por prisões foi observar mecanismos que impeçam o avanço das
a votação
de políticos corruptos aprovou medi- investigações sobre seu mundo.
das legislativas para melar a Operação Rodrigo Maia deu a senha para su-
Mãos Limpas, um modelo para a Lava portar a saraivada de críticas na últi-
Jato. Na quinta-feira, durante um al- ma quinta-feira, quando anunciou o
moço com representantes da ONU que adiamento do pacote anticorrupção
atuam no combate à corrupção, Janot e prometeu um debate transparente:
foi questionado se os políticos do Brasil “Essa vai ser a nossa responsabilidade,
não têm medo das urnas. independentemente de qualquer tipo
Os deputados não estão sozinhos de pressão, que é legítima. A pressão
nessa trincheira. Não foi à toa que o da sociedade é legítima, contanto que
ex-deputado Sandro Mabel, assessor um Poder não queira subjugar outro
especial de Michel Temer, deu uma Poder”. Alguns políticos brasileiros não
passadinha no gabinete de Rodrigo enxergaram ainda que o mundo a sua
Maia para conversar com ele e líderes volta mudou. Procuram resistir a um
parlamentares quando o impasse sobre movimento maior, que os pressiona a
o caixa dois chegou ao nível mais críti- seguir as regras determinadas aos cida-
co, na noite de quarta-feira. O Planalto dãos comuns. Foi por não perceber essa
evita deixar impressões digitais sobre circunstância que muitos deles foram
o caso, mas quer celeridade na aprova- apanhados pela Lava Jato e estão presos. u

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 57


E N T R E V I S TA

O VOTO E A LEI

“É uma
O procurador
Rodrigo Janot
num seminário
contra corrupção.

castração química” RODRIGO JANOT


Ele apela para a
sensibilidade dos
congressistas

O procurador-geral da República diz que a lei de


abuso de autoridade defendida por Renan Calheiros
tolheria a ação da Justiça em todas as instâncias
Alana Rizzo

A nove meses do fim do segundo mandato como


procurador-geral da República, Rodrigo Janot en-
frenta uma batalha para aprovar uma das marcas
de sua gestão: o pacote das dez medidas contra a corrupção.
Depois de reunir mais de 2 milhões de assinaturas, o pro-
ÉPOCA – No Congresso, alguns deputados dizem que o
pacote das dez medidas contra a corrupção nada mais
é do que um conjunto de medidas corporativistas e que
fortalecem o Ministério Público...
Rodrigo Janot – O mundo inteiro está fortalecendo órgãos
jeto de lei terá de vencer o corporativismo dos parlamen- de controle, e esses instrumentos não são do Ministério
tares, atingidos pela Lava Jato. E superar o clima de vin- Público contra políticos. Serão usados contra todos que
gança materializado na tentativa de se reduzirem poderes cometerem crimes, inclusive integrantes do Ministério
do Ministério Público. Nas últimas semanas, Janot foi pego Público. O dia em que a gente criminalizar a política, a
de surpresa pela velocidade com que a proposta – com sociedade não terá futuro. Os grandes problemas são re-
mudanças na legislação endurecendo regras do processo solvidos pela política: saúde, educação, infraestrutura...
penal – caminhou no Congresso. Em entrevista a ÉPOCA, Isso tudo é política. A política com P maiúsculo. Agora,
diz que as propostas vão acuar membros do MP, prejudi- a partir do momento que você tem políticos que usam a
cando as investigações. estrutura para cometer crimes, não posso dizer que estou s

58 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Foto: Sérgio Lima/Época


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E N T R E V I S TA Rodrigo Janot

criminalizando a política. Estou criminalizando o crimino- Nesse caso (se a lei nova vingar), eu poderia ser acusado de
so, seja ele político, empresário, integrante do Ministério crime de responsabilidade ou abuso de autoridade.
Público, magistrado, jornalista...
ÉPOCA – O receio é que o Ministério Público fique acuado?
ÉPOCA – Este Congresso com deputados investigados Janot – É. Como é que seria hoje se essa lei valesse? O Tribu-
pela Operação Lava Jato tem legitimidade e indepen- nal Regional Federal da 4a Região (com sede em Porto Alegre e
dência para analisar as medidas? jurisdição nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Janot – Confio no Parlamento brasileiro. O parlamentar Paraná) absolveu duas pessoas que tinham sido condenadas
vive de voto e a base vai perguntar como ele se comporta. pelo juiz Sergio Moro? Seria crime. É um crime de hermenêu-
O parlamentar exerce um mandato. Então, acredito que tica. Ele entendeu de uma maneira e o Tribunal de outra. Isso é
o Parlamento será sensível aos milhares que votaram e absurdo. Não é possível. É uma castração química dos órgãos
apoiam essas medidas, reconhecidas internacionalmente de controle. Quem é que vai se meter nisso? Na dúvida, não
no auxílio ao combate à corrupção e ao crime organizado. faço nada. Todo mundo quer uma lei de abuso de autoridade
eficiente e moderna. Então, vamos discutir. Essa lei é antiga,
ÉPOCA – Qual o impacto da proposta de anistia do caixa não serve. Agora, o que é esse projeto que está no Senado e
dois apresentada pelos parlamentares? essa proposta que vem e vai da Câmara e ninguém vê o texto?
Janot – Isso é uma impropriedade. Uma lei penal, que ins- Qual a razão da pressa de decidir isso? Vamos então fixar um
titui um tipo penal novo, nunca retroage. Ela só retroage prazo? Vamos discutir e formar um texto. Vamos apontar o
para beneficiar réus e acusados. Portanto, a instituição de que é e o que não é abuso de autoridade.
crime não pode retroagir. Os crimes serão aqueles prati-
cados de hoje – ou do dia da aprovação, da sanção da lei ÉPOCA – Outra crítica recorrente ao pacote é que ataca
– em diante. Se a dita anistia se refere aos liberdades e garantias individuais, além
crimes de lavagem de dinheiro, corrupção de ignorar medidas na área de educação
ativa, corrupção passiva, peculato e evasão para o combate à corrupção.
de divisas, isso pode ter reflexo, sim, em Janot – Qual é a restrição de liberdade?
processos em curso e em processos já en- O Parlamento Não tem restrição do direito de defesa.
cerrados, porque a lei penal retroage para será sensível aos Para combater crime, você tem três ver-
beneficiar, e nunca para prejudicar. tentes: educação, prevenção e repressão.
milhares que A gente está tratando de duas (prevenção
ÉPOCA – Como a inclusão do crime de votaram e apoiam e repressão). É um investimento que tem
responsabilidade para juízes e mem- medidas contra de ter sim. Sem mudança de mentalidade
bros do Ministério Público pode afetar e sem educação, a gente não reduz o ín-
as investigações? corrupção” dice de criminalidade. Não reduz mesmo.
Janot – Muda tudo porque muda o Tribu- Agora esse é um investimento que tem de
nal. É uma atuação técnica que terá jul- acontecer de médio para longo prazo. E até
gamento político caso a proposta seja levada adiante. Isso lá a gente não vai ter nada para reprimir e prevenir o que
não é bom. Soa estranho receber um julgamento político está acontecendo hoje? Vamos começar a educar nossas
por um delito técnico. O Judiciário existe para isso e o Par- crianças de hoje para o Brasil ser melhor daqui a 50 ou 60
lamento faz julgamentos políticos. Vai ter um recuo, com anos e até lá salve geral? Tem de ter educação, tem de ter
certeza, nas investigações. Qual a segurança que alguém repressão e tem de ter prevenção. Não existe um país no
vai ter para pedir uma prisão, uma busca e apreensão, de mundo que não tenha repressão. Todos esses instrumentos
oferecer uma denúncia? Alguém pensou diferente de mim das dez medidas existem nos países que são modelos e os
e vou ser julgado. Agora, toda a estrutura judiciária é exata- quais miramos, países desenvolvidos, democráticos e que
mente isso: ponto, contraponto e o resultado final. Defesa, respeitam os direitos humanos. São baseados em tratados
acusação e o resultado de um órgão imparcial. internacionais. Não estamos inventando nada.

ÉPOCA – Teria o mesmo impacto da lei de abuso de au- ÉPOCA – Qual a expectativa para a próxima semana?
toridade, proposta defendida pelo presidente do Senado, Janot – Estamos conversando. O relatório como foi apresen-
Renan Calheiros? tado é um avanço enorme. São instrumentos novos que são
Janot – Hoje já existe uma lei de abuso de autoridade, que é de postos para o combate à corrupção e ao crime organizado. Não
1965. É muito antiga. É ruim. Todo mundo em sã consciên- é só corrupção. Não há jabuticaba. Não existe coisa inventa-
cia quer uma lei nova. A nova lei tem de ser atual e eficaz, da. A grande maioria desses instrumentos consta de tratados
e não uma que cria o chamado crime de hermenêutica (de internacionais que o Brasil subscreve. E eles têm um coman-
interpretação). Vou dar um exemplo: se ofereço uma denún- do normativo para que isso seja incorporado às legislações
cia e o juiz a rejeita, o que aconteceu foi uma divergência internas. Ganhamos um tempo para que todos os envolvidos
sobre a qualificação do fato hipoteticamente criminoso. reflitam e decidam... Não com o fígado e nem com pressa. u

60 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


CENAS BRASILEIRAS

Viver em
meio ao
colapso
do Rio
Na favela, na política e
no governo o peso da
crise financeira do estado
esfacela as esperanças
Hudson Corrêa, Sérgio Garcia e Samantha Lima

A s fotos de três policiais mor-


tos em serviço, entre 2013 e
2015, estão na parede à direi-
ta de quem entra na Unidade de Po-
lícia Pacificadora (UPP) da Cidade de
têineres de latão no interior da comu-
nidade. No início da tarde da terça-
feira, dia 22, a maioria dos policiais
sai a campo para confrontar trafican-
tes de drogas que dominam o territó-
quem quiser me siga”, avisa um sol-
dado pegando o fuzil.
A viatura da UPP segue veloz por
ruas largas para os padrões das favelas
cariocas. Ao contrário da maioria delas,
Deus. Ainda falta o retrato de outros rio. A policial recepcionista do prédio a Cidade de Deus não é um morro. Nas
dois, assassinados em março e outu- explica que não é seguro entrar no calçadas, em botecos e na porta das ca-
bro passado. O prédio fica na rua mais miolo da favela para chegar à base do sas, com um misto de medo e raiva,
movimentada e tranquila da favela, Caratê, a área mais conflagrada. Me- moradores observam a viatura passar
mas as mortes ocorreram em locais lhor fazer uma longa volta por fora. por localidades de nomes bíblicos
perto das bases da UPP, frágeis con- “Estou indo para o Caratê por dentro; como Travessa Judá, Praça Matusalém,

62 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


NA RUA
Policiais em
operação na
Cidade de
Deus. Sem
investimento,
eles estão mais
vulneráveis aos
traficantes

Rua Jericó trepidando o fuzil na janela. a entrada em três ônibus adernados de movimento de bandidos. Até a semana
O carro da UPP chega ao ponto de tão cheios. São moradores a caminho passada, um problema mecânico era a
maior tensão, a Avenida Cidade de do enterro dos sete mortos no dia 19, causa mais provável.
Deus. Cortada por um rio tomado por durante o confronto de oito horas en- Os policiais na viatura da UPP igno-
esgoto e lixo, ela define os limites do tre traficantes e policiais. Os que se- ram a choradeira. O motorista atraves-
território de cada quadrilha. Os chefes guem de ônibus para o velório acredi- sa a ponte, vira à esquerda e chega à
do tráfico fatiaram a comunidade, po- tam que os policiais executaram as base da UPP no Caratê. Em frente ao
rém não brigam mais entre eles, como vítimas, suspeitas de ligação com o contêiner, um soldado com o fuzil ata-
no passado retratado pelo filme Cida- tráfico. A PM também sofreu uma ter- do ao peito observa o movimento. Ele
de de Deus, de 2002. O inimigo é a UPP. rível baixa. Quatro policiais morreram aponta para direita. “Se passar daquela
Há uma gritaria de pessoas que forçam na queda do helicóptero que filmava o curva, onde está aquele caminhão, s

Foto: Gabriel de Paiva/Ag. O Globo 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 63


CENAS BRASILEIRAS

largam o aço (atiram) na gente”, diz,


apontando um local a 50 metros. À es-
querda, fica uma padaria. Se o policial
for comprar pão, os traficantes atiram.
Em três anos de serviço, inúmeras vezes
o soldado trocou tiros com bandidos e
viu colegas entrar para a galeria de he-
róis. “Esses (sete moradores) que mor-
reram eram meliantes”, afirma.
A Cidade Deus foi a segunda favela a
receber uma UPP, em 2009, no projeto
de retomar áreas dominadas pelo tráfico.
O número de homicídios caiu de 36 para
nove ao ano. No dia 19 foram sete em
apenas um dia. O major Ivan Braz, por-
ta-voz da PM, diz que o confronto san-
grento ocorreu em parte por causa do
aumento de traficantes na área,“inflacio-
nada de criminosos”. Há cerca de 300
espalhados na favela, segundo os mora-
dores. Alguns andam com fuzis em com-
boios de mais de 20 motos. Cresceu o
número de marginais, mas diminuiu
para um terço o investimento do gover-
no em segurança pública, o que afetou
as 38 UPPs do Rio. Os policiais da UPP
trabalham em contêineres de lata e, mui-
tas vezes, com coletes à prova de balas
vencidos, que seguram tiros de pistola,
mas não de fuzil. Carcomida pela ferru-
gem e pela falta de conservação, a base
do Caratê abriga policiais quase entoca-
dos, que estranham visitantes. Três vira-
latas, um deles com sarna, dão alarme
quando alguém de fora chega. Por volta
das 14 horas, uma equipe da UPP sai da
base e entra na caminhonete estacionada
em frente à base do Caratê. Naquele mo-
mento, os ônibus de parentes partiam
para quatro diferentes cemitérios do Rio.
Enzo João, de 17 anos, único menor
de idade entre os sete mortos, será en-
terrado às 16h30 no cemitério da Pe- na mão. “A gente vai ser suspeito de
chincha, a 5 quilômetros da Cidade de algum crime sempre, só porque mora
Deus. Trazido do IML, o corpo ficara em Cidade de Deus”, diz Gisele da Sil-
alguns minutos sobre a mesa de con- va, tia de Enzo. Ela garante que o so-
creto no pátio. Sentado na estrutura à ENTOCADO EM brinho não tinha envolvimento com o
espera do rápido velório, um amigo de tráfico. “Só estava revoltado e parou de
Enzo, o garoto J., de 12 anos, conversa UM CONTÊINER estudar.” Os colegas cantam músicas
com um funcionário do cemitério. “Os ENFERRUJADO NA evangélicas e tocam no rosto de Enzo.
meninos entram para o tráfico para “Tá vendo o que acontece? Tem de to-
ganhar fama na favela”, diz J., que está
FAVELA, SE O POLICIAL mar cuidado”, diz a mãe para um me-
na 6a série e quer ser desembargador. SAIR PARA COMPRAR nino franzino que chora. A PM man-
Parentes de Enzo e muitos adolescentes PÃO, OS TRAFICANTES tém-se à distância.
maltrapilhos se debruçam sobre o cai- No dia seguinte, por volta de 11 ho-
xão, entre eles J., com uma rosa branca ATIRAM ras, um grupo de policiais militares

64 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


lícia Civil deixa a favela no começo da
tarde. Traficantes voltam a circular em
motos. Passam para cima e para baixo
sem parar no sinal vermelho.

