Vous êtes sur la page 1sur 108

10º

CONGRESSO
NACIONAL DA
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
31.10.2018

INOVAÇÃO SEM FRONTEIRAS:


A REALIDADE POR TRÁS
DE MITOS E BARREIRAS
Centro de Congressos de Lisboa
Título:
10.º Congresso Nacional da Administração Pública.
Inovação sem Fronteiras: A realidade por trás de mitos e barreiras

Autor:
INA - Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas

Coleção:
Eventos AP | 005

Editor:
INA Editora

INA - Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas


Sede: Rua Filipe Folque, n.º 44 | 1069-123 Lisboa
Tel.: (+351) 214 465 300
E-mail: ina@ina.pt
URL: www.ina.pt

INA Editora
Rua da Alfândega, 5 | 1100-016 Lisboa
Tel.: (+351) 218 846 669
E-mail: editora@ina.pt
URL: INA Editora

Data de publicação:
outubro 2019

ISBN:
978-989-8096-59-3

2
Índice

Sessão de Abertura
Mário Centeno 7
Maria Manuel Leitão Marques 11
Mesa Redonda I
As Fronteiras Institucionais: Políticas Públicas de Inovação 15
Mesa Redonda II
As Fronteiras Digitais: As Tecnologias na Administração Pública do Futuro  29
Sessão Paralela I
Projetos Experimentais de Inovação 43
Sessão Paralela II
Investigação e Inovação 57
Sessão Paralela III
Resultados da Inovação na Administração Pública 75
Mesa Redonda III
As Fronteiras Mentais: O Papel dos Novos Ambientes de Trabalho 91
Sessão de Encerramento
Fátima Fonseca 103

3
4
Introdução

O INA realizou a 31 de outubro de 2018, o 10.º Congresso Nacional da


Administração Pública, com o tema “Inovação sem Fronteiras: A realida-
de por trás de mitos e barreiras”.

O evento contou, na sessão de abertura, com as intervenções do Mi-


nistro das Finanças, Mário Centeno e da Ministra da Presidência e da
Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques.

O debate centrou-se na inovação e reuniu gestores públicos experien-


tes, empresários de sucesso e investigadores. As políticas públicas de
inovação, as tecnologias e a Administração Pública do futuro, e o papel
dos ambientes de trabalho foram os pontos fortes das mesas redondas
que constaram do programa.

Nas três sessões paralelas, foram apresentados cinco projetos experi-


mentais de inovação, no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação na
Gestão Pública (SIIGeP), projetos inovadores com resultados na Adminis-
tração Pública portuguesa e a ligação entre a investigação e a inovação.

A sessão de encerramento, contou com a intervenção da Secretária de


Estado da Administração e do Emprego Público, Fátima Fonseca.

Considerando o interesse demonstrado pela temática e relevância das


participações, esta publicação integra as transcrições das intervenções
e comunicações, apresentadas no 10.º Congresso Nacional da Adminis-
tração Pública.

5
6
Sessão de Abertura
Mário Centeno
Ministro das Finanças

ção de todos os trabalhadores. Desde o Orçamento


do Estado de 2016, o Governo fez uma rutura na for-
ma como a Administração e os seus trabalhadores
foram tratados.

Agora, com o Orçamento de 2019, o Governo evi-


dencia o cumprimento de todos os compromissos
enunciados para com a Administração Pública no
Programa do XXI Governo. E, também, de todos
aqueles que têm um claro reflexo na melhoria da
qualidade de vida de todos os portugueses, onde se
incluem os trabalhadores da Administração Pública.

Estas medidas são listadas de forma muito sintéti-


É com muito gosto que estou hoje presente na aber- ca: a reposição de rendimentos; a modernização do
tura do 10.º Congresso Nacional da Administração sistema de formação profissional; recuperação do
Pública. Este congresso tem como tema central “Ino- horário de trabalho que devolve tempo para a con-
vação sem Fronteiras: A realidade por trás de mitos ciliação com a vida pessoal; a renovação das pers-
e barreiras” e permite, naturalmente, o encontro de petivas de desenvolvimento de carreira que, nesta
um vasto universo de interessados para partilhar legislatura, retomam a sua normalidade.
um tema fundamental para o futuro do serviço pú-
Assim, ao longo destes anos, com uma visão abran-
blico.
gente e focada na construção de melhores serviços
Aproveito desde já para felicitar o INA, na pessoa da públicos e na motivação dos seus trabalhadores, o
sua Diretora-Geral, pela concretização desta inicia- Governo tomou medidas de restituição de direitos e
tiva. Esta iniciativa tem particular interesse para o também medidas que abrem novas perspetivas de
Governo enquanto órgão responsável pela direção futuro.
da Administração Pública. Por isso, este momento
Devemos estar sempre focados na construção des-
é também o culminar de três encontros realizados
se mesmo futuro.
este ano, em torno dos eixos de intervenção que o
Governo definiu para desenvolver capacidade orga- A criação de melhores condições de trabalho, a
nizacional nos serviços públicos: (i) a valorização dos promoção de sistemas de gestão eficientes e inova-
percursos profissionais e competências dos traba- dores e o recrutamento e qualificação de trabalha-
lhadores em funções públicas, (ii) os ambientes de dores, quer para áreas de prestação de serviços ao
trabalho e (iii) a inovação na gestão da Administra- cidadão, como a educação e a saúde, quer para as
ção Pública. áreas estratégicas, de conceção e de planeamento
de políticas públicas e de apoio à transformação di-
O Governo tem claramente feito a sua parte. Desde
gital dos serviços públicos, foram e continuam a ser
o início da legislatura que temos dado sinais eviden-
apostas deste Governo.
tes da aposta na Administração Pública, da valoriza-

7
A conjugação destas medidas, que todos concorda- Inovar acrescenta seguramente valor. Valor para a
rão que envolve uma enorme dimensão orçamental, Administração mas, principalmente, valor para a so-
cumpre os compromissos assumidos e tem mesmo ciedade. Sim, gera-se muita riqueza dentro da Admi-
ido para além das medidas que foram estabelecidas nistração Pública. E a forma mais eficaz é inovar por-
no Programa do Governo. que inovar é fazer melhor o que tem que ser feito, é
fazer diferente o que não resulta, é deixar de fazer o
Isto tem sido possível uma vez que o cenário ma-
que é inútil. Inovar é reduzir custos, simplificar a vida
croeconómico tem permitido implementar medidas
dos cidadãos e das empresas, é garantir direitos, é,
que, na verdade, não estavam inicialmente contem-
na verdade, antecipar e conquistar aquele que é o
pladas. Temos feito esta implementação sempre
nosso futuro.
em diálogo e sempre com sentido de responsabili-
dade, para que as decisões do presente não com- Nos últimos anos, muitos serviços públicos têm vin-
prometam o futuro dos serviços públicos e dos seus do a inovar para melhorar o serviço ao cidadão. Es-
trabalhadores. Importa que as medidas sejam sus- tes são exemplos a seguir. Podem ser cada vez mais,
tentáveis para que não se volte a hipotecar a Admi- com capacidade de pensar fora da caixa e de arris-
nistração Pública no futuro. car na forma como funcionam.

Mas não é só o Governo que, com as medidas que Por isso, em junho de 2018, o Governo anunciou
toma, contribui para melhores serviços públicos. A o Sistema de Incentivos à Inovação para estimular
melhoria da Administração Pública não se decreta, a inovação, não só como resultado mas também
exige foco, mobilização, competências, colaboração como uma capacidade endógena e transversal na
e avaliação. Por isso, não podemos esquecer a ne- Administração Pública.
cessidade de todos os dirigentes e trabalhadores se
mobilizarem em torno destas ideias, para a ação. É É, nesse quadro, que está já em curso um programa
através de cada um de vós que as medidas e os me- de capacitação para a inovação e estão já identifica-
canismos que se vão criando se operacionalizam e dos projetos experimentais de inovação que serão
podem ganhar um poder transformador na nossa hoje partilhados, e que vão desde a utilização de tec-
sociedade. nologia para agilizar processos, a novos processos
colaborativos entre serviços e até a mecanismos de
Nunca podemos ignorar que estamos todos juntos incentivo à criatividade dos trabalhadores.
no compromisso de fazer cada vez melhor. E, fa-
zendo cada vez melhor na Administração Pública, É também nesse quadro que anunciamos hoje o ter-
ganharemos legitimidade junto dos cidadãos e au- ceiro pilar do sistema de incentivos: os prémios de
mentaremos a sustentabilidade do serviço público, inovação para os projetos inovadores na gestão que
fator de justiça social e de qualidade da democracia. apresentem resultados mensuráveis.

Hoje temos mais um momento de partilha de pers- Muito mais pode ser criado se todos atuarmos como
petivas e experiências que têm permitido às organi- catalisadores do potencial de inovação que, estou
zações atuar com eficácia no cumprimento das suas certo, existem em cada serviço público e se aliarem
missões, responder aos desafios e viver com perspe- a inovação ao Sistema de Incentivos à Eficiência da
tivas de um futuro sustentável. Despesa Pública. Este sistema de incentivos visa me-
lhorar a produtividade e o desempenho dos serviços
A inovação só é possível se quebrarmos fronteiras. e reduzir a despesa através da eficiência.
São essas fronteiras – institucionais, digitais e men-
tais – que todos os dias são quebradas nas empresas Os dois sistemas de incentivos, à eficiência e à ino-
e nos serviços públicos que valorizam a inovação. vação, funcionam em complementaridade e é pos-
sível tirar partido de ambos para desenvolver novas
E os serviços públicos inovam porque são desafia- formas de organização e de gestão, com benefícios
dos a prestar novos serviços, a reformular equipas e para as equipas envolvidas.
procedimentos e, para isso, necessitam de ter siste-
mas de gestão inovadores que envolvam ativamen- A terminar, não posso deixar de voltar a sublinhar
te os seus trabalhadores na procura das melhores que preparar a Administração Pública para servir um
formas de operacionalizar as políticas públicas. país moderno e desenvolvido, capaz de lidar com os

8
desafios do mundo de hoje, exige uma atuação con- desta legislatura é este o compromisso que temos
certada de todos, responsáveis políticos, dirigentes que prosseguir, porque Portugal e os portugueses
e trabalhadores. Tanto nos momentos mais difíceis merecem o nosso melhor.
como nos momentos em que o desenvolvimento da
economia e o contexto internacional nos permitem Estou certo que é assim que todos, e cada um, par-
antever e construir um futuro melhor. ticipam neste desafio que é coletivo de, através da
Administração Pública, gerar capital social na nossa
Todos devemos fazer a nossa parte num projeto sociedade.
coletivo que nos deve unir a todos. Com empenho,
capacidade de criar consensos e com decisões res-
ponsáveis. Se o diálogo tem sido a imagem de marca

9
10
Maria Manuel Leitão Marques
Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa

sa vulgar, a primeira vai fazer 20 anos em janeiro


ou fevereiro de 2019. Apareceu em 1999 mas, para
mim, que tive que gerir o projeto em dois Governos
diferentes, hoje mais fácil do que no anterior, pos-
so dizer-vos que foi um projeto em contracultura,
foi um projeto muito, muito difícil. Era, em 2006, o
projeto mais difícil que eu tinha no meu gabinete
antes de começar o cartão de cidadão, depois foi
substituído por ele. E outras inovações desta natu-
reza, de tantos serviços aqui presentes, umas mais
recentes, outras mais antigas, desde a informação
empresarial simplificada ao simulador de pensões
e ao IRS automático. E, frequentemente, de forma
A inovação. Quem diria, há dez anos atrás, que este incremental, melhorando com pequenos passos
seria o tema de um congresso do INA. Inovação os seus serviços, retirando uma informação que
era, no princípio deste século, uma coisa comum se pede e não serve para mais nada. Por exemplo,
para as empresas. Não apenas no princípio deste “Onde é que nasceu?”. A naturalidade constava de
século mas, desde há muitos anos, há muitas dé- muitos e muitos formulários mas sempre me per-
cadas, que as empresas sabem que todos os dias guntei para que é que se perguntava, “onde é que
têm que inovar nos seus produtos e nos seus servi- nasceu?”, quando isso deixou de ser um fator dis-
ços, acompanhar a concorrência e dar atenção aos tintivo e necessário para a identificação.
seus clientes. Inovar para reter na organização as
pessoas mais talentosas e, se não o fizerem, ou até Por vezes, também, desde há várias décadas, a ino-
às vezes fazendo, corre-se o risco da organização vação resultou de tecnologia, nem sempre usando
passar de líder do mercado para uma situação de a tecnologia para transformar procedimentos ou
menor relevância, ou até pode desaparecer. organizações, mas para a adotar e assim tornar os
serviços mais rápidos, permitir que fossem entre-
No setor público, durante muito tempo, esta ne- gues ou mesmo transacionados online. E muitas
cessidade de inovação, assim descrita muito gros- transformações basearam-se no princípio da parti-
seiramente, não era tão evidente, ou melhor, não lha de dados, seguindo aquele princípio que não se
era assumida enquanto tal, não estava no nosso deve incomodar o cidadão para lhe pedir a mesma
vocabulário como está hoje e é até o tema deste informação mais do que uma vez, eventualmente,
Congresso. Mas basta olhar para o passado re- apenas para proteger a sua privacidade, solicitar-
cente, ou até mais distante, até ao final do século -lhe autorização para que esta seja usada para ou-
passado, podemos verificar que a Administração tros fins.
Pública foi muitas vezes inovadora, apesar de não
viver num ecossistema favorável a essa inovação. Inovação na Administração Pública não é fácil mas
Foi inovadora de forma disruptiva, como no caso é, hoje, mais fácil do que já foi no passado. É um
das lojas de cidadão. Podem pensar que é uma coi- sinónimo de colaboração porque só a colaboração

11
nos permite dar aos cidadãos, às empresas, ou em que nos empenhámos, temos resultados. Te-
aos nossos utilizadores, os serviços que esperam. mos resultados administrativos, ou seja, o núme-
Os cidadãos esperam que não os incomodemos, ro de pessoas que vão às lojas, que utilizam o IRS
não querem saber, como digo muitas vezes, se a automático. Temos resultados de impacto, ou seja,
competência é da área das Finanças ou da área da o tempo, os custos que poupámos às empresas e
Segurança Social, da Saúde, ou até do Município. aos cidadãos quando inovámos em alguns proce-
Os cidadãos querem que o problema seja resolvi- dimentos, e os custos que poupámos em horas de
do em função do seu evento de vida, que pode ser trabalho dentro da Administração Pública. Este é
registar um bebé ou abrir uma empresa, para falar um aspeto muito importante porque é hoje o nos-
em dois momentos bons. E, portanto, isso obriga, so tema, ou seja, o que reconhecemos no valor do
na verdade, a que nos organizemos para que, no trabalho em funções públicas, entendendo que ele
momento da prestação de serviço, seja dado em pode ser mais bem empregue em tarefas de va-
sistema integrado de balcão único, seja este um lor acrescentado do que em rotinas, em trabalhos
balcão único virtual ou físico. repetitivos que uma máquina pode fazer por nós
sem qualquer problema ou que um sistema infor-
Por isso, estamos, hoje, juntos num processo aber- mático pode fazer melhor, com mais conveniência
to e participado. Esta inovação aberta não é ape- para todos reservando-nos para aquilo que só nós
nas uma característica da Administração Pública. podemos fazer.
Muitas empresas assentam o seu sucesso, precisa-
mente, no entendimento de que beneficiavam em Tenho a certeza que muitos de nós já fizemos parte
ter um processo de inovação aberto. Aqui estamos, deste processo, como disse há pouco, e também
também, alinhados com os melhores: é assim que tenho a certeza, porque vejo à minha volta que, por
construímos o Simplex todos os anos, desde 2007. vezes, desejamos ir mais longe mas não tivemos
Foi sempre um programa muito mais bottom-up essa oportunidade, não trabalhámos no contexto
que top-down. Provavelmente, estão aqui auto- de alguém que nos deu oportunidade de dar aque-
res de muitas medidas, provavelmente estão aqui la ideia que permitia resolver aquele problema, que
muitos que colaboraram no seu desenvolvimento, às vezes pode ser uma pequenina ideia e resolver
seguramente estão aqui muitos que contribuíram um grande problema ou fazer mesmo a diferença.
para a sua execução, seja explicando aos cidadãos
um novo procedimento, seja no back office, con- Foi precisamente para criar novas oportunidades e
tribuindo para que isso acontecesse como estava para todos podermos ser inovadores, que estamos
previsto. aqui hoje. Para estarmos cientes da importância
de termos essa capacidade de ouvir a pessoa que
E, sobretudo, inovação em Portugal no setor públi- estamos a atender e que até nos pressionou, que
co tem sido um sinónimo de impacto positivo na disse «vocês podiam resolver isto de outra maneira
qualidade dos serviços, na vida dos cidadãos e das que eu estava menos tempo à espera», fez aquela
empresas. Tem sido um sinónimo de resultados, reclamação simpática e até criativa, para termos es-
podendo-se pensar, com isto, que é um mero deta- paço dentro das nossas organizações, para termos
lhe já que, como dizia Churchill «por mais brilhante ideias e para as testar e assim manter os nossos
que uma estratégia seja, do que é que ela vale se serviços públicos como desejamos todos os dias,
não tivermos resultados?». Os resultados fazem, confiáveis e relevantes. Porque, se não for assim,
muitas vezes, a diferença. não estamos cá a fazer nada.

Quando vamos a fóruns internacionais com os nos- Foi para isso, para tornar a inovação no «novo nor-
sos diferentes projetos, com o Simplex, com algu- mal» da Administração Pública, que escolhemos
mas medidas que levámos a cabo, frequentemen- este tema e que, hoje, eu, a Senhora Secretária de
te, o que nos distingue de outros países não é a Estado e o Senhor Ministro das Finanças trazemos
estratégia, aí convergimos mais ou menos, é o fac- aqui um conjunto de compromissos que devem ser
to de apresentarmos resultados. Não acertámos vistos como propostas que pretendemos desenvol-
sempre, por vezes temos que voltar ao princípio, ver, mas que desejamos melhorar com a colabora-
por vezes temos que rever procedimentos, mas ção de todos os que estão presentes e os que não
para muitas medidas, para a maioria dos projetos puderam estar aqui, hoje.

12
Em primeiro lugar, para alargar as condições para Apoiámos 19 projetos e, como eu e o Senhor Mi-
a capacitação e aquisição de conhecimentos e me- nistro da Ciência anunciámos na semana passada,
todologias de inovação. Não somos treinados para vamos abrir muito em breve novas linhas de finan-
isso, mas desejamos ser treinados, desejamos ter ciamento, para depois já todos “namorarem e ca-
essa formação, isso pode ajudar-nos a ver melhor sarem” com entidades do sistema científico para
a oportunidade. E, por isso mesmo, ao abrigo de prosseguir esta tarefa. Agradeço porque foi muito,
programas como o INCoDe.2030, mais virado para muito reconfortante. Depois de um apelo rápido
as questões tecnológicas, como o Sistema de In- que fizemos à comunidade científica e à Admi-
centivos à Inovação da Gestão Pública, foram ou nistração Pública, ter visto concorrer 51 projetos,
vão ser lançados pacotes de formação em diferen- quase todos muito bem classificados. Não foram
tes áreas, não apenas nas tecnológicas, mas em todos financiados, porque o montante aberto não
service design, na gestão da inovação e a sua ava- permitia chegar a todos, mas quase todos, 44, es-
liação. Avaliar é importante. Quem inova e nunca tou a dizer de cor, muito bem classificados pelo júri
falha é porque inova muito pouco. Portanto, não internacional que os apreciou e, portanto, podem
devemos ter medo. Por vezes falhamos e, quando ser candidatos num novo concurso.
isso acontece, temos de perceber porque é que fa-
lhámos para não repetirmos o erro. Compreender Criar o ambiente regulatório favorável é, também,
a Ciência de Dados é, na verdade, um dos grandes importante porque como no outro dia num deba-
desafios do presente e do futuro. te sobre este tema diziam: “Muitas vezes, na vossa
organização, o Direito Administrativo, não dá es-
Em segundo lugar, favorecer a possibilidade de paço para fazer nada”. É verdade, às vezes é ver-
experimentar. Nós nunca experimentávamos, nós dade, e temos dificuldade em conseguir trabalhar
decretávamos e no dia seguinte à publicação do com pessoas de fora da Administração, porque as
decreto-lei ou da lei, aplicávamos a todos os nos- regras da contratação pública dificultam esta ino-
sos serviços. Quando muito, beneficiávamos de vação aberta.
uma vacatio legis para perceber a lei e, pronto, se
falhava, falhava para todos ao mesmo tempo. Ora É verdade, temos consciência disso e temos que
bem, quando somos mais ou precisamos ser mais melhorar e estamos disponíveis, como costumo
inovadores, às vezes é melhor controlar um pou- dizer, dentro daquilo que é a nossa liberdade re-
co esse risco e experimentar. Criámos, para isso, gulatória, para criar um ambiente favorável e isso
um serviço comum de apoio à experimentação e é, também, visível naquilo que designamos como
à inovação, que é o nosso laboratório, LabX, que “direito ao desafio”, ou seja, deixar que organiza-
está ao serviço de todas as entidades públicas da ções nos desafiem a nós próprios. Temos aqui uma
Administração Central e da Administração Local ideia magnífica, mas não sabemos se ela vai resul-
para o desenho e a experimentação, a prototipa- tar. Queremos trabalhar de uma maneira diferen-
gem juntamente com os utentes de serviços mais te e então vamos fazer uma espécie de suspensão
disruptivos. das regras para deixar aquela experiência germi-
nar, verificar se ela correu bem e, se for o caso, até
Estamos a trabalhar com outras áreas governati- poder alterar a legislação para que a experiência
vas, com municípios, construindo este ecossistema possa ser aplicada noutras entidades públicas ou
de colaboração. Organizámos um novo modelo de noutros serviços da mesma entidade.
workshops. Já participaram 33 entidades de 15 di-
ferentes áreas governativas. Seja através do apoio Em terceiro e último lugar, e como já foi aqui dito,
financeiro, porque, por vezes, é preciso para ter reconhecer os resultados da inovação, avaliando o
espaço para trabalhar com outras entidades, para impacto criado e premiando quem se destaca nes-
importar conhecimento, seja através do SAMA, seja se esforço. Vão ser criados três prémios para os
em parceria com o sistema científico e a Fundação ambientes de trabalho, aspeto a que estamos a dar
para a Ciência e Tecnologia para o apoio a projetos muita importância. Ainda esta semana reunimos
mais disruptivos na área da inteligência artificial e na Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de
ciência de dados, inovação antecipatória, digamos, Ministros, para tratar o tema da conciliação entre
a inovação virada para o futuro, utilizando a recen- a vida pessoal, profissional e familiar. O equilíbrio
te terminologia da OCDE. entre estas três linhas da nossa vida diária, que

13
muitas vezes se emaranham, sobrepõem e atrope- to menos o dos Hospitais, o da Segurança Social.
lam, impedindo-se umas às outras. Levamos o tra- Não podemos desligar e agora pensar como é que
balho para casa, levamos a família para o trabalho, vamos fazer tudo de novo, fica desligado um mês
misturamos, por vezes estragamos uma e outra. mas no mês seguinte vai abrir em novas formas,
Todos nós já passámos por esta realidade. Esta é não podemos fazer isso. Mas existem, também, os
uma preocupação nossa e estamos a trabalhar em riscos que não nos podemos dar ao luxo de deixar
medidas desta natureza e, assim, podemos ser ino- de correr. Melhorar os serviços públicos, respon-
vadores no ambiente de trabalho. der às expetativas, estar atento às expetativas dos
nossos utentes, daqueles que nos escrevem, que
Os prémios para a área da valorização dos recursos interagem virtualmente, que nos visitam. Adaptar-
humanos e para a inovação na gestão são prémios mo-nos ao contexto social em que vivemos, que é
para as equipas. São 10 mil euros para cada equipa diferente do que era no século passado. Temos me-
que se distinga nestas iniciativas. Poderão pergun- nos tempo, perdemos mais tempo nos transportes,
tar: porque é que é importante reconhecer se isso é as cidades são maiores. O aparecimento das redes
o «novo normal», se a inovação tem que fazer parte sociais, a conetividade, a mobilidade. Acompanhar
da nossa vida, quer queiramos, quer não. Bem, eu o mundo que encontramos em grande mudança.
julgo que, em qualquer tipo de organização, se não
existir reconhecimento do mérito, dificilmente a Em suma, ser inovador na Administração Pública
participação é incentivada e a inovação é alargada. é um risco, sem dúvida nenhuma, posso dizer-vos
O reconhecimento é importante porque é o mo- porque o corro todos os dias, mas é um risco que
mento em que agradecemos e destacamos quem não podemos deixar de correr e é essa a mensa-
cumpre a sua função, com certeza, mas se cumpre gem principal deste encontro.
a sua função sem perder o sentido crítico sobre o
A começar em nós próprios que assumimos o com-
que faz: “Estou a fazer isto bem, mas talvez pudes-
promisso de sermos governantes, em todos vós
se fazer melhor”, sem perder a criatividade neces-
que assumiram o compromisso de ser dirigentes,
sária para fazer melhor, “tenho aqui uma ideia que
em todos vós que são trabalhadores em funções
eu gostava de partilhar”, e sem abandonar o esfor-
públicas, em todos nós cidadãs e cidadãos que, por
ço, o esforço que é assumir o risco, é um esforço
vezes, sofremos para nos adaptarmos a uma mu-
sempre adicional, o risco de ser diferente. O reco-
dança, antes de podermos beneficiar dela.
nhecimento é importante por tudo isto e porque,
também, permite dar visibilidade aos resultados e Todos nós temos de correr este risco, de ser mais
assim replicar, mais facilmente, iniciativas bem su- inovadores nos serviços públicos. É para isso que te-
cedidas. Nós conhecemos, às vezes são-nos ditas, mos trabalhado no Governo ao longo destes anos e,
mas nem sempre são conhecidas dos outros que também, na Administração Pública, com empenho e
as podiam replicar. determinação, com a certeza da missão e com mui-
ta, sempre muita atenção aos resultados.
Minhas senhoras e meus senhores, como escreveu
Peter Drucker, existem dois tipos de risco. Os que Obrigada, muito obrigada a todas e a todos por
não podemos correr, não podemos desligar o sis- aqueles resultados que já atingimos. Estamos aqui
tema da Autoridade Tributária, com certeza, mui- para alcançar os próximos.

14
Mesa Redonda I
As Fronteiras Institucionais:
Políticas Públicas de Inovação

CARLOS CAEIRO  FRANCISCO JAIME ANDREZ JOSÉ PINTO TIAGO SANTOS


CARAPETO VELÁSQUEZ PEREIRA
Presidente da Administrador
Subdiretor-Geral Secretário-Geral Comissão Diretiva da Procalçado S.A. Coordenador do
da Direção-Geral do Centro do Programa Gabinete de Estudos
da Qualificação dos Latinoamericano Operacional e Estratégia da
Trabalhadores em de Administración Temático Compete Fundação para
Funções Públicas para el Desarrollo 2020 a Ciência e a
(INA) (CLAD) Tecnologia (FCT)

MODERADOR:
NICOLAU SANTOS
Presidente do Conselho de Administração
da Agência de Notícias de Portugal (LUSA)

15
Nicolau Santos – Quero sublinhar as palavras que as políticas públicas de inovação dirigidas à Adminis-
foram ditas pelo Senhor Ministro das Finanças e tração Pública, que visam a sua transformação de
pela Senhora Ministra da Presidência e da Moder- modo a melhorar os serviços que são distribuídos
nização Administrativa e lembrar que, realmente, aos cidadãos, bem como, melhorar a organização da
há vinte anos, Administração Pública e inovação máquina administrativa. Pelo menos, eu entendo-as
não eram duas palavras que andassem juntas. nesse duplo sentido.
Todos nos lembramos, certamente, quando os cida- Temos aqui, nesta mesa redonda, várias perspetivas
dãos tinham de pagar impostos, das imensas filas incluindo a minha como trabalhador público, agora
para as quais as pessoas tinham de ir pois, para a trabalhar no INA como Subdiretor-Geral. O desafio
além de pagarmos os impostos, ainda tínhamos de que as políticas públicas de inovação encerram, no
suportar essas longas esperas. Hoje em dia, poder presente e futuro imediato, passa muito pela nossa
pagar impostos através de um ATM ou em casa, capacidade de institucionalizar a governação da
através de um computador, é um avanço enorme. inovação na Administração Pública e nas entidades
As lojas do cidadão serão, seguramente, um marco públicas. Nós não conseguimos inovar se não sou-
que ficará na história da inovação e da modernida- bermos gerir a inovação, se não nos treinarmos e
de da Administração Pública portuguesa e coisas tão tivermos formação específica sobre inovação, se
espantosas, digamos assim, como o facto de uma não soubermos todos sobre o que estamos a falar,
pessoa que vai embarcar numa viagem e ver, no dia ou seja, se não existir uma narrativa entendível por
anterior, que não tem o passaporte em dia e poder todas as áreas do Governo, em todos os setores,
ainda requerê-lo nesse mesmo dia e recebê-lo, no sem fronteiras, sobre aquilo que é inovação e sobre
dia seguinte, no aeroporto, são coisas que há vinte aquelas que são as abordagens mais profícuas à ino-
anos, seguramente, eram impensáveis. vação, sobre as oportunidades de inovação.

Além disso, é um motivo de orgulho para todos nós, Ora, o que é que isto exige?
mas também para o país, o facto de, hoje, os avanços Exige uma aposta na formação em inovação, exige
da modernidade e da inovação na Administração uma aposta na criação de plataformas comuns que
Pública portuguesa serem não só premiados a nível promovam não só a oportunidade de experimentar,
internacional como merecerem o reconhecimento mas também a oportunidade de estabelecer alian-
de outros países que vêm a Portugal ver o que se ças. Exige que se perceba aquilo que a Senhora Mi-
está a fazer nesta área na Administração Pública. nistra da Presidência e Modernização Administrativa
Portanto, suponho que todos os que trabalham na disse: ouvirmos os cidadãos. Temos que aperfeiçoar
Administração Pública estão de parabéns pelo tra- uma função de radar ativo e contínuo para que con-
balho verdadeiramente notável de aproximação ao sigamos ter uma escuta ativa e permanente que
cidadão, de facilitar a vida ao cidadão e tornar a Ad- nos introduza no setor público o conhecimento que
ministração Pública amiga do cidadão. precisamos e, depois, combinar esse conhecimento
com o conhecimento que já adquirimos pela expe-
O modo de trabalho que teremos aqui será o se- riência, para conseguirmos inovar.
guinte: todos os oradores terão oportunidade de
dar a sua opinião sobre o tema que vamos debater Tudo isto pode ser feito com programas específicos,
que, no nosso caso, será “As fronteiras institucio- com estímulos concretos, mas a governação da ino-
nais: políticas públicas de inovação”. Depois disso eu vação, quer do ponto de vista das áreas do Governo,
moderarei o debate mas, todos têm a possibilidade quer do ponto de vista de cada uma das entidades
públicas é, na minha opinião, um dos desafios que
de colocar questões aos oradores e, das quais, eu
precisamos de atacar e que tem a ver com o desenho
escolherei algumas presentes nos formulários pois,
da Administração Pública, com a qualificação da lide-
provavelmente, não será possível dar a voz a todas.
rança na Administração Pública, intersetando toda a
Carlos Caeiro Carapeto – O tópico da mesa interse- cadeia de valor da liderança, desde o recrutamento,
ta diretamente o tema deste 10.º Congresso Nacio- passando pela qualificação e indo até à avaliação,
nal da Administração Pública. Estamos a falar de po- uma vez que é um fator decisivo na inovação, e tem
líticas públicas de inovação que visam, por um lado, a ver também, com as estruturas que se criarão e
criar as condições adequadas para a inovação em- que serão as suas promotoras. Não existe, para tal,
presarial e para a inovação social e, por outro lado, um modelo único.

16 16
Para terminar, nós podemos ter lógicas de aborda- Uma ideia que também está na moda, nos últimos
gem a partir dos centros do Governo, embora me tempos, nas nossas Administrações Públicas é a
interrogue se os centros do Governo estarão voca- questão da participação, a participação das empre-
cionados para isso. Podemos criar estruturas que sas, a participação dos cidadãos, podendo dar-nos,
só tenham essa missão: a Senhora Ministra referiu de alguma maneira, a possibilidade de avançar um
o Laboratório de Experimentação da Administra- pouco mais depressa.
ção Pública, que é um exemplo que visa estimular
Temos experiências, não só em Portugal ou em
transversalmente a experimentação, ou podemos Espanha, que estão, como digo, um pouco mais de-
criar condições para que a forma como gerimos, em senvolvidos, mas também temos as experiências do
cada entidade pública, tenha presente a gestão da Chile, da Argentina, do Uruguai, do Brasil e em muitos
inovação, quer seja uma direção-geral, um instituto dos países. Mas nós temos um problema – o presiden-
público ou até uma sociedade anónima de capitais cialismo. O presidencialismo, que não é exatamente
públicos. Se conseguiremos ou não, dependerá de igual ao parlamentarismo, acolhe muito rapidamen-
todos nós. te qualquer moda, mas é abandonada de imediato
Nicolau Santos – Passo a palavra ao Doutor Fran- pelo presidente seguinte. Esse é um problema grave
cisco Velásquez que é Secretário-Geral do CLAD, em toda a América Latina e, também, é um proble-
uma organização que integra todos os países que ma da democracia parlamentar, obviamente, que
falam português e espanhol não só na Europa, mas todos nós conhecemos. Mas, ali, a possibilidade dos
na América Latina e em África também. projetos continuarem para além de um presidente,
para o presidente seguinte, são muito reduzidas. Esta
Francisco Velásquez – Em primeiro lugar, sou Secre- é a verdade, mesmo quando os Presidentes são do
tário-Geral de uma organização que integra todos os mesmo partido político - e isso é um assunto de que
países sul-americanos que falam português e espa- nós estamos sempre a falar. Estamos, todo o tempo,
nhol. Eu falava português, mas há muitos anos que a convencer os países de que os projetos devem ser
estou fora de Portugal, em todo o caso vou tentar projetos de Estado, têm que ser projetos de todos
falar e fazer alguma reflexão. e não projetos de uma presidência, mas considero
Na questão da inovação, o que mais nos preocupa, que é minha obrigação falar neste assunto. Às vezes
no CLAD, é que seja de novo uma questão de moda. não temos muitos resultados mas, em todo o caso,
Frequentemente, nas Administrações Públicas apa- quero dizer, que é muito importante que, como disse
recem certas palavras como transparência, governo a Senhora Ministra, o risco seja um tema para todas
empreendedor. Agora, as que estão na moda são a as Administrações Públicas porque sem risco não
prestação de contas, a avaliação, a inovação. somos capazes de avançar.

O continente latino-americano tem sido, historica- Nicolau Santos – O Dr. Jaime Andrez tem uma lon-
mente, o continente que tem aprovado todas as ga experiência na gestão de cargos importantes na
leis e todas as instituições com maior rapidez, por Administração Pública ligados também à inovação,
exemplo, quando comparado com a Europa. Para a agora está à frente do COMPETE 2020 que é, pro-
Europa atingir uma determinada instituição é muito vavelmente, o mais importante relativamente ao
difícil. Na América Latina, pelo contrário, qualquer aumento da competitividade do país em diversas
instituição nova que apareça é, imediatamente, áreas. Pode-nos dar também a sua opinião sobre
adotada pelos outros países, mas isso não significa esta matéria?
uma mudança da situação. Portugal e Espanha são Jaime Andrez – Depois de ouvir os Senhores Minis-
os países mais desenvolvidos do CLAD e servem de tros e de ver e ouvir o vídeo, há pouco, com testemu-
exemplo aos restantes países, que tentam aplicar as nhos de vários colegas, tenho a sensação que não
suas experiências. E nesse sentido, há uma palavra vou dizer nada de novo, apenas vou referir aquilo
pronunciada pela Senhora Ministra e também pelo que para mim é mais sensível na minha experiên-
Senhor Ministro das Finanças que é a questão do cia destes anos, que é a diversidade de realidades
risco. A questão do risco é uma questão extrema- que nós devemos ter em conta quando abordamos
mente importante porque, na possibilidade de al- a inovação e, principalmente, quando construímos
cançar um fracasso, está também a possibilidade de políticas públicas para intervirem, promoverem e
atingir um sucesso, um êxito. ajudarem a promover a inovação.

17
17
Na verdade, começamos logo por ter realidades di- oferecer um determinado conjunto de serviços, de
ferentes quando falamos dos inovadores. Podemos oportunidades de financiamento que sejam viáveis
falar de empresas, podemos falar da Administra- para a empresa, para a instituição, e tem de ofere-
ção Pública, da administração local, das universi- cer um sistema de consultoria adequado, tem de ter
dades são abordagens diferentes umas das outras, instituições científicas e tecnológicas que produzam
embora possam ter o mesmo princípio comum que, conhecimento, que transfiram conhecimento para
no fundo, é a segunda realidade que vos queria falar as empresas e para as instituições públicas. Se essas
que é, de facto, a complexidade. realidades não atuarem de forma integrada, nós
A inovação não incide sobre determinada coisa con- podemos dizer que modernizamos, temos aspetos
creta, incide sobre a realidade global de uma institui- inovados, mas não temos inovação, nem nas insti-
ção, seja ela uma empresa, seja ela uma câmara mu- tuições, nem nas empresas e muito menos no país
nicipal ou mesmo uma direção-geral. Na verdade, como um todo.
como aqui já foi dito, exige um triângulo que, no Começamos por uma questão de cultura, teremos
fundo, são pessoas e competências, é a organização de passar por uma questão de compreensão do
e procedimentos e, caso haja disponíilidade para todo, ou seja, o modelo de negócio e temos depois
esse efeito, as tecnologias e, agora, as tecnologias que chegar, como a Senhora Ministra disse, aos
mais avançadas associadas à digitalização, à trans- resultados. As políticas públicas têm que ter tudo
formação digital dos procedimentos. Mas também isso em conta, têm que ter propostas de ajuda, de
duas outras coisas, que são as parcerias porque não incentivo a cada uma destas áreas: criar o sistema,
se consegue fazer de forma isolada, apenas com criar a cultura, intervir em todos os elementos
recursos internos, diria, por exemplo, que a com- daquele triângulo ou daquele pentágono que tem
petitividade das empresas não se suporta só nas aquelas realidades que vos disse. Este é o esforço
competências e recursos internos, suporta-se nas do COMPETE 2020 que tem, de facto, e que poderia
competências e nos recursos que conseguimos in- depois falar a seguir, até dos resultados, até da exe-
ternalizar através dos nossos parceiros com quem cução, mas que tem propostas para duas realidades,
nós cooperamos e, talvez devesse ter começado por ou seja, para a Administração Pública, capacitação
aqui, mas deixei para o fim, o modelo de negócio. e inovação e para as empresas em todas as suas
Não é possível estarmos a fazer as melhores opções, áreas, mas naturalmente na inovação.
as melhores escolhas, os melhores investimentos, Nicolau Santos – O José Pinto é administrador da
seja em tecnologia, seja em pessoas, seja em com- Procalçado. Há 20 anos, a moda era dizer que os
petências, seja na organização e procedimentos, setores tradicionais em Portugal iriam desapare-
sem perceber o todo, sem integrar o todo. A inova- cer, os têxteis e o calçado, sobretudo. Passaram,
ção é uma realidade que integra o comportamento seguramente, por dificuldades, desapareceram
global que tem de envolver tudo portanto, diversi- muitas empresas, mas os dois setores fizeram
dade, complexidade e também as estratégias que um notável processo de ajustamento e, hoje em
estão a ser encetadas. São estratégias que são inter- dia, o calçado português é o segundo mais caro a
nas e externas, o que já foi aqui referido. No fundo,
nível mundial, a seguir ao italiano, é fortemente
inovamos para fazer melhor, para servir melhor,
exportado e tudo isso foi conseguido, sobretudo,
para oferecer melhor, para gerar valor, mas temos
com inovação.
que gerar primeiro um valor interno envolvendo as
pessoas e tendo projetos, tendo iniciativas, que colo- José Pinto – Realmente, nós sempre vivemos muito
quem todos à volta dessa iniciativa, em que a cultura neste ambiente de inovação por uma questão de,
é fundamental. Se, realmente, nós não tivermos pri- muitas vezes, sobrevivência, que significa, para nós,
meiro uma abordagem global, não teremos inova- que temos de avançar, temos que estar em cená-
ção, teremos apenas aspetos inovados. rios de dificuldades. E é isto que nos obriga, que nos
provoca e inquieta e que nos faz avançar. O calçado
Uma outra questão final, que tem a ver com outra
é, sem dúvida, um exemplo disso.
realidade da inovação, é que a inovação é sistémica.
Não é possível admitir que uma pequena e média A empresa não tem vinte anos, tem 45 anos. Este é
empresa, uma direção-geral, uma agência pública um projeto familiar, o meu pai começou este projeto
vá inovar de forma isolada. A envolvente tem de e eu aderi a ele há 20 anos, mais ou menos a meio

18
do caminho. Nessa altura, quando entrei, o projeto ram contaminar as outras 150. Essas 150 ajudaram
estava numa fase até de bastante expansão, diria a contaminar, também, o próprio setor, porque isto
que passei cinco anos de uma experiência muito não funciona desintegrado, não é um modelo em
boa, em que as coisas correram bem, já estavam que a inovação seja uma coisa só nossa, interna, é
num processo de internacionalização. um processo em que nós temos de colaborar com
outras entidades, com outras pessoas, com pessoas
Da necessidade de ter que continuar a crescer e de
que sabem mais que nós, noutras áreas.
sabermos todos que, apesar de gostarmos muito
do nosso país e de não querer trocar este país Eu considero que isso foi uma parte do segredo da
por nenhum outro país do mundo, naturalmente, indústria. Foi, naquele momento difícil, unirmo-nos
o mercado é pequeno e não nos permite crescer e decidir “vamos pegar nisto”, vamos pegar nas boas
quando queremos crescer. empresas, naquelas que querem ser diferentes e
vamos transformar isto. E conseguimos, felizmente,
No período em que eu entrei para a empresa está-
transformar, com muito trabalho, com muita de-
vamos num processo, sobretudo, de internacionali-
dicação, com muita vontade de aprender todos os
zação, mas a verdade é que, a partir do ano 2000,
processos. Nós éramos uma empresa que, basica-
as condições mudaram todas e, como tenho vindo
mente, fazia solas. As solas são componentes, são
a analisar o próprio modelo de negócio, o nosso
peças que compõem o calçado e, neste processo de
trajeto, nós temos vindo a mudar, praticamente de
descoberta e de investigação, entrámos numa fase
10 em 10 anos. As coisas estão a mudar, por isso a
em que conseguimos fazer o sapato todo e passá-
inovação também. Vão-se alterando as condições e
mos a integrar toda a cadeia de valor.
nós temos de inovar de diferentes maneiras, confor-
me estes processos vão decorrendo. Eu diria, sobre isto e sobre o trajeto que a nossa in-
dústria e a nossa empresa sofreram, mais uma vez,
Como digo, essa foi das fases mais difíceis que nós
que teve muito a ver com este espírito de sobrevi-
tivemos quando, de repente, aquilo que se dizia, que
vência. Esta questão de termos orgulho em conse-
a indústria ia acabar, que é uma indústria de mão-
guir fazer bem. Só temos é que saber como vendê-lo
-de-obra barata, mas havia já outras indústrias ou
bem e, para isso, temos que nos juntar com os me-
outros países onde essa mesma produção era a inda
lhores, temos que conhecer as melhores pessoas,
barata. Houve as deslocalizações para a Ásia, todos que estar perante as melhores instituições. Tivemos,
estes processos decorreram, mas foi neste proces- por trás, uma associação muito forte que interpre-
so, nesta fase de inquietação e de dificuldade, que tou exatamente aquilo que eram as nossas neces-
nós encontrámos algumas das soluções que hoje sidades. Porque isto também tem que ser dito: as
nos fazem sentir tão orgulhosos. Provavelmente não pessoas têm que vir ter connosco e perguntar do
estaríamos na posição em que nos encontramos se, que é que precisamos, sendo válido para as empre-
precisamente, nesse momento de dificuldade, não sas públicas ou para as privadas. Temos que perce-
tivéssemos percebido que não podíamos continuar ber quais são as nossas necessidades e temos que
a fazer da mesma maneira e que tínhamos que ar- ajudar a criar condições para que elas se possam de-
ranjar alternativas. senvolver. Foi neste ambiente entre as instituições,
Tivemos que encontrar, primeiro dentro da empre- as universidades, as empresas e as pessoas indivi-
sa, uma pequena equipa, um pequeno grupo de duais que nós conseguimos dar a volta e este tem
pessoas que, diria, de forma quase inconsciente, sido o nosso trajeto, tem sido o nosso projeto.
conseguiram quebrar alguns dos paradigmas da Nicolau Santos – Portanto, vocês agradecem à
indústria. Pensámos que nós podemos fazer pro- crise por estarem muito melhor, hoje.
dutos de valor acrescentado, nós podemos produ-
zir valor e podemos continuar a fazê-lo na Europa. E José Pinto – Sim, é o que eu digo: as pessoas só
foi isso que nós fizemos. Começou dentro com um mudam na dificuldade e têm muita dificuldade em
pequeno grupo de pessoas que foi preciso contami- mudar quando estão bem.
nar na altura éramos cerca de 150 pessoas, já não Nicolau Santos – Tiago Santos Pereira é Coorde-
eramos uma empresa pequena. Naturalmente, isto nador do Gabinete de Estudos e Estratégia da Fun-
começou com 5 ou 10 pessoas, mas estas 5 ou 10 dação para a Ciência e a Tecnologia. Investigação
pessoas, pelo exemplo, pela persistência, consegui- e inovação não são exatamente a mesma coisa,

19
a inovação exige investigação, mas a investiga- Ao pensar sobre isto, um dos outros temas que,
ção pode não chegar à inovação. Queremos a sua também, me parece importante tem a ver com um
opinião também sobre este assunto. aspeto que foi muito referido pela Senhora Ministra,
por exemplo, o inquérito à inovação do Manual de
Tiago Santos Pereira – É excelente ter aqui uma au-
Oslo define a inovação identificando-a com uma per-
diência tão grande que mostra, de facto, que as pala-
gunta muito simples: perguntámos a uma empresa
vras que foram ditas pelos Senhores Ministros se re-
fletem no interesse que existe em todas as equipas se introduziu uma inovação durante os últimos três
na Administração Pública e também parece que, e anos, um novo produto, um novo processo. E a res-
vou repetir o que o Jaime Andrez disse, não vou dizer posta tem de ser simplesmente sim ou não e esse
nada de muito novo, mas muitas palavras, nomea- é o principal indicador que compara os países. Há
damente, as proferidas pela Senhora Ministra Maria países que têm cerca de 50% de empresas inovado-
Manuel Leitão Marques, têm algumas das ideias ras, outros 30% de empresas inovadoras. É uma per-
principais que eu queria aqui deixar e que refletem, gunta muito simples que tem a ver com a atividade,
de alguma forma, um caminho que estes processos se faz ou não faz inovação.
têm que ter, que têm que continuar a ter. Ou seja, a Na verdade, estamos a passar por um processo em
inovação sendo uma moda, ou tendo períodos de que a inovação se torna uma moda e tem que ser ins-
moda, não significa que não tenha que continuar a titucionalizada, nomeadamente, as políticas têm que
ser construída e a ser desenvolvida. se preocupar não apenas com incentivar a inovação,
Estou aqui enquanto coordenador de um gabinete mas com os impactos da inovação. Portanto, muita
de estudos na Fundação para a Ciência e a Tecnolo- da análise sobre as políticas públicas e a evolução
gia (FCT), mas também enquanto investigador. Nesta das políticas públicas de inovação centram-se, não
qualidade tenho trabalhado sobre estes temas há apenas na criação de incentivos e de condições para
já cerca de 20 anos. Parece-me que o título deste a institucionalização da inovação, mas na promoção
Congresso foi muito bem escolhido, porque “sem de inovação que tenha um impacto social. Muitas
fronteiras” é, precisamente, uma das evoluções que das políticas públicas, mesmo em instituições orien-
se tem encontrado e definido no processo de inova- tadas para a investigação, como é a FCT, os conceitos
ção, duma fase inicial em que a inovação era muito como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
associada com a investigação ou com a inovação das Nações Unidas, que têm a ver genericamente
tecnológica, e agora reconhecemos que a inovação com o bem-estar social, cultural e económico das
não é apenas tecnológica, de processos organizacio- sociedades e não apenas com o crescimento econó-
nais, de processos de design e marketing, etc., mas mico, são conceitos que, internacionalmente, se têm
também o é em termos do local da inovação. vindo a tornar muito dominantes nesta literatura e
nestas iniciativas políticas.
Pensamos em inovação e, de facto, a definição ini-
cial de inovação era quando uma empresa introdu- Um colega investigador, cujo trabalho muito aprecio,
zia um novo produto. E, nisto, houve uma grande tem vindo a defender um novo modelo de políticas
mudança porque, talvez a partir da última década, de inovação a que chama “inovação transformativa”
passou-se a falar muito de processos de inovação pensando, por um lado, na inovação incremental na
que são feitos, por exemplo, através de organiza- Administração Pública, mas também na inovação
ções do terceiro setor, do setor social e definiu-se o transformadora que, de facto, nos permite chegar a
termo da inovação social, precisamente para identi- impactos mais consideráveis em termos de melho-
ficar isso de uma forma mais clara, mas também na ria do bem-estar social.
Administração Pública. Há dias, foi publicado o novo
Vou aqui deixar mais uma ou duas últimas notas. Uma
Manual de Oslo que permite avaliar a inovação. Esta
é a questão da institucionalização que me parece, de
4.ª edição, revista pela OCDE, lém de integrar um in-
facto, muito importante. É óbvio que foi muito impor-
quérito à inovação que, tradicionalmente, era feito
tante a criação do LabX, ou seja, a institucionalização
às empresas, passa, também, a integrar um guião
da inovação para a Administração Pública embora
para medir a inovação no setor público e na inova-
tenha que ser, de alguma forma, mais distribuída.
ção social. Este abrir de fronteiras é muito genérico
em termos da evolução do conceito e dos processos Todos ouvimos falar do modelo do Google que co-
de inovação. nhecemos pela inovação, mas também conhecemos