ASSEMBLEIA QUE FOGE


Depois de passar por uma robusta
barreira policial na entrada da Assem-
bleia Legislativa do Rio de Janeiro
(Alerj), na manhã da terça-feira, dia 22,
um agente de segurança faz graça.
“Mais um dia no paraíso”, diz aos cole-
gas. O dia é de discussão de pontos do
pacote de austeridade enviado pelo go-
verno do estado – ou “pacote de mal-
dades” –, um conjunto de 22 medidas
que inclui corte de programas sociais,
adiamento de reajustes salariais e au-
mento de impostos e contribuições
para reduzir gastos e arrecadar R$ 28
bilhões extras em dois anos, suficientes
para pagar as contas. Para evitar nova
invasão do plenário diante da revolta
de corporações, a área em torno do Pa-
lácio Tiradentes e de seu anexo está
gradeada. Mais de 500 homens da PM,
do Bope e da Força Nacional circulam
pelos corredores revestidos de ladrilho
hidráulico do palácio, que foi sede do
Congresso Nacional até a transferência
da capital para Brasília, em 1960. “O
clima é de estado de exceção, com o
Parlamento tomado por forças poli-
ciais”, diz o deputado Osorio (PSDB).
O presidente da Casa, Jorge Picciani,
do PMDB, começa a primeira reunião
pouco antes das 10 horas e já se ouvem
gritos de manifestantes lá fora. Ouvidos
atentos, deputados começam a criticar
as medidas. O deputado Wagner Mon-
tes, do PRB, afirma que votará contra
NA POLÍTICA
A sede da Alerj tudo. Apenas os representantes dos
come pastel e toma caldo de cana numa cercada. O principais partidos da base aliada do
feira, sem largar os fuzis. Desde a ma- que deveria ser governo, entre eles PMDB, DEM, PP e
drugada, a Polícia Civil fazia uma var- a casa da PTB, ficam quietos. “O pacote é tão
vontade popular
redura na Cidade de Deus atrás de ar- tem medo ruim que você não consegue votar com
mas e bandidos. Os agentes agem das pessoas o governo”, diz Zaqueu Teixeira, do
amparados numa “medida excepcional” PDT. Por mais clara que seja a falência
da Justiça. Nem as casas de “moradores do Rio, nenhum parlamentar quer vo-
de bem” ficaram a salvo, pois suspeita- tar medidas impopulares. Na encenação
se que os bandidos as invadem para se do jogo político, os deputados recla-
esconder. “A polícia arrombou três mam que não há um cálculo claro da
apartamentos em meu bloco na Cidade economia que as medidas trarão. “To-
de Deus. São moradores que conheço e dos os pontos carecem de esclarecimen-
saíram para trabalhar”, protestou o tos financeiros. O governo não fez seu
rapper MV Bill, nas redes sociais. A Po- dever de casa”, diz a deputada Martha s

Foto: Pablo Jacob/Ag.O Globo 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 65


CENAS BRASILEIRAS

Rocha (PDT). Não mesmo: com o be-


neplácito da Alerj, todos os últimos
governadores gastaram além da conta.
Na tarde da quarta-feira, a Mesa Di-
retora se reúne para tratar da redução de
despesas da Assembleia. É parte do ma-
nual de sobrevivência dos políticos: di-
vulgar em forma de pacote alguns cortes
em gastos menores, para passar a im-
pressão de que “estamos fazendo nossa
parte”. Sentado ao lado do presidente
Picciani, o deputado Samuel Malafaia
(DEM) cobra que a Assembleia divulgue
mais os privilégios do Judiciário. É hora
de dividir a ira popular. Enquanto isso,
uma ruidosa manifestação corre solta lá
fora. “Você está discutindo no plenário
e ouve a explosão de bombas, sente o
cheiro de gás de pimenta”, diz o deputa-
do Marcelo Freixo, do PSOL. Nos gabi-
netes da Alerj há consciência de que dias
piores virão. Os servidores públicos de-
vem decidir na terça-feira, dia 29, se fa-
rão uma greve geral no dia 7 de dezem-
bro. “Vivemos a deterioração da
autoridade e do funcionamento do es-
tado”, diz o deputado Osorio, do PSDB.
“As pessoas não estão enxergando o que
está acontecendo. Estamos a passos lar-
gos para uma ruptura social.”

PEZÃO NA ESTRADA
Na noite da terça-feira, a 1.200 qui-
lômetros da tensão que se elevava na
Cidade de Deus e na Alerj, o governador
Luiz Fernando Pezão reunia-se com o
presidente Michel Temer e o ministro
da Fazenda, Henrique Meirelles, em
Brasília. Entre 21 e 23 horas, Pezão des-
trinchou os números da penúria flumi-
nense, sintetizados no astronômico
déficit de R$ 17,5 bilhões neste ano, no
gabinete da Presidência no Palácio do Pezão saiu da reunião com a promes-
Planalto. Enquanto a Polícia Civil se sa de ajuda. “Estou sempre pedindo”,
articulava para fazer uma operação nas diz Pezão. “Fui pedir ao governo ajuda
ruas e casas da Cidade de Deus, Pezão para fazer essa travessia.” Também pe-
dizia que as equipes de inteligência das diu ajuda à secretária do Tesouro, Ana
polícias detectaram que o número de Paula Vescovi, e à presidente do Supre-
fuzis nas mãos de bandidos, já elevado, COM MEDO DOS mo Tribunal Federal, ministra Cármen
pode aumentar exponencialmente com SERVIDORES, Lúcia. Queria sensibilizar Cármen so-
o fim do conflito na Colômbia entre o bre o julgamento de ações que podem
Exército e as Farc. “O Rio não fabrica DEPUTADOS NÃO assegurar recursos para o estado.
fuzis: recebe-os de fora, pelas rodovias”, QUEREM VOTAR O Pezão rodou dois dias em Brasília em
diz Pezão. “Apreendemos só até aqui PACOTE PARA SALVAR busca de dinheiro, a única solução para
280 fuzis. Imagina o que vai acontecer seus problemas. Com seus colegas go-
com a desmobilização das Farc?”. AS CONTAS DO ESTADO vernadores, passou mais de quatro ho-

66 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


messa são escassas. A principal e mais
difícil proposta de Pezão, de aumentar
de 11% para 30% o desconto previden-
ciário durante 16 meses, foi sumaria-
mente rejeitada pelo presidente da
Alerj, Jorge Picciani, do PMDB de Pe-
zão. A proposta que ainda sobrevive é
elevar a contribuição para 14%.“O pa-
cote não está sendo desmanchado. Está
caminhando”, diz Pezão, resignado.“Se
aumentar a contribuição para 14%, por
exemplo, já é bom.”
Dois dias depois, de volta ao Rio, Pe-
zão recebeu o secretário executivo da
Fazenda, Eduardo Guardia, que foi
olhar os números do estado para enten-
der o tamanho do problema e, a partir
daí, pensar em alternativas. Sua espe-
rança repousa sobre uma negociação
dos direitos de antecipar a dívida ativa,
em uma operação ainda em estudo pelo
Banco do Brasil. Nos cálculos de Guar-
dia, levará de três a quatro meses para
que algo entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bi-
lhões reforcem o caixa, junto com uma
nova operação de antecipação de royal-
ties do petróleo – a terceira desde 2011.
Não é de hoje que o caixa do gover-
no do Rio vive de antecipar o jantar
para pagar o almoço. Desde 2005, par-
te do problema vem sendo mascarada
graças à decisão da então governadora
Rosinha Garotinho de usar as receitas
dos royalties para cobrir o déficit da
Previdência estadual. Em 2012 e 2014,
Sérgio Cabral, hoje preso em Bangu
pela Lava Jato, antecipou recursos dos
royalties. Com a queda do preço do pe-
tróleo, a renda de royalties encolheu
70% e hoje é quase toda comprometida
com o pagamento dos antecipados.
NO GOVERNO
O governador do Rio O secretário da Fazenda, Gustavo
ras em uma reunião com Meirelles e de Janeiro, Luiz Barbosa, que acompanhou Pezão na
Temer. Ao final, Meirelles anunciou que Fernando Pezão, em viagem a Brasília, contava na quinta-
os estados e a União firmavam um com- Brasília. Ele pede -feira como passa os dias administran-
ajuda, mas não há
promisso de que estados vão se empe- dinheiro que resolva do o caos. Parte do tempo é gasta na
nhar para aprovar, nas respectivas As- busca de alternativas que compensem
sembleias Legislativas, limite para a queda na arrecadação de 5% neste
aumento de gastos à inflação do perío- ano. Diz já ter conseguido R$ 600 mi-
do, a exemplo do que o governo tenta lhões em arrecadação extra. Em outra
aprovar no Congresso, cortar despesas frente, Barbosa negocia com fornece-
com cargos comissionados em 20% e dores. “Os concessionários de serviços
não contratar mais servidores. A julgar públicos estão sendo compreensivos”,
pelo modo como a Assembleia do Rio diz. “Há outros fornecedores que es-
chuta o pacote de Pezão, as perspectivas tão há oito, dez meses sem receber. O
de os governadores cumprirem a pro- esforço é pagar servidores.” u

Foto: André Coelho/Ag. O Globo 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 67


C O N TA S A PA G A R

Um estado sem capacidade


de investir deixa de oferecer
o básico, como segurança.
Em Porto Alegre, o surto
de violência aterroriza
a periferia e os bairros
de classe média
Paula Soprana, de Porto Alegre
FAROESTE
Peritos criminais
inspecionam
cadáver em
Porto Alegre. Na
madrugada em
que ÉPOCA
acompanhou os
policiais, houve
homicídios em
sequência

Foto: Arthur Kolbetz/ÉPOCA 00 de janeiro de 2016 I ÉPOCA I 69


C O N TA S A PA G A R

uma madrugada de novembro, 24 anos na rodoviária. Uma mãe levou


Felipe*, de 22 anos, dormia no um tiro na cabeça na frente da filha na GUERRA POR
apartamento onde vive no bair- entrada de um colégio particular. Uma TERRITÓRIO
ro de Santo Antônio, em Porto Alegre. médica perdeu a vida em um assalto de Ao menos quatro grupos
Escolheu morar ali para ficar ao lado da semáforo, o que culminou no pedido de criminosos disputam o
Escola Superior de Propaganda e Marke- exoneração do então secretário de Se- comando do comércio ilegal
ting (ESPM), a universidade particular gurança Pública do Rio Grande do Sul, na Grande Porto Alegre. A
em que estudou publicidade. Depois de Wantuir Jacini. Nos bairros que já eram violência afeta bairros antes
retornar de uma festa e cair no sono as- mais violentos, a população foi colhida considerados seguros
sistindo a um filme qualquer, acordou por um estado de guerra selvagem. No
com o quarto silencioso e a visão da cha- início de novembro, quatro jovens fo-
ma de um isqueiro empunhado por um ram encontrados decapitados dentro de
desconhecido, que tentava iluminar seu um porta-malas em Alvorada, na região
1 SÃO JOÃO
14 de agosto
Uma médica de 32 anos foi vítima
de um latrocínio em seu carro, que
guarda-roupa. Só conseguiu gritar antes metropolitana. Em janeiro, o corpo e a estava parado no semáforo
de ser amordaçado e amarrado com rou- cabeça de um homem foram encontra-

2
pas e cadarços. Com a boca vedada, mal dos em locais distintos. No edredom em
conseguiu dizer ao assaltante a senha de que o corpo estava enrolado havia um HIGIENÓPOLIS
25 de agosto
seu smartphone. Nos 40 minutos seguin- recado de uma facção criminisa. Ao buscar o filho em um colégio
tes, precisou responder de sua cama sete ÉPOCA acompanhou uma madru- particular, uma mãe foi assassinada
vezes à pergunta feita aos berros: “Tu gada de trabalho da Polícia Civil em na frente da filha adolescente
é veado? Tu é veado?”. Apesar da imi- Porto Alegre. Nas primeiras horas de
nência de violência sábado, dia 19, os
física, Felipe chegou profissionais da Perí-
ao fim do episódio cia chegavam às pro-
apenas com a perda O ESTADO É DOS ximidades da Praça
de duas mochilas, POUCOS EM QUE Professor Jorge dos
roupas e eletrônicos, Santos Rosa. Os mo-
além de uma dificul- O INVESTIMENTO NA radores do entorno
dade para dormir ain- POLÍCIA CAIU DESDE se aproximaram. Em
da não resolvida. volta de dois corpos,
Um mês antes da
2014. O SALÁRIO os transeuntes pas-
invasão, ele estava
numa lanchonete da
Silva Só, ponto de en-
contro tradicional de
DOS POLICIAIS
PARCELADO
É savam curiosos, mas
conformados. De
acordo com depoi-
mentos dos locais,
3 BOM FIM
14 de novembro
Porto Alegre registrou o 31o latrocínio
do ano. Um vendedor de 29 anos foi
esfaqueado no Parque da Redenção
jovens famintos pós- um homem “hones-

4
balada, e precisou deitar no chão para to e trabalhador” com o apelido de
evitar balas de um tiroteio que começara Alemão fora morto por um foragido, MENINO DEUS
27 de setembro
na calçada próxima à Avenida Ipiranga, que havia retornado à área dias antes. Uma adolescente de 17 anos foi
uma via movimentada que liga leste a Depois de matar a vítima, o criminoso executada e arrastada pela rua em
oeste da cidade. Dias depois, encontrava- tentou roubar uma caminhonete para uma região boêmia da capital
se próximo ao local onde uma jovem de fugir, mas o motorista estava armado.
17 anos foi alvo de dez tiros no rosto. Crivou o atacante com quatro balas e
A moça foi assassinada no bairro Me- fugiu – foram dois homicídios sepa-
nino Deus, encostado na Cidade Baixa, rados por questão de instantes. “Ouvi
área com a maior concentração de bares os disparos e tive quase certeza do que
da capital gaúcha. Os locais de ocorrên- era”, contou a cunhada do foragido, de
cia de uma série de crimes assustado- pijama, roupão, meias e chinelo, cigarro
res fizeram a população perceber que em punho, perto do cadáver. Em fren- todos os meus colegas já foram rouba-
o padrão da violência havia mudado. te ao corpo, uma mulher que mora na dos no caminho para o colégio”, disse
Bairros outrora tranquilos ou que de- rua há 29 anos se lembrava de quando um menino de 13 anos. O trabalho da
mandavam apenas cautela com furtos era comum tomar chimarrão na pra- polícia naquela madrugada foi obser-
viraram zona de risco de morte. Em me- ça e comer churrasco na rua. “Hoje, a vado por dezenas de pessoas, incluindo
nos de três meses, um jovem de 18 anos gente não põe o nariz para fora se não crianças de colo, que não foram poupa-
foi executado no interior do Aeroporto houver necessidade.” O bairro é pobre, das de ver os corpos no chão.“A polícia
Internacional Salgado Filho e outro de mas os assaltos não dão trégua. “Quase costumava rodar por aqui, o que dava

70 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


Região
metropolitana

com múltiplas causas, e segurança ur-


A LÓGICA DA PRISÃO
O Presídio Central de Porto bana se obtém (ou se perde) por ações
Alegre não tem mais grades. e omissões em várias frentes. Mas o caos
Multidões de presos partilham nas contas públicas que levou o gover-
o espaço comum, mas nador José Ivo Sartori (PMDB) a de-
dividem-se por quadrilhas cretar estado de calamidade financeira
Bairros com conflito de facções mais intenso no dia 22 está no centro de qualquer
explicação para a onda de barbárie que
FACÇÃO 1
2a galeria do pavilhão A
varre a capital gaúcha. Ela se acirra, há
Surgiu no bairro Vila Bom
meses, pela diminuição do policiamento
Jesus e cresceu nos nas ruas – parte dos policiais trabalha
S di
Sarandi últimos cinco anos. Tenta sem estímulo devido a atrasos dos paga-
1 controlar Porto Alegre e mentos, parte apressou a aposentadoria
Rubem
R b mBBerta
t enfrenta reação dos rivais
para garantir direitos que consideraram
2 ameaçados, parte se demitiu e nunca foi
FACÇÃO 2 substituída. Segundo a previsão mais
3
1a e 2a galerias do pavilhão B otimista, 2016 deve se encerrar com 12
Mário Quintana Criminosos que se mil policiais militares no estado.
organizaram a partir do O salário de um praça, em torno de
4 município de Charqueadas, R$ 3 mil, é parcelado desde julho do
após abandonar
outras facções ano passado, em fatias pingadas que já
chegaram a módicos R$ 180. “No dia 5
Agronomia deste mês me faltou gás de cozinha. Eu
C istal
Cri t l C t
Cascata FACÇÃO 3 não tinha R$ 60 para pagar. A primeira
2a e 3a galerias do pavilhão B parcela que a gente recebe já fica direto
Seu líder foi por anos o bandido com o banco, porque as contas atra-
Vil Nova
Vila N Dilonei Melara, morto em sam”, diz o sargento Fernando Adolfo,
2005. Já mostraram poder de
provocar rebeliões na prisão de 45 anos, há 26 na ativa, pai de dois
filhos. “A viatura está sucateada e os
R ti
Restinga coletes à prova de bala estão vencidos.
FACÇÃO 4 Enquanto o marginal tem um (fuzil
Nas ruas metralhadora) AK 47, a gente tem uma
É um “embolamento”, como pistola 24/7 que passou por quatro co-
chamam os criminosos
– a união de quadrilhas
legas em um dia. Espero que o espírito
menores, a fim de enfrentar natalino esteja bom para o governador,
uma facção maior porque nós não temos garantia de co-
mida para os próximos dias.”
Em 30 anos de trabalho, Leonel
Lucas, diretor-presidente da Associa-
ção dos Cabos e Soldados da Brigada
(Abamf), disse nunca ter presenciado
algo parecido. “Se, hoje, o governador
colocar o salário em dia, ainda vai de-
morar quatro meses para o brigadiano
ajustar as contas. Depois do parcela-
Fotos: Agência RBS mento, começou o desestímulo e au-
mentou o bico na segurança privada”,
diz. O bico é ilegal. Ele afirma que mu-
um mínimo de sensação de segurança”, ciologia pela Universidade Federal do nicípios como Lajeado, com quase 80
contou outra moradora. Porto Alegre Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesqui- mil habitantes, dispõem de apenas uma
é o cenário do confronto entre facções sador de segurança pública há 30 anos. viatura. “A Brigada está algemada”, diz.
criminosas. “Pela primeira vez, há uma A guerra explodiu em grande parte por Devido à gravidade da situação,
guerra geral entre grupos que disputam culpa do Estado e se agrava bem num Porto Alegre conta com a presença da
a hegemonia do tráfico de drogas na momento em que o governo estadual, Força Nacional e participa de um plano
região metropolitana de Porto Alegre”, sem recursos, não consegue reagir. de combate ao homicídio com Natal
explica Marcos Rolim, doutor em so- Violência é sempre um fenômeno e Aracaju. Não há, entretanto, muito s

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 71


C O N TA S A PA G A R

mistério na emergência atual. O Rio decidiram se aposentar e o efetivo não


Grande do Sul foi um dos sete estados foi recuperado. Os que chegam agora
brasileiros a diminuir o investimento ingressaram por concursos em 2014.
em policiamento entre 2014 e 2015. De Praças da Brigada Militar não recebem
acordo com o 10o Anuário Brasileiro de nenhum curso de especialização, o que
Segurança Pública, o investimento no era comum em gestões anteriores, e con-
país subiu 17%, enquanto no Rio Gran- tam com a ajuda comunitária para pagar
de do Sul caiu 30%. O estado investiu a gasolina e trocar pneus das viaturas.
menos do que Sergipe e Acre, unidades Tiram do próprio bolso dinheiro para
da Federação muito menores. Mesmo as fardas. A Polícia Civil vive situação
com a crise econômica e a onda de de- semelhante. “Eu não me importaria de
semprego, a violência no país – medida receber parcelado, não me importaria
por homicídios dolosos a cada 100 mil nem de diminuir o meu salário, se o es-
habitantes – caiu um pouco, 3,7%, na forço fosse coletivo”, diz Marco Antonio
comparação com 2015. Os gaúchos so- de Souza, diretor da Divisão Judiciária
frem na contramão, com aumento de e de Operações da Polícia Civil. “Ago-
3,9% nos homicídios dolosos. Porto Ale- ra, se for só para alguns, não aceito um
gre, mais violenta que o Rio de Janeiro, é centavo a menos. Precisa de R$ 5 mil de
a única capital do Sul-Sudeste a figurar auxílio-moradia para o Judiciário?”
entre as dez piores do país. Do outro lado da lei, não faltam
Desde o primeiro dia de governo, Sar- recrutas nem estímulo. A ascensão do
tori deixou claro que cortaria gastos, mas grupo Bala na Cara, ou BNC, mudou a
os servidores da área de segurança não dinâmica do crime na região. Originá-
imaginavam ser tão afetados. No início rio da Vila Bom Jesus, o grupo ganhou
de 2015, o governador cortou 40% do fama pelo tiro de esculacho, jargão que
total de horas extras de civis e militares, designa o disparo destruidor da face. O
além de verba para custeios rotineiros. tiro no rosto do inimigo faz com que
Congelou promoções e novas contra- ele seja enterrado com caixão fechado.
tações nas polícias. Muitos policiais A expansão do grupo nos últimos cinco

A EXPLOSÃO DA RIO GRANDE DO SUL


VIOLÊNCIA
HOMICÍDIOS ROUBO LATROCÍNIO
Políticas ruins de gestão, Número absoluto Número absoluto Número absoluto
segurança e reeducação
de presos mostram 2.750 2.750 90.000 90.000 160 160
resultado trágico 79..112
14
43 14
40
405
2.4

351
homicídios dolosos foram
registrados em Porto Alegre
2.250
1.992
2.250 70.000

2
63.832
70.000 120 120

só no primeiro semestre 1.750 1.750 50.000 50.000 80 80


de 2016. É quase o mesmo
número de 2009 todo 44.923
64
1.4
418

44.390
2006 09 12 2015 2006 09 12 2015 2006 09 12 2015

Taxa por 100 mil habitantes Taxa por 100 mil habitantes Taxa por 100 mil habitantes
roubos foram registrados
no Rio Grande do Sul só no 2006 13,1 2006 592,2 2006 1,32
primeiro semestre de 2016. É
um número próximo do total 2009 15,0 2009 518,8 2009 0,58
do ano de 2011 inteiro 2012 17,9 2012 415,6 2012 0,81
2015 21,3 2015 703,0 2015 1,24

72 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


anos desestabilizou o comércio ilegal, que defendiam o “compromisso com o
FRONTEIRA
O bairro Menino Deus que era dividido entre várias quadri- lado certo da vida errada”. O “documen-
está numa parte lhas de bairro. O avanço do BNC gerou to” solicita espaço na prisão.
relativamente segura da o que os criminosos chamam de “em- A organização de facções nas prisões
cidade. Ali uma moça bolamento”, a reunião de facções me- remonta à época da gestão de Antônio
de 17 anos foi executada
com dez tiros no rosto nos expressivas para tentar se proteger. Britto, em 1995. De acordo com a pesqui-
A força contrária assumiu o nome de sadora de facções Marcella Cipriani, ba-
Bala nos Bala e deflagrou uma disputa charela em Direito e vinculada ao Grupo
territorial ilícita sem precedentes na de Pesquisa em Políticas Públicas de Se-
história recente do estado. gurança e Administração de Justiça Penal
O BNC, diferentemente do Comando (GPESC-PUCRS), um motim de 1994
Vermelho do Rio de Janeiro e do PCC de está na origem da tragédia atual. Há 22
São Paulo, não nasceu no cárcere. Hoje, anos, o detento Dilonei Melara ordenou
entretanto, as ordens saem da cadeia, da uma rebelião. Doze presidiários rende-
Terceira Galeria do Pavilhão F do Presí- ram 27 funcionários do extinto Hospital
dio Central de Porto Alegre. Em um dos Penitenciário do Central. Fugiram com
piores presídios do país (são 4.700 de- dez vítimas e, de táxi, invadiram o saguão
tentos para 1.800 vagas), os apenados fi- do Hotel Plaza São Rafael, chocando a
cam em galerias dantescas, já que as celas população. O recém-nomeado governa-
foram destruídas devido à superlotação. dor, como resposta, prometeu construir
O critério de distribuição pelas galerias novas prisões. Até que as novas vagas es-
não são a periculosidade ou a idade, mas tivessem disponíveis, a Brigada Militar,
o bairro ou a facção de origem, para evi- como é chamada a Polícia Militar gaúcha,
tar confronto entre quadrilhas inimigas. coordenaria os quatro maiores presídios
Com a atual estrutura, o estado fomenta do estado. Para amenizar a onda de mo-
a organização dos criminosos. A disputa tins e rebeliões, os brigadianos passaram
por espaço na cadeia ganha ares corpo- a distribuir os condenados por afinida-
rativos. No mês passado, jornais locais des. Britto criou cinco presídios, mas o
reproduziram um manifesto de detentos Central nunca foi desativado.A medida, s

PORTO ALEGRE PIOR QUE O BRASIL


Homicídios dolosos por 100
mil habitantes em 2015
HOMICÍDIOS ROUBO LATROCÍNIO
Número absoluto Número absoluto Número absoluto
584 39,5
600 600 34.000 34.000 40 40
30.9
960 36