20
porque sabemos que, internamente, todos os fun- as empresas, e em menos quantidade para a Ad-
cionários têm o tempo que querem, que utilizam ministração Pública. Esse foi o grande apelo feito
como querem, para processos inovadores e para há pouco pela Senhora Ministra e, daí os próprios
terem ideias criativas. É esta distribuição do tempo projetos da FCT. As entidades financiadoras, quer
no processo de inovação que é institucionalizada, ou as agências públicas, de políticas públicas, de capital
seja, não apenas nos serviços comuns, mas também de risco ou outras fontes de financiamento, talvez
nos diferentes organismos que tenham uma dimen- essa seja a parte mais débil porque, naturalmente,
são suficientemente relevante ou nas diferentes em- os bancos não financiam a investigação e desenvol-
presas. vimento, mas financiam a inovação porque tem re-
Isto leva-nos, mais uma vez, ao princípio, ao “abrir tornos mais imediatos.
fronteiras”, que é uma das outras questões muito Nicolau Santos – De alguma forma, não acha que
importantes e que se tem vindo a consolidar. Na houve, ao longo de anos, o falhanço dos sucessi-
verdade, ela tem sido importante desde o prin- vos sistemas de risco que foram postos à dispo-
cípio, mas é, talvez, reconhecida, atualmente, de sição sobretudo das empresas e que acabaram
uma forma mais clara, que é a questão da inovação por nunca ter um grande aproveitamento, nunca
aberta e da colaboração. Por exemplo, foi aqui refe- foram consistentes?
rido pela Senhora Ministra que a FCT lançou recen-
Jaime Andrez – Não diria isso. Os projetos de ino-
temente um concurso para investigação porque ,a
FCT financia projetos de investigação, sobre inteli- vação nas empresas para investigação e desenvolvi-
gência artificial e ciência dos dados, em colaboração mento, ou o número de projetos conjuntos envolven-
com a Administração Pública. Queria deixar aqui a do universidades, empresas e outras entidades, são
nota de que os processos de formação contínua são em número equivalente aos projetos individuais. Por
muito importantes e a investigação contínua, dei- exemplo, nós temos instrumentos de apoio àquilo a
xando de ser central, deixando de ser característica que chamamos iniciativas coletivas, onde juntámos
de todos os processos de inovação, continua a ser as diversas entidades do sistema para, e o calçado é
um aliado dos processos de inovação na Administra- um bom exemplo, criar condições de funcionamen-
ção Pública, na economia portuguesa de uma forma to de eficiência coletiva. Claro que tem toda a razão
geral. E, aí, há muitos processos que ainda têm que quando diz que existem determinados aspetos, de-
se desenvolver e evoluir para que esta colaboração, terminadas condicionantes, eu não gosto de utilizar
este ecossistema de inovação, tenha resultados e o termo barreiras, mas há condicionantes que têm
impactos mais profícuos. que ser ultrapassadas para facilitar essa articulação
e uma delas é, de facto, o risco.
Nicolau Santos – O Dr. Jaime Andrez disse na sua
intervenção que a inovação é sistémica e que não Nos negócios, não há nada que não tenha risco e
se inova de forma isolada. Gostava de lhe per- não é só na questão da inovação. Aliás, eu altera-
guntar se, hoje em dia, existe um ecossistema na va a frase “se o homem não sonhasse não saía das
sociedade portuguesa, na economia portuguesa, cavernas” para “se o homem não inovasse não saía
que permita que todas as entidades, quer sejam das cavernas” porque, não desdizendo aquilo que
da Administração Pública e do setor público, quer foi dito, que a inovação vem com maior intensida-
do setor privado, estejam ou não imbuídas desta de de há uns 20 anos para cá, mas inova-se desde
ideia da inovação e tenham condições para inovar. sempre. Se, de facto, a definição é aquela que aqui
nos foi proposta pelo Governo que é fazer algo de
Jaime Andrez – É evidente que não temos o sistema
novo, de diferente, de melhor, acrescentaria com
que gostaríamos de ter, mas temos já um sistema
valor económico, nessas circunstâncias, nós sempre
razoavelmente densificado, com todos os agentes
inovámos, simplesmente, a curva da inovação é uma
que devem estar no sistema, nas empresas, na Ad-
curva exponencial.
ministração Pública, nas universidades. As univer-
sidades começam a articular-se com as empresas, Este momento está muito imbuído pelo advento das
mais lentamente mas também com a Administração ditas tecnologias 4.0, a digitalização, a inteligência
Pública, com as entidades de interface, os centros artificial e, neste momento, estamos perante um
tecnológicos que ajudam a transferir conhecimen- conjunto de oportunidades que às vezes intimida.
to das entidades produtoras de conhecimento para Uma pequena e média empresa que chegue a um

21
colóquio e oiça falar na inteligência artificial e na di- na Administração Pública, também facilmente des-
gitalização diz “isto não é para mim”, uma vez que constrói ou deixa desconstruir a sua própria estru-
as realidades são diferentes, as abordagens são tura.
diferentes. Às vezes, ao inovar na organização de
Há aqui dois aspetos que nós temos que conjugar
uma pequena e média empresa ou numa entidade
do ponto de vista daquilo que é o contexto para
pública de menor dimensão, conseguem-se resul-
inovar na administração pública. Obviamente que
tados fantásticos mesmo que se diga que têm con-
nós precisamos sobretudo de oferecer aos trabalha-
dicionantes financeiras, que têm condicionantes de
dores públicos um dos recursos fundamentais para
competências. Contudo, isso vai-se trabalhando pos-
inovar que é o tempo, tempo para falar, tempo para
teriormente, mas como a realidade é, por um lado,
experimentar, tempo para juntar equipas pequenas
integrada e complexa é, por outro lado, sistémica e
e pensar em coisas que não tinham sido pensadas;
temos sempre algo por onde começar e avançar. A
falar com pessoas com quem não estamos habitua-
sua pergunta é oportuna e eu diria que estamos a
dos a falar ou que não vêm falar connosco, temos
caminhar a passos largos para criar condições para
que ir falar com elas e isso é fundamental na forma
ter essa articulação.
de gerir na Administração Pública.
Nicolau Santos – Deixe-me perguntar ao Carlos
É claro que é preciso treinar o gestor público para
Carapeto o seguinte: a Administração Pública, du-
propiciar essas condições, isso é uma abordagem
rante muitos anos, tinha um sistema de hierarquia
absolutamente necessária. Mas é uma abordagem
na tomada de decisões que passava muitas vezes,
que casa com aquilo que o Jaime referiu também:
nos papéis que nós víamos, por “à consideração
“inovação é sistema”. Essas duas abordagens de
superior”, enfim, havia sempre alguém acima que
construir a arquitetura do sistema têm de integrar
teria de assumir a responsabilidade da decisão fi-
pulverizar o ambiente da Administração Pública com
nal e há pouco o José Pinto falava no exemplo do
esses ingredientes, ou seja, o tempo, a liberdade
Google onde os funcionários podem gerir o seu
para a imaginação emergir, as ruturas na hierarquia
tempo para contribuir de algum modo para a ino-
clássica, porque a hierarquia não é algo que vem ne-
vação. Eu suponho que já não estamos no tempo
cessariamente sempre de cima, é algo que também
do “à consideração superior”, mas também não es-
conforta muito quem utiliza com facilidade o “à con-
tamos ainda no tempo do Google.
sideração superior”.
Carlos Caeiro Carapeto – Foi o Tiago quem falou na
Nicolau Santos – Se eu fosse um subordinado seu,
Google. Obviamente que estamos ainda no tempo
chegasse ao pé de si e dissesse “eu tenho uma
do “à consideração superior”. O “à consideração su-
ideia genial, mas preciso de uma semana para a
perior” aparece agora de outra forma, aparece talvez
estruturar sem vir cá ao INA”.
mais por um email do que propriamente pelo despa-
cho no cabeçalho do papel, embora às vezes possa Carlos Caeiro Carapeto – Eu penso que nós temos
haver uns emails que acabam impressos. Nós temos que começar a introduzir uma forma sistemática de
uma barreira tremenda do ponto de vista da cultura gerir esse tempo, não sei se é uma semana, se é um
de gestão na Administração Pública. E é fácil carica- dia, mas é preciso tempo. O Governo aprovou no
turar alguns aspetos que são intrínsecos à Admi- final do último semestre deste ano, um sistema de
nistração Pública, mas também não há nenhuma incentivos à inovação na gestão pública com três in-
moeda que não tenha dois lados: a hierarquia, a or- centivos que não são os incentivos clássicos que co-
ganização e um conjunto de aspetos que, por vezes, nhecemos. Estes novos incentivos são a capacitação,
são barreiras à inovação, mas que são aspetos fun- o apoio à experimentação e os prémios que hoje
damentais para manter a coesão e para evitar a de- foram aqui anunciados. E depositou nas mãos de
sintegração das estruturas administrativas. três entidades, o INA, a Agência para a Moderniza-
ção Administrativa, I.P. (AMA, I.P.) e a Direção-Geral
Dou-lhe um exemplo que é o da exigência do que é
da Administração e do Emprego Público (DGAEP), a
ser gestor na Administração Pública. A gestão é uma
governação desse sistema.
só, o contexto é que muda de forma dramática. O di-
rigente da Administração Pública deve também ser Nós tivemos que construir a execução deste siste-
um gestor treinado nas técnicas da gestão, porque ma a partir de julho, tivemos de começar a falar
se for apenas o dirigente típico que nós conhecemos com as pessoas para perceber como é que criá-

22
vamos, não digo que seja uma autoestrada, mas dade, não passa a ser depois levada pelo governo
esse ambiente favorável à inovação. E isso exigiu, ou pelo Presidente que vêm a seguir. Quais são os
do ponto de vista das estruturas, alguma capa- riscos de descredibilizar a inovação com este tipo
cidade para se reorganizarem, para irem para a de apropriação política da inovação?
estrada ajudar os inovadores a serem inovadores,
Francisco Velásquez – Estou de acordo com as pa-
implicando que também fossemos inovadores,
lavras do meu colega. É preciso tempo e tempo na
que construíssemos pequenas equipas e que essas
gestão pública é o que não há porque os tempos
equipas estivessem numa posição completamente
são curtos, muito mais curtos do que nas empresas
distinta e fora daquilo que é a rotina habitual numa
privadas porque, quando muito, duram quatro ou
direção-geral, para que pudéssemos sair livremen-
cinco anos. Esse é um dos problemas da inovação. A
te para o terreno, falar com pessoas que têm ideias
inovação tem que chegar aos ministros, tem que ter
e ajudá-las a inovar.
um líder político, tem que chegar aos diretores-ge-
Construir esse modelo de governação da inovação, rais, tem que chegar aos funcionários e, em relação
talvez ainda ao nível micro, obriga-nos a chocar à sua pergunta, tem que chegar à sociedade.
com essas barreiras todas. Por exemplo: os diri-
Há múltiplos exemplos de inovação, por exemplo,
gentes não têm um registo de horário biométrico
no âmbito da digitalização e da possibilidade de
mas os técnicos superiores têm e há pessoas que
fazer processos com um telemóvel ou com um com-
estão nessa equipa que, quando chegávamos das
putador, o que não tem resposta suficiente da parte
reuniões, ficavam a marcar o ponto. Isto era um
da sociedade. Há a questão do digital, há a questão
frenesim e tivemos que arranjar uma forma de li-
da cultura tradicional, há muitas outras questões,
bertar essas pessoas dessa obrigação. Coisas tão
mas também com muita frequência, a liderança
simples como essa podem ser feitas. E quando não
política só chega até à conferência de imprensa. E
é possível fazê-lo, porque não está na mão do diri-
depois disso, não há recursos suficientes, não há a
gente fazê-lo, então o sistema de incentivos à ino-
ação suficiente para empurrar os responsáveis para
vação na gestão pública, que o Governo aprovou,
continuar com essa ideia. Não sei se sabem, porque
instituiu uma iniciativa que é o “direito ao desafio”,
é algo que está a suceder entre os países ociden-
que permite pedir a suspensão de uma norma legal
tais, a questão da transparência tem imbuído boa
para inovar.
parte do trabalho dos responsáveis políticos, de tal
Isso não resolve tudo aquilo que provocou o riso maneira que o seu trabalho essencial é o de comu-
inicial que é “à consideração superior” e o “preciso nicar à sociedade, comunicar à opinião pública quais
de uma semana para inovar”. Sim, eu penso que são os seus projetos o que, para mim, não é o mais
temos que chegar a um patamar em que a gover- importante.
nação da inovação, introduzida na forma como
A relação entre a liderança política e a sociedade não
gerimos o dia a dia na gestão pública, permita que
está, neste momento, bem enlaçada. Desde logo,
todas as pessoas possam, não só pedir um dia para
qualquer responsável político trabalha muito, traba-
inovar, como se deveria institucionalizar um dia
lha muito no Parlamento, na conferência de impren-
para inovar e, se não for um dia obrigatório, que
sa traçando grandes planos e trabalha muito pouco
seja um dia ou uma semana. Nós precisamos desse
na sua organização e, por isso, não tem tempo
ingrediente fundamental, que é o tempo, porque
porque o período é só de quatro anos.
sem tempo ficamos com a ilusão de que tudo é
urgente mas, realmente, não tratámos daquilo que E, se me permitem, num só dia inova-se pouco.
é importante e que é estruturante e, sobretudo, Porque num dia o funcionário, e eu também sou
não inovamos. Esta é a expetativa. funcionário, desenha a possibilidade de como fazer
a proposta e no segundo dia começa a escrever a
Nicolau Santos – Ficámos a saber que toda a gente
proposta para a seguir a apresentar.
pode pedir, pelo menos, um dia para inovar, aqui
ao Dr. Carlos Carapeto. O Francisco tocou num Nicolau Santos – Portanto, podem pedir dois dias,
ponto que é importante, no campo político a ino- pelo menos. Isto está a melhorar! Tiago, uma das
vação tornou-se também uma bandeira e, às vezes, questões que se coloca na inovação é que, ao longo
essa bandeira é a bandeira de um governo ou de de muitos anos eu ouvia, enquanto jornalista, falar
um presidente, mas não é uma bandeira da socie- na necessidade de empresas e universidades tra-

23
balharem em conjunto para resolver problemas Portanto, parece-me que o desafio da colabora-
específicos. Durante muitos anos, houve clara- ção é importante dentro da Administração Pública,
mente uma dificuldade nesse diálogo, hoje em dia embora considere que, a nível da academia, há muito
penso que está bastante melhor mas, e em relação que se pode fazer. Há outro tipo de casos pontuais,
à Administração Pública, há um diálogo entre as há a questão da colaboração formal, há formas de
universidades e a Administração Pública nos pro- colaboração informal mas há, por exemplo, um
cessos de inovação que a administração tem de maior conhecimento intersectorial. Eu venho de
desenvolver ou tem vindo a desenvolver? uma carreira de investigação na academia e estou,
nos últimos três anos, a desempenhar funções na
Tiago Santos Pereira – Eu considero que esse é
FCT e tenho aprendido muito com o modo de fun-
um excelente desafio. De facto e partindo do ponto
cionamento da Administração Pública. Aliás, a Fun-
anterior relativamente à ligação entre a academia e
dação é uma instituição onde os investigadores têm
a empresa e fazendo o salto para a Administração
muita interação mas, por vezes, também não se
Pública, por exemplo, se formos ver, em termos de
apercebem de todos os desafios que a própria or-
indicadores de inovação a nível europeu, existe um
ganização tem, o que tem sido muito interessante.
barómetro de inovação e a área em que Portugal
que está menos bem classificado é, precisamente, Considero que tenho dado algum valor acrescenta-
nas ligações. Existe um conjunto de indicadores que do, por um lado, pela minha experiência enquan-
identificou as ligações entre as universidades e as to utilizador, mas também enquanto conhecedor,
empresas, entre as próprias empresas no processo porque é a minha área de investigação e onde sou
de inovação e essa é a área onde estamos menos especialista. Creio que há diversas modalidades
bem classificados. Mas, acompanhando o sistema onde podemos fazer este tipo de interação e parece-
já há alguns anos, parece-me que os indicadores -me que há os tais projetos concretos, por exemplo,
não refletem muita da mudança que aconteceu e, agora haverá candidaturas anuais, houve este ano
de facto, hoje vê-se muito mais interação entre as e haverá nos próximos anos, a projetos de investi-
universidades e as empresas e, ao nível das empre- gação com desafios talvez um pouco mais abran-
sas, muito mais inovação e educação de base tec- gentes porque é preciso investigação de natureza
nológica. Creio que isto resulta de um processo que mais académica, mas haverá também outros pro-
acaba por ter esse tipo de resultados nos indicado- jetos específicos, de resolução de questões especí-
res tradicionais, mas poderá ter outros, talvez num ficas. Também há outras oportunidades, colabora-
tempo um pouco mais tardio. Creio que o mesmo se ção onde também podemos inovar e experimentar
poderá estar a passar, eventualmente, com a cola- outros modelos. Dou um exemplo, de uma questão
boração entre a academia e a Administração Pública que me parece também desafiante: Portugal, com
no momento atual. muito apoio através da FCT, tem melhorado em
muito as qualificações dos recursos humanos, no-
Também fazia aqui uma ressalva. Obviamente que
meadamente a nível doutoral. De facto, temos tido,
o desafio de falar de inovação aberta, não é apenas
a nível europeu, uma boa comparação internacional
da colaboração entre a Administração Pública e a
porque tem crescido muito a formação a nível dou-
academia, é também da colaboração entre diferen-
toral e pós-doutoral. Obviamente que o apoio a esta
tes departamentos, entre diferentes ministérios. Por
formação não é para novos investigadores na acade-
exemplo: sendo o tema da inovação um tema clássi-
mia, é para que muitos destes venham a contribuir
co, quem é que deverá ter a tutela sobre a inovação?
em termos da inovação e de investigação a nível em-
Nalguns países existe uma tutela ou um conselho
presarial. Continua a ser um desafio, mas também
ao nível do gabinete do primeiro-ministro, precisa-
há, certamente, oportunidades.
mente porque é uma questão horizontal; noutros
países existe uma tutela, por exemplo, ao nível do Também creio que o modelo atual de estrutura dos
Mistério da Economia o que, de certa forma, é o que quadros da Administração Pública não está total-
se passa no caso português, ainda que uma parte mente adequado e deverá haver a oportunidade
esteja, também, ao nível do Ministério da Ciência e para que o valor acrescentado destes especialistas
Tecnologia, mas há também inovação que tem a ver possa dar um certo número de contributos, para a
com, por exemplo, atividades do Ministério da Agri- própria Administração Pública, em diversas áreas.
cultura ou do Ministério da Saúde. Há ainda muita experimentação a fazer ao nível

24
destas colaborações e, de facto, creio que ainda está podem ser uma referência, fazendo isto bem feito,
numa fase não muito consolidada, mas algumas das seguramente que tudo se torna fácil e inspira os
iniciativas já mostram esse esforço de consolidação. outros a fazê-lo.
Nicolau Santos – José Pinto, na sua intervenção Nicolau Santos – Vou passar a algumas pergun-
sublinhou o facto de o setor do calçado contar com tas que nos foram enviadas da assistência. “Como
uma associação que foi fundamental na moderni- compatibilizar todo o processo de inovação na
zação e no melhoramento competitivo do setor, Administração Pública com as regras da contrata-
que é a Associação Portuguesa dos Industriais de ção pública que obriga ao cumprimento de regras
Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Su- muito apertadas e, pela sua natureza, morosas”?
cedâneos (APICCAPS). Gostava de lhe perguntar
Jaime Andrez – Essa realidade foi aqui referida pela
precisamente isso, ou seja, lembro-me que, penso
Senhora Ministra. Mais uma vez, eu evito termos
que foi com o engenheiro Mira Amaral, havia em-
como dificuldades ou barreiras, prefiro usar condi-
presas que beneficiavam de apoios e que melho-
cionantes. São as regras que têm que ser cumpridas,
ravam os seus processos. Depois havia reuniões
mas que podem vir a ser revistas – e têm sido revis-
com outros empresários do setor onde tinham de
tas – em determinadas situações particulares como,
mostrar aquilo que tinham feito e, através desse por exemplo, a contratação de investigadores. Nos
exemplo, todo o setor acabou por ir evoluindo e programas operacionais, para realizar projetos de
melhorando. Gostava que me dissesse qual é a im- investigação e desenvolvimento tinham de contratar
portância de haver este tipo de associações fortes investigadores o que era uma grande dificuldade.
num determinado setor. Foi agora simplificado, na última legislação associa-
José Pinto – Eu diria que é fundamental porque, no da ao Orçamento do Estado. Mas isto implica, mais
fundo, um dos problemas que nós temos em Por- uma vez, planeamento. Implica ciclos mais longos de
tugal - e eu vejo outros exemplos lá fora - é, muitas decisão, temos que antecipar essas decisões e não
vezes, a falta de colaboração entre as empresas há outra alternativa a não ser planear de uma forma
mas, sobretudo, entre as pessoas. Normalmente, que, conhecendo o ciclo de decisão, ela vá cair mais
nas indústrias e numa indústria como a do calçado, ou menos dentro daquilo que está previsto como
há sempre alguma proteção, cada um tenta prote- objetivos temporais. Mas é uma condicionante que,
ger para si o conhecimento mas, no nosso setor, a por vezes, dificulta alguns projetos de inovação na
Associação representou-nos e interpretou muito Administração Pública.
bem a indústria, percebeu que haveria formas de Nicolau Santos – Temos aqui uma outra pergun-
nos integrar e, através dos exemplos uns dos outros, ta que me parece que talvez saia um pouco deste
conseguimos desenvolver-nos, por exemplo, através âmbito mas, de qualquer maneira, é uma análise
da ligação que temos com o centro tecnológico. talvez um pouco radical. “A Administração Pública
Muitas vezes, durante os últimos anos que tenho está muito politizada, hierarquizada e fechada,
estado na empresa, o centro tecnológico dirige-se com restrições de meios materiais e humanos
à empresa e tem reuniões connosco e perguntam- em todos os ministérios (1) como pensa objetiva-
-nos “o que é que vocês precisam?”. Eles conseguem mente mudar este paradigma? (2) a inovação com
trabalhadores mal pagos, sem objetivos, serão os
identificar quais são as empresas que estão à frente,
prémios motivo de diferença? (3) no inquérito de
as empresas que, por natureza, são empresas que
satisfação, os trabalhadores da fábrica de sapatos
procuram liderar e desenvolver novos processos e
são mais felizes ou passam para um segundo plano
inovar e, através disso, procuram juntar-nos, dis-
face aos lucros?”.
cutir e dialogar. A Associação faz isso muito bem
através dos projetos demonstradores e é isso que Carlos Caeiro Carapeto – Recordam-se daquilo que
nós fazemos, nós somos um exemplo, um bom o José Pinto disse quando falou na inovação na Pro-
exemplo, um exemplo tanto para o meu concorren- calçado? Gostaria apenas de corrigir uma coisa, não é
te como para o meu parceiro. Isto faz com que a in- fábrica de sapatos, é indústria do calçado. Aquilo que
dústria ganhe peso e, nesse sentido, as associações o José Pinto disse foi que nós só inovamos quando
que souberem liderar e gerir bem este processo de estamos apertados. Uma das razões pela qual nós
integração e fazer a ponte com as empresas que devemos inovar na Administração Pública e que, na

25
verdade, seremos forçados a inovar no futuro na Ad- lar, precisa de inovar para se tornar mais competi-
ministração Pública, porque haverá sempre poucos tiva, mais eficiente e realizar melhor as pessoas”?
recursos e, provavelmente, até menos recursos,
Jaime Andrez – Cumprimento a Rita Seabra, minha
porque existirão menos pessoas a financiar esses
colega no IAPMEI em tempos passados, aliás, aqui
recursos, por força das alterações demográficas. A
com o Carlos também, foram bons momentos, boas
inovação visa isso mesmo, visa fazer mais com os
causas, inovação com uma estratégia de envolvimen-
mesmos recursos, ou com menos ainda. Por vezes
to de todos e que conseguiram alguns resultados
é verdade que a inovação exige mais investimento,
importantes para o IAPMEI cumprir a sua missão. E
mas não é um investimento que se traduza apenas
eu tenho ideia que, e o Carlos referiu isso, um gestor
em maiores orçamentos, é um investimento que
público tem algumas condicionantes diferentes das
visa criar valor exponencial, o que não seria possível
do setor privado. Não vejam aqui nenhuma queixa,
despejando apenas dinheiro nos orçamentos das
é apenas enfrentar uma realidade que temos que
entidades públicas.
saber gerir. Ouvi muitas vezes vários superiores dize-
Imaginem uma direção-geral em que é possível ter rem que é preciso que o gestor público seja tão ativo
o orçamento que o diretor-geral, ou a diretora-geral, e tão produtivo quanto o gestor privado mas, nós es-
deseja e onde este pode contratar todos trabalhado- tudámos pelos mesmos livros, pelas mesmas carti-
res que quiser contratar. É por isso que serão mais lhas, mas há determinadas condicionantes que aqui
inovadores? Não. Só serão mais inovadores se con- foram referidas, até por algumas das perguntas an-
seguirem enfrentar os desafios, produzir ideias para teriores, como condicionantes de vencimento, etc.
criar novas soluções e criar a capacidade de trans-
Tudo depende do perfil de gestão que nós imple-
formar essas ideias em valor para os cidadãos.
mentamos dentro da Administração Pública, o en-
Que a Administração Pública está hierarquizada, tem volvimento que conseguirmos ter com as pessoas
uma matriz hierárquica que faz parte da sua cultura que estão dentro de uma determinada organização,
e que a Administração Pública está politizada, é dos projetos-âncora que unem todos à volta de de-
muito fácil afirmar algo assim. É algo que ouvimos terminado assunto, das soluções imaginativas como,
com frequência, sem que se refira que o contexto por exemplo, de dar uns dias para se recolherem in-
da Administração Pública é um contexto onde existe formações ou poderem fazer em casa onde podem
uma liderança política, não são acionistas, existe um estar desligados das suas funções para criar ideias
contexto em que os políticos, que são os governan- novas. Recordo que, por exemplo, no Instituto Na-
tes eleitos com a legitimidade do sufrágio universal, cional da Propriedade Industrial (INPI) utilizávamos
fazem parte do contexto. Na Administração Pública uma ferramenta que se chamava innovation track e
tem de se compreender essa particularidade e saber todos podiam colocar ali as suas ideias.
gerir a relação com os governantes, quando somos
Na Administração Pública há, também, uma questão
gestores. Muitas vezes o nosso principal recurso
que é uma condicionante importante que é o orga-
vem dos governantes e nem sequer é o dinheiro, é
nismo estar centrado à volta da sua missão próxima
o apoio comportamental, mas isso é preciso com-
para fazer uma determinada coisa. Se nós pedirmos
preendê-lo e é preciso ter essa dialética presente na
a um dirigente ou a um trabalhador que contribuam
gestão pública e na gestão da inovação em contex-
para um plano de atividades, que contribuam para a
to público. Devemos fugir desses lugares comuns
avaliação dos colaboradores, etc., considera-se que
mais fortes que, por vezes, são defensivos para nós
aquilo não faz parte da sua missão, a sua missão
quando os adotamos, mas são também barreiras
é analisar projetos de investimento e isso só vai
autoimpostas à mudança e à inovação.
atrasar o seu trabalho. Quer dizer, é o gestor que
Nicolau Santos – Tenho outra questão. “Concorda- é chefe, que nem sequer é líder e que pensa que
mos que é necessário inovar, que a inovação é sis- gerir é apenas executar tecnicamente uma coisa.
témica e que temos as principais peças do sistema, É preciso que isto seja transformado, que sejam
o que falha é que não há comportamento sistémi- criadas condições de envolvimento, de motivação
co e o que eu gostava de acrescentar a isto é se, e isso não é fácil, mas que pode haver uma forma
hoje em dia, uma mudança governativa em Portu- como as organizações são condicionadas em termos
gal não coloca em causa a ideia de que a sociedade da sua própria estrutura de funcionamento, isso é
portuguesa e a Administração Pública, em particu- verdade.

26
Lembro-me que, quando estava no IAPMEI e estive a pública têm sido modificados profundamente nos
rever os estatutos, pedia que me dissessem quantos últimos tempos, fazem-se de forma eletrónica ou
dirigentes intermédios tínhamos numa determi- digital em muitos países e até na União Europeia.
nada área e, depois, era eu que decidia se utilizava
Têm-se introduzido cláusulas relativas às pessoas
todos, quais os departamentos que utilizava ou não.
com incapacidade, têm-se introduzido cláusulas
Ou seja, acho que não é possível seguir um modelo
relativas ao género, têm-se introduzido cláusulas
de negócio ou um plano de negócio, seguir um plano
relativas à transparência mas, o argumento funda-
de atividades, se eu não tiver uma certa liberdade
mental é que os laboratórios de inovação, os grupos
organizacional e de procedimentos que me permita
de pessoas que, dentro ou fora da Administração
cumpri-lo. Se já estou fechado em termos das liber-
Pública, da universidade têm ideias, isso deve ser
dades para organizar, tenho a minha atividade muito
convertido em regras porque a sociedade não pode
condicionada, mas repito, a imaginação, como dizia
viver sem regras.
Einstein, é mais importante que o conhecimento. O
conhecimento é limitado e a imaginação é ilimitada Nicolau Santos – Não podemos fazer da Adminis-
e, se não houvesse imaginação, nós não sabería- tração Pública um grande Google?
mos utilizar o conhecimento. Portanto, é preciso ser
Francisco Velásquez – Isso não seria justo para as
muito imaginativo e é possível ter um departamento
pessoas porque só os mais inteligentes saberiam
com determinado nome e ele fazer outra coisa.
como funcionar. As ideias têm que se plasmar em
Francisco Velásquez – Eu queria referir algumas regras muito simples para que todas as pessoas,
questões que se têm discutido até agora, sobretu- do mais pequeno ou do mais pobre ao mais rico,
do nas últimas perguntas. A Administração Pública possam aceder aos benefícios a que têm direito.
precisa de estabilidade e de regras, porque sem
A Administração Pública não é mais do que uma
regras isto seria o “mundo das cavernas”. E há regras,
imensa organização que pretende fazer mais felizes
mas não estão ligadas com a inovação. Assim, o que
as pessoas e, para que as pessoas sejam mais felizes,
temos é que impulsionar a inovação para a trans-
têm que conhecer as regras.
formar em regras para a sociedade. Por exemplo,
quando se diz que a contratação pública tem regras Nicolau Santos – Penso que este foi um excelente
muito rígidas ou outro tipo de problemas, estamos painel para começar este 10.º Congresso da Admi-
a esquecer-nos que os sistemas de contratação nistração Pública.

27
28
Mesa Redonda II
As Fronteiras Digitais:
As Tecnologias na Administração
Pública do Futuro

ANA NEVES ARLINDO MARINA VAN PEDRO SILVA RICARDO PEREIRA


OLIVEIRA ZELLER DIAS CEO da ComOn
Coordenadora
do Secretariado Presidente do Vice-Presidente Presidente do
Técnico do Instituto Superior do Conselho Conselho Diretivo
Programa Técnico (IST) Diretivo do da Agência para a
INCoDE.2030 Instituto Modernização
Nacional de Administrativa, I.P.
Reabilitação, I.P. (AMA, I.P.)
(INR, I.P.)

MODERADOR:
ANTÓNIO GRANADO
Subdiretor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL)

29
António Granado – Este painel “As fronteiras di- mos preparados quando estávamos na sociedade
gitais: as tecnologias na Administração Pública da informação, numa sociedade em que tínhamos
do futuro” será mais virado para o futuro da Ad- muita informação. Depois passámos à sociedade do
ministração Pública, para a forma como podemos conhecimento, onde já sabemos como tornar essa
trabalhar na Administração Pública e como po- informação em conhecimento.
deremos, no futuro, ter uma melhor relação com
Neste momento, vivemos nessa sociedade do co-
os cidadãos. Começava por pedir a cada um dos
nhecimento, talvez um pouco mais na sociedade
intervenientes que falasse um pouco sobre esta
da manipulação, mas não vou entrar por aí. Portan-
questão do futuro e quais as fronteiras digitais na
to, esta sociedade do conhecimento permite que a
Administração Pública?
Administração Pública perceba onde é que está, o
Ana Cristina Neves – Além de Coordenadora do momento em que se encontra. Mudar os compor-
Secretariado Técnico do Programa INCoDe.2030, tamentos, saber otimizar o melhor possível o que
sou Diretora do Departamento da Sociedade da In- é colocado à nossa disposição, e o comportamento
formação da Fundação para a Ciência e Tecnologia. perante a situação é que vai mudar a nossa maneira
Digo isto para que se perceba que este Secretariado de pensar e permitir perceber o que é que poderá
Técnico do Programa INCoDe é o que junta as várias mudar na Administração Pública, até 2030. Portanto,
administrações públicas, as várias ações governati- é um programa que prepara as pessoas para o pre-
vas, num secretariado que depois tem uma coorde- sente e para perceber o futuro.
nação geral deste programa.
Arlindo Oliveira – Também considero o INCoDe.2030
Este programa, Iniciativa Nacional de Competência um programa muito importante e que interessa à
Digitais e.2030 (INCoDe.2030), que foi lançado em sociedade portuguesa, a diversos níveis, desde a lite-
abril do ano passado e adotado como uma Resolu- racia digital mais básica de saber usar uma aplicação
ção do Conselho de Ministros este ano, é um progra- ou um Website, até à componente de investigação,
ma muito interessante, uma vez que abarca toda a desenvolvimento e inovação e, portanto, penso que
sociedade portuguesa. é, em termos estratégicos, uma iniciativa positiva.
É constituído por cinco Eixos de ação: o 1.º eixo é o Temos agora o desafio de executar e de realizar
de inclusão digital; o 2.º eixo é o de educação formal; ações que façam com que o programa seja eficaz,
o 3.º de qualificação-requalificação; o 4.º de especia- não só na Administração Pública, mas na sociedade
lização, e aqui já estamos a falar de todo o ensino em geral. Eu considero que Portugal está, razoavel-
que confere graus; e o 5.º, é de investigação, mas mente, bem posicionado em termos da componen-
leia-se também a criação de novo conhecimento. te do digital na Administração Pública.
A maior parte das pessoas que e aqui se encontram, Não somos dos países mais à frente, mas estamos
creio eu, serão da Administração Pública. Perante no pelotão da frente, pelo menos no grande grupo
estes cinco eixos deverão posicionar-se no eixo três da frente no que respeita à digitalização de serviços,
e é aí que se podem encontrar novas formas de etc. E isso é positivo. É uma coisa que não é tão fácil
perceber onde é que estamos neste momento, em como possa parecer, mas penso que temos alguns
termos digitais, e o que é que nos espera até 2030. desafios importantes pela frente.
Este programa além de requalificar e qualificar as Preocupa-me, em particular, a escassez de recursos
pessoas com as novas tecnologias, está ciente que humanos, que é um problema muito grave na área
o digital não são só novas tecnologias, o digital são do digital e das novas tecnologias, em geral. Existem,
também novos comportamentos e, portanto, tem neste momento, provavelmente, 20 mil postos de
que haver um novo comportamento da Administra- trabalho por preencher nesta grande área do digital,
ção Pública para que, de facto, se mude o paradig- em Portugal. Podemos estar a aproximar-nos de um
ma. milhão de posições por preencher na Europa. Este é
um problema geral. Aqueles que estão à frente das
O grande desafio do INCoDe.2030 é, para além
empresas sabem bem as dificuldades que existem
de requalificar as pessoas, pretender que essas
para contratar pessoas nos diversos níveis de com-
pessoas estejam mais preparadas para perceber
petências, na área digital.
o futuro, que era algo para o qual nós não estáva-

30
Considero que a Administração Pública está espe- continuar a acontecer, assim tenhamos nós a capa-
cialmente mal neste ponto, porque as carreiras que cidade de desenvolver estes serviços e defendo que
é possível oferecer na Administração Pública para as algumas das alterações que deveriam existir, pren-
pessoas com competências fortes na área do digital dem-se com a atuação inteligente nas políticas pú-
não são atrativas. Creio que este é um problema blicas, que é, basicamente, tomar decisões e definir
sério. Obviamente, podem sempre subcontratar políticas baseadas em evidências.
serviços mas tem de haver competências intrínse-
Podem, se quiserem, ver isto como uma grande
cas à Administração Pública nesta área. Penso que,
área da data science ou, se preferirem, inteligência
neste momento, é um grande desafio e por razões
artificial aplicada, mas é usar os dados que temos
que são conhecidas, que têm a ver com a crise, em
nos sistemas para tomar decisões inteligentes de
parte, mas também com a questão mais estrutural
políticas públicas. Podia dar aqui uma série de con-
da relativa fraqueza da nossa economia.
traexemplos, é mais difícil dar bons exemplos, mas
Nós não temos, realmente, na Administração Pública, contraexemplos...
a possibilidade de oferecer carreiras competitivas,
Houve um programa que foi lançado, publicitado
nem a recém-graduados e muito menos a pessoas
como inteligência artificial na Administração Pública
com experiência nesta área. Francamente, não tenho
mas, realmente, é análise de dados, data science, na
uma boa solução para isto. Considero que temos de
Administração Pública e penso que é positivo.
rever, apesar de tudo, as políticas que ainda estão em
vigor. Há vários projetos que foram bem propostos e que
estão a ser executados, mas é um primeiro passo,
Quer dizer, não é possível negociar o valor salarial
importante, é uma meia dúzia de projetos e preci-
de uma pessoa que entra na Administração Pública,
samos de dezenas e dezenas desses projetos. Esta
ainda hoje, que é uma coisa que foi bloqueada há
área também vai, a meu ver, alterar muito profun-
alguns anos por força da crise. E eu considero que
damente as interfaces com a população. Vamos ter
isto tem um enorme risco. Sinto isto no Técnico,
cada vez mais a possibilidade de ter interfaces avan-
que tem uma administração autónoma mas é parte
çadas, quer sistemas que respondem automatica-
da Administração Pública, parte do sistema público
mente a e-mails e mensagens. Num futuro não muito
e, apesar da autonomia universitária consagrada
distante, vamos poder ter call centers totalmente
na Constituição, sofre muitas das restrições que
automatizados ou 99% automatizados, que podem
são horizontais a todo o sistema e isto levanta-nos
interagir diretamente com os cidadãos. Penso que
enormes dificuldades.
essa tecnologia não está muito distante e vamos ter,
Nós, que graduamos cerca de 400 pessoas desta seguramente na próxima década, essas tecnologias
área por ano, temos uma enorme dificuldade em e, eventualmente, acabaremos por ter uma série de
reter uma meia dúzia, ou uma dúzia, que precisa- funções que, neste momento, são repetitivas e que
mos para manter os nossos serviços. E se o Técnico poderão ser automatizadas por força destas novas
tem esta dificuldade, imagino que os outros serviços tecnologias de inteligência artificial. Não creio que
sintam mais ainda esta dificuldade. Mas este painel sejam tantas, que nos coloquem em risco de termos
era sobre o futuro, e estou aqui a falar de um ponto uma administração muito pequena e subdimensio-
de vista um pouco pessimista do futuro. nada, não creio que seja isso, mas considero que
existe uma série de funções que poderão vir a ser
O que penso sobre o futuro das tecnologias digitais
desempenhadas com mais rapidez e mais eficiência
na Administração Pública?
financeira por estes sistemas.
Em primeiro lugar, uma maior digitalização. Já esta-
Portanto, o futuro passa um pouco por aqui, passa
mos lá, muitas coisas já estão digitalizadas. Estamos
por inovar na componente da sociedade digital e
parcialmente lá, mais serviços vão ser digitalizados.
colocar cada vez mais coisas na mão dos cidadãos,
Atualmente, quando vamos ao Portal das Finanças
usar os dados para tomar cada vez melhores de-
já se encontra um enorme manancial de serviços
cisões políticas. Assim, o Parlamento e o Governo
disponíveis e alguns desses serviços vão-se tornar
tenham essa capacidade. E depois o desenvolvimen-
mais acessíveis, via apps, etc.
to natural da tecnologia, com novas interfaces, novas
Portanto, creio que parte disto está a acontecer e vai funcionalidades, potenciadas pelas técnicas que ge-

31
ralmente se chamam inteligência artificial e que, de Reabilitação, que estão a promover a acessibilidade
facto, é um conjunto grande de técnicas onde cabe para as pessoas surdas aqui presentes, o Luís Oriol
muita coisa. e a Luísa Figueiredo.
António Granado – Mariana Van Zeller é Vice-Pre- Concluindo, é importante a participação ativa das
sidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacio- pessoas com deficiência e das organizações, em
nal de Reabilitação e terá certamente experiência todo este trabalho da acessibilidade. Assim, deixo
para partilhar. aqui às empresas, à Administração Pública, às uni-
versidades e aos politécnicos para envolverem estas
Marina Van Zeller – O Instituto Nacional para a Rea-
pessoas nos seus programas, nos seus conteúdos,
bilitação tem por missão a coordenação e execução,
em tudo aquilo que têm de transmitir para fora.
das políticas nacionais de promoção dos direitos das
pessoas com deficiência. António Granado – Vamos ouvir agora Pedro Silva
Dias, Presidente do Conselho Diretivo da Agência
Portugal ratificou, em 2009, a Convenção dos Di-
para a Modernização Administrativa. O futuro,
reitos das Pessoas com Deficiência e, para além de
qual é?
outras obrigações que o Estado tem, e que nós todos
temos, também nos obriga a promover a acessibili- Pedro Silva Dias – Penso que o futuro é promis-
dade à comunicação, às tecnologias para as pessoas sor e tenho uma visão otimista sobre esse futuro,
com deficiência. Portanto, aquilo que é importante porque para já o nosso track record recente é positi-
é que todos temos o direito de receber e difundir vo, apesar de todas as dificuldades que temos atra-
informação em condições iguais. Se pensarmos que vessado. O Professor Arlindo Oliveira já o disse, se
a acessibilidade não está circunscrita a rampas, a existe uma área onde vamos tendo bons resultados,
acessibilidade é tudo o que temos, tal como falei, da na sociedade como um todo, mas na Administração
comunicação, das tecnologias, é necessário também Pública em especial, é na área mais tecnológica, na
a acessibilidade à educação, ao emprego, à saúde, transformação digital lato sensu.
ao desporto. Portugal, de facto, tem tido bons resultados. Histori-
No passado dia 19 de outubro, saiu um decreto-lei camente tem sabido aproveitar algumas inovações
que transpõe uma diretiva europeia que obriga a Ad- que temos tido na frente tecnológica e na adoção de
ministração Pública, e não só, a tornar os seus sites serviços tecnológicos, embora haja alguns desafios
e aplicações móveis acessíveis. Portanto, vamos ter que temos que encarar de frente para continuarmos
a ter o mesmo registo. Ocorrem-me quatro princi-
que ter um processo de adaptação, mas quando nós
pais. Dois deles já foram aqui aflorados e não vou
falamos em acessibilidade estamos a falar de um
voltar a eles muito demoradamente.
mundo muito grande, estamos a falar de mapas, de
formulários, de meios de pagamento, também, de O primeiro tem a ver, de facto, com os recursos
sistemas de gestão documental, de plataformas de humanos e escolho esse em primeiro lugar porque
e-learning, etc. Portanto, estamos a falar daquilo que considero que temos esse desafio, a vários níveis.
é o direito de qualquer cidadão, de uma pessoa com Muitas vezes olhamos para os recursos humanos nas
deficiência ou com uma incapacidade, ou mesmo áreas tecnológicas e transformação digital apenas
para aquela população que, por alguma razão, tem na vertente das skills técnicas, na codificação, ou na
uma incapacidade, ou pelo envelhecimento que arquitetura de sistemas de informação. Eu penso
estamos a ter pela Europa fora. que não é só aí. Reconheço que nos perfis técnicos
sim, mas considero que, ao nível dos dirigentes e
Imaginem vocês um vídeo importante da vossa ins-
da liderança estratégica, também vai ser necessário
tituição e que o querem projetar, mas uma pessoa
alguma capacitação, de perceber que o mundo está
cega ou com baixa visão não capta a mensagem e
a mudar muito rapidamente. Qualquer tecnologia
esse vídeo tem que ter uma descrição, uma áudio-
com que nós, hoje, lidemos, como sendo a mais ba-
-descrição, ou uma pessoa que seja surda, e o vídeo
nalizada das tecnologias emergentes desde a inteli-
tem que também ter língua gestual portuguesa, ou
gência artificial, aos blockchains, à data science, são
ter que ter legendagem por alguma dificuldade.
realidades que, há 10 anos atrás, estavam claramen-
Aproveito para agradecer aos dois intérpretes, aliás, te num patamar de desenvolvimento muito mais in-
técnicos superiores do Instituto Nacional para a cipiente do que aquilo que estão hoje. Portanto, o

32
mundo está a mudar muito rapidamente e não só quais as necessidades do público-alvo que estamos
na capacidade técnica de execução de projetos e de a endereçar.
fazer chegar serviços ao “terreno”, mas sobretudo
No caso da Administração Pública, cidadãos, empre-
também, na visão estratégica que cada organismo
sas ou empresários passa, muitas vezes, por fazer
tem que ter para perceber como a sua atividade e
uma boa reengenharia de processos e não nos limi-
o seu negócio vão mudar. Também aí é preciso um
tarmos a usar a tecnologia para replicar aquilo que
grande enfoque. No entanto, tenho uma visão muito
já temos, muitas vezes, no mundo em papel. Isso,
positiva, porque considero que o grande capital da
aliás, foi um erro. Hoje é fácil olharmos para trás
Administração Pública, o capital humano, são várias e identificar esse erro, mas foi um erro de grande
centenas de milhares de pessoas que cá temos hoje, parte dos nossos processos de digitalização, que foi
que conhecem os serviços como ninguém, que co- uma mera transposição direta de processos que tí-
nhecem os circuitos da Administração Pública como nhamos no mundo em papel, um mundo físico, para
ninguém. Isso é fundamental em qualquer processo o mundo digital e levámos as insuficiências de um
de transformação digital - conhecer aquilo que se faz mundo para outro. Portanto, um dos desafios que
hoje e, aí, penso que estamos muito bem entregues. temos é fazer uma transposição digital mais racional
O segundo desafio tem a ver com a literacia digital que passe antes pelo uso imediato da tecnologia e
e com a capacidade que temos, do lado da procura, perceber como é que se pode simplificar o negócio,
de consumir aquilo que estamos a oferecer. Não há a atividade, o processo e só depois então perceber
ranking nenhum, seja das Nações Unidas, seja da qual é a tecnologia que faz mais sentido.
União Europeia, que não diga que nós não estamos Vejo muita gente, hoje, a começar a discutir block-
acima da média, quando não estamos mesmo no top chain sem saber qual é a diferença entre uma base
cinco, por exemplo, no caso da Europa a 28. Estamos de dados relacional e uma base de dados distribuí-
no top cinco na construção de novos serviços digitais, da. Querem usar blockchain porque sim e não se
e refiro-me agora à Administração Pública em espe- preocupam tanto com o processo e com a ativida-
cial, seja nas áreas de identificação eletrónica seja de que está a montante e parece-me que esse é
nas áreas de plataformas digitais. Já não estamos um desafio, para não estarmos a cometer os erros
tão bem na utilização e nos padrões de consumo. do passado, de querer usar a tecnologia antes de
Aliás, não estamos no ranking das Nações Unidas, pensar no serviço, no cidadão ou na empresa em
não estamos no top 30 no índice de Governação ele- primeiro lugar. Considero que este desafio é um
trónica, no índice de e-gov, mas depois no patamar pouco cultural.
de consumo estamos, claramente mais para baixo
na tabela. Isso deve-se a vários fatores, um dos quais O quarto e último desafio está relacionado com o
é, de facto, a literacia digital. Enfim, não há números que o professor Arlindo Oliveira aqui referiu, no-
exatos, mas os estudos apontam para que cerca de meadamente, na componente da utilização dados e
20 a 25 % da população portuguesa não usa servi- de data science, e que está ligado com a integração.
ços transacionais web. Portanto, se não faz isto para Creio que um dos desafios que já temos, atualmen-
te, nem sequer é um desafio do futuro, é um desafio
serviços transacionais web terá ainda mais dificulda-
já do passado, é um desafio do presente. Vai, cer-
de para coisas ainda mais simples ou mais acessí-
tamente, continuar a ser um desafio no futuro, é a
veis. Por isso, uma iniciativa como o INCoDe.2030 é
capacidade que temos de integração, de diálogo. A
fundamental, estando a ser dados vários passos e
tecnologia existe e é sobejamente conhecida, mas
várias iniciativas para, digamos, homogeneizar um
um dos principais desafios que temos na Adminis-
pouco o comportamento da sociedade no consumo
tração Pública é, de facto, acabar com os chamados
e na utilização destes serviços.
silos, que são perfeitamente conhecidos, e garantir
O terceiro desafio que temos é que serviços digitais que temos bons processos de integração e de in-
não são iguais a tecnologia digital, não são sinóni- teroperabilidade entre sistemas de informação e
mos, na minha opinião, e penso que isso muitas entre dados. Porque nós só conseguimos fazer data
vezes se confunde. Considero que a tecnologia é ab- science e data analytics sobre os dados que conhe-
solutamente instrumental e necessária na prestação cemos ou sobre os quais temos acesso e não tenho
dos serviços digitais, mas acredito que os serviços dúvidas que haverá muitos casos de uso, nomea-
digitais devem começar, antes, por perceber bem damente para boas políticas públicas, preditivas ou