480 480 26.000 26.000 30 32 30 25,7


457 24.456
6 21,3

360 360 18.000 18.000 20 20

14.111 12
28
83 BRASIL Rio Porto
Grande Alegre
2006 09 12 2015 2006 09 12 2015 2006 09 12 2015 do Sul
Variação em relação ao ano
anterior
Taxa por 100 mil habitantes Taxa por 100 mil habitantes Taxa por 100 mil habitantes
-3,4% 3,9% 2,7%
2006 19,7 2006 1.708,8 2006 2,23
2009 24,9 2009 1.398,0 2009 1,17 Fontes: Secretaria de Segurança
Pública do Rio Grande do Sul e Fórum
2012 31,0 2012 1.074,8 2012 1,02 Brasileiro de Segurança Pública
2015 39,5 2015 2.098,0 2015 2,40

Foto: Sergio Ranalli 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 73


C O N TA S A PA G A R

NA MULTIDÃO
Detentos no
que era para ser paliativa, já dura 11 anos. Presídio Central do). A quantidade de apenados mais que
A superlotação gera problemas em de Porto Alegre. dobrou no estado na última década, e,
série. No último dia 9, uma fotografia As grades foram mesmo assim, os índices de criminalidade
derrubadas
de presos algemados a uma lixeira no sobem.“Desde o início da gestão Sartori,
chão em Porto Alegre rodou o país. A entraram 6 mil detentos nas cadeias. Seria
alternativa no momento era eles fica- necessário criar dez penitenciárias para
rem dentro de uma viatura, com calor essa demanda”, diz o juiz Brzuska.
insuportável. Tem sido comum deixar Para conter a onda de violência,
os detentos em carros e micro-ônibus Schirmer, o secretário de Segurança,
antes de encaminhá-los ao Central. O que o sistema prisional gaúcho era bom diz ter um projeto de reforma do siste-
novo secretário de Segurança Pública para os padrões brasileiros nos anos ma prisional. Como medida paliativa e
do Rio Grande do Sul, Cézar Schirmer, 1970. Havia pequenos presídios distri- de curto prazo, quer implementar um
concorda que as prisões deixaram de buídos por áreas estratégicas do estado. centro de triagem onde os detentos fi-
cumprir qualquer função. “O sistema é Os novos investimentos se concentra- carão em contêineres. “Há preconceito
um depósito de seres humanos e uma ram em presídios grandes, mas o gas- contra o contêiner. Hoje tem escola,
escola de criminalidade”, afirma. to com as obras não foi acompanhado centro odontológico e hotel de contêi-
O único consenso entre autoridades pelo necessário investimento contínuo ner. Quem conhece sabe que é melhor
de segurança pública, policiais, presos em manutenção, segurança, treinamento que a prisão. É melhor do que ficar em
e especialistas é que o sistema prisional de funcionários e programas de ressocia- viatura também”, diz. A história recente
gaúcho, com déficit de 10 mil vagas, lização.“Nessa lógica de bandido bom é mostra que construir celas, apenas, não
entrou em colapso. Há quem defenda a bandido morto, as prisões sempre foram basta. As soluções – no plural, porque
construção de novos presídios por meio o primeiro alvo de corte de gasto dos go- nenhuma isolada resolverá o proble-
de parcerias público-privadas. Outros vernos”, afirma Brzuska. ma – vão requerer propostas arejadas.
pedem que o governo se concentre em Para piorar, prende-se muito no esta- E, como alicerce para elas, requer-se a
reprimir homicídios e aplique penas al- do. O Rio Grande do Sul tem 370 presos reorganização das contas públicas.
ternativas a infrações menores. por 100 mil habitantes, taxa superior aos Só assim um Estado consegue cumprir
A situação já foi bem melhor. O juiz 306 presos por 100 mil habitantes no Bra- suas obrigações básicas, como ofere-
Sidinei José Brzuska, que trabalha há 17 sil, que já é bem alta (o país tem a sexta cer condições humanas a detentos e
anos com execução de penas, considera maior taxa de encarceramento do mun- segurança a todos os cidadãos. u

74 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Foto: Sidinei José Brzuska


Chegou a
nova p l e t a , m ai s c o ol .
Mais bo nita, mais com

Agora toda nossa


cobertura é 3600°

Toda quarta nas bancas


Tod
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C O N TA S A PA G A R

Luís Lima
or mais de quatro décadas, gastar
mais do que se arrecadava pare-
cia não assustar os políticos elei-
tos e os gestores públicos do Rio Gran-
de do Sul. A expansão contínua dos
gastos era camuflada pelo recurso dis-
ponível no momento – aumento da
dívida, venda de ativos (quando possí-
Após muito tempo no vermelho, o Rio vel), aumento de arrecadação (quando
Grande do Sul atinge o fundo do poço – havia crescimento econômico). Medi-
das assim encobriam a criação de um
e precisa acertar as contas com o monstro: o crescimento da folha de
histórico de irresponsabilidade pagamentos, que hoje representa mais

76 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Foto: Naian Meneghetti/Raw Image/Agência O Globo


da metade das despesas do estado. não conseguiu emplacar mais governan-
Diante da pior recessão já registrada no tes no estado. Darcy Francisco, econo-
país, as alternativas para estancar a san- mista da Universidade Federal do Rio
gria fiscal cessaram. As contas entraram Grande do Sul (UFRGS) e um dos prin-
em colapso e levaram o estado à crise cipais especialistas nas contas estaduais,
financeira mais grave de sua história. é cético mesmo quanto a esse período.
Desde o primeiro dia de mandato, em Ele afirma que, nos sete anos em que
2014, o governador José Ivo Sartori não houve déficit, os números só melho-
(PMDB) deixou claro que enxugaria a raram por fatores atípicos, como receitas
máquina pública, mas os servidores não extras de privatizações e venda de ações
imaginavam que seriam tão afetados. do banco estadual Banrisul. “Nenhum
Sartorão da Massa, como foi apelidado governador fez um esforço genuíno
por apoiadores durante a campanha, para corrigir as contas no longo prazo”,
perdeu a imagem de homem simples, diz. Assim, PMDB e PT se tornaram os
mais perto do povo. Hoje, o governador maiores contendores políticos locais, e
conta as moedas para pagar em dia o sa- nenhum dos dois se propôs a adotar a
lário dos funcionários públicos que pres- responsabilidade fiscal. “O problema é
tam serviços essenciais à população, estrutural, com uma máquina estatal
como saúde, segurança pública e educa- antiga e dispendiosa, e também conjun-
ção. Em 2016, eles tiveram o benefício tural, agravado pela recessão”, avalia
parcelado por nove Marcelo Portugal,
meses seguidos (leia professor de econo-
mais na reportagem da mia da UFRGS.
página 68, sobre a cri-
se na segurança públi-
Nos sete anos em Desde a terça-fei-
ra, dia 22, o estado
ca em Porto Alegre). que não houve assumiu a calamida-
Dois fatores prin- déficit, as contas de financeira. O go-
cipais causaram a pe- verno repetiu o rotei-
núria atual: os gastos gaúchas só ro adotado pelo Rio
com a Previdência e o melhoraram por de Janeiro na véspera
mau hábito de pro-
meter reajustes de
fatores atípicos” da Olimpíada. A de-
cisão autoriza a ado-
salário escalonados Darcy Francisco, ção de medidas ex-
economista na UFRGS e especialista
ao funcionalismo, ou em contas públicas estaduais cepcionais, como o
seja, criar compro- enxugamento de ser-
missos futuros, sem viços públicos. O se-
pensar na criação das receitas correspon- cretário da Fazenda, Giovani Feltes, diz
dentes. O governo de Tarso Genro (PT), que o principal objetivo é comunicar ao
encerrado em 2013, deixou compromis- governo federal que, sozinho, o estado
sos de aumentos salariais até 2018. Tam- não sai do atoleiro (leia a entrevista na
bém pesou a queda na arrecadação, com página 80). A dívida pública cresceu 13%
a crise. Nas últimas cinco gestões, apenas no ano passado, para R$ 61 bilhões, num
HOSTILIDADE
Protesto de o governo da tucana Yeda Crusius con- momento em que deveria ter sido con-
servidores contra seguiu deixar as contas no azul (leia mais tida, já que a economia encolheu.“Como
a extinção de a partir da página 84).“O Rio Grande do a mesma União que gasta por ano mais
órgãos públicos. Sul era conhecido como o estado do pires de R$ 600 bilhões para rolar sua dívida
Privatizações e
demissões fazem na mão. Todo problema que tinha, ape- não encontra algumas dezenas de bi-
parte do ajuste lava a Brasília”, diz Yeda, que por decreto lhões de reais para ajudar a equilibrar
necessário estabeleceu que seu governo não poderia nossas contas?”, diz Feltes, num questio-
gastar mais do que arrecadava. O hábito namento que já traz sua própria respos-
de recorrer aos cofres federais com pires ta: dinheiro sobrando é algo tão inexis-
na mão é injustificável – o Rio Grande tente no governo federal quanto é no
do Sul tem economia diversificada e PIB estadual. No começo do mês, o governa-
per capita superior ao do Brasil. dor Sartori foi a Brasília apelar por um
Manchado por uma série de escânda- socorro de R$ 1,8 bilhão para pagar
los de corrupção em sua gestão, o PSDB em dia o 13o salário dos servidores. s

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 77


C O N TA S A PA G A R

O benefício referente ao ano passado foi


quitado só em junho deste ano. FALÊNCIA DECLARADA
A declaração do estado de calamidade Rombos fiscal e previdenciário crescentes,
faz parte de uma estratégia maior da ges- acrescidos de uma recessão que derrubou a
tão Sartori. Um dia antes de publicar a arrecadação do estado – eis a fórmula
decisão, o governo anunciou um pacote para o governo gaúcho chegar à penúria atual
de ajuste ambicioso, com 40 medidas. Ele
prevê a extinção de 11 órgãos ligados ao
Executivo – nove fundações, uma com-
panhia e uma autarquia – e a redução do
número de secretarias de 20 para 17. No
início de 2015, eram 29. Com isso, o go-
SÓ PIORA
verno estima demitir até 1.200 funcioná- Sem cortes de gastos, o saldo negativo das contas públicas
rios e economizar por ano R$ 146,9 mi- do Rio Grande do Sul voltará a crescer no ano que vem
lhões. Nas palavras do governador, “não
há plano B”, caso o projeto não seja apro-
Déficit orçamentário
em R$ bilhões
1,4
vado na Assembleia ainda neste ano.
0,5 0,7
0,2
Dentro do plano para elevar receitas, o
governo também quer privatizar ou fe-
deralizar quatro estatais.
O pacote também faz mudanças na
Previdência estadual, ao propor medidas Período 2010 2011 2012 2013
como o aumento da contribuição dos
servidores de 13,25% para 14%. Neste Receita total 34,7 35,6 39,5 44,4
ano, o déficit previdenciário deverá atin-
gir R$ 9 bilhões, conforme prevê a Secre- Despesa total 34,9 36,1 40,2 45,8
taria da Fazenda. Nos últimos sete anos,
o rombo aumentou quase 200%. No ano
passado, o governo Sartori aprovou o pro-
jeto de previdência complementar para

+
O GASTO EM 2015 Despesas correntes: 52,2
servidores públicos estaduais. A partir da O pagamento de pessoal e encargos
medida, os funcionários se aposentam sociais somam 60% da despesa Pessoal e encargos sociais 33,,5
com o teto-limite do INSS, de R$ 5.200. Juros e encargos da dívida 1,7
Em R$ bilhões
Sem a aprovação da reforma, as contas Outras 17
se deteriorarão mais. O rombo deste ano,
estimado em R$ 2,4 bilhões, deverá ul-
trapassar R$ 5 bilhões em 2017 e alcançar
R$ 8,8 bilhões em 2018. “Em dois anos,
ROMBO NA PREVIDÊNCIA DÍVIDA GALOPANTE
o buraco poderia ser de R$ 20 bilhões, Em proporção à receita, o estado tem Só a dívida com o governo federal
sem as medidas implementadas”, disse o maior déficit previdenciário entre corresponde a R$ 50 bilhões e
Sartori. Mesmo assim, no melhor cená- todas as unidades da Federação consome 13% do orçamento por mês
rio, o estado demorará quatro anos para
Déficit previdenciário em R$ bilhões Em R$ bilhões
atingir o equilíbrio fiscal.“Recuperar em
2020 é uma projeção otimista. Depende
5,2 6,2 6,5 7,2 8,5 9,0 43,2 47,2 50,4 54,4 61,8 68,4
do ajuste e da ajuda da União”, diz Feltes.
10 70
Um alívio pontual foi anunciado na
9
semana passada, quando o governo fe- 60
8
deral anunciou que repartirá entre os 7 50
estados cerca de R$ 5 bilhões referentes 6 40
à multa do programa de repatriação de 5
recursos no exterior. Para o Rio Grande 4 30
do Sul, o repasse deve ser de meros R$ 80 3 20
milhões, montante que cobre apenas um 2
10
dia e meio da folha de pagamentos do 1
0 0
estado, orçada em R$ 1,8 bilhão. Em uma
reunião a portas fechadas, o ministro da 2011 12 13 14 15 2016(1) 2011 12 13 14 15 2016(1)

78 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


Fazenda, Henrique Meirelles, acordou
com os governadores que o repasse exige
uma série de contrapartidas, que incluem

4,9
o aumento da contribuição previdenciá-
ria de servidores públicos, inclusão dos
estados na reforma previdenciária a ser
encaminhada ao Congresso neste ano,
apoio dos governadores ao projeto do
teto de gastos federal, preparação de uma
proposta nacional de teto de gastos para
os estados e a proibição de aumentos sa-
lariais no funcionalismo estadual por
dois anos. Parte dessas exigências já havia
sido feita na renegociação da dívida dos

1,3 estados com a União, em junho. Naque-


le momento, porém, depois que conse-
guiram o acordo, os governadores não
mostraram empenho em atender ao que

2,3 5,2 8,8 esperava o governo federal.


Sem mais alternativas de como pedir
socorro, o governo gaúcho se empenha
2014 2015 2016 2017 2018 em tentar equilibrar as contas com os
poucos recursos de que dispõe. Outros
50,4 50,3 estados ainda vão encontrar dificulda-
PROJEÇÃO SEM AJUSTE des iguais ou piores. Na fila da quebra-
51,7 55,2 deira, Minas Gerais, Goiás e Alagoas
estão em situação crítica. Todos recebe-
ram a pior nota em um estudo elabo-
rado pelo Tesouro Nacional neste ano.
“Estamos assistindo às consequências
R$ 55,2 bi
+ =
Despesas de capital: 2,8
do colapso da política pública em vários
Investimentos 0,658 governos estaduais, com uma crise fis-
Amortização da dívida 2,0 é o total das despesas do cal severa e que vai piorar”, alerta Mar-
Outras 0,150 estado do Rio Grande do Sul cos Lisboa, presidente do Insper.
No Rio Grande do Sul, o anúncio da
calamidade financeira e as medidas de
ajuste informam que as contas chegaram
ao fundo do poço. Os confrontos mais
PIB EM MARCHA A RÉ
Em sintonia com a crise 8,2 9,0 decisivos, porém, ainda estão adiante.
nacional, o PIB gaúcho amargou 8,0
Um corte feito às pressas nunca é o ajus-
quedas nos últimos dois anos e te ideal – entre os órgãos a ser extintos há
7,0
deve seguir no negativo alguns que poderiam ter papel relevante
6,0
Em % no desenvolvimento futuro da região,
5,0
4,4 como a Fundação de Economia e Esta-
BRASIL 3,9 4,0 tística (FEE) e a Fundação Estadual de
3,0
Rio Grande do Sul 3,0 Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Além
2,0 de depender do aval dos deputados esta-
1,0 duais, o governo precisará de apoio po-
0 0 pular, num momento em que os serviços
-1,0 públicos, como segurança, falham mise-
-2,0
ravelmente. A gestão Sartori encontra
-3,0 clima hostil, com protestos de funcioná-
-3,0 -2,1
(1) Projeção
-3,4 rios públicos apegados a benefícios e
-4,0
Fontes: Secretaria da Fazenda do Rio
estabilidade que os tornam uma casta
Grande do Sul, Tesouro do Rio Grande do à parte. O verão do ajuste das contas
Sul, FEE, IBGE e Fiergs
2011 12 13 14 15 2016(1) públicas está só começando a esquentar. u

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 79


E N T R E V I S TA

G I O VA N I F E LT E S

“Estamos juntando tostões


para pagar os servidores”
A lista de medidas do secretário da Fazenda gaúcho tem
boas sugestões a todos os estados: reformar a Previdência,
limitar aumentos salariais, fechar órgãos e privatizar
Luís Lima

N úmeros não descrevem completamente a crise das


contas públicas do Rio Grande do Sul. Em situação
de calamidade financeira, decretada na terça-feira,
dia 22, o estado envia um poderoso sinal de alerta ao país
inteiro – a todo cidadão e aos governos estaduais e muni-
o governo estadual poderia prestar em todas as áreas. Mas
acredito que todos estamos, enfim, conscientes da calami-
dade financeira que atravessamos. Já passou o momento
da gastança exagerada e da irresponsabilidade fiscal. Só
que não se cura uma doença grave com um analgésico. É
cipais que não tenham ainda reagido à seriedade do pro- preciso adotar medidas fortes.
blema. Neste ano, os salários de áreas como educação, saú-
de e segurança no Rio Grande do Sul foram parcelados de ÉPOCA – Qual é o efeito prático de declarar estado de
maneira emergencial nove vezes seguidas. Com a economia calamidade financeira?
arrasada, policiais mal remunerados e crise no sistema pe- Feltes – Facilita dialogar dentro do governo, indica que é
nitenciário, avançam no estado o crime organizado e a necessário priorizar as despesas, usar do melhor jeito possí-
violência. O governo gaúcho propôs um pacote de reformas vel os recursos disponíveis para manter serviços essenciais.
que provoca protestos de rua e incendiará os debates na Dialoga com a sociedade gaúcha, dando a exata dimensão
Assembleia Legislativa. Mesmo se as medidas forem apro- do problema. E também comunica à União que, sozinhos,
vadas, a recuperação é incerta – e aí os números nos dão não superaremos a crise. Precisamos de uma participação
outra dimensão dos problemas. A dívida do estado cresceu mais decisiva do governo federal.
mais de 40% desde 2011 e o déficit da Previdência cresceu
mais de 80% desde 2010. No começo do mês, o governador ÉPOCA – Por “participação mais decisiva” o senhor quer
José Ivo Sartori (PMDB) pediu ajuda de R$ 1,8 bilhão ao dizer mais recursos?
presidente Michel Temer. Segundo o secretário da Fazenda, Feltes – Sem dúvida, e com rapidez, pois o que acontece nos
Giovani Feltes, nos últimos 45 anos o estado fechou 38 estados reverbera na União. Alguns estados importantes,
deles no vermelho. A herança ruim foi legada também por como o Rio Grande do Sul, precisam de um olhar diferente.
gestões anteriores do PMDB, hoje novamente no governo. Necessitamos de uma “ponte” para atingir o equilíbrio. É
Feltes acredita que, no melhor cenário, o equilíbrio virá em difícil entender como a União, que gasta por ano mais de R$
quatro anos. “A recuperação em 2020 é uma projeção oti- 600 bilhões para rolar sua dívida, não vai encontrar algumas
mista. Depende do ajuste e da ajuda da União”, afirma. dezenas de bilhões de reais para construir essa “ponte”.

ÉPOCA – Em meio a tanta dificuldade, é possível ser oti- ÉPOCA – Quando o Rio Grande do Sul deve alcançar o
mista em relação ao futuro do estado? equilíbrio nas contas?
Giovani Feltes – Sim. Estamos frustrados pelo serviço que Feltes – No cenário ideal, considerando tudo o que já s

80 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


DESAFIO
O rombo das
contas gaúchas
neste ano
deverá somar
R$ 2,4 bilhões.
“Toda ajuda é
relevante”, diz
Giovani Feltes

Foto: Ricardo Jaeger 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 81


E N T R E V I S TA Giovani Feltes

foi feito e que ainda está por fazer, só teremos equilíbrio de custeio no Rio Grande do Sul caiu de R$ 5,3 bilhões em
em 2020. Nos últimos 45 anos, em 38 deles gastou-se mais 2015 para R$ 4 bilhões neste ano, uma redução de 20%.
do que se arrecadou. Como se diz aqui, “estourou o fole Mais que isso não dá para cortar, pois dentro do custeio
da gaita”. Recuperar em 2020 é uma projeção otimista e temos itens como merenda escolar e gasolina da polícia.
depende do ajuste no estado e da ajuda da União. Nessa
perspectiva, em quatro anos o tamanho do estado caberá ÉPOCA – A estratégia para aumentar a receita inclui pri-
no bolso do cidadão gaúcho. Com todas as ações propostas vatização de estatais. Quais seriam? Isso inclui o Banrisul?
esperamos ter um acréscimo de receita de R$ 6,7 bilhões. Feltes – Mandamos projeto para tirar da Constituição
estadual algumas empresas públicas cuja venda está con-
ÉPOCA – Quais medidas o estado já implementou? dicionada à exigência de aprovação em plebiscito. Esta-
Feltes – O aumento da contribuição previdenciária por mos falando da Companhia Estadual de Energia Elétrica
parte de servidores públicos faz parte do último pacote de (CEEE), da Companhia Rio-Grandense de Mineração,
ajuste (enviado à Assembleia Legislativa no dia 21). Ele prevê da Sulgás e da Companhia Estadual de Silos e Armazéns
o envio de um projeto de lei complementar para elevar de (Cesa). O Banrisul está de fora.
13,25% para 14% o desconto no cheque do funcionalismo.
Também aprovamos no ano passado o projeto que prevê ÉPOCA – Em março, a Secretaria da Fazenda previa défi-
uma previdência complementar para servidores públicos cit de R$ 6,8 bilhões neste ano. Por que o número era tão
estaduais. A partir dessa medida, os funcionários se apo- maior que a previsão atual, de R$ 2,4 bilhões?
sentam com o teto-limite do INSS, de R$ 5.190. Feltes – Por uma série de medidas e acontecimentos. Os
principais foram a renegociação da dívida com a União
ÉPOCA – E quais são as iniciativas na área do controle de (que postergou R$ 2,2 bilhões a ser pagos neste ano) e o pa-
gastos, na linha da proposta de emenda gamento de R$ 1,2 bilhão pelo Banrisul
à Constituição que cria um teto para o para renovar o direito de operar a folha de
gasto federal? pagamentos do estado pelos próximos dez
Feltes – Fomos o primeiro estado a apro- anos. Também tivemos aumento da car-
var, em 2015, uma lei de responsabilidade Nos últimos 45 anos, ga tributária (como as alíquotas do ICMS,
fiscal estadual mais rigorosa que a federal. em 38 deles gastou- elevadas até 2018) e os cortes de custeio.
Ela proíbe reajustes parcelados de salários
sem que se estudem o impacto financeiro se mais do que se ÉPOCA – O governo federal concordou
e a fonte do recurso. Também impede rea- arrecadou. Como se em repartir com os estados R$ 5 bilhões
justes para que governos futuros paguem. diz aqui, estourou da multa da repatriação de capital que
estava no exterior. Quanto essa verba
ÉPOCA – Qual é o peso da Previdência? o fole da gaita ” ajuda o governo gaúcho?
Feltes – Neste ano, o déficit da Previdência Feltes – É pouco, mas é importante. Jun-
deverá alcançar R$ 9 bilhões, consideran- tamos os tostões para dar um mínimo de
do os inativos, que são aposentados e pensionistas, e os recursos para os servidores nos últimos meses. Os cerca de
ativos. Há 350 mil servidores inscritos na Previdência, 55% R$ 80 milhões vindos da multa da repatriação dão para pa-
inativos e 45% ativos. O estado compromete 28% da receita gar um dia e meio de nossa folha de pagamentos. A despesa
corrente líquida só com os inativos – quase o dobro do Rio de pessoal de todo o estado é de R$ 1,8 bilhão. Toda ajuda
de Janeiro (15%). é relevante, mas ainda é pequena para cobrir o rombo de
R$ 2,4 bilhões deste ano.
ÉPOCA – Os números não mostram a urgência de uma
reforma do sistema previdenciário estadual? ÉPOCA – Em contrapartida ao dinheiro recebido com a
Feltes – Muitas medidas nessa área estão incluídas no pacote repatriação, os governadores se comprometeram a ajus-
recente de ajuste. Há uma proposta de emenda à Constitui- tar suas contas, o que inclui proibição de aumentos sala-
ção estadual para retirar o adicional por tempo de serviço riais por dois anos. O senhor considera o acordo razoável?
para novos servidores, como o adicional de 15% para 15 Feltes – Sim, tanto que as medidas já são aplicadas no es-
anos e de 10% para 25 anos de serviço. Os efeitos serão tado. Estamos além do ponto de discutir mérito (das pro-
sentidos em até 20 anos. O pacote inclui 40 medidas que postas). O quadro atual é de necessidade. Tanto que o go-
batem em Chico e em Francisco. O governo atual não está vernador reconhece que estamos em calamidade financeira.
pensando nas eleições. Está pensando nas gerações futuras.
ÉPOCA – É certo que os estados cumprirão o acordo?
ÉPOCA – Quais foram os principais cortes de custeio? Feltes – Estaria fazendo um juízo de valor de outros estados.
Feltes – O governo diminuiu de 29 para 20 o número de O que posso dizer é que, no Rio Grande do Sul, estamos
secretarias. Foram alvos de cortes diárias, viagens, cursos, fazendo a lição de casa. Fizemos e propomos novas medidas,
consultorias e horas extras, entre outros. O peso dos gastos de forma inédita. u

82 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


IDEIAS
C O N TA S
A PA G A R

Para combater o corporativismo


gaúcho, o governador José Ivo Sartori
terá de ser combativo como
o Capitão Rodrigo de Erico Verissimo
Fernando Schüler
governador do Rio Grande do Sul, José
Ivo Sartori, deu uma de Capitão Rodrigo
Cambará entrando na venda do Juvenal,
em Santa Fé. Propôs a mais atrevida re-
forma administrativa da história gaúcha recente. E
vai enfrentar o corporativismo gaúcho em defesa
de suas velhas repartições públicas.
Nas últimas duas décadas, o governo gaúcho
só operou no azul durante o governo Yeda Cru-
sius, entre 2007 e 2010. Durante anos, os políti-
cos gaúchos se habituaram a aprovar orçamentos
sem base fiscal na Assembleia Legislativa. Na prá-
Fernando Schüler tica, autorizavam o Executivo a gastar dinheiro
é cientista político, doutor que não existia. Se fosse um país, era fácil resol-
em filosofia, professor do
Insper e curador do ciclo
ver. Bastava emitir moeda e passar a conta para
de debates Fronteiras todo mundo. Mas não dá. O Rio Grande perdeu a
do Pensamento guerra em 1845. É apenas um estado. E quebrou.