33
não preditivas, mas nomeadamente preditivas se, mos colocar em causa todos os dias o que fazemos,
de facto, tivermos acesso a esse manancial de dados como fazemos com que fundamentos trabalhamos,
que está muitas vezes distribuído por vários organis- o que entregamos e quando estamos numa evolu-
mos. Um dos desafios que vamos ter é a capacidade ção constante não só de tecnologias, mas acima de
de aceder e de partilhar essa informação. tudo, de paradigmas, de formas de tomarmos de-
cisões. A verdade é que esta agilidade faz com que
António Granado – Ricardo Pereira, qual é a pers-
coisas que, antigamente tinham ciclos de aprovação
petiva das empresas?
de três meses, mesmo no meio empresarial, agora,
Ricardo Pereira – Como já perceberam, eu não sou se não forem próximo do tempo real, estão obsole-
funcionário público, não faço parte da Administração tas.
Pública, mas a verdade é que quanto mais conheço
E quando há pouco dizíamos que quatro anos é pouco
a Administração Pública e as pessoas que nela tra-
tempo, bem, quatro anos é demasiado tempo. Eu
balham, mais percebo o quão ingrato é. E a verdade
diria que, em quatro anos, quase metade das prin-
é que, mesmo depois de algumas delas com quem
cipais empresas do mundo vão falir ou vão perder
tenho relações de longa data, depois de levarem
o protagonismo que têm hoje. Na verdade quatro
anos com nãos, nem sequer bem justificados, e
anos é mesmo muito tempo e nós temos de nos ha-
algumas continuarem a ver os constrangimentos,
bituar a este ritmo alucinante de mudança, temos de
como falámos no painel anterior, a um ritmo mais
ter agilidade e estar preparados para mudar. Uma
acelerado para conseguirmos inovar. Mesmo assim,
forma de conseguir esta agilidade, e nas empresas
elas continuam com espírito de missão e com uma
que eu dirijo nós temos muito este mindset, é termos
vontade e disponibilidade para dar um pouco mais,
uma regra muito simples que é cada colaborador
para contribuir para tudo isto de positivo que acabá-
tem que ter pelo menos uma ação de formação por
mos de ouvir. E creio que isto é o melhor ponto de
semana.
partida para falarmos sobre o futuro. Sinceramente,
quanto mais conheço, mais sinto que temos que dar O que é isto? Atenção que formação tem uma in-
parabéns à nossa Administração Pública. terpretação muito pesada e é isto que eu queria
desmistificar, o que é a formação. Nós temos uma
Mesmo a reputação do funcionário público tem
política que às sextas-feiras, ao quarto para o meio-
vindo a subir e eu penso que temos de estar cada
-dia, dá um toque, ao meio-dia dá o segundo toque,
vez mais orgulhosos disso. O ponto de partida para o
e ao segundo toque todos vão para uma sala de
futuro é mesmo este, é a principal tecnologia para o
aula, ninguém vai para trás do pavilhão, todos vão
futuro, por muito cliché que pareça, vão ser mesmo aprender alguma coisa, que pode ser ver um vídeo
as pessoas, mais do que as pessoas, o mindset das do TED e estarmos ali depois meia hora a debater,
pessoas, e este mindset pode ser visto por vários um workshop, um brainstorming…. A forma é livre,
prismas: um deles é o risco, que já aqui foi falado, e todos nós somos formadores e todos nós somos
também, porque para inovar é impossível não errar formandos.
e estarmos dispostos a aceitar o risco e a assumir o
risco e o falhanço como parte essencial para conse- O que é que nós ganhamos com isto? Não é tanto a
guimos evoluir e para conseguirmos inovar. Se a isto transferência de conhecimento daquilo que apren-
estiver associada uma política de meritocracia e de demos, é que todos nós quebramos resistência à
reconhecimento do sucesso e, também, da apren- mudança e mantemo-nos mais recetivos ao novo,
dizagem do falhanço, as pessoas terão muito mais mantemo-nos esponjas e este é o ingrediente prin-
disponibilidade para ser pró-ativas e para sugerir, cipal para a tal agilidade que falava há pouco. Por-
independentemente de terem um ou dois dias para tanto, a formação não tem de ser numa sala num
poderem inovar. centro de formação, obviamente, que também essa
é essencial, mas se cada um de nós souber que tem,
A verdade é que este risco requer, também, outra pelo menos um período por semana, algo que não
coisa, que muitas vezes não é um sinónimo da Ad- consta na lista de tarefas e pode ser beber algo de
ministração Pública, que é a agilidade, e eu diria que novo e a partilhar, é uma situação que vai mantendo
é o melhor sinónimo de digital, que já aqui foi re- uma recetividade ao novo, que é o essencial para a
ferido, e bem, o digital não é tecnologia. O digital, agilidade.
se tiver que ter um sinónimo, é agilidade, é saber-

34
O terceiro vetor é a empatia e a verdade é que tinhos do utilizador. E parece que não, mas é algo
a empatia já é uma palavra que começa a estar que está lá sempre e ajuda-nos a recorrentemente
gasta, tal como a inovação e o empreendedorismo. empurrar para a empatia.
Mas se a empatia for lida da forma mais simples, a
O quarto vetor é a ética que, diria eu, poderia resumir
melhor metáfora visual que nós encontrámos para
em duas vertentes. Obviamente, ficaríamos aqui
a empatia é calçarmos os sapatos uns dos outros.
dois dias a falar sobre ética, mas a verdade é que, a
Na prática, empatia não tem nada a ver com sim-
minha interpretação sobre ética é que não vale tudo,
patia, empatia tem a ver com ver como os outros
e o não valer tudo significa que as pessoas não são
veem, sentirmos o que os outos sentem e tentarmos
apenas ferramentas utilitárias. Têm de ser respei-
pensar como os outros pensam. E a verdade é que a
tadas e envolvidas neste pensamento de mudança
empatia aplica-se, no nosso dia a dia, porque temos
e de inovação, e os próprios utilizadores também.
de tomar macro ou micro decisões e, muitas vezes,
Se conseguirmos isso, melhor ainda. A verdade é
nós refugiamo-nos na nossa zona de conforto, no
que as pessoas têm expetativas, ansiedades, zonas
nosso safemode de não querer errar, por isso mais
de conforto. Não acreditando muito naquela es-
vale ir por esta decisão. Muitas vezes, refugiamo-nos
tanquidade do estatuto-carreira, ou da hierarquia
também na hierarquia, mas a verdade é que quando
que depois quebra com a agilidade necessária, a
temos mais margem de manobra refugiamo-nos no
verdade é que muitas vezes elas estão acomoda-
nosso gosto e no nosso laxismo. E a verdade é que
das a direitos adquiridos e é preciso combater isso.
toda a data science, toda a data economic que está
Não necessariamente tirando direitos, mas abrindo
cada vez mais a dar-nos dados para tomarmos deci-
outros horizontes às pessoas. Lá está a formação,
sões mais racionais e sustentadas, a verdade é que
outra vez, e a reciclagem que teremos de ter, que
não temos desculpa para não percebemos efetiva-
poderá ser uma pista para conseguirmos ter mais
mente como é que os nossos utilizadores pensam.
skills e mais manpower do ponto de vista tecnológico
E falamos de utilizadores, porque pode ser o cidadão, para abraçar este ritmo da inovação. Portanto, o não
pode ser um governante, pode ser um empresário. vale tudo tem muito a ver com isto.
Ele é sempre um utilizador. E um utilizador tem frus-
E por fim, dentro da ética se conseguirmos passar
trações, ansiedades e expetativas e temos sempre
uma tarefa e transformá-la numa missão, e dar-lhe
de perceber como é que ele se está a sentir. A nossa
uma visão maior de propósito, isto é, por que é que
decisão não é o nosso gosto, é o que ele precisa, o
aquela tarefa existe, que missão alberga e que pro-
que ele sente. E se tomarmos essa decisão quando
pósito é que vai cumprir dentro da Administração
desenhamos um ecrã, quando fazemos um vídeo,
Pública, fará com que as pessoas se sintam missio-
quando definimos um processo, estaremos muito
nárias e a sua disponibilidade e motivação dispare.
mais próximos de realmente criarmos valor para o
Mas, para isso, é preciso dedicar tempo a explicar o
nosso utilizador do que se ficarmos refugiados no
porquê das coisas e a dar uma visão de floresta, não
nosso laxismo ou no nosso ego, o que muitas vezes
apenas de ramo ou nem sequer de árvore a cada
acontece. Uma bengala, para tentar ser depois con-
pessoa.
sequente, que utilizamos para recorrentemente re-
lembramos, todos, isto da empatia. António Granado – Algumas das coisas que foram
ditas, dariam para uma discussão bastante longa.
Neste momento temos uma equipa de cerca de 108
No entanto, existe uma que foi referida por vários
pessoas e temos um escritório físico e um armazém
intervenientes e que tem a ver com a integração
com cerca de 1500 metros quadrados e as paredes
entre os dados e as políticas. E eu queria ouvir o
são forradas de calçado, não do nosso empresário
do painel anterior, se calhar até temos lá algum, Pedro Silva Dias sobre isso. Que tipo de integração
espero eu, mas a verdade é que temos de tudo: pode ser feito? Pode dar-nos exemplos dessa inte-
temos pantufas, chinelos, ténis, sapatos, e o que é gração entre a recolha de dados e as políticas que
aquele calçado? Aquele calçado é de clientes nossos não esteja a ser feita e que possa ser realizada no
e também de colaboradores. Quando alguém está futuro?
a desenhar um ecrã, quando alguém está a pensar Pedro Silva Dias – Existem três tipos diferentes de
uma campanha, não é o ego ou o gosto dele, ou o integração de dados. Enfim, há vários, mas três são
prémio que ele vai ganhar, tem a ver com os sapa- principais para estes casos de utilização que vejo e

35
que está a ser feito. Há exemplos de todos os três vez a funcionar. Mas depois temos outras áreas,
tipos, de facto, pode ser feito mais. onde todos nós nos poderíamos rever, em que de
vez em quando, a Administração Pública vem pedir
O primeiro, naturalmente, tem muito a ver com o
um dado que já demos a outra entidade qualquer
olhar para os dados numa perspetiva mais históri-
e isso acontece porque, à data de hoje, ainda não
ca, se quisermos mais estatística descritiva, enfim,
temos os sistemas de informação e, em particular,
para quem está familiarizado com os termos, e em
os back offices com as bases de dados dos vários
que têm vindo a ser dados passos largos. Ainda a
organismos todas interligadas entre elas, todas in-
semana passada, no mesmo evento que o Profes-
teroperáveis, e ainda não há uma partilha de dados
sor Arlindo Oliveira também aqui já falou, sobre a
que permita nesta componente mais transacional
inteligência artificial na Administração Pública, o INE
prestar este serviço de forma mais imediata e trans-
anunciou uma estrutura nacional de dados que vai
parente.
disponibilizar, inclusivamente, para fins de investiga-
ção, mas anunciou também vários passos que está O terceiro caso é o exemplo de que estávamos ini-
a fazer de recolha cada vez mais fidedigna de dados cialmente a falar, e que se prende mais com o olhar
para fins estatísticos, garantindo de forma mais sus- para o futuro e tentar fazer análises preditivas com
tentável, de forma mais ágil e até mais eficiente, uma base na informação que eu já tenho hoje. Tentar
recolha de dados para a sua missão, para a missão detetar padrões e tentar antecipar comportamen-
do INE. Todos nós a conhecemos e sabemos do tos, seja do próprio, seja da sociedade, que induzam
que se trata, mas em vez de estarmos permanente- uma determinada política pública, ou que induzam
mente dependentes do levantamento, muitas vezes uma determinada decisão. Esta talvez seja a área,
manual, físico, porta-a-porta, de recolha tradicional, porque também é uma área um pouco mais recente,
estilo Censos, visa-se que essa recolha possa ser pelo menos comparadas com as duas anteriores,
feita obtendo, automaticamente, informação que onde temos mais por fazer e não temos tantos casos
já é levantada noutro tipo de plataformas digitais. de uso, sobretudo quando estes dados são guarda-
Isto é um bom exemplo daquilo que está a aconte- dos por áreas governativas diferentes. A Administra-
cer actualmente, mas podemos questionar porque ção Pública, atualmente, está ainda muito organiza-
é que está a acontecer agora e não aconteceu uns da por área governativa, depois, consoante as áreas
anos mais cedo. Este é o primeiro caso de uso de governativas cada área tem uma entidade ministe-
integração. rial, ou uma entidade de serviços partilhados, que
é responsável pela gestão de informação dos seus
O segundo caso de uso é para um fim um pouco sistemas de informação e muitas vezes pela custó-
mais transacional, para a prestação de serviços e dia dos dados desses organismos, etc. Contudo, os
que se prende com aquilo que em e-gov, em gover- dados que são interoperáveis e que circulam em pla-
nação eletrónica, se chama o princípio de uma só taformas próprias de interoperabilidade, de forma
vez. Este princípio que de resto, é um princípio que segura, com credenciação e autenticação, ainda são,
está na legislação nacional e europeia, portanto tem à data de hoje, uma minoria face ao stock de dados
enquadramento jurídico, diz que um cidadão, ou que existe e aí sim, das três vertentes que falei, con-
uma entidade empresarial, se já tiver confiado um sidero que é onde há mais trabalho a fazer.
determinado dado à Administração Pública, ela não
lhe deve pedir novamente esse dado. E se o cidadão António Granado – Esta questão de “uma só vez”
assim consentir, a Administração Pública deve dili- afeta, por exemplo, o caso dos investigadores. Só
genciar, entre ela, que o dado é fornecido à entidade a FCT tem três tipos de currículos que é preciso
que está a requerer esse dado. Ora, nós sabemos preencher: tem o DeGóis, tem o FCT Sig e tem
que, hoje e infelizmente, isso ainda não acontece um novo chamado Ciência Vitae onde nós temos
em todos os casos. Já acontece em muitos, só para que preencher várias vezes os mesmos dados. O
não ficarmos com a ideia que está tudo por fazer, Professor Arlindo de Oliveira, há pouco, também
não é verdade. Um bom exemplo do que já é feito referiu alguns exemplos nessa área. Quer dar-nos
é, por exemplo, o serviço de alteração de morada. alguns exemplos de como esses dados estão, ou
Nós hoje quando alteramos uma morada, alteramos não, a ser integrados nas políticas?
num só sítio e essa morada, depois, é propagada a Arlindo Oliveira – Os exemplos que foram aqui da-
várias entidades públicas. É o princípio de uma só dos, em termos de grandes categorias, estão intei-

36
36
ramente corretos, talvez possa só dar alguns exem- pode fazer, por exemplo, uma aplicação, no caso
plos concretos, para que possa ser mais percetível dos transportes, para saber qual é a melhor maneira
para quem não está muito dentro desta área. de ir da Reboleira ao Rossio, por exemplo. É claro
que esta já existe, é um mau exemplo.
Por exemplo, na área de Lisboa, a Câmara Munici-
pal de Lisboa, tem imensos dados sobre mobilidade Terceiro exemplo, na definição de políticas do ensi-
e dados muito definidos sobre mobilidade, onde é no superior. Se olharam para os dados, por exemplo,
que as pessoas vão com os passes, etc., uma série quando se definiu a recente alteração de redução
de dados. Por isso, estes dados têm um grande valor do numerus clausus em Lisboa e no Porto, nem a re-
na definição de políticas públicas, quer de definição cente alteração das propinas, ninguém foi ver se
dos transportes, quer da criação de novas vias, etc., esta alteração, de facto, obtém os objetivos preten-
dados que têm um enorme valor e que podem ser didos, que é uma coisa relativamente fácil, basta-
explorados. Neste momento há muitos dados, eles ria ter perguntado aos alunos quem é que, se não
estão parcialmente integrados, mas há uma limitada tivesse entrado aqui, para onde é que ia, etc. Estas
capacidade de os explorar, basicamente, porque não políticas foram definidas, top down, ao nível do Par-
há pessoas com as competências para transformar lamento, ao nível do Governo, sem qualquer análise
aqueles dados em valor. Podíamos todos, se calhar, de dados. Estamos a falar de políticas concretas
gastar menos dez minutos no transporte diário, ou que, se fossem feitas com base nos dados, dariam
menos um quarto de hora, e isto tem um enorme políticas muito mais eficazes e atingiriam os resulta-
valor, multiplicando isto por um milhão e por 365 dos pretendidos, que até são desejáveis mas, como
dias. Este é o primeiro exemplo. ninguém olhou para os dados, muitas destas políti-
cas têm, exatamente, o efeito oposto.
Segundo exemplo, na área da saúde, vou só dar-vos
um exemplo interessante. Portugal aqui está mais Portanto, é este tipo de atuação inteligente da Ad-
longe, mas o exemplo em si é interessante. O estado ministração Pública, de atuação inteligente das po-
de Nova Iorque, portanto, um estado dos Estados líticas públicas, que eu considero que são os bons
exemplos que deveríamos ter. Só dei mais ou menos
Unidos, com uma população de, creio eu, 30 milhões,
maus exemplos, pois nenhum destes três realmen-
faz a divulgação pública de todas as estatísticas fina
te funcionou, mas também temos bons exemplos,
de sucesso dos tratamentos e de características dos
felizmente.
tratamentos. Qualquer pessoa com uma App pode
ir a um sítio e ver, no caso de um ataque cardíaco Aliás, o caso dos dados públicos de transportes é
ou AVC, quais são as taxas de sucesso de cada hos- um bom exemplo, não está ainda a ser devidamen-
pital. Aquilo tem um enorme efeito, primeiro para te usado mas é um bom exemplo, e há outros bons
as pessoas fazerem escolhas esclarecidas sobre exemplos.
quais os serviços que escolhem, mas, mais impor- Estas políticas valem milhões de milhões de euros,
tante ainda, sobre os hospitais, para garantirem que em alguns casos dezenas de milhões de euros. No
dão o melhor serviço possível. Esta disponibilização caso do ensino superior valem centenas de milhões
pública, anonimizada, naturalmente, dos dados dos de euros. No caso do ensino secundário e do ensino
resultados dos tratamentos em todo o estado de básico ainda é mais fundamental. Analisar, com base
Nova Iorque teve um enorme impacto na qualidade nos dados, quais devem ser as políticas de definição
dos serviços, na economia, porque apareceram cen- do futuro do ensino, especialmente numa altura
tenas de empresas a disponibilizar diversos serviços onde temos na demografia, a enorme ameaça de-
de valor acrescentado sobre aqueles dados. Isto é mográfica. Nós sabermos, exatamente, com grande
algo que em Portugal não existe, quer dizer, em Por- precisão, quantos jovens é que vão entrar no ensino
tugal isto é totalmente opaco, nós não fazemos a superior, em 2030. Só há uma pequena incerteza,
menor ideia, estes dados não são publicitados. mas pelo menos sabemos exatamente quantos é
Tanto a questão dos transportes, como esta, são ba- que vão terminar o 12º ano. Estes dados podem ser
usados para definir políticas a médio/longo prazo, e
seadas no princípio dos dados abertos, em que os
não são.
dados são disponibilizados abertos, através de inter-
faces legíveis por computador, Application Program António Granado – Tenho aqui várias perguntas.
Interface, na gíria, happy eyes. E qualquer pessoa Vou cingir-me à seguinte: “Como conciliar o de-

37
senvolvimento tecnológico com a privacidade do Novamente, estou inteiramente de acordo, mas há
cidadão e com o Regulamento Geral de Proteção um trade off aqui complicado que é: cada um de nós
de Dados? Como é que se pode aproveitar esta toma as suas próprias decisões relativamente a este
mudança?”. trade off de privacidade versus conveniência e muitas
vezes a conveniência está mais à frente. Eu não sei
Pedro Silva Dias – Isso é uma pergunta que conti-
quantas pessoas nesta audiência desligaram os seus
nua a fazer muito sentido. Fez durante a adoção
telemóveis, ou seja, indicaram explicitamente que
do RGPD este ano, em maio, e eu tenho uma visão
não querem ter a sua localização registada ao longo
muito assertiva. Acredito que é muito mais fácil com
do dia e, portanto, provavelmente, a probabilidade
tecnologia do que sem tecnologia. E dou o exemplo
é que seja uma percentagem muito pequena. Por-
de um registo clínico. Todos nós ainda nos lembra-
tanto, para todos vocês, o Google ou a Apple, um
mos de, há muitos anos atrás, os registos clínicos
deles, sabe exatamente onde é que vocês andaram
serem em papel, aquelas fichas. Atualmente, tenho
todo o dia. Por que é que nós não desligamos isto?
tecnologia que me ajuda, seja através de criptogra-
Também é conveniente ter aquilo ligado, para usar
fia, seja através de plataformas com autenticação,
os mapas, para chegar mais rápido, etc.
consigo ter logs, registos, invioláveis e repudiáveis,
em que eu sei quem é que acedeu a quê. E tenho Portanto, estou convencido que, embora em termos
formas de garantir a integração da informação e de legislativos e formais, e o RGPD é um passo nessa
saber quem é que esteve a aceder à informação. Há direção, as garantias formais e um mínimo de priva-
vinte anos, não sabia quem é que fotocopiava aquele cidade existem mas, na prática, muitos dos utiliza-
papelinho quadrado onde estava toda a minha in- dores vão comprometer essa privacidade por força
formação. Portanto, na verdade, penso que a tec- da sua própria atuação. A simples conveniência de
nologia traz mais respostas do que problemas. O usar um serviço quer dizer, em termos práticos, que
“problema” está em que quem usa a tecnologia são a pessoa está a dar dados pessoais. Quando nós
pessoas. E o que temos de garantir, e aí voltamos usamos o Gmail, para dar um exemplo, a Google lê
ao tema da literacia digital, é capacitar as pessoas, os e-mails todos e aliás, vocês sabem, pois depois
sobretudo as pessoas com níveis de literacia digital mostra-vos os anúncios todos das coisas que estão
menos altos, do uso que podem fazer dessa tecno- relacionadas com o Gmail e, portanto, realmente
logia e de conhecerem quais as limitações que as creio que nos vamos habituar a viver com um pouco
mesmas apresentam. menos de privacidade.

As pessoas têm de saber que existem mecanismos Isso não quer dizer que toda a gente tenha acesso
de autenticação que são verdadeiramente seguros, aos dados, quer dizer que alguns serviços, alguns
há outros que são menos seguros, há plataformas sistemas, algumas empresas, algumas instituições
que garantem determinadas regras de proteção de da Administração Pública vão ter acesso aos nossos
dados, enquanto outras, de facto, não garantem. E dados como, aliás, já têm e o que a legislação preten-
depois, existem pessoas que vão estar mais atentas de garantir é que isso não é usado indevidamente.
aos pedidos de acesso à sua informação e aos con- Não pode ser uma pessoa que não gosta de nós que
sentimentos que dão, enquanto outras pessoas não vai ter acesso aos dados para nos prejudicar. Agora,
vão dar. Agora, a tecnologia per si, não vai, na minha o acesso institucional, porque entende de direito
perspetiva, trazer mais dificuldades, vai trazer mais acesso aos dados, acredito que essa é uma privaci-
dade que vai ser mais limitada por força desse efeito.
soluções. Resta, a quem desenha as plataformas e
depois, sobretudo, a quem as está a usar, ter, de António Granado – Há mais uma pergunta: “Inovar
facto, a informação necessária para distinguir pla- também é incluir e tornar acessível? E escrevem
taformas que fazem bom uso dos dados pessoais aqui que deveria ser um dos pressupostos da ino-
e boa proteção dos dados pessoais, e que os usam vação garantir a acessibilidade a todos, o exemplo
apenas para os fins que estão consentidos, daquelas que dão é um surdo na prisão que não consegue
empresas que não o fazem. contactar com a família porque, pura e simples-
mente, com os telefones, digamos, não é possível
António Granado – Alguém quer acrescentar algum
fazer a comunicação com a família. De que forma
comentário?
é que esta acessibilidade ajuda também a inova-
Arlindo Oliveira – Posso acrescentar rapidamente. ção?”.

38
Marina Van Zeller – A acessibilidade é essencial. António Granado – Uma pergunta dirigida especi-
É aquilo que faz parte do dia-a-dia para incluirmos ficamente a Ricardo Pereira.
toda a gente. Nesse caso, por exemplo, nos serviços
“Face ao que conhece da Administração Pública
prisionais o contacto podia ser feito através de vídeo
e conhecendo as condicionantes financeiras, que
chamada. Uma simples tecnologia. A acessibilidade,
sugestões apresentaria para melhorar os recursos
em termos de inovação, é importante. Para além de
humanos na Administração Pública? Quais são as
permitir que todos tenhamos acesso à informação,
principais soluções?”
vai permitir que a maior diversidade, até com a maior
criatividade, se consiga transformar, porque muitas Ricardo Pereira – Se pegarmos naquilo que falá-
vezes nós pensamos que foi aquilo que foi falado vamos há pouco da disponibilidade que as pessoas
ao nível dos softwares, da tecnologia propriamente têm, que aumenta se elas tiverem mais informa-
dita. Mas, depois, existem os processos, os conteú- ção, elas também estão disponíveis para trabalhar
dos para serem inseridos nessa tecnologia. Portan- melhor, e esse trabalhar melhor quer dizer que li-
to, existem vários procedimentos, processos, que bertam tempo e esse tempo não tem, necessaria-
têm que ser todos acessíveis. Se todos trabalharmos mente, que ser roubado à sua vida pessoal, mas
em prol de todos, conseguimos essa acessibilidade, pode ser aproveitado, efetivamente, para a forma-
sendo lógico que a inovação vai ajudar muito a que ção constante.
todos tenhamos acesso a toda a informação. E eu não poderia estar mais de acordo com aquilo
António Granado – Outra questão: “A educação e que foi referido, que é: para estarmos mais pre-
a literacia, a velocidade da evolução tecnológica parados para o que quer que seja, precisamos de
obrigam a ser rápidos na inovação. Como é que ter novas competências. Não apenas as compe-
conciliamos esta rapidez na inovação com as ques- tências, as hardskills, de saber fazer isto, saber
tões da literacia, ou seja, esta necessidade de cons- dominar aquela ferramenta ou aquele processo,
tante formação para a literacia digital?” mas também em termos de atitude. E a verdade é
que isso vem da formação. Se conseguirmos ter so-
Ana Cristina Neves – Eu estava aqui a pensar que,
luções informais de formação, que passam por não
se perguntasse no fim, que mensagens é que que-
ter de ser aqueles cursos de formação mas que têm
ríamos dar, eu iria dizer formação, formação, for-
de ter aqueles créditos e que têm de ter aqueles
mação. Porque, de facto, hoje em dia, nós temos
ECTS, que são essenciais. Mas temos de fomentar
que ter em atenção que, quando tiramos um curso,
uma partilha constante e, atualmente, temos con-
qualquer que seja, a formação não acabou ali, na era
teúdos riquíssimos disponíveis gratuitamente no
digital isso já não existe. Nós temos que ter formação
slide share, no linkedin, nas TED’s e no youtube e que
sempre ao longo da vida, ao longo dos anos, porque,
eu, neste momento, utilizo, para além do âmbito
realmente, estamos no mundo que muda da manhã
das empresas. No meu contexto familiar, (só afilha-
para a tarde, e temos que estar preparados e saber
das tenho quatro) as minhas prendas para elas são
responder. A educação é fundamental, a formação
sempre cursos de formação. E parece um investi-
de professores para ensinar na era do digital é funda-
mento muito grande, mas não, o mais caro custou-
mental. Portanto, temos que ter muito cuidado com
-me 20 dólares. E são cursos de experimentação, de
a utilização das novas tecnologias e não fazer, por
algo que pode ser uma nova forma de abordar um
exemplo, da utilização do telemóvel, fazer daquilo
problema, uma nova forma de gerir brainstormings,
um papão e que os meninos não devem entrar na
saber programar uma determinada linguagem.
sala de aula com o telemóvel, porque aquilo é só
Aquilo não lhes vai dar a competência total, mas vai
para a brincadeira, quando não é. É um instrumento
dar uma visão. E, às vezes, grande parte dos proble-
muito interessante para a aprendizagem e, portanto,
mas que nós temos nas equipas, principalmente, e é
a formação, a aprendizagem e a literacia vêm com-
isso que faz muitas vezes adensar as skills que falá-
pletamente ligadas porque, para continuarmos a au-
vamos há pouco, são más lideranças, lideranças que
mentar a literacia da população portuguesa, temos
muitas vezes não têm elas próprias a visão do todo
que apostar automaticamente na formação e na for-
e então refugiam-se no “nós contra os outros” e não
mação ao longo da vida. Educação é crucial, mas a
dão a tal visão de floresta.
formação de professores, na era digital, também é, e
a formação ao longo da vida tornou-se normal. Uma coisa que fazemos muito é explicar, a uma

39
pessoa que programa o trabalho do gestor do Arlindo Oliveira – Sobre a questão das autarquias
projeto, o trabalho de um designer, por exemplo, e a que, aliás, se aplica não só às autarquias, mas às
verdade é que, no final daquilo, o programador não direções-gerais e a uma série de outros institutos
vai saber fazer design, mas vai ter uma perceção do e mesmo alguns de dimensão significativa, como o
valor da complexidade do que é que é fazer design Técnico, considero que é uma questão difícil e, de
e, na dúvida, em vez de dizer é só pôr uma sombra facto, os custos de modernização administrativa têm
no botão, ou é só fazeres um telefonema, ou é só vindo a subir. Eu creio que a única possibilidade é
despachares este papel, ele vai dar o benefício da haver uma visão que não seja instituto a instituto,
dúvida. Se nós dermos o benefício da dúvida, é o autarquia a autarquia, sistema a sistema. Tem de
primeiro passo para quebrarmos estes filtros e para haver uma visão integrada e as soluções têm de ser
conseguirmos acelerar processos de colaboração, partilhadas. Penso que se o problema existe por-
de open innovation, e de abertura a novas tecnolo- que não há suficiente planificação a médio e a longo
gias e novos processos. prazo, que deveria permitir que as autarquias e ou-
tros serviços partilhassem soluções.
António Granado – Pedia que fizessem agora as
vossas considerações finais, sendo que existem Relativamente à questão do teletrabalho, considero
dois temas que poderiam abordar nessas conside- que é uma questão mais vasta e que já foi referida
rações finais. aqui. A questão é que a transformação digital per-
mite-nos mudar radicalmente os processos e nesta
A primeira questão que tem a ver com as autar- mudança radical dos processos, a maneira como
quias. Como fazer face, nas autarquias locais, aos trabalhamos, o teletrabalho é uma das possibilida-
novos desafios tecnológicos que têm custos eleva- des, mas não é única, há outras maneiras. Talvez
dos e os orçamentos são tão pequenos? a utilização, no local de trabalho, de horários mais
E, a outra questão é: “O teletrabalho na Adminis- flexíveis, mas há uma série de condicionantes. A
componente de trabalho, que nuns casos é possí-
tração Pública, é possível? Como é que poderíamos
vel, noutros não, considero que deve fazer parte de
evoluir para uma situação de teletrabalho na Ad-
uma componente mais vasta de reengenharia dos
ministração Pública?”.
processos de trabalho da Administração Pública e
Ana Cristina Neves – Falando nas Autarquias, elas que permita, de facto, uma melhoria das condições
são fundamentais na estratégia do InCode e por isso de vida, seja através de melhores horários, horários
é que está a ser pensada uma estratégia para alargar que fogem à hora de ponta, teletrabalho, presença
a todas as autarquias a banda larga, para que a in- remota, o que for, creio que essa é uma das compo-
fraestrutura básica exista, para que depois possamos nentes que deve ser vista, até porque tem impactos
colocar em cima toda a formação e a utilização dos positivos noutras áreas, nomeadamente impactos
produtos e dos serviços. Portanto, isto só para dizer ambientais, na mobilidade, etc.
que o InCode tem as autarquias como um dos seus Portanto, o desafio que deixava a todos os respon-
principais aliados para a transformação dentro do sáveis que estão aqui, e que são muitos, é para re-
país. pensarem em alguns dos processos administrativos,
A outra questão era sobre o teletrabalho. Eu penso de maneira a facilitar a vida às pessoas, passando
que o teletrabalho é fundamental. Claro que há pelo teletrabalho ou por outros mecanismos que
muitas profissões onde isso não fará tanto sentido, possam ser usados. Concentração do horário de tra-
mas naquelas em que se trabalha realmente por balho em quatro dias por semana, por exemplo. Eu
objetivos, o teletrabalho pode, de facto, funcionar já estava pronto para fins-de-semana de três dias,
e temos uma sociedade mais feliz, mais capaz, com não sei como é que é com vocês, mas de qualquer
mais tempo para a família e para o lazer. Enfim, nós maneira trabalho as 40 horas só nos quatro dias.
estamos no mundo para ser felizes e a Administração Penso que, de facto, esta visão mais global de reor-
Pública deve ser feliz. O Governo deve fazer políticas ganizar o trabalho, tirando partido das tecnologias,
para sermos felizes. Em suma, o teletrabalho pode das novas tecnologias, permite melhor qualidade de
ajudar as pessoas a serem mais felizes e a terem mais vida.
tempo, sempre cumprindo o seu trabalho, sem fugir Marina Van Zeller – Em relação ao INR, o trabalho
às suas obrigações, e a tecnologia ajuda. que temos feito é a nível dos chamados balcões da

40
inclusão, que existem em grande parte das autar- cessidades semelhantes, para conseguirem par-
quias e também nos centros distritais da Segurança tilhar custos e reduzir custos, e depois, também, é
Social ou do INR. Portanto, um trabalho em rede e bom que se diga, existem ainda alguns dogmas de
que tem sido feito nas várias áreas. alguns municípios, que querem ter o seu data center,
querem ter a sua infraestrutura, porque os dados
Relativamente ao teletrabalho, para aquelas pessoas
ficam comigo, não ficam com o outro. Nalguns casos,
que têm alguma incapacidade, alguma deficiência,
considero que ainda existe um excesso de capacida-
é importante o teletrabalho. Permite-lhes não se
deslocarem e poderem dar o seu melhor e o seu de instalada, que não ajuda a reduzir custos, isto na
contributo fora do local de trabalho. Só queria aqui primeira questão.
rematar com: inovação, sim, diversidade, sim, mas Na questão do teletrabalho, no caso específico da
pensando sempre na inclusão para todos, porque AMA, nós não poderíamos ser mais a favor. Nós
a inclusão permite autonomia, permite trabalho, temos uma percentagem considerável de funcioná-
permite o emprego, permite a capacitação e, portan- rios em teletrabalho nalgumas equipas específicas
to, permite a plena atividade e participação de todos que têm trabalhos muito operacionais, onde temos
naquilo que é o nosso dia-a-dia. sistemas de workflow que permitem controlar o
Pedro Silva Dias – Eu vou lançar aqui um quinto de- andamento dos processos e em que os processos
safio, de que me tinha esquecido há pouco, a propó- estão entregues a um determinado técnico. Algumas
sito das autarquias e que tem a ver com a comunica- equipas têm mais de metade dos colaboradores em
ção, com a capacidade que nós temos de comunicar regime de teletrabalho. Atualmente, a tecnologia
bons exemplos de boas práticas que possam ser permite suportar totalmente estes fluxos de traba-
aproveitados por outros. lho, desde a parte mais administrativa do controlo da
assiduidade até, depois, à parte da própria dinâmica
Porque a reutilização, que é de facto uma das so- de grupo, da própria dinâmica da equipa de trabalho
luções óbvias para muitas autarquias, nomeada- colaborativo em que um técnico está a mexer num
mente, as mais pequenas ou de média dimensão, é processo, mas precisa de ajuda de outro, que tem
que desconhecem, não sabem o que já está a ser outro processo. Isto hoje é fácil de fazer. Existem sis-
feito, por outras Autarquias, ou pela Administração temas já a funcionar. Nós, no nosso caso, fazemos
Pública Central. Há vários casos desses, desde pla- isso intensivamente e tem várias vantagens. Tem a
taformas digitais per si, até pequenas componentes. vantagem da motivação dos colaboradores, que até
Eu vou dar um exemplo, concreto, para se perce- deve ser a principal, tem a vantagem da produtivi-
ber do que estamos a falar. Atualmente, na Agência dade, que também é muito importante e também
para a Modernização Administrativa já colaborámos aumenta, mas tem também um impacto de susten-
com largas dezenas de municípios, mas há 308 em tabilidade, por exemplo, para quem está sediado em
Portugal e nós ainda não chegámos à centena de Lisboa, onde o metro quadrado não está a ficar mais
municípios, a quem prestamos serviço de auten- barato, antes pelo contrário, e também isso ajuda a
ticação. Portanto, continuamos a assistir a muitos que tenhamos espaços de trabalho mais ágeis, mais
municípios que desenvolvem os seus próprios siste- cómodos e mais amigos de todos nós.
mas de autenticação, quando nós já temos um, sem
Ricardo Pereira – A questão das autarquias implica
qualquer tipo de custos, pronto a reutilizar. A inte-
a evolução dos paradigmas, mesmo relativamente à
gração é fácil e muito rápida. Porque é que isto não
inovação, que o mundo do trabalho tem e que é a
acontece mais? Bom, há aqui uma quota-parte de
proximidade. E aqui as autarquias podem apropriar-
culpa nossa também, falta de capacidade da nossa
-se dessa proximidade. Se eu acredito que cada um
parte de sermos mais pró-ativos e de conseguirmos
de nós vai ter um agente pessoal em muito pouco
percorrer todos os 308 municípios a promover este
tempo, que nos vai lembrar não só das compras que
serviço, mas também existe falta de capacidade de
faltam para o frigorífico e da prenda para o nosso
comunicar tudo o que anda a ser feito, para que
amigo, dos impostos que temos de pagar que, by the
possa ser reutilizado.
way, é só uma confirmação. Isto vai acontecer em
Existem alguns bons exemplos de associação, de muito pouco tempo. A verdade é que, apesar desta
agregação. Algumas comunidades intermunicipais personalização e da proximidade que vai estar,
depois agrupam vários municípios que têm ne- vai ser algo muito mais intrusivo no nosso corpo.

41
A verdade é que vai haver sempre a necessidade de partilhar e a olhar para a mesma coisa e a trabalhar
termos fóruns de proximidade, que me conheçam no mesmo processo, ou no mesmo objeto, e essa foi
e que permitam ter uma componente física, algum a primeira dificuldade que tivemos. A verdade é que
acesso ao sistema. com a tecnologia já conseguimos ultrapassar larga-
mente isso.
Vejamos o exemplo da Amazon, que é um dos gran-
des estandartes da digitalização das indústrias e do O teletrabalho traz outras questões que não tecno-
novo comércio e até de muitos novos paradigmas, lógicas. O problema é mais cultural e tem a ver com
quer de data, quer de consumo, etc. A verdade é que o conceito de compromisso e responsabilização
a Amazon tem vindo a investir fortemente em lojas em autonomia. Há pessoas que não estão prepa-
de proximidade, para garantir exatamente esse radas para a autonomia. Eu diria que a maior parte
complemento, e porque é nesse complemento que das pessoas que não estão preparadas para a au-
está a cobertura total e o conforto da relação. tonomia, são os líderes que não confiam nas suas
equipas. Eu tenho isso numa equipa muito jovem
Portanto, as autarquias podem e devem ter esse
e tenho de convencer o líder a dar o benefício da
posicionamento de proximidade, partilhando, ob-
dúvida, porque a verdade é que é razoável. Obvia-
viamente, recursos e garantir mais escala, numa
mente que há fortes exceções, mas é razoavelmen-
perspetiva de shared services, mas garantindo uma bi-
te fácil, por amostragem, eu perceber se a pessoa
direcionalidade nessa proximidade, quer numa pers-
está ou não a trabalhar, se está ou não a gerar valor
petiva de prestação, quer de auscultação. Para mim
e a produzir. E se nós não nos preocuparmos na
é esse o papel das autarquias, porque se não o
métrica hora de trabalho, mas valor e entregáveis,
fizerem, vai acontecer o mesmo que por vezes acon-
se calhar temos aqui a solução perfeita para os fins
tece em algumas indústrias, que é cut the middle man
de semana de três dias ou para muito mais, porque
porque não estás aqui a fazer nada. As autarquias
acredito que nós vamos ter cada vez mais tempo.
têm claramente, também, de aportar valor aí.
Até há um ou dois anos atrás, dizíamos que o tempo
Relativamente à questão do teletrabalho, obviamen- era o bem mais escasso, penso que nós vamos ter
te, nós também temos várias pessoas que vão lá cada vez mais tempo com a automatização dos
fisicamente de vez em quando. Um problema que processos, com a indústria ou economia 4.0 e isso
nós tivemos durante algum tempo, era a questão da vai gerar uma série de oportunidades e vamos ter
simultaneidade, porque há tarefas que têm de ser de aprender a trabalhar com isso. O teletrabalho é
feitas em partilha e requerem que, simultaneamente, apenas uma das partes.
no mesmo espaço temporal, as pessoas estejam a

42
42
Sessão Paralela I
Projetos Experimentais
de Inovação

LEONOR FURTADO NATÉRCIA SOUSA ODETE FIÚZA CRISTINA


BETTENCOURT
Inspetora-Geral da Chefe da Equipa Técnica superior do
Inspeção-Geral das Multidisciplinar de Instituto Nacional Técnica superior do
Atividades em Saúde Análise e Tratamento para a Reabilitação Instituto Nacional
(IGAS) de Informações da IGAS (INR) para a Reabilitação
(INR)

ELISABETE REIS MARGARIDA LEITE MARGARIDA SILVA DAVID XAVIER


DE CARVALHO
Técnica superior da Técnica superior Secretário-Geral
Diretora-Geral da Direção-Geral da do Gabinete de da Secretaria Geral
Direção-Geral da Qualificação dos Estratégia, da Presidência
Qualificação dos Trabalhadores em Planeamento e Avaliação do Conselho de
Trabalhadores em Funções Públicas (INA) Culturais (GEPAC) Ministros (SG PCM)
Funções Públicas (INA)

MODERADORA:
ELSA BELO
Membro da Equipa de Coordenação do Sistema
de Incentivos à Inovação na Gestão Pública (SIIGEP)

43
Elsa Belo – Vamos dar início à sessão Projetos Ex- trumental mais apetrechada e de apoio à tomada de
perimentais de Inovação. decisão mais eficaz da Direção.
O objetivo desta sessão é o de dar a conhecer cinco As alterações orgânicas propostas decorrem da ne-
projetos experimentais de inovação que responde- cessidade de reforçar essa área instrumental e ainda
ram ao desafio lançado pelo Sistema de Incentivos para promover uma maior facilidade e agilização na
à Inovação na Gestão Pública (SIIGeP). comunicação entre os serviços. Reparem, eu tenho
um corpo inspetivo de 50 inspetores, qualquer pro-
Recordo aos nossos oradores que temos 10 minutos
de apresentação por entidade. Como há mais do que blema que acontece no corpo inspetivo vem dire-
uma pessoa por entidade, vamos tentar respeitar ao tamente ao Inspetor-Geral, o que causa às vezes
máximo o tempo, para depois responder às ques- algumas entropias.
tões que, esperamos, surjam desse lado, de forma a Não obstante o desenvolvimento da ação da IGAS no
tornar esta sessão participativa e ativa. âmbito do grupo coordenador do sistema de contro-
Leonor Furtado – Sou Inspetora-Geral das Ativida- lo integrado do Ministério da Saúde e que contro-
des em Saúde desde março de 2015. Vamos apre- la a despesa do Ministério da Saúde e o combate à
sentar um projeto que vem sendo trabalhado desde fraude e cuja presidência é assegurada pelo Inspe-
essa altura, mas agora é que chegou a hora de o tor-Geral, bem como a intervenção no grupo de luta
concretizar. contra a fraude no serviço nacional da saúde que
tem como objetivo desenvolver trabalhos de inves-
Vou fazer um enquadramento muito breve porque tigação de situações anómalas e encaminhamento
a Dra. Natércia Sousa é que irá apresentar o projeto para autoridades competentes. Justificou repensar a
propriamente dito. Queria no entanto agradecer ao
intervenção inspetiva face ao papel preponderante
Ministério das Finanças na pessoa do Senhor Pro-
que a IGAS tinha no âmbito destes dois grupos.
fessor Miguel Coelho, porque foi ele que me deu o
alento para apresentar o projeto e ao INA por ter Por outro lado, o facto de a partir de 2015 se ter acen-
apoiado, ter manifestado interesse em nos conduzir tuado, na IGAS, a intervenção inspetiva no âmbito
e nos ter convidado para aqui estar. do combate ao desperdício, à fraude e à corrupção,
justificou pensarmos na tal unidade de tratamento
Um breve enquadramento. A Inspeção-Geral das Ati-
vidades em Saúde (IGAS) integra os serviços centrais de informação. Porque temos muita informação. Se
do Ministério da Saúde com as atribuições constan- pensarem no Ministério da Saúde temos, em tese,
tes do Decreto-Lei da Lei Orgânica, o qual institui 10 mil milhões de euros para auditar e cerca de 400
um modelo organizacional misto que se caracteriza mil funcionários, fora os privados e os sociais. Por-
pela flexibilidade e participação, funcionando com tanto, é um mundo muito grande para inspecionar e
equipas multidisciplinares e assumindo a sua área com muita informação.
operacional uma estrutura hierarquizada e matricial Sem analisar e tratar a informação não é possível in-
dependente do órgão máximo de Direção. tervir do ponto de vista da inspeção e, muito menos,
Atualmente, a Direção da IGAS é composta por um para fazer um combate à fraude com um mínimo de
Inspetor-Geral, dois Subinspetores-Gerais, uma resultado. Por outro lado, e complementarmente à
área operativa composta pelo corpo inspetivo, que unidade de tratamento e análise de informação re-
tem cerca de 50 inspetores e uma área instrumen- solvemos criar uma unidade da fraude resultante de
tal composta por duas unidades orgânicas flexíveis. uma intenção do próprio Ministério em congregar
Porém, fizemos uma proposta de alteração da lei or- os trabalhos quer do grupo da fraude quer do con-
gânica que está em circuito legislativo e que não tem trolo interno.
impacto orçamental. Sendo certo que, o que nós Esta unidade de tratamento de informações, que é
pedimos foi a redução de um cargo de Subinspetor- atualmente chefiada pela Dra. Natércia, tem uma
-Geral para podermos ter uma direção de serviços. forma de agir que vai, no fundo, melhorar o exer-
No meu conceito, uma organização tão pequena cício da atividade inspetiva e o exercício do planea-
como a nossa, e estamos a falar de cerca de 90 mento através da análise de tendências, de padrões
pessoas, não justifica dois Subinspetores-Gerais e e de riscos em matéria inspetiva. Vai desenvolver o
portanto fizemos essa proposta de redução de um mapeamento dos riscos externos e das entidades
Subinspetor-Geral para podermos ter uma área ins- na esfera da competência da IGAS e analisar infor-

44
mação para auxiliar o serviço completo da atividade Como é evidente, não posso deixar de o dizer, aliás a
inspetiva. senhora Ministra da Presidência e da Modernização
Administrativa falou nisso, este combate, esta con-
O foco que está em questão é o bom uso dos dinhei-
centração de atribuições na IGAS tem vantagens e
ros na área da saúde, podendo o modelo ser even-
tem dificuldades, mas não podemos deixar de correr
tualmente aplicado a outras áreas da Administração
o risco de fazermos este projeto, porque a necessi-
Pública.
dade de melhoria com resultado efetivo na redução
Com efeito, e isto são apenas as três notas que gosta- da despesa do SNS é um dos objetivos estratégicos
ria de deixar, a fraude na saúde está a ser subquan- da IGAS.
tificada. Não se sabe a dimensão da fraude. Toda a
gente fala de fraude mas ninguém sabe do que é Elsa Belo – Passo a palavra à Dra. Natércia para
que está a falar e, portanto, há um conhecimento apresentar o projeto.
deficiente da dimensão da fraude, da produção de Natércia Sousa – A senhora Inspetora-Geral já fez
informação que possa servir à decisão estratégica e, um enquadramento do nosso projeto e já referiu os
sobretudo, à decisão política na área da saúde. Esse seus traços principais. Vou tentar ser muito breve.
desconhecimento torna mais difícil explorar proble-
A IGAS enquanto inspeção tem quatro grandes
mas, riscos e tomar opções.
áreas de atividade: inspeção, auditoria, ação disci-
Por outro lado, muitas das entidades do SNS com plinar e é a entidade que articula o controlo interno
serviços de auditoria e de controlo interno não dos auditores internos das várias entidades do MS.
se têm focado nos aspetos onde a prevenção e a Tem, ainda, uma outra área à qual a Senhora Inspe-
deteção da fraude poderão ter mais impacto. Como tora-Geral tem dado uma crescente importância, a
exemplo, fizemos muitas ações inspetivas ao longo da prevenção e a da cooperação.
destes três anos e tiveram impacto por exemplo Passando ao projeto. O que é que vai ser feito?
a contratação pública, o setor do medicamento,
cuidados continuados e paliativos, transportes de São os trabalhadores e dirigentes da IGAS que estão
doentes, dispositivos médicos e outras áreas onde a tentar levar a organização para uma outra forma
são visíveis os impactos do desperdício e onde de agir na prevenção e combate à fraude no Serviço
são reconhecidos riscos de fraude. E, portanto, o Nacional de Saúde (SNS), estabelecendo na IGAS
combate à fraude está disperso por várias entidades um sistema de inspeção baseado em informações,
sem ser concertado, sem seguir metodologias uni- ou seja, tornando esta Inspeção-Geral numa organi-
formes, impossibilitando a comparação e a compo- zação intelligence-led. Como? Não é preciso grande
sição da fotografia global. investimento, não é preciso muita tecnologia, não é
preciso inventar a pólvora. É preciso recriar, repen-
Em suma, tendo a IGAS uma função inspetiva e de sar e recriar. Formar os quadros internamente em
prevenção e, sendo bem orientadas e devidamente tratamento e análise de informação e pensar em
bem arrumadas, beneficiando da centralização da novas formas de proceder e em novas metodologias
informação, pode aproveitar a investigação criminal de trabalho. É aqui que está o nosso elemento inova-
que é da competência do ministério público e à qual dor. Porquê? A Senhora Inspetora-Geral já explicou
nós prestamos muito apoio. aqui este contexto e, portanto, tencionamos tornar
Quase todas as investigações criminais que são a IGAS numa inspeção que funciona neste esquema,
levadas a cabo pelo Ministério Público (MP) e conse- neste horizonte de 2019 e 2020 e estamos decididas
quentemente pelos órgãos de polícia criminal têm o a fazê-lo em tempo.
nosso apoio. Portanto, nós somos neste momento a Voltando atrás, quem são os autores deste projeto?
única estrutura no Ministério da Saúde (MS) que tem Quem é que vai participar? Todos os funcionários da
desenvolvido com eficácia e capacidade para obter IGAS. É um projeto que envolve todos. Portanto, os
resultados uma intervenção estratégica e política no atores são os inspetores e os técnicos da IGAS, que
combate à fraude e ao desperdício. Nesse sentido, é o organismo próprio para isso uma vez que os ins-
a concentração das funções como se pretende com petores compõem um corpo isento e independente
a alteração da lei orgânica na IGAS vai permitir uma em relação a todas as outras entidades do MS. Nós
melhor intervenção. pusemos aqui as vantagens e desvantagens de con-
centrar e reforçar na IGAS, o combate à fraude e o