84 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


GASTANÇA
Tarcísio Meira
interpreta o
Capitão Rodrigo.
Entre os últimos
governos,
apenas o de Yeda
Crusius cumpriu
o orçamento

É evidente que existem fatores “estruturais” na


crise gaúcha. O estado tem o funcionalismo com
idade média mais alta da Federação. Tem o maior
déficit previdenciário, em torno de 25% da recei-
ta líquida, e gasta 55% da folha de salários com
inativos. Houve uma estiagem forte, também, em
2005, e nos anos 1990 circulava uma vaga ideia,
nas noites frias de Porto Alegre, de que o estado
seria o centro do Mercosul. Nada disso aconteceu.
É da vida. As pessoas envelhecem, o clima às vezes
não coopera. É para isso que serve a liderança
política. Para antecipar, olhar para o futuro com
realismo, ajustar as instituições.
O governador José Ivo Sartori lançou um
plano ousado de reforma do estado. Talvez te-
nha esperado demais. Por algum tempo pare-
cia atordoado com o tamanho da crise gaúcha.
Agora tomou rumo. Se o pacote não resolve a
crise do gaúcho, mostra claramente um cami-
nho. É a mais radical proposta de reforma feita
na história recente gaúcha. Sartori deu uma de
Capitão Rodrigo Cambará entrando na venda
do Juvenal, em Santa Fé: “E então, gauchada, é
para mudar alguma coisa de verdade ou estamos
todos de brincadeira?”.
O pacote extingue 11 fundações estaduais. Boa
parte delas criada nos anos 1970, na esteira do
Decreto-Lei 200, do regime militar, que regulou
nossa antiga “administração indireta”. Só os mais
antigos lembram disso. Coisa do mundo pré-
revolução tecnológica. A ideia do estado grande,
metido a fazer de tudo. No Rio Grande ainda é
assim. Tem empresa de informática, mineração,
silos e armazéns, canal de televisão, estação de
rádio, gráfica, banco estadual. Faz pesquisa eco-
nômica, remédios, concursos públicos, folclore. É
isso mesmo: tradição e folclore. O Rio Grande se
orgulha de ter o maior movimento tradicionalista
do mundo, todo privado. Mas tem de ter lá um
naco de governo para (tentar) fazer a mesma coisa.
Nos anos 1970 havia a ideia de que um estado
grandão assim fazia sentido. O mercado era me-
nor, a população mais jovem, a Previdência pú-
blica não pesava e não existiam ainda as amarras
burocráticas da Constituição de 1988. Tome-se o
caso das televisões públicas. Surgiram no final s

Foto: TV Globo/Bazilio Calazans 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 85


C O N TA S A PA G A R

públicas. É um estado organizado, feito de cor-


porações influentes na opinião pública. Por isso
o conservadorismo. Qualquer pequena reforma
enfrenta a minoria barulhenta e a relativa indife-
rença da maioria silenciosa. Do pacote de Sartori
se dirá que dá para manter o governo do tamanho
que está. Que basta ir atrás dos “sonegadores”.
Sempre aparece esse discurso quando alguém
sugere dar uma enxugada no governo. Brotam
economistas de Facebook de todos os lados, com
a solução que nunca havia ocorrido a ninguém:
dar um pranchaço (de leve) na turma sonolenta
da Fazenda e mandar cobrar quem está devendo.
Fácil, não? Para que complicar?
O argumento mais comum diz o seguinte: não
vale a pena extinguir este ou aquele órgão público
visto que a economia gerada é muito pequena.
Li de um bom economista que não valia fechar
a fundação de economia estadual, pois ela repre-
sentava apenas 0,074% do orçamento; li de outro
que também não valia fechar a TV Educativa,
pois a economia seria de 0,06%; e também que
não fazia sentido passar a conta de 300 sindi-
calistas pagos pelo governo para os respectivos
sindicatos. Lendo essas coisas imediatamente me
lembrei de Alfred Kahn, economista america-
no, e sua tese da “tirania das pequenas decisões”.
Um ajuste fiscal estrutural é complicado porque
necessariamente demanda um sem-número de
pequenas escolhas. Nenhuma capaz de resolver
sozinha o problema. E todas difíceis.
É evidente que o debate sobre um ajuste estru-
tural do estado não pode ser feito perguntando
quem acha mais ou menos bacana este ou aquele
órgão público. As perguntas a serem feitas são:
estes serviços são prioritários? Eles precisam ser
prestados pelo governo? O mercado ou o ter-
PRIORIDADE
Sede do banco ceiro setor não dão conta? O governo não pode
Banrisul. Faz dos anos 1960, quando havia quatro ou cinco comprar o que precisa no mercado? Faz sentido
sentido gastar canais à disposição das pessoas. Hoje são virtual- o governo – leia-se, o contribuinte – se endividar
milhões do mente infinitas as opções de canais abertos, comu- R$ 2 bilhões a cada ano para manter isso tudo?
contribuinte
para manter nitários, universitários, por assinatura, on demand, Torço para que o Rio Grande faça sua virada,
estatais? afora a internet. Equipamentos de produção são mas confesso meu ceticismo. Pouca gente sabe,
baratos, os youtubers fazem sucesso e as velhas mas na Praça da Alfândega, no coração de Por-
TVs educativas são traço na audiência, mesmo to Alegre, tem uma torrezinha de petróleo. É o
com muita gente boa por lá, em geral vivendo a único monumento do planeta com uma placa
frustração cotidiana da burocracia pública. dizendo “em defesa do monopólio e contra os
O mesmo vale para as empresas. O Rio Gran- contratos de risco”. De vez em quando o pessoal
de do Sul deve ser o único estado brasileiro com vai lá em procissão e faz honras à campanha
uma lei que obriga haver plebiscito para privati- do “petróleo é nosso”. Sempre penso que é por
zar uma empresa. Os ingleses fizeram um plebis- ali que mora o verdadeiro coração da provín-
cito para decidir se sairiam da União Europeia; cia de São Pedro. Logo saberemos. Se tudo der
os gaúchos teriam de fazer um caso decidissem errado, ao menos teremos visto um governador
vender sua companhia de gás. gaúcho, gringo dos bons, numa tarde perdida de
O ponto é que o velho Rio Grande resistirá novembro, citando Margaret Thatcher no salão
até não mais poder em defesa de suas repartições Negrinho do Pastoreio. u

86 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Foto: Itamar Aguiar/Agência Freelancer/Folhapress


HELIO GUROVITZ

O risco adolescente
de idealizar o passado
V ivemos tempos passadistas. Os mais materialistas po-
rão a culpa na crise de 2008. Dirão que, além de US$
14 trilhões de riqueza, sumiram também as ilusões de um
estrutura. Meaulnes é colocado na mesma categoria do po-
pular O apanhador no campo de centeio, do americano J.D.
Salinger. Na França, é leitura obrigatória nas escolas e faz
mundo sem fronteiras, em que o futuro seria ditado pela enorme sucesso. Como Salinger, Fournier narra os conflitos
ciência, pelo progresso tecnológico e pela marcha inexorável da adolescência, as dores do crescimento, a recusa em ama-
do livre-comércio e da democracia liberal. Os mais afei- durecer. Mas adiciona ao enredo um ingrediente trágico e
tos à cultura apontarão para a onda retrô anterior à crise. moderno, que demonstra os limites dessa atitude.
Dirão que, nas últimas décadas, nada de novo foi criado O personagem central é o adolescente Augustin Meaul-
neste planeta; que os países da Ásia, da América Latina nes, em plena passagem para a vida adulta. Ele surge como
ou do Leste Europeu jamais acreditaram em democracia, um herói romântico, em busca de um amor inatingível – a
capitalismo ou liberdade para valer; que o futurismo do bela mulher que conheceu na festa de casamento em um
Vale do Silício jamais convenceu os caipiras do Meio o-Oeste.
O t castelo
t l mis isterioso, onde fora parar por acaso, depois de
Escolha a explicação que preferir, o passado está desviar de seu caminho. Não consegue voltar ao
de volta. Um passado longínquo, idealizado, em loccal. A procura pelo castelo e pela mulher idealiza-
que a vida era mais simples, o campo tinha mais daa se transforma numa montanha-russa de planos
valor que a cidade, a comunicação era monoglo- delirantes, decepções tornadas esperança, depois
ta, os estrangeiros traziam apenas um tempero traansformadas novamente em frustração. As re-
exótico, a religião tinha mais autoridade que a virravoltas inverossímeis quase fazem da narrativa
técnica, havia certezas morais, pureza de propó- umma parábola. Graças à intervenção do narrador,
sito, heróis e grandeza – em vez de vítimas que Fraançois, Meaulnes acaba por se reunir à amada.
reivindicam todo tipo de reparação. Maas àquela altura, em nome de seus sentimentos
O passadismo está na eleição de Donald LIVRO DA SEMANA
puuros e de seu dever moral em relação a eventos
Trump e na invasão do Congresso Nacional para preetéritos, já tomara uma decisão que acaba por
pedir a volta dos militares. Nas revoltas contra a O bosque das ilusões ttornar impossível sua felicidade ao lado dela.
perdidas
globalização e na idolatria a policiais, procurado- Alain-Fournier O que torna Meaulnes um livro atual não é a
res e juízes, tidos como heróis da cruzada moral descrição das dores da adolescência, nem o caráter
Nova Fronteira
para acabar com a corrupção. Na “pós-verdade” 1987 rocambolesco do enredo. É o retrato trágico do
que contesta cientistas, especialistas e a“mídia”. Na 212 páginas heroísmo moral, da tentativa de idealizar um amor
tentativa de desmantelar acordos comerciais, am- (esgotado) e de viver com base nas ilusões do passado. O futuro
bientais, nucleares e as estruturas criadas depois é sempre nublado. Qualquer tentativa de antevê-lo,
das duas grandes guerras, do genocídio e da bomba atômi- de construí-lo tentando consertar o que parece errado ou
ca. Parece que estamos de volta ao século XIX, no auge do de tentar moldar a realidade para corresponder a ideais de
Romantismo, quando a vida áspera trazida pela Revolução transformação ou revolução estará fadada a esbarrar na
Industrial levou à idealização da Idade Média, dos princí- diversidade de reações e visões de mundo, inerentes à espé-
pios cavalheirescos, dos sacrifícios heroicos. O passado era cie humana e mais plurais que simplificações ideológicas,
melhor. Era bom. Era puro. Mas era também uma ilusão. como “comunismo”, “nacionalismo” ou “liberalismo”. Mas
Tal ilusão foi pelos ares em definitivo na Primeira Guerra idealizar o passado pode ser ainda pior. Olhar para trás, em
Mundial. Uma das primeiras vítimas, morto em combate busca do castelo perdido na infância, de um amor ideal, ou
aos 27 anos, em setembro de 1914, foi o escritor francês de um mundo de fantasia, mais puro e moralmente simples,
Alain-Fournier, autor de uma das mais belas obras literárias apenas torna o futuro ainda mais doloroso – sem amor nem
do século passado: Le grand Meaulnes, traduzido em portu- castelo. O sentido que resta a Meaulnes ao final de suas
guês como O bosque das ilusões perdidas. Lançado no ano aventuras não vem do heroísmo adolescente, mas do único
anterior à morte trágica do autor, foi o único romance dele. momento em que deixou de lado o passadismo para, por
Teve influência decisiva em obras mais conhecidas, como O um dia, viver o presente como gente grande. u
estrangeiro, de Albert Camus, ou O grande Gatsby, de F. Scott
Fitzgerald – este, ao que tudo indica, emprestou de Fournier Helio Gurovitz é jornalista hgurovitz@edglobo.com.br (e-mail)
não apenas o título, mas também o olhar do narrador e a @gurovitz (Twitter) http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/ (web)

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 87


VIDA
MENTE
A B E R TA

O filme A chegada usa o aprendizado de um idioma


extraterrestre para mostrar que a linguagem
pode influenciar a forma como pensamos
Nina Finco e Ruan de Sousa Gabriel

E m 1940, Benjamin Lee Whorf, um


engenheiro químico interessado
em antropologia, publicou o
artigo“Ciência e linguística”na revista do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts
mundo recebeu o nome de Hipótese
Sapir-Whorf, ou relativismo linguístico.
Nas últimas décadas, cientistas tenta-
ram provar essa teoria por meio de vá-
rias experiências. Nenhum deles foi tão
lavras em inglês numa lousa e faz mí-
micas sobre seu significado repetidas
vezes, até que o alienígena lhe apresente
a palavra correspondente em sua lín-
gua. Essa é a técnica que linguistas usam
(MIT, na sigla em inglês), nos Estados bem-sucedido quanto o cineasta cana- para decifrar idiomas desconhecidos de
Unidos. No texto,Whorf aplicava as ideias dense Denis Villeneuve no filme A che- tribos isoladas da sociedade. Baseia-se
do linguista alemão Edward Sapir sobre gada, que estreou na quinta-feira, dia no conceito de “gramática universal”,
a influência da linguagem no modo de 24. Valendo-se dos recursos da ficção segundo o qual todos os idiomas hu-
pensar dos indivíduos – ele defendia a tese científica, Villeneuve coloca em prática manos compartilham alguns princípios
de que os indígenas americanos tinham os conceitos de Sapir-Whorf. Mas, em básicos, como a organização em verbos
uma visão de mundo diferente dos falan- vez de línguas humanas, a trama se de- e substantivos. Ao desvendar o idioma
tes de inglês porque suas línguas originais bruça sobre línguas alienígenas. alienígena e sua forma de escrita, Louise
não diferenciam a conjugação dos tempos Baseado no conto “História da sua experimenta uma nova e inusitada for-
verbais.Devido a essa peculiaridade,os na- vida”, do americano Ted Chiang, A ma de enxergar o mundo a seu redor
tivos tinham dificuldade de compreender chegada acompanha a linguista Louise – exatamente como a Hipótese Sapir-
o conceito de temporalidade, mas conse- Banks (Amy Adams), recrutada pelo Whorf diz que a linguagem influencia
guiriam intuir a teoria da relatividade de governo americano para aprender a nossa percepção do mundo, nossa me-
Albert Einstein, segundo a qual o tempo língua dos alienígenas que visitam a mória e nosso comportamento.
passa de forma diferente de acordo com Terra. Os sons que esses seres emitem Pesquisas já atestaram que um vocabu-
o ponto de vista do observador. não se assemelham em nada ao que ela lário mais amplo, por exemplo, permite
Essa teoria sobre como a língua ma- já ouviu. É preciso partir do zero. Para distinguir mais cores. Um estudo publi-
terna molda a forma como vemos o aprender o novo idioma, ela escreve pa- cado em 1954 mostra que os falantes de

88 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


ESPERANTO
INTERGALÁCTICO
A linguista Louise
Banks (Amy
Adams) tenta
conversar com
aliens. Conhecer a
língua deles abrirá
seus olhos para
uma nova realidade

zunhi (língua de tribos indígenas do páginas aumentou. Anos depois, ele fez poupança em favor dos gastos imediatos.
sul dos Estados Unidos) tinham dificul- uma nova tradução, do russo para o in- Em A chegada, a análise da linguista
dade de distinguir a cor laranja da ama- glês, intitulada Fala, memória.“Nabokov Louise conclui que o idioma dos aliení-
rela, pois contavam com apenas uma passou toda a sua infância na Rússia e tal- genas não se apoia em definições claras
palavra para as duas tonalidades. Outro vez ele se sentisse mais confortável para de presente, passado e futuro. Por isso, a
estudo, de 2007, mostrou que os russos, escrever sobre aquela experiência em sua escrita extraterrestre não é linear como as
que têm vocábulos diferentes para azul- língua materna”, afirma a linguista Jessica línguas humanas, escritas da direita para
claro (goluboy) e azul-escuro (siniy), Coon, consultora do filme. “As pessoas a esquerda ou da esquerda para a direita.
eram melhores que os anglófonos para podem associar determinada língua a um Todas as palavras se juntam em símbolos
perceber as gradações do azul. determinado tempo ou cenário.” circulares nos quais os verbos não têm
A língua materna também está ligada O economista comportamental Keith conjugação. Tampouco há correspondên-
à construção das memórias. Durante seu Chen vai além e argumenta que a língua cia entre a língua falada e a língua escrita.
exílio americano, o escritor russo Vladi- pode até mesmo influenciar a capacida- Os alienígenas falam por meio de sons
mir Nabokov escreveu uma autobiografia de de poupar dinheiro. Suas pesquisas que a garganta humana é incapaz de imi-
em inglês, Conclusive evidence (Evidên- concluíram que falantes de línguas que tar, mas os círculos que eles escrevem não
cia conclusiva). Quando se ofereceu para não diferenciam a conjugação de verbos são a representação gráfica desse discurso.
traduzi-la para o russo, atendendo a um no presente e no futuro, como o japonês É nesse aspecto que A chegada se torna
pedido de uma pequena editora nova- e o chinês, são mais econômicos. Entre um filme mais ficcional que científico. Se-
iorquina, Nabokov teve uma experiência eles, o hábito da poupança é 30% maior gundo a linguista Jessica, há sempre uma
proustiana: o contato com a língua de do que entre anglófonos. As gramáticas correspondência entre o escrito e o falado
sua infância trouxe de volta lembranças de línguas como o inglês (e o português) nas línguas humanas. Mas esse é o tipo de
que permaneceram encobertas quando constroem uma ideia de futuro distan- licença poética (ou, no caso, científica)
escreveu a obra em inglês. O número de te do presente, o que desestimularia a que cabe bem nos filmes de ETs. u

Foto: Jan Thijs/divulgação 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 89


brunoastuto@edglobo.com.br

Boa de briga
À flor da pele, próxima novela
das 9 de Gloria Perez, só
estreará em abril, mas o corpo
da atriz Paolla Oliveira já está
apanhando – literalmente.
Para viver a policial Geisa, uma
das protagonistas da trama, a
atriz tem visitado batalhões da
Polícia Militar no Rio de Janeiro
e frequentado aulas de MMA.
“Treino com uma lutadora faixa
preta. É tudo muito técnico.
Estou cheia de roxos. Mas tenho
me divertido muito”, conta ela,
mostrando alguns hematomas
nas pernas. Embora boa de
briga, a personagem será mais
uma mocinha em sua galeria
de personagens da TV. “As
pessoas me perguntam sobre a
sexualidade dela. Tenho ouvido
muito: ‘Ela é gay?’. Digo que é
uma mulher fora dos registros
tradicionais, uma chance de
sair do estereótipo. É feminina
e tem humor, ocupa um cargo
importante num meio em que
os homens predominam.”

Lá vêm os noivos
Juntos desde 2010 e pais de Dora, de 4 anos, o artista
plástico Vik Muniz e a produtora cultural Malu
Barreto vão oficializar a união no dia 10 de dezembro,
com uma bênção na capela Santa Ignez, no Rio, e
festa para 300 convidados na casa deles. “Já fomos
casados, então tínhamos uma superstição sobre a
possibilidade de assinar um papel de novo. Mas está
tudo tão bom que a felicidade quebrou a superstição”,
diz Vik. A lua de mel será no Sri Lanka e nas Ilhas
Maldivas. A noiva embarca nesta semana para Nova
York para pegar o vestido, assinado pelo brasileiro
Francisco Costa. “Confio tanto no trabalho dele que
só vou ver o modelo agora”, conta Malu, calmíssima.

90 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


Com Acyr Méra Júnior e Guilherme Scarpa

Noite de princesa
O baile de debutantes mais famoso
do mundo, que acontece no dia 26
no Hotel Peninsula de Paris, terá uma
brasileira entre as 18 garotas de 16 a 22
anos. Radicada em Londres, Alexina
Fontes Williams, de 17 anos, filha do
empresário carioca Luiz Williams e da
princesa italiana Valentina Moncada,
terá a companhia de nomes como
a princesa Zita de Bourbon Parma,
Daniela Figo, filha do craque português
Luis Figo, e a bailarina chinesa Yu
Hang. Todas usarão vestidos de alta-
costura feitos especialmente pelas
maisons que desfilam na capital
francesa – Alexina valsará com um
modelo da russa Yanina Couture.
“Já tivemos algumas debutantes
Malhação espiritual brasileiras, que são sempre gentis e
solares”, afirma a produtora Ophélie
Quatro anos depois de lançar um livro com dicas de treinos e alimentação, Renouard, que, há 24 anos, organiza
Gabriela Pugliese volta à escrita com A vida é mara, uma obra de autoajuda. a festa. “Elas não precisam ser garotas
“A gente amadurece. Hoje cuido tanto do meu lado espiritual quanto do de sociedade. No ano passado, tivemos,
estético. Dou mais valor a essa coisa de alma. Passei a ler livros sobre o por exemplo, a filha de um motorista
poder da mente. Daí surgiu a ideia do livro”, diz ela. Ao contrário do que de táxi de Londres. Elas devem ter um
seus milhões de seguidores pensam, Gabriela avisa que dá suas derrapadas. carisma especial, bom desempenho
“Acham que sou mais regrada do que realmente sou. Me alimento bem 80% escolar e querer uma experiência
do tempo. Mas, às vezes, entro numa fase desencanada. Minha perdição mágica de encontro de cultura e moda
são os doces.” A blogueira sobe ao altar no dia 22 de abril com Erasmo que vai muito além do Facebook.”
Viana, outro muso fitness. “Vamos casar em Trancoso, na Bahia, numa
celebração pé na areia para 400 pessoas. A festa terá show de Alinne Rosa.”

As fileiras de Gerald
Conhecido pela ousadia e pela
irreverência, o diretor teatral Gerald
Thomas dá sua visão dos fatos na
autobiografia Entre duas fileiras, em que
narra histórias envolvendo bacanais,
suicídio e depressão. Mas avisa que não
é tão desanimado assim. “Felicidade é o
quê? A Xuxa? Não teríamos Baudelaire
nem Kafka se não fossem a melancolia e
a tristeza. Qualquer existencialista tem
um vazio a preencher”, diz ele. “Não é
todo mundo que foi prostituto, marchou
contra o Vietnã e tomou porrada, que
foi ao Woodstock, que estudou pintura
e teve o apoio dos pais em tudo.” Aos
62 anos, ele se prepara para uma nova
imersão teatral. “Acharam em meus
arquivos o texto de Articulose, que quero
fazer com a Ana Carolina Lima.”

Fotos: Roberto Filho, Luiza Ferraz, Igor Dewe, 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 91
Camila Marchon/ÉPOCA, Bruno Ryfer
BRUNO ASTUTO Leia a coluna diária de Bruno Astuto em epoca.com.br

E N T R E V I S TA
Em paz
com a pinça
WA N D E R L É A Doce e tímida no início da
C A N TOR A
novela das 6, a recente rebeldia

“Não cheguei nem


de Milena, personagem de
Giovanna Lancelotti em Sol
nascente, tem conquistado

a fumar maconha” o público. “Como atriz é


maravilhoso acompanhar essas
mudanças. Tenho sentido a
identificação do público, muitas

N o ano em que comemora 70 anos


de vida e 50 de carreira, Wander-
léa faz sua estreia no teatro interpre-
mães de adolescente vêm falar
comigo”, afirma a atriz. Para
reforçar a nova fase, fez uma
tando a si mesma. Ela estrela o musical sugestão à direção da trama:
60! Década de arromba, que estreia no deixar de fazer as sobrancelhas.
dia 29 no Teatro Net Rio, no Rio. “Custei “Cheguei a ficar sete meses sem
a aceitar, porque vou ficar presa, com fazê-las. Mas agora já fiz as pazes
cinco sessões por semana. Mas, como com a pinça e estou com elas
só terei shows depois do Carnaval, to- bonitinhas.” Giovanna namora
pei”, vibra ela, que passa a limpo no há um ano o artista plástico
palco diversos hits da Jovem Guarda, Gian Luca Ewbank, cunhado
movimento que integrou com Roberto e do ator Bruno Gagliasso,
Erasmo Carlos. “Digo que foi um encon- que vive seu irmão na trama.
tro programado pelos astros.” Em 2017, “Essa intimidade que temos
a eterna Ternurinha contará toda a sua nos ajuda muito em cena.”
trajetória na autobiografia que está pre-
parando. “Entrego tudo até março.”
SEM IGUAL
ÉPOCA – Como anda esta estreia no Wanderléa no estúdio. Ela fará
á uma
palco aos 70 anos? viagem aos anos 1960 em cena a
Wanderléa – Eu já tinha feito alguns
filmes como atriz, o primeiro deles, Ju-
ventude e ternura. Estou achando mui- nizado ou programado, mas não. Digo
to interessante. Minha filha, Jadde Flo- que foram coincidências. Eu, Erasmo
res, também está no elenco. Tem um e Roberto éramos um gênero musical
clima de documentário, relembrando jovem. Eu já tinha contrato nna CBS.
desde a Rádio Nacional, Cauby Peixo- Não foi Roberto que me levouu para lá.
to, até o assassinato do Kennedy e a ida dois. Eles
Eu logo virei a maninha deles d
do homem à Lua. É totalmente focado eram garanhões, mas me pro otegiam.
nos anos 1960. Vamos ter projeções. A Eu tinha um pai bravo. Era muuito me-
equipe tem mais de 60 pessoas. nina. Hoje, participamos um daa vida do
one.
outro. Falamos muito por telefo
ÉPOCA – Teve experiências psicodé-
licas nos anos 1960? ÉPOCA – Como encara a pa assagem
Wanderléa – Não cheguei nem a fu- dos anos?
mar maconha. Sou meio controladora, Wanderléa–Tenhosaúde.Meusp paistam-
não gosto de sair de mim. Também não bém eram muito fortes. Faço p pilates há
sou de tomar porre, de bebedeira. Te- três anos, mas minha aeróbica é o palco.
nho muita energia já. Minhas filhas cos- Faço meditação, como comida nnatural e
tumam me dizer: “Mãe, menos!”. uma carninha de vez em quand do. Nada
é rígido comigo. Não fujo da vidda. E não
ÉPOCA – Quando fecha os olhos, o que quero entrar nessa de fazer interrvenções
lembra do começo da carreira? no rosto e ficar como essas pesssoas que
Wanderléa – Parece que foi tudo orga- você nem reconhece direito.