45
controlo interno no SNS. Como podem ver, a balança A ideia, internamente, será constituir numa mesma
pesou para o lado positivo, a IGAS tem o know-how, estrutura orgânica, numa divisão, três unidades
oferece uma garantia de isenção e de independên- que são distintas mas funcionam ao mesmo tempo
cia. Já articula com todos os auditores internos e por- e de forma articulada. A Unidade de Prevenção e
tanto, há qui uma série de motivos que nos levaram a Combate à Fraude, a de Controlo e Planeamento e a
pensar que este sim seria o caminho certo. De facto, de Tratamento e Análise de Informação. A Unidade
precisaríamos talvez de algum reforço de recursos de Tratamento e Análise de Informação vai transmi-
humanos e tecnológicos. Um reforço é sempre bem- tir informações, dados já tratados e analisados para
-vindo. Não quer dizer que não se consiga fazer com o planeamento e para o combate à fraude. É este o
a “prata da casa” mas consegue-se fazer melhor esquema básico da nossa ideia.
com algum apoio e estamos já a obter apoio do INA. Já adiantei o que fazemos fazer a nível da intelligence.
Temos a certeza que estamos no bom caminho. Como fazemos fazer? Isto é, no fundo, o processo
De facto, a IGAS é a entidade adequada para ser o associado a este projeto, com as suas entradas e
Quem deste projeto, uma vez que depende dire- as suas saídas, indo analisar as informações cons-
tamente do Senhor Ministro da Saúde e tem uma tantes dos sistemas de informação da saúde e das
abrangência sobre as várias entidades promotoras várias bases de dados às quais temos o acesso ou
de saúde e, também, sobre todos os prestadores de estamos já a obter o acesso. Os próprios resultados
cuidados de saúde. Trata-se de uma estrutura muito da ação inspetiva e os processos, denúncias, parti-
complexa, o SNS mas, de facto, a IGAS tem legiti- cipações, estudos de entidades externas. Tudo isso
midade e competência para agir em qualquer local vai ser tratado para produzir ações preventivas e
onde se prestem cuidados de saúde. para poder produzir boas recomendações e uma
boa articulação com as outras entidades, sanções
É também uma inspeção do sistema de controlo
e processos contraordenacionais e disciplinares.
da administração financeira do Estado. Portanto, à
Portanto, a ideia base é formar, prevenir e retrair.
IGAS cabe o controlo setorial; quanto ao controlo Este é o nosso slogan, o nosso chavão, a nossa visão.
estratégico da administração financeira do Estado, Formar, prevenir e retrair para o combate à fraude e
o papel é desempenhado pelo grupo coordenador ao desperdício no SNS.
do sistema que é presidido pela Inspeção-Geral das
Finanças. A IGAS está precisamente no meio. Está Vamos fazer isto conforme estava programado.
numa posição ideal neste sistema para concentrar o É uma ideia antiga da Senhora Inspetora-Geral.
combate à fraude. Quando iniciou funções, em 2015, desde logo quis
que isto ficasse consagrado no plano estratégico da
A novidade deste projecto reside nisto: é um projeto IGAS porque entendeu que, por aí, era o caminho.
que representa, não só uma nova forma de trabalho Portanto, no devido tempo, estamos a dar cumpri-
na IGAS, mas, também, uma nova forma de organiza- mento ao nosso plano estratégico, sendo esta uma
ção numa inspeção setorial. As restantes inspeções das medidas.
setoriais do país não funcionam, ainda, organizadas
nesta base. É experimental pôr uma inspeção seto- O objetivo último do projeto é para que a Inspeção
rial a trabalhar baseada na aplicação da inteligência possa contribuir para a sustentabilidade e a qualida-
classicamente utilizada na investigação criminal. De de do SNS.
início e historicamente, a inteligência era aplicada às Elsa Belo – Passo a palavra às Dras. Odete Fiúza e
questões de segurança, depois à investigação crimi- Cristina Bettencourt, do INR.
nal e agora queremos aplicá-la à investigação não
Odete Fiúza – Vimos aqui apresentar o nosso pro-
criminal. Vamos ver como nos saímos.
jeto, intitulado “Melhor saúde mais motivação”. An-
Outro foco deste projeto é o de desenvolver tra- tes de prosseguir com esta apresentação e de me
balhos colaborativos. Primeiro que tudo, dentro apresentar a mim e à minha colega queria lançar um
da própria IGAS, com todas as outras entidades da desafio que espero que aceitem. Dado que estamos
saúde, também com as ordens e associações profis- num projeto na área da saúde e que tem a ver, exa-
sionais com quem já temos vários protocolos assina- tamente, com a qualidade de vida, a forma como
dos. Com outras inspeções, MP e órgãos de polícia e estamos e o olhar diferente de cada um de nós. Efe-
criminal. tivamente, nós passamos demasiadas horas senta-

46
dos aos computadores, às secretárias. E para que dial de Saúde (OMS) para a realização de reuniões
não estejamos a tarde toda sentados, eu gostaria saudáveis e estruturáveis. Estamos a falar de peque-
que se levantassem e trocassem de cadeira com o nas coisas como aquelas que apliquei já aqui hoje,
colega do lado, caso aceitem este pequeno desafio. por exemplo não estarmos muito tempo sentados.
Vão compreender que isto é um pouco a essência do Temos o colega do gabinete do lado e, em vez de nos
projeto. Já vi que toda a gente aceitou. levantarmos, enviamos um e-mail ou mensagem de
telemóvel. Fazer reuniões entre duas pessoas fora
O meu nome é Odete Fiúza e o nome da minha
do gabinete, por exemplo, no exterior. Não fazer re-
colega é Cristina Bettencourt, somos colegas e técni-
uniões de mais de uma hora. Em termos de coffee-
cas superiores no INR.
-breaks, optar por alimentos da época em detrimen-
Em termos muito genéricos e só para enquadrar que to de alimentos processados. Optar por águas com
instituto é este, é um instituto que tem como missão sabores naturais, por exemplo, com uma rodela de
promover, aplicar e executar as políticas nacionais limão em vez de refrigerantes. Evitar o álcool, natu-
que visam a promoção dos direitos das pessoas ralmente.
com deficiência. Isto é a nossa missão. Mas o nosso
projeto, “melhor saúde mais motivação”, não se Passo agora aos potenciais parceiros. Dizer-vos que
prende com o nosso core business, mas sim, indire- isto é um desafio que levamos muito a sério e quere-
tamente, com os nossos trabalhadores e nós temos mos que tenha os resultados a que nos propomos.
a convicção que, com trabalhadores mais saudáveis, Para tal, queremos convocar a Direção-Geral da
podemos ter maior eficiência e melhor resposta. Por Saúde (DGS) que está, neste momento, a desenvol-
isso, o projeto insere-se na categoria de melhoria ver o Programa Nacional para a Atividade Física, e
dos ambientes por outro lado, a Faculdade de Motricidade Humana
(FMH) que irá ajudar na avaliação e no controle de
O objetivo central, já o referi, é no fundo a quali- saúde dos trabalhadores que pretenderem aderir
dade de vida dos trabalhadores no seu todo vai de ao nosso programa de créditos de horário. Dizer-vos
facto influenciar o bem-estar dos trabalhadores e as que é nosso desafio optar também pelo teletraba-
pessoas com melhor bem-estar têm uma tolerân- lho. Isto para a gestão do tempo, permitindo assim
cia maior ao stresse, têm uma maior capacidade de que os trabalhadores não tenham de ir ao local de
integrar as contrariedades. E este objetivo central trabalho mas possam desenvolver o seu trabalho a
baseia-se, essencialmente, na promoção dos estilos partir de casa e com isso permitam uma maior con-
de vida saudáveis através do aumento da atividade ciliação entre a vida pessoal e profissional, que é
física, da higiene do sono e também da nutrição. uma das finalidades que está integrada na categoria
Sempre com a convicção que no fim último, teremos da Melhoria dos Ambientes de Trabalho.
uma melhoria dos resultados.
Vou passar a palavra à Drª Cristina Bettencourt que
Trabalhadores com bem-estar físico e mental têm
irá falar, mais concretamente, dos objetivos e a
melhor capacidade de resposta e somos mais efi-
forma de avaliação.
cientes na resposta ao cidadão e na missão ao
serviço público. Para tal, temos o nosso projeto es- Cristina Bettencourt – Temos aqui alguns dos nos-
truturado em três vertentes: eu diria uma mais clás- sos objetivos. O primeiro objetivo, que a minha co-
sica que é esta, mais “aborrecida” das palestras, mas lega já referiu, é a concessão do crédito de uma hora
a colega à frente vai explicar a estrutura das pales- semanal para aquelas pessoas do instituo que com-
tras. Mas adianto que estas palestras centram-se es- provem que estão no ginásio ou que fazem uma
sencialmente nos pilares que falei, na prossecução atividade física informalmente sob compromisso de
da atividade física. Onde se centra o nosso grande honra.
chavão é na atribuição de créditos aos trabalhado- O segundo objetivo do nosso projeto é avaliar. Ob-
res que frequentem o ginásio ou que demonstrem,
viamente, a condição física dos trabalhadores. Que-
sob compromisso de honra, que fazem atividade
remos saber, desde o início que começámos este
física de forma informal. Mais à frente também ex-
projeto até ao fim se, de facto, houve uma evolução
plicamos como é que fazemos este controle.
no estado de saúde das pessoas do INR. E isso será
Outro grande pilar – e o nosso grande desafio – é im- feito em termos de atividade para avaliar através de
plementar as recomendações da Organização Mun- rastreios de condição física. Os objetivos número 3, 4

47
e 5 têm a ver com as palestras. Como a minha colega o horário na função pública que é, em regra, de
referiu, as palestras inserem-se em três áreas: a ali- 35 horas por semana e 7 horas diárias. Nós, com
mentação, a qualidade do sono e a sensibilização a concessão de crédito, pretendemos reduzir esse
para os comportamentos que proporcionem saúde horário de 35 horas para uma média de 34 horas,
no trabalho. suspendendo desta feita, a Lei Geral do Trabalho
em Funções Públicas e bem assim o regulamento de
No INR temos a sorte de estar perto da Gulbenkian.
horário de trabalho do INR.
Saímos, fazemos uma caminhada e falamos sobre
a alimentação, a saúde no trabalho. Promover pa- Consideramos que isto é o nosso grande instru-
lestras dinâmicas. Não se realizarem num espaço mento que vai permitir operacionalizar uma das
fechado, mas em formatos diferentes. atividades do Programa de Inovação na Adminis-
tração Pública, que é a conciliação e a vida pessoal,
Quanto ao objetivo número 6, implementar as reco-
mendações da OMS, é fazer o que a minha colega profissional e familiar. Temos estas três componen-
referiu anteriormente, levantar das cadeiras, trocar tes. Dizer também que, não tanto em relação ao
de lugar, caminhar pela Gulbenkian, fazer uma reu- “direito ao desafio”, em termos legais, iremos ope-
nião no terraço do INR, etc. racionalizar o teletrabalho, que nunca foi realizado
no INR, e que vai facilitar, não só os trabalhadores
Relativamente ao impacto. Este tem muito a ver com em geral, mas também as pessoas com deficiência
as subcategorias que estão dentro da categoria em que poderão desempenhar bem o seu trabalho e
que o nosso projeto se insere. Tem a ver com a me- com maior qualidade de vida, desde que isto, natu-
lhoria dos ambientes de trabalho. O impacto tem ralmente, não ponha em causa a inclusão. Porque
muito a ver com a melhoria da qualidade de vida o fim último do INR é ter trabalhadores saudáveis,
das pessoas do INR. Tem a ver com o bem-estar no mas também trabalhar para pessoas saudáveis e in-
trabalho, a saúde ocupacional, tem também a ver in- cluídas na sociedade.
diretamente com a gestão das ausências nos locais
de trabalho por motivo de doença. Cristina Bettencourt – Para finalizar a nossa apre-
sentação, perguntar-se-ão: onde é que está a inova-
Para realizar a monitorização no objetivo 1, que é ção? Primeiro na forma como pretendemos imple-
aumentar a atividade física dos trabalhadores veri- mentar as palestras, em formatos inovadores e em
ficar mensalmente o número de pessoas que se ins- temas que normalmente não são abordados (saúde,
creveu neste programa que queremos implementar qualidade do sono, comportamentos saudáveis no
no INR. Relativamente à atividade física no trabalho ambiente de trabalho). E também, na adoção de
faremos uma avaliação médica. Estamos a pensar medidas da OMS nos eventos e reuniões, em vez de
num primeiro momento em fazer isto de forma bi- colocarmos bolinhos porque não colocar maçãs? E
mensal. a concessão do crédito de uma hora semanal aos
Relativamente aos objetivos 3 e 4 realizar inquéritos trabalhadores que façam desporto. Portanto, lá
para saber o que pensam e aprenderam nestas pa- está, o nosso projeto chama-se Melhor Saúde e com
lestras que vamos promover. O número incotem a melhor saúde vamos ter mais motivação e é essa a
ver com a implementação, fazer um inquérito para inovação do nosso projeto.
saber os comportamentos no local de trabalho, isto Elsa Belo – Passo a palavra à Senhora Professora
é, subir pelas escadas em vez de usar o elevador. E
Elisabete Reis de Carvalho e à Drª Margarida Leite.
para o número 6, fazer uma checklist, preparar o re-
latório que demonstre ou reflita o cumprimento das Elisabete Reis de Carvalho – O INA é uma casa que
obrigações da OMS. capacita. É essa a nossa missão: capacitar. E capaci-
tamos através do recrutamento e seleção e através
Relativamente ao “direito ao desafio” passo a palavra
da formação. O nosso projeto experimental que se
à minha colega.
chama “Colabora AP” é um projeto que junta estas
Odete Fiúza – A dinâmica do nosso projeto tem duas áreas nobres. Refiro que são áreas nobres,
constrangimentos inerentes, um dos quais pren- porque são absolutamente necessárias para uma
de-se com o horário de trabalho. Neste sentido, e Administração Pública eficaz, eficiente e de qualida-
em boa hora o programa de inovação tem o direito de. Quando capacitamos as pessoas, quando recru-
ao desafio, o que é que desafiamos? Desafiamos tamos as pessoas com as competências necessárias

48
à Administração Pública, quando através da forma- novo processo, com um planeamento baseado em
ção desenvolvemos as competências para que elas estimativas, onde foram identificadas nas várias
possam viver a sua vida no trabalho de acordo com etapas que o compõem algumas etapas críticas, no-
o seu potencial, nós, no INA, estamos a cumprir a meadamente a aplicação das provas e as fases de
nossa missão e é isso que queremos fazer. E que- análise das pronúncias dos candidatos no âmbito
remos fazê-lo com inovação. E como para fazê-lo há das audiências prévias dos interessados.
que também dar o exemplo, procuramos que o INA
Passando propriamente para o projeto-piloto do
seja o exemplo daquilo que gosta de promover.
“Colabora AP”, que neste momento vos queremos
Assim, foi-nos lançado um desafio que nós rapida- apresentar, focamo-nos no exemplo da audiência
mente passámos às nossas colaboradoras: a Ana prévia dos interessados. O que se pretende, nesta
Cristina, a Filipa, a Margarida e a Luísa, que estão etapa, e dado ser um projeto-piloto, é identificar
aqui presentes. Quatro senhoras que agarraram o apenas este momento para aplicação desta plata-
desafio e que, democraticamente, decidiram que forma. Seria, então, a audiência prévia na etapa de
seria a Margarida a fazer a apresentação deste constituição de reservas de recrutamento, por ter
projeto experimental. Um projeto experimental que, uma maior complexidade, e requerer efetivamente
como não poderia deixar de ser, não se confina às muitos recursos humanos especializados, principal-
fronteiras do INA. O INA está a desenvolver muitos mente e nomeadamente juristas e podendo prever-
projetos, muitos deles inovadores. E quando está a -se nesta etapa um número considerável de pronún-
desenvolver esses projetos escolhe equipas que são cias.
montadas de acordo com as competências e, logo,
Neste sentido, tendo como pressuposto o tempo de
com o valor que vão dar ao projeto, furando as fron-
duração do processo, que se pretende o mais curto
teiras intraorganizacionais.
possível, garantindo altos níveis de qualidade através
E agora, queremos também furar algumas fronteiras do envolvimento dos recursos humanos altamente
organizacionais dentro do próprio ecossistema da qualificados, o objetivo é o de criar uma plataforma
Administração Pública. Eu deixo apenas a questão colaborativa entre os serviços, através da participa-
no ar e a Margarida vai dizer como queremos lançar ção voluntária de recursos humanos qualificados
este desafio. para a execução da análise de pronúncias prévias,
pelo envolvimento dos serviços, designadamente os
Margarida Leite – Vou explicar o que se pretende
serviços recetores dos trabalhadores.
com o “Colabora AP”. O “Colabora AP” é uma pla-
taforma colaborativa entre os vários serviços da O projeto-piloto tem, então, como objetivos opera-
Administração Pública Central. Tem como objetivo cionais de eficácia, garantir que o tempo previsto
fomentar a partilha de conhecimentos e experiên- para a etapa, neste caso, de audiência prévia, se
cias. Valorizar e motivar os seus recursos humanos. cumpra face a um volume de pronúncias superior
Contribuir para o sucesso dos projetos estratégicos ao estimado. Tendo em conta a qualidade, preten-
da Administração Pública suprindo as necessidades demos garantir a inexistência de impugnações ju-
de recursos humanos da Administração Pública alta- diciais. Tendo em conta a eficácia, garantir que o
mente qualificados e tendo sempre como princípio tempo previsto para que esta etapa se cumpra face
a participação voluntária destes mesmos recursos a um volume de pronúncias superior ao estimado.
humanos.
Dentro das várias medidas operacionais necessárias
Tem, como base, a gestão do talento da Adminis- a ser implementadas destaca-se o caráter inovador
tração Pública e dos seus trabalhadores. Pretende nestas principais medidas-chave, as ferramentas co-
assim o “Colabora AP” ter uma abrangência muito laborativas online e o plano de incentivos.
ampla. Neste momento, surge a nossa oportunida-
No que diz respeito às ferramentas colaborativas
de no âmbito das atribuições do INA, de desenvolver
online, esta utilização permite, garantindo a seguran-
mais um projeto inovador: o processo de recruta-
ça e a confidencialidade dos dados, que os voluntá-
mento centralizado.
rios do projeto possam colaborar sem se deslocar
O recrutamento centralizado surge para o INA como fisicamente do seu posto de trabalho, salvo situa-
uma oportunidade para o desenvolvimento de um ções pontuais de necessidade de reunião de todos
projeto-piloto, uma vez que se constitui como um os colaboradores.

49
Sobre o plano de incentivos, este direciona-se para da Cultura (MC), abordando dinâmicas de grupo
os trabalhadores e os seus serviços de origem, numa perspetiva de cocriação.
porque sem eles não vamos também ter apoio para
O grande objetivo deste projeto é a promoção des-
conseguir levar a cabo este projeto. O que se preten-
tas práticas colaborativas, potenciando a relação
de será, no âmbito da qualificação de trabalhadores
entre os serviços do Ministério e, ao mesmo tempo,
e organismos, a atribuição de vouchers individuais de
alavancando o papel estruturante da Cultura, dando
formação para os trabalhadores e vouchers para os
visibilidade ao seu valor acrescido. Numa outra di-
serviços poderem utilizar na concretização do plano
mensão, quase que por arrasto, pretendemos pro-
de formação dos seus trabalhadores. No que diz
mover o GEPAC enquanto organismo transversal,
respeito aos voluntários que se vão disponibilizar
enquanto serviço que agrega e que dá apoio à de-
para colaborar connosco, pretendemos fomentar
finição de políticas culturais, dando-lhe visibilidade.
o desenvolvimento de novas competências, o reco-
nhecimento profissional através do enriquecimento O nosso conceito de “Sala Criativa” surgiu há cerca
curricular e a sua realização pessoal. de três anos e partiu da ideia de duas técnicas su-
periores, fruto da conjugação de vários fatores que
No âmbito dos organismos, o apoio será alavancado
identificámos como críticos: a agregação de informa-
a partir das áreas de negócio do INA, tendo como
ção que é produzida pelos vários serviços, a relação
contrapartida a partilha de recursos, através de
do GEPAC com os serviços do Ministério e a relação
crédito de serviços. Os serviços que cedam recur-
entre os próprios serviços e a consolidação dos con-
sos humanos ao INA ficam credores dos recursos
tributos, bem como, a criação de valor que a cultura
humanos do INA. Um dos pontos importantes nos
pode aportar para os diversos planos setoriais e in-
incentivos será a partilha de conhecimento e expe-
tersetoriais em que está envolvida.
riências. É esta partilha que tenho para convosco.
O GEPAC produz informação, produz conhecimento
Elsa Belo – Vamos então ouvir a Dra. Margarida
com base na informação e nos dados que recolhe,
Silva, Técnica superior do GEPAC - Gabinete de Es-
naquilo que é transmitido pelos dezanove servi-
tratégia e Planeamento e Avaliação Culturais.
ços tutelados pela área governativa da Cultura, nas
Margarida Silva – O Gabinete de Estratégia Planea- várias regiões do país.
mento e Avaliação Culturais (GEPAC) foi criado em
Ao longo da experiência do GEPAC e ainda antes
2012, na sequência do Programa de Reestruturação
da sua criação, enquanto GPEARI e Secretaria-Geral
e Modernização da Administração Central. Herdou
em separado, verificou-se que a informação estava
as atribuições do ex-Gabinete de Planeamento, Es-
muito segmentada. A relação com os serviços,
tratégia, Avaliação e Relações Internacionais e da
muitas vezes, senão todas, cingia-se a enviarmos um
ex-Secretaria-Geral do Ministério da Cultura. É o
mapa em excel que depois era devolvido por correio
serviço que garante o apoio técnico à formulação
eletrónico para que agregássemos a informação.
de políticas culturais, no âmbito do planeamento
estratégico e operacional e das relações internacio- Neste sentido, sentimos a necessidade de ativar
nais, articulando com a programação financeira, ga- uma estratégia de recolha e produção de informa-
rantindo também o apoio jurídico e contencioso e ção nesta articulação com os serviços.
fazendo o acompanhamento e avaliação global dos
Foram identificadas como partes interessadas
serviços e organismos sob a tutela da Cultura.
aquelas que estão diretamente envolvidas na ativi-
Para esta atividade, o GEPAC conta com cerca de 40 dade do GEPAC: os serviços e organismos da Cultura,
elementos e está estruturado em quatro grandes a tutela e outros setores governativos e também as
áreas que correspondem às suas unidades orgâ- unidades orgânicas do GEPAC.
nicas: Estratégia, Planeamento e Avaliação; Rela-
Depois, desenhámos aquilo que consideramos es-
ções Internacionais; Apoio Jurídico e Contencioso e
sencial para este projeto: Primeiro, havia um espaço,
Gestão de Recursos e Informação.
uma sala. Recolhemos e adquirimos algum mobiliá-
O projeto que hoje apresentamos chama-se “Sala rio, materiais de apoio, para que fosse um espaço
Criativa”, que é um dispositivo físico e conceptual informal, acolhedor, confortável. E acima de tudo,
que pretende promover práticas colaborativas ino- tínhamos – e temos – uma equipa motivada e voca-
vadoras entre o GEPAC e os serviços do Ministério cionada para este projeto.

50
Para além destes recursos, é importante referir a ne- termos um técnico sentado à sua secretária a preen-
cessidade de haver uma equipa de projeto interde- cher um mapa excel, temos todos os serviços juntos,
partamental e muito envolvimento das unidades or- Porto, Faro, Évora. Todos os serviços juntos em
gânicas do GEPAC neste projeto. É muito importante regime de cocriação, que partilham conhecimento,
que este processo de faça de dentro para fora. Que experiência e os inputs que surgem destas partilhas
não seja só uma metodologia colaborativa e criativa e deste trabalho, se calhar não surgiriam se estives-
com os serviços externos. se cada um no seu local de trabalho.
A sala está montada, não está ainda finalizada mas Como próximos desafios, uma das vertentes essen-
está a ser utilizada para várias sessões, internas e ciais é a capacitação das equipas do GEPAC para o
externas, nesta vertente colaborativa, como por desenvolvimento destas ações colaborativas, com
exemplo o trabalho realizado com os serviços para a dinâmicas criativas. Temos uma equipa motivada,
construção do contributo da área da Cultura para o mas é necessário não só a equipa de projeto desen-
Plano Nacional para a Juventude ou a sessão com os volver as suas capacidades, como também envolver
serviços e organismos do Ministério para a Estraté- os colegas, as colegas, das outras unidades orgâni-
gia “Portugal + Igual”, para a qual convidámos a Co- cas para este desafio.
missão para a Igualdade de Género para estar pre-
sente e participar no trabalho que foi feito. Vamos Pretendemos, também, conhecer projetos seme-
ver qual vai ser o resultado, pois são processos lhantes, tanto no setor público como no setor pri-
ainda recentes. vado. Conhecer outras salas criativas, outras meto-
dologias e, por fim, pretendemos perceber qual é
De realçar a diferença entre preencher o excel e o ganho, qualitativamente e quantitativamente, na
enviar por correio eletrónico e ter os serviços pre- adoção destas metodologias, porque é importante
sentes numa sessão que, apesar de ser focada num perceber se é uma questão de conteúdo, se aquilo
determinado objetivo, é desenhada de forma a não que resulta destas sessões efetivamente é uma
formatar e espartilhar o trabalho e o pensamento. mais-valia. A nível de tempo é importante mas, se
As atividades são desenvolvidas para estimular o calhar, estamos sujeitos às mesmas condicionan-
pensamento criativo desde o momento do quebra-
tes se estivéssemos a preencher um mapa de excel,
-gelo até à efetiva produção de um resultado, um
porque mudam equipas ou porque muda a estrutu-
plano, uma estratégia, um documento, que nunca é
ra dos serviços.
final porque depois tem de ser validado pelas respe-
tivas chefias e dirigentes. Este é o nosso desafio, o projeto que estamos a can-
didatar.
Infelizmente não podemos recriar aqui uma sessão
colaborativa, mas vou dar exemplos de como funcio- Elsa Belo – Passo a palavra ao Secretário-Geral
na uma sessão colaborativa na “Sala Criativa”. Jun- da Presidência do Conselho de Ministros, David
tamos as pessoas em quatro mesas, uma mesa por Xavier.
área, e começamos sempre com um momento de
David Xavier – Quando cheguei à Secretaria-Geral
quebra-gelo. Já tivemos, por exemplo, um momento
da Presidência do Conselho de Ministros disseram-
em que segurávamos uma ponta de lã e íamos
-me que a coisa mais tradicional e burocrática que
criando uma rede em que cada pessoa que apa-
existia numa Administração Pública, e na Adminis-
nhasse o novelo tinha que se apresentar.
tração Pública portuguesa, era uma repartição de
Fizemos, também, outro momento de apresenta- finanças, mas que ainda não conhecia a Secreta-
ção em que as pessoas tiveram dois minutos para ria-Geral. É injusto para a repartição de finanças,
falarem entre si nas mesas e depois iam alternando, até porque hoje temos uma repartição de finan-
o que criou uma ligação diferente entre quem estava ças dentro de um computador. E é muito injusto,
presente na sessão. também, para a Secretaria-Geral que é a entidade
Depois, trabalhamos para que todas as pessoas que que, estando mais perto do Governo, tem a maior
estão na mesa vão trocando as temáticas a abordar. capacidade de se adaptar a todos os governos e é
altamente inovadora.
Se tivermos quatro áreas, todas as pessoas traba-
lham essas quatro áreas. Isto tem trazido uma van- Nós também estamos a tentar fazer inovação. Penso
tagem. Não é um contributo fechado. Em vez de que pessoas felizes fazem organizações felizes, e or-

51
ganizações felizes trabalham melhor. A inovação na coordenar, a fazer inovação, simplificação, transpa-
Administração Pública está hoje nas pessoas, e não rência, achámos que a nossa solução não estava em
na tecnologia nem nos processos. Ninguém vem ter mais um sistema informático, estava longe disso.
aqui apresentar um novo sistema informático, ou se Estamos, na verdade, a montar um novo sistema de
vem pelo menos está com um objetivo que tem a gestão documental, a aderir na eSPap a um novo
ver com o cuidar das pessoas e, portanto, é este o sistema de contabilidade, e a instalar uma quantida-
caminho que hoje a Administração Pública faz. de de sistemas e a tratar dos processos, mas não é aí
que está a chave do desenvolvimento e do potencial
Talvez há dois anos, se estivéssemos a fazer este
que esta pequenina organização da Administração
Congresso, toda a gente falava das plataformas, da
Pública pode ajudar a levar mais longe.
interligação dos dados e dos “n” computadores e sis-
temas informáticos que iríamos implementar. Hoje, Está, na verdade, no modo como tratamos as
viemos falar de pessoas e falar de pessoas é falar pessoas e as integramos dentro da organização. Foi
cada vez mais de uma Administração Pública com- por isso que para tentar responder a este desafio,
petente e com competências para se desenvolver. desenvolvemos esta metodologia. Não está centra-
lizada na tecnologia nem nos procedimentos, mas
A Secretaria-Geral teve, na verdade, uma alteração
nas pessoas.
significativa. A Secretaria-Geral da Presidência do
Conselho de Ministros afirmava-se como sendo a Portanto, achamos que o foco dentro das organiza-
primeira das Secretarias-Gerais. A primeira, porque ções, e dentro das organizações da Administração
está no protocolo de Estado como aquela que repre- Pública, deve estar nas pessoas, nos seus funcioná-
senta todas as outras, que representa a Administra- rios, no cidadão.
ção Pública, mas também aquela que era a primei- O desenvolvimento da nossa organização está no
ra, porque era a do Primeiro-Ministro. Preferimos modo como vemos os nossos funcionários e o modo
mudar a nossa visão e chamarmos-lhe a Secretaria- como os conseguimos potenciar. E, portanto, depois
-Geral do centro do poder do Governo, não porque deste trabalho inicial que fizemos, de identificar
estamos perto do Primeiro-ministro ou perto do os objetivos estratégicos, fomos identificar ponto
Governo, é porque, na verdade, temos a capacidade a ponto o que é que poderíamos fazer dentro da
de um modo transversal, para fazer dispersar pela nossa organização, com as pessoas, para potenciar
Administração Pública tudo o que por lá passa e o desenvolvimento.
passa muita coisa.
O que trazemos aqui, o que tem de inovador, é não
Este nosso novo posicionamento obrigou a um de- ser inovador, porque a solução está sempre nas
senvolvimento dos nossos objetivos estratégicos. De pessoas. Estando a solução sempre nas pessoas, é
nos afirmarmos como organização, que é reprodu- fácil, é só chegar aos serviços e perguntar-lhes o que
tora e é elo de ligação entre as várias Secretarias-Ge- precisamos de fazer para atingir os nossos objetivos.
rais, entre os vários organismos da Administração Não é sentado no meu gabinete e dizer aos serviços
Pública. É este papel central que nós temos, de con- que vamos ter um portal, vamos ter o novo sistema
seguimos fazer chegar, rapidamente e a todo o lado informático, vamos contratar ou fazer um mapea-
da Administração Pública, a comunicação e as coisas mento de processos. A solução não é essa. Porque o
boas e más que se vão fazendo. que isso provoca é que haja uma decisão completa-
Por outro lado, a Secretaria-Geral, naquele PREMAC mente afastada da capacidade que a própria organi-
– Plano de Redução e Melhoria da Administração zação tem e, portanto, o resultado vai ser demorado.
Central do Estado e outras coisas mais que foram Os nossos funcionários sabem quais são os nossos
sendo feitas, foi ganhando uma grande competên- problemas e sabem onde estão as nossas soluções.
cia de serviços partilhados e, se hoje consegue ser A Secretaria-Geral tem um processo de rotação
a Secretaria-Geral que se afirma como centro do de pessoal, acho que é uma questão generalizada
Governo, com uma capacidade de potenciar a trans- dentro da Administração Pública. Num ano e meio, a
formação, é porque também é uma entidade quer Secretaria-Geral perdeu cerca de 50% dos seus fun-
de coordenação quer de serviços partilhados. cionários e ganhou 60%, estamos com um supera-
Quando desenhámos este plano estratégico e afir- vit, mas saíram 50 pessoas e entraram 70 pessoas,
mámo-nos com este papel de centro do Governo, a num universo de 130-140, que é o número atual.

52
É um número gigantesco e impossível de estancar nização foi esse grande desfasamento do inspetor
sem explicarmos às pessoas que elas fazem parte da em relação à própria preparação da ação inspetiva
organização e o que é que a organização tem para e uma grande dificuldade no suporte instrumental,
elas e, portanto, esta necessidade de definirmos não havia suporte instrumental e, portanto, a situa-
os nossos objetivos estratégicos tem, obviamente, ção da organização era um bocadinho difícil de gerir.
que estar interligada com o modo como encaramos É evidente que leva tempo, há imensos fatores que
os funcionários e como é que temos uma estraté- estão identificados nas organizações e, em particu-
gia para cada um deles dentro da organização. Há lar, na Administração Pública e que têm a ver com
um caminho a percorrer, sabemos o que queremos uma certa falta de gestão. Temos as pessoas, tra-
atingir, mas temos que o fazer com os nossos recur- balhamos para elas, mas depois não conseguimos
sos humanos. congregar esforços para termos um único foco, um
objetivo de qualificação do próprio organismo ou do
O que identificámos como sendo necessário para o
seu trabalho. Isso foi identificado e foi necessário
desenvolvimento estratégico da nossa organização
capacitar primeiro as pessoas a trabalharem o pla-
teve sempre como foco as pessoas. Não sei se, no
neamento. Não consigo imaginar uma organização
final, foi verdadeiramente inovador, tenho a certeza
inspetiva sem planeamento, é preciso saber planear
é que é um modo diferente de ver a organização
e isso aprende-se, demora tempo. É difícil de imple-
e isso tem resultados muito significativos. E se, no
mentar, as pessoas têm dificuldade em cumprir no
final, acabar esta minha intervenção e acharem que
tempo aquilo que está planeado para um ano, mas
não vim dizer nada de inovador, gostava apenas que
neste momento, já temos ações que começam e ter-
saíssem com a ideia de que gente feliz faz organiza-
minam num ano e são seguidas.
ções felizes e organizações felizes trabalham muito,
muito mais. Outro desafio foi exatamente trazer os inspetores
para o próprio planeamento, a serem eles a pensar
Elsa Belo – Vou colocar uma questão ao painel.
em novas formas de intervir, sairmos do normal
Muitos destes desafios que surgiram partem de
para fixarmos o core, e o core principal é auditoria
problemas, e nós nem sempre gostamos de lhe
e inspeção e não ação disciplinar. Ação disciplinar é
chamar problemas, mas de necessidades ou de
o último ratio da nossa intervenção e na prevenção.
situações que identificamos dentro da nossa or-
ganização e que gostamos de ver solucionados, Depois disto, precisamos ter elementos capacitados,
problemas antigos, problemas clássicos, muitas portanto, formação e inovação. Fizemos primeiro
vezes, sobre os quais não queremos olhar e pre- um trabalho de formação de dez inspetores e téc-
ferimos ignorá-los. Mas estas entidades que aqui nicos superiores na análise e tratamento de infor-
estão connosco, de alguma forma, procuraram mação. Contratámos a Escola da Polícia Judiciária
então encontrar soluções, procuraram encontrar que fez um curso só para este grupo de inspetores,
novas formas de pensar sobre assuntos clássicos, também foi para eles inovador e desafiador.
antigos. Colocaria uma questão a todos de uma
O terceiro grande desafio foi exatamente perceber
forma muito rápida.
quem. Sendo o Ministério da Saúde (MS) um dos
Perante estes desafios clássicos, perante todas poucos Ministérios, penso que é o único, que tem um
estas necessidades do que é evidente nas organi- grupo coordenador do controlo interno, um grupo
zações para solucionar, qual foi o desafio para se de combate à fraude, estava toda a informação de
constituir então um projeto experimental de ino- todo o trabalho disperso, cada um puxava para o
vação? Já dizer que será um projeto experimental seu lado, não havia uma estratégia de intervenção e,
é exatamente isso, que vamos experimentar algo, portanto, foi preciso arranjar essa estratégia.
mas de uma forma inovadora, trazendo algo novo,
O último grande desafio é a comunicação, comuni-
algo que tenhamos, pelo menos, a ideia que trará
car internamente. Para a tutela não foi muito difícil,
valor à organização.
tanto é que, imediatamente, foi logo sentida a neces-
Leonor Furtado – Em relação à Inspeção-Geral a sidade de alteração da lei orgânica. Mas ainda falta
grande questão é a de envolver os inspetores no comunicar às outras entidades do Ministério, que
próprio planeamento da atividade inspetiva. Pri- também é fundamental, uma vez que são parceiras
meiro, porque o que senti quando cheguei à orga- para este desafio.

53
É preciso ter em consideração que no MS temos O INR, estando a desenvolver o Plano de Ação Na-
diversos tipos de entidades: públicas empresariais, cional para a Promoção da Atividade Física, tomou
administração direta do Estado e, ainda, entidades consciência de que, de facto, há grandes défices de
privadas e sociais. É um grande grupo e esse desafio consciência de falta ou da necessidade desta ativi-
da comunicação é fundamental e penso que temos dade física no sentido global e de comportamentos
conseguido fazê-lo. Já temos entidades a conver- saudáveis, designadamente, e de uma forma muito
sar connosco e a pedir a nossa intervenção de uma rápida, a higiene do sono. Não temos noção que,
forma mais direta, mas é um desafio e é desafio em cada faixa etária, determinadas horas devem
interno, porque o grande objetivo deste departa- ser dormidas e que isto tem uma influência direta
mento é colocar inspetores na chefia daquele de- com o tempo em que estamos acordados, designa-
partamento, aquela direção de serviços vai ser de damente, com a questão da obesidade, que é outro
suporte. Isto tem uma vantagem que, como todos, dos problemas nacionais e a nível global. Também
penso que toda a gente na Administração Pública há uma taxa de obesidade em Portugal imensa e
se queixa um pouco disso, nunca me queixo da de pré-obesidade e depois, por outro lado, é o se-
falta de pessoal, queixo-me da falta de vontade, é dentarismo e então criamos formas ativas de, não
outra coisa. O que procuramos ali fazer é demons- só no próprio local de trabalho, as pessoas poderem
trar e estimular as pessoas para cargos de chefia, mexerem-se, como demos aqui o exemplo, mas
para cargos de coordenação, porque não podemos também a ida e vinda para o trabalho.
dar muito mais, não temos muito mais e acho que
É esta consciência global que vai trazer depois
este Congresso veio demonstrar a necessidade da
ganhos em saúde, não só nos trabalhadores do INR,
criação de incentivos, de prémios de desempenho,
vai ter influência com a questão do absentismo e
porque senão as pessoas desistem.
queremos que isto seja um projeto piloto, que tenha
Os prémios de desempenho são fundamentais. Às sucesso e, por isso, temos estas duas parcerias que
vezes pode parecer que não é nada, nós não temos já referi, sobretudo com a Faculdade de Motricida-
muitos contactos internacionais. Mas, o que fazemos de Humana. Queremos desenvolver estas parcerias
é distribuir as viagens e a participação em congres- para o controlo e monitorização da evolução da im-
sos internacionais, por exemplo, pelos relevantes, plementação deste projeto e achamos que pode ser
porque não tenho prémios de desempenho. É só replicado. Obrigada às colegas que apresentaram
para dar uma ideia de como é possível manter os antes e que fizeram referência ao nosso projeto,
trabalhadores satisfeitos e fixá-los. E há outra forma porque, naturalmente, todos podemos desenvol-
que é o pacto de permanência. ver atividades físicas em conjunto e quem sabe o
próximo congresso poderá ter uma atividade de
Odete Fiúza – Relativamente ao INR o grande desafio
promoção da atividade física.
foi essencialmente a consciência de que, como já foi
aqui referido, várias vezes ao longo da tarde, tra- Elisabete Reis de Carvalho – No subtítulo deste Con-
balhadores mais felizes fazem organizações mais gresso há uma palavra que é “mito” e nós, na Ad-
eficientes, mais competentes. E onde é que reside ministração Pública, vivemos com muitos mitos.
essa felicidade? Naturalmente que reside em muitos Vivemos com o mito do horário das nove às cinco,
setores da vida do trabalhador, pessoal, profissional, vivemos com o mito do trabalhador em funções
mas está provado cientificamente que a questão da públicas desmotivado, vivemos com os mitos de
Saúde é diretamente proporcional à questão da feli- que só fazemos o que é estritamente necessário e
cidade. E o que o INR pretendeu foi, digamos, atuar vivemos com o mito de que não mudamos. Contudo,
na qualidade global da vida do trabalhador, dizer-vos estamos perante mitos que raramente se verificam,
que não é propriamente um desígnio exclusivo do na prática. Nós, na Administração Pública, mudamos
INR, esta questão da promoção da atividade física, é e vivemos em constante mudança; aliás, quase to-
um desígnio do país, através do Programa Nacional dos nós, antes de sair de casa, planeia o seu dia e
de Atividade Física desenvolvido pela DGS. E termos chega ao final do seu dia e nada do que foi planea-
macro, é um desafio global do mundo, é um desafio do foi executado, por variadíssimos motivos, e uma
da OMS que, por sua vez também está a desenvolver parte deles não são da sua responsabilidade. E, isso,
um programa para a promoção da atividade física. revela o quanto nós mudamos diariamente. A per-
gunta é saber se dentro daquilo que mudamos até

54
que ponto estamos a criar valor e se estamos ver- organizações, ganham os trabalhadores e dirigen-
dadeiramente a inovar. E, hoje, neste Congresso, já tes, ganha a Administração Pública e, muito, muito
ouvimos alguns dos constrangimentos que temos à importante, ganha o país.
inovação: um deles é o tempo. Tempo, que também
David Xavier – Há 20 anos, quando mudei de orga-
já ouvi, dantes era escasso. Contudo, disseram, no
nização, na primeira grande conversa que tive com
futuro teremos cada vez mais tempo.
os funcionários disse uma frase, que ainda hoje
Estou desejosa do futuro em que vamos ter mais mantenho, “prefiro falhar do que não fazer”.
tempo, porque esse é, de facto, o recurso que vejo
As organizações na Administração Pública ainda não
como mais escasso; e não vejo isso só a quem é diri-
estão preparadas para a falha. O Direito ao Desafio
gente, vejo em todo e qualquer trabalhador. A con-
vem exatamente preconizar a experimentação e o
versar com um trabalhador, a pedir-lhe alguma
facto de pudermos falhar.
coisa para a concretização de um projeto, disse-lhe
que iríamos receber um email a meio da noite e a Ninguém coloca no currículo que tentou fazer algo
pergunta que me fez logo a seguir, foi “mas tenho e falhou, mas se calhar aprendeu muito quando o
que realizar aquilo que me pedem a meio da noite?” tentou fazer. Todos nós já tentámos fazer, diver-
“Não, não, amanhã de manhã, quando chegar.” Este sas coisas e não conseguimos. Amanhã, talvez seja
episódio revela que a ansiedade, a pressão para notícia que o Secretário-Geral da Presidência do
demonstrar resultados, é sentida pelos trabalha- Conselho de Ministros prefere falhar, a segunda
dores nas diferentes entidades públicas, tal como parte se calhar fica esquecida, mas considero que
certamente é sentida pelos trabalhadores do setor é preciso fazer e, consequentemente, muitas vezes
privado. falhar.
A referência aos trabalhadores do setor privado e o É importante trabalhar com as pessoas e estas não
seu paralelismo com os do setor público, leva-me a estão à espera que o Secretário-Geral se sente ao
realçar que não são justos os estereótipos e oposi- lado delas e tente perceber o que é que fazem no
ções que alguns estimulam entre público e privado. dia-a-dia, para perceber em que podemos ajudar
Todos nós somos seres humanos, que nos reali- para mudar. Se o Secretário-Geral se senta ao lado
zamos através do trabalho e queremos ser felizes delas está a perceber o que fazem e a melhorar o
(outra palavra que já ouvi muito hoje), através do que corre mal. E, esse desafio, é um desafio que os
trabalho. próprios funcionários percebem como tentativa de
melhoria do serviço.
Queremos inovar. E porque é que queremos inovar?
Porque sentimos que, através da inovação, vamos Margarida Silva – Em relação à sala criativa, a ideia
facilitar a nossa própria vida no trabalho. E passa- surgiu há 3 anos e está agora a começar, porque não
mos boa parte da nossa vida no trabalho e, se não houve propriamente resistência a este desafio, mas
encontrarmos satisfação naquilo que fazemos, nas sendo um projeto novo careceu de tempo de matu-
pessoas com quem nos damos, se não chegarmos ração, de tempo de apropriação pelos serviços e de
ao final do dia realizados, com a sensação de que espaço de oportunidade para mostrar as vantagens,
somos pessoas plenas, através do que fazemos e do reforçado com a criação desta iniciativa do INA .
reconhecimento que nos é dado, então a nossa vida Da parte das unidades orgânicas do GEPAC sentia-
torna-se penosa e não queremos isso; não estamos -se esta necessidade de mudar o paradigma, de criar
aqui para isso. Daí a necessidade de experimentar, novos métodos de trabalho, de envolver os serviços
daí a necessidade de inovar, sabendo que estamos e organismos do Ministério. Mas também da parte
a assumir riscos. Inovar, na Administração Pública, dos serviços e organismos do Ministério percebe-
implica, muitas vezes, riscos. Mas implica também a mos essa abertura. A primeira sessão que fizemos,
aceitação desse risco, do risco de falhar. Mas abra- recebemos o Teatro Nacional de São João do Porto e
çando o risco, procuramos o sucesso. os restantes serviços, mas a primeira coisa que dis-
Inovar assenta frequentemente em estratégias win- seram foi “da próxima vez fazemos no Porto”, por-
win, em que, através da mudança nas organizações, tanto, havia esta necessidade de se sentirem parte
nas práticas de gestão, nos procedimentos, nos pro- integrante de um trabalho, de um projeto, portanto,
cessos, se cria valor para todos. Assim, ganham as aí não houve nenhum problema.

55
Na implementação, o nosso maior desafio foi primei- noutra, vão percebendo que isto é um método que,
ro perceber como é que íamos começar, quais eram se calhar vai resultar. Não sabemos como vai correr,
os fatores críticos, como é que íamos conseguir criar mas esperamos que este desafio valha a pena e que
esta metodologia. É uma aprendizagem que vamos a nível qualitativo, a nível de pessoal, a nível do valor
ter, porque estamos muito no início. que criamos, valha a pena.
Até agora, temos notado uma mudança na forma Elsa Belo – Vou dar por encerrada esta sessão.
como os serviços e os organismos se relacionam Não consigo sair daqui sem desafiar todas as or-
connosco, até a responder aos e-mails há diferenças, ganizações que estão aqui presentes, todos os
sente-se que estão todos a trabalhar para um propó- trabalhadores aqui presentes, a pensarem nos
sito, para um objetivo, é o tal processo de cocriação. vossos desafios, dentro da vossa organização e
Mesmo internamente, apesar de haver sempre… a encontrarem a melhor forma de como inovar.
não é resistência, mas há hábitos, as pessoas têm Não é preciso que seja completamente diferente,
hábitos, estão habituadas a estar no seu local, com basta muitas vezes encontrarmos algo que nunca
o seu computador, com os seus papéis. E depois, foi feito ainda nesta organização e que pode ser
terem que ir para o piso intermédio, passar uma adaptado à vossa forma de trabalhar e à vossa rea-
tarde ou uma manhã, ou um dia inteiro, a fazer lidade. É um desafio que vos lanço.
uma coisa completamente diferente, é claro que
há sempre quem reclame, mas depois corre bem, Apresentações dos Projetos Experimentais de Inovação:
porque é um processo aberto, não espartilha, não
“Criação da Unidade de Prevenção
formata e as pessoas têm liberdade para dizer aquilo
e Combate à Fraude da IGAS”, IGAS;
que querem fazer, aquilo que pensam.
“Melhor Saúde, Mais Motivação”, INR;
Na última sessão, que fizemos sobre o plano de ati-
vidades do GEPAC, começámos por perguntar o que “Colabora@AP”, INA;
é que as pessoas queriam para o GEPAC em 2019. “Sala Criativa”, GEAPAC;
Começámos só com isto e, pouco a pouco, mesmo
“Projeto 19-AP”, SGPCM.
aqueles que são mais calados numa sessão ou

56
Sessão Paralela II
Investigação e Inovação

EMANUEL JOSÉ MANUEL JOSÉ MARIA


CASTRO MENDONÇA ALBUQUERQUE
Coordenador Executivo Presidente do Conselho de Vice-Presidente do
da Associação Geopark Administração do Instituto Instituto Nacional de
Estrela - Projeto de Engenharia de Sistemas Saúde Doutor Ricardo
“Geopark Estrela” e Computadores, Jorge, I.P. (INSA, I.P.)
Tecnologia e Ciência
(INESC TEC)

LUÍS COELHO TIAGO CAVACO ALVES


Professor da Escola Vice-Presidente da
Superior de Tecnologia Science4you, S.A.
de Setúbal/Instituto
Politécnico de Setúbal
- Projeto “Tess2B”

MODERADORA:
ALICE VILAÇA
Jornalista da Antena 1

57
Alice Vilaça – Vamos começar por uma intervenção também acho que, cada vez mais, o conhecimento
inicial dos oradores sobre o tema desta sessão, mas científico e a investigação, têm de ser aplicados e
recordo os presentes que vão poder colocar ques- têm de ser integrados e associados àquilo que são
tões, tal como aconteceu nas sessões da manhã. as necessidades reais dos próprios territórios. Quer
o Instituto Politécnico da Guarda quer a Universida-
Qual a vossa perspetiva para o tema que vamos
de da Beira Interior e, em particular, o Geoparque
debater esta tarde, investigação e inovação? Qual
Estrela, tentam procurar, no seu trabalho quotidia-
a importância da investigação e da produção de
conhecimento científico no setor público e a inte- no, estratégias que possam ir ao encontro daquilo
gração de investigação com a inovação? No fundo, que são as necessidades reais das populações e a
de que forma é que, olhando para o tema Inves- necessidades reais dos territórios.
tigação e Inovação, que resposta é que podemos Estamos aqui a falar de trabalho e de estratégias de
dar? Vou começar pelo professor Emanuel Castro. desenvolvimento territorial, que estão muito assen-
Emanuel Castro – É um prazer discutir e, no fundo, tes na questão da sustentabilidade, mas também
abordar aqui esta questão da investigação e da ino- da Educação, da Ciência, do próprio turismo. No
vação. Alguns de vocês vão estranhar porque é que contexto do Geoparque, acreditamos seriamente
estou aqui, a falar do Geoparque Estrela e, se calhar, que, quanto maior for o conhecimento produzido
a resposta a esta questão, que me parece muito maiores serão também os desafios que se colocam
pertinente e muito atual estará, exatamente, na ao nosso trabalho, porque maior é o conhecimen-
história e no percurso deste projeto. O Geoparque to que temos dos reais problemas. Isto para dizer
Estrela é, de uma forma muito breve, uma candida- que tem de haver uma relação de causa-efeito entre
tura à UNESCO de um território de 2.200 Km2 que se aquilo que é a investigação, aquilo que é o conheci-
pretende que venha a ser o Geoparque Mundial da mento produzido e aquilo que são as estratégias e
UNESCO muito em breve. É um projeto que começa as soluções encontradas e, obviamente que, no con-
na Academia, que começa na integração entre duas texto desta realidade, são muitos os desafios que se
instituições de ensino superior. Uma delas, da qual colocam, também, do ponto de vista da investigação.
faço parte, é o Instituto Politécnico da Guarda, e a Para dar um exemplo rápido, estamos, neste mo-
outra, é a Universidade da Beira Interior. Portanto, mento, a desenvolver aquilo a que chamamos de
duas instituições que estão associadas à Serra da “Rede de Ciência e Educação para a Sustentabilida-
Estrela. de”, que é uma rede que vai integrar várias unidades
Este projeto começa de uma forma, que muitas de investigação de várias universidades do país e
vezes, não acontece, em que a universidade ou a ins- que procuram encontrar soluções e pensar o desen-
tituição de ensino superior, sai dos seus muros, sai volvimento deste território para o século XXI. Este é
daquilo que são os muros da academia, que muitas um contributo muito interessante e muito impor-
vezes é muito fechada e tenta apresentar à socieda- tante que o próprio Geoparque e as instituições de
de e ao território um projeto que nós julgamos que ensino superior, em parceria com o mesmo, preten-
possa ser inovador, que possa constituir um novo dem dar ao desenvolvimento daquele território.
paradigma de desenvolvimento daquele território. Alice Vilaça – Já vamos olhar para exemplos mais
Aquilo que fizemos foi ir ao encontro dos diferentes concretos, para perceber de que forma é que esse
municípios que constituem o território do Geopar- “casamento”, digamos assim, é feito. E vou passar
que Estrela e apresentar o trabalho da academia. a palavra ao professor José Manuel Mendonça, não
E o trabalho, neste caso, do Instituto Politécnico da vou repetir a questão para todos que ela é muito
Guarda é mostrar como é que podemos, através do longa, mas o que dizer sobre o tema que nos traz
conhecimento científico, ajudar o território a cons- cá hoje?
truir novas estratégias de desenvolvimento. José Manuel Mendonça – É uma honra e um prazer
Respondendo à questão da relação entre a investiga- estar aqui a partilhar um bocadinho da minha ex-
ção e a inovação, que é uma questão bastante per- periência e a do INESC TEC, instituição que tenho o
tinente, não pode haver inovação, não pode haver privilégio de presidir, e que é o maior instituto de
conhecimento, não pode haver desenvolvimento investigação em Portugal, com cerca de mil investi-
sem investigação e sem conhecimento. Contudo, gadores. O mote do INESC TEC é o “da produção de

58
conhecimento até à inovação de base científica”. A é preciso capacidade de absorção, de endogenei-
inovação, para ter impacto, para ser diferenciadora zação, é preciso perceber quais são os problemas,
nas empresas, ou nas organizações, nos hospitais, quais são os desafios e de que forma é que o conhe-
na Administração, para ser verdadeiramente dife- cimento, a tecnologia, nos ajudam a resolver proble-
renciadora, tem que ser de base muito sólida e a mas concretos.
base da ciência nessa inovação, é sempre diferen-
As tecnologias da informação, em que trabalho no
ciadora dos produtos, dos processos e dos serviços.
meu Instituto, têm uma vantagem porque são tec-
Há uma coisa muito importante na investigação, nologias capacitadoras que estão, praticamente, em
na inovação, que é a cadeia de valor. Investigação todas as indústrias, todos os serviços, todas as orga-
é produzir algoritmos e modelos, novas tecnologias, nizações hoje em dia. Por exemplo, nos anos 80, na
papers em revistas internacionais referenciadas in- Administração Autárquica, os sistemas de informa-
ternacionalmente, doutoramentos. E inovação nas ção não existiam. Então, foi desenvolvido um soft-
organizações é fazer transformação, nos produtos, nos ware que depois foi colocado no mercado por uma
processos, nos serviços e nos modelos de negócio. E empresa (não digo aqui o nome, passo a publicida-
há aqui uma cadeia de valor que, às vezes demora de) e rapidamente se instalou em 160 autarquias do
dez, vinte, trinta anos, até que a maturidade do co- Norte do país e nos PALOP. Hoje em dia, é trivial um
nhecimento, a maturidade da tecnologia lhe permita software de gestão autárquica mas, em 1980, não
passar a transformar-se em valor económico. Um havia nada, era tudo à mão e os processos de digi-
exemplo: dois prémios Nobel da Física que há dois talização aterrorizavam qualquer pessoa. Portanto,
ou três anos, um na área das fibras óticas e outro esta capacidade de desenvolver, de encontrar apli-
na área da foto view, os CCD que estão em todas as cações ou, por exemplo, nos anos 80, a Novabase
câmaras de filmar e fotográficas, foram atribuídos (posso dizer o nome porque é uma empresa cotada
25 anos depois da descoberta, e ninguém duvida em bolsa), saiu da universidade, saiu da investigação
hoje do impacto brutal dessas duas tecnologias, e podia dizer aqui muitos, muitos outros exemplos.
que tinham sido descobertas 25 anos antes. Muitas
É muito importante que os gestores, que os líderes
vezes essa maturidade demora muitas décadas.
das empresas e das organizações tenham consciên-
Hoje em dia, como a aceleração é muito superior, os
cia que a diferenciação dos seus produtos e serviços,
períodos são muito mais curtos, mas é muito impor-
a eficácia e eficiência dos seus processos, a renta-
tante perceber que ciência é que é aplicada.
bilidade da máquina que estão a gerir, dependem
O Ministro Mariano Gago costumava dizer “ciência muito do conhecimento, de tecnologia e inovação.
aplicada aplicável”, que fosse útil, que servisse para E, é muito importante que os responsáveis pela polí-
alguma coisa e é muito importante que na investiga- tica pública percebam que a política pública precisa
ção, se tenha um propósito de relevância social e de de ciência e conhecimento que, geralmente, não
potencial impacto económico porque senão, esse in- está nos assessores, nos Secretários de Estado, nos
vestimento que a sociedade e as empresas colocam Ministros e nem nos consultores que fazem uns po-
na ciência, é perdido. Uma coisa é ser perdido, outra werpoint que são pagos principescamente, sem esse
coisa é ser útil daqui a cinco, dez ou vinte anos. conteúdo e sem essa base. E em Portugal, felizmen-
te, nas instituições científicas, nas universidades,
Alice Vilaça – Desculpe interrompê-lo, mas em in-
basta procurar, há muita competência, diria eu, que
vestigação, às vezes é preciso dar dois ou três
há competência para resolver a grande maioria dos
passos atrás, para se dar um passo em frente.
problemas das organizações e das empresas públi-
José Manuel Mendonça – Sim, investigação não é cas ou privadas.
engenharia, investigação não é um processo orga-
Alice Vilaça – Agora o Professor José Maria Albu-
nizacional, tem riscos, tem incertezas, às vezes pro-
querque, do Instituto Nacional de Saúde Doutor
cura-se uma coisa e encontra-se outra. Não sei se
Ricardo Jorge.
sabem que o post-it, aquele papelinho, foi inventado
por um investigador que andava à procura de uma José Maria Albuquerque – Talvez começasse um
cola superforte e tropeçou numa superfraca. Por pouco pelo que o meu colega de painel acabou de
outro lado, da parte das organizações, das empre- elencar, para valorizar duas ou três questões que se
sas, dos hospitais, da Administração Pública, etc., prendem com, digamos assim, os primeiros princí-

59
pios. De facto, a inovação não é um processo linear, económicos e societários. E ressalvo o que o Profes-
como muito bem foi referido, e não se resume nem sor Conte, já falecido e que foi o nosso egrégio e o
à criação de novos produtos nem de versões melho- avaliador do sistema de inovação no sistema cientí-
radas de produtos, processos ou serviços. Implica a fico e tecnológico português do tempo do, também
criação de novos sistemas, de novas soluções e, até, falecido, Professor Mariano Gago, disse que, pela
de novas organizações e podem ser, como se estava grande complexidade, este processo de inovação
a referir, um empurrão tecnológico que os crie, ou e estas políticas não devem ser deixados somente
pode ser o colmatar de uma necessidade. à auto-organização ou às forças do mercado e têm
Dito isto, é preciso ver que a inovação tecnológica, que ser fortemente governadas. A governação deste
neste caso e nas organizações, requer uma capaci- sistema é muito importante.
dade individual, uma capacitação, uma aptidão in- Vou fazer um pequeno parêntesis para, a seguir,
dividual. Ela também depende de uma certa rotina, responder ao desafio com exemplos tangíveis. Vim
de uma organização que seja capaz de apreender e do setor da Saúde, do Instituto Nacional de Saúde
incorporar, gerar e manipular, grandes quantidades Doutor Ricardo Jorge que é um laboratório do
de conhecimento. Aliás, há a transição da aborda- Estado, é um laboratório de referência na área da
gem da inovação não na economia, não como uma saúde, é um observatório em saúde. Tem uma im-
economia do conhecimento, mas como uma econo- plantação nacional como o INESC, temos um centro
mia de aprendizagem o que é um passo acima, um de saúde pública no Porto, temos um departamen-
passo mais alto, como dizia o meu colega. to de doenças infeciosas no Sul de Portugal, em
Penso que, na área da saúde pública, pelas suas Setúbal, portanto, tem uma implantação nacional e
facetas que vão desde a resposta a emergências, tem seis departamentos técnico-científicos que vão
desde os programas de vigilância, efetividade de desde a genética humana, a alimentação e nutri-
vacinas, saúde de base populacional, os inquéri- ção, doenças infeciosas, de saúde ambiental, epide-
tos que nós fazemos à população são um grande miologia e promoção da saúde. Digamos que tenta
exemplo. Como dizia, está implícita não só haver abarcar todas estas facetas da Saúde Pública, com
esta capacidade nas pessoas, não só haver o co- a responsabilidade de ter essa missão e eu queria,
nhecimento que é mais do que informação, haver só como introdução, podemos voltar ao assunto,
uma capacidade de aprendizagem a que se devem mas só para situar que a nossa investigação não é
acrescentar as infraestruturas. E o investimento desgarrada, nem pode ser, daí que possa ser dife-
nessas infraestruturas, nós podemos considerar renciadora, justamente por isso, das outras missões,
até os regulatórios, políticas fiscais, flexibilidade das da missão de observação, da missão de referência.
organizações e é por isso que qualquer política que E quando falo em referência falo, por exemplo, da
se adote, como referiu muito bem, tem que ter em efetividade de uma vacina para a gripe. Quando falo
conta esta visão de conjunto e ela tem que ser en- de observação falo, por exemplo, nos inquéritos à
cadeada, tem que ser entrelaçada. A política setorial saúde populacional, como o Inquérito Nacional de
de inovação tem que ser muito próxima da política Saúde, com exame físico, o inquérito alimentar que,
económica. Tem que haver uma na política de edu- depois, criam um acervo de informação. Hoje, feliz-
cação, tem que haver uma na política de investiga- mente, os políticos podem formar as suas políticas
ção e tem que haver uma na política cultural. já com uma informação que há cinco anos não tí-
nhamos.
Quando se fala na questão dos serviços e dos pro-
dutos, estamos sempre a pensar no mercado como Portanto, esta ideia de haver uma investigação cien-
grande mediador e isto não é necessariamente tífica, de haver todos estes desafios, de podermos
verdade, ou não se esgota aqui a inovação nem o absorver até políticas de inovação que estejam
papel da tecnologia e da investigação na inovação. abertas a linhas de financiamento, como referi, e
A partilha de conhecimento, em rede, pode acon- o financiamento é muito importante. Temos esta
tecer fora do mercado, e há vários exemplos disso ótica, esta responsabilidade e é com esta forma, que
até, na própria Administração Pública, nas agências. formatamos a investigação científica, se é que posso
Não vou dar os exemplos sacrossantos da internet e usar este termo, mas é desta forma que informa-
do world wide web que não tiveram a mediação do mos, ou direcionamos a investigação que fazemos. E
mercado para se tornarem relevantes em termos talvez parasse por aqui, agora, para voltar aos temas

60
dos desafios na área da saúde e as suas limitações dois vetores e para satisfazer estas duas compe-
por sermos uma instituição pública, um laboratório tências.
do Estado.
Primeiro, temos que transferir o conhecimento que
Alice Vilaça – Vamos passar a palavra ao professor vamos adquirindo, ano após ano, e isto é um pro-
Luís Coelho, Professor da Escola Superior de Tec- cesso que decorre às vezes muito rapidamente, para
nologia de Setúbal. os nossos programas curriculares. Os nossos alunos
têm que, permanentemente, conhecer o que é que
Luís Coelho – É com todo o gosto que saímos da
está a ser feito de inovação. No meu caso na área da
academia e vimos aqui falar daquilo que falamos e
engenharia de inovação tecnológica e, mais ainda, o
fazemos na academia. É um papel fundamental para
que é que se prevê fazer no futuro, porque eles não
passar, como o Professor disse, da investigação para
vão trabalhar no passado, vão trabalhar no futuro. E
a inovação e depois, no final, para a contribuição do
isso adquire-se através do trabalho em investigação,
bem público.
com motivação, perceber o que é que se passa, o
Pediram-me para vir falar aqui de um projeto de- que é que está a ser desenvolvido, perceber quais
monstrador, um projeto europeu na área da energia, são as novas tendências e informar imediatamente
e, obviamente, não vou falar da parte técnica. os alunos. Este processo de investigação é muito im-
Este projeto tem como objetivo permitir reduzir o portante para tornar atuais e dinâmicas as forma-
consumo da faturação energética nas nossas casas ções nas nossas academias.
em 25% a 30%. Se o conseguirmos, estamos a contri-
buir para o bem público. Mas a questão é a seguinte: Alice Vilaça – Há uma imagem a que estamos ha-
Porque é que nós fazemos investigação e inovação bituados todos os dias, com os nossos telefones
nas nossas academias? O que é que nos motiva? e computadores, é que é preciso ir atualizando o
Podemos fazer por obrigação, o meu Presidente software porque, de um dia para o outro, ficam de-
pode dizer “tens de trabalhar naquele projeto e fazer satualizados.
um certo número de artigos”. Mas a investigação, Luís Coelho – Exatamente. E este processo de atuali-
sendo um processo criativo, precisa que estejamos zação dos programas curriculares tem dois sentidos.
motivados, não podemos ser obrigados. Nós também temos que perceber o que é que está a
Há várias razões pelas quais nos motivamos para aparecer de novo do lado de lá, dos alunos, porque
fazer investigação nas nossas instituições, mas há às vezes, estamos a falar de uma forma já desatuali-
uma que é nobre, faz parte da nossa missão como zada. É um processo dinâmico mas, para quem está
instituição pública e como funcionários públicos, nesta atividade, o que nos motiva é contribuir para o
que é servir o bem comum, o bem público. Temos desenvolvimento da nossa comunidade.
de contribuir para o desenvolvimento das nossas Outro vetor, como tinha dito, é passar todo este
comunidades de forma sustentável, comunidades a conhecimento para as instituições, para as empre-
nível nacional, regional, local a vários níveis, inclusi- sas. Já falámos de manhã que há uma dificuldade
ve, sem esquecer o espaço europeu e comunitário. e Portugal tem um indicador baixo, mas temos de
É esse gosto de vermos a nossa contribuição, por fazer este esforço e, neste caso particular, fazer
mínima que seja, ser usada para desenvolver toda este esforço com as Instituições da Administração
esta comunidade que nos motiva a trabalhar na in- Pública nacional e local. É algo que temos que pro-
vestigação e na inovação. mover para que a investigação e a inovação possam
Quais são as principais competências nas universi- resultar no bem comum, baseada em protocolos de
dades e dos institutos politécnicos? Têm duas fun- colaboração, baseada em parcerias e participando
em consórcios de projetos nacionais, de projetos in-
damentais: a competência na área pedagógica e a
ternacionais europeus, etc.
competência na área da inovação e, sendo essas as
nossas competências, é aí que devemos servir o bem Mas essa potencialidade está a ser aproveitada e
comum. Podemos estar a fazer investigação muito há muitos exemplos, porque temos ali “a realida-
interessante, podemos publicar muitos papers para de atrás dos mitos” e a realidade até é melhor do
os podemos apresentar em conferências, mas isso que nós pensamos. Há alguns mitos que obscuram
não chega, temos que passar esse trabalho, os re- esta realidade. Vamos acabar por perceber que, na
sultados desse trabalho, para o exterior, através de verdade, estamos a colaborar bastante com institui-

61
ções, estamos a conseguir levar esses conhecimen- Mas a origem, a semente de tudo isto nasceu de
tos às instituições, mas temos que fazer mais. É um uma coisa tão simples como alunos, com diferentes
processo muito dinâmico e não podemos pensar bases ou de diferentes áreas da Universidade, junta-
que já está tudo em velocidade de cruzeiro porque ram-se, enviaram uma ideia, outros agarraram-na e,
não há velocidade de cruzeiro na investigação nem depois, foi havendo um conjunto de situações que
na inovação e nós estamos aqui para tentar colabo- permitiram que a Science4you, seja hoje o maior
rar nesse bem público, nesse bem comum. fabricante nacional de brinquedos, com vendas
em mais de 40 países e superiores a 20 milhões de
Alice Vilaça – Vamos passar a palavra ao Tiago Ca-
euros.
vaco Alves, Vice-Presidente da Science4you.
Ligando aqui com o título do Congresso, “a realida-
Tiago Cavaco Alves – Para começar, investigação e
de por trás de mitos e barreiras”, devemos mesmo
inovação são duas palavras que ouvimos em todo
quebrar três mitos na inovação pública. O primei-
o lado e que soam bem em qualquer discurso, em
ro mito é que as temáticas da inovação no setor
qualquer powerpoint, caro ou barato, feito por algum
público, são sempre coisas importantíssimas, mas
consultor, mas vou dizer o que é que para mim signi-
para a saúde, para a educação. Gostaria de pergun-
fica investigação e inovação. Entendo a investigação
tar se algum dos senhores aqui presentes acharia
um pouco na lógica da cadeia de valor, investigação
que, do setor público, partiria de uma inovação que
pensando que é tudo aquilo que se faz, se calhar,
daria origem a brinquedos? Alguém se lembraria?
dentro de algum gabinete, para criar algo e a inova-
ção é quando esse algo se transforma em algo apli- Alice Vilaça – Quando se pensa em investigação,
cável, com aplicabilidade. inovação, não é a 1ª coisa que nos vem à cabeça!
Penso que foi isso que aconteceu com a Scien- Tiago Cavaco Alves – De certeza que não, brinque-
ce4you. O modo como a Science4you nasceu de dos! Portanto, sempre que alguém tem uma ideia,
uma inovação no setor público, foi de uma parceria em qualquer grupo de trabalho, sobre uma temática
relativamente simples, incipiente, entre o ISCTE e a e que pensa que aquela ideia não vai ter aprovação,
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, isto não vai avançar, lembrem-se que, uma vez, deu
em que os alunos da Faculdade de Ciências, como brinquedos.
parte de um projeto de uma cadeia de aplicabilida-
A segunda tem a ver com a complexidade ou, neste
de empresarial, teriam de fornecer aos colegas do
caso, com a falta dela. Tão simples como kits de física
ISCTE de gestão e de finanças, ideias relativamente
para vender nas escolas, e daqui evoluiu-se para kits
disruptivas e de base científica, para que eles pu-
científicos, saiu-se das escolas, e foi-se para o retalho,
dessem criar um negócio, um business plan à volta
para os supermercados, foi-se para a FNAC, para o
dessas ideias.
Toys Are Us, foi-se para o Carrefour e chegou-se a
Um dos papelinhos dizia “kits de Física para vender mais de 40 países, e chegou-se a uma empresa que,
nas escolas” ou “kits de física para vender no retalho”. dez anos depois, é reconhecida por boas razões, por
E deste papelinho que chegou às mãos do grupo de razões que têm a ver com tudo aquilo que fez.
trabalho do ISCTE, nasce o primeiro business plan da
A terceira é a rentabilidade. É um projeto rentável,
Science4you. O projeto correu bem, teve uma nota
a Science4you tem resultados positivos. A partir do
boa, houve alguns professores que se interessaram
segundo ano, a Science4you, tem tido um investi-
e que contribuíram, não só com a sua influência, mas
mento forte, tem resultados positivos, com lucros, e
também com o seu dinheiro. Hoje a Science4you tem
é hoje uma empresa saudável a nível lucrativo. Nos
bastantes acionistas, seis ou sete são professores do
próximos dias vamos ter notícias sobre o fecho do
ISCTE e professores da Faculdade de Ciências que,
trimestre que vão dar bem conta disso. Como dizia
na altura, investiram 250 ou 500 euros e ajudaram
o Professor, um bem público a dar lucro, a transfor-
o grupo fundador a criar a empresa. Houve também
mar, o que se cria no setor público e a entregá-lo,
apoio público, da Portugal Ventures que é um fundo
em parceria, com privados e, no final do dia, a dar di-
de capital de risco público e que foi o primeiro inves-
nheiro. Isto é bom, na minha opinião, naturalmente.
tidor na Science4you. Hoje temos um Banco Privado
e temos também o Banco Europeu de Investimento. O bem público é muito importante, mas o mito ou
a barreira é que não pensemos apenas em coisas

62
do tal bem público deste arco social da saúde e da investimento direto àquilo que são os problemas,
educação, pensemos em coisas de que as pessoas as realidades concretas do território da Serra da
realmente precisem e em coisas que tenham um ob- Estrela, que é composto por nove municípios.
jetivo final de dar dinheiro, porque assim consegui-
Portanto, estamos a falar de algo, que ainda não é
mos trazer mais gente para dentro. Porque, chegar
muito visível, mas que já é uma realidade importan-
ao pé de alguém e dizer, “vamos fazer alguma coisa
te da forma de transferência de conhecimento muito
para o bem público” é bom, é bonito e também fun-
significativa, que sai da academia, num território
ciona, mas dizer que “vamos fazer alguma coisa para
que é um território de baixa densidade, com proble-
o bem público”, como eu acho sinceramente que a
mas de interioridade significativos que, aqui Lisboa
Science4you faz, ao levar a ciência aos mais peque-
muitas vezes não se apercebem, mas que existem e
nos, mas que também vai dar dinheiro e rentabilizar
são muito reais. Estamos a falar de um projeto que,
o investimento, foi também o que convenceu pro-
só nos últimos dois anos, criou dez postos de tra-
fessores a investir, a Portugal Ventures a investir,
balho diretos, num território com tantos problemas
bancos a investirem e outros parceiros também a
de baixa densidade, de perda demográfica, com pro-
investir. Portanto, estes três mitos, o mito da temáti-
blemas de envelhecimento e que cria dez postos de
ca, o mito da complexidade/simplicidade e o mito da
trabalho diretos, sem contar com os indiretos, pare-
rentabilidade, foram três mitos que a Science4you
ce-me este exemplo, per si, um grande exemplo para
ajudou a quebrar, em relação àquilo que pode sair
se poder discutir.
do setor público. É a principal mensagem inicial que
podemos depois detalhar. Alice Vilaça – Passo a palavra ao professor José
Manuel Mendonça
Alice Vilaça – A Science4you, por si só, é uma respos-
ta à pergunta inicial. É muito fácil perceber que a tal José Manuel Mendonça – Telegraficamente, porque
investigação que foi feita dentro das quatro paredes o debate é muito interessante. O exemplo que dei
está agora nas lojas, nos corredores dos shoppings, da administração autárquica tem a ver com as áreas
nas escolas e nas nossas casas. Vou deixar o Tiago metropolitanas, do urbanismo, do sistema de geor-
Cavaco Alves excluído da próxima ronda, porque a referenciação que permite aos cidadãos fazer con-
Science4you, por si só, é um exemplo. sultas online do PDM, por exemplo, da Câmara do
Porto e da Maia.
Pretendia que nos dessem um exemplo que seja
fácil de percebermos, e se for da Administração Agora, vou mudar radicalmente para o grande con-
Pública tanto melhor porque o Congresso é da curso das concessões de energia eólica que, jun-
Administração Pública, de projetos ou ideias que tamente com as outras renováveis, transformou
se lembrem, que estejam concretizadas neste Portugal num país líder, a nível mundial, sendo um
momento e que tenham saído das academias, que record do mundo em produção de energia elétrica
tenham tido a aplicação prática e que, de alguma de quatro dias seguidos, só com renováveis que são
forma, no nosso dia a dia e sem nós nos aperceber- 65% da eletricidade produzida. Isto foi feito também
mos, são fruto de uma investigação da academia. com a universidade, com os seus investigadores a
Podemos começar pelo Emanuel Castro. presidirem a um concurso de concessão de energia
eólica, que teve 500 reclamações dos maiores in-
Emanuel Castro – Dando um exemplo em que nos
cumbentes do mundo e nenhuma foi para tribu-
possamos reconhecer que é o próprio projeto que
nal, nenhuma foi para a imprensa. Porquê? Porque
aqui represento e que é um exemplo claro dessa
houve competência científica e técnica e indepen-
relação, que saiu da academia e que está hoje no
dência e também foi uma ajuda à política pública.
terreno. Enquanto ouvia os colegas de painel, estive
aqui a fazer algumas contas rápidas e posso-lhes Em terceiro lugar, como disse e muito bem, há
dizer que, só em termos deste projeto que saiu de áreas cruciais e a da saúde pública é uma delas, a
uma ideia incipiente da academia, aliás, saiu duma energia, as comunicações, o ambiente. Estou ligado
conversa inicial, depois transformou-se numa in- a um projeto novo, a um laboratório colaborativo
vestigação mais desenvolvida, já estamos a falar de ligado à gestão integrada da floresta e dos fogos. O
quatro anos, mas é um projeto que, só este ano, tem knowhow está dividido por várias universidades, po-
um investimento, entre público e privado, de quase litécnicos, fragmentado em grupos pequenos e isso
meio milhão de euros. E meio milhão de euros de torna-o incapaz de ter um impacto. Este laboratório

63
colaborativo tem as maiores empresas florestais, as de investimento que é completamente diferente do
empresas energéticas, que estão preocupadas com padrão que existia há dez ou vinte anos.
os fogos obviamente, e toda a capacidade científi-
Alice Vilaça – Vamos ouvir o Professor José Maria
ca nacional. Há aqui uma coisa muito interessante:
Albuquerque.
o interesse público é privado e o interesse privado
é público, sendo que a floresta é um dos maiores José Maria Albuquerque – Vou deitar um pouco
ativos do país e, se for bem gerida, tem um valor de água fria nos vossos entusiasmos, só por uma
acrescentado nacional muito grande. Neste caso, a questão: porque temos que distinguir aquilo que
matéria-prima e os processos tudo é made in Por- são exemplos, como o professor deu, e o que o
tugal, mais vale fazer isso do que importar madeira colega de painel da Science4you acabou de exempli-
da África do Sul e as grandes empresas importam ficar eloquentemente, e que são spin-offs, isto é, são
madeira à razão de dois ou três grandes navios por ideias que são maturadas com toda uma capacidade
semana. E, por outro lado, o interesse público tem tecnológica, com uma capacidade de aprendizagem,
a ver com os fogos. Há aqui um interesse público e mas depois vão à vida. E essa vida é testada entre
privado, tudo misturado e ao mesmo tempo. todos, gostei muito que o colega de painel tivesse
Já vimos que a Science4you é um exemplo brilhante dito “teve uma boa nota”. Nunca dirá isto numa
made in Portugal que se internacionalizou e que saiu reunião de potenciais stakeholders, mas isto é muito
da universidade pública. Eu diria, sei que estou a ser interessante, porque houve professores elucidados,
atrevido, que não conheço nenhuma startup tecno- o INESC tem esta fertilização cruzada com a univer-
lógica, de dimensão internacional que não tenha sidade. Sou engenheiro e posso saber sobre esta
saído da universidade pública, não saiu de nenhum experiência feita na área geral das tecnologias e ma-
grupo empresarial, não saiu dos Mello, não saiu da teriais que tem professores sábios que validam uma
Sonae, saíram todas de universidades, e há dois ou boa ideia e dão uma boa nota.
três exemplos, para além dos que disse. E digo um balde de água fria, no sentido de nos re-
Por exemplo, o Chipidea, do Instituto Superior centrarmos um pouco na perspetiva do instituto
Técnico, teve um êxito de mais de 100 milhões de público que aqui estou a representar, de um labora-
euros, não só para os founders, mas também para tório estratégico no âmbito nacional e que tem uma
a banca nacional que investiu. A Feedzai, que neste série de pesos e contrapesos inerentes. Vou dar dois
momento é um unicórnio e que saiu da Universida- exemplos, que circunscrevem um pouco dois exem-
de de Coimbra, que que faz software de deteção de plos do que eu, que tenho a área da responsabilida-
fraude bancária. Ora, Portugal não é um país fantás- de e da investigação e inovação, poderia fazer. Nós
tico nas finanças, nem na bolsa, mas o software é tivemos o apoio do COHITEC para desenvolver uma
de nível mundial. A Debian, que faz redes vinculares, ideia na área da espectroscopia de massa que já não
redes de wireless que são transportadas pelos táxis é sequer tratar do DNA de uma proteína, mas um
e pelos autocarros e que levam a internet a todo marcador, um sinalizador potencial da doença de
o lado, começou com os táxis e os autocarros da Parkinson.
cidade do Porto e agora está em Nova Iorque e Sin-
E correu tudo muito bem, houve treino das nossas
gapura. Isto são exemplos de como é que a ciência
equipas para acompanhar o processo do COHITEC,
das universidades públicas se transforma em negó-
com fundos públicos e, a determinada altura, num
cios de escala internacional e mundial.
diálogo com a tutela, dizíamos “nós vamos fazer isto,
Finalmente, só para terminar, se não houvesse essa está-se mesmo a ver que vai dar uma coisa que é
capacidade, o investimento estrangeiro continuaria a uma spin-off, incubar aqui uma ideia, que depois faz
ser investimento em mão de obra barata, como dizia a vida dela”. Mas, de repente, há uma pergunta que
o engenheiro Belmiro de Azevedo, “para comprar devíamos ter feito, perfeitamente legítima e que é a
mão de obra ao minuto” e esse investimento estran- seguinte: “Os senhores têm que ter um regulamento
geiro está a fazer centros de engenharia e centros de de propriedade intelectual?”. Tivemos de fazer um
investigação em Portugal. E grandes empresas euro- regulamento de propriedade intelectual que teve
peias, sobretudo, mas também internacionais, estão de ser aprovado pela tutela. São coisas inerentes,
neste momento a instalar-se em Portugal, gerando não podia fazer outra coisa porque, obviamente, há
milhares de empregos qualificados, com um padrão um custo de oportunidade. Mas, com isto tudo, o

64
COHITEC mudou relativamente as regras e deixou de ter a máquina para poder fazer os ensaios. E, por-
ter o financiamento semente. Depois dissemos, nós tanto, isto é uma situação que deve obviamente
vamos ajudá-los a fazer a ponte com investidores, preocupar-nos.
eventualmente públicos ou semipúblicos, parcerias,
Agora uma nota feliz. Como já disse, desde 1953, o
etc. mas vocês têm de fazer um plano de negócios.
Instituto Ricardo Jorge é um laboratório de referên-
E, portanto, há uma nova aprendizagem. Como é cia da gripe e conseguimos criar uma plataforma que
que, equipas que estão assoberbados com outras é INSaFLU (INSide the FLU), uma plataforma gratuita,
tarefas, têm que aprender a fazer um plano de ne- bioinformática, online e gratuita, que foi criada para
gócios para poder apresentar a investidores? Nessa processar os dados primários da sequenciação de
primeira interação isto já aconteceu, a determinada nova geração, do genoma completo do vírus. Já se
altura, isto diz muito, não só da minha instituição consegue fazer com as pessoas mas, como sabem,
mas com muitas associações públicas e algumas, os vírus circulam de maneira diferente de época
sobretudo laboratórios do Estado, que continuam a para época. Portanto, é bom que nós antecipemos,
não ser avaliados, que têm um certo handicap em porque daí, obviamente, vai depender a melhoria e
relação a financiamentos do Estado em sede, por qual a vacina que o Estado vai adquirir para a época
exemplo, do Compete ou da própria FCT e há linhas gripal que aconteceu no hemisfério sul, na época an-
de financiamento dos planos operacionais para ins- terior.
tituições que tenham unidades de investigação ava- Esta plataforma foi criada com alguns inputs da uni-
liadas com excelente ou mais. Nós não podemos ter versidade, é uma plataforma que é gratuita e que
uma unidade de investigação porque somos um la- não vai ser paga, que é disponibilizada apenas há 6
boratório do Estado. Ninguém abre linhas de finan- meses e já tem 60 instituições, entre institutos na-
ciamento para laboratórios do Estado. Isto são as cionais de saúde congéneres e instituições de inves-
nossas dificuldades no dia a dia. tigação, que usam esta ferramenta bioinformática.
O que acontece é que temos recursos, temos um Tudo isto é disponibilizado gratuitamente. E acho
help cluster que se disponibiliza, que diz “nós aju- que deve continuar a ser gratuita.
damos a vossa equipa a poder fazer um modelo de A dificuldade que tenho, vindo de um laboratório do
negócio” e tudo isto é um desafio, é uma ciência em Estado, é a de sensibilizar as tutelas, mas também
si. É um exemplo de “empatanço”, para simplificar, os nossos parceiros da Administração Pública. Se o
não me levem a mal, porque isto é, legítimo e mui- INIES nos conseguisse arranjar um algoritmo que
tíssimo importante. Tem é de ser à prova de bala, quantificasse estes intangíveis, só para quantificar o
porque como é uma instituição pública, o diálogo valor da plataforma, daqui a quatro meses, quando
com a tutela tem de ser muito prudente, porque forem 160 instituições no mundo a consultar uma
está em causa a saúde pública, tudo isto é da maior plataforma que foi criada em Portugal, no Instituto
seriedade e tem estes ingredientes, estes diálogos Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, quanto é
um pouco “emperrados”. que isto vale?
Alice Vilaça – O que é que aconteceu a esse projeto? Está estritamente na nossa missão a proteção dos
José Maria Albuquerque – Neste momento, o pro- riscos de saúde pública, portanto, isto é uma evidên-
jeto ainda está numa fase de tentar cativar, porque cia mais tecnológica do que era em 1953. Nós somos
uma das respostas de um dos grandes investidores, o laboratório de referência do vírus da gripe, mas
que até é um conhecido industrial, dizia a “ciência qual o impacto económico, se se compra este lote,
é excelente.” Após as negociações, numa conversa aquela estirpe, se se vai escolher este tipo ou outra
de café no INETI, nem ele sabia que eu era o res- estirpe, para desenhar a vacina e todas as caracte-
ponsável do Instituto Ricardo Jorge, disse “a ciência rísticas genéticas que lhe estão associadas, a maior
era fantástica, mas o que eles queriam, era equipar ou menor virulência. E isto tem um valor económico,
o laboratório”. Eu senti isto quase como uma ofensa, basta vermos qual é o valor económico das pessoas
não por ele, mas como que uma ofensa histórica. estarem doentes até na nossa a própria Administra-
“Vamos ter o laboratório equipado”, transparecia do ção Pública.
olhar das minhas investigadoras quando estavam a Esta é a nossa dificuldade. Quando vamos para o
fazer a apresentação do projeto. Elas queriam muito mercado, esse valor está estabelecido pelas regras

65
do próprio mercado. Quando não se vai, e acho que desenvolvimento tecnológico, tivemos no consór-
não se deve ir neste caso que eu dou agora como cio empresas que desenvolveram novas bombas
exemplo, seria muito útil que nós tivéssemos o de- de calor adaptadas para o nosso mercado, fizemos
sassombro de alocarmos um valor, um valor finan- cursos de formação, seminários, recebemos em-
ceiro, quanto é que isto custou? Devo dizer que foi presas e o projeto, que se iniciou em 2004, foi pro-
um valor marginal, no sentido em que tivemos que gredindo. E, neste momento, estamos, ou estão a
integrar numa carreira decente a pessoa que fazia fazer uma aplicação, que é um caso de estudo, em
esta investigação que era um técnico superior, que Loulé, na Quinta da Umbria, num campo de golfe
fez o doutoramento e conseguimos, num concurso com Hotel, o Club House, com várias vivendas e uma
público, integrá-la. São estas as dificuldades que nós aplicação enorme desta nova tecnologia. Mas foi um
temos e é bom que tenhamos essa sensibilidade. caminho que foi percorrido, um caminho longo e
que teve origem numa investigação feita na acade-
Alice Vilaça – Vamos ouvir o professor Luís Coelho,
mia, que passou para a inovação no contacto com
com um exemplo concreto. Não sei se quer voltar
as empresas, na preparação dos projetistas e na
a falar do projeto que falou há pouco?
criação do mercado.
Luís Coelho – Vou dar o exemplo de outro projec-
E agora está no mercado, de tal maneira que a le-
to, ou de outros projetos em que colaborei, relati-
gislação, relativamente aos recursos geotérmicos,
vamente à forma como nós aquecemos e arrefece-
não englobava esta tecnologia e teve que se adaptar
mos os nossos equipamentos. Há uns anos atrás, foi
a esta nova aplicação. Neste momento, está em
identificado que havia uma tecnologia muito usada
discussão, na Assembleia da República, um novo
nos países frios do Norte da Europa, Suíça, Suécia,
projeto de Decreto-Lei, para alargar a legislação de
que eram bombas de calor geotérmicas, aqui não in-
modo a enquadrar facilmente esta nova tecnologia.
teressa o pormenor técnico, mas é uma alternativa
Portanto, isto partiu da Academia, da investigação
aos nossos sistemas de ar condicionado. E foi iden-
e inovação, chegou ao mercado, criaram-se leis es-
tificado pela Comissão Europeia que, com algumas
pecíficas, para podemos enquadrar, para que se
adaptações, essa tecnologia podia ser trazida para
chegue a esse bem comum, para que se crie valor
os países do Sul da Europa, que têm uma exigência
acrescentado.
diferente, por exemplo, arrefecer etc. Como é que a
Comissão Europeia pensou, qual é que será o meca- Alice Vilaça – É preciso trabalhar sem fronteiras,
nismo que possa levar esta tecnologia a chegar ao como diz o tema deste Congresso? Há pouco al-
mercado do sul da europa? O mecanismo é através guém falava de sair dos muros, de colaborações.
da investigação e da inovação e promoveu finan- É esse o caminho, para se obter melhores resul-
ciamento para projetos nesta área. Houve um call tados? Começava pelo Tiago, que ficou de fora na
para apresentar propostas em projetos de energia última ronda.
geotérmica, nós concorremos e tivemos um projeto
Tiago Cavaco Alves – É muito difícil dizer, depende
aprovado.
muito das temáticas, e não estou à vontade para
Em Portugal, apesar de ser uma tecnologia conheci- falar de algumas temáticas, mais complexas ou es-
da, não era aplicável, mas havia muita curiosidade. pecíficas. No caso empresarial e excetuando empre-
Faltava quem concebesse as instalações, não havia sas ou negócios, mais pequenos ou de serviços, qual-
esse conhecimento dos projetistas. Tivemos que quer empresa, projeto, ideia que nasça, deve nascer
preparar essa informação. Faltava conhecimento com o mundo como seu mercado. No mínimo dos
dos instaladores. Não havia instaladores que tives- mínimos, a Ibéria, muito razoavelmente, a Europa, e
sem conhecimento para instalar este tipo de equi- depois o Mundo ou, pelo menos, os países de língua
pamentos e tivemos que preparar também essa portuguesa e os países de língua espanhola.
formação para instaladores. Faltava também criar
No nosso caso é uma questão mais comercial, mas
mercado, o público, as instituições a estarem des-
num caso de investigação mais pura e dura, entendo
pertas para esta alternativa convencendo-as que “se
que as colaborações são muito normais. Em Portu-
optar por ela vou poupar na faturação energética”.
gal está-se a avançar num determinado sentido em
Tivemos que disseminar informação, comunicar in- que se estão a avançar, ao mesmo tempo, e, às
formação e promover o mercado. Tudo através de vezes sem conhecimento, outros parceiros no exte-

66
rior. Desde que se consiga um protocolo de colabo- guiu responder às nossas exigências” e nós ficamos
ração que faça sentido, apesar de sermos um país um bocadinho aflitos, entregámos aquilo, mas afinal
pequeno e as relações de força serem diferentes. não serviu de nada, porque não conseguimos, com
Nós sentimos muito isso também na Science4you aquele estudo produzir o tal tanque, a tal válvula de
quando vamos negociar com um grande distribui- que não sabia a dimensão. Estabelecer no início da
dor alemão, somos os pequeninos a tentar vender colaboração o domínio de atuação é muito impor-
a um grande alemão ou um laboratório português, tante e, às vezes, essa é a principal barreira, mas há
pequenino, a querer fazer uma parceria com um outra.
laboratório grande Alemão e, por vezes, as condi-
Às vezes há outros mitos como “mas vocês têm
ções não são favoráveis a que essas colaborações
muita mão de obra nas academias, têm alunos que
existam. Talvez o desafio seja que é bom colaborar,
fazem trabalhos de final de curso, juntam dois ou
internacionalizar e esquecer as fronteiras políticas.
três alunos, eles fazem o projeto”. Isto é uma ideia
A questão é conseguirmos chegar às condições que
errada. Os alunos estão lá para aprender, para
são desejadas para que o outcome faça sentido, e
serem informados. O balanço final na transferên-
não apenas colaborar por colaborar.
cia de conhecimento é sempre do professor ou da
Alice Vilaça – Passo a palavra ao Professor Luís academia para o aluno, ou seja, aquele trabalho do
Coelho. aluno é muito importante, mas nós perdemos mais
Luís Coelho – Há aqui uma barreira muito impor- tempo a formar um aluno para ele produzir um
tante que acaba por dificultar esta transferência de projeto, do que nós estarmos a trabalhar sozinhos.
conhecimento da academia para as empresas, que Mas esta realidade não passa para as empresas que
é conseguirmos saber qual é o papel de atuação de pensam que, com aquele volume de trabalho que
cada instituição e conseguirmos ter uma linguagem têm, com aquele potencial de mão de obra, podem
comum. Eu dou um exemplo, neste último projeto fazer perfeitamente este trabalho em dois meses. E
em que estamos a trabalhar, o Tess2B e, já agora, não conseguimos. Portanto, estabelecer quais são
aproveito para convidar toda a gente a visitar o as regras de atuação, dos domínios de atuação é
website, http://www.tesse2b.eu/ de modo a transfe- fundamental, caso contrário, criam-se as tais barrei-
rir esse conhecimento. ras e, para a próxima, a empresa já não vai contratar
aquela instituição, porque lhe deu uma válvula de
Mas a dificuldade reside em desenvolvermos uma 21.9 mm que não existe no mercado.
tecnologia, por exemplo, de um tanque que arma-
zena energia térmica. Tivemos de fazer muita inves- Alice Vilaça – José Maria Albuquerque, para além
tigação para preparar esse tanque e, depois, vem de percebermos qual é o caminho, acha que tam-
uma empresa que diz: quero construir esse tanque bém é preciso comunicar melhor?
e faça-me o projeto para o construir. Tenho logo José Maria Albuquerque – Vou responder de duas
uma dificuldade: a minha especialidade é a nível da maneiras. Primeiro, vou responder à primeira per-
investigação, a nível da inovação, não a nível da con- gunta e depois à segunda que é outra.
ceção. Mas as empresas e instituições pensam que
Uma das missões que o Instituto Ricardo Jorge tem
nós conseguimos desenhar toda a linha da conceção
é a divulgação da cultura científica o que é muito
e não conseguimos. Por exemplo, sei que o tanque
dúbio porque, muitas vezes, os meus investigadores
tem que ter uma válvula para controlar a água e que,
vão apresentar um poster e dizem que estão a fazer
pelos meus cálculos, tem que ter um diâmetro de
divulgação de cultura científica. Mas não estão, estão
21,9 mm, mas isso não existe no mercado, nem sei
a fazer um processo inerente à ciência que é parti-
quais são as dimensões de mercado. Não é essa a
lhar o conhecimento, discutir resultados, com erros
minha base de trabalho.
e conclusões. A divulgação da cultura científica e a
Portanto, as empresas têm que perceber até onde comunicação como está a propor é uma necessida-
é que as academias podem ir e não podem exigir de cada vez maior das instituições públicas e, aliás,
mais do que isso e que elas têm que começar a da Administração Pública. No nosso caso, em par-
partir daí. E, às vezes, essa definição de fronteiras é ticular, que até temos isto como uma missão e sei
difícil de definir, há um intervalo que é uma “terra de que estou a falar com uma jornalista e não me vou
ninguém” e depois dizem, “a academia não conse- esquecer disso, a ideia era eliminarmos o mediador,

67
deixar de haver jornalistas. Haver um cientista que volvido na unidade de missão do primeiro plano tec-
consiga fazer um diálogo com uma linguagem sim- nológico do XVII Governo Constitucional, e um dos
plificada e comunicá-la sem comprometer a questão problemas era convencer as pessoas que a inovação
do rigor científico nessa comunicação, que tem de não é propriamente um remédio linear. Falávamos
ser eficaz para um público lato. com os nossos investigadores que diziam, tivemos
ideias excelentes e ninguém as aproveita. Mas não
Isto não é novo, é um desafio. Temos exemplos enor-
vão nunca aproveitar porque ninguém está aqui para
mes, como o de Stephen Hawking, do Sagan e de
ter ideias, está para ter ideias em diálogo, ou como
outros, até de prémios Nobel, que tiveram uma gran-
uma necessidade, ou como uma adesão a uma no-
de preocupação em comunicar. O Richard Feynman
vidade ou criar um mercado lúdico na área da inves-
ficou famoso numa alocução televisiva em que, e era
tigação.
o prémio Nobel de Física, que tinha ganho o prémio
Nobel em semicondutores de alta temperatura e no E, portanto, nós temos que ter o máximo de inte-
mecanismo da super condução eletrónica, explicou rações possível, como falávamos agora, não é só a
o que tinha acontecido ao vaivém naquele desastre universidade versus as empresas. Hoje já temos fe-
trágico, em que morreram todos os ocupantes. Por- lizmente um quadro que já tem características sisté-
tanto, isto é um desafio, e a comunicação é muito micas de um sistema de inovação, temos os centros
importante. tecnológicos setoriais, temos clusters que abordam
e conjugam financiadores, instituições de investi-
Comunicar ciência, e agora ainda mais, comunicar o
gação, users nos hospitais, no caso da saúde. Nós
risco, é muito importante para um Instituto Nacional
hoje temos, de facto, uma rede e interessa termos
de Saúde e nós conseguimos ter essa componente,
cada vez mais instrumentos para mapear essa rede.
temos feito esse esforço, até o esforço de comuni-
Fui o autor desse plano tecnológico e do mapa dos
car, por exemplo, os riscos globais das alterações
atores da inovação, e chamei exatamente isto, mapa
climáticas ou das toxinfeções alimentares. Porque
dos atores inovação. Isto em 2005 e lembro-me que
vai ser uma necessidade cada vez mais importante
havia académicos que diziam, porque é que lhe
a questão de segurança alimentar, não é só a barra chama mapa e quadro, porque é que não lhe chama
security mas a safety do que nós ingerimos, sendo sistema. Porque, aqui não há nenhum sistema. Na
muito importante que nós tenhamos uma maneira saúde há sistema, há o sistema financeiro, mas o
de dialogar com um público lato. sistema de inovação e investigação não é sistema,
No meu departamento de alimentação e nutrição, ainda.
que tem todos os pergaminhos científicos e até um Decorreram 13 anos e muita coisa aconteceu feliz-
centro colaborativo de que sou co-coordenador, que mente, mas havia quase um “pôr o carro à frente
pertence à OMS Europa para a área da nutrição e da dos bois” ao falar do sistema que vai existir, mas
obesidade infantil teve, até há cerca de três meses, ainda não existia. Lembro-me de escrever um artigo
uma pequena rúbrica na revista Maria, passo a pu- num jornal em que me surpreendia como é que nós
blicidade, que foi muito útil. Isso significa que temos nos considerávamos o primeiro produtor de cortiça
os nossos colaboradores a fazerem um esforço de do mundo e não havia uma iniciativa privada a dizer
comunicação para poderem transmitir recomen- “temos que ter o genoma completo do sobreiro”
dações sobre os teores nutricionais dos alimentos, quando nessa altura, em 2005, já um dos objetivos
de tudo o que nos preocupa, as infeções, os riscos da Austrália era ter o genoma completo do eucalip-
inerentes à alimentação e isto é uma situação que to, pelo seu impacto económico.
uma Instituição do Estado, até com uma chancela de
Alice Vilaça – Isto é falta de colaboração, a existên-
uma área setorial da governação, tem a obrigação
cia de muitos muros?
de fazer, porque está em jogo o interesse público.
José Manuel Mendonça – Não resisto a voltar atrás
Alice Vilaça – Perguntava se o caminho é, sair de
para abordar três coisas, telegraficamente. As difi-
muros, com comunicações?
culdades e os desafios do sistema público, porque
José Maria Albuquerque – Esse é o melhor caminho sou professor universitário e estou num sistema
e é inerente a um paradigma novo, de inovação público, são a rigidez burocrática, o tempo de res-
aberta. O INESC é disso um exemplo. Não podemos posta das instituições públicas, que é algo muito difí-
cair nalguns modelos como, por exemplo, estive en- cil de mudar e a escassez e dificuldades de financia-

68
mento para startups, quer sejam públicas ou priva- muito próximo, nós exportamos menos pares que
das. A Portugal Ventures investiu na Science4you, os espanhóis, mas ganhamos mais dinheiro.
muito bem, mas a Portugal Ventures teve várias Alice Vilaça – Esta manhã ouvimos o representante
vidas, várias fases e vários fundos, por exemplo, da indústria do calçado dizer que foi no momento
infelizmente no ano passado investiu a “fantástica” de crise que encontraram o caminho para crescer.
quantia de quatro ou cinco milhões de euros o que é
completamente ridículo, um desastre completo. José Manuel Mendonça – Eu voltaria àquilo que
disse há pouco sobre o investimento estrangeiro e
O peso da burocracia, os constrangimentos que os a capacidade de exportar, se quisermos, engenharia
laboratórios do Estado e as universidades têm, e que e investigação. Portugal é capaz de exportar enge-
é aliviado um pouco com este modelo como tem o nharia e investigação, para além de exportar pro-
INESC, instituições privadas sem fins lucrativos, con- dutos de alto valor acrescentado, em vez de vender
troladas pela máquina pública, conseguem arranjar muitos. E tem que se fazer isso porque os nossos sa-
financiamentos públicos ou privados, o que alivia lários já não conseguem competir, obviamente, com
um pouco esses constrangimentos, embora tenham os salários da Ásia e de outros países da América do
que seguir o código da contratação pública. Sul. Portanto, este problema leva o país a subir nas
Felizmente, o senhor Ministro conseguiu, há uns cadeias de valor.
dois ou três meses com o senhor Primeiro-Ministro, Terceira questão: comunicação de ciência. A perce-
aliviar o código da contratação pública para as uni- ção da sociedade é muito importante e acho que
versidades-fundação e para a investigação porque, há um mix de investigadores e de profissionais a
antigamente, era um terror e fazia com que as insti- fazerem isso, acho que os jornalistas de ciência são
tuições tivessem de ter mais contabilistas, auditores muito necessários, são cada vez mais necessários
e advogados do que investigadores. e há investigadores que são cruciais. Porque há in-
E, finalmente, a dificuldade da avaliação e da meri- vestigadores, como o Manuel Sobrinho Simões, que
tocracia como recompensa que é muito difícil nos são capazes de explicar mas há outros que não os
sistemas públicos. Isto são constrangimentos que coloquem à frente de uma câmara de televisão, nem
têm que ser arrumados, combatidos no dia a dia, a falar com uma empresa, porque vão arruinar a
com tempo, com perseverança e que, eventualmen- reputação da universidade e da ciência. Portanto, é
te, ajudarão a transformar a Administração Pública. preciso perceber que eles são excelentes no labo-
Porque, a minha teoria é que, gestor público ou ratório, fantásticos, brilhantes, geniais, mas não os
gestor privado, depende da pessoa e há péssimos ponham a comunicar, arranjem um tradutor, que
gestores privados e excelentes gestores públicos. pode ser um colega ou pode ser um jornalista.
Este maniqueísmo é uma completa idiotice. Alice Vilaça – Tinha perguntado se o caminho para
Segunda questão, a internacionalização. A ciência foi termos melhores resultados, era a tal abolição das
o primeiro setor em Portugal que se internaciona- fronteiras, se é “sair dos muros” porque, há pouco
lizou, a sério, nos anos 80. Depois, vieram as PME, quando falava daquele exemplo da floresta, falava
algumas empresas e as grandes empresas que que havia várias “faces” em campo…
agora estão privatizadas como a Altice e a EDP que José Manuel Mendonça – É o sair dos muros, é o
eram “monstros paquidermes” em termos de ino- rebentar das fronteiras, são as redes, é a mundializa-
vação e investigação. Era preciso levá-los pela mão, ção é pensar “alguém já deve ter tido este problema,
ao colo, para projetos europeus. Obviamente que tentado resolver, alguém já deve ter conseguido,
a pressão da crise fez com que as nossas exporta- alguém já gastou muito dinheiro para o resolver”.
ções disparassem para 40% do PIB e há quem diga Antes de nos precipitarmos a reinventar a roda,
que, num país como o nosso, devia ter quase 60% devemos fazer um benchmarking internacional para
do PIB de exportações e, mais do que isso, o valor ver o que é que se já fez. Na saúde pública existe,
das exportações melhorou e Portugal é o segundo, mas há áreas em que não existe, em que não é fácil.
a nível europeu, na área do calçado. O valor médio, Nos incêndios florestais, o problema não é só nosso,
por par, exportado aproximou-se muitos do dos ita- como se viu este ano, não é um problema só do Me-
lianos. Antigamente havia um défice brutal por uma diterrâneo, é um problema de clima, um problema
questão de imagem, de marcas, etc. e, agora está meteorológico. Na Suécia, onde nunca há incêndios,

69
houve incêndios terríveis agora. No Sul de França, momento, temos já 140 Geoparques mundiais da
na Austrália, no Chile, todos têm este problema e UNESCO em todo o mundo, distribuídos por 38
é preciso aprender com quem já investiu milhões, países e isso requer, obviamente, um permanente
aprender com as boas práticas. trabalho em rede com todos estes stakeholders, com
Conheço o Tiago Oliveira que é o responsável pela estes agentes mas, também, um trabalho em rede
Estrutura de Missão para os Fogos Florestais que, com a sociedade que nos rodeia e com as oportu-
passe a publicidade, fez um doutoramento a meias nidades que se apresentam do ponto de vista dos
no Instituto de Agronomia e no INESC TEC. Ele é resultados que se pretende alcançar.
doutorado, investigador, trabalhou numa empresa, Volto à tónica que disse há pouco, parece que me
foi bombeiro sapador e esteve a morrer debaixo estou a repetir, mas não. Sobretudo quando estamos
de fogo. Ao contrário de muitos doutores que teo- a falar de um território ou de um projeto do interior
rizam, um bom fazedor de políticas públicas deveria do país temos de conseguir ter, permanentemente,
começar no chão da fábrica, conhecer os problemas um trabalho em rede; criar parcerias com outras
reais das pessoas, da tecnologia, depois gerir organi- geografias é fundamental, para que a noção de iso-
zações e ir crescendo. Aí sim, estaria preparado para lamento não se torne, efetivamente, uma realidade.
decidir sobre políticas públicas.
É fundamental que não olhemos apenas para o inte-
Alice Vilaça – Emanuel, antes de irmos às pergun- rior dos muros da Academia ou de outa organização
tas do público aqui presente, e são algumas, não qualquer e, este trabalho que a academia produziu,
vamos conseguir responder a todas mas, com é hoje uma associação privada sem fins lucrativos,
os olhos postos no futuro, o caminho é este? É, mas que incorpora em si, um conjunto de parcei-
cada vez mais, colaborar, colaborar, colaborar? ros muito vasto, quer privados quer públicos, que
O projeto que tem em mãos é exemplo disso, há
acabam por ser desafiados a trabalhar em rede,
pouco falava de várias autarquias envolvidas, mais
coisa que muitas vezes não estamos habituados
do que um instituto. É este o caminho?
a fazer. Muitas vezes, as soluções para os nossos
Emanuel Castro – Há duas questões que gostava de problemas do dia a dia são tão simples, porque o
sublinhar. Primeiro, e indo ao encontro da questão vizinho já a tinha encontrado a solução, mas como
concreta, diria que as fronteiras não são só terri- nós não dialogámos com o vizinho, não nos tínha-
toriais. É muito importante perceber que, muitas mos apercebido que existia essa solução disponível.
vezes, as piores fronteiras estão dentro da própria
Alice Vilaça – Vamos tentar responder a algumas
instituição ou dentro dos próprios muros e isso é re-
questões colocadas pelo público. A primeira delas
levante. Também já foi aqui abordada, nas interven-
é: “As notícias e as opiniões dos media ou que os
ções anteriores, e muito bem, a questão de comuni-
media veiculam, têm uma perceção de uma Admi-
car a ciência e essa é uma das principais fronteiras
nistração Pública pouco produtiva. Como é que po-
na forma como conseguimos chegar à sociedade,
dem as inovações aqui discutidas mudar essa per-
não só às empresas mas ao cidadão comum que nos
ceção aos olhos do público?”. Penso que, de uma
ouve, ou não ouve porque não sabemos comunicar
forma ou de outra quando falámos da questão da
bem.
comunicação, pelo menos em parte, esta questão
Comunicar a ciência é muito importante e o papel ficou respondida, porque a queriam ver aflorada,
dos jornalistas é fundamental, mas diria que as or- mas eu tentei introduzi-la a determinada altura do
ganizações têm que estar cada vez mais bem pre- debate.
paradas para conseguir comunicar aquilo que se
Outra questão: “No caso das entidades públicas
investiga ou aquilo que se pretende transferir, em
que promovem a investigação científica, social
termos de conhecimento. Do ponto de vista de um
etc., como é que se ultrapassa a questão da falta
projeto como o que eu aqui represento, obviamente
de recursos humanos e tecnológicos, a obsolescên-
que as parcerias e o networking são fundamentais.
cia do know-how e o envelhecimento dos quadros
Os Geoparques são territórios de ciência e esse é o
qualificados?”.
objetivo da UNESCO, criar territórios de ciência em
que a ciência é o ponto de partida para o encontro José Maria Albuquerque – No Instituto Nacional
de novas abordagens e de novas soluções. E, neste de Saúde, e está aqui a minha diretora de gestão de

70
recursos humanos, vamos integrar 85 novos postos de investigação em genética humana do país. Mos-
de trabalho. De uma assentada só. Isto é uma opor- tramos que valemos por isso, temos o rastreio neo-
tunidade, de uma política pública que não é pacífica, natal, por exemplo, todos nós conhecemos o teste
porque nestes postos vamos ter doutorados que, do pezinho, na nossa delegação do Porto e temos
eventualmente, não vão ser integrados na carreira medicina personalizada, se quiserem, avant la lettre,
de investigação, podemos ter doutorados que vão que faz um rastreio de todas as doenças genéticas
ser integrados na carreira de Investigação e, para possíveis.
uma instituição que tem uma média etária dos seus
A minha noção é que, de facto, é muito importante
investigadores doutorados, e temos cerca de 90, a
haver políticas públicas concertadas, haver dinamis-
idade média dos investigadores é 53 anos e, de uma
mo, mas isso não é uma condição sine qua non, é
assentada, vai passar a ser 37.
preciso que haja muitos outros ingredientes como
E aí está uma solução de política pública da lideran- os três ou quatro que referi.
ça mas que é um risco, e a culpa vai ser nossa, da
Alice Vilaça – Vamos responder a pelo menos
minha diretora de recursos humanos e minha, mas a mais uma ou duas questões. “O que é que se
vamos levar isto a bom porto até ao final do ano. espera dos professores e dos alunos de Adminis-
De uma assentada a escala etária vai passar de 53 tração Pública nesta era da inovação e da econo-
a 37 anos. E o que vai acontecer aos doutorados? mia de aprendizagem?”. Quem se sente à vontade
Tenho 20 e tal doutorados que foram técnicos supe- para responder a esta questão?
riores na instituição que, tradicionalmente, sempre
foram acarinhados para que subissem a exigência José Manuel Mendonça – Posso deixar aqui um
dos seus estudos. E tiveram todas as oportunidades breve contributo. No Ensino Superior, os desafios
para fazer o doutoramento, muitos deles orienta- que se colocam aos professores e aos alunos são
ram eles próprios os jovens que agora vão ingressar múltiplos e estão sujeitos a uma grande competiti-
na carreira certa, e eles vão ser preteridos. Isto tem vidade internacional. Hoje em dia as escolas vão ter
que ser calculado, tem que ser visto o que está em que competir, já competem internacionalmente, e
cima da mesa, mas é uma oportunidade e vamos vão ter que competir cada vez mais, umas com as
aproveitá-la. outras e internacionalmente porque, como sabem,
a demografia diz que, daqui a 20 ou 30 anos, vamos
Do mesmo modo, posso dar exemplos de financia- ter menos de 30% de alunos no ensino. É um proble-
mentos públicos para a renovação do parque in- ma da demografia, o número de bebés que estão a
formático ou da rede de comunicações. Fizemos as nascer diz isso, mesmo os que já nasceram recente-
candidaturas e há um compasso, não por questões mente, dizem isso.
financeiras, porque temos uma solidez financeira,
mas temos um handicap de tesouraria. Isto quer dizer que as melhores escolas e univer-
sidades vão ter que se virar para os mercados
Muitas vezes temos um problema para conseguir internacionais e vão ter que fazer aquilo que as
honrar os compromissos das contrapartidas dos sis- grandes escolas americanas e inglesas, para citar só
temas de incentivo que são postos à disposição, por essas, fizeram, que foi ir buscar alunos fora. Neste
exemplo, pela Agência para a Modernização Admi- momento, o Instituto Superior Técnico, a Faculda-
nistrativa. Nós estamos a “ir a jogo” em várias ver- de de Engenharia, já tem grandes contingentes de
tentes e há políticas públicas que estão a ser dese- alunos brasileiros e de outras nacionalidades que
nhadas, não como a do caso de que falei, daqueles vêm para Portugal que refrescam, que competem
que nunca olharam para os laboratórios do Estado e financiam o sistema, porque as propinas desses
com a importância com que devem ser olhados, mas alunos são mais elevadas do que as propinas dos
há outras em que se está a fazer investimento. alunos nacionais que, espantosamente, até desce-
Somos uns prestadores de serviços, somos o padrão ram e isto é uma questão um pouco polémica.
ouro em Portugal das análises clínicas, da anatomia E para o professor e o investigador, individualmente,
patológica, de análises genéticas, somos o primeiro continuam os desafios, os desafios de passar de um
laboratório a ter uma acreditação num teste gené- tipo de ensino de cátedra, de cima do estrado, para o
tico e somos Administração Pública. O Instituto Na- aluno passivo. Antigamente havia professores, lem-
cional de Saúde Ricardo Jorge é a maior instituição bro-me, que escondiam os livros para os alunos não

71
saberem, davam livros em francês porque ninguém em que responde ele, com o seu património pessoal,
sabia falar francês! Atualmente isso acabou e, se pelas “picuinhices” do Tribunal de Contas que é
um professor não estiver bem preparado, corre o quem opina sobre as estratégias de uma faculdade.
risco de ser humilhado pelos alunos em plena aula Já testemunhei a favor de um reitor no Tribunal de
porque a exigência é muito grande. Contas com coisas inacreditáveis, um ex-reitor da
Universidade do Porto foi condenado por coisas que
Em terceiro lugar, e é mesmo assim, os reitores e os
eles achavam irregulares, mas que tinham como
diretores de faculdade são professores e têm de ser
objetivo, poupar no erário público, porque num
bons gestores. Alguns são excelentes professores,
concurso público havia um lambrim de um metro e
mas não são nada bons gestores, não são líderes.
meio que depois foi transformado num lambrim de
Eu diria que há desafios enormes, fantásticos e com
30 centímetros e isso viciou o concurso e ele foi con-
a dificuldade de que, na Administração Pública, as
denado a 2500 euros e isto é ridículo. O Tribunal de
coisas são sempre mais duras, como muito bem
Contas revela as contas públicas, mas comete asnei-
disse. Há exemplos, e acabámos de ouvir, alguns,
ras do tamanho de uma catedral. Portanto, os ges-
do que é possível fazer, não é só nas universidades
tores públicos têm um problema grande, mesmo os
e não é só no litoral. Conheço exemplos fantásti-
universitários, não os professores de carreira, mas
cos de politécnicos e do interior. Às vezes até digo
os gestores têm um problema.
aos meus colegas “vocês andam a dormir na forma,
vocês sabem que é que o Politécnico de Bragança Alice Vilaça – Há aqui uma pergunta, que diz: “Quais
está a fazer?” Isto quer dizer que quem quiser, de as empresas que, de maneira altruísta, estão dis-
facto, mudar e transformar, tem de arranjar bons postas a cooperar na investigação e inovação do
motivos e não boas desculpas. setor público sem que daí venham a obter benefí-
cios ou lucro, as grandes empresas, as pequenas e
Alice Vilaça – E há incentivos para os professo-
médias empresas?”.
res, para além de ser um bom professor, pensar
fora da caixa, pensar em casa, ao fim de semana, Tiago Cavaco Alves – Isto vai tocar, um pouco, na-
pensar como é que eu vou tornar o meu politéc- quele mito da rentabilidade. Se estamos à espera
nico melhor? Há algum incentivo para o professor que apareçam, ao virar da esquina, uma data de
fazer esta extra mile? empresas altruístas, podemos continuar aqui, nesta
sala, sentados nestas cadeiras confortáveis. Acho
José Manuel Mendonça – Há incentivos para o pro-
que não existe. Eu sou novo, não ando há não muito
fessor, na sua carreira científica e académica ver va-
tempo nisto e, também não quero debitar aqui a
lorizada, não só a parte científica e pedagógica, mas
cartilha da universidade, que o objetivo da empresa
a parte de gestão e até de ligação à sociedade e às
é criar valor como acionista, há muito mais do que
empresas. E há uma prática comum, pelo menos
isso. Como já falaram aqui, que no setor público
nas escolas de engenharia. Por exemplo, estive num
tem de se prestar contas, o tal “empatanço” legíti-
júri de um concurso para catedrático, e decidiu-se
mo de justificar muito bem o investimento que se
dividir por 25%, o peso da parte científica, da parte
faz, porque é dinheiro de todos, na empresa privada
pedagógica e da parte da gestão, da parte de paten-
isso também existe. Por exemplo, tenho dificuldade
tes e de normalização, normas técnicas, etc..
em ir ao Conselho de Administração da Science4you,
Isto há dez anos era de 80 % para a parte científi- que até é um conselho de administração relativa-
ca, 20 % para a parte pedagógica e 0% para o resto, mente pequeno e relativamente aberto, e dizer que
portanto, há incentivos. Não há incentivos, infeliz- vou gastar o que quer que seja, porque sou altruísta.
mente, para os gestores. O que ganha um reitor ou Ou seja, obviamente que nós temos uma política de
um diretor de uma faculdade é indescritível, é uma responsabilidade social, temos até a “Science4you
menorização da função e da responsabilidade. O rota solidária” em que doamos brinquedos, tivemos
que ganha um reitor é, possivelmente, mais 80 ou muitas parcerias com a operação “Nariz Verme-
100 euros do que um professor catedrático que dá lho” do IPO e gostamos de o fazer. Mas temos uma
6 horas por semana e, se quiser, usa todos os sub- preocupação, também, em divulgá-lo, não temos
terfúgios para fazer quase nada. Um reitor tem uma benefício material, não temos lucro com isso, mas
universidade com dezenas de milhares de alunos, temos divulgação e isto é importante. E se alguém
100 ou 200 milhões de euros e responsabilidades acha, honestamente, que a não ser casos muito es-

72
peciais como a Delta, em que se perde dinheiro para e em Portugal é muito difícil, porque os empresários
devolver a uma comunidade, porque foi onde o Rui têm um pouco a posição de que eu já pago muitos
Nabeiro nasceu e cresceu. Eu sou do Barreiro e, se impostos, que será verdade e, portanto, não tenho
algum dia, eu conseguir fazer ali algo em que perca de fazer isso. Agora os anglo-saxónicos são fantás-
dinheiro, na Science4you ou numa empresa minha, ticos e o exemplo do Warren Buffet é fantástico,
mas que desenvolva o bairro do Barreiro onde eu porque ele até deu biliões para uma fundação que
cresci, isso é altruísmo, mas isso não existe em larga não tem o nome dele, que foi a Fundação Bill &
escala. As empresas podem ganhar, nem que seja Melinda Gates. Portanto, isso é um problema cultu-
muito pouco e desculpem, apresentar-lhes assim, a ral, que vai mudando e há exemplos bons em Portu-
proposta de valor. gal, não haverá tantos como poderia haver.
Luís Coelho – Posso acrescentar aqui uma coisa, os Alice Vilaça – Há ainda um longo caminho a percor-
anglo-saxónicos nisso são exceção, sobretudo os rer. Percebemos que teríamos muitos temas para
americanos, a noção de give back, de devolver à so- analisar o resto da tarde, mas temos que terminar.
ciedade aquilo que ela lhes deu, é única. Na Europa

73
74
Sessão Paralela III
Resultados da Inovação
na Administração Pública

BRUNO MONTEIRO CARLOS BRITO PEDRO TAVARES TIAGO JOANAZ


Diretor de Serviços
DE MELO
Coordenador Especialista em
do Laboratório de de Sistemas de Infor- Transformação Digital Vogal do conselho
Experimentação mação do Instituto do Gabinete do Diretivo da Entidade
da Administração de Emprego e Forma- Ministro da Justiça de Serviços Partilhados
Pública, (LabX) ção Profissional, I.P. (GabMJ) da Administração
(IEFP, I.P) Pública, I.P. (eSPap, I.P)

MODERADOR:
MIGUEL CRESPO
Jornalista e Professor no Instituto Superior de Ciências do Trabalho
e da Empresa - Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

75
Miguel Crespo – É bom ver uma sala bastante cheia, difusão desta cultura da experimentação, de pro-
cheia de pessoas interessadas em conhecer os re- moção da inovação por via da experimentação, de
sultados de inovação, neste caso muito concreto, de maneira transversal a toda a Administração Pública.
inovação na Administração Pública e que é aquilo Quero também agradecer a presença e os convi-
que prometemos debater aqui ao longo da próxima tes que foram dirigidos aos meus colegas de mesa,
hora e meia. Nesta sessão pretende-se, acima de todos eles são companheiros desta missão de incen-
tudo, conhecer casos concretos, casos que apontem tivar a experimentação na Administração Pública.
caminhos, casos que possam inspirar todos os O laboratório tem desenvolvido colaborações com
presentes, e não só naquilo que possam fazer projetos liderados por todos estes parceiros.
no futuro. O que está previsto é que cada um dos
Se quiséssemos resumir o laboratório da experi-
nossos quatro oradores tenha cerca de 10 minutos
mentação numa só frase, diríamos que o laboratório
para apresentar os seus resultados. Vamos tentar
da experimentação concebe, desenha e experimen-
cumprir esses 10 minutos, para termos tempo para
ta soluções inovadoras, que melhorem os serviços
o debate que se seguirá.
públicos, centrando-os nas necessidades e nas ex-
Este 10.º Congresso Nacional da Administração Públi- petativas dos cidadãos.
ca tem como mote, a inovação (“Inovação sem Fron-
teiras”) e isso é extremamente importante, porque Não é nada metafísico é uma frase muito simples
traz para a discussão um dos maiores desafios que que, achamos nós, está plena de consequências.
enfrentamos no dia a dia que é a capacidade de ino- Plena de consequências porque permitem colocar
var, de ultrapassar rotinas, otimizar processos e, com o laboratório da experimentação como agente
isso, servir melhor e de forma mais eficiente os cida- de mudança cultural. O laboratório é uma equipa
dãos. pequena e, portanto, não trabalha a solo, trabalha de
maneira colaborativa com equipas de todas as áreas
Quando se fala de inovação, fala-se muitas vezes governativas, de todo o tipo de entidades, ou seja,
de startups e tecnologias, mas esquece-se, muitas acreditamos que é possível um trabalho de transfe-
vezes, a necessidade de inovar dentro das pró- rência recíproca de competências de aprendizagem
prias instituições e, também, a dificuldade que é pela prática de generalização de boas práticas por
desenvolver algo de novo quando já existe o peso via desta colaboração. O laboratório quer também
de um serviço que tem que estar a funcionar e ser um espaço seguro, o espaço onde é possível ex-
que não pode parar, um histórico de processos perimentar, é possível errar, mas é possível apren-
que são mais ou menos cristalizados e também a der com os erros que se cometem e isso é uma van-
necessidade de apresentar resultados ao mesmo tagem inacreditável, sobretudo quando muitas das
tempo. Portanto, não é fácil ultrapassar barreiras aprendizagens são desperdiçadas quando não são
à inovação e esse é o primeiro grande desafio, mas
enquadradas devidamente.
há que, obviamente, realizar um grande esforço
continuado para conseguir resultados. Definir es- O laboratório permite ser esse espaço, onde possa-
tratégias de inovação interna e concretizá-las não mos arriscar, sem ter um risco demasiado elevado
é fácil, mas é possível e com bons resultados, em à partida e, por fim, o laboratório pretende ser um
especial se as boas práticas puderem ser replica- facilitador do sistema de inovação, ou seja, o labo-
das e é isso que nos vêm apresentar os participan- ratório pretende colocar-se como um parceiro para
tes desta sessão. Portanto, vamos então descobrir parcerias, passo a redundância, com entidades pú-
como a inovação pode ser colocada no centro da blicas, universidades e centros de investigação, em-
atenção e como pode contribuir para termos mais presas e startups, mas também com organizações
e melhores serviços. Começamos, com o Bruno da sociedade civil. É pela colaboração de todos estes
Monteiro que nos vai apresentar o LabX. agentes que todos eles, seguramente, têm aborda-
gens diferentes, interesses distintos, que acredita-
Bruno Monteiro – O laboratório de experimenta-
mos que se podem criar sinergias que tragam vanta-
ção, ele próprio é uma experiência. Estamos, neste
gens para todos os envolvidos.
momento, enquanto unidade orgânica da AMA,
num período de incubação em que pretendemos O laboratório surge num contexto e não é exatamen-
demonstrar valor com uma abordagem experimen- te uma moda, é um contexto, porque os interesses
tal e em que procuramos contribuir ativamente para e os comportamentos dos cidadãos e das empresas

76
mudaram com o tempo e, portanto, tem que mudar perceber qual é o problema que queremos realmen-
também a resposta que temos calibrada para esses te resolver e, desde logo, se essa solução está ade-
interesses, para essas necessidades. quada ao problema real com que nos debatemos.
Por exemplo, foi o que tentámos fazer nas lojas do
A própria exigência dos serviços públicos que é co-
cidadão. Obviamente que existe uma grande inteli-
locada por empresas e cidadãos, também mudou,
gência coletiva da parte dos funcionários e da AMA,
desde logo por comparação com muitos serviços
que tutela as lojas do cidadão, relativamente ao
que estão disponíveis noutros setores da sociedade.
funcionamento das lojas. Não quisemos apenas su-
Por outro lado, o próprio Estado mudou o seu para- portar nesse conhecimento, embora ele tenha sido
digma de prestação de serviços, pensemos apenas importante para nós, quisemos ir ao terreno fazer
na desmaterialização por via da existência de pontos pesquisa etnográfica durante vários dias em lojas
únicos de contacto e, por fim, existe um contexto muito distintas, quisemos utilizar o Big Data que
onde a otimização de recursos é essencial, é neces- estava disponível a partir dos dados da localização
sário tornar os nossos processos internos mais efi- das lojas do cidadão. Quisemos fazer entrevistas
cazes, mais eficientes e que otimizem precisamente a funcionários de primeira linha e a dirigentes que
o uso de recursos públicos. têm perspetivas diferentes. Fazer mapas de jornada,
Nesse sentido, o laboratório tem alguns princípios uma multiplicidade de técnicas que suportassem,
orientadores muito simples: primeiro, aprender so- com conhecimento real e atualizado, aquilo que
bre, mas também, com os cidadãos, ou seja, de ma- é o funcionamento, não o funcionamento previs-
neira colaborativa, de maneira a que os cidadãos e to, o funcionamento de todos os dias das lojas do
as empresas sejam parceiros e não apenas objeto cidadão.
de estudo. Foi o que fizemos quando fomos desafiados pela
É importante recolher informação e obter conheci- Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade,
mento a partir dessa informação, que informem as a fazer uma abordagem complementar para a Edu-
políticas, informem as medidas a adotar, é necessá- cação para a Cidadania. Existe muito trabalho sobre
rio que suportemos as decisões em factos. Vamos a educação para a Cidadania, existem muitas ideias
tentar demonstrar à frente, com exemplos como por parte de técnicos altamente qualificados, é
é que fazemos isso. É importante materializar as certo, mas neste caso, quisemos ouvir os cidadãos, e
ideias para elas serem validadas, é importante que os cidadãos neste caso são crianças que têm sete ou
a conversa não fique apenas pelos corredores ou oito anos. Desenvolvermos um diagnóstico partici-
pelos cafés, mas que nos possamos sentar e traba- pativo especial, um jogo de cartas, que permite que
lhar no sentido de concretizar estas ideias para que, as crianças possam não só dar a sua opinião, mas a
finalmente, possamos submetê-las a teste, medir partir daí participar de maneira democrática, dando
os resultados desse teste, melhorar os protótipos, a sua opinião sobre aquilo que acham que deve ser
os pilotos e as provas de maneira a que haja uma a prioridade da educação para a cidadania.
melhoria contínua dos serviços públicos. A aborda- Num segundo momento, trata-se de cocriar, ou seja,
gem do laboratório neste sentido é muito simples. envolver cidadãos, cientistas, empresários, ativis-
É investigar, conceber de maneira colaborativa e tas sociais, todos os envolvidos num determinado
experimentar. É muito simples fazer uma investiga- problema, num problema que, por vezes, está es-
ção que se estende com dados, fazer uma cocriação palhado ao longo do ciclo de diferentes entidades.
que envolva todos os parceiros no projeto e expe- É derrubar os silos que, por vezes, se criam mesmo
rimentar antes de generalizar qualquer solução e
dentro de equipas da mesma entidade, às vezes
submeter a esta a medida o tipo de inovação que
não é fácil sabermos o que é que está ali a aconte-
queremos propor, portanto, investigar é muito im-
cer mesmo que tenhamos todos que trabalhar com
portante, porque significa que nós antes de partir-
o mesmo serviço. Derrubando esses silos, toda a
mos para uma solução o que temos que fazer é co-
gente a trabalhar em comum para uma resolução
nhecer qual o problema sério a resolver.
participada. Aconteceu precisamente isso nas lojas
Temos uma série de convicções, já fazemos isto há do cidadão - juntamos funcionários, juntamos cida-
20 anos, já ouvimos falar que isto funciona noutro dãos de maneira a não só desenvolver a nossa in-
sítio, mas antes de mais fazer uma investigação para vestigação, o conhecimento que tínhamos acumu-

77
lado, mas a obter todo o contributo sobre de que Portanto, antes de lançar, um novo serviço digital
maneira as pessoas poderiam, conjugando interes- seria importante conduzir um conjunto de testes
ses, propor ideias com um enorme potencial para a de habilidade que integrassem diferentes tipos de
resolução dos seus problemas ou então sessões de utilizadores que percebessem, por exemplo, que
cooperação como muitas que temos desenvolvido cores diferentes ou localizações diferentes no ecrã
em diversos projetos. têm implicações decisivas para o sucesso daquele
novo produto digital. Questões que parecem muito
Os meus colegas, poderão partilhar alguns dos re-
simples, mas que na verdade, têm resultados muitas
sultados que tenham obtido neste âmbito. Por fim,
vezes danosos se não forem acauteladas no desen-
trata-se de experimentar, ou seja, experimentar sig-
volvimento destes produtos.
nifica aprender com os erros, como já disse, significa
ter oportunidade de ir afinando, de maneira muito Miguel Crespo – A seguir temos o Carlos Brito para
rápida e progressiva as soluções que estão em teste. apresentar o Balcão Único do Emprego/IEFPonli-
Apurar quais as eficientes e quais são aquelas que ne. Voltaremos a falar, na parte do debate, sobre
não funcionam e, sobretudo ter um maior contro- o LabX, sobre as suas metodologias e sobre a ex-
lo sobre os riscos, quer dizer, antes de termos uma periência. E agora, a apresentação do Carlos Brito.
grande mobilização de recursos para uma solução Carlos Brito – Venho falar-vos sobre uma iniciativa
que vamos testar e perceber se essa é realmente a que é o Balcão Único do Emprego, na vertente do
solução que melhor se adapta para a resolução das IEFPonline, que é uma componente do Balcão Único
necessidades que temos em mãos. do Emprego, que resultou de uma parceria entre o
Penso que o Pedro Tavares poderia claramente fa- IEFP e o LabX, para otimizar tudo o que era a com-
lar melhor deste projeto. Temos uma colaboração ponente online na área do emprego. O que nós de-
muito importante neste projeto liderado pelo Mi- sejávamos era substituir um portal que tínhamos,
nistério da Justiça, o Espaço Óbito, onde se fez uma que era o anterior NETemprego, que tinha mais de
prototipagem para tentar encontrar um ponto único 10 anos e que já estava completamente desajustado
de contacto para todos os serviços com que alguém da realidade de utilização dos serviços online, e da
tem que lidar quando, infelizmente, tem um familiar sua experiência de utilização. Tínhamos vários fee-
que falece. Sabemos a multiplicidade de serviços dbacks de vários relatórios que nos indicavam que
que toda a gente que já passou por esse infortúnio, e tínhamos que intervir sobre o portal. O que decidi-
sabe do que é que eu estou a falar, os serviços públi- mos foi construir um novo portal para uma série de
cos e privados que estão dispersos, que têm regras questões.
diferentes, tempos diferentes, requisitos que muitas O principal desafio é ter um serviço melhor para
vezes não compreendemos exatamente quais são. o cidadão, mais próximo do cidadão, em que o
É possível tornar isso mais simples para o cidadão?- cidadão se revisse no serviço que estávamos a
Nós achamos que sim e podemos fazê-lo prototi- prestar e que sentisse que, de facto, aquilo que nós
pando soluções muito simples, não são tecnolo- estamos a colocar ao serviço do cidadão é aquilo
gicamente espetaculares, não são também muito que ele precisa. Numa altura em que ele está fragili-
custosas, mas são, por exemplo, uma simples lista zado porque está numa situação, eventualmente, de
de verificação que permite controlar se eu tenho procura de emprego, ou desemprego e precisa de
todos os documentos e onde é que devo entregar utilizar os serviços online os serviços do IEFP, tenta-
esses documentos. Se a solução resolve o problema, ram melhorar essa experiência.
isso é o que conta, não importa se é uma solução Fizemos uma parceria com o LabX. O que nós que-
muito tecnologicamente avançada ou nem por isso ríamos era construir um portal, que fosse bom em
e, por fim, testes de habilidade. Temos testado, em termos de acessibilidade, em termos de imagem,
colaboração com uma outra equipa da AMA que se que tivesse uma boa imagem e, que o utilizador se
dedica especificamente a testes de habilidade, de sentisse confortável a utilizar esse portal. E que con-
que maneira, as tecnologias não estão no vácuo. seguisse encontrar aquilo que precisa de encontrar
As tecnologias não existem no vazio. As tecnologias na altura em que precisa de encontrar. O trabalho
existem muitas das vezes para serem usadas por que fizemos com o LabX foi no sentido de testar o
humanos e são as necessidades desses humanos portal antes de avançarmos para a rua. Testámos o
que elas devem atender. portal com o LabX em conjunto com o IEFP, e criámos

78
um conjunto de casos de uso, criámos uma série de se precisa de informação e que podemos obtê-la
perfis e tentámos testar isso com vários perfis de uti- através das pessoas.
lização do LabX.
Outra questão importante que resolvemos foi a
Como estava a dizer ao Bruno antes de começar a questão dos CV. Normalmente, muitas pessoas di-
sessão, o LabX produziu um relatório e esse rela- rigiam-se aos centros de emprego para entrevistas,
tório foi um documento de trabalho muito útil que deslocavam-se e não levavam o seu CV, o que le-
nos permitiu fazer evoluir o IEFP online nos últimos vantava problemas para a realização da entrevista,
meses. O IEFP online nasceu no dia 8 de abril e desde quer nos centros de emprego quer com as próprias
esse dia até agora, temos lançamentos de novas empresas. Agora, o próprio sistema com base na
versões, cada vez com mais serviços online e que informação que o IEFP recolhe, produz automatica-
estão disponibilizados no site. mente o CV que pode ser editado, pode ser traba-
No início deste mês de outubro, lançámos a possibi- lhado em qualquer instante. Existe sempre um CV
lidade de se requerer online o subsídio de desempre- disponível para que as pessoas possam utilizar para
go. Para a semana, vamos lançar uma nova versão se poderem candidatar a um emprego, a uma oferta
online onde já vai ser possível marcar as visitas por de emprego.
agendamento aos centros de emprego, utilizando Uma questão também muito importante que foi en-
o SIGA. Todo este trabalho que foi feito resume-se dereçada com a nova versão do IEFP online foram
ao facto de o número de casos de suporte de uti- as questões da segurança, ou seja, no IEFP online
lização do site, basicamente terem desaparecido. O que todos usamos, com todas as componentes de
número de contactos telefónicos a reportar proble- autenticação partilhadas com a Segurança Social
mas na utilização do site na sua utilização também Direta com a Chave Móvel Digital e com o Cartão de
diminuiu drasticamente. O número de e-mails que Cidadão. Portanto, todo o processo de autenticação
recebíamos de pessoas que levantavam questões também foi faseado. À medida que fomos lançan-
e dificuldades com a utilização do portal também do o portal, fomos melhorando e, descontinuando
desapareceu. Portanto, hoje em dia, a sensação que funcionalidades, mas sempre de uma forma gradual
temos é que é muito mais fácil a utilização do portal para não causar disrupção. O que pretendíamos era
e a submissão de candidaturas eletrónicas. que houvesse a menor disrupção possível na utili-
Um dos problemas que tínhamos, e que também foi zação do portal e que as pessoas sentissem que as
identificado pelo LabX na altura do relatório, é que funcionalidades que tinham no anterior portal exis-
todo o processo de submissão de candidaturas era tissem no novo portal, mas de uma forma diferente.
um processo difícil e demorado. Portanto, agiliza- Tivemos um road map nos últimos meses para saber
mos todo o processo da submissão de candidaturas. do que é que íamos fazer em cada um destes meses
Entre o último período de candidaturas que tivemos, para lançar novas versões do IEFP online, cada vez
antes da versão que nos trouxe os melhoramentos com mais serviços.
do processo de submissão de candidaturas, tivemos Hoje em dia, é possível submeter largas dezenas de
um acréscimo de quase 30 por cento nos pedidos documentos online que anteriormente tinham que
de submissão de candidaturas, ou seja, nesta última ser entregues presencialmente pelo cidadão e pelas
fase de candidaturas, tivemos muito mais pedidos empresas.
de candidaturas e muito menos problemas na sub-
missão das mesmas. Há um conjunto de funciona- Eu também queria deixar-vos alguns dados de utili-
lidades várias que estão descritas mas eu queria zação do IEFP online. Temos quase 900 mil utilizado-
destacar uma que é importantíssima: todo o pro- res, portanto, o nosso número de utilizadores sema-
cesso de submissão de candidaturas utilizava uma nais anda à volta dos 64 mil. Com o IEFP online o que
linguagem que muitas vezes é difícil para o cidadão é que criámos? Criámos, através do Google Analyti-
e estamos a rever todo esse processo, no sentido de cs, um conjunto de ferramentas que nos permitem
facilitar a perceção da mensagem que nós quere- perceber a utilização do site, perceber as dificulda-
mos passar e que seja muito mais fácil a utilização des que as pessoas têm na utilização do site, onde
dos nossos serviços, e que a linguagem esteja muito se sentem mais ou menos confortáveis de modo a
mais próxima daquilo que é a linguagem natural das melhorar o site. Temos métricas reais de utilização
pessoas, para haver uma maior perceção do que do site. Permite-nos, assim, descobrir uma coisa

79
que não sabíamos quanto ao IEFP online: o padrão vo. O nosso objetivo e o objetivo pelo qual criámos o
é, praticamente, a não utilização, nem ao sábado IEFP online, é facilitar a utilização dos serviços online
nem ao domingo e, à segunda-feira, começa a ser que o IEFP disponibiliza ao cidadão e às empresas.
utilizado à tarde e depois tem um pico de utilização Por isso, no próprio road map que fizemos do IEFP
que aumenta terça, quarta e quinta. A partir de sex- online, tínhamos um calendário muito preciso, com
ta-feira, a utilização diminui. Portanto, era algo que releases mensais.
desconhecíamos. Portanto, a ideia do próprio site não foi lançarmos o
Outra questão que também nos apercebemos é site, adicionar funcionalidades e dar um eco e ouvir
que, com o IEFP online e, com a utilização de dis- muito o que os utilizadores do site dizem, ou seja, os
positivos móveis, as pessoas dizem “eu quero sub- emails que eles mandam que nos enviam, as suges-
meter a minha candidatura através do telemóvel, tões, as queixas e estamos sempre a tentar perceber
quero utilizar o site em toda a sua extensão através as dificuldades que as pessoas enfrentam na utiliza-
do telemóvel”. Neste momento, todas as funciona- ção do site. O objetivo é podermos fazer melhor e
lidades que existem no site estão acessíveis através diferente, para poder incorporar em novas releases
de um telemóvel ou de um smartphone e que nós do IEFP online que é um produto que está em cons-
temos visto, também pela utilização do site, é que tante mutação e em constante melhoria exatamente
o número de utilizadores que utilizam dispositivos para podermos atingir o objetivo final, que é prestar
móveis utiliza telemóveis. um bom serviço ao cidadão e evitar que as pessoas
tenham que se deslocar aos serviços presenciais e
Há pouca utilização de tablets mas temos verifica- possam fazer isso online de uma forma mais rápida
do que o número de utilizadores que utilizam dis- e mais eficiente.
positivos móveis está a aumentar, estamos cada
vez mais a pensar com o mindset no mobile, ou seja, Também queria dar-vos aqui uma nota importan-
como é que vamos resolver a questão do mobile te. Estamos a monitorizar o site em tudo o que são
como é que vamos criar a experiência de utilização experiências de utilização e aprendemos e estamos
no mobile depois adaptar para a experiência de uti- a aprender muito da parceria com o LabX, na com-
lização no PC. No telemóvel temos uma área muito ponente do Google Analytics. Estamos a trabalhar
mais pequena para trabalhar e a forma de interagir e a investir muito na área do Analytics para perce-
também é mais difícil. ber onde é que as pessoas têm dificuldades até em
questões de padrão, onde é que as pessoas clicam
Mudámos o nosso mindset, fruto também da expe- mais no IEFP online, onde é que posicionam mais o
riência que tivemos com o LabX. Não é trazer para o rato. Porque, se as pessoas todas estão à procura
online aquilo que já existe no canal presencial, isso de uma determinada informação num determinado
não funciona. Temos de trazer para o canal online, o sítio e se ela não está lá, então nós temos um pro-
que existe no canal presencial, mas a forma de dis- blema no site. É porque estamos a colocar a infor-
ponibilizar essa interface e essa informação tem que mação no sítio onde as pessoas não procuram, e se
ser totalmente diferente, tem que ser no intuito de a não procuram ali não vão encontrar a informação.
pessoa, o utilizador, o cidadão, a empresa ter de ser Portanto, não estamos a prestar um bom serviço.
capaz de executar a tarefa sem ter grandes dúvidas, Este trabalho todo de Google Analytics, toda a parte
sem ter problemas e de uma forma muito rápida. de posicionamento de ecrãs, posicionamento de
Hoje em dia, as pessoas não estão disponíveis para cursores no ecrã, é um trabalho que estamos a fazer
perder 5, 6 ou 7 minutos a preencher um formulário. agora, estamos a dar os primeiros passos, estamos
Todo o entendimento e o fluxo de informação tem a tentar obter um conjunto de informações e indica-
que ser pensado na perspetiva de que os utilizado- dores que nos permitam melhorar o site.
res querem fazer no telemóvel, querem fazer no PC, O mindset mudou, não é? Nós achamos que deve
querem fazer no tablet mas querem fazer rápido. Por- estar assim, o mindset já não é assim. Onde é que as
tanto, a forma de trabalharmos também mudou, o pessoas acham que a informação deve estar? O que
nosso mindset mudou, começámos a pensar mais na é que as pessoas querem? Onde é que querem? É
questão do mobile, na questão de como é que temos esse o trabalho que estamos a fazer. Ainda há pouco
que desenhar as interfaces, como é que temos que tempo, naquela grande melhoria que fizemos no IE-
desenhar os fluxos para podermos atingir o objeti- FPonline dos formulários eletrónicos para submissão

80
das candidaturas, uma das questões que acontecia percetíveis sobre como é que eles se aplicam. Uma
muito era que as candidaturas demoravam alguns das primeiras questões que a Tina Seelig fala sobre
minutos a preencher. E muitas vezes as pessoas, a esta questão tem a ver com a imaginação.
navegar no browser, fechavam o browser e perdiam
Um dos primeiros desafios que tivemos, quando
toda a informação que estavam a introduzir. Portan- chegámos ao Ministério, foi o seguinte: como é que
to, nós criamos, também, mecanismos de gravação podemos servir melhor o cidadão de forma integra-
automática e, portanto, o utilizador nunca perde a da? A Administração Pública não estava capaz de
informação. responder de uma forma única, de uma forma inte-
São estas pequenas melhorias que vamos fazendo grada. Como é que nós podemos dar uma resposta
no dia a dia, do feedback que vamos obtendo das integrada a este problema?
pessoas e da utilização do site que permite que es- Uma das primeiras questões que temos que fazer
tejamos constantemente e continuamente a me- é repensar esta questão, repensar a forma como
lhorar o IEFP online. O IEFP online não é um produto enquadramos este problema. Portanto, estivemos a
acabado, mas é um produto que se reinventa e está trabalhar, trabalhámos em entrevistas, fizemos aná-
sempre na perspetiva de fornecer o que as pessoas lises de percurso, fizemos resultados também esta-
querem. Portanto, o IEFP online será sempre aquilo tísticos apenas para percebermos melhor qual era o
que os seus utilizadores estão à procura em cada comportamento das pessoas e, finalmente, depois
momento. Ainda agora, com a questão da crise da trabalhamos em workshops sobre criação. Finalmen-
Venezuela, houve a necessidade de fazer alguns te, trabalhamos no tal modelo de prototipagem do
ajustes no IEFP online para podermos ajudar os primeiro ponto, isto para dizer que o que fizemos
nossos concidadãos que estão na Venezuela a en- foi um reframe da questão. Não podemos fazer nada
contrar emprego em Portugal e, rapidamente, no sem o conhecimento e esta é uma questão impor-
espaço de três semanas, lançamos uma nova apli- tante. Ora, não há nada melhor que a Administração
cação IEFP online para resolver essa questão do pro- Pública para conhecimento. Temos um conhecimen-
blema que está a acontecer na Venezuela. Portan- to enorme na Administração Pública. Este segundo
to, o IEFP online é isto: existe um problema, existe exemplo, que vos vou dar, é um exemplo claro do
uma necessidade e pensamos como é que podemos que fizemos há poucas semanas. Estamos a renovar
criar os mecanismos e os processos que permitam as conservatórias e definir o que é que vai ser o novo
resolver esse problema? Começamos a monitorizar, modelo de conservatórias, a chamada conservató-
a analisar e vamos vendo os ajustes que temos que ria do futuro. O que fizemos foi trazer as pessoas
dar ao próprio processo para que ele seja, efetiva- das conservatórias para trabalharem connosco
mente, útil às pessoas que o usam. e tentarmos definir o que é a experiência do utili-
zador, de um cidadão que quer deslocar-se a uma
Miguel Crespo – De seguida vamos ter o Pedro conservatória, porque tem um problema para resol-
Tavares para falar dos projetos de implementação ver. Pedimos às pessoas, aos funcionários, para se
na Justiça. colocarem do lado dos cidadãos e pensarem quais
Pedro Tavares – Começo por um primeiro desafio: eram os problemas, as questões, as expectativas, as
quando estamos a pensar nesta questão da ino- emoções que estavam por trás disso. E, por outro
vação e da experimentação, como é que podemos lado, também lhes pedimos, a eles mesmos, para
trabalhar diferente? Quero mostrar aqui, recorren- dizerem exatamente a mesma coisa, quais eram os
do a alguns exemplos, a alguns autores, neste caso, problemas que viam. Portanto, vejam a quantidade,
a uma autora da Universidade de Stanford, Tina de conhecimento que aqui surgiu. E depois falamos
Seelig, um conceito que ela tem, Innovation Engine, com os cidadãos, e esse conhecimento foi essencial
um livro que ela tem, Inovation Engine Framework, e para conseguirmos ouvir as pessoas, ouvir os fun-
mostrar esta framework de inovação, e como é que cionários.
ela se aplica à Administração Pública e muito em O terceiro é a questão da atitude. Temos que ter uma
especial como é que se aplica à Justiça. Ora, esta atitude de vontade de aprendizagem. Esta ideia de
framework tem um conjunto de dimensões. Vou renovação é essencial, temos que ter uma atitude
tentar ser rápido a explicar este conjunto de dimen- de aprender de forma diferente. Criamos um espaço
sões e dar exemplos, claros e práticos, que sejam na justiça que chama espaço inovação em que toda

81
a gente pode ir trabalhar naquele espaço, onde convidar as pessoas a virem trabalhar connosco,
também fazemos normalmente muitas sessões de cruzámos informação, mapeámos, utilizámos inte-
formação. Estamos aqui para melhorar as coisas, ligência artificial, utilizamos mapas preditivos para
se correrem mal, melhoramo-las, experimentamos conseguir comparar e trabalhar esses dados. Na Ad-
precisamente para isso. Estas são as três primeiras ministração Pública recursos não nos faltam, temos
dimensões. Conseguimos trabalhar na questão da é de pensar como é que os podemos utilizar.
atitude para despoletar este processo, trabalhamos
Finalmente, o último ponto, a questão do habitat. O
a imaginação, sermos diferentes, sermos criativos
habitat é uma questão central. Quando somos pe-
com conhecimento que, de facto, temos que ter
quenos, dão-nos todos os instrumentos para termos
e depois temos que ir ao lado externo. E no lado
o melhor habitat para podemos ser criativos, para
externo, temos outras três dimensões: a primeira é
podermos pensar como é que fazemos diferente,
a questão da cultura.
para podermos jogar, para podermos brincar, para
A nossa cultura, de facto, tem que evoluir. A cultura podermos criar. Mas, à medida que vamos evo-
não se impõe por decreto. O Tribunal + é um projeto luindo, vamos sendo mais crescidos, vamos tendo
que estamos a fazer nos tribunais, em vários tri- espaços como este. Este espaço é um espaço real.
bunais. Começámos por Sintra, vamos inaugurar Uma das primeiras coisas que fizemos foi, “vamos
15 agora, ainda este mês e, até final do ano, cerca pensar numa forma diferente e vamos pôr estas
de 50. O modelo como o espaço está feito é para pessoas a trabalhar de uma forma diferente”. Temos
melhorar o atendimento. Quando o cidadão vai ao de trabalhar no passo a seguir. Estamos a desenvol-
espaço, em vez de estar à procura onde é que tem ver um novo conceito. É um espaço que está a ser
de se dirigir, tem um único balcão e não tem que desenvolvido no campus da Justiça, que irá abrir em
andar pelas secretarias. Em vez de tentar saber qual dezembro. As pessoas vão trabalhar por projetos,
é a sua sala de audiências tem um conjunto de ecrãs vamos ter workshops lá dentro, vamos ter temas
que lhe dizem qual é o sítio onde tem que se dirigir, inspiradores, vamos trazer pessoas de fora para tra-
tal como no aeroporto. balhar connosco, vamos trazer pessoas de dentro,
Começámos primeiro por criar um piloto em que vamos partilhar conhecimento que temos trabalha-
pusemos um balcão integrado, mas esse balcão do. Este último ponto é central para nós consegui-
tinha deficiências. Tinha questões que não estavam mos criar esta cultura de diferenças, da cultura do
bem-feitas. As pessoas tinham de se deslocar muito habitat diferente.
entre os espaços, tinham que, para poderem pagar Mas, para isto ser feito, o primeiro passo foi come-
no multibanco, para ir buscar um documento à im- çarmos no porquê. Esta ideia do porquê, para nós,
pressora. Trabalhamos com as pessoas, com os fun- foi absolutamente central. Pensarmos, porque é que
cionários, para criarmos o melhor balcão, um balcão estamos a fazer isto? Tudo o que fazemos é para
mais útil, mais simples de utilizar, de uma forma melhorar a vida dos cidadãos.
mais rápida. Fizemos um protótipo. Pedimos às
pessoas para experimentarem, para que as próprias Simultaneamente os funcionários têm de se sentir,
e que os próprios funcionários, trabalhassem no realmente, mais próximos, mais motivados. Esta
sentido daquilo que deveria ser este balcão. Antes ideia de trabalharmos nestes balcões centrais ori-
de fazermos o modelo final, estivemos a trabalhar entados para o cidadão, ou seja, mais do que
em prototipagem com caixas, simples caixas, não citizen-centric, citizen-driven, ou seja, tudo é orientado
pedimos mais do que isso. e tudo é gerido pelo que é o objetivo do cidadão.
Temos feito trabalho de cocriação, um atendimento
Temos um projeto muito grande, um projeto inter-
integrado e transformação digital.
ministerial com um desafio enorme de mapear e
conhecer o território de uma forma diferente como Termino com este projeto do cadastro simplifica-
nunca tínhamos conhecido até hoje. Há anos que se do. Estivemos em Lisboa a trabalhar, e este foi um
queria fazer este trabalho, existia informação muito projeto do cadastro em 10 municípios muito afe-
dispersa entre as Finanças entre as Florestas, entre o tados pelos incêndios, em que nós estivemos nas
Ordenamento do Território entre o próprio Instituto feiras, nas queijarias, à porta das igrejas, nos lares, a
dos Registos e do Notariado. Tínhamos um desafio pedir para nos ajudarem a mapear o território, o seu
enorme. Uma das primeiras coisas que fizemos foi território, para o bem de todos.

82
Miguel Crespo – Agora vamos ouvir Tiago Joanaz experimentar e a seguir se poder tomar decisões e
de Melo, que nos vai apresentar a implementação fazer disseminação. Este programa será executado
da fatura eletrónica. de forma gradual, garantindo a gestão da mudança
necessária à implementação efetiva dos objetivos e
Tiago Joanaz de Melo – É sempre uma imensa
esse é um aspeto fundamental do que está definido,
honra, um prazer e um orgulho falar perante uma
assembleia da Administração. Uns heróis e umas he- será implementado de forma gradual.
roínas que trabalham na Administração Pública. Em Agilizar e desmaterializar o relacionamento existen-
geral, sou um tecnocrata da contabilidade pública e te entre entidades públicas e destas com os agentes
vão ficar espantados, porque me convidaram para económicos privados é o grande objetivo de simpli-
falar de inovação. Costumo dizer, muitas vezes, que ficar a interação entre os agentes privados e públi-
sou um burocrata. O que é que é um burocrata? cos, entre públicos e públicos. Facilitar o processo
Aquele que cumpre a norma em prol do interesse administrativo, é muito complexo. Todo este pro-
coletivo. Certo? Cumprimos a norma em prol do cesso, de receber uma fatura, de verificar se ela está
interesse coletivo e de forma inteligente. E, o que conforme o contrato, se está conforme a legalidade,
é uma fatura eletrónica? Nos termos da Diretiva todo este processo que se pretende automatizar,
55/2014, uma fatura eletrónica é uma fatura que é normalizar, até ao ponto de um dia chegar à con-
emitida, transmitida, rececionada e processada em tabilização automática. Deixámos de fazer todos os
forma eletrónica de acordo com as caraterizações e dias os mesmos registos, horas e horas de trabalho
campos definidos pela diretiva comunitária. Portan- massivo. A Senhora Ministra hoje falava da questão
to, é emitida, transmitida, rececionada e processada desta automatização e é neste sentido que estamos
de acordo com aquelas regras, com aqueles forma- a procurar otimizar estes processos, reduzindo os
tos. E é sobre isso que vamos falar. prazos de pagamento, custos de operação de tran-
O projeto da fatura eletrónica nasceu, para nós, na sação e garantir maior fidelidade e transparência em
eSPap em 2015 na sequência da Diretiva 55/2014. todas as atividades do processo. Quando o proces-
Foi crescendo até chegar ao ponto de ter sido in- so for simples, passamos a ter processos rápidos de
corporada no Relatório do Orçamento de Estado conferência e pagamento.
deste ano para 2019, no âmbito daquilo que são as Muitas vezes, a questão do pagar cedo pode po-
políticas de estratégia de crescimento económico tenciar determinados benefícios. Os fornecedores
e consolidação orçamental. Estamos a fazer uma sabem que como nós somos bons pagadores, estão
transformação, uma abordagem ao processo e esse disponíveis para reduzir o preço, é uma base de
é, talvez, o primeiro passo da inovação. Não estamos negociação. Aliás, trabalho numa casa que faz con-
a falar de tecnologia por tecnologia, estamos a falar tratação pública, não podia deixar de falar nisto. Po-
de transformar os processos de forma inteligente.
tencia-se a otimização da gestão da tesouraria pre-
Transformação digital assente na normalização, es-
conizada pela nova lei do orçamento. Com a fatura
tamos a normalizar procedimentos, a normalizar re-
eletrónica passamos a ter informação que nos vai
gras, a otimizar. Outro aspeto fundamental da buro-
permitir melhorar aquilo que é a feitura dos nossos
cracia: tornar as coisas simples, otimizá-las e a seguir
orçamentos de tesouraria de uma forma automática.
automatizá-las.
Porque é que nós dizemos que este processo é pro-
E estamos a fazer o quê, do ciclo da despesa e do
fundamente inovador?
ciclo da receita? O que são os ciclos da despesa? Na
administração, conhecemo-los bem. Começamos Eu não vim aqui falar de tecnologia, embora ela seja
por ter orçamento, manifestamos necessidade, a essencial, vim falar de tudo aquilo que é inovador
necessidade que tem de ser justificada e tem de na abordagem que se fez a este processo. É um
ficar nos termos do artigo 42.º da Lei 41/2014. Por- projeto transformacional orientado a cada um dos
tanto, estamos aqui a tratar todo o ciclo da fatura. A processos e subprocessos. Simplificação processual
solução de receção de faturas foi desenvolvida pela e administrativa. Não temos que repetir tudo aquilo
eSPap. Encontra-se em utilização pela Autoridade que fizemos nos últimos 50 anos, com aquela de-
Tributária e Aduaneira, pela AMA e pelo Instituto terminação habitual que é “sempre se fez assim.”. A
Camões. Basicamente o que se fez, foi um piloto lei quando está obsoleta simplifica-se, modifica-se.
com três entidades de dimensão grande para se Quem é que deve promover esta alteração legislati-

83
va? Nós acreditamos que somos nós, os tais tecno- conhecimento, imensa experiência para definirem
cratas, burocratas da Administração, porque somos regras que garantem a qualidade e que garantam
nós que conhecemos os processos. quando aplicável a possibilidade de automatização.
Pegamos num ponto do imenso ciclo da despesa e
Esta questão da abordagem ao ciclo de vida da fatura
estamos a tratá-lo desta forma para conseguirmos
é um princípio fundamental e profundamente dife-
ter a qualidade total: normalização, otimização e au-
rente. O que é que estamos a tentar fazer? Criar um
tomatização deste ciclo.
processo com regras. Um processo de todo o ciclo de
vida da fatura, integrado naquilo que é a gestão do Miguel Crespo – Lançava a questão primeiro ao
ciclo de vida da despesa ou, mais tarde, da receita. Bruno. Esta ideia, de uma forma um pouco provo-
E estamos a fazer isto como? Integrados com aquilo cadora, de centrar o serviço nas pessoas, não é a
que é a otimização da gestão de tesouraria preconi- base do serviço que todos fazemos, não devería-
zada na nova Lei de Enquadramento Orçamental e mos ter pensado sempre assim?
estamos a fazer isto em articulação com a Unidade
Bruno Monteiro – É uma pergunta muito pertinen-
de Implementação da Lei de Enquadramento Orça-
te. Eu definiria uma quarta fonte de conhecimento
mental, bem como com o Banco Mundial.
extremamente importante que é a experiência de
Outro aspeto fundamental é que não fizemos isto todos aqueles que, noutros contextos nacionais,
sozinhos, fizemos isto em colaboração, designada- designadamente, têm vindo a debater-se com pro-
mente, com as entidades que são os nossos pilotos. blemas muito semelhantes. Obviamente, não existe
Estou a chamar-lhes pilotos, mas são entidades em uma transposição do mesmo, mas existe a possibili-
aplicação real, portanto, nos fornecedores que já dade de pretensamente analógico de conseguirmos
estão a operar em produtivo a totalidade das faturas obter resultados inspiradores. E digo isto porque,
já são entregues, produzidas e rececionadas em em inovação, não há concorrência, o que há é emu-
formato eletrónico, de acordo com o padronamento lação, a capacidade de nós, aplicando o novo con-
definido pela União Europeia. Outro aspeto impor- texto, utilizarmos o conhecimento para o serviço
tantíssimo, é que fizemos estes pilotos para experi- do bem comum. E considero que sim, tem toda a
mentar, testar, afinar o conceito, previamente à dis- razão, o objetivo do Estado é servir os cidadãos. É
seminação. E é, neste momento, a fase de aferição esse o fundamento da sua existência, os funcioná-
que está a acontecer. Portanto, está a preparar-se rios públicos de todos os escalões hierárquicos é
aquilo que é o plano de disseminação, bem como a isso mesmo que fazem.
normativa adicional que está a ser preparada.
O que nós queremos com a introdução de uma
Garantia da qualidade da informação alinhada com abordagem experimental é podermos facilitar e po-
a utilização para processos concretos para a confe- tenciar precisamente essa missão, ou seja, é possí-
rência da fatura. Olhamos para os campos e para as vel a partir daqui saber o que é que funciona bem o
regras de processos concretos que se pretendem que é que funciona mal e, muitas vezes, os nossos
implementar. É um projeto que, é verdade, recorreu funcionários já sabem o que é que funciona mal.
ao conhecimento do mercado, mas fizemos, garan- O que temos, portanto, é que criar a oportunidade
tindo que o conhecimento permanece dentro da para que essa inteligência coletiva, e como alguns
administração, permanece connosco. É muito bom dos meus colegas salientaram, possa ser integrada
utilizar conhecimento externo, é muito bom utilizar nos processos e, portanto, possam ser as pessoas a
capacidade de mão de obra, mas o conhecimento comandar os processos e não o contrário. Esse é um
tem que ficar connosco. Não podemos ficar depen- ponto importante.
dentes nem de consultores nem de implementado-
O segundo ponto é que se tenha uma oportunida-
res, queremos que a administração seja autónoma.
de, uma via aberta constante para os cidadãos, para
Promovemos a valorização do conhecimento dos as empresas que são quem utiliza os serviços, que
nossos colaboradores, designadamente naquilo sabem melhor do que ninguém, por vezes, quais
que é, não a operação de carga, como dizia, hoje são as suas necessidades e as suas expectativas, e
de manhã, a Senhora Ministra, não é a carga ad- poder ter essa via aberta para nós próprios prestar-
ministrativa que é interessante, é utilizarmos o co- mos um melhor serviço. Portanto, o que a experi-
nhecimento das nossas pessoas que têm muito mentação vai fazer, não é inventar a roda, o que vai

84
fazer é simplesmente calibrar essa roda para que estarão a ser normalizados. Há uma data limite da
nós, funcionários públicos, continuemos a fazer o Comunidade Europeia até ao final de novembro,
que devemos fazer e que temos vindo a fazer, agora supostamente para sair o conjunto da regulamen-
com condições diferentes, ajustadas cada vez mais tação, que está em curso. Portanto, vai estar essa
às necessidades do momento. formatação, a própria eSPap poderá ter que fazer
alguma adaptação, porque fez com os formatos pro-
O mundo mudou, o Estado deve mudar e o que nós
visórios de 2015 e aquilo que for a decisão final do
estamos aqui a criar é um espaço de liberdade para
legislador português pode ter alguma adaptação,
que as pessoas possam arriscar de maneira contro-
mas isso está em curso e será conhecido.
lada, medindo os riscos, aprendendo com os erros
que se vão cometer. Esses erros vão poder ser uti- Miguel Crespo – Faço só uma pequena pergunta
lizados de maneira proveitosa. Portanto, o que a acessória que é: o facto de já estarem identificados
experimentação significa é um horizonte de opor- e definidos alguns formatos e isso não quer dizer
tunidade para continuarmos a fazer o que fazemos, que todos os potenciais intervenientes neste pro-
cada vez melhor. cesso tenham conhecimento desse formato?
Miguel Crespo – Uma pergunta muito simples Tiago Joanaz de Melo – Isso vai ser publicitado pela
e muito direcionada, para o Bruno: “Como fazer eSPap, vamos publicitar aquilo que são as condi-
parte do LabX, como se apresenta um projeto, ções. Há sempre as diretivas comunitárias e a publi-
uma candidatura, se é extensível à Administração citação nos sites formais, mas de qualquer forma, à
Local?”. medida que formos tendo acesso a essa informação
nós publicitá-la-emos no site.
Bruno Monteiro – Estamos disponíveis para receber
todos os desafios. No laboratório, costumamos dizer Miguel Crespo – Portanto, esta comunicação com
que adoramos problemas porque é precisamente os potenciais destinatários e todas as pessoas
por aí que começamos. Temos a certeza absoluta envolvidas no processo, obviamente, parece-me
que terão problemas, e é uma boa oportunidade de extremamente relevante. Isto liga com a questão
poderem começar a partilhá-los. O apelo que faço que a seguir irei colocar e que se dirige ao Carlos.
é partilhem os vossos problemas, esse é o primeiro Obviamente que as questões são abertas a todos
ato de risco que vamos assumir ainda antes de co- os membros da mesa. A questão está relacionada
meçarmos a trabalhar em conjunto. com dois dados que parecem extremamente rele-
vantes e que foram trazidos a partir da experiência
Miguel Crespo – Bruno, está a dizer que está pre- do IEFP online. Primeiro, o facto positivo de ter uma
parado para ser inundado de pedidos de trabalho forma diferente de encarar um problema, que era
e de colaboração do LabX. o funcionamento do portal, o que tinha como pri-
Uma outra questão, para o Tiago Joanaz de Melo, meira consequência, uma necessidade de muito
que é a seguinte: “Para a fatura eletrónica ser um apoio técnico, humano e telefónico, para que as
sucesso é preciso, primeiro, ser normalizado o coisas funcionassem. Portanto, desenvolver um no-
formato da fatura. Se assim não for, é um esforço vo portal, um novo serviço veio reduzir essa neces-
a efetuar com cada um dos fornecedores. Esta sidade, veio reduzir a probabilidade de erro e a di-
questão do formato parece-me que não foi, aqui, ficuldade?
muito abordada. Poderia falar um pouco mais so- A segunda questão, parece-me, também, extrema-
bre isso?”. mente relevante, que é a questão de rever a lin-
Tiago Joanaz de Melo – A Diretiva Comunitária pre- guagem. O Carlos abordou aqui, e abordou muito
coniza a criação de formatos: a primeira vez foram bem, uma linguagem que os cidadãos entendam
definidos em 2015, enquanto provisórios, e surge a e não apenas usarmos a linguagem que os servi-
Recomendação 1870/2017 com a tipificação de um ços entendem. Essa questão de aproximar aos ci-
conjunto de formatos que estão publicitados, são dadãos faz com que os nossos serviços funcionem
extensos, com muitos campos, são cerca de 230 melhor?
campos, com um conjunto de regras. A tipificação, Carlos Brito – Essa é uma questão importantíssima.
em Portugal, está dependente de um normativo A questão de linguagem é tudo. Quem está perante
que, como vos disse, está em curso. Os formatos um computador, um ecrã, com um conjunto de ter-

85
minologia que não percebe, vai ter muita dificuldade exemplo, temos notificações que passaram de uma
em conseguir atingir o seu objetivo. É importante página para cinco ou seis páginas, porque não sig-
que a linguagem seja uma linguagem simples, curta nifica que elas não possam, de facto, ter mais texto
e precisa. A informação tem que ser preparada para ter mais informação, ter informação adicional; ela
ser assimilada num curto espaço de tempo e numa tem é que ser clara e, portanto, acima de tudo tem
visualização muito curta. Temos de trabalhar a ques- que ser clara e muitas vezes, recebemos uma noti-
tão da linguagem essencial, porque as pessoas não ficação do tribunal e não sabemos o que significa,
percebem o que é que se está a pedir, portanto, o que temos de fazer. E uma das preocupações foi
não vão conseguir atingir os seus objetivos, nós não conseguir construir uma linguagem clara. Portanto,
vamos conseguir atingir enquanto Administração este trabalho nas tais 18 mil diferentes tipologias de
Pública. O nosso objetivo é potenciar os nossos ser- notificações que temos, não se faz de um dia para o
viços, mas a questão de linguagem é uma questão outro.
que deve ser transversal a todos os projetos. Mas é
Estamos a trabalhar nisso de uma forma muito ativa
uma questão, também, difícil, a de manter essa lin-
e esperamos que, até ao final da legislatura, termos
guagem ao longo do tempo. As pessoas mudam e
um grande número já concluído na área das notifica-
depois perdem muito esse foco da simplificação e
ções. Também temos trabalhado nesta questão no
da normalização da linguagem ao longo do tempo.
portal, ainda que fique muito por fazer porque é um
Miguel Crespo – Eu estenderia, também, esta ques- trabalho diário.
tão ao Pedro, porque a área da Justiça é, provavel-
Miguel Crespo – Entretanto, tenho estado a rece-
mente, uma das áreas em que a linguagem é mais
ber mais questões, muito obrigado a todos estão
técnica, que para o comum dos cidadãos parece
a participar de forma ativa e todos os outros que
mais hermética. O que é que se pode fazer na área
estão, obviamente, aqui a acompanhar-nos. Uma
da justiça para aproximar e simplificar o acesso
questão para o Bruno, que é: “A avaliação da qua-
dos cidadãos à justiça?
lidade do serviço prestado pelos vários canais de
Pedro Tavares – Pode-se fazer bastante. Quando atendimento é um projeto candidatável a uma co-
lançámos no ano passado a plataforma da justiça: laboração?”.
justica.gov.pt, um dos desafios que tivemos, é um
Bruno Monteiro – Temos defendido que, existem
exemplo muito prático, queríamos normalizar as
várias formas de avaliação das interações com o
fichas de serviço para que as pessoas conseguissem
Estado, existem algumas que são numéricas e são
perceber claramente o que estavam a fazer, o que
traduzíveis em números, existem outras que são
tinham de fazer. Uma das questões com que nos de-
mais difíceis de objetivar porque tem que ver com
parámos foi, para definir preço, nós tínhamos três
a perceção e com qualidade do atendimento. Estas,
tipologias: tínhamos custas, emolumentos e preço.
digamos, dimensões qualitativas são igualmente
Isto para um cidadão é difícil de conseguir compreen-
importantes, porque, muitas das vezes, as pessoas
der qual é a diferença entre cada uma destas coisas,
conseguem resolver o problema por via digital, per-
não é? Portanto, uma das nossas preocupações foi
feitamente, mas, ainda assim, atribuem um valor
termos de ser claros com os cidadãos e conseguir
especial à qualidade do atendimento que têm, por
explicar o que são estas questões numa linguagem
exemplo, no atendimento presencial. Assim, há
que as pessoas percebam. Enviamos cerca de 18
dimensões que não são puramente relativas à di-
mil tipos notificações para os cidadãos. Os tribunais
mensão mais técnica da prestação de serviço, que
têm cerca de 18 mil; sobre as quais estamos a fazer
é necessário ter em conta, e que tornam o serviço
um trabalho muito grande de revisão da lingua-
público um trabalho tão exigente e tão especial no
gem e da estrutura dessas notificações para que as
contexto da interação com o cidadão. Esse é um
pessoas consigam perceber, porque é que recebe-
projeto que temos trabalhado, por exemplo, no
ram a notificação. O que é que significa? O que tem
atendimento presencial na Loja do Cidadão: uma
que fazer? Quais são os próximos passos que tem
das dimensões que mais temos explorado é, preci-
que dar? O que é que pode fazer a seguir? Ou seja,
samente, a das condições de atendimento e de pós
todas as questões que surgem à volta daquela no-
serviços, ou seja, de avaliação de serviço juntamente
tificação sejam claras. Muitas vezes, o que estamos
com cidadãos.
a fazer não significa, em alguns casos, reduzir. Por

86
Aproveitava para fazer aqui a menção a um aspeto ponder a estas pequenas questões que vão surgir
muito importante. Neste momento, como saberão de todos os serviços?
está a decorrer o SIIGeP e uma das suas dimensões
Tiago Joanaz de Melo – A Diretiva Comunitária es-
é a candidatura a projetos experimentais. Está a de-
tabelece uma obrigação dos Estados Membros re-
correr a apresentação dos primeiros projetos expe-
ceberem faturas eletrónicas no seu formato, no
rimentais que foram candidatados e aprovados no
formato tipificado, em que se pretende ter capaci-
âmbito desta linha de apoio e de incentivo à inova-
dade de receber de quem quer emitir, a partir de 18
ção no serviço público. Estamos disponíveis, mais
de abril de 2019, para Administração Central e 2020
uma vez, para ouvir todas as alternativas, ter uma
para as demais Administrações. Apenas consigo res-
conversa franca com toda a gente e ouviremos com
ponder por aquilo que foi a solução, dos projetos
toda a atenção, os vossos problemas e desafios.
que fizemos. Trabalhamos projetos-piloto de três
Miguel Crespo – Pedia ao Tiago que, a partir deste grandes entidades, a Autoridade Tributária, com
caso concreto, falasse um pouco sobre todos os imensa dimensão, a Agência para a Modernização
casos que vão surgir com a aplicação nesta lógica Administrativa, I.P., enquanto um dos institutos pú-
da fatura. “Pode-se aplicar a fatura eletrónica na blicos, e o Instituto Camões, I.P., que é uma entida-
saúde quando o utente, não isento de taxa mode- de da administração indireta, que funciona de uma
radora, deixa um pedido de receituário na caixa de forma muito particular, uma vez que tem periféri-
via verde?”. cos espalhados pelo mundo. Nesses casos temos
É um caso muito concreto, e vão existir muitos ca- tipificações e isso deverá abranger aquilo que é o
sos destes em todos os serviços da Administração comum da Administração Pública. É uma questão
Pública: Como é que se garante que isto funcione que em função do tal plano que será apresentado,
para todos os casos, todas as regras e todas as ex- nos adaptaremos ao mesmo. Sabemos que o plano
ceções que existem? e a legislação estão em curso, está a ser produzida, e
será publicitada em breve.
Tiago Joanaz de Melo – A tipificação daquilo que é
uma fatura eletrónica foi um trabalho desenvolvido Miguel Crespo – Tenho mais duas questões. Ambas
pela Comissão Europeia. O que é que fez a Comis- para o Pedro e depois, uma questão que gostaria
são Europeia? Criou uma estrutura com 230 campos que todos os participantes da mesa pudessem
com um conjunto de possibilidades alternativas de falar um ou dois minutos sobre ela. As questões
preenchimento. Assim, existe um conjunto de situa- para o Pedro são: “Como é que conseguiram
ções em que há regras pré-definidas e que têm que colocar os vários ministérios a trabalhar, em con-
ser tipificadas em cada país. É essa parte da tipifi- junto, no BUPi (Banco Único do prédio)?”. “E depois
cação em cada país que ainda falta regulamentar. como é que se processa a seleção de utilizadores
Aquilo que estamos a trabalhar é numa solução. A para a experimentação e prototipagem?”. A outra
solução que a eSPap tem vai ao encontro da solução questão é sobre a criação de um balcão único. “Os
standard europeia, e faz o que a Comissão Europeia postos de trabalho vão diminuir? E esse processo
chama de invoice user certification, ou seja, uma tipi- será o mais conveniente?”.
ficação para Portugal. A solução que temos permite Pedro Tavares – Em relação à primeira questão,
uma tipificação normalizada do que são as faturas. sobre a articulação entre as várias áreas, isto faz-se
As situações específicas vão ter que ser avaliadas de várias formas. Primeiro, a questão da colabora-
posteriormente. A Comissão Europeia informou que ção e vontade de haver colaboração. Estamos aqui
este é um formato que suporta tudo, não obstante a falar de um contexto, de um desafio e de um
ter de ser feita uma avaliação. É um projeto-piloto momento difícil que vivemos todos e que foram os
que fizemos com três entidades, está a ser utilizado incêndios. Isso ajudou-me muito a esta colaboração.
na base daquilo que é a definição da norma portu- Temos aqui um desafio, temos aqui um problema.
guesa. A própria eSPap pode ser obrigada a adotar Depois, o próprio apoio governamental. Este tipo de
ou a fazer algumas adaptações a esse formato. projetos, de início têm que ter, de facto, este empow-
Miguel Crespo – Tiago, posso acrescentar uma erment, esta vontade ao nível central do Governo de
pergunta: haverá um momento em que quem está querer fazer. É muito importante a colaboração das
a desenvolver este serviço terá uma forma de res- autarquias, porque este trabalho de colaboração é

87
central, para que as coisas vão acontecendo. Esta Tiago Joanaz de Melo – Existe uma data a que é
vontade comum e este espírito comum de, as pró- preciso responder. Os prazos são aqueles que disse,
prias pessoas, perceberem que temos que mudar e 18 de abril de 2019 para a Administração Central e
temos que pensar de forma diferente como vemos 18 de abril de 2020 para as demais administrações
o território, o interior e os nossos terrenos. Esta foi a públicas. Aquilo que sabemos é que tem de haver
primeira causa comum e foi absolutamente central um planeamento do plano de disseminação e em
para trabalharmos. função desse plano que vier a ser aprovado bem
Miguel Crespo – A segunda parte da pergunta tem como a legislação que está em falta, saberemos efe-
a ver com a forma como se selecionam as pessoas tivamente a aplicabilidade dessa data ou não.
para participar no processo de experimentação e Miguel Crespo – E agora uma questão: “Qual a re-
prototipagem. lação do IEFP com as pessoas surdas em situação
Pedro Tavares – Há muitos casos diferentes, depen- de desemprego, nomeadamente da acessibilidade
de do projeto, depende do que foi o desafio. Por à comunicação através de língua gestual?”. Obvia-
exemplo, no caso do Tribunal+, fizemos um traba- mente que não consegue fazer atendimento tele-
lho em que quisemos ver, dependendo das tipolo- fónico, mas que poderá fazer videochamada, ou
gias dos tribunais, quais os que tinham, neste caso, seja, estamos a falar de situações relativamente
maior expressão. Fomos para os tribunais com diferentes e chama-se a atenção para a especifi-
maior expressão, começámos por Sintra, fomos ou- cidade dos cidadãos com algum tipo de limitação
vir os utentes do Tribunal de Sintra. Assim, traba- ou deficiência.
lhámos muito especificamente com os utentes do Carlos Brito – No IEFP fazemos esse tipo de aten-
tribunal e também com os funcionários do tribunal. dimento diferenciado para os cidadãos com neces-
Fizemos um trabalho de amostragem que pode ser sidades especiais exatamente por videoconferên-
um puco mais aleatório, o que pode tornar os menos cia, ou seja, o utente pode agendar no serviço uma
resultados científicos. Noutros casos, trabalhar uma sessão de videoconferência e é atendido por um
amostragem definida, por exemplo numa conserva- colega que terá capacidade de responder às ques-
tória, para perceber qual o público-alvo da conser- tões que vai colocar. Através do Skype, ou de outras
vatória. Para trabalhar no óbito, a primeira coisa que ferramentas do género podem agendar, se preten-
fizemos foi: definir três regiões, três concelhos falar derem, este tipo de atendimento diferenciado.
com as pessoas.
Miguel Crespo – Uma questão que refere o seguin-
Auscultámos as pessoas em Lisboa, em Coimbra e te: “Não obstante toda a inovação que tem ocorri-
em Resende, três realidades completamente distin- do na Administração Pública, não existe o perigo
tas umas das outras e foi desta forma que conse- de os dados dos cidadãos ficarem sobre a alçada
guimos encontrar respostas. Conseguimos perceber de entidades privadas? As entidades públicas não
que, no caso de Resende, se trata muito de informa- têm todo o know how e têm que partilhar com enti-
lidade, as pessoas conhecem-se e como trabalham dades privadas as suas bases de dados. Corremos
e residem naquela zona acabam por resolver os esse risco? Num tempo em que nos preocupamos
assuntos. Em Coimbra já não funciona tanto dessa muito com a nossa privacidade e em que as nossas
forma e em Lisboa é muito diferente. Percebermos bases de dados não estão muitas delas sequer em
que em cada uma destas realidades, temos de con- Portugal. Não me refiro necessariamente às da
seguir compreender a amostra e devemos trabalhar Administração Pública, mas aquelas que usamos
para conseguir atingir os resultados. É muito im- todos os dias, provavelmente, todos usamos ser-
portante fazer um trabalho prévio. Fizemos muitas viços internacionais em que estamos a fornecer os
sessões e reuniões iniciais, precisamente antes de dados não sabendo muito bem para quem. Isto é
começarmos. Não tenhamos medo de experimentar um perigo na Administração Pública?”.
ou medo de errar, isso é importante.
Bruno Monteiro – É uma excelente questão e que
Miguel Crespo – Entretanto temos mais duas ques- está claramente na ordem do dia. Existem dois tipos
tões, parecem-me ser muito relevantes: a primeira de respostas que, neste momento já estão em curso.
para o Tiago: “Vamos ter capacidade de cumprir as Uma, legislativa, com um Regime Geral de Proteção
datas definidas para 31 de dezembro?”. de Dados (RGPD), que é uma tentativa de responder

88
a alguns destes desafios e a algumas destas preocu- pelo que tivemos esta migração, tivemos mudança,
pações. As instituições públicas têm acompanhado, tivemos comportamentos diferentes. Mas, por outro
obviamente, este processo e têm sido bastante ex- lado, há dados públicos e que são muito importan-
peditas na sua implementação. O outro tipo de res- tes e interessantes que criam conhecimento, que
posta que me parece muito interessante e que tem criam investigação e melhoram a economia, ou seja,
lugar em fóruns como este é o da sociedade civil e do temos que saber aproveitar e saber distinguir bem o
espaço público onde o debate deve existir e onde, de que os dados são.
resto, têm surgido contributos muito importantes. O RGPD é um avanço muito grande na Europa, não
Por exemplo, para a implementação daquilo que é é por acaso que o presidente da Apple sugeriu que
a administração aberta ou seja, uma administração os Estados Unidos adaptassem algo igual para os
que é transparente, que presta contas, que explica, Estados Unidos. Foi um avanço grande é preciso
por exemplo, qual é que é o funcionamento e as im- percebermos isso. Estamos dispostos a perder um
plicações de um algoritmo mesmo para leigos. Este bocadinho da nossa privacidade, dos nossos dados
é um debate importante, é um debate que deve ser para termos benefícios da tecnologia, temos de con-
mantido, em conjunto pela sociedade civil e pelo seguir distinguir que dados têm que ser salvaguar-
Estado. Acho que o tema vale decididamente a pena dados. E esses dados são salvaguardados daqueles
ser debatido, sobretudo numa altura onde se discu- que podem ser públicos, e que podem criar valor
tem grandes transformações sofisticadas do ponto para o cidadão.
de vista tecnológico, por exemplo, a inteligência arti-
ficial, na utilização de bases de dados massivos, são Miguel Crespo – Tiago, temos problemas com da-
questões que, claramente, devem ser discutidas e dos neste processo de implementação da fatura
devem ser constituídas explicitamente em tema de eletrónica?
debate. O Estado português tem conduzido uma dis- Tiago Joanaz de Melo – A questão da web services é
cussão em torno da administração aberta que me algo que está a grassar por causa da cloud e o aspeto
parece abrir espaço para que esta discussão ocorra mais complicado da cloud é passar a comprar servi-
em todas as todos os fóruns como este. ços em cloud. Estávamos preparados para comprar
Miguel Crespo – Carlos, no caso concreto em rela- hardware e sabemos comprar hardware e licenças,
ção ao IEFP, isto é uma questão? temos que saber comprar serviços de cloud. Se quero
espaço de máquina e se quero espaço da capacidade
Carlos Brito – A questão da cloud é uma incontor- de processamento tenho que saber comprar exata-
nável. Cada vez mais os vendedores de software só mente isso, sob pena de poder pagar muito mais. O
apostam em soluções de cloud e é uma questão de ponto fulcral é a Administração Pública saber como
tempo até quase sermos forçados a ir para soluções comprar web services como serviço, comprar bases
de cloud. Temos é de garantir que são cumpridas as de dados como serviço, comprar processamento
normas europeias ao abrigo do Regulamento Geral como serviço, comprar software como serviço e não
de Proteção de Dados e que, de alguma forma, os a licença em si, a máquina em si, é esse o grande
dados estejam protegidos. Tudo o que é informação desafio da Administração.
da Administração Pública tem que ficar dentro da
Miguel Crespo – Temos de terminar aqui esta ses-
Administração Pública, isso é incontornável.
são agradeço a todos vocês, aos que participaram
Miguel Crespo – No caso da Justiça, Pedro? e aos que estiveram apenas a ouvir, espero que
Pedro Tavares – É importante distinguir aqui dois tenha sido útil.
tipos de dados. Primeiro, o que são dados privados Apresentações dos Projetos:
e o que são dados públicos. Temos que ter cuidado
com a forma como vemos os dados. “Balcão Único do Emprego/IEFP Online”, IEFP;

O Presidente da AMA referiu uma questão impor- “Projeto de Experimentação da Justiça”, GMJ;
tante e no caso dos tribunais é um dos exemplos: “Cultura de Experimentação”, LabX.
Durante anos, os processos estavam disponíveis em
suporte papel que todos podiam consultar; hoje em
dia, os processos estão em sistemas informáticos,

89
90
Mesa Redonda III
As Fronteiras Mentais: O Papel
dos Novos Ambientes de Trabalho

ANA ISABEL HELENA MARUJO ISAURA TAVARES CATARINA ROMÃO


FERNANDES GONÇALVES
Professora do Instituto Presidente da Socie-
Diretora de Serviços Superior de Ciências dade Portuguesa de Secretária-Geral
de Gestão de Sociais e Políticas da Neurociências (SPN) Adjunta da
Recursos Humanos Universidade de Lisboa Secretaria-Geral
da Secretaria-Geral (ISCSP-UL) da Presidência do
do Ministério da Conselho de Ministros
Defesa Nacional (SGPCM)
(SGMDN)

MODERADORA:
ELISABETE REIS DE CARVALHO
Diretora-Geral da Direção-Geral da Qualificação
dos Trabalhadores em Funções Públicas (INA)

91
Elisabete Reis de Carvalho – Vou moderar o último Podem pensar, “são ricos, têm dinheiro para isso
painel antes da sessão de encerramento. Desde tudo”. Não, não é verdade. Porque 10 mil horas de
já, agradeço aos resistentes, aos muitos resisten- formação são grátis, ou seja, não têm tido custos,
tes que permanecem no Congresso para discutir porque utilizamos muitas parcerias com o IEFP, no-
um tema que nos é caro, a inovação. E a inovação meadamente em áreas técnicas e em áreas com-
assente nas pessoas e na gestão das organizações. portamentais. Já fizemos sete edições de formação
Este último painel tem como tema os ambientes de formadores, porque também apostamos em
de trabalho, as fronteiras mentais desses mesmos formar os nossos colaboradores para poderem eles,
ambientes de trabalho e os múltiplos fatores que no âmbito das partilhas de conhecimentos internas
podem estar contidos no tema. Eles serão alvo de alargadas às entidades da Defesa, transmitir os seus
debate, de um debate com diferentes represen- conhecimentos. Esta parte da qualificação profissio-
tantes e, por isso, passo a palavra a quem vai con- nal tem sido realmente uma preocupação, quer da
tribuir para a discussão. anterior Direção, quer desta Direção.
Não posso deixar de notar que começámos este No meio desta qualificação, temos feito umas coisas
Congresso com um primeiro painel, após a aber- engraçadas, um bocadinho “fora da caixa” para apro-
tura pelos Senhores Ministros, onde tínhamos o veitar a riqueza dos ramos da defesa. Fizemos um
pleno no masculino e temos, na última sessão, o team building nos fuzileiros, andámos de noite na
pleno no feminino. Conseguimos a nossa igualda- mata camuflados com jogos que foi, lá está, criar o
de de género! Começaria por agradecer a partici- cimento, porque concorremos depois ao showcasing
pação de todas e pedia para nos explicarem o que com alguns destes projetos. Estivemos também
é que estão a fazer para criar ambientes de traba- na Escola Naval e depois temos feito muitas ações
lho saudáveis nas organizações e o que é que reco- na parte das relações interpessoais, da gestão de
mendam como boas práticas. equipas, da gestão de conflitos, de design thinking.
Vamos ter a gestão da mudança, a resiliência,
Ana Isabel Fernandes – Vou primeiro dar uma nota
enfim, é também uma forma de recompensar os
sobre a missão da Secretaria-Geral. A Secretaria-Ge-
trabalhadores porque, nos anos em que houve corte
ral do Ministério da Defesa (SGMD) tem cerca de 215
de remunerações e todos passámos por isso, houve
efetivos, efetivos esses que são constituídos por mi-
essa aposta clara.
litares e civis o que, vão ver na minha intervenção
mais à frente, é realmente um desafio. A SGMD, à Também tivemos uma experiência muito interes-
semelhança da Presidência do Conselho de Minis- sante que foi um assessment aos dirigentes, então
tros (PCM), presta serviço às entidades, em menor fizemos um assessment com um grupo de cerca
número do que a PCM, mas numa componente tec- de 40 pessoas com o objetivo de definir o perfil de
nológica muito importante, porque gere dados da competências dos dirigentes da Secretaria-Geral.
Defesa e vários sistemas de informação transversais Entretanto, como apareceu o modelo de Gestão por
à Defesa como o sistema de gestão financeira e lo- Competências na Administração Pública (gecAP),
gística que é comum aos vários ramos das Forças abrandámos o ritmo do projeto para alinhar com
Armadas. que o que é feito pelo INA e estamos à espera dos
desenvolvimentos.
O que é que temos feito para tornar o ambiente
de trabalho saudável e feliz, dentro dos constrangi- O ambiente de trabalho tem várias dimensões. É
mentos que tivemos nos últimos anos? Exatamente claro que podemos ter uma boa qualificação, mas
como a PCM, temos falta de recursos qualificados, depois não ter bons locais de trabalho, com bons
a rotatividade é imensa, mas temos um objetivo do equipamentos. Com o mote do Fórum de Segu-
Quadro de Avaliação e Responsabilização (QUAR) rança e Saúde no Trabalho (SST) e de um desafio
que tem sido constante nos últimos anos, e que é lançado pela Autoridade para as Condições de Tra-
a qualificação profissional dos trabalhadores. Efe- balho (ACT), também criámos internamente uma
tivamente houve uma aposta clara em formar, em rede de segurança e saúde no trabalho nas entida-
qualificar. Prestámos este serviço à Secretaria-Geral, des da Defesa. Elaborámos um plano de organiza-
mas também às entidades da Defesa. Posso dizer ção dos serviços de segurança e saúde no trabalho,
que temos 5 mil horas de formação por ano. que foi aprovado pelo Senhor Secretário de Estado,

92
comum a estas entidades. O Estado Maior General Helena Marujo – Um agradecimento muito especial
das Forças Armadas, está instalado num edifício que porque este é um momento celebrativo, estarmos
é uma unidade militar onde estão muitos trabalha- aqui em conjunto a pensar, a agir o futuro, a inovar
dores civis. E começámos a trabalhar a aproximação e isso é imaginarmos as possibilidades que estão à
entre militares e civis, a troca de experiências e a nossa frente e percebermos onde é que temos que
aproveitar aquilo que era feito no âmbito da Defesa. fazer a mudança. Penso que a Ana foi fantástica com
uma lista extraordinária de ações que se alinham
Criámos a rede de SST, plano esse que foi aprovado
com aquilo que vamos investigando. Venho aqui
em maio de 2017. A rede reúne-se periodicamente
muito numa posição de investigadora, mas uma in-
para a execução das medidas de segurança e saúde
vestigadora que se interessa pela ação. Só investigo
no trabalho. A medicina no trabalho é dirigida mais
precisamente para melhorarmos a qualidade das
aos civis porque os militares têm, no próprio estatu-
nossas vidas e, progressivamente, temos vindo a en-
to, a obrigatoriedade da avaliação da condição física.
tender cada vez mais aquilo que são hoje as grandes
Já têm crédito para a atividade física por causa do
necessidades, as grandes vontades e motivações
projeto e, efetivamente faz parte do estatuto e temos
que estão por detrás de muitos de nós quando vi-
promovido muitas medidas de SST. As medidas de
venciamos as experiências laborais.
SST têm também uma parte do bem-estar e, interna-
mente, são os próprios técnicos que nos desafiam, Como já aqui foi referido, um dos aspetos essenciais
porque as ideias são muitas e o tempo é pouco e é a ligação com experiências emocionais positivas,
cada vez somos menos. ou seja, esperamos e queremos que o trabalho
seja uma experiência satisfatória do ponto de vista
Criámos uma equipa multidisciplinar que organizou
afetivo, queremos todos gostar do que fazemos,
iniciativas diversas como ações de voluntariado,
queremos gostar das equipas com quem estamos,
pintar escolas, jardinagem, recolha de alimentos,
queremos ter espaço, ter voz, participar. A investiga-
recolha de livros que depois, numa base de dados,
ção hoje é muito clara pois mostra-nos que, quando
os próprios trabalhadores que precisavam para os
as pessoas estão a sentir-se bem, seja porque foram,
filhos pediam para ficar com esse material. Temos
valorizadas ou elogiadas, seja porque lhes deram
também uma mostra de talentos. Estas iniciativas
autonomia na gestão da maneira como podem fazer
são importantes porque aproximam as pessoas no
o seu trabalho, seja porque sentem essa valorização
edifício.
e tiveram reconhecimento através de formação.
Mas há outra dimensão que é muito importante, e
Quando as pessoas sentem emoções positivas por-
que corresponde às relações que existem entre
que, por exemplo, se divertem com os seus colegas
as equipas e as chefias e as relações entre as pró-
de trabalho, estão mais capazes de pensar solu-
prias chefias e a Direção. Nada disto seria possível
ções e as soluções que conseguem encontrar são
sem o apoio incondicional da Direção que, até hoje,
de muito melhor qualidade. É muito claro que as
tivemos e vamos continuar a ter. Temos um projeto
emoções positivas são um elemento fundamental
de avaliação dos riscos psicossociais que está em
da experiência de trabalho e tem um impacto cog-
avaliação. Preocupa-nos a fadiga, preocupa-nos o
nitivo social porque, quando nos estamos a sentir
stresse, porque a pressão é diária e cada vez somos
bem, temos mais vontade de colaborar, ficamos
menos.
mais pró-sociais e todos queremos, nas nossas or-
Elisabete Reis de Carvalho – A Ana é fantástica por- ganizações, que são maioritariamente espaços de
que responde à pergunta e antecipa futuras per- grande interdependência, ser capazes de sentir que
guntas. Já nos disse qual é o principal resultado a relação com o outro e o próprio ambiente onde
que é a coesão grupal, aproximar mais as pessoas nos movemos nos traga estas experiências constru-
e diminuir os riscos psicossociais no trabalho. tivas do ponto de vista afetivo. Quando elas acon-
Pergunto à Helena, exatamente isso, o que é que tecem, e perante os maiores desafios, as maiores
podemos fazer nas organizações da Administra- pressões, somos mais competentes cognitivamente
ção Pública para diminuir riscos psicossociais e em termos da relação interpessoal e ficamos mais
também para que todos estejamos a trabalhar preparados para, no futuro, enfrentar outras limita-
com maior satisfação no dia a dia nas nossas or- ções e desafios que a nossa experiência profissional
ganizações. nos traga.

93
Este foi talvez o primeiro grande caminho que a in- presentes no ambiente de trabalho e o impacto na
vestigação científica na área dos ambientes de tra- qualidade do trabalho é grande.
balho nos trouxe, a par de um segundo movimento
Tem-me interessado muito investigar o bem-estar
que começou a ajudar-nos a pensar se temos capital
e a felicidade, não só para chamar a atenção sobre
humano, se temos capital social e se ambos são fun-
esses elementos que ficaram, de alguma forma, es-
damentais nas nossas práticas laborais. E começá-
quecidos nas nossas visões sobre o trabalho durante
mos a explorar se o capital psicológico positivo tinha
décadas e, hoje, sabemos que as pessoas que se
vantagens quer do ponto de vista do trabalhador, dizem mais felizes são, de facto, as mais produtivas,
em termos individuais, quer do ponto de vista da faltam menos ao trabalho, têm mais capacidade de
organização, do seu desempenho, da sua produti- superação daquilo que são os momentos difíceis. Há
vidade, no seu compromisso e envolvimento com um conjunto de características muito claras que está
a organização e fomos descobrindo alguns clusters, associado à experiência e à auto-avaliação da felici-
alguns conjuntos de variáveis e competências, ou dade e começou a interessar-me estudar a perspeti-
talentos, ou forças psicológicas que estão também va da felicidade pública, não apenas o que é felicida-
claramente associados à nossa capacidade de es- de individual e o que leva cada um a viver mais feliz.
tarmos no nosso melhor quando estamos no nosso
contexto laboral. Com uma equipa de economistas italianos (é muito
interessante que os economistas estejam hoje cada
Por exemplo, um deles é o chamado capital psico- vez mais virados para estas questões), fomos à
lógico positivo que mostra que as pessoas que têm procura da própria conceção latina do que é a felici-
níveis de esperança elevados, ou seja, conseguem dade, comparativamente com o mundo anglo-saxó-
estabelecer objetivos, acreditam que, do ponto de nico, a happiness que depende e tem como perspetiva
vista da sua eficácia, vão ser capazes de os atingir e aquilo que nos acontece – what happen – e, portanto,
que são capazes de planear estratégias para chegar uma visão mais externa na nossa qualidade de vida
a essas metas. Acabei de dizer definição científica de interior. O nosso modelo de felicidade pública que já
“esperança” que é uma palavra que usamos muito vem dos romanos, e Lisboa foi, durante a ocupação
no dia-a-dia, mas que quando estudamos, cientifica romana, a Felicita Julia, a “cidade da felicidade” e o
e profundamente, encontramos como componen- conceito de felicitas é muito diferente daquele que
tes, têm níveis de esperança elevados, níveis de oti- é o anglo-saxónico. É muito baseado em duas ideias
mismo, olham para o futuro com uma crença de que fundamentais.
aquilo que vem aí é melhor do que que acabaram
de ter. A primeira é trazer a virtuosidade e o melhor das
pessoas ao de cima e tem-me interessado perceber
Uma segunda variável mostra como a componen- como é que as empresas se organizam no sentido
te psicológica tem um impacto muito construtivo, de criar condições para as pessoas poderem ser vir-
quer do ponto de vista da pessoa, do trabalhador tuosas. Fizemos um estudo com representativida-
enquanto ser individual, quer daquilo que traz para de nacional sobre felicidade que nos mostrou, por
a organização. Depois temos dois elementos funda- exemplo, uma percentagem próxima de 90% dos
mentais, ainda dentro desta visão do que é o nosso portugueses a dizerem que têm muito mais poten-
capital psicológico positivo, que é o conceito de au- cial do que aquilo que conseguem concretizar no seu
toeficácia, de confiança nas nossas competências dia-a-dia, o que é assustador. Portanto, há aqui uma
e o de resiliência. E resiliência como a superação, a oportunidade brutal de pensar as formas de respon-
transcendência daquilo que são os momentos, as der à questão “tenho muito mais do que aquilo que
situações, os contextos mais complexos na nossa vou conseguir dar no meu trabalho, na minha vida,
experiência de vida. na minha comunidade, na minha vizinhança”.
O segundo momento foi identificar algumas carac- E o segundo momento desta perspetiva da felicida-
terísticas mais individuais que mostram claramente de pública é que a felicidade tem que ser uma expe-
que, quando temos colaboradores com estas com- riência coletiva, partilhada, comum e, isso, acontece
petências, e todas elas são treinadas (esta é a grande através dos bens relacionais que acho que estive-
alegria também associada a estas descobertas cien- ram muito presentes na maneira como a Ana apre-
tíficas), podemos desenvolvê-las todas quando estão sentou as suas excelentes iniciativas. E o que é que

94
são bens relacionais? São bens não instrumentais. ponencial e os dados mostram que as pessoas que
Dou-vos um exemplo: não sei se já ouviram falar de têm sentido na vida, conseguem desativar respostas
um portageiro da Ponte 25 de Abril que criou uma inflamatórias, biológicas, com expressão genética,
página de Facebook que tem milhares de seguidores mesmo que, quando não conseguem ter experiên-
e o que ele faz é simplesmente ter uma palavra es- cias emocionais positivas, porque alguns dos nossos
pecial e apreciativa, humorística ou de valorização trabalhos são mesmo difíceis, é incontornável.
de cada pessoa que passa na portagem. Portanto, Mas, se conseguir atribuir um sentido, um propó-
estamos a falar de um trabalho que tem um con- sito àquilo que estou a fazer, então consigo saúde,
trato, é um processo contratual entre um cliente e consigo saúde individual e, por causa disso, trago
uma entidade que tem que dar a alguma coisa, o saúde também para o ambiente laboral.
serviço que vamos receber, e ele conseguiu moldar Elisabete Reis de Carvalho – A neurociência tem
o seu trabalho, de tal forma, que as pessoas prefe- incrementado o conhecimento (e um conheci-
rem ficar na fila quando sabem que é ele que está mento sólido, baseado em evidências), sobre o
de serviço do que passar ao lado, mais rapidamen- ser humano. Também vemos que muito do que
te, numa máquina sem relação com ninguém. Ele defendemos em matéria de gestão e de práticas
conseguiu transformar um bem que é instrumental de gestão nas organizações depende dessa com-
e contratual, que é uma transação económica, num preensão do ser humano. O que é que a neuro-
bem relacional. ciência traz de novo para introduzirmos nas nossas
O que é que então está por trás desta ideia do bem organizações face à importância não só da razão,
relacional e que estamos a estudar e a implemen- mas da emoção, para sermos um todo?
tar projetos nas empresas exatamente para a pro- Isaura Tavares – O que mostra que este Congresso
mover? É a ideia de que nos relacionamos de uma é uma inovação, porque termos uma neurocientista
maneira uns com os outros de forma que, a identi- neste tipo de debate não deve ser algo muito comum.
dade do outro conta mesmo, não é qualquer colega Agradeço, também, porque me deu a oportunidade
que me serve, é aquele colega, da mesma maneira de ver o outro lado da Administração Pública que,
que não dizemos “tenho agora este amigo, mas enquanto cidadã deste país, desconhecia. Fico muito
posso trocá-lo por outra pessoa qualquer”. contente por saber que já se está a trabalhar com
Quando as empresas conseguem fazer as pessoas fundamento científico, a bem de todos.
sentirem que cada um é importante naquele lugar, Respondendo à sua pergunta, o que é que as neu-
naquele momento, que os processos em que estão rociências nos permitem saber? Permitem-nos per-
envolvidos na relação são muito mais do que instru- ceber por que é que, neste momento, temos muitos
mentais e que aquilo que é importante é a relação utensílios para olharmos, sem ser de uma forma in-
em si mesma e não apenas aquilo a que a relação vai vasiva, para o nosso cérebro e perceber que áreas
levar, então estamos a falar de processos relacionais é que estão a funcionar melhor ou pior quando
que, daquilo que vamos investigando, são talvez os expomos as pessoas a determinados contextos,
bens mais urgentes, mais necessários e que procu- por exemplo, contextos de stresse. Sabe-se que
ramos mais, todos os dias, na vida diária. pessoas submetidas a um stresse prolongado têm
E o último elemento é a investigação recente na área atrofias diárias do encéfalo, que essas atrofias levam
do sentido. E também temos uma revolução a acon- frequentemente à depressão e há também indica-
tecer em relação a gerações anteriores. Queremos ções de que o stresse prolongado, nomeadamen-
fazer coisas que tenham um propósito e daí que te no ambiente de trabalho, pode levar a doenças
as práticas de responsabilidade social das organi- neuro-degenerativas e este é um aspeto negativo.
zações, as ações de voluntariado, etc., sejam obvia- Por outro lado, o aspeto positivo é que mostra que,
mente muito importantes, não esquecendo as res- quando estamos em ambientes de trabalho, e não
ponsabilidades corporativas internas, isto é, o que é só, estimuladores, o cérebro tem atividade em áreas
que estamos a fazer pelos nossos próprios colabo- que são muito importantes, por exemplo, de nos li-
radores e não apenas para quem está lá fora. Esta garmos uns aos outros.
busca do sentido associado ao trabalho é qualquer Muitas vezes, resistimos à mudança, por exemplo,
coisa que está a crescer também de uma forma ex- do posto de trabalho. Com a idade, gostamos menos

95
da mudança, mas o cérebro gosta da mudança, o Catarina Romão Gonçalves – Muito obrigada, so-
cérebro precisa de mudança e é estimulado pela bretudo, pelo privilégio que é fazer parte de um
mudança. Ambientes de trabalho em que há alguma painel com esta natureza, e já vou explicar precisa-
mudança são ambientes positivos para que o mente porque é que estou a dizer isto. A Secreta-
cérebro funcione melhor. ria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros
(SGPCM) pretende afirmar-se como um centro do
Outro mito é, por exemplo, nos cargos de gestão, os
Governo. E, vista de fora, parece que somos uma Se-
líderes, às vezes, são os que não ouvem. Os líderes
cretaria-Geral um bocadinho esquizofrénica, porque
também estão em posições muito complicadas,
temos o Planeamento e Infraestruturas, temos a
porque têm que decidir e ouvi aqui algumas conver-
Cultura, temos o hemisfério direito e o esquerdo
sas de pessoas que diziam “tenho estes trabalhado-
do cérebro a funcionar freneticamente e temos
res e não sei o que lhes fazer”. São decisões muito
áreas completamente díspares. Não são poucas as
complicadas e, muitas vezes, os líderes estão isola-
vezes em que nos perguntam “como é que tratam
dos na sua decisão e até fisicamente.
a Cultura e as Infraestruturas no mesmo dia, na
As neurociências mostram que o cérebro não fun- mesma hora, nos mesmos 10 minutos?”. A questão
ciona bem em isolamento ou até que funciona mal. é que o conhecimento não tem, exatamente aquilo
Obviamente que não estou aqui a defender que não que dizem neste Congresso, fronteiras e, não tendo
haja momentos em que precisamos de um grande fronteiras, como dizia Einstein, podemos ginasticar
isolamento, porque há trabalhos que só fazemos o corpo para ficarmos aptos para desenvolver as ar-
bem com isolamento, mas as neurociências mos- ticulações, os músculos. Mas se não ginasticarmos
tram-nos que devemos criar, nas nossas organiza- o cérebro, se não criarmos um ginásio do conheci-
ções de trabalho, espaços para que continue a haver mento não vamos longe, porque mesmo a própria
partilha de opiniões, partilha de conhecimentos, parte orgânica, a parte muscular e a parte das arti-
partilha de sabedorias, para que o cérebro funcione culações, não funcionará bem se o conhecimento e
um pouco melhor. Isto porque, fica aqui implícito, o ginásio dos neurónios não fizerem o seu trabalho.
o cérebro é um órgão extremamente plástico e o
Na Secretaria-Geral temos tido essa necessidade e
que vai acontecendo ao longo da vida vai moldar o
o desafio que a Elisabete me fez foi “vocês têm um
cérebro que se modifica, nascem novos neurónios. E
pensamento um bocadinho fora da caixa”. Queria
isto é um paradigma que não se sabia, há neurónios
deixar aqui um repto, se é que tenho a ousadia de
que podem nascer, não é só quando nascemos que
fazer isso, mas vou fazer: talvez seja o momento
temos o nosso número de neurónios fixo, eles vão
de começarmos a dizer que não é “fora de caixa” e
nascendo e desenvolvendo-se ao longo do tempo e
“dentro da caixa”. A caixa é que precisa de mudar
há áreas do cérebro que podem mesmo aumentar
porque se continuamos a dizer sempre que está
de tamanho.
muito “fora da caixa” estamos a admitir que isso é
O exemplo mais conhecido é o dos taxistas de Lon- a exceção e não é a regra. Todos temos competên-
dres que têm uma área de memória visual que é cias e capacitação interna para poder efetivamente
muito mais desenvolvida do que as restantes pes- assumir que vamos começar a falar desta felicidade
soas. Também os músicos, com as suas mãos, têm como uma parte integrante e absolutamente neces-
uma parte do córtex motor muito mais desenvolvi- sária da nossa atividade.
da. O cérebro desenvolve-se e adapta-se. Termos
A Secretaria-Geral da PCM sentiu efetivamente a
um ambiente de trabalho que não prejudique o fun-
necessidade de mexer e de fazer esse turbilhão
cionamento do cérebro não leva a fenómenos de
interno, porque ao longo dos anos vamos cuidando
degenerescência e, pelo contrário, promove o seu
da organização. Todos sabemos, que ao longo dos
florescimento.
últimos 15 anos, a bordagem é a de cuidar da or-
Elisabete Reis de Carvalho – Catarina, como é que ganização. Para cuidar da organização temos que a
criamos um ambiente de trabalho, nas organiza- conhecer.
ções, que leve a sentimentos positivos e ao cres-
Para cuidar da organização, temos que perceber
cimento e permanente desenvolvimento do cére-
quem somos, para onde vamos. Temos os quatro
bro?
eixos dentro da Secretaria-Geral da PCM que obri-

96
garam, com todos os dirigentes, com todos os fun- mais sereno, mais estável; “sou o vermelho” porque
cionários e com alguns dos colaboradores e parcei- tenho que bombear e ter uma escala de cores ou
ros externos e internos, a encontrar a identidade, o outros que são laranja, porque não podem ser ver-
sentido de pertença quer de pertença interna quer melho e no dia em que forem vermelhos a sua razão
de pertença externa, dentro da AP e fora da AP. de ser deixa de existir, têm que ficar ali como bar-
reira.
Fizemos então um desafio e juntámos todos os co-
laboradores da Secretaria-Geral e tentámos brincar Este parece um exercício altamente inútil porque o
com nomenclaturas que todos conhecemos, que que é que fazemos com isto? E agora vamos fazer o
todos usamos e escrevemos à exaustão e que são as quê? Vamos criar um boneco. Então, vamos pensar
nossas unidades orgânicas. Todos fazemos parte da outro exercício, vamos pensar qual é o boneco e
organização e todos temos uma unidade orgânica. qual é a imagem, o símbolo em que se revêm neste
Não é fácil tentar abordar um determinado número exercício? Foi muito engraçado, porque foi o primei-
de conceitos, mas abordámos, pelo lado da abstra- ro que foi feito em sede de unidade orgânica mas o
ção, porque as pessoas têm sempre o receio de que mais interessante para foi que, nesta altura, quando
estejamos a desafiá-las para algo que elas não con- as unidades orgânicas já se fecharam só nelas, nesse
seguem perceber bem ou algo que elas não sabem sentido de pertença como estavam antes, já se preo-
se vai ser avaliado, que resposta certa é que têm de cupavam que essa cor não pode ser porque é dos re-
dar e isto foi um grande desafio. Se fosse um órgão cursos humanos, não essa cor não pode ser porque
do corpo, sendo o corpo a organização, a organiza- as roldanas fazem mais sentido do outro lado, ou
ção a que pertenço, que órgão é que seria? Tenho seja, perceber que quando defino uma identidade
que dizer que foi muito engraçado, porque todos tenho que pensar na minha identidade em função
disseram o coração, porque sem ele nada funcio- da organização e esta ginástica são conceitos apa-
na, tenho que ser o coração. Mas houve outros que rentemente inúteis mas que ficam na pertença das
disseram “sou as mãos”, as relações públicas disse- pessoas dentro da organização. Então, cada unidade
ram que eram o rosto, que eram a cara, que eram orgânica pensou o seu símbolo e entregou ao nosso
os olhos. A auditoria disse que eram os rins, porque designer gráfico a ideia e cada um deles teve de ex-
se falham está tudo estragado, felizmente são dois, plicar a razão de ser daquele símbolo e não outro.
a auditoria e a inspeção e por isso a coisa vai funcio-
Claro que, chegados a este ponto, pensamos: então
nando; a organização e projetos assumiram-se logo
temos o símbolo, temos a cor associada ao símbolo,
como as articulações, ou seja, quem faz a articulação
temos o organismo praticamente construído. Notem
entre todas as unidades orgânicas e põe as coisas a
que isto é só a título de exemplo, temos muito mais
andar.
unidades orgânicas e temos que definir o que é que
Chegámos à conclusão que não há unidades orgâni- fazemos. Então decidimos criar uma frase com que
cas mais importantes que outras, têm funções dife- as pessoas se identificassem, com que cada grupo
rentes, são complementares e que, necessariamen- se identificasse. E depois começámos a ouvir “mas
te, umas dependem das outras, mas que têm de isto é científico? O trabalho que estamos a fazer,
ser vistas de helicóptero, têm que ser vistas de uma tem alguma base científica?”. Então, transforma-
forma agregada, multidisciplinar e multifuncional. mos numa equação e tornou-se científico. Juntámos
o nosso órgão coração, a nossa cor, a nossa força
Depois fizemos o desafio seguinte: então já decidi-
mais o nosso lema “as pessoas em primeiro lugar” e
ram que são os intestinos ou as mãos, ou a boca,
tivemos a direção de serviços de recursos humanos.
ou os braços e que, todos juntos, somos o cérebro
Aquele resultado, se não era científico, tornou-se.
da organização e não a direção superior. Não é a
direção superior que é o cérebro porque ao cérebro Este é o nosso resultado, o logotipo da Secretaria-
pertencemos todos, todos fazemos parte. Somos -Geral da PCM neste momento, e temos aqui as
todos os estilos e as sinapses que alimentam isto e, nossas unidades orgânicas. Podíamos ter chegado
depois, fizemos um desafio mais abstrato que foi, a isto com muito mais facilidade, mas agora há o
então e se tivéssemos que ser uma cor? Uma cor, sentido de pertença e cada um sabe como é que
claro que todos querem ser o vermelho, começamos se chegou lá. As pessoas no princípio deste exercí-
a ouvir, ”sou o azul” porque o azul é a confiança, é cio, choravam porque não queriam, mas tínhamos

97
uma bola e mandávamos a bola para as pessoas próprios desenvolvem já projetos-piloto e depois
falarem, para dizerem coisas, o que é que pensa- vamos ver se os transportam ou não para toda a or-
vam, se eram veias, se eram pele, se eram unhas. ganização.
As pessoas estavam completamente fora de si, fora
Elisabete Reis de Carvalho – Catarina, estou a
da sua zona de conforto, mas tivemos que pedir que
adorar a partilha de uma administração com cor
confiassem nas lideranças. Em todos os ambientes
porque um dos mitos da Administração Pública é
de trabalho tem que se criar processos de confiança
que é monolítica, cinzenta, muitas vezes assente
com as pessoas.
naquele paradigma muito antigo de “uns pensam
Voltamos agora um bocadinho atrás. Vocês dizem, os outros fazem e aqueles que fazem não pensam”.
sim “vocês têm um organismo”, se têm tudo a fun- E é isso que não queremos, porque temos organi-
cionar bem, os rins, os pulmões, o cérebro, as articu- zações que criam valor e criam valor para a socie-
lações a funcionar bem, está tudo conquistado. É um dade, porque servem a sociedade e, para termos
erro e foi onde chegámos a seguir. Então andámos organizações que inovam e que sabem trabalhar
outra vez para a frente e pensámos “não nós até de forma colaborativa, temos que valorizar as
podemos ter isto, mas não temos outra coisa”. O que pessoas.
é que aquele boneco não tem e de que já se falou Vou pedir que partilhem uma boa prática para
tanto durante o dia de hoje? Não tem a felicidade. termos uma Administração Pública colaborati-
Vou pedir a alguém que me empreste uma gravata. va, inovadora e que valoriza o seu elemento mais
Houve um físico que ganhou um prémio Nobel e importante, as pessoas que nela trabalham, para
que, quando lhe perguntaram qual era a solução depois servir bem as pessoas que recebem os seus
para os problemas ele dizia sempre que todas as so- serviços e o valor que ela cria.
luções, para todos os problemas, estavam na Ciência Ana Isabel Fernandes – Sou adepta do trabalho em
e na Física. Com base nisso pensei: se tivéssemos rede, que fomento muito na Secretaria-Geral e no
assim a gravata, em tensão, se tivermos a nossa or- Ministério. Estas iniciativas e todo este trabalho feito
ganização em tensão, se estivemos sempre a pres- ao longo dos anos só foram possíveis porque houve
sionar, sempre a pressionar, se a tivermos sempre envolvimento de todos os serviços, houve disponibi-
em tensão, conseguimos uma linha reta fantástica, lidade para sair “fora da caixa” e fazer coisas diferen-
estável, rígida e forte. Mas, se aliviarmos a tensão, tes. Todavia, nem todas as iniciativas correm bem,
conseguimos um semicírculo que faz um sorriso, e é mas se não as experimentarmos não sabemos e,
isso que estamos a tentar fazer, aliviar um pouco a efetivamente, parece-me que a cooperação e a par-
tensão e trazer o sorriso para a organização. tilha são essenciais para que se possa contaminar
Estamos a cuidar da organização, mas a fazer o bons ambientes de trabalho e, sem o envolvimento
enfoque no cuidar das pessoas, envolvendo-as nos das pessoas, obviamente que nada disto era possí-
projetos e, também nessa sinapse das pessoas, a vel, porque são elas que fazem parte da organização.
responsabilidade social, cuidar das pessoas para Podem pensar “a Defesa, com certeza que tem uma
dentro e cuidar das pessoas para fora. Temos ali equipa só para isso”. Não é verdade. Contagiámos
um outro logo do futuro, porque não queria deixar os colaboradores durante alguns anos e, agora, há
de partilhar convosco que todos estes processos de cerca de um ano, temos um grupo recreativo, des-
construção são processos que tanto podem aconte- portivo e cultural que, em parceria com a Secre-
cer de forma transversal nas organizações, ou seja, taria-Geral e o Ministério, já fizeram a 1ª grande
em toda a organização, mas temos também proje- corrida da Defesa e outras iniciativas. No outro dia
tos, que são projetos-piloto que nascem dentro das apadrinhámos, um cachorro e o cachorro andou ali
próprias unidades orgânicas e temos que estar pre- pelo Estado-Maior o que foi, completamente, uma
parados para esta reação, e não podemos querer inovação não há dúvida, por acaso já foi adotado e
que as pessoas façam a ebulição e que depois, ainda bem. É importante pensarmos que, afinal, as
quando ferve, não comece a saltar e temos estar pessoas fazem falta, que podemos fazer qualquer
preparados para isso. coisa diferente e podemos trabalhar com vontade.
Por exemplo, a direção de serviços financeiros e de Elisabete Reis de Carvalho – Como é que criamos
contabilidade tem este saber do futuro em que eles confiança e sentido de apropriação na organização?

98
Helena Marujo – Eu trazia o exemplo da minha desenvolver. As perguntas sobre a organização são
“própria casa” e o que é que tentámos fazer. Por a procura do que ela tem de melhor, quais são os
um lado, criámos uma unidade de missão que se seus pontos altos, o que é que as pessoas trazem de
chama “bem-estar”, com o objetivo de assegurar que melhor para a organização e, portanto, exploramos
isto passa a ser importante e passa a fazer parte do e trabalhámos a partir do que existe de bom, de fun-
coração da organização, preocuparmo-nos com o cional e depois sonhamos o futuro com base nesta
bem-estar dos nossos colaboradores. Nesse con- bagagem, que é o que temos já a funcionar bem. Em
texto, fizemos um estudo “A pegada da felicidade”. particular, nessa conversa em Agronomia, tínhamos
Ouvimos todos os atores ligados à nossa escola, desde os órgãos de gestão à conversa com alunos
para identificar o que os faz mais felizes ou mais in- de Erasmus, com alunos nacionais, tínhamos uns
felizes. Fizemos propostas de promoção da felicida- senhores da Europa de Leste que trabalham a terra
de e, assim, fizemos a nossa pegada da felicidade. diariamente nos terrenos de Agronomia, sentados à
mesma mesa com a direção da faculdade, a identifi-
Começámos a oferecer, através de sinergias, de um
car as forças da organização, a planear e a sonhar o
conjunto de ferramentas de promoção do bem-
futuro em conjunto.
-estar e da felicidade individual, desde treino de
mindfulness, aulas de ioga, programas de promoção Nesta ligação entre ferramentas individuais, como é
da felicidade e da paz, caminhadas pela biodiversi- que aprendemos a focar-nos e a desenvolver o bem-
dade, para nos lembramos que sem sustentabilida- -estar das nossas vidas, a ser mais resilientes ou a
de não há planeta e ecologia e não vai haver Admi- cuidar do planeta, juntando depois todo um traba-
nistração Pública para ninguém e, portanto, sempre lho que é coletivo? Nós só vamos conseguir inovar,
com a preocupação não apenas de abrir para o in- só vamos conseguir avançar se estivermos juntos.
terior da nossa organização, mas abrindo sempre
Isaura Tavares – Continuo a falar dos mitos porque
para o exterior. A comunidade pode vir a participar
gosto de os desfazer, ou de tentar desfazê-los e acho
nestas iniciativas, são todas gratuitas, mas como não
que os mitos se desfazem com provas de conheci-
nos interessa apenas o lado da promoção do bem-
mento validadas. Queria partilhar convosco dois
-estar individual, fizemos também várias iniciativas
mitos que as experiências científicas mostraram que
com o objetivo da promoção dos bens relacionais
devem cair. Um, que é óbvio e já todos sabem que
que há pouco elencámos, nomeadamente, fizemos
trabalhar muito tempo, não é necessariamente tra-
uma intervenção na Universidade de Lisboa.
balhar bem. Foi feito um estudo em que os trabalha-
Convidámos todas as unidades orgânicas, que são dores eram obrigados, ao fim de cada 45 minutos,
dezoito, a participar em conversas, de novo abertas a fazer uma caminhada dentro do espaço das ins-
à comunidade interna e externa de cada escola, em talações de 15 minutos. Não era preciso ir a correr
Direito, em Medicina, em Veterinária, etc. E o convite nem levar os ténis, bastava que se mexessem. Isto
era feito para as pessoas virem durante um par de aconteceu ao longo do dia durante um período de
horas, com comida, porque a comida é um agrega- dois meses. Ao fim desse tempo, verificou-se que
dor muito importante e facilita os processos relacio- esse tempo que se tirou ao trabalho melhorava
nais e participativos. Fizemos em cima da hora do muito a produtividade. E isto faz sentido do ponto
almoço e convidamos todos os atores para estarem de vista das Neurociências, porque o cérebro gasta
presentes, tentando promover conversas imprová- 25 % da energia que consumimos e, portanto, tudo o
veis, ou seja, pôr a conversar e a trabalhar em con- que leve a um aumento da circulação vai acabar por
junto o tema da felicidade pública na universidade. melhorar o desempenho cognitivo e, consequente-
mente, a criatividade, a produtividade, o foco e tudo
Cada área científica pensou na maneira como, por
aquilo que precisamos para trabalhar bem e produ-
exemplo, a Agronomia contribui ou já está a contri-
zir muito. Pausas ativas são algo que todos podemos
buir internamente e externamente para a socieda-
fazer mas esquecemo-nos.
de e para a felicidade coletiva. E dou o exemplo de
Agronomia que foi uma das conversas mais vibran- Por outro lado, a questão das recompensas. O mito
tes. Usámos uma metodologia participativa com é que a única recompensa que nós podemos ter é
questões apreciativas, que é um outro modelo de um bom ordenado, é óbvio que é uma boa recom-
trabalho do inquérito apreciativo que temos vindo a pensa mas, se nós, trabalhadores públicos, só fun-

99
cionássemos por essa recompensa, há uns anos te- Elisabete Reis de Carvalho – Estas duas questões
ríamos pendurado as nossas botinhas e estávamos que selecionei revelam que, embora estejamos
todos muito mal. De facto, continuámos a trabalhar, todos a querer uma Administração Pública com
a acreditar naquilo que fazemos. Foi feita também cor, em que as pessoas são valorizadas e onde se
uma experiência que mostrou que, em ambiente cultiva o afeto, por vezes, ainda há algo de cinzento.
laboral, quando eram feitas recompensas aos tra-
A pergunta que nos foi dirigida é “Inovar versus a
balhadores, por exemplo, hoje sais mais cedo uma
vertigem do controlo, como mudar mentalidades?”.
hora, hoje vamos buscar o teu filho ao infantário,
essas recompensas eram muito importantes, tanto Catarina Romão Gonçalves – O cinzento também
mais quando eram imprevisíveis, porque o cérebro é uma cor muito importante não esquecer isso, por-
liberta um neurotransmissor importante que é a do- que todos, nas nossas atividades profissionais nos
pamina que nos fazer sentir bem. divertimos imenso e nos aborrecemos imenso e
todos temos leis para cumprir, todos temos norma-
Portanto, recompensas sim, não têm que ser neces-
tivos internos para cumprir, todos temos as nossas
sariamente recompensas financeiras, embora gos-
vidas pessoais que nos auto regulam e que nos
temos que o nosso trabalho seja devidamente pago,
impõem restrições que, muitas vezes, são até mais
obviamente, mas é importante criarmos ambientes
cinzentas porque entendemos por cinzento a deter-
de trabalho em que as pessoas se sintam recom-
minação legal ou funcional, mas acho que o Mário
pensadas e pode ser por afetividade, por haver uma
usou a expressão correta que é “vertigem”. Se é uma
palavra. Uma recompensa é muito importante, para
vertigem é porque não é assim tão claro e tão lúcido,
que o cérebro funcione bem.
embarcamos numa vertigem de achar que é assim,
Fizemos uma semana da gratidão na organização porque tem que ser assim ou porque nos impõem e
e durante uma semana, através da Intranet, toda a nos controlam.
gente recebeu um convite para praticar uma ação
É preciso darmos a oportunidade de nos tentar le-
de gratidão e desenvolver aquilo que sabemos que
vantar de vez em quando, e levantar não tem que
tem impacto do ponto de vista até do sistema imu-
ser em sentido figurado, às vezes é mesmo levan-
nitário, pois sabemos que as pessoas que têm maior
tarmo-nos e não só pormo-nos no lugar do outro,
gratidão pela vida têm uma saúde cardiovascular
mas no lugar dos outros todos. Não é fácil, estamos
melhor. Portanto, durante uma semana, trabalhá-
muito pressionados, todos sabemos que a Admi-
mos todo os dias, uma forma diferente de praticar
nistração Pública tem um défice de ativos e todos
a gratidão e terminámos essa semana indo a cada
sabemos que precisamos de renovar a administra-
um dos gabinetes, a cada um dos funcionários, para
ção. Acredito que é mesmo a palavra certa, é uma
entregar uma mensagem escrita à mão, de valoriza-
vertigem e sendo uma vertigem, não sendo lúcido,
ção e reconhecimento pelo seu trabalho. A surpre-
significa que estamos mais próximos da solução do
sa com uma coisa aparentemente tão insignificante
que dentro do problema.
como esta teve um impacto brutal na qualidade da
relação entre as pessoas e da relação com a própria Elisabete Reis de Carvalho – Vou novamente fazer
organização. a paráfrase da pergunta que recebemos. E a per-
gunta traduz-se no seguinte: “Nós, nas organiza-
Catarina Romão Gonçalves – Queria partilhar uma
ções, muitas vezes na gestão, colocamos as pes-
boa prática da Secretaria-Geral que não tem nada
soas em caixas, no seu posto de trabalho, dentro
para além de todas aquelas que já partilhei e é aquela
daquela unidade orgânica e, muitas vezes, mesmo
que é mais técnica e que é termos tido a ousadia
que o trabalhador queira ir para além da caixa não
de incluir nos objetivos estratégicos, o cuidar das
consegue. O que é que podemos fazer na Adminis-
pessoas como um objetivo estratégico e, a partir daí,
tração Pública para ele poder desenvolver-se para
tem-se um desdobramento dos objetivos para todas
além da caixa?”.
as unidades orgânicas e para todas as pessoas.
Temos que criar estas linguagens sensitivas dentro Ana Isabel Fernandes – Queremos ter o conforto
dos próprios instrumentos de gestão e pensar um de não sair da caixa mas, o que cada vez mais noto,
pouco na tecnicidade destes instrumentos e pô-los na minha organização e nas outras pelas quais
ao serviço das organizações e, também deste ponto tenho passado, é que há trabalho de equipa e prezo
de vista, da multiplicidade das inteligências. o trabalho de equipa. É claro que há discussão, há

100
cedências mas, com o trabalho de equipa o resul- do, a celebrar cada vitória. Considero que a inovação
tado final é o consenso e a implementação daquilo tem que ser feita com rodinhas, com muito apoio de
que se decidiu fazer acaba por ser muito mais fácil. selim, com muito incentivo de quem está ao lado e
Hoje em dia, não podemos dizer que temos legisla- a partir daquilo que é a posição de cada um, ou seja,
ção apertada, porque a legislação também permite quando o convite é fazer diferente, temos sempre
às pessoas requererem a mudança do posto de de saber muito bem onde é que está cada pessoa da
trabalho e sair da caixa, mudar, porque temos essa nossa organização. Estes processos não podem ser
possibilidade de as pessoas poderem desempenhar forçados, porque senão acabamos por ter um resul-
outra função, (o que nem sempre é possível porque tado oposto àquele que estamos a pretender e que
há falta de pessoal). é o envolvimento, o reconhecimento e a satisfação
das pessoas com as mudanças.
Queria partilhar um dos constrangimentos que noto
ao nível do trabalho diário que é a rigidez da orga- Isaura Tavares – Relativamente à questão contro-
nização dos tempos de trabalho. Temos um con- lo, penso que temos demasiado na Administração
junto de modalidades de horários, flexível, rígido, Pública. Comparando com o meu trabalho, há 30
entre outros. Temos teletrabalho há muito tempo anos, quando queria comprar um reagente para
mas ninguém requereu, mas não há possibilidade fazer uma parte da investigação, preenchia um for-
de podemos adaptar os horários de trabalho às mulário e pronto, assumiam que queria, de facto,
reais necessidades dos serviços. Temos a gestão do aquele reagente, que precisava daquilo para traba-
centro de dados da Defesa, comum aos ramos da lhar. Agora, tenho que provar que preciso, mostrar
Defesa e, efetivamente, aquelas equipas precisam porque é que preciso, para que é que serve, o que
de trabalhar fora do horário normal, ou seja depois é que acontece se não funcionar. Mas também
das 20 horas e, muitas vezes, até de madrugada. estamos aqui a falar de valorizarmos as pessoas,
E dizem-me que essas horas depois das 20 horas mas na realidade, estamos a esmagar-nos a nós pró-
não contam, não podem ser contabilizadas porque prios com excesso de burocracia e a burocracia tem
a lei não permite. Para compensarmos as pessoas mesmo que ser simplificada. Compreendo o Mário
temos que ser muito criativos, e somos, no sentido que pôs a questão do controlo, da vertigem do con-
de que aquele trabalho só pode ser durante aquele trolo. Compreendo perfeitamente essa designação,
período. Então, porque não existir também alguma estamos a controlar muita coisa, porque houve
flexibilidade na organização dos tempos de traba- algumas situações em que eventualmente as coisas
lho? Deixo aqui o desafio de podermos, talvez agora não correram bem, mas estamos a controlar tudo.
no âmbito do SIIGEP, de podermos tentar apresen- Comparo-me com colegas investigadores noutros
tar um projeto para suspender esse regime. países como, por exemplo, nos Estados Unidos, e é
tudo muito mais fácil e, por isso, também eles pro-
Helena Marujo – Deixo aqui uma metáfora, que é
duzem muito mais do que nós aqui, em Portugal.
para aqueles de nós que aprendemos a andar de bi-
cicleta. Primeiro aprendemos com rodinhas. Depois Elisabete Reis de Carvalho – Fica o desafio para o
tiravam-nos as rodinhas, havia alguém a segurar no futuro, para um tema no futuro, “a vertigem do
selim e havia quem estivesse, ao lado, entusiasma- controlo versus a vertigem da confiança”.

101
102
Sessão de Encerramento
Fátima Fonseca
Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público

E não é por estar nas Finanças que vou afirmar isto:


inovar não depende de haver dinheiro. E não depen-
de de haver dinheiro. porque aparentemente, mui-
tas vezes, a fluidez de recursos é, de forma parado-
xal, inimiga da inovação.

Isto não significa que tenhamos que viver à míngua,


mas não podemos utilizar a falta de verba para nos
demitirmos da responsabilidade de inovar. Deve-
mos, sim, investir nos meios certos, nas coisas sim-
ples que fazem muita diferença na gestão quotidia-
na das nossas equipas e é seguramente necessário
investir na formação.

Em primeiro lugar quero agradecer a presença de Devemos definir a estratégia para articular as mis-
tantos e tantas ainda na sala. Esta é uma pequena sões organizacionais com as políticas públicas que
maldade que vos fizemos, na véspera de um fim de competem à Administração Pública prosseguir e
semana prolongado para muitos, num dia em que criar ambientes de trabalho propícios à criatividade,
os transportes não estão fáceis e em que o tempo e onde nos sintamos à vontade para arriscar fazer
está adverso, termos a ousadia de vir aqui falar so- diferente, para fazer melhor.
bre inovação na Administração Pública.
No próximo ano fará vinte anos o diploma que foi
Mas é, de facto, um tema importante e vou procu- publicado em 1999, o Decreto-Lei n.º 135/99, o diplo-
rar sintetizar, embora esteja completamente zen ma da modernização administrativa.
depois deste último painel que foi muito inspirador
e que só reforça o que muitos de nós intuíamos: o Nas letras miudinhas, no meio do texto, dizia duas
capital psicológico da Administração Pública é muito coisas singelas. Em primeiro lugar, que os trabalha-
superior àquilo que muitos julgam. E é claramente dores devem participar no funcionamento dos seus
positivo não só porque a Administração Pública tem serviços, que deve haver espaço para a sua partici-
dado provas de muita resiliência, mas porque tem pação e esses modelos de participação devem ser
demonstrado, no terreno, em concreto e por inúme- ativamente construídos pelos dirigentes. Em segun-
ras ocasiões, que é possível inovar. do lugar, que os dirigentes têm um papel inovador.
Sim, falava-se de inovação há 20 anos e falava-se de
Queria, portanto, sintetizar algumas ideias-chave inovação a propósito da gestão, não apenas de ino-
que me parecem muito relevantes. Foram referidos vação tecnológica.
vários mitos que, do meu ponto de vista, me pare-
ce importante desmistificar a propósito do tema da Sabemos que a inovação não depende só das tec-
inovação: 1.º mito - não é possível inovar na Admi- nologias – e aqui abordo o 2.º mito – depende es-
nistração Pública; 2.º mito - inovar depende da tec- sencialmente das pessoas, da forma como se veem
nologia; 3.º mito - inovar depende de haver dinheiro. umas às outras, da forma como se relacionam e

103
como olham para as tecnologias como um facilita- de incentivos à inovação, vem desafiar-nos também
dor da sua atividade, mas não se depositam “nas a poder exercê-lo.
mãos” das tecnologias para terem qualquer efeito
transformador milagroso. Penso que todos podemos dar por adquirido que os
três mitos que referi foram hoje aqui derrubados,
Regressando ao primeiro mito, porque não podemos para além de todos os outros mitos que foram refe-
deixar de o sublinhar, não estamos como nas empre- ridos, sobretudo neste último painel.
sas, numa situação de “inovar ou morrer”, de “inovar
ou desaparecer”, mas inovar também é necessário Então o que é que nos está a impedir de inovar mais?
Vou fazer uma pequena brincadeira com o título
para a sobrevivência da Administração Pública. Tal-
desta sessão de hoje. Diria que as nossas barreiras
vez não da forma como a conhecemos, porque os
são as fronteiras que criamos para nós próprios.
tempos mudaram, os formatos mudaram, os mode-
Serão barreiras, serão constrangimentos? Até rima,
los de gestão mudaram. Mas a Administração Públi-
barreiras são fronteiras. Mas talvez as fronteiras
ca, e todos nós aqui presentes acreditamos nisso, é
sejam mais virtuais do que reais, porque para cada
uma peça essencial para a qualidade da nossa demo-
barreira, para cada fronteira, existe um antídoto,
cracia, para uma sociedade mais justa, porque da
existe algo que podemos fazer para ultrapassar com
qualidade da Administração Pública depende, não só
sucesso aqueles que podem ser obstáculos aparentes.
a prestação de serviços públicos essenciais a todos
os cidadãos, mas também a criação de um ambiente Começando pelo 1.º painel e pelas fronteiras insti-
propício ao funcionamento da economia, dos agen- tucionais. As fronteiras institucionais são, muitas ve-
tes económicos e dos agentes da sociedade civil. zes, formais. Nem sempre são formais e, por vezes,
estão subentendidas, mas dizem respeito a territó-
Inovar na Administração Pública é também uma
rios que estão delimitados entre setores, entre áreas
questão de sobrevivência porque, tal como o pas-
governamentais, entre organizações.
sado recente demonstrou, nada está garantido e
quando nada está garantido a única coisa que pode- As políticas e os modelos de gestão que temos que
mos fazer é inovar para garantir legitimidade, para implementar e que encorajar devem permitir atra-
garantir a continuidade das nossas organizações. vessar fronteiras, sejam elas físicas, sejam elas de
competências, devem-nos permitir que as missões
A Administração Pública vive num ambiente regula-
sejam cumpridas, em cooperação, em interação,
do, mas a lei não pode ser uma desculpa para dei-
sendo certo que as fronteiras, a existirem, devem
xarmos de inovar. A lei é tanto uma forma de nos
servir-nos apenas como um referencial para a atua-
indicar um caminho, por vezes de forma excessiva-
ção e nunca como um inibidor da atuação.
mente prescritiva, é certo, mas que também pode
ser olhada como um espaço imenso de liberdade e Quebrar fronteiras significa, muitas vezes, e volto ao
para isso é que existe o direito ao desafio. 1.º painel, institucionalizar a governação da inova-
ção. O que é que nós podemos fazer para que a go-
E quero sublinhar o direito ao desafio, porque a for-
vernação e para que a inovação aconteçam?
ma como o Governo pensou o sistema de incenti-
vos à inovação que foi apresentado em junho e que Muitos terão muitas respostas nas suas caixas de
hoje aqui retomamos, terá seguramente desenvolvi- ferramentas, mas diria que não existe um caminho
mentos ao longo do próximo ano, porque queremos certo, existem soluções que podemos e devemos
mais resultados da inovação e mais projetos experi- experimentar, sendo que uma coisa parece razoa-
mentais para além daqueles que foram mostrados e velmente óbvia, no fim deste dia de trabalho. É que a
que são só a face visível daquilo que já está a germi- inovação será sempre um processo de natureza co-
nar em muitos e muitos serviços públicos. laborativa, entre todos os atores que são relevantes
para um sistema de inovação: políticos, empresários,
Precisamos de nos permitir desafiar mais a lei, na
dirigentes, trabalhadores, a academia, organizações
sua letra, nos seus pressupostos, na sua substância
da sociedade civil, cidadãos. Todos têm um papel a
ou naquilo que está subentendido. Precisamos de
desempenhar, um papel muito relevante.
encarar a lei como um espaço de liberdade e o direi-
to ao desafio, tal como está conformado no sistema O segundo tipo de fronteiras que, também, tem um

104
antídoto são as fronteiras digitais. Muitas vezes, te- Foram dadas tantas pistas neste último painel que
mos uma relação bastante ambivalente com a tec- não arrisco a identificar uma só chave. Talvez possa
nologia, somos muito recetivos, utilizamo-la muito procurar sintetizar, dizendo que inovar é uma atitu-
na nossa vida pessoal, mas quando ela começa a de positiva que podemos treinar. Podemos treinar,
interferir excessivamente com o nosso trabalho, co- se quisermos, e aqui a nossa vontade é um elemen-
meçamos a olhá-la de outra forma, precisamos dela to determinante, porque ninguém vai inovar por de-
resistindo ao seu efeito e, muitas vezes, também nos creto.
demitimos de tomar medidas simples por ficarmos
à espera de uma plataforma informática milagrosa Hoje anunciámos aqui três prémios de inovação,
que resolva todos os nossos problemas carregando não sei se se deram conta. Sugiro que nos próximos
num botão, coisa que não existe e, lamento consta- dias, nas próximas semanas, estejam atentos ao site
tar esta evidência, dificilmente existirá. do INA onde a informação será disponibilizada. O
despacho foi assinado pela Senhora Ministra da Pre-
Há algo que foi dito aqui, no segundo painel, que me sidência e pelo Senhor Ministro das Finanças e vem
parece muito significativo. A tecnologia não substitui criar três prémios para projetos que tenham resul-
a intervenção nem a decisão humana nos seus as- tados inovadores. Não são ideias, não são projetos
petos mais relevantes, é um aliado, é um player com que vamos testar, que vamos experimentar, não são
o qual temos que contar e é preciso não esquecer projetos experimentais que comecem agora. São
que administração digital não significa uma adminis- resultados efetivos de projetos de inovação que já
tração puramente tecnológica. Significa aliar novas tenham dado resultados e que tenham resultados
tecnologias a novos comportamentos, o que requer concretos para demonstrar.
necessariamente um acervo muito distinto de novas
competências. A tecnologia também tem uma di- Esses prémios seguem os três eixos de política que
mensão humana que lhe subjaz e relativamente à o Governo definiu para modernizar, para mudar a
qual também produz efeito. face da Administração Pública nesta lógica incre-
mental e responsabilizante em termos individuais
A terceira categoria de fronteiras, talvez a mais desa- e contínuos. Esses pilares são três. E recordo aquilo
fiante, foi abordada aqui neste último painel e que que que o Senhor Ministro das Finanças referiu hoje
nos dispôs tão bem. As fronteiras mentais. E fron- de manhã.
teiras mentais são, de facto, as mais difíceis, porque
mexem com a nossa natureza humana. Somos seres O primeiro, a valorização dos trabalhadores da Ad-
humanos, temos sentimentos, queremos e cultiva- ministração Pública. É certo que existem matérias
mos o nosso território, temos um sentido de auto salariais a ter em conta, existem matérias de carrei-
preservação muito forte e, portanto, quando algu- ra a ter em conta, são áreas que não nos inibimos
ma destas coisas é colocada em causa tendemos a de discutir e de tratar, mas trabalhar essas duas
reagir um pouco mal. É humano, temos que perce- frentes não nos deve permitir deixar para segundo
ber porque é que funcionamos assim e, no contex- plano trabalhar uma terceira face desta moeda. É
to organizacional, temos que criar ambientes onde uma moeda com três faces, o que é também uma
nos sintamos suficientemente confortáveis para inovação. Esta terceira face é a dimensão da capa-
arriscar. Os nossos territórios estão, muitas vezes, citação dos trabalhadores, do desenvolvimento das
mais na nossa cabeça do que na nossa descrição competências necessárias para poderem produzir
de funções, do que no acervo de competências da de forma diferente, para podermos funcionar de for-
nossa organização, do que na nossa lei orgânica. ma diferente, para corresponder aos desafios que a
Temos que saber criar o nosso próprio espaço de sociedade nos exige que sejam satisfeitos.
conforto para poder arriscar mais, porque sem risco
A segunda dimensão é construir bons ambientes de
não existe inovação e, sem colaboração, não existe
trabalho, os tais ambientes positivos, participados,
inovação. Porque a inovação também é trabalho de
onde exista tempo e espaço de conforto para arris-
equipa. Tem uma componente individual, de atitude
car e inovar.
individual que tem de ser trabalhada mas é sempre,
de facto, um trabalho de equipa, mesmo quando im- E a terceira dimensão são os novos modelos de ges-
pulsionado por algum antídoto. tão. Gerir de forma diferente, gerir com qualidade

105
diferente, gerir as organizações públicas de formas nem por isso, com este treinador ou com outro qual-
pouco habituais, no nosso contexto de matriz jurídi- quer, embora este treinador nos tenha conduzido
ca napoleónica europeia continental, porventura ex- nestes últimos quatro anos a muitas vitórias.
cessivamente ligada à letra da lei que nos define cada
passinho que precisamos dar. E essa é uma área que É preciso não esquecer, também, que qualquer equi-
pa precisa de ter adeptos e, tal como comecei por
temos que abordar, e temos que abordar, em con-
referir, nada pode ser dado por garantido. Todas as
jugação com as outras duas: valorizar os trabalha-
coisas que muitos de nós, na Administração Pública,
dores e desenvolver os bons ambientes de trabalho.
consideravam como certas e seguras foram questio-
A conjugação destas três dimensões tem um enor- nadas nos últimos anos e é bom que tenhamos essa
me potencial transformador. perspetiva, que nos mantenhamos em sentido, por-
que inovar é necessário para nos mantermos com
Para cada uma destas dimensões foi criado um credibilidade. E a Administração Pública precisa de
prémio para reconhecer projetos que tenham pro- ser credível, porque presta bons serviços e cria bons
vas dadas, que tenham resultados mensuráveis em ambientes para as empresas funcionarem, porque
cada uma destas áreas. O prémio, por simbólico que cria uma sociedade com conhecimento, com gente
seja, é interessante, são 10 mil euros para as equi- capaz, com gente que pode fazer diferente ao longo
pas que candidatarem os seus projetos. Mais infor- da sua vida. E os métodos que deram, muitas vezes,
mações estarão disponíveis, em breve, no site do fruto no passado, não são necessariamente os mé-
INA, peço-vos que estejam atentos, porque será, se- todos que nos servem no presente e nos servirão no
guramente, muito importante, reconhecer aqueles futuro, no funcionamento da Administração Pública
e aquelas que, ao longo destes anos, têm insistido e na forma como nos organizamos e trabalhamos.
em fazer coisas diferentes, apesar de todo o clima
adverso que a Administração Pública viveu. Não podemos viver reféns das coisas que nos são
familiares. A Administração Pública não tem falta
Em síntese, quebrar fronteiras é uma missão de de ideias, a Administração Pública tem muita gente
todos porque a inovação, de facto, é um jogo de com muitas ideias, talvez não tenham espaço sufi-
equipa. Nos três Encontros que o INA promoveu ciente para poder florescer, talvez não tenham espa-
no primeiro semestre deste ano, foram produzidas ço suficiente para as poder aplicar na prática.
conclusões e foram elaborados, a propósito de cada
um dos temas tratados, três pequenos cadernos ele- Estes momentos em que nos juntamos para ouvir
trónicos com essas conclusões que correspondem testemunhos do setor público e do privado ou da
aos mesmos três pilares, que referi há pouco, a pro- academia, são momentos muito importantes, por-
pósito dos prémios, os três pilares de atuação para a que nos ajudam também neste processo de nos
Administração Pública. questionarmos sobre aquilo que podemos fazer,
aquilo que está na nossa mão.
Se olharem para os documentos das conclusões
Reconhecer mais resultados da inovação é uma ex-
que, a partir de hoje, também, estão disponíveis no
pectativa que temos, não podemos ambicionar me-
site do INA vão constatar, tal como eu própria cons-
nos se nos momentos mais difíceis conseguimos ter
tatei, que existe uma grande conclusão que é trans-
uma dinâmica de inovação. Não a podemos perder,
versal aos três temas que foram tratados. Todos
agora que as coisas estão bastante melhor do que
participam neste jogo da inovação, e permito-me uti-
estavam no passado e não a podemos perder, por-
lizar esta metáfora, que não é inovadora, a metáfora
que nunca sabemos o dia de amanhã, precisamos
desportiva. Todos participam no jogo da inovação:
estar sempre atentos àquilo que é esperado de nós
os políticos, os empresários, os dirigentes, os traba-
e aquilo que é esperado da Administração Pública.
lhadores, a academia, as organizações da sociedade
civil e os cidadãos. Todos têm um papel a desempe- Vou pedir uma série de palavras emprestadas a
nhar, porque só juntos, e em conjunto, conseguimos este conjunto de senhoras que estiveram no último
dar força à nossa equipa e a nossa equipa é a Admi- painel, porque são muito significativas daquilo que
nistração Pública. É pela Administração Pública que vos gostaria de pedir. Aceitemos juntos o desafio de
vestimos a camisola, nos dias bons e os dias menos pensar e de agir. Pensar positivo, atuar com otimis-
bons, nos dias em que ganhámos e nos dias em que mo, partilhar o que fazemos com alegria, porque te-

106
mos um propósito comum de valorizar e capacitar a
Administração Pública para servir o país com liber-
dade e com responsabilidade.

Que cada um de nós faça a sua parte, vença as suas


barreiras e faça o seu melhor por esta grande equipa.

Muito obrigada e até um próximo Encontro.

107
DIREÇÃO-GERAL
DA QUALIFICAÇÃO
DOS TRABALHADORES
EM FUNÇÕES PÚBLICAS

Rua Filipe Folque, n.º 44, 1069-123 LISBOA | Tel. 214 465 300 | ina@ina.pt | www.ina.pt

108

Vous aimerez peut-être aussi