92 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016 Fotos: Robert Schwenck, Aninha Monteiro


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Ganhei o Emmy!
Q uando minha novela Verdades secretas se tornou uma
das finalistas do Emmy, maior prêmio da televisão
no mundo, já comemorei. Ser finalista já é muito. Tenho
interessou por minha pessoa. Entramos, houve um longo co-
quetel. Depois, o jantar, que eu achei mais demorado ainda.
Já estava certo de ter perdido. Melhor acabar logo com tudo.
expectativas sobre meu trabalho, mas sou muito ligado Os prêmios foram sendo anunciados sucessivamente. A
às minhas origens de garoto de classe média baixa de São certeza de que eu não ganharia cresceu. Sinceramente, não
Paulo. Acho importante homenagear as próprias raízes. acertava um! Telenovela foi um dos últimos. Passaram os trai-
Não venho de uma família letrada, mas meus pais acre- lers mais uma vez, e novamente achei todas ótimas.Aí, falaram:
ditaram em meu desejo de ser escritor. Para o garoto do – Hidden truths.
interior de São Paulo, apenas ser indicado para o Emmy Que é o nome de Verdades secretas em inglês. Levantei pas-
já estava mais que bom! mado, com um misto de sensações.“Eu ganhei? Eu ganhei?”,
Parti, com um grupo da Rede Globo, para Nova York. A pensava, sem acreditar. É estranho. Até então eu estava con-
decisão do Emmy passa por etapas. Tanto no Oscar como trolado, até blasé. De repente, havia ganhado o maior prêmio
no Emmy, seu equivalente na TV, a decisão é revelada na de TV do mundo. O EMMY! Fui para o palco. Minha sorte
hora. Os candidatos roem até as cutículas. foi que os diretores Felipe Binder, Alan Fiterman e Natália
No primeiro dia tivemos a cerimônia de entrega de Grimber me acompanharam. E as atrizes Grazi Massafe-
medalhas aos finalistas. Recebi a minha, já orgulhoso. Nos ra, Camila Queiroz, Agatha Moreira e Guilhermina Guinle.
dois seguintes, painéis. Todas lindas. O teatro só aplaudia. É uma
Painéis? Cada uma das categorias par- sensação incrível receber um troféu desses
ticipa de um debate, com um mediador, nas mãos! Pedi ao Lipe para agradecer em
em que fala de seu processo de criação e LEMBREI DA meu nome. E, depois, só consegui dizer:
produção. Assim, de repente vi-me sen- – I am very happy. Thank you! Thank
tado do lado de uma produtora filipina.
PRIMEIRA MÁQUINA you.
Passaram o trailer da novela filipina e era DE ESCREVER QUE Saímos pela parte de trás do palco. Des-
ótima! Em dois segundos dava o panora- MEUS PAIS ME cemos uma escadinha e estávamos... numa
ma da história inteira! O canadense nem se enorme cozinha industrial. Fizemos fotos,
fala: um menino de classe média encontra DERAM, QUANDO pulamos. Atravessei a cozinha e havia um
o avô, que se tornou sem-teto. Demais. EU TINHA 13 ANOS pequeno teatro, onde fui anunciado. Nun-
Botei minha emoção para fora. ca vi tanto fotógrafo na minha vida, tan-
– Escrevi Verdades secretas com meu co- tas televisões do mundo inteiro. Era uma
ração. Foi uma entrega total não só minha, mas também loucura! Essa parte durou muito tempo. Depois, ainda teve
do diretor Mauro Mendonça Filho e sua equipe, de todo uma festa do Emmy. Só quando cheguei a meu apartamento
elenco. Eu sentia que era importante contar essa história. no hotel pude parar. E caiu a ficha. Eu havia, sim, ganhado
Isso foi no domingo. A festa, só na segunda-feira. Tentei o Emmy! Olhava para o troféu sem parar.
levantar informações de bastidores. Não consegui. Nin- Sempre tive muitos sonhos na vida, mas não tão gran-
guém tem acesso ao nome dos vencedores. Honestidade des. Sabem, sinceramente, no que pensei? Ah, a memó-
absoluta. ria! Na primeira máquina de escrever que meus pais me
Depois desse processo de acúmulo de tensão, chegou a deram, quando eu tinha 13 anos. E no desejo que ainda
hora da festa. Black tie. Minha camisa não fechava. A em- estivessem neste planeta para compartilhar o prêmio. Des-
presária Marcia Marbá, que acompanhava a atriz Grazi de os 13 anos nunca mais parei de escrever. É o que amo
Massafera, estava no apartamento ao lado. No instante de fazer na vida. Eu queria poder falar:
sair, corri para pedir socorro. Como salvar meu colarinho? – É graças a vocês!
Ela prendeu com linha no lugar do botão e pronto! Depois, Mas, de algum forma que nenhum de nós consegue en-
botou a borboleta. Perfeito. Meu problema era como sair da tender exatamente, talvez eles saibam disso, onde estiverem.
camisa depois. Melhor pensar após a premiação. Na festa, Pai, mãe. Gratidão! A vocês, eu devo este Emmy. u
entramos numa fila. Os nomes eram chamados um a um e
percorríamos o tapete vermelho. Fiz algumas fotos. Franca- Walcyr Carrasco é jornalista, autor de livros,
mente, a maior parte dos repórteres internacionais não se peças teatrais e novelas de televisão

28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 95


T E M P O L I V R E ? E S Q U E Ç A . E I S O Q U E V O C Ê P R E C I S A FA Z E R N E S TA S E M A N A

LIVRO
2 horas

O renovador da
coluna social
Entre as décadas
de 1960 e 1990,
Zózimo Barrozo do
Amaral informou os
brasileiros, por meio
de suas colunas no
Jornal do Brasil e em
O Globo, sobre as
novidades na vida da
elite carioca – que,
aos poucos, fechou
as portas de seus
palacetes para as
festas de arromba e
ganhou intimidade
com as pistas de
dança das casas
noturnas. A biografia
Enquanto houver
champanhe, há
esperança, escrita
por Joaquim
Ferreira dos Santos,
discípulo de Zózimo,
conta como ele
revolucionou o
colunismo social
CINEMA
com seus sapatos
2 horas EXPOSIÇÃO elegantes, francês
1 hora impecável e jeito
Novas mágicas de J.K. Rowling com as palavras.
Cinco anos depois do lançamento do último Primeira-escultora O título era um
filme da saga Harry Potter, uma nova história do A artista plástica Bia Doria bordão de Zózimo.
mundo mágico criado pela escritora J.K. Rowling ainda não tomou posse como Intrínseca, 672
chega aos cinemas. Animais fantásticos e primeira-dama de São Paulo, páginas, R$ 34,90.
onde habitam conta a história do bruxo Newt mas já começou a imprimir
Scamander, um estudioso das criaturas mágicas. sua marca no cenário urbano.
Na década de 1920 (cerca de 70 anos antes dos Na Exposição de arte
acontecimentos dos antigos filmes de Harry brasileira sustentável, ela
Potter), ele viaja para Nova York com uma maleta apresenta as esculturas da
repleta de animais. Alguns deles escapam, série Bailarinas da natureza,
colocando Scamander e seu novo amigo “trouxa” modeladas com madeira
(aqueles que não são bruxos) Jacob em apuros. nativa recuperada de
Enquanto isso, discursos de ódio surgidos tanto desmatamentos e queimadas.
do lado dos bruxos quanto do lado dos humanos Memorial da América
comuns colocam o mundo em tensão. Em cartaz. Latina, de 29/11 a 18/12.

96 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016


Por Nina Finco, mfinco@edglobo.com.br,
e Ruan de Sousa Gabriel, rsgabriel@edglobo.com.br

MOSTRA
2 horas

O tempo não apaga


O ator Kirk Douglas iniciou sua carreira em
Hollywood em 1946 depois de retornar da guerra.
Durante os 60 anos seguintes, ele apareceria
em mais de 90 filmes. Sua relevância se tornou
tamanha que, no período do macarthismo,
ele ajudou a acabar com a Lista Negra de
Hollywood, na qual eram incluídos os profissionais
simpatizantes do comunismo. No próximo dia 9,
Douglas completará 100 anos. A mostra O último
durão faz uma retrospectiva de sua carreira,
STREAMING
2 horas com uma lista de 29 filmes, e traz debates sobre
sua trajetória, obra e luta pelos direitos civis.
Distopia à brasileira Cine Joia, Rio de Janeiro, de 29/11 a 11/12.
A primeira série brasileira do Netflix foi descoberta no YouTube. O piloto de 3%
chamou a atenção dos executivos da empresa de streaming, que resolveram
transformá-la numa superprodução. Com direção de César Charlone, a trama
mostra um Brasil distópico e futurista, no qual a maior parte da população
vive miseravelmente. Uma vez por ano, candidatos de 20 anos tentam passar
para o Maralto, uma ilha rica e próspera. Para isso, terão de se submeter a
testes matemáticos e de habilidades. O processo promete ser justo, mas
coloca em xeque a meritocracia. Será que quem conseguiu passar realmente
se encaixa nos ideais de perfeição de Maralto? Disponível no Netflix.

DVD
2 horas

Reprisa, Valença!
A pedido de fãs, Alceu Valença preparou uma
nova turnê para o disco Vivo!, de 1976. Um
dos shows, gravado no Recife, pode ser visto
no DVD Vivo! Revivo!. Na (re)apresentação,
o repertório do emblemático álbum é
complementado com canções marcantes dos
discos Molhado de suor, de 1974, e Espelho
cristalino, de 1977. Deckdisc, R$ 37,90.

QUADRINHOS
1 hora

É a economia, estúpido!
Sim, dinheiro traz felicidade. Embora nem todo mundo possa se
dar ao luxo de ser feliz, ricos e pobres podem cair na gargalhada
ou esboçar sorrisos nervosos ao ler as quase 400 tirinhas de A
graça do dinheiro: as melhores charges da New Yorker sobre
economia em 90 anos. Organizado pelo cartunista Robert Mankoff,
o livro reúne charges de desenhistas tarimbados sobre crises
econômicas, rentistas malandros, bancos gulosos e contribuintes
desconfiados. É impagável. Zahar, 272 páginas, R$ 69,90.

Fotos: divulgação 28 de novembro de 2016 I ÉPOCA I 97


RUTH DE AQUINO

O conjunto da
obra ameaça Temer
N ão é um tríplex, mas o apartamento embargado de
Geddel Vieira Lima (que pediu demissão na sexta-
feira, dia 25) já desabou em cima do presidente Michel Temer.
Geddel ali, gente! Ele ganha R$ 51.288 por mês, acumulando
dois vencimentos. Fora privilégios e benefícios.
O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, decidiu abrir
A política tem dessas coisas, Temer, esse tipo de pressão po- mão de parte do salário para se adequar ao teto. Geddel nem
pular. Não basta saber ajeitar o nó da gravata e falar bem o pensou: “Os meus vencimentos estão dentro da lei. A lei é
português. Num país traumatizado pela corrupção, apostar para todos”. Geddel, o grande articulador, não convenceria
todas as suas fichas numa figura pretérita como Geddel é servidores a abrir mão de vencimentos para ajudar estados
pedir para ser crucificado neste Black December. falidos. Onde vive Geddel? Nas nuvens, e faz tempo. Você
O presidente não podia blindar Geddel antes mesmo de a lembra o vídeo Geddel vai às compras, que mostrava, a partir
Comissão de Ética abrir processo. As “ponderações” do mi- de um helicóptero, as fazendas adquiridas por ele de manei-
nistro da Secretaria de Governo para o então ministro da ra antiética? As imagens são do ano 2001. Quem divulgou
Cultura Marcelo Calero tinham um peso imoral. O talento de foi o então presidente do Senado, o também baiano Antônio
“articulador” do baiano Geddel virou poeira, aquele pó de Carlos Magalhães. O que mudou foi só a tecnologia. Naque-
obra que suja até a alma. Os aliados correram para dar apoio le tempo, o vídeo era distribuído em fita.
irrestrito a um ministro acusado de tráfico de influência em “Vamos trabalhar! O Congresso nos espera”, disse um co-
benefício pessoal. O condenado arranha-céu La Vue, em Sal- movido Geddel com o apoio de seus pares. Rodrigo Maia,
vador, tem as digitais de amigos e parentes presidente da Câmara, foi impiedoso com o
de Geddel desde sua concepção. Um espigão ex-ministro Calero:“Ele enlouqueceu (...) O
em área tombada arranhou Congresso e ministro sai atirando para desestabilizar o
Planalto – por tibieza do presidente. OS POLÍTICOS NÃO Brasil”. O presidente do Senado, Renan Ca-
Parece que os políticos não entenderam lheiros, também saudou a blindagem de
que o país mudou. Eles se matam por um
ENTENDERAM QUE Geddel por Temer: “O bom é que isso fique
apartamento de luxo com “la vue” total da O PAÍS MUDOU. para trás”. Essa dobradinha Rodrigo-Renan
Baía de Todos-os-Santos? Ao dar o caso por ELES SE MATAM POR é o retrato do Brasil reciclável na política.
“encerrado”, todos que apoiaram Geddel Maia quer logo votar na Câmara o pro-
colocaram seus dedos na tomada. Foi falta UM APARTAMENTO jeto de medidas anticorrupção, no qual foi
de visão, uma irresponsabilidade com um DE LUXO? infiltrada uma anistia ao caixa dois eleitoral,
momento em que o Brasil deveria focar na que coloca em risco inquéritos passados,
estabilidade econômica e na recuperação do presentes e futuros da Lava Jato contra po-
emprego. Com amigos como Geddel, Renan Calheiros e Ro- líticos. E o açodado Renan quer logo votar no Senado o pro-
drigo Maia, nenhum presidente precisa de inimigos. jeto contra abuso de autoridade, porque está prestes a virar
Ao assumir a Presidência há seis meses, após longo e réu no Supremo por crimes de corrupção e lavagem de di-
doloroso impeachment de Dilma Rousseff, Temer disse que nheiro. O projeto de Renan tem o apoio do PT e de petistas,
era “hora de tentar pacificar o país”. Agora, ao nomear Ro- amedrontados com o que está por vir.
berto Freire para a Cultura, Temer nem se referiu ao ante- Mesmo com as urgências, e já prevendo os estragos do
cessor Calero. Estava amuado. O próprio Temer havia inter- Furacão Odebrecht, os parlamentares se recusam a trabalhar
cedido com Calero em favor de Geddel, que andava “muito nas segundas e sextas-feiras. Eta, país. Juntando a isso o fato
irritado” com o embargo de seu apartamento. Na posse de de que os deputados tentam evitar votação nominal em as-
Freire, Temer disse que vai “salvar o Brasil”,“ganhar céu azul suntos explosivos, para se esconder da sociedade... Temos um
e velocidade de cruzeiro”. Não, presidente. O céu está enfar- Congresso dissociado da sociedade.
ruscado, e sua forma de menosprezar o caso Geddel é mais Calero foi o quinto ministro a deixar o governo Temer.
do mesmo. Só ajuda a inflamar as ruas. Geddel, o sexto. Dilma chegou a trocar um ministro a cada
Em setembro, Geddel havia constrangido o governo, ao 22 dias. Agora Temer se aproxima da média de sua anteces-
declarar: “Caixa dois não é crime. Quem se beneficiou deste sora. O caso Geddel pode ajudá-lo a pensar melhor antes
mecanismo no passado não pode ser punido”. Será que Temer de blindar o próximo. u
ponderou com Geddel? Depois, a imprensa deu a lista dos
salários acima do teto constitucional de R$ 33.763. Olha o Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br

98 I ÉPOCA I 28 de novembro de 2016

